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Parte 3 GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS E GESTÃO DO USO DO SOLO

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Parte 3

GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS EGESTÃO DO USO DO SOLO

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Interfaces da Gestão de Recursos HídricosDesafios da Lei de Águas de 1997

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

O ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO E A GESTÃO DOSRECURSOS HÍDRICOS

Herbert O. R. Schubart

1. Água, espelho da vida

A água representa, ao lado da energia solar, um dos requisitos essenciaispara a vida na Terra. De fato, a maior parte da massa dos organismos vivos éconstituída de água e sua nutrição e suas excreções se dão sob a forma desoluções aquosas. Não admira, portanto, que o clima seja um dos fatoresimportantes na distribuição geográfica dos tipos de vegetação e dos seres vivosem geral sobre os continentes. Por exemplo, a distribuição das florestas pluviais,dos cerrados e das caatingas no Brasil correlaciona-se com o total de precipitaçãoanual e com a duração da estação seca (Goodland e Irwin, 1977).

O estoque de água no planeta Terra é de 1.385.984 mil km³, dos quais97,5% são águas salgadas e apenas 2,5% são águas doces. Estas ocorrem soba forma de neve permanente e geleiras (68,7%); de aqüíferos subterrâneos(30,1%); na umidade do solo, pântanos, permafrost e na atmosfera (0.97%); eapenas 0,27% nos lagos e rios, e 0,003% na composição dos seres vivos(Shiklomanov, I. A. apud Cohen, 1995: 300). A energia solar é essencial,também aqui, para manter em movimento o ciclo da água na Terra, causandoa evaporação da água dos oceanos, rios e lagos e a transpiração das plantas eanimais. O vapor gerado é transportado por correntes de convecção para aalta atmosfera, onde se condensa e se precipita sob a forma de chuvas e nevessobre os continentes, mantendo a umidade do solo, essencial para as plantas,e abastecendo os rios, lagos, geleiras e lençóis freáticos e os aqüíferos dosubsolo. Eventualmente, toda essa água, quando não é armazenada, evaporadaou transpirada, escoa para os oceanos por gravidade.

A água também é um poderoso solvente e reagente químico,desempenhando papel fundamental nos processos de intemperismo dosminerais da crosta terrestre, de lixiviação dos solos e de transporte de saisminerais em solução. A água, portanto, é um dos mais importantes vetores detransformação da superfície terrestre, alterando física e quimicamente as rochase transportando, por gravidade, partículas em suspensão e sais minerais emsolução para os fundos de vale, lagos, mares e oceanos.

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As paisagens resultantes desse processo de alteração das rochas dependem,também, de outros fatores, como dos tipos de rochas, da vegetação, do clima e,em escala crescente, da ação humana. As rochas podem ser mais ou menos friáveis,ou mais ou menos quimicamente reativas, resistindo diferencialmente à açãoerosiva da água, dando origem às mais distintas e às vezes espetaculares formasde relevo, como os “pães-de-açúcar”, “inselbergs”, chapadas, cavernas, valesencaixados, planícies etc. A vegetasção, por sua vez, ao mesmo tempo que dependeda água controla o fluxo da água na superfície da terra. As plantas, por meio dafotossíntese, produzem a matéria orgânica que constitui a base das cadeiasalimentares dos animais e dos microrganismos decompositores. Nos ecossistemasterrestres, a interação ao longo do tempo e sob condições climáticas determinadas,entre os seres vivos, as rochas e o relevo, dá origem aos diversos tipos de solo. Aágua, vale insistir, desempenha papel essencial nesse processo. Dependendo do

porte da vegetação, do relevo e do clima, a chuva que se precipita em determinadaárea é em parte interceptada pela folhagem, evaporando-se em seguida; em parteatinge o solo e se infiltra no mesmo; ou pode escoar pela superfície. Boa parte daágua que se infiltra no solo é absorvida pelas raízes no processo de nutrição dasplantas e retorna à atmosfera pela transpiração das mesmas. Na Amazônia, porexemplo, até cerca de 55% das chuvas são recicladas na região pelaevapotranspiração da floresta (Salati, 1987).

A sociedade humana, finalmente, modifica as paisagens, intervindo dediversas formas no ciclo hidrológico, substituindo a vegetação natural pela

Figura 1 *

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agricultura, desviando grandes quantidades de água para a irrigação,construindo barragens nos rios, drenando áreas úmidas ou usando os rios elagos para diluir esgotos urbanos ou efluentes industriais, entre outrasatividades. Com efeito, a humanidade utiliza hoje 26% da evapotranspiraçãoterrestre total e 54% do escoamento superficial acessível no espaço e no tempo.O aumento do uso da evapotranspiração é limitado pelo fato da maior partedas terras adequadas para a agricultura não irrigada já estarem em produção.A construção de novas barragens poderia aumentar em 10% o acesso aoescoamento superficial nos próximos 30 anos, enquanto a população estáprojetada para aumentar mais de 45% no mesmo período (Postel et al. 1996)

Conclui-se que a água, além de representar um recurso essencial para avida e a sociedade humana, também representa um denominador comum emqualquer análise e avaliação do meio ambiente e dos recursos naturais terrestrese aquáticos de uma região (Postel e Carpenter, 1997). Isto significa dizer quea gestão dos recursos hídricos, com vistas a garantir o suprimento de água emquantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades da sociedade,deve ser conduzida de forma sistêmica (Fig. 1), considerando as interaçõesentre as intervenções humanas e o meio natural no âmbito das baciashidrográficas.

O zoneamento ecológico-econômico (ZEE) é um instrumento deinformação sobre o território que pode dar suporte a esta análise. O ponto queprocurarei defender neste trabalho é que o ZEE não só representa uminstrumento potencialmente interessante para a gestão dos recursos hídricos,mas também que esta pode vir a dinamizar o ZEE pelo sentido de problemafornecido pelo foco temático água.

2. Conceito e aspectos metodológicos do zoneamento ecológico-econômico

Zoneamento é o ato ou efeito de dividir um território por zonas, segundoobjetivos e critérios predeterminados. O termo ‘zoneamento’ encerra duasconotações que devem ser reconhecidas e mantidas em separado quando seconceitua o zoneamento ecológico-econômico. Em primeiro lugar, zoneamentodenota o resultado técnico de uma descrição, análise e classificação em zo-nas, de um dado território, consoante critérios predeterminados. Em segundolugar, zoneamento envolve o resultado de um processo político-administrativo,em que o conhecimento técnico, ao lado de outros critérios, é utilizado parafundamentar a adoção de diretrizes e normas legais, visando atingir objetivos

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socialmente negociados, que implicam em um conjunto de sanções ouincentivos sociais que restringem o uso de recursos e a ocupação do território.

Na prática do planejamento urbano, o termo zoneamento tem uma forteconotação normativa, como se pode depreender da literatura sobre o direitoambiental. “O zoneamento é um instrumento jurídico de ordenação do uso eocupação do solo” (Silva, 1998: 181). Ou então, “o zoneamento consiste emdividir o território em parcelas nas quais se autorizam determinadas atividadesou interdita-se, de modo absoluto ou relativo, o exercício de outras atividades”(Machado, 1992: 96). Essa tradição jurídica, derivada do direito urbano,confere ao termo zoneamento um aspecto aparentemente negativo, que semprediz não, e que estaria na origem de resistências freqüentemente observadasem relação a este instrumento (Nitsch, 1994). Entretanto, este aspecto foiponderado por R. F. Babcock (1966: 65), quando apontou que o zoneamento,se é ‘contra’ para alguns, é também ‘a favor’ para outros, explicitando assimo caráter conflituoso das questões abordadas no processo de zoneamento,recorrentes em qualquer processo de gestão territorial.

O zoneamento ecológico-econômico (ZEE) consiste na divisão doterritório por zonas que podem ser denominadas de ecológico-econômicas,delimitadas segundo critérios ecológicos e ambientais, e sócio-econômicos(Becker e Egler, 1997). Direcionado para o planejamento regional (não apenasurbano), o ZEE se configura essencialmente como um mapeamento nãoprescritivo das limitações ecológicas, dos recursos naturais, dos vetores sócio-econômicos e do uso do solo, a partir do qual se podem derivar alternativasde ação para orientar o poder público na gestão do território. Malgrado suadenominação de ‘zoneamento’, com as implicações normativas apontadasacima, o ZEE tem mais afinidade com o que é chamado, nos países de línguainglesa, de ‘land use planning’ do que com o que é chamado de ‘zoning’.Entretanto, é necessário enfatizar que a motivação para o ZEE é política e omesmo só faz sentido se conduzido no contexto de um arcabouço político-administrativo voltado para a gestão territorial.

Sob este prisma, o ZEE pode ser definido como a avaliação estratégicados recursos naturais, sócio-econômicos e ambientais, fundamentada noinventário integrado desses recursos em um território determinado, com afinalidade de prover o Poder Público e a sociedade de informaçõesgeorreferenciadas para orientar o processo de gestão territorial.

Infelizmente, persiste uma forte tendência, no discurso e na prática doZEE, de se visualizar seu resultado sob a forma de uma lei de zoneamento,que estabeleceria de modo monolítico o que se pode e o que não se pode fazerem diferentes zonas de um território, geralmente de grande extensão. Esta

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concepção normativa do ZEE, nesta escala de abrangência, é errônea etotalmente contraproducente, tendo sido corretamente criticada por (Nitsch,1994) no caso do zoneamento de Rondônia, concluído em 1988. O mesmoprocedimento também foi adotado em Mato Grosso, com relação aozoneamento de todo o Estado. Estes zoneamentos constituem componentesde programas de desenvolvimento agroflorestal dos dois estados – Planafloroe Prodeagro, respectivamente – financiados pelo Banco Mundial.

2.1 Aspectos metodológicos do ZEE

O ZEE, portanto, é um dos instrumentos do planejamento regional. Suafinalidade é gerar informações territoriais para orientar, ao lado de outros critérios,o sistema político-administrativo em suas decisões sobre o uso dos recursosnaturais e a ocupação do espaço de uma região determinada. O processo deconciliação das políticas públicas setoriais, necessário para raciona-lizar o usodos recursos e a ocupação do espaço, constitui a essência da gestão do território,cujo resultado é o ordenamento territorial. Como tal, o ZEE pode ser caracterizadocomo um instrumento (a) técnico, de informação sobre o território, para avaliarsuas vulnerabilidades naturais e potencialidades sócio-econômicas; (b) político,de regulação do uso do território, onde a negocia-ção entre os diversos níveis esetores do governo, o setor privado e a sociedade civil tem papel essencial; (c) doplanejamento e da gestão do território para o desenvolvimento regional sustentável,onde alternativas competitivas de uso dos recursos naturais são identificadas(Becker e Egler, 1997; Schubart, 1994).

O ordenamento territorial é o resultado de um processo dinâmico de gestãodo território, liderado pelo poder político, tanto o poder constituído – o governo– quanto o poder dos diversos setores sociais e grupos de interesse que integramo próprio governo, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada. A motivaçãopara a tomada de decisão em questões que afetam a ocupação do espaço e o usodos recursos naturais deriva de um processo de adaptação da sociedade na buscade meios para a sobrevivência, em face de um aumento da demanda, resultantedo crescimento populacional, da distribuição desigual dos meios ou de mudançasnos padrões de consumo da sociedade. Este processo de adaptação da sociedadecaracteriza o desenvolvimento econômico em sua concepção mais básica(Wilkinson, 1974). A motivação para a decisão deriva ainda da busca de soluçõespara problemas ambientais induzidos pela atividade econômica, que põem emrisco a manutenção dos processos produtivos e a qualidade de vida humana,neutralizando eventualmente os benefícios iniciais obtidos pelo desenvolvimentoeconômico.

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A Fig. 2 esquematiza este processo abrangente de gestão do território.A tomada de decisões pelo poder político sobre os recursos naturais e aocupação do espaço gera uma configuração territorial (ordenamento), quepor sua vez, pode modificar as forças políticas, realimentando o processo. Afigura também situa o ZEE no contexto desse processo, evidenciando seupapel como instrumento de informação sobre o território. Nesta figura, as

etapas de elaboração do ZEE são representadas, metaforicamente, como aaplicação de distintos ‘filtros’, ou crivos, na análise e interpretação doterritório. Como observaram Becker e Costa Gomes (1993: 149), é a culturahumana “que fornece as lentes conceptuais através das quais são lidos einterpretados o papel e a importância do ambiente natural como elemento derealização social”. O território pode ser examinado e dividido pela ótica dasua vulnerabilidade natural, de suas potencialidades sócio-econômicas, dalegislação atual e mesmo do próprio poder político.

Em primeiro lugar serão considerados os ‘filtros’ relativos àsvulnerabilidades naturais e às potencialidades sócio-econômicas, os quais,ordenados segundo dois eixos ortogonais (Fig. 3), são usados na delimitaçãodas zonas ecológico-econômicas.

1) Critérios naturais. O critério natural adotado no roteirometodológico para a execução do ZEE pelos estados da Amazônia Legal(Becker e Egler, 1997), e representado no eixo das abcissas no gráfico (Fig.3), é a vulnerabilidade natural das unidades de paisagem à erosão. Este aspectoda metodologia de ZEE foi desenvolvido pela equipe do Instituto Nacionalde Pesquisas Espaciais – INPE, em cooperação com a Secretaria de Assuntos

Figura 2 *

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Estratégicos da Presidência da República – SAE-PR, que na época coordenavao ZEE (Crepani et al. 1996).

Trata-se de um indicador agregado, que integra avaliações sobreo substrato geológico, sobre o relevo, os solos, a vegetação e o clima, obtidaspela análise de imagens TM-Landsat, composição colorida 5 (vermelho), 4(verde) e 3 (azul), e que permite uma visão sinóptica e holística da paisagem,segundo os princípios da ecodinâmica, desenvolvidos por J. Tricart (1977).A análise e interpretação destas imagens é feita pelos padrões fotográficos,delimitados segundo as variações de cores, textura, forma, padrões de drenagem

e relevo. A vulnerabilidade das unidadesde paisagem é estabelecida por uma escalade valores, de acordo com a relação entrea mor-fogênese e a pedogênese, variandoentre 1 (predomínio da pedogênese, meioses-táveis) e 3 (predomínio da morfogênese,meios instáveis), perfazendo um total de21 classes, que podem ser representadaspor uma gradação de cores (do azul até overmelho) nos mapas resultantes (Crepaniet al. 1996; 1998). Observe-se que aquantidade e a distribuição sazonal daágua, como um dos elementos do clima,desempenha um papel essencial nestaavaliação.

O mérito deste indicador consiste na relativa facilidade com queé obtido. A partir da análise integrada de uma imagem de satélite, por umaequipe multidisciplinar de especialistas com experiência na região sob estudo,o método permite chegar rapidamente a uma classificação das unidades depaisagem segundo sua maior ou menor fragilidade natural à erosão,dispensando inicialmente estudos de campo mais detalhados sobre acapacidade de uso dos solos para a agricultura, por exemplo.

