parte 1 relatos de pesquisas e práticas sociais

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  • MLTIPLOS OLHARES SOBRE

    pesquisas e prticas sociais

    TECNOLOGIAS SOCIAIS

  • Diretoria Executiva da Fundao Irmo Jos Oto

    Joo Dornelles JniorPresidente

    Ana Lcia Surez MacielVicePresidente

    Andr Hartmann DuhSecretrio Executivo

    CapaDora Bragana Castagnino e Denise Mross

    RevisoFernanda Dora Luzzatto

    Design EditorialPatu Comunicao para ONGswww.patua.org.br

    03

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

    978-85-64048-08-9

  • APRESENTAO

    PARTE 1 RELATOS DE PESQUISAS E PRTICAS SOCIAIS

    1. Tecnologias Sociais: Aproximaes com a produo de conhecimento no Brasil e

    as experincias em desenvolvimento no Rio Grande do Sul Ana Lcia Surez Maciel,

    Erica Bomfim Bordin, Las Barbosa Anzolin e Solange Emilene Berwig.

    2. Tecnologias Sociais e Polticas Pblicas: debates iniciais para uma pesquisa

    emprica - Adriano Borges Costa e Telma Hoyler.

    3. Estrategias de desarrollo inclusivo sustentable y cambio tecnolgico. Crticas y

    propuestas - Hernn Thomas, Amlcar Davyt, Alberto Lalouf y Lucas Becerra.

    4. Uma Poltica de Educao, Cincia & Tecnologia Social para a Economia Solidria

    no Complexo Agroalimentar Brasileiro alguns resultados de pesquisa Ricardo

    Toledo Neder.

    5. Relato de Prtica Social: O protagonismo da Fundao Banco do Brasil na

    reaplicao de Tecnologias Sociais - Jefferson D'Avila de Oliveira.

    6. Relato de Prtica Social: Centro de Referncia em Tecnologias Sociais Fundao

    Parque Tecnolgico Itaipu.

    7. Relato de Experincia: Novos Tempos, Novas Ferramentas AVESOL.

    8. Relato da Produo Agroecolgica Integrada e Sustentvel - PAIS na Secretaria de

    Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo do Rio Grande do Sul.

    PARTE 2 TRABALHOS APRESENTADOS NA 3 MOSTRA DE TECNOLOGIA SOCIAL

    1. Trajetrias da Tecnologia Social: fragmentos de um estudo na regio

    metropolitana de Porto Alegre - Rosa Maria Castilhos Fernandes.

    2. Notas sobre Tecnologias Sociais Brasileiras - Raquel Folmer Corra.

    3. Autogesto e Tecnologias Sociais: sobre a (im)pertinncia deste debate no campo

    da Economia Solidria - Eliana Perez Gonalves de Moura e Tiago de Mello Cargnin.

    4. Empreendimentos Solidrios de Artesanato: interlocuo com a Tecnologia Social

    - Gleny Terezinha Duro Guimares, Aderbal Froes de Jesus, Elaine Pinto de Oliveira,

    Thiana Orth, e Patricia Lane Araujo Reis.

    5. Universidade e compromisso com o Desenvolvimento Social - Ins Amaro e Anelise

    Gronitzki Adam.

    ANEXOS

    05

    27

    77

    81

    90

    105

    154

    131

    08

    43

    57

    94

    72

    122

    144

    SUMRIO

    Mltiplos Olhares Sobre Tecnologias Sociais Pesquisas e Prticas Sociais

  • Com alegria apresentamos este e-Book, intitulado Mltiplos olhares sobre Tecnologias

    Sociais: pesquisas e prticas sociais que objetiva compartilhar relatos de pesquisas e

    prticas sociais, bem como os artigos completos apresentados na III Mostra de Tecnologias

    Sociais, promovida pela Fundao Irmo Jos Oto (FIJO) e pela Associao de Voluntariado e

    Solidariedade (AVESOL), nos dias 26 e 27 de abril de 2013, no campus da Pontifcia

    Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre.

    As Tecnologias Sociais se constituem em um fenmeno recente, razo pela qual se

    tornam relevantes as iniciativas voltadas para a