2) Critérios sócio-econômicos. No segundo eixo, das ordenadas,representa-se outro indicador extremamente agregado: a potencialidade sócio-econômica das unidades territoriais. Este indicador é avaliado pela relaçãoentre fatores dinâmicos e fatores restritivos do desenvolvimento sócio-econômico,levando em conta variáveis econômicas, sociais e políticas, a partir de quatrogrupos de parâmetros considerados como componentes básicos para odesenvolvimento sustentável: i) potencial natural; ii) potencial humano; iii)potencial produtivo; e iv) potencial institucional.

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i) Potencial natural. Uma inovação na metodologia do ZEE propostapor Becker e Egler (1997) é considerar o potencial natural das unidadesterritoriais, caracterizado pela disponibilidade de uma base de recursosnaturais, no cômputo do indicador de potencialidade sócio-econômica.Aspecto, aliás, já apontado por P. R. Haddad (1980: 63) “...o conceitode potencial de recursos é econômico e não físico”. De fato, tomando-se como exemplo o recurso solo, tem-se que sua aptidão agrícola,embora determinada em primeiro lugar por fatores do meio natural,como o relevo, o clima, a disponibilidade natural de nutrientes minerais,a capacidade de troca de cátions e de retenção de água, é um conceitoque só faz sentido sob o viés pragmático da sociedade humana. Ouseja, no mundo natural os solos são como são, apenas existem, e pronto.

A agricultura – “conjunto de operações que transformam o solo natu-ral para produção de vegetais úteis ao homem” (Dicionário Aurélio,Ed. Nova Fronteira, 1986) – é uma atividade humana, e apenas sob aperspectiva cultural da espécie faz sentido o conceito de aptidãoagrícola. Inclusive, ao longo da história humana, a produtividadeagrícola dos solos vem sendo manipulada pela sociedade a seu favor,por meio de inovações tecnológicas como a adubação química, ocombate às pragas, a irrigação, o cultivo mínimo, etc., ou então pelaseleção de cultivares de plantas melhor adaptados às condiçõesinicialmente restritivas do ambiente. A atual polêmica sobre as plantastransgênicas, por exemplo, se insere neste contexto.

O mesmo argumento é válido para os demais recursos naturais (o próprioconceito de recurso natural já é esclarecedor sob este aspecto: “fontesde riquezas materiais que existem em estado natural, tais como florestas,reservas minerais, etc.” Dicionário Aurélio, Ed. Nova Fronteira, 1986).Entre estes recursos, contam-se os recursos florestais (madeiras e outrosprodutos extrativos, como castanhas, óleos, látices etc.), recursosminerais, recursos da biodiversidade e recursos hídricos (incluindo águapara abastecimento, para uso industrial, para irrigação, para diluiçãode efluentes industriais e municipais, para geração hidrelétrica, bemcomo para transporte hidroviário, para a pesca e o lazer).

Em síntese, a disponibilidade de uma base de recursos naturaisrenováveis e não-renováveis, inclusive a água, é um fator positivo parao desenvolvimento sócio-econômico. Entretanto, é necessário aindalevar em conta o acesso social aos recursos naturais, que pode seravaliado, por exemplo, pelo índice de concentração fundiária (Índicede Gini). Um elevado índice de concentração é considerado um fatorrestritivo no caso do potencial natural.

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ii) Potencial humano. Este bloco de indicadores diz respeito à qualidadede vida humana propriamente dita, expressa pelo acesso à educação, àsaúde, ao emprego e aos serviços coletivos, especialmente aoabastecimento de água e ao saneamento. Estes índices geralmente estãoassociados ao nível de urbanização, de tal modo que este fator éconsiderado positivo para o desenvolvimento das populações, desdeque atendidos os serviços básicos mencionados.

iii) Potencial produtivo. Estes indicadores relacionam-se maisdiretamente com o desenvolvimento econômico, na medida em queincluem a rentabilidade da produção do setor rural, a dinâmica do setorurbano-industrial, a capacidade financeira da rede bancária local, bemcomo o acesso às redes de circulação, incluindo hidrovias, aerovias,rodovias e ferrovias. A dimensão e a diversificação da estruturaprodutiva implantada constituem fator positivo na avaliação do potencialsócio-econômico, ponderado por sua capacidade de gerar empregos erenda para a população local e de absorver inovações.

iv) Potencial institucional. Finalmente, este último bloco de parâmetrose indicadores caracteriza o nível de organização social, fator positivopara a avaliação do potencial sócio-econômico, expresso pela presençade instituições governamentais e não-governamentais e potencializadopelo grau de efetiva autonomia e prática social.

À semelhança da vulnerabilidade natural à erosão, os valores dopotencial sócio-econômico variam entre 1 (prevalecem os fatores restritivos;potencial baixo) e 3 (prevalecem os fatores dinâmicos, positivos; potencialalto), podendo ser subdivididos em classes, geralmente cinco: baixo,moderadamente baixo, médio, moderadamente alto e alto, que podem serrepresentadas por gama de cores para fins de mapeamento.

A interseção das cartas temáticas de vulnerabilidade natural e depotencialidade sócio-econômica, por meio do uso de sistemas de informaçãogeográfica, delimita as zonas ecológico-econômicas segundo níveis desustentabilidade de uso do território (Fig. 2). Este resultado ainda não é por simesmo o ZEE, uma vez que outro ‘filtro’ muito importante, representadopelo conjunto da legislação atual incidente sobre a ocupação do território,deve ser considerado.

Por exemplo, o Código Florestal define como áreas de preservaçãopermanente as florestas situadas às margens dos rios e lagos, nas nascentes,ou ainda em situações determinadas por critérios topográficos; as florestasou demais formas de vegetação natural destinadas a atenuar a erosão das

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terras. Estabelece ainda áreas de Reserva Legal, como um percentual deflorestas nos imóveis rurais, imune ao corte raso e assim por diante. AConstituição Federal cria a faixa de fronteira e estabelece critérios para ademarcação de áreas indígenas. Outras áreas especiais, como os parquesnacionais e demais unidades de conservação, são criadas por leis ou decretosfederais, estaduais ou municipais.

Após o cruzamento dessas informações com as zonas ecológico-econômicas, sobre uma base cartográfica comum, chega-se a uma carta desubsídios à gestão territorial, que pode ser considerada como a conclusão daetapa técnica do ZEE. Trata-se da representação cartográfica de uma base dedados digitalizados e georreferenciados, numa escala adequada, a partir dosquais, além de identificar conflitos de uso de recursos, podem-se desenvolvercenários alternativos de desenvolvimento regional, para avaliar as necessidadesde conservação de recursos, de proteção da biodiversidade, de recuperaçãode áreas degradadas, de expansão e consolidação de potencialidadeseconômicas, etc.

Esta carta classifica o território em: (1) Áreas produtivas ,caracterizadas por uma baixa vulnerabilidade natural à erosão, e que podemser de (a) consolidação ou fortalecimento do desenvolvimento humano, ou(b) destinadas à expansão do potencial produtivo, dependendo do nível depotencialidade social observado. (2) Áreas críticas, caracterizadas por elevadavulnerabilidade natural à erosão, e que podem ser objeto de (a) conservação,quando ainda pouco ocupadas (baixo potencial social) ou de (b) recuperação,quando se observa uma incongruência entre o potencial social elevado e aalta vulnerabilidade natural. (3) Áreas institucionais, (a) de preservaçãopermanente, como as unidades de conservação de uso indireto, ou as áreasassim determinadas pelo Código Florestal, (b) de uso restrito ou controlado,como reservas indígenas e extrativistas, e (c) de interesse estratégico nacional,como as áreas de fronteira (Becker e Egler, 1997).

É necessário deixar claro que esta classificação não é prescritiva, ouseja, não é o ordenamento territorial. Ela também não determina ex natura oque deve ser feito no território. Como um subsídio à gestão do território, elase submete ao ‘filtro’ representado pelo poder político (Fig. 2). Os recursosnaturais e ambientais disponíveis no território, a exemplo da terra agricultável,dos minerais, da água, das florestas e, hoje em dia, cada vez mais, dabiodiversidade, constituem a base de sustentação biológica, econômica eespiritual da vida humana no planeta. Em qualquer região específica, portanto,o território é objeto de interesses privados e públicos, fonte de poder e objetode poder. Por esta razão, o poder político sempre preponderou na tomada de

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decisão sobre a ocupação do território e o uso dos seus recursos,independentemente da existência explícita de uma base de informação queaumentasse a racionalidade do processo decisório. O poder político, portanto,é a instância que seleciona (ou não!) as alternativas compiladas pelo ZEE e,por intermédio de diretrizes e normas legais negociadas, as implementa sob aforma de políticas públicas, que irão configurar o ordenamento territorial.Essas políticas públicas e seus efeitos sobre o território, por sua vez, atuamsobre a composição de forças do poder político, realimentando de mododinâmico todo o ciclo.

Um exemplo hipotético servirá para ilustrar o caráter não prescritivoda carta de subsídio à gestão do território. A carta pode indicar uma área comsolos férteis, elevada aptidão agrícola e que, ao mesmo tempo, abriga umaespécie rara de primata. O que fazer nesse caso? A metodologia do ZEE em sinão tem resposta a essa pergunta, e muito menos determina o que deve serfeito. O desfecho desta situação será o resultado de uma decisão política dasociedade, sempre associada a custos e benefícios reais, tanto públicos comoprivados, geralmente distribuídos de forma desigual entre os vários gruposde interesse ou atores sociais envolvidos. A metodologia do ZEE, neste caso,contribuiria com informações sobre a importância biológica da área, sobre aspressões existentes no sentido de converter a floresta em área cultivada, etc.Tragicamente, essas decisões com relação à biodiversidade, à proteção domeio ambiente e ao uso sustentável de recursos naturais são muitas vezestomadas por omissão, quase sempre na ausência de informações. Uma situaçãoreal, envolvendo conflitos de interesse entre madeireiros, ecologistas ecomunidades indígenas, é descrita por D. Oren (1988), no caso da criação daReserva Biológica de Gurupi, no Maranhão.

Ainda nesse contexto, observa-se que no discurso e na prática do ZEEencontram-se, com freqüência, idéias antropocêntricas sobre a ‘vocação’ deuma região, ou dos ecossistemas, ou do solo, para tais ou quais finalidades. Afunção do ZEE consistiria na determinação dessas ‘vocações’, por meio doestudo detalhado do objeto natural em questão (cf. Ab’Sáber, 1989: 4; Diegues,1989: 35; Lanna, 1997: 6). Este aspecto recorrente em documentos sobre oZEE tem sido criticado, com razão, por M. Nitsch (1994), ao analisar ozoneamento de Rondônia. Esse autor fundamenta sua crítica no que ele chamade falso ‘holismo’, que implicitamente tende a deduzir o dever dos homens apartir do ser do ‘ecossistema’ ou do ‘sistema ambiental’, ignorando as opçõesda sociedade moderna, baseadas no uso da energia fóssil e de outros recursosminerais não renováveis, nos mercados mundiais, nos meios de comunicação,etc., que faz do território apenas um dos fatores, e não o mais importante, que

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determina o que se faz sobre o mesmo. “Nenhum lugar da terra tem a ‘vocação’de ser asfaltado”, ironiza M. Nitsch.

Entretanto, malgrado a facilidade com que se pode resvalar para umalinguagem antropocêntrica, que projeta nos sistemas naturais característicasdeterminantes do que se deve ou não se deve fazer em determinado lugar(uma forma de determinismo ecológico), o que se busca com o ZEE é avaliaros sistemas naturais sob a ótica pragmática da sociedade, quer sob a forma depotencialidades econômicas diretas, derivadas da extração, uso ou conservaçãode recursos naturais, quer sob o aspecto moderno da avaliação dos serviçosambientais dos ecossistemas, que representa uma forma de valoraçãoeconômica indireta da Natureza (Costanza et al., 1997; Daily, 1997; Seroa daMotta, 1998).

3. Interfaces entre o zoneamento ecológico-econômico e a gestãodas águas

A Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela lei 9.433, de 8de janeiro de 1997, apresenta diversas e nítidas interfaces com a gestão do territórioe, portanto, com o zoneamento ecológico-econômico, tanto nos seus fundamentos,objetivos e diretrizes, quanto nos sistemas de gestão de recursos hídricos e seusinstrumentos, que estabelece.

Nos seus fundamentos, objetivos e diretrizes, a Política estabelece a baciahidrográfica como unidade territorial de sua implementação e de atuação doSistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; a utilização racionale integrada da água, que garanta a sustentabilidade do desenvolvimento e ocompromisso com a atual e as futuras gerações; a gestão sistemática dos recursoshídricos, não dissociando os aspectos de quantidade e qualidade; a adequação dagestão às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais eculturais das regiões do País; a integração da gestão dos recursos hídricos com agestão ambiental; a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dossetores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional; a articulaçãoda gestão da água com a do uso do solo; e, finalmente, a integração da gestão dasbacias hidrográficas com a dos estuários e sistemas costeiros.

A Política estabelece, ainda, como ação do Poder Público, na esfera dosPoderes Executivos Federal, Estaduais e do Distrito Federal, a promoção daintegração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; e, no caso dosmunicípios e do Distrito Federal, a integração da políticas locais de saneamentobásico, de uso, ocupação e conservação do solo e do meio ambiente com aspolíticas federal e estaduais de recursos hídricos.

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De fato, como vimos na introdução, a água doce permeia todos ossistemas ecológicos terrestres, e sua gestão como um recurso essencial para asociedade humana e fator de manutenção dos ecossistemas e da vida toutcourt, tem que levar em conta suas interações com os sistemas naturais esócio-econômicos, no âmbito das bacias hidrográficas.

A gestão do território, por sua vez, atua na interseção de diferentespolíticas setoriais numa mesma área, na busca socialmente negociada de umadistribuição ótima das atividades econômicas, da conservação do capital natu-ral e da manutenção dos serviços dos ecossistemas, inclusive no que tange àestabilidade da produção de água em quantidade e qualidade. A Fig. 4esquematiza as interfaces entre algumas dessas políticas setoriais, indicandoa posição central do ZEE como um instrumento de ordenamento.

Nesse contexto, vale a pena resgatar o conceito de Gerenciamento deBacia Hidrográfica (GBH) oferecido por A. E. Lanna (1995), calcado nadefinição de desenvolvimento sustentável da Comissão Mundial de MeioAmbiente da ONU, que, ressalvada sua limitação às bacias hidrográficas,guarda uma notável semelhança com o conceito de gestão do territórioapresentado neste trabalho: “GBH – processo de negociação social, sustentadopor conhecimentos científicos e tecnológicos, que visa a compatibilizaçãodas demandas e das oportunidades de desenvolvimento da sociedade com opotencial existente e futuro do meio ambiente, na unidade espacial deintervenção da bacia hidrográfica, no longo prazo”.

É necessário destacar que o Gerenciamento de Bacia Hidrográfica é distintodo Gerenciamento de Recursos Hídricos, que é o gerenciamento de um só recursoambiental – a água –, objetivando conciliar as demandas e a oferta no âmbito de

uma bacia hidrográfica (Lanna, 1995).Uma representação do Gerenciamentodos Recursos Hídricos no contexto deuma matriz de Gerenciamento deBacia Hidrográfica (Lanna, 1995), naqual as colunas representam ogerenciamento dos diferentes usossetoriais da água (e dos demaisrecursos ambientais, no caso geral),e as linhas, o gerenciamento da ofertada água, em qualidade e quantidade(e dos demais recursos, no casogeral), evidencia a importância queo ZEE pode vir a ter nesse processo.

Figura 4 *

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De fato, a seqüência desse processo de gerenciamento de recursoshídricos é o Gerenciamento das Intervenções na Bacia Hidrográfica, que vema ser a projeção espacial, na bacia hidrográfica, do cruzamento entre as colunas(usos setoriais) e a linha referente ao recurso ambiental água, da matrizmencionada acima. Essa projeção espacial visa (1) conciliar os planos setoriaisoriundos do gerenciamento dos usos setoriais dos recursos hídricos na baciae os planos multissetoriais de uso dos recursos hídricos; e (2) integrar asinstituições, agentes e representantes da comunidade, atuantes na bacia emrelação ao planejamento do uso dos recursos hídricos e dos demais recursosambientais. Tal função deve ser atribuição de uma única entidade para cadabacia (Lanna, 1995).

A interface entre o ZEE e a gestão das águas também pode ser constatadana problemática das enchentes e do seu controle, a exemplo dos trabalhosque vêm sendo desenvolvidos na bacia do Rio Itajaí, em Santa Catarina. Comoafirma B. Frank (1995), “As medidas que visam a atenuar as enchentes ouseus efeitos têm sido propostas isoladamente, e conduzidas nos moldes daação setorial, como se o fenômeno enchente pudesse ser considerado de modoindependente da constituição física e da ocupação humana em toda a extensãoda bacia hidrográfica. Os benefícios alcançados com as obras acabam atingindoníveis aquém dos esperados, justamente devido à perspectiva reducionistacom que o problema tem sido tratado”.

Para circunscrever analiticamente o problema, a autora lança mão deum modelo de sistema sócio-econômico-ecológico regional (Fig. 5),desenvolvido no Programa MAB da Suíça, no qual a intermediação entre osistema sócio-econômico e o sistema natural é feita por “uma variávelfisicamente palpável: a estrutura concreta de uso do solo da área estudada”(Messerli, P. 1986 apud Frank, 1995). No caso, a relação homem-ambiente“se reflete e concretiza nas formas de uso e ocupação do solo”, que é, então,“a variável a ser otimizada entre as metas estabelecidas para o sistema naturale para o sistema social” (Frank, 1995). Constata-se aqui o grande interesse queeste modelo apresenta para o ZEE.

Em seguida, a autora discute o dilema da abordagem sistêmica, quandoaplicada a uma situação empírica complexa. Para ser útil, o sistema deveconsiderar apenas as relações mais importantes como representação darealidade, o que depende do ponto de vista sob o qual o sistema é analisado,ou seja, do objetivo do estudo. O dilema consiste nas opções de produzirmuito conhecimento pouco relevante, ou fornecer uma compreensãoabrangente de uma estrutura de relações, sob um ou poucos pontos de vista(Frank, 1995). Conclui-se deste raciocínio que a alternativa mais promissora

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ao se trabalhar com um sistema sócio-econômico-ecológico regional é fazerpesquisa orientada para o problema ecológico, abandonando a pretensão deatingir a compreensão total do sistema, o que não significa simplificar oproblema ou reduzi-lo (Frank, 1995).

O interesse dessa abordagem é a possibilidade de conduzir a pesquisacomo um encadeamento de indagações (proposições de pesquisa) a partir deuma indagação inicial (no caso do vale do Rio Itajaí, esta indagação é seocorreu ou não um agravamento das enchentes ao longo do tempo; o que levaa considerar as transformações do sistema, dando origem a outras perguntas,e assim por diante). Este método de formulação de proposições de pesquisacontorna a etapa dos diagnósticos tão usuais nas metodologias de planejamento.No lugar do levantamento de muitas informações, às vezes, desnecessárias, apesquisa é dirigida para responder questões específicas, previamentedelimitadas pelo pesquisador, em função de seu conhecimento da área deestudo (Frank, 1995). Este aspecto tem sido apontado também por P. R. Haddad(1980: 54): “Há uma tendência muito generalizada na experiência brasileirade planejamento em se realizarem diagnósticos longos, não-analíticos edesnecessários”.

Na aplicação do modelo à situação específica do vale do Rio Itajaí, aautora realiza, entre outras análises que não serão discutidas neste trabalho,uma regionalização da bacia orientada por problemas, a partir de umzoneamento ecológico-econômico resultante da análise conjunta do sistemanatural e do uso do solo pelo sistema sócio-econômico. Um levantamento dosproblemas de uso do solo e a regionalização da bacia, com vistas a gerardados para a compreensão do problema das enchentes, completam a análise.

O ponto de interesse aqui é a utilização de um macrozoneamentoecológico-econômico (ZEE) na análise, entendido “como a setorização [doespaço geográfico] em unidades de paisagem antrópica”. A autora utilizou acaracterização do sistema natural na mesma área, e sua setorização em 14unidades de paisagem, obtida a partir da análise multivariada dos geofatoressolo, água, rocha, clima e vegetação, sob a forma de um macrozoneamentoecológico da bacia (Adami, R. M. 1995, apud Frank, 1995). O ZEE, por suavez, resultou da sobreposição dos dados de uso do solo às unidades de paisagemnatural, usando as mesmas técnicas de análise multivariada e cálculo deparâmetros da teoria da informação.

Mais adiante, a autora (Frank, 1995) discute este seu conceito de ZEE,afirmando que “a conceituação de zoneamento ecológico-econômico aquiempregada difere totalmente daquela sustentada por Lanna (1994), que de-fine o zoneamento como a ‘identificação de unidades territoriais equipotentes

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e suas alternativas de uso’. Neste sentido o ZEE é o resultado de um processode planejamento e que se presta para realizar o ordenamento territorial. OZEE desenvolvido no âmbito do presente trabalho constitui um passo ante-rior. Ele representa a configuração atual de uso e ocupação, incluindo eventuaisproblemas decorrentes deste uso (conflitos) e, por isso mesmo, constitui uminsumo importante para o planejamento da bacia” (grifo meu).

Tem-se neste caso um exemplo de zoneamento com a conotaçãoexclusivamente técnica, mencionada na seção 2, acima. A autora está corretana constatação que o seu conceito de ZEE constitui um passo anterior noprocesso mais abrangente da gestão territorial enunciado por A. E. Lanna(1994, apud Frank, 1995). E ela demonstra que o ZEE, quando orientado porum problema concreto, pode contribuir efetivamente para a gestão da água.

Voltando às interfaces do ZEE com a Política Nacional de RecursosHídricos, observa-se uma diferença marcante nos aspectos político-administrativos da gestão das águas e do território. A água doce, por suaessencialidade na manutenção da vida humana, das plantas e dos animais, porseu caráter integrador das ciências e do meio ambiente (Davis e Day, 1961),especialmente quando um dano causado a montante afeta usuários situados ajusante, e sobretudo por sua má distribuição e escassez relativa na face daterra, gerando graves conflitos de uso em certas regiões, tem induzido oshomens ao entendimento, desde a Antigüidade. Um exemplo notável é o Tri-bunal das Águas de Valência, na Espanha, que se reúne na Porta dos Apóstolosda catedral, e cujos primórdios remontam aos romanos (Liebmann, 1976, il. 37).

Figura 5 *

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O mesmo não acontece com a ocupação do solo. O território e os recursosnaturais que encerra sempre se prestaram mais à instituição da propriedade doque no caso das águas. E a propriedade é tradicionalmente refratária à gestãopelo Poder Público, visando o bem comum de toda a sociedade.

Em conseqüência, a gestão territorial se passa num contexto político-administrativo muito mais disperso do que o arcabouço institucional atingidopela Política Nacional de Recursos Hídricos. Apesar do ZEE ter sido criadocomo um programa coordenado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos daPresidência da República – SAE (decreto 99.540, de 21/09/90, que instituiu aComissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do TerritórioNacional), portanto no âmago do Poder Executivo Federal, o mesmo nãoconseguiu ultrapassar a etapa técnica, assim mesmo de maneira fragmentadae dispersa no vasto território do país.

É evidente que novas estratégias devem ser traçadas com relação à gestãodo território e seu instrumento, o ZEE. Com a recente reforma administrativa doGoverno federal, a SAE foi extinta e a condução do programa de zoneamentoecológico-econômico foi atribuída ao Ministério do Meio Ambiente. O novoendereço é certamente adequado, tendo em vista a abrangência das políticastratadas nesse ministério, relevantes para a gestão do território.

4. Conclusão

O ZEE não é um fim em si mesmo, mas sim um instrumento voltadopara a resolução de conflitos de uso de recursos naturais e de ocupação dosolo, orientado pela busca da sustentabilidade do desenvolvimento. Sob esteprisma, a abordagem sistêmica, guiada pela busca da solução de problemasdefinidos, descrita sucintamente acima, parece-me fundamental para dar focoà gestão do território e dinamizar a condução do ZEE. É necessário evitar osdiagnósticos extensos e demorados, que distanciam a pesquisa das motivaçõesiniciais, desacreditando todo o processo.

Estas observações sugerem uma ênfase num processo mais descentralizadode gestão territorial, relegando ao segundo plano o enfoque globalizante quealmeja criar condições para resolver tudo em toda parte, sem chegar a lugaralgum. Isto, porém, não quer dizer que o processo não deva ter direçãoestratégica na esfera do Governo federal e dos estados.

As interfaces do ZEE com a gestão dos recursos hídricos sãointeressantes nesse contexto, sobretudo no que concerne à experiência dosComitês de Bacia e à institucionalização desse e de outros mecanismos

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político-administrativos de gestão, encontrada na Política Nacional deRecursos Hídricos. Pode-se pensar, por exemplo, nos Comitês de Bacia,apoiados pela respectiva Agência de Água, gerindo parte do processo de ZEEda bacia, talvez em articulação com representantes de outras áreas de interesse,como biodiversidade ou produção agrícola.

Na mesma linha de raciocínio, por que não instituir, à semelhança dosComitês de Bacia, comitês de corredor biológico, orientados pelo problemada proteção da biodiversidade e restauração de áreas degradadas, com vistasa aumentar a conectividade e o fluxo gênico entre populações de plantas eanimais dos remanescentes de ecossistemas naturais, legalmente protegidosou não. Ou então, comitês de eixo nacional de integração, especialmente voltadospara as áreas de interseção dos eixos com os corredores biológicos (Schubart,1998).

A otimização dos meios técnicos para a execução dos serviços degeoprocessamento, por exemplo, para atender o ZEE, será uma necessidadeurgente sob o cenário de descentralização aqui visualizado. Já existemexperiências concretas nesse sentido, como nas associações de municípios,em Santa Catarina, que realizam serviços técnicos comuns aos associados,reduzindo custos. Trata-se aqui de uma centralização dentro da descentralizaçãoda gestão, ou seja, de uma otimização. O mesmo princípio, aliás, está previstocom relação às Agências de Água, na Política Nacional de Recursos Hídricos.

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Perfil curricular do autor

Herbert Otto Roger Schubart – [email protected] - é Bacharele Licenciado em História Natural, pela UFRJ (1965). Doutor em CiênciasNaturais, pela Universidade de Kiel, Alemanha (1971). Foi pesquisadordo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus,na área de ecologia florestal e do solo (1972-91) e coordenador da pós-graduação em Ecologia do INPA. Diretor Geral do INPA (1985-1990).Coordenador do zoneamento ecológico-econômico (1991-1998), na SAE/PR. Atualmente é pesquisador do MCT, assessorando o MMA nozoneamento ecológico-econômico. Professor do Centro Integrado deOrdenamento Territorial e do Centro de Desenvolvimento Sustentável,da UnB.

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A EXPERIÊNCIA DE PROGRAMAS DE MANEJO ECONSERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS EM

MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS

Uma contribuição para o gerenciamento dos recursos hídricos

Nestor BragagnoloWaldir Pan

1. Introdução

O equilíbrio entre o desenvolvimento sócio-econômico e a preservaçãoda natureza vem se transformando, ao longo de décadas, em um dos maissérios desafios da humanidade. A cada nova iniciativa constata-se que asintervenções ambientais, traduzidas por programas/projetos, devem ser tratadasde forma holística, contemplando todos os elementos e suas interações nomeio. Nesse contexto, e considerando o tema a ser tratado, pode-se afirmarque proteger o meio ambiente como um todo é a única forma de garantir aproteção dos recursos hídricos, matéria que vem merecendo destaque nopresente momento.

O relato a seguir apresentado demonstra os avanços alcançados nomanejo dos recursos naturais, mais particularmente na questão do manejo dosolo agrícola, a partir do advento de programas especiais que definiram amicrobacia hidrográfica como unidade referencial de trabalho. Essasiniciativas, intensificadas a partir da década de 80 em vários estados brasileiros,estabeleceram um novo marco na abordagem das questões ambientais para omeio rural. No entanto, esses avanços só foram obtidos com a efetivaparticipação das comunidades rurais, que entendendo a possibilidade deganhos concretos nos seus negócios organizaram-se em associações,comissões, conselhos e passaram a tratar o problema de forma integrada eco-responsável.

Outro aspecto a ser destacado diz respeito a interface existente entre osmecanismos operacionais adotados por esses programas e as estruturas eestratégias preconizadas na lei 9433/97 - Lei das Águas. Não obstante tratar-se de um instrumento legal, a lei, que se estende aos meios rural e urbano,preconiza sistemas organizacionais e planos de intervenção muito próximosàqueles utilizados pelos programas.

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Portanto, o aprendizado acumulado em mais de duas décadas de estudose trabalhos práticos pode ser considerado por todos aqueles que se preocupam emformular e implementar propostas de manejo e conservação do solo e água, bemcomo traz importantes contribuições para a implementação da nova legislação.

Conforme mencionado, os exemplos referem-se a vários programas e/ou projetos desenvolvidos no País, os quais - embora apresentem característicaspróprias, não serão particularizados, excetuando a apresentação de algunsimpactos constatados - serão tratados como o “Programa”. Objetivando oordenamento didático, o trabalho aborda sinteticamente os aspectos referentesaos diagnósticos situacionais que motivaram a implantação do Programa, oestabelecimento dos seus conceitos, objetivos, estratégias e os principaisresultados alcançados.

2. A ocupação do solo agrícola

Nas suas diferentes regiões, a utilização do solo no Brasil, desde oinício da colonização caracterizou-se pela implantação de sistemas agrícolasimediatistas, fomentados quase sempre por estímulos econômicos facilitadoresda exploração cíclica e migratória.

Essa ocupação trouxe como conseqüência o empobrecimento do solo,o que pode ser inferido na análise do Censo Agropecuário do IBGE-1996,que aponta que, de um total de 227 milhões de hectares ocupados comatividades agropecuárias no País, 78% constituem áreas de pastagem, atividadeque, de modo geral, é característica de solos pobres ou que sofreramdegradação pela ausência de práticas conservacionistas.

Dados da pesquisa demonstram que as perdas médias de soloprovocadas por erosão hídrica no País alcançam volumes de 15t/ha/ano. Outrosestudos apontam que se perde ao redor de 1.000.000 toneladas de solo porano. Essas perdas são atribuídas principalmente à erosão hídrica.

Dentre as principais causas apontadas como responsáveis pela erosãohídrica e poluição dos mananciais no meio rural destacam-se três como asprincipais, a saber:

1) Ocupação fundiária - com raríssimas exceções, a divisão fundiáriapromovida pelo processo de ocupação ou adotada pelas empresascolonizadoras em muitas regiões do País não contribuiu para o uso e manejoadequado do solo. Isto trouxe como resultado graves problemas geradores deerosão. Os principais aspectos negativos do processo da divisão e ocupaçãodos solos estão a seguir relacionados:

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• propriedades muito estreitas, não permitindo eficiência nas operaçõesagrícolas em nível;

• alinhamento dos lotes no sentido da pendente;

• linhas divisórias que, ao estabelecerem os limites das propriedades,desconsideraram as questões hídricas, o que fatalmente acarretou ainfluência da água de uma propriedade sobre a outra;

• locação de estradas - a divisão fundiária adotada forçou a locação deestradas sem planejamento e construídas através de práticas inadequadas,sem considerar o comportamento hídrico, passando estas a serem tambémimportantes agentes de erosão nas propriedades agrícolas.

2) Uso do solo - A falta de planificação na ocupação do solo reduziudrasticamente a cobertura florestal. A atividade agrícola ocupou tanto as áreasque apresentavam boa aptidão como aquelas consideradas marginais,ocasionando muitas vezes incompatibilidade de uso.

As principais observações que atestam a inadequação do uso do solo,que por conseqüência, constituem-se em importantes fatores causadores/agravadores da erosão, são:

• baixa ou inexistente cobertura vegetal, sejam florestas, bosquessombreadores ou culturas perenes;

• inadequação das explorações ao potencial do recursos naturais;

• insuficiente cobertura do solo cultivado (viva ou morta) em períodoscríticos, principalmente na época de maior concentração de chuvas;

• deficiência nutricional do solo (acidez e baixa fertilidade);

• baixa diversidade de culturas (monocultura).

Reforçando os pontos acima destacados, pode-se atribuir às chuvas,principalmente nas regiões onde ocorrem em alta intensidade e curta duração,a grande responsabilidade pela aceleração do processo erosivo.

3) Preparo do Solo - Os sistemas mais adotados ainda utilizam osdiscos (grades leves e pesadas), que apresentam como inconvenientes osseguintes aspectos:

• mantêm pouca quantidade de resíduos desejáveis na superfície (menosde 10%);

• formam camadas compactadas abaixo da profundidade de preparo dosolo (pé-de-grade);

• provocam o aparecimento de selamento superficial do solo;

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• aceleram a decomposição dos resíduos;

• baixam a atividade biológica do solo a médio e longo prazo;

• destróem a estrutura superficial do solo;

• diminuem a produção vegetal a médio e longo prazo.

Além dos danos provocados pelos equipamentos em si, o preparo desolo se caracteriza pela realização de um exagerado número de operações,muitas vezes desnecessárias.

A falta do planejamento do uso do solo e o seu preparo inadequadoafetam diretamente a produtividade agrícola. Como primeira conseqüênciaobserva-se a redução da massa vegetal produzida, que exerce papel funda-mental na cobertura do solo, fator preponderante na proteção da erosão hídrica.Desse modo, a redução da cobertura vegetal, que num primeiro momento é umaresultante do processo erosivo, num segundo momento passa atuar como causa.

Além das causas da erosão já citadas, ocorrem outros problemas nomeio rural que comprometem os recursos naturais:

• concentração e destino inadequado dos dejetos animais (suínos ebovinos);

• descarte inadequado das embalagens de agrotóxicos vazias;

• local inadequado de abastecimento dos pulverizadores;

• aplicação incorreta de agrotóxicos;

• destino dos dejetos humanos.

A partir da constatação do avanço do processo erosivo e seus reflexoseconômicos e sociais, os governos estaduais, a começar pelos da região Suldo Brasil, formularam projetos e buscaram apoio financeiro junto aosorganismos internacionais com vistas à reversão do quadro. Surgem então osProgramas de manejo integrado do solo e água.

3. Conceitos e objetivos do Programa

O desenho dos projetos estabeleceu como premissa que somente a partirde um amplo processo de conscientização da população rural, quedemonstrasse claramente os benefícios das intervenções, principalmente oseconômicos, seria possível convencer a categoria dos produtores a adotar umconjunto de práticas agrossilvopastoris combinadas que permitissem a

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utilização do solo de maneira produtiva, preservacionista e ao mesmo temporecuperadora dos recursos naturais.

Tendo como referência este conceito, o Programa implantado nasmicrobacias estabeleceu como objetivos geral e específicos os seguintesaspectos:

3.1 Objetivo geral

Controlar a erosão hídrica e reverter o processo de degradação dos recursosnaturais nas microbacias, com base em alternativas tecnológicas que aumentema produção vegetal, a produtividade agrícola e a renda líquida do produtor rural.

3.2 Objetivos específicos

• estimular a organização formal ou informal da população, paradefinição da política ambiental associada à produção de alimentos,respeitando as peculiaridades regionais, municipais e comunitárias;

• desenvolver mecanismos viáveis para aplicação da Lei dePreservação do Solo Agrícola, já implantada em alguns estados;

• incentivar junto às instituições de pesquisa e assistência técnica ageração de tecnologias alternativas para a recuperação de áreas emprocesso de degradação;

• viabilizar levantamentos detalhados de solo para orientação de umplanejamento adequado;

• incentivar a introdução da agricultura biológica, em nível depropriedade, adequando-a à capacidade de uso do solo;

• incentivar práticas que facilitem a preservação (infiltração) da águadas chuvas e a reposição da água no solo;

• integrar as ações ambientais em andamento ao Programa de ManejoIntegrado de Solo e Água;

• incentivar a geração e uso de tecnologias que promovam a preservaçãoe/ou recuperação dos recursos hídricos;

• incentivar a recuperação das áreas de preservação permanente: matasciliares, encostas, topos de morros e cabeceiras de cursos d’água -incentivando o plantio de essências florestais nativas;

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• desenvolver a capacidade de integração interinstitucional de todos osatores envolvidos, evitando a dispersão de esforços e recursos;

• incentivar a adoção de mecanismos que permitam aos agentes públicose privados priorizarem as aspirações das comunidades, bem comocomprometê-las na implementação das práticas;

• racionalizar o uso dos recursos disponíveis visando a viabilização daestratégia proposta e a otimização da exploração das atividadesagropecuárias.

4. Diretrizes e estratégias do Programa

O direcionamento das ações do Programa para o atingimento dosobjetivos propostos teve como norte um conjunto de diretrizes e estratégias,a seguir enunciadas, que contaram com a participação de vários agentes dossetores público e privado que, de forma direta ou indireta, assumiram aresponsabilidade da implantação dos trabalhos.

• adoção da microbacia hidrográfica como unidade geográfica deplanejamento e execução das ações em manejo e conservação de solo eágua;

• estímulo à participação dos produtores rurais e demais integrantes dacomunidade na efetiva execução do Programa, desde a identificaçãodos problemas críticos à execução e avaliação do plano preconizado;

• ênfase na descentralização, conferindo às organizações comunitáriasformais e informais a possibilidade de desempenharem papéis relevantesna organização e execução dos trabalhos, observadas as orientaçõesprogramáticas;

• flexibilização da estratégia de ação, adaptando-a às proposiçõesapresentadas pelas comunidades de produtores em função daspeculiaridades de cada microbacia e da característica sócio-econômicados beneficiários, procurando sempre a sustentabilidade dosinvestimentos;

• adoção de uma perspectiva gradualista para implementação doPrograma, tendo sempre como meta atingir a área global da microbaciaou mesmo da bacia hidrográfica de uma escala maior;

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• implantação de unidades piloto como ponto referencial de difusão detecnologia e treinamento de recursos humanos.

5. Premissas básicas para sua execução

O processo de implantação do Programa demonstrou toda a suacomplexidade e a necessidade de uma ampla articulação institucional einterinstitucional entre os agentes envolvidos. Da análise do seu desempenhofoi possível aprender muitas lições e estabelecer algumas premissasimportantes que devem ser consideradas na elaboração e implementação deprogramas similares. Os principais aspectos desse aprendizado sãocomentados a seguir e seguramente constituem-se referências valiosas para aimplementação da Política Nacional dos Recursos Hídricos.

5.1 Unidade de trabalho

Grande parte dos projetos e/ou programas governamentais implementadosno País nas últimas décadas utilizaram como unidade de trabalho o município(unidade política) e/ou comunidade (unidade sociológica). No entanto, quandose tratou de preservar os recursos naturais ou reverter seu processo dedegradação através do manejo e conservação, principalmente do solo e daágua, estas unidades de trabalho não se mostraram adequadas.

Baseado nessas experiências, o Programa elegeu como unidade deplanejamento e trabalho uma unidade geográfica capaz de compreender todasas interações existentes no meio: as propriedades agrícolas, os agricultores esuas famílias, bem como todos os equipamentos de infra-estrutura econômicae social existentes. Outro aspecto considerado foi a adequação do tamanhodessa unidade à capacidade de interação dos meios disponíveis e dosinstrumentos operacionais do Programa.

Surge então a microbacia hidrográfica como unidade referencial detrabalho. Trata-se de uma área geográfica compreendida entre um fundo devale (rio, riacho, sanga, etc) e os espigões (divisores d´água) que delimitamos pontos nos quais as águas da chuva concorrem.

A bacia hidrográfica pode ter, dependendo de sua ordem ouclassificação, diversos tamanhos (Figura 1). A cada tamanho podecorresponder uma ou várias Unidades Políticas: País e/ou Estados; Regiõese/ou Associações mesorregionais; e municípios, permitindo-se elaborar

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

determinados tipos de projetos que vão desde Planos Diretores e PlanosRegionais mais complexos até pequenos Projetos Executivos.

No caso do Programa, elegeu-se como unidade de trabalho pequenasbacias hidrográficas (3.000 a 10.000 ha) e elaboraram-se projetos executivoscompatíveis para cada uma destas.

Para a definição do tamanho das microbacias definidas pelo Programatambém foram consideradas a diversidade de ocupação, problemas ambientais,aspectos sócio-econômicos e institucionais, prazo de implantação e o potencialhumano disponível para execução dos trabalhos.

Figura 1 - Tamanho das bacias hidrográficas e unidades políticas envolvidas e tipos de projetos e/ ouplanos correspondentes

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Interfaces da Gestão de Recursos HídricosDesafios da Lei de Águas de 1997

Constatou-se que quando se trabalha nesta escala os resultados sãomais rápidos e evidentes, pois há maior visualização dos problemas eparticipação da comunidade e do município na solução e equacionamentodas questões ambientais.

No entanto, o planejamento de uma microbacia nesta escala não é tratadode forma isolada e as interações com as microbacias vizinhas e o meio urbanosempre devem ser consideradas. O que se estabelece junto com a comunidademunicipal é a perspectiva gradualista da intervenção, objetivando sempre nofinal atingir uma bacia hidrográfica de maior escala.

Em relação aos comentários enfocados nesse item e sua interface coma Política e o Sistema Nacional dos Recursos Hídricos, as lições demonstramque é em nível de microbacias que ocorre a efetiva consolidação das propostas.Desse modo, o sucesso na implantação da nova lei estará diretamenterelacionado ao envolvimento das comunidades na implementação dostrabalhos.

5.2 Participação da sociedade

Os modelos de desenvolvimento sustentável devem considerarprimeiramente o interesse das comunidades envolvidas. Assim será possívela incorporação de novas tecnologias seguras do ponto de vista ambiental, oplanejamento solidário das inversões e o entendimento do valor dos recursosambientais no processo de tomada de decisão.

O Programa Nacional de Microbacias foi estruturado nos níveis Nacionale Estadual em colegiados, denominados Comissões. O envolvimento mais efetivoda comunidade se deu através da constituição das Comissões Municipais, quecontou ainda com as entidades representativas do setor agrícola. Coube a essasorganizações várias responsabilidades, dentre as quais destacam-se: definiçãodas microbacias prioritárias a serem trabalhadas; estímulo à participação dosprodutores e suas organizações; acompanhamento da implementação das ações eproposição de medidas corretivas; participação no planejamento e execução depolíticas de uso, manejo e conservação do solo e água; realização de estudos elevantamento de informações para o planejamento dos trabalhos; articulação daação dos órgãos públicos e privados; servir de fórum para debates sobre o Programae mediar situações de conflito.

A experiência mostrou que o bom funcionamento da maioria dessasComissões, atuando em uma ou várias microbacias, facilitou a implementaçãodos trabalhos pelo nível de participação e comprometimento de todos ossegmentos da sociedade na execução dos trabalhos.

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

Observa-se que, ao estabelecer a Política Nacional de Recursos Hídricose o seu sistema de gerenciamento, o Governo federal adotou como premissapara sua implantação o gerenciamento compartilhado, integrando os váriosníveis das estruturas criadas, a saber: Conselho Nacional, os ConselhosEstaduais, os Comitês de Bacias Hidrográficas e as Agências de Águas

Através dessa medida ficou evidenciada que a proposta sugere umanova postura por parte dos setores envolvidos, que objetiva harmonizar asinterrelações dos seus diversos níveis, baseado nos direitos e deveres de todoscomo forma de garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos.

A grande diferença entre o proposto pela Lei das Águas e o praticadopelo Programa de Microbacias é a escala da área de intervenção (tamanho dabacia hidrográfica) e o conseqüente maior desafio no processo de envolvimentoda comunidade. É fundamental o desenvolvimento de estratégias que assegu-rem a participação das comunidades nos seus níveis mais descentralizados eo seu envolvimento na definição, planejamento e execução das ações.

Não obstante, verifica-se uma estreita correlação entre as estruturasadotadas pelo Programa de Microbacias e as definidas pelo Sistema Nacionalde Recursos Hídricos (Quadro 1).

5.3 Integração de práticas conservacionistas

5.3.1 Interação entre solo e água

A garantia da disponibilidade dos recursos naturais água e solo só estaráassegurada quando houver a clara percepção de suas interações. Esse processoimpõe que o manejo desses recursos não deve ser pensado de forma individua-lizada. Na verdade, podemos visualizar três conjuntos de relacionamentosentre solo e água na produção agropecuária: a complementaridade, aadversidade e a similaridade.

Quadro 1 - Vinculação existente entre a estrutura do programa de microbacias e o proposto pelo sistemanacional de recursos hídricos.

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Interfaces da Gestão de Recursos HídricosDesafios da Lei de Águas de 1997

O relacionamento complementar dispõe que a água somente se tornaum insumo no processo da produção agrícola, excetuando as culturashidropônicas, quando disponível no solo.

Caso haja um relacionamento adverso entre o solo e a água, aimportância individual desses recursos é significativamente reduzida noprocesso de produção, podendo atuar ainda como agente desagregador dosistema. Por exemplo, a água em volume excessivo ou insuficiente pode causara erosão do solo ou reduzir sua produtividade. A água pode também poluircom sais e outros componentes nocivos que ela transporta e deposita no solo.Por outro lado, o solo pode alterar a qualidade da água com seus sedimentose poluentes. O solo e a água são também relacionados em suas similaridadesem seus estados naturais. Ambos os recursos ocorrem em formas renováveise não-renováveis. Por exemplo, um solo cuja profundidade está limitada aum metro, sendo a camada abaixo rocha pura, não é renovável e cessa suaprodutividade quando esse metro de solo é levado pela erosão; da mesmamaneira, um veio de água, cujo volume seja relativamente fixo, não é renovávele cessa sua produtividade quando toda a água é removida. Naturalmente, cadaum dos recursos acima mencionados normalmente cessa de ser economicamenteprodutivo um pouco antes de se tornar fisicamente indisponível, ou seja, antesmesmo que o metro de solo seja levado pela erosão ou muito antes que toda aágua tenha sido removida do veio. Sob o ponto de vista econômico, o solo e aágua se tornam improdutivos quando o elevado custo da produção torna ademanda de seus produtos proibitiva devido aos altos preços de mercado emrelação aos custos de produção.

Este raciocínio não significa necessariamente que o solo em um even-tual estado não-renovável não possa ser manejado de tal maneira que aprodutividade seja mantida indefinidamente. Isto também não significa,necessariamente, que a água em eventual forma não-renovável não possa serracionada, prolongando assim seu uso produtivo. Como alternativa, éfisicamente possível que um veio d´água possa ser reabastecido ou substituídocom água vinda de um outra fonte, com suprimento mais volumoso e contínuo.

Eventualmente, entretanto, a degradação do solo e da água interferirá,primeiro, com a produção econômica e, segundo, com a produção física, atéque essa produção cesse por completo.

5.3.2 Estratégia técnica adotada

Para enfrentar os problemas envolvendo o uso, manejo e conservaçãodos recursos naturais (principalmente solo e água), foi adotada uma ação com

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

enfoque global, considerando toda a extensão e complexidade do processo erecomendando a utilização de técnicas que contemplavam todas as fases doprocesso erosivo (desagregação - transporte - deposição).

Assumindo a erosão hídrica do solo como o grande problema ambientaldo setor agrícola, a execução de ações pontuais que preconizam a adoção depráticas isoladas (terraceamento, reflorestamento ciliar, etc.) tem-se mostradoinsuficiente para controlar o fenômeno, apesar de contribuir para a reversãode parte dos problemas.

Dentro desse contexto, para o meio rural o Programa preconizou autilização de uma estratégia técnica direcionada para conter o processo erosivoe a poluição das águas e do solo agrícola. Essa estratégia foi pautada emquatro grandes enfoques:

• aumento da cobertura vegetal do solo - visando a redução daenergia do impacto das gotas de chuva contra a superfície e,conseqüentemente, a redução da desagregação da sua estrutura;

• aumento da infiltração de água no perfil do solo - visando reduziro escorrimento superficial e promover uma maior disponibilidade deágua para as culturas, com conseqüente redução dos riscos e aumentoda produção vegetal;

• controle do escorrimento superficial - visando reduzir os danosda erosão por transporte, regular o regime hídrico na bacia hidrográficae evitar a sedimentação nos mananciais;

• controle da poluição - visando a redução do transporte e poluiçãodos corpos d´água causada principalmente por dejetos, fertilizantes eagrotóxicos.

Torna-se importante salientar que os três primeiros enfoques estãodirecionados no sentido de proporcionar um uso, manejo e conservaçãoadequado do solo que possibilitem aumentar a produção vegetal dos sistemasprodutivos mais comuns envolvidos. Com o aumento da produção vegetal,busca-se também alcançar maior cobertura média do solo ao longo do ano,principalmente nos períodos críticos, além de proporcionar maiorprodutividade, menor custo e risco, elevando conseqüentemente a renda doagricultor. Com isto assegura-se maior índice de participação espontânea dascomunidades dos agricultores e uma série de impactos ambientais positivos,notadamente a melhoria da qualidade dos recursos hídricos.

Para cada um desses enfoques existe um rol de tecnologias disponíveise recomendadas que devem ser previamente compiladas e disponibilizadas

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Interfaces da Gestão de Recursos HídricosDesafios da Lei de Águas de 1997

para serem implantadas em nível de propriedade e/ou microbacia, de acordocom as condições sócio-econômicas de cada produtor ou de sua comunidade(Quadro 2).

Dependendo dos fatores ambientais, sócio-econômicos e dos própriossistemas de produção, algumas destas tecnologias poderão ter importânciadiferenciada nos diversos níveis de planejamento a serem adotados(propriedade/microbacia).

Desta forma, ao se estabelecer claramente a estratégia técnica a seradotada foi possível padronizar conceitos e o entendimento das intervençõesnecessárias preconizadas pelo Programa. Entende-se que a Política Nacionalde Recursos Hídricos também poderá contemplar estratégias técnicas,traduzidas em um conjunto de intervenções mínimas específicas para o meiourbano, peri-urbano e rural, como forma de nortear os planos das baciashidrográficas.

Quadro 2 - Tecnologia disponíveis por enfoque técnico

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

5.4 Planejamento das ações

O processo de manejo e conservação de solo e água em microbacias éum sistema que respeita a divisão natural da terra. Por isso não tem comolimites as cercas, estradas ou divisões de cada propriedade isolada. É umtrabalho de integração entre a comunidade e as instituições públicas e privadas,que discutem conjuntamente os problemas existentes e buscam as melhoressoluções para esta área geográfica.

O planejamento é executado em dois níveis: microbacia hidrográfica epropriedade agrícola.

No nível de microbacia, o Plano de trabalho é estabelecido junto com ogrupo de produtores ou, dependendo da situação, com grupos de interesse.Entende-se por grupo de interesse aqueles cujas propriedades apresentem umainterdependência elevada quanto ao comportamento hídrico, onde oplanejamento conjunto é condição indispensável.

As atividades de interesse comum, como adequação de estradas,abastecedores comunitários, terraceamento, aquisição de máquinas e/ouequipamentos em grupo, reflorestamento ciliar, construção de cercas paraproteção de mananciais, etc., devem ser planejadas neste nível.

Os beneficiários diretos das intervenções são os agricultores damicrobacia hidrográfica e os indiretos, às populações a jusante da mesma.

É importante lembrar que as comunidades situadas a jusante damicrobacia a ser trabalhada possuem interesses específicos e que estes tambémsão considerados por ocasião do planejamento do trabalho.

Da mesma forma, na fase de planejamento de uma microbacia sãoconsideradas as interações com as bacias vizinhas e o meio urbano. Nestemomento é que a participação da comunidade municipal, representada pelasComissões Municipais, torna-se fundamental e exerce importante papel noestabelecimento, muitas vezes, de prioridades externas às bacias objeto da ação.

O planejamento das propriedades é o passo imediatamente posteriorao da microbacia hidrográfica. O público, nesse caso, são os produtoresindividualizados, cabendo quando muito o planejamento entre propriedadesvizinhas, dependendo das circunstâncias locais. Nesse nível, as tecnologiasrecomendadas são aquelas que consideram as necessidades da propriedade eque atendem de forma integrada aos quatro grandes enfoques da estratégiatécnica, comentadas anteriormente.

Outra medida de caráter complementar, imprescindível nos trabalhosde manejo integrado do solo e da água, diz respeito à adequação das estradas

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e carreadores localizados nas microbacias hidrográficas. A inadequação dessescaminhos era um fator que contribuía decisivamente para agravar o problema daerosão, em função de sua má localização ou da falta de sistemas que evitassem oescorrimento de água por longos percursos. As intervenções promovidas buscarama integração das práticas conservacionistas entre lavoura e estrada e vice-versa,complementando as obras mecânicas de contenção da erosão nas microbacias.

As águas provenientes das propriedades agrícolas não deveriam chegaràs estradas rurais, sendo que elas eram captadas, distribuídas e absorvidaspelos sistemas de terraceamento ou caixas de retenção.

As obras nas estradas compunham-se basicamente de: quebra de bar-ranco, elevação e correção do leito, construção de lombadas e caixas deretenção, realocação de trechos e revestimento primário em pontos críticos.

Assim sendo, a adequação de estradas e carreadores, de modo integradoàs práticas de manejo e conservação do solo e água, propicia um melhorcontrole da erosão, garante sua trafegabilidade mesmo nos períodos de chuvasintensas, bem como reduz significativamente seus custos de manutenção,representando uma substancial economia para o Município e para o produtorrural. Este, talvez, tenha se constituído num dos fatores que mais motivou asmunicipalidades a adotarem o Programa como prioridade de governo.

Baseado nesta constatação, conclui-se que é muito importante que partedos recursos a serem gerados pela implantação da Lei das Águas destine-seàs intervenções que possam, além de atender os requerimentos dos planosdas bacias, conciliar possíveis ações de responsabilidade dos municípios. Estaparceria poderá se constituir em elemento fundamental na implantação doSistema Nacional dos Recursos Hídricos.

5.5 Utilização racional do solo

O levantamento do solo é uma tarefa da mais alta relevância para autilização racional deste recurso natural, quer para a agricultura, quer paraoutros setores.

Na agricultura, todas as unidades de solo que ocorrem no território brasileiroapresentam limitações em diferentes graus, tendo maiores ou menorespossibilidades de uso. As limitações dizem respeito à suscetibilidade à erosão,impedimentos à mecanização, excesso ou deficiência de água e baixa fertilidade.

Os solos, apesar das limitações, estão sendo utilizados no processoprodutivo e, na maioria das situações, em desacordo com a sua real aptidão

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agrícola ou, ainda, utilizados em sistemas de manejo não apropriados às suascaracterísticas. Essa situação apresenta-se, com freqüência, naquelas áreascompreendidas por solo considerado de baixa aptidão agrícola, que deveriamser ocupadas com atividades menos intensivas, tais como fruticultura,pastagem, silvicultura ou reserva de flora e fauna.

A reversão desse quadro passa pela interferência nos sistemas deprodução ou mesmo pela substituição destes sistemas. No entanto, essasmudanças estão condicionadas ao melhor entendimento e capacitação dosprodutores rurais, à melhoria dos níveis de capitalização e de organização.

Dentro desse enfoque, o Programa de Microbacias demonstrouresultados altamente satisfatórios no que diz respeito à racionalidade do usodo solo. Esta experiência aponta para a necessidade da estruturação de umapolítica mais ampla para o setor agrícola do País, que contemple mecanismosfacilitadores da reconversão dos sistemas, tendo como premissa o disciplina-mento do uso do solo através da implementação do zoneamento agrícola.

5.6 Interações positivas

A integração das políticas de utilização do solo no gerenciamento dosrecursos hídricos em microbacias hidrográficas é muito importante para aformulação de estratégias nacionais sobre a água. A boa ordenação dautilização das encostas de uma bacia tem importância crítica para a qualidadeda água, dos ecossistemas aquáticos, que mantém a diversidade biológica, eainda para a implantação de projetos de infra-estrutura.

Para que isso aconteça há necessidade de incentivar projetos e/ouprogramas que melhorem os métodos de ordenamento e utilização do soloem bacias hidrográficas. O Poder Público , por exemplo, deveria fortalecer asmedidas de proteção às inundações com alternativas que fossem menosdispendiosas, porém eficazes para previnir esses desastres.

Essas medidas consistem em uma combinação de incentivos e leis como intuito de reduzir a erosão do solo, a contaminação da água e o assoreamentodos mananciais. Seu propósito é exigir de quem explora o solo a execução dedeterminadas práticas mediante compensações, como: assistência técnica,incentivos de mercado, apoio financeiro através de Fundos, programas deeducação, etc. O resultado dessa ação não interessará somente ao produtor ,mas indiretamente à sociedade como um todo (melhoria da qualidade da água,redução do custo de tratamento da água a ser fornecida à população urbana,melhor qualidade dos alimentos, etc.).

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Interfaces da Gestão de Recursos HídricosDesafios da Lei de Águas de 1997

Alguns Estados da Federação (Paraná, São Paulo e Santa Catarina, porexemplo) já possuem leis que dispõem sobre a preservação do solo agrícola.O Estado do Paraná possui a lei 8.024, de 1984, que contempla, entre outros,os seguintes artigos:

Art. 2o – “A utilização do solo agrícola somente será permitida medianteum planejamento, segundo sua capacidade de uso através do empregode tecnologias adequadas”.

Art. 3o – “O planejamento deverá ser feito independente de divisas oulimite da propriedade quando de interesse público”.

Art. 4o – Consideram-se de interesse público, enquanto da exploraçãodo solo agrícola, todas as medidas que visem:

a) controlar a erosão em todas as suas formas;

b) sustar processos de desertificação;

c) fixar dunas;

d) evitar a prática de queimadas em áreas de solo agrícola, a não serem casos especiais ditados pelo Poder Público competente;

e) recuperar, manter e melhorar as características físicas, químicas ebiológicas do solo agrícola;

f) evitar assoreamento de cursos d’água e bacias de acumulação;

g) adequar a locação, construção e manutenção de canais de irrigaçãoe de estradas em geral aos princípios conservacionistas;

h) evitar o desmatamento das áreas impróprias para a agricultura(preservação permanente) e promover o reflorestamento nessas áreas,caso já desmatadas.

Esses instrumentos legais são absolutamente convergentes ao objetivomaior da Política Nacional dos Recursos Hídricos, qual seja:

“Assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidadede água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos.”

A Lei das Águas, no seu artigo 31, define que deverá haver a integraçãodas políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação, conservação dosolo e de meio ambiente com as políticas estaduais de recursos hídricos.Ressalta-se que esta deverá ser uma meta a ser buscada a todo o momento,pois permitirá a conciliação da legislação local, que certamente prioriza apreocupação com a sua realidade, com uma legislação de caráter maisabrangente.

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

Acreditamos que a maior interação dessas iniciativas poderia fazer comque os resultados fossem maximizados, tanto para a melhoria e conservaçãodo solo, como para água.

A obediência aos princípios dessas legislações não deverá ficar restritaaos setores diretamente envolvidos com as políticas ambientais, mas simestender-se a todos os agentes do Poder Público e privado, quando da imple-mentação de qualquer iniciativa que interfira no ciclo hidrológico de uma bacia.

Para ilustrar esta preocupação, cita-se como exemplo a construção deuma estrada que, via de regra, não considera a destinação das águas,provocando sérios problemas de erosão do solo nas área limítrofes e a poluiçãodos mananciais.

Outro ponto a ser destacado refere-se à organização institucionalprevista pela lei 9.433/97, essa sem dúvida um grande avanço quandopreconizou as instâncias descentralizadas. No entanto, reforça-se apreocupação de que os setores participantes do processo adaptem-se àsexigências da ação proposta, evitando forçar o enquadramento do trabalhoaos interesses de suas organizações.

6. Impactos do Programa de Microbacias

O Programa, cuja implementação baseou-se nas diretrizes e premissasapresentadas anteriormente, teve impactos positivos não só na estabilidadedo solo, com a mudança de comportamento do produtor, como também nodesenvolvimento institucional das organizações participantes.

Os dados apresentados a seguir ilustram alguns expressivos resultadosalcançados pelo Programa de Manejo e Conservação de Solo e Água no Estadodo Paraná, relativos aos impactos ambientais, produtivos e sócio-econômicos.Esses resultados poderão ser multiplicados às diversas regiões do País com aimplementação da Política e do Sistema de Gerenciamento dos RecursosHídricos.

6.1 Impactos ambientais

Os trabalhos do Programa no Paraná atingiram todos os Municípioscom ações implantadas em 2.433 microbacias, cobrindo uma área de 7,1milhões de hectares. Isto significa que 50% das áreas do Estado, aptas para odesenvolvimento das atividades agropecuárias, já apresentam reflexospositivos.

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A poluição dos rios causada pela erosão apresentou, em 16 mananciaisde abastecimento urbano localizados em microbacias trabalhadas peloPrograma, uma redução média anual do índice de turbidez da ordem de 49,3%(Gráfico 1).

Um estudo comparativo em mananciais de captação de duasmicrobacias trabalhadas, uma parcialmente trabalhada, e uma não-trabalhadaapontou uma substancial redução de custos no tratamento de água destinadoao consumo humano (Gráfico 2). Isto evidenciou o benefício indireto doPrograma com relação à população urbana.

Gráfico 1 - Índice de turbidez da água em 16 microbacias de abastecimento urbano, antes e depois doprograma

Gráfico 2 - Custo do tratamento d’água em microbacias pesquisadas - Paraná rural

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

6.2 Impactos produtivos

A redução da perda da camada fértil do solo, acrescida da incorporaçãode novas práticas de manejo e utilização de insumos preconizados peloPrograma, culminou com importante acréscimo da produtividade nasmicrobacias trabalhadas. Em 120 microbacias acompanhadas constataram-se significativos aumentos de produtividade nas culturas de feijão, milho,soja e trigo, em relação ao marco zero do Programa (Gráfico 3), o que

assegura aos agricultores elevar sua competitividade para enfrentar asnovas condições de mercado.

Além dos avanços de produtividade das lavouras tradicionais,estabeleceu-se um marco inicial, a partir da organização dos produtores, paraos processos de diversificação e verticalização da produção.

Pode-se afirmar que o grande desafio inicial do Programa foi vencidopelo efetivo envolvimento e pelo compromisso assumido pelos produtoresrurais, com a adoção de práticas agronômicas compatíveis com a estratégiatécnica. Três anos após o início de execução dos trabalhos, o InstitutoParanaense de Desenvolvimento Econômico e Social - IPARDES detectou,em Avaliação da Estratégia Global do Projeto, altos níveis de adoção dastecnologias recomendadas (Gráfico 4).

Gráfico 1 - Evolução da produtividade de algumas culturas em áreas mais avançadas do Programa

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Interfaces da Gestão de Recursos HídricosDesafios da Lei de Águas de 1997

6.3 Impactos sócio-econômicos

Estudo de caso realizado na região Sudoeste do Estado do Paraná, juntoa 477 produtores beneficiários (dentro de microbacias trabalhadas), apontouimportante evolução de alguns do principais indicadores estabelecidos porocasião do marco zero do Programa.

• máquinas e equipamentos - incremento de: 8,14% no número detratores; 10,21% no número de distribuidores de calcário; e 14,28% nonúmero de distribuidores de esterco;

• renda bruta da mão-de-obra familiar - aumento de US$ 4,440.00 paraUS$ 5,475.04 por pessoa adulta/ano;

• habitação - aumento do tamanho médio das moradias em 5,04m2;

• eletrodomésticos - aumento de refrigeradores em 5,5% e fogões agás em 9,7%.

Outro levantamento, realizado com algumas prefeituras municipais,indicou importante resultado quanto à redução do custo da manutenção de

Gráfico 4 - Nível de recomendação e de adoção das práticas de manejo, conservação do solo e controleda poluição total do Paraná - 1992

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

estradas rurais readequadas. Estas, nas suas condições iniciais e sem a intervençãodo Programa, tinham um custo de manutenção médio de US$ 850/km/ano. Apósa intervenção, o custo de manutenção foi reduzido em cerca de 50%.

A certeza da correção das intervenções promovidas pelo Programa nãose dá apenas pela verificação das metas alcançadas ou pelos resultados obtidosnos diversos estudos de caso, mas principalmente pela persistência dosprodutores rurais na adoção das práticas de manejo, evidenciando que osbenefícios superaram os custos decorrentes.

Desta forma, espera-se que esses exemplos e impactos alcançadossirvam de referencial para implementação da Política e do Sistema Nacionalde Recursos Hídricos.

Bibliografia

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PARANÁ. Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento -Manual técnico do subprograma de manejo e conservação do solo. 2. ed.Curitiba, 1994. 372 p.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento -Programa de manejo integrado dos solos em microbacias. Curitiba,1987. p. 34.

Perfil curricular dos autores

Nestor Bragagnolo - [email protected] – é engenheiro agrônomo,M Sc. em Solos com área de concentração em Física, Uso emConservação do Solo. Técnico da EMATER-PARANÁ, atuando noCentro de Coordenação de Programas do Governo da Secretaria de Estadodo Planejamento e Coordenação Geral do Paraná. Atuação na elaboraçãoe coordenação da execução de vários Programas de Manejo eConservação do Solo e Água. Consultor da FAO e do Banco Mundial.

Waldir Pan - [email protected] – é engenheiro agrônomo, gerentede projetos do Centro de Coordenação de Programas do Governo daSecretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral do Paraná.Atuação na elaboração e coordenação da implementação de projetosmultilaterais de desenvolvimento rural. Consultor em recursos naturaisda FAO.

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

RELAÇÕES ENTRE A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS E USODO SOLO: O CASO DA BACIA DO RIO ITAJAÍ - SC

Beate FrankAdilson Pinheiro

Noemia Bohn

1. Introdução

Este artigo aborda a interface da gestão de recursos hídricos com o usoe ocupação do solo, que, embora tenha se tornado quase óbvia no âmbito dacomunidade acadêmica e técnica, continua sendo objeto de difícil intervençãoou correção. Enquanto a determinação da influência negativa das práticas deuso e ocupação do solo sobre o regime hídrico é um exercício científicointeressante, utilizar este conhecimento para minimizar problemas alterandoo uso do solo é sobretudo um exercício político em relação ao qual pouca ounenhuma experiência positiva pode ainda ser contabilizada.

Devido a esta constatação, dois eixos de trabalho fundem-se na análisedo tema aqui focalizado: de um lado, a descrição das conseqüências do usodo solo na Bacia do Itajaí e as demandas decorrentes, de outro lado, aarticulação em direção à consolidação de uma estrutura de gestão, que sejacapaz de promover e viabilizar essas demandas.

Para situar o leitor nas discussões acerca da Bacia do Itajaí, inicia-secom uma contextualização centrada no tratamento da questão das cheias. Comodesdobramento desta questão, o texto segue com a descrição da relação dascheias com o uso do solo (subtítulo 3) e com uma análise do processo dearticulação no âmbito do Comitê do Itajaí (subtítulo 4), que está sendoconduzido no sentido de proporcionar as condições políticas necessárias paragerar interferências sobre o uso do solo que contribuam para a prevenção decheias e para a sustentabilidade do sistema bacia hidrográfica como um todo.

2. Antecedentes

A questão do gerenciamento dos recursos hídricos assume importânciarelevante para a Bacia do Itajaí em função do problema das enchentes, quemarca profundamente todo o vale. A história das enchentes caminha lado a

200

Interfaces da Gestão de Recursos HídricosDesafios da Lei de Águas de 1997

lado com a história da colonização e do seu desenvolvimento, pois, de 1850 a1999, foram registrados 67 eventos em Blumenau, primeiro núcleo decolonização da região e hoje seu polo geoeconômico.

Tecnicamente, o problema das enchentes é tratado de duas formasdistintas, porém complementares: as medidas estruturais e as medidas não-estruturais (Tucci, 1993). As primeiras envolvem as tradicionais obras deengenharia para controle das enchentes. As não-estruturais envolvem todosos tipos de medidas que possam proporcionar um convívio com as enchentes,isto é, reduzir o problema e/ou suas conseqüências.

As medidas estruturais podem ser extensivas ou intensivas. Medidasextensivas são aquelas que agem na bacia, procurando modificar as relaçõesentre a precipitação e a vazão, como a alteração da cobertura vegetal do solo,que reduz e retarda os picos de cheias e controla a erosão do solo. As medidasintensivas agem no rio, podendo a) acelerar o escoamento (por exemplo atravésde diques, polders e melhoramentos fluviais), b) retardar o escoamento (porexemplo através de reservatórios e bacias de amortecimento) ou c) desviar oescoamento (através de canais de desvio).

As medidas não-estruturais podem ser agregadas em regulamentaçãodo uso do solo, construções a prova de enchentes, seguro de enchentes, sistemasde previsão e alerta de inundações e serviços de defesa civil. A combinaçãodessas medidas permite reduzir os impactos das cheias e melhorar oplanejamento da ocupação das várzeas.

Na Bacia do Itajaí diversas medidas vêm sendo adotadas, planejadas eexperimentadas a partir do final do século XIX. Nesta época, a convivênciacom as cheias era viabilizada através da prática da construção de casas dealvenaria com dois pisos, sendo que o primeiro situava-se em cota superior a12 metros, garantindo a proteção da edificação contra enchentes com períodode retorno de cerca de 10 anos. A discussão acerca de grandes obras de proteçãocontinua tomando vulto sempre que a região é assolada por uma grande cheia,como ocorreu em 1880 e em 1911.

Com a expansão demográfica e a ausência de inundações de grandeporte a partir de 1920, foi provocada a gradativa ocupação das áreas ribeirinhas.Em conseqüência, em eventos de cheia a partir da década de 50, a ocorrênciade inundações passou a produzir importantes perdas materiais, fazendo comque ações sejam buscadas visando a prevenção e o controle.

Assim sucedeu em 1957, quando ocorreram várias enchentes, das quaisa mais importante atingiu uma cota ligeiramente superior a 13 m. A partirdeste evento, o DNOS - Departamento Nacional de Obras e Saneamento,

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extinto em 1990, elaborou um plano de proteção contra enchentes, que resultouna construção de três barragens (barragem Oeste, Sul e Norte), com a finalidadede controle de cheias, inauguradas respectivamente em 1973, 1975 e 1992. Osistema tem a capacidade de acumulação de 537 milhões de metros cúbicos,controlando 30,89% da área de drenagem da bacia hidrográfica do Itajaí-Açu. Para a cidade de Rio do Sul a área de drenagem controlada é de 45,39%e para Blumenau é de 39,73% (Figura 1).

Figura 1 - Mapa da Bacia do Itajaí

A enchente de julho de 1983, com nível máximo de 15,34 metros emBlumenau, e a cheia de agosto de 1984, com cota ainda superior (15,46metros), evidenciaram a pequena capacidade das duas barragens entãoexistentes para proteger contra cheias daquele porte, fazendo com que novosplanos de obras de controle de cheias fossem perseguidos pela então criadaSecretaria Extraordinária da Reconstrução. Surgiu assim o Plano Diretor daJICA (Japan International Cooperation Agency), apresentado ao DNOS em1988 e complementado em 1989.

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O Plano Diretor da JICA se fundamenta na estimativa dos prejuízosprováveis de enchentes. Considerando a densidade populacional nas áreasatingidas e a extensão dos prejuízos, os trechos de rio ao longo das cidades deBlumenau, Gaspar, Ilhota, Itajaí, Ascurra, Rio do Sul, Lontras, Ituporanga eBrusque foram selecionados para ser protegidos por medidas estruturais. Esteplano optou pela aplicação de métodos de melhoramento fluvial - exatamenteas técnicas rejeitadas pelo DNOS cerca de 25 anos antes, quando foramconcebidos os reservatórios de contenção - através de um plano de controlede cheias em três níveis: 1) plano emergencial, que visa proteger contra cheiasde período de retorno de 10 anos, 2) plano de médio prazo, que visa protegercontra cheias de período de retorno de 25 anos e 3) plano de longo prazo,que visa proteger contra cheias de período de retorno de 50 anos (Frank,1996).

Em síntese, o Plano Diretor prevê o melhoramento fluvial nos trechosde rio indicados na Tabela 1. O PLADE - Plano Global e Integrado de Defesacontra Enchentes, submetido em 1992 ao OECF - Overseas Economic Coop-eration Fund, previa a execução de quase todo o conjunto das obras. Aalternativa escolhida pelo Governo estadual excluía apenas as obras de Ascurrae de Ituporanga.

A contra-proposta do OECF ao PLADE foi apresentada ao Governodo Estado de Santa Catarina em outubro de 1995. Ela propõe, em síntese, aexecução das obras previstas para os trechos Blumenau-Gaspar e Itajaí noplano emergencial, indicadas com hachuras na Tabela 1, que consubstanciamo Projeto JICA. Limitado a medidas estruturais no baixo curso do rio, o projetogerou muita polêmica e continua indefinido, como se verá adiante.

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Data da mesma época (período pós-cheias 1983 e 1984) o início doenvolvimento da Universidade Regional de Blumenau (FURB) com oproblema das cheias, através do Projeto Crise - que posteriormente deu lugarao Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA/FURB) -, com o objetivo de estudar,propor e projetar medidas não-estruturais de prevenção, visando sempremelhorar a convivência com as enchentes.

Conjuntamente com a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica(ex-DNAEE) e mais recentemente com a SRH/MMA - Secretaria de RecursosHídricos e com a SDM - Secretaria de Meio Ambiente/SC foi instalado umSistema de Alerta na bacia do Rio Itajaí, cuja Central de Operações (CEOPS)localiza-se na FURB. O CEOPS serve para geração de informações on-linesobre a situação do nível do rio e informações hidro-meteorológicas. Estasinformações são repassadas aos organismos de Defesa Civil Municipal, quetomam as decisões cabíveis e informam a população em geral.

Vale mencionar que este Sistema de Alerta teve um precursor informal.Desde o final da década de 20, a opinião pública blumenauense exigiainformações sobre a ameaça de enchentes, serviço que foi então organizado,ainda que de forma precária, pelo Ministério da Agricultura e pela Estrada deFerro (Frank, 1995). A partir da progressiva expansão da empresa geradorade energia hidrelétrica na bacia, esta passou a fazer um monitoramento hidro-meteorológico diário, que acabou gerando um serviço informal de previsãode cheias que operou durante algumas décadas. Foi desativado após ainstalação do CEOPS.

Outra medida não-estrutural produzida pelo Projeto Crise é omapeamento das áreas inundáveis para o município de Blumenau (Pinheiroet al., 1987), nas escalas de 1:2.000 e 1:10.000. Este mapeamento consiste naelaboração de cartas que apresentam as áreas sujeitas à inundação para quatroníveis de água, referenciados a uma seção de medição - a estação fluviométricainstalada no centro da cidade.

A determinação das áreas inundáveis, associada com os respectivosriscos de ocorrência, permite estabelecer o zoneamento. Ela contribuiigualmente na atuação dos órgãos de defesa civil nos momentos de ocorrênciade enchentes. O zoneamento constitui-se num procedimento urbanístico, quetem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e das construções, nointeresse coletivo e bem-estar da população, ou seja, é a definição de umconjunto de regras para uso e ocupação das áreas de maior risco de inundação,visando a minimização futura das perdas materiais e humanas, face às grandescheias, no âmbito do Plano Diretor de Ocupação e Desenvolvimento Urbano.

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A inclusão deste zoneamento no Plano Diretor de Blumenau significouuma primeira aproximação entre a gestão do uso do solo e a questão dascheias, mas embora visasse a proteção patrimonial em áreas de risco, muitopoucas recomendações foram de fato incorporadas. Entretanto, a carta-enchente passou a ser um instrumento de planejamento. A Prefeitura Municipalde Blumenau informa os proprietários dos terrenos que desejam construiro nível de enchente do local.

Em 1987, o DNAEE elaborou cartas-enchente em escalas maiores, paraos municípios de Apiúna, Blumenau, Brusque, Ibirama, Indaial, Rio do Sul,Taió e Timbó, para os níveis com períodos de retorno de 5, 25 e 100 anos.Deschamps (1987) elaborou uma carta-enchente para o municípios de Gaspar,para os níveis com períodos de retornos de 10 e de 100 anos. Em algunsmunicípios, como Rio do Sul e Indaial, as cartas-enchente têm sido utilizadasna elaboração do Plano Diretor Físico-Territorial.

Apesar de todos os avanços no conhecimento da problemática dascheias, obtidos a partir da década de 80, e dos benefícios auferidos pela ofertade medidas não-estruturais, a expectativa por "soluções", isto é, obras que"resolvessem" o problema, continuava sendo partilhada pela opinião pública.Defensores da idéia de um manejo mais adequado da bacia, na linha dasmedidas extensivas de controle de cheias, constituíam minoria. Para que no-vas posturas e propostas pudessem ganhar espaço, as conseqüências danosasdo uso e ocupação do solo praticados tinham que ser comprovados.

3. Enchentes versus uso e ocupação do solo

Desde o início do processo de colonização do Vale do Itajaí até os diasatuais ocorreram grandes mudanças no meio ambiente. Uma das mais radicaisdiz respeito às modificações nos padrões de cobertura e uso do solo, fazendocom que a Mata Atlântica desse lugar à utilização do solo para a agropecuária,o povoamento e a urbanização.

O gráfico da Figura 2 representa um resumo do desenvolvimento daocupação do território em quatro diferentes compartimentos da bacia, quejuntos correspondem a 73% de sua extensão, mostrando que a exploraçãonão foi uniforme, atingindo níveis mais elevados na sub-bacia de Rio do Sul.O índice utilizado, coeficiente de área explorada, corresponde ao percentualda área de cada sub-bacia destinado para lavoura, pecuária e áreas em descanso,segundo dados dos censos agropecuários a partir de 1940 (Frank, 1995).

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Estas mudanças no uso do solo, é claro, têm implicações variadas. Frank(1995) demonstrou, por exemplo, como as transformações do uso do solo nabacia hidrográfica influenciaram os coeficientes de escoamento, no períodode 1940 a 1990, nas sub-bacias de Rio do Sul (área de 5.114 km2), Ibirama(área de 3.314 km2) e Timbó (área de 1.443 km2).

Em cada uma dessas sub-bacias foram estabelecidos sete grupos deeventos (períodos de comportamento semelhante da precipitação acumuladaem n dias, como por exemplo o grupo "e" apresentado na Figura 3). A análiseda variação dos coeficientes de escoamento nestas sub-bacias ao longo dotempo e a sua confrontação com o crescimento dos percentuais da área terri-torial explorada permite verificar uma tendência de crescimento do coeficientede escoamento para todos os grupos de eventos considerados. Embora osgrupos estabelecidos para cada sub-bacia sejam independentes, o que significaque, em princípio, os resultados não sejam comparáveis um a um, é possível

Figura 2 - Variação dos coeficientes de área explorada nas sub-bacias ( a sub-bacia de Blumenauengloba as áreas a jusante das demais sub-bacias )

Figura 3 - Grupo “e” de eventos selecionados para a determinação do coeficiente de escoamento nasub-bacia de Rio do Sul

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identificar um crescimento mais acentuado dos coeficientes de escoamento nasub-bacia de Rio do Sul (Figura 4), precisamente onde a variação da área exploradafoi maior durante o período 1940-1990, como mostrou a Figura 2.

A influência da floresta no regime hídrico da sub-bacia do RioHercílio ou de Ibirama foi avaliada mais em detalhes por Refosco ePinheiro (1999).

A cobertura vegetal da sub-bacia do Rio Hercílio era originalmentecomposta por "floresta ombrófila densa" e "floresta ombrófila mista", estasegunda em menor escala. A "floresta ombrófila densa" é uma formação quese caracteriza por árvores perenefoliadas com alturas de 20 a 30 metros, combrotos foliáres sem proteção à seca. Sua área de ocorrência é formada porencostas íngremes da Serra do Mar e da Serra Geral, formando vales profundose estreitos. Mudanças radicais no uso do solo ocorreram nas últimas décadas(veja Figura 2). A floresta cedeu lugar, principalmente, às culturas agrícolascíclicas e às pastagens. Os remanescentes florestais são, na maioria,degradados. A grande maioria das terras não é apta para uso agrícola.Uma pequena parcela tem aptidão regular para culturas de ciclo curto oulongo (Santa Catarina, 1986).

Estimou-se que em 1890, no início da colonização da bacia hidrográficado Rio Hercílio, existia 100% de cobertura vegetal arbórea nativa. O processoevoluiu de tal forma que, em 1966 existiam 58% e em 1986 apenas 39% deárea coberta por florestas. O desflorestamento ocorreu, portanto, à taxamédia aproximada de 3.000 hectares por ano, durante o período de 1966a 1986 (Tabela 2).

Figura 4 - Variação dos coeficientes de escoamento e do coeficiente de área explorada na sub-bacia deRio do Sul

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A distribuição anual dos totais precipitados ocorreu de forma bemdistribuída durante os dois períodos considerados, tanto que a diferença damédia em ambos é insignificante. No primeiro, a média anual foi de 1.442mm e no segundo período foi de 1.347 mm, com uma diferença relativa de4,7%. Sobrepondo-se à precipitação as vazões, observa-se que nos primeirosanos do período I ocorreram índices altos de precipitação, aos quais nãocorrespondem grandes vazões. Ao final do período II, no entanto, aos altosíndices de precipitação correspondem vazões bastante elevadas.

Os dados da Tabela 3 mostram o comportamento das vazões do RioHercílio nos períodos analisados. Nota-se que todas as variáveis apresentamuma tendência de crescimento ao longo do tempo, o que reflete profundasmudanças no regime hidrológico da bacia hidrográfica.

Sabe-se que a capacidade de infiltração do solo é menor em um solodescoberto, mas, ao menos em um momento imediatamente posterior aodesmatamento, a taxa de infiltração é maior. Em princípio, esperava-se que avazão mínima fosse diminuir, já que o curso de água, em época de estiagem,é alimentado pelo lençol subterrâneo, que, por sua vez, obtém água dainfiltração da chuva no solo. Contribui para esta idéia fato de que, com odesflorestamento, as características físicas do solo, principalmente a estrutura,vão-se degradando e tornando a infiltração mais difícil, mas as característicasgeológicas e geomorfológicas e as características dos solos da área estudadacontribuem para que a vazão mínima sofra acréscimo como o que foiconstatado. Os solos, apesar de terem textura médio-argilosa ou franco-argilosa,

Tabela 2 - Corbetura vegetal arbórea da bacia do Rio Hercílio

Tabela 3- Valores médios dos periódos

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são bem drenados e porosos e, portanto, possuem boa capacidade para infiltraçãoda água. O escoamento superficial também sofre um considerável acréscimo,decorrente da parcela da água desviada da interceptação, que não infiltra no solo.Isto tem ação direta no aumento das vazões máximas.

Com relação à vazão média, o desflorestamento provoca uma reduçãoda quantidade da água da precipitação extraída pela transpiração, assim comoda evaporação da parcela interceptada. Isto provoca um aumento dosescoamentos, alterando desta forma o balanço hídrico da bacia. Além do mais,na condição com florestas, os volumes evapotranspirados são transferidospara outras regiões, reduzindo o volume disponível para geração dos escoamentos.

Desta forma, verifica-se que a vegetação funciona como se fosse umreservatório de contenção de cheias. Além do mais, o desflorestamento fazparte do conjunto de fatores que determinam a ocorrência ou a maior incidênciade cheias e enxurradas, seja atuando de forma direta ou indireta. Indiretamente,a retirada da floresta aumenta a erosão do solo e o assoreamento dos cursosd'água. Diretamente, o desflorestamento atua no aumento do escoamento daságuas superficiais e, por conseqüência, no nível dos cursos d'água. As cheiase enxurradas ocorrem, portanto, em áreas desflorestadas, em intervalos detempo menores do que ocorreriam em áreas cobertas por florestas, devido àmelhoria das condições hidrodinâmicas.

É exatamente isso que se constata em relação às enchentes registradasem Blumenau desde o início da colonização do Vale do Itajaí. Os eventos nãose encontram aleatoriamente distribuídos ao longo do tempo. É nítido oaumento do número de enchentes a partir de 1910, o que coincide com aexpansão maciça da colonização em toda a bacia hidrográfica, refletida nopercentual de área explorada à montante de Blumenau (Figura 5), que, noperíodo 1910-1990, passou de 4% para 41%.

Figura 5 - Confrorto entre freqüencia de cheias em Blumenau e variação do coeficiente de área exploradana bacia correspondente

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Estes dados evidenciam o papel do uso do solo sobre as enchentes naBacia do Itajaí, cuja solução ou minimização é requerida pela comunidaderegional. A influência da vegetação no ciclo hidrológico deve, portanto, serconsiderada em qualquer projeto, especialmente aqueles de contenção decheias e enxurradas, evitando-se, desta forma, o desperdício de recursos e oimpacto sócio-ambiental negativo de tais projetos. Entretanto, os projetos decontenção de cheias, estruturais ou não, executados ou previstos para a baciahidrográfica (sub-título 2), não têm reconhecido a importância do fatorvegetação como determinante nos sistemas sobre os quais interferem.

É importante lembrar que os problemas associados ao uso do solo oudo uso inadequado dos recursos naturais na bacia, verificados através dediversos estudos de caso, não se restringem ao desflorestamento. Eles podemser ordenados em três categorias (Frank, 1995):

a) degradação dos solos, devido ao uso com finalidades que extrapolama capacidade de sustentação do sistema, sobretudo nas áreas deintensa atividade agrícola;

b) degradação dos cursos d'água, devido ao uso inadequado das áreasmarginais e das planícies de inundação, a intervenções com obrasde engenharia insuficientemente estudadas e à contaminação comdejetos, gerando problemas de saúde pública (agrotóxicos eborrachudos);

c) degradação das florestas, devido à exploração não-sustentável davegetação primária e secundária.

É este conjunto de situações que precisa ser levado em consideraçãonuma abordagem mais sistêmica do problema que se quer resolver.

As tentativas de ampliar a perspectiva dos projetos de contenção decheias são recentes. Como resultado de um planejamento estratégico no nívelda bacia hidrográfica, com ênfase no problema das enchentes, Frank (1995)propôs, entre outros, o estabelecimento de índices de cobertura florestal aserem atingidos em cada uma das regiões ambientais homogêneas da bacia,resultantes da análise multivariada de dados ecológicos, econômicos e sócio-políticos (Frank e Adami, 1997).

Para efetivamente resolver problemas, o alinhamento de projetosconcretos com uma diretriz em nível de bacia significa pensar taticamente,isto é, em escala de microbacia, porque, em última instância, a concretizaçãodo planejamento da bacia significa definir ações para o nível de intervençãomais adequado e assim alcançar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

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Neste sentido, deverá ser avaliada e adaptada, para as condições locais,a concepção de "controle descentralizado e integrado de cheias", desenvolvidarecentemente no Instituto Geográfico da Universidade de Heidelberg e quetem por objetivo atuar de forma abrangente sobre os diversos problemas queocorrem numa bacia hidrográfica. Através de um sistema modular,pesquisadores desse instituto demonstraram que, para uma bacia de 75 km2, aaplicação dessa concepção leva à solução dos problemas da bacia com custoscomparativamente pequenos (Assmann et al, 1996 e 1998).

Os módulos desenvolvidos se orientam pelos processos geomorfológicose hidrológicos, que transcorrem naturalmente, e tentam fazer com que opotencial de retenção natural da paisagem seja reconstituído. Como nem todosos espaços de retenção originais podem ser reativados, a função de retençãoprecisa ser reforçada em outros locais para compensar o déficit. Entretanto, énecessário atentar para que o ecossistema correspondente não seja prejudicadopelo impacto adicional. De acordo com este critério foram utilizadas asseguintes medidas (módulos):

• Práticas agrícolas inibidoras de erosão;

• Medidas que prolonguem o escoamento e aumentem a rugosidade dasuperfície, retardando o escoamento. Estas medidas atuam, portanto,na bacia e não no curso de água

• Áreas para a retenção de sedimentos e atenuação da dinâmica doescoamento superficial;

• Áreas para a retenção da onda de cheias;

• Manejo da drenagem urbana.

Para cada um dos módulos existem diferentes opções de configuração,sendo ainda possível estruturar formas combinadas entre eles.

Pelo fato de medidas extensivas de prevenção contra cheias serem aindapouco usuais no meio técnico local, pesquisas aplicadas do tipo descrito acimasão necessárias para avaliar seu efeito e torná-las conhecidas. Enfim, se aconstatação da influência negativa do uso do solo sobre o regime hídrico éuma condição necessária para rever as formas de manejo praticadas na bacia,ela não é condição suficiente. Novas soluções técnicas precisam ser geradase comprovadas e, sobretudo, viabilizadas politicamente.

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4. O processo de articulação ou o Comitê do Itajaí

A extinção do DNOS, mencionada anteriormente, marcou o fim deuma era na história da gestão dos recursos hídricos em Santa Catarina e criouas condições para uma nova postura diante dos problemas regionais. Ainsegurança gerada pela inconstância dos serviços de manutenção nasbarragens de contenção de cheias do Vale do Itajaí, que sucedeu adesativação do DNOS, aliada.

a) à urgência de procurar soluções mais abrangentes para o problemadas enchentes;

b) à percepção de que é inadiável promover um uso sustentável dosrecursos naturais em toda a extensão da bacia hidrográfica e

c) à conscientização de que a comunidade regional deve fortalecer maissua capacidade de autodeterminação em relação à solução de seusproblemas

fez surgir, a partir de 1995, um movimento em prol da criação de ummecanismo regional de gerenciamento ambiental, com ênfase no controledas enchentes.

Este movimento tem como marco inicial uma reunião promovida pelaACIB - Associação Comercial e Industrial de Blumenau em 8 de março de1996, que contou com a participação de diversas entidades representativas doVale do Itajaí e do Governo estadual. Na oportunidade, decidiu-se pela criaçãode um comitê de gerenciamento da bacia hidrográfica com base na políticaestadual de recursos hídricos e constituiu-se um grupo de trabalho quepropusesse uma estrutura de gerenciamento adequada.

Este grupo de trabalho, denominado grupo pró-comitê, que mais tardepassou a exercer a função de secretaria-executiva do Comitê, foi compostoinicialmente por nove entidades: FURB - Universidade Regional de Blumenau,UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí; UNIDAVI - Universidade do AltoVale do Itajaí; FEBE - Fundação Educacional de Brusque; AMAVI -Associação de Municípios do Alto Vale do Itajaí; AMMVI - Associação deMunicípios do Médio Vale do Itajaí; AMFRI - Associação de Municípios daFoz do Rio Itajaí; ACIB - Associação Comercial e Industrial de Blumenau; eACIRS - Associação Comercial e Industrial de Rio do Sul.

O que caracteriza este grupo, tido como nucleador do Comitê do Itajaí,é que ele representa um recorte das organizações da sociedade civil: ele nãointegra usuários de água nem órgãos públicos, que normalmente são os

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primeiros a detectarem conflitos que podem dar origem à instalação de comitêsde bacia. O grupo pró-comitê representa, sim, a disposição existente na regiãode coletivamente buscar soluções para um problema comum.

Depois de aprovada e apresentada publicamente a proposta decomposição do comitê (65 membros, sendo 40% representantes dos usuáriosda água, 40% representantes da população da bacia, através dos poderesExecutivo e Legislativo municipais, de parlamentares da região e deorganizações e entidades da sociedade civil e 20% representantes dos diversosórgãos da administração federal e estadual atuantes na bacia e que estejamrelacionados com os recursos hídricos), o grupo recebeu a incumbência deelaborar seu regimento, bem como desencadear as ações necessárias àimplantação do comitê.

A criação do Comitê do Itajaí foi aprovada pelo CERH - ConselhoEstadual de Recursos Hídricos em 23 de junho de 1997 e, em 5 de agosto domesmo ano, oficialmente instituído através do decreto estadual 2.109. Emseguida foram promovidos diversos encontros com as entidades que teriamalguma representação no comitê, visando divulgar a idéia, a razão de ser e aorganização do comitê, para finalmente solicitar a indicação de representantes.Em março de 1998, enfim, o Comitê do Itajaí foi instalado.

Figura 6 - Organograma do Comitê do Itajaí

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O regimento, divulgado por ocasião da instalação, foi elaborado tendocomo marco jurídico as Políticas Estadual e Nacional de Recursos Hídricos.Ele estabelece o Comitê do Itajaí como órgão de caráter regional, que visapromover o gerenciamento dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica doItajaí, dentro da ótica do desenvolvimento sustentável e de formadescentralizada, participativa e integrada. A estrutura do Comitê do Itajaí,definida pelo regimento, é resumida no organograma da Figura 6.

A experiência que se iniciou com a criação do Comitê do Itajaí é umaforma inovadora e moderna de participação solidária e de co-responsabilidadeda sociedade para conservar e recuperar os recursos hídricos: um bem públicode valor inestimável para as atividades econômicas e sociais e para a melhoriada qualidade de vida da população regional. Ao todo, esse processo se estendeuao longo de dois anos, tendo gerado quase secundariamente a essência da suacontinuidade: uma semente de integração interinstitucional e regional, isto é,entre o Alto, o Médio e o Baixo Vale do Itajaí.

Antes mesmo da eleição e posse da primeira diretoria, o grupo detrabalho pró-comitê buscava pesquisar e traçar linhas norteadoras para oprocesso de gestão a ser gradativamente implementado na bacia. Optou pelarealização de ações de planejamento de questões estratégicas para a bacia, nolugar de estabelecer um plano diretor de recursos hídricos. Não se nega, atravésdesta decisão, a importância e a necessidade do "plano da bacia". Pelocontrário. A opção de planejar questões estratégicas tem sobretudo carátermetodológico, porque leva a concentrar esforços em questões relevantes paraa região e, dessa maneira, adquirir legitimidade e credibilidade junto à opiniãopública. Os sucessivos planos estratégicos contribuem para acumularconhecimento e disseminar informações sobre a bacia hidrográfica, abrindoespaço para a realização de um "plano de bacia" efetivo.

Neste sentido, o primeiro passo constituiu-se do Workshop sobre osSistemas de Alerta e Contenção de Cheias do Vale do Itajaí, realizado de 6 a8 de agosto de 1997 em Blumenau. A situação precária dos sistemas decontenção e de previsão de cheias na Bacia do Itajaí, que serviu como fatodesencadeador para a criação do Comitê, levou o grupo de trabalho a realizaruma reunião específica para estabelecer, com base na situação atual do sistemade contenção de cheias e do sistema de alerta, um plano estratégico visando amanutenção, a viabilização financeira, os aspectos institucionais e a gerênciadestes sistemas. Os efeitos desse encontro e dos documentos por ele geradostiveram repercussões muito positivas: os problemas foram sanados através deparcerias e diversos convênios entre o Governo federal e o Governo estadual.

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A segunda "ação estratégica", realizada em outubro de 1998, foi umaatividade educativa. A constituição de um grupo, formado por técnicos,empresários e lideranças políticas, para conhecer, durante duas semanas,experiências de prevenção e contenção de cheias e de gestão de bacias empaíses europeus, mobilizou multiplicadores fora do âmbito da secretaria-executiva do Comitê. Após o retorno, o grupo, representativo de diversasregiões da bacia passou a disseminar as experiências visitadas - em geralgeridas com participação dos Municípios e centradas em medidas extensivasde prevenção de cheias -, o que veio reforçar a importância do Comitê doItajaí perante a opinião pública e orientar a luta por medidas de prevenção decheias na direção de medidas ecologicamente sustentáveis. O impacto positivodesta ação gerou o próximo "plano estratégico".

Em junho de 1999, o Comitê do Itajaí promoveu o Workshop Pactopara prevenção de cheias do Itajaí, visando a definição de diretrizes para oplano de prevenção e controle de enchentes no Vale do Itajaí, que deverásubsidiar as negociações com o OECF. Embora em 1995 fosse estabelecida abase das ações a serem financiadas pelo OECF no Projeto JICA, este não foiimplementado devido a inúmeros problemas, entre eles todo um processomal conduzido de elaboração do EIA/RIMA. Em 1999, o Governo solicitouque o Comitê do Itajaí se pronunciasse, para que pudessem ser renegociadasas bases do financiamento com o Governo do Japão e utilizados os recursosdisponibilizados pelo OECF. O Comitê entendeu que a melhor forma de chegara um consenso seria através de uma ampla participação dos atores envolvidos:técnicos dos órgãos estaduais, técnicos municipais, políticos e representantesdo Comitê. Eles deveriam identificar as diretrizes para um plano de prevençãoque atendesse as necessidades locais e regionais.

Tendo por princípio uma abordagem integral da bacia, foram propostasdez linhas de ação ou diretrizes, nessa seqüência:

(a) gerenciar a rede de drenagem;(b) atingir, em cinco anos, no mínimo 35% de cobertura vegetal por

município;(c) manejar adequadamente os cursos de água;(d) aumentar o conhecimento e convivência com as cheias;(e) usar e manejar adequadamente o solo em atividades agropecuárias;(f) implantar e adequar os planos diretores municipais;(g) controlar a rede de drenagem;(h) gerenciar as águas pluviais;(i) estabelecer mecanismos de cooperação e parcerias.

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

O que sobressai é a mudança de foco em relação ao Projeto JICA original.Enquanto aquele consistia exclusivamente em medidas estruturais intensivas, asobras agora compõem um entre dez itens, a saber, a linha de ação (g). Já asmedidas estruturais extensivas abrangem quatro linhas de ação: (b), (c) e (e) paraáreas rurais e (h) para áreas urbanas. Elas compreendem ações como:

• diretriz b: implantar reservas legais, recuperar e manejar mata ciliar,implantar florestas comerciais, criar unidades de conservação - parquese reservas -, manter e enriquecer a cobertura florestal atual;

• diretriz c: retirar entulhos e evitar novas deposições, manter o cursode água na sua configuração original, fazer uso múltiplo das estruturashidráulicas existentes, estudar a viabilidade de pequenas retenções naescala de microbacias, observar a legislação na construção de açudes,lagoas e tanques;

• diretriz e: planejar propriedades agrícolas com base na aptidão dosolo e nas limitações legais, usar práticas conservacionistas - mecânicase vegetativas -, integrar e realocar estradas vicinais e corredores;

• diretriz h: aumentar a cobertura vegetal na área urbana, restringir asáreas urbanas impermeabilizadas, implantar e adequar sistemas dedrenagem pluvial, manter os sistemas de drenagem implantados, destinarcorretamente lixos e entulhos, implantar medidas de utilização deretenção e infiltração de águas pluviais.

Essas quatro diretrizes, portanto, correspondem essencialmente aintervenções sobre o uso do solo. Não é a primeira vez que propostas destetipo são formuladas, como comprovam várias publicações. Porém, é a primeiravez que elas são debatidas, formuladas e aprovadas por um grupo tão eclético.

Em cada uma dessas ações do Comitê, novas lideranças vão sendoenvolvidas na discussão da gestão dos recursos hídricos, ampliando a rede deatores que sustenta o Comitê e dissemina suas idéias. É aí que reside acapacidade transformadora necessária ao processo de mudança pretendido.

Em outras palavras, a sustentação política para as propostas inovadorasdo Comitê do Itajaí está sendo construída através do envolvimento progressivode pessoas e entidades. A construção da Rede do Itajaí (Frank e Pinheiro,1999) é uma estratégia de capacitação e envolvimento progressivo deprofissionais e de lideranças municipais e regionais em ações de proteção econservação dos recursos hídricos, adotada desde o início do processo.

Ainda antes da instalação do Comitê, foram convidados a se integrarao grupo de trabalho os órgãos estaduais mais afetos às questões da água. No

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Interfaces da Gestão de Recursos HídricosDesafios da Lei de Águas de 1997

Workshop realizado em 1997 foram chamados diversos órgãos municipais eestaduais de defesa civil, de meteorologia e de abastecimento de água. Para oWorkshop de 1999 foram convidados representantes de órgãos ambientais ede planejamento municipais, além dos órgãos estaduais diretamente envolvidoscom o Projeto JICA.

Uma mobilização muito ampla em torno da questão dos rios foiproduzida pela decisão recente do Comitê de criar a Semana da Água e sugerirsua instituição em todos os Municípios da bacia: uma "campanha de cidadaniapela água no Vale do Itajaí". Organizada de forma descentralizada eparticipativa, através de coordenadores regionais e locais, a iniciativa tevegrande repercussão na sua primeira edição - mobilizou cerca de 40 mil pessoasem toda a bacia, atingindo inclusive grande parcela dos pequenos Municípios.

O conhecimento empírico da secretaria-executiva do Comitê em relaçãoao processo de articulação indica que proporcionar informação e conhecimentoà comunidade regional significa:

a) desencadear o processo a partir da constatação de um problema con-creto;

b) cumprir metas estabelecidas;c) impulsionar o Comitê para que possa atuar como organização cen-

tral que apóie iniciativas locais;d) sensibilizar a população;e) produzir e disponibilizar informação ambiental sobre a bacia;f) conhecer detalhadamente o uso da água na bacia e difundir este

conhecimento;g) avaliar periodicamente os resultados alcançados.

Deste modo, a Rede vai se expandindo desde o núcleo acadêmicolocalizado em Blumenau até as lideranças dos pequenos Municípios. Oresultado esperado, e que deverá ser induzido pela Rede, é o surgimento deprogramas municipais de conservação e de proteção de recursos hídricos,bem como a sustentação política do conjunto de diretrizes incluídas no Pactopara a prevenção de cheias do Vale do Itajaí.

A conscientização dos cidadãos, a participação e o debate públicos, adivergência e o consenso, todos são elementos necessários na criação deprogramas efetivos a fim de proporcionar um futuro sustentável para o meioambiente e para nós. Ordens de comando-e-controle de cima para baixo,impostas a uma população apática ou, até mesmo hostil, não são mais eficazesno campo ambiental do que o são na esfera política.

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Parte 3 : Gestão de Recursos Hídricose Gestão do Uso do Solo

Portanto, à medida que aumenta a mobilização social na direção deuma qualidade de vida digna, com base na compreensão do conceito de meioambiente integral, em que o cidadão se apropria do amplo leque de recursos epossibilidades que possui neste caminho, reconhecendo-se, como legítimosujeito neste processo, certamente ocorrerá um avanço na defesa do meioambiente, que aqui se traduz em novas posturas no manejo dos cursos deágua e do solo, orientadas por critérios ecológicos.

Bibliografia

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ASSMANN, A., GÜNDRA, H., SCHUKRAFT, G. & SCHULTE, A.(1998) - “Konzeption und Standortauswahl bei der dezentralen, integriertenHochwasser-schutzplanung für die Obere Elsenz (Kraichgau)”. In: Wasser &Boden 8/98.

DESCHAMPS L.R.A., 1987 - Carta Enchente de Gaspar. RelatórioConvênio PMB/FURB.

FRANK, B. E ADAMI, R.M. (1997) - “Regionalização de baciahidrográfica: o caso da Bacia do Itajaí”. In: Simpósio da Associação Brasileirade Recursos Hídricos, Vitória.

FRANK B. E PINHEIRO A. (1999) - “Management of hydrographicbasins: considerations in application of the network method”. In: Gary C.Schafran, Ed. Proceeding of the 1999 joint ASCE-CSE National Conferenceon Environmental Engineering, 25 a 28 de julho de 1999. Norfolk,EUA. pp. 590-98.

PINHEIRO ET AL. (1987) - “Traçado das zonas de inundação deBlumenau”. In: VII Simpósio Brasileiro de Hidrologia e de RecursosHídricos et III Simpósio Luso-Brasileiro de Hidráulica e de RecursosHídricos. Salvador.

REFOSCO J. C. E PINHEIRO A. (1999) - “Impacto do desflores-tamento sobre o regime hídrico de uma bacia hidrográfica”. Revista de EstudosAmbientais, 1(2), pp 18-26.

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Perfil curricular dos autores

Beate Frank – [email protected] - é física e mestre em Físicapela UFRGS (1981), doutora em Engenharia da Produção pela UFSC(1995), professora do curso de mestrado em Engenharia Ambiental daUniversidade Regional de Blumenau, diretora do Instituto de PesquisasAmbientais da FURB, integrante da secretaria-executiva do Comitê doItajaí.

Adilson Pinheiro – [email protected] - é engenheiro civil pelaUFSC (1985); mestre em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamentopelo IPH/UFRGS (1990); doutor em Física e Química do Ambiente peloInstitut National Polytechnique de Toulouse – França (1995); pós-doutorado no Institut National Polytechnique de Toulouse – França(1996); professor e coordenador do curso de mestrado em EngenhariaAmbiental da FURB, coordenador do Centro de Operação do Sistemade Alerta de Cheias da Bacia do Itajaí.

Noemia Bohn – [email protected] – é advogada pela FURB(1984), mestre em Direito Público pela UFSC (1990), doutoranda emDireito Ambiental na PUC-SP, professora do curso de mestrado emEngenharia Ambiental da FURB, pesquisadora do Instituto de PesquisasAmbientais da FURB, integrante da secretaria-executiva do Comitê doItajaí,

SANTA CATARINA (1986). Gabinete de Planejamento e CoordenaçãoGeral. Subchefia de Estatística, Geografia e Informática - Atlas de SantaCatarina. Aerofoto Cruzeiro, 173p.

TUCCI, CARLOS E.M. (1993) - “Escoamento superficial”. In: CarlosE.M. Tucci (org.) Hidrologia: Ciência e Aplicação. Porto Alegre: Ed. daUniversidade: ABRH: EDUSP (Coleção ABRH de Recursos Hídricos; v.4).p. 391-441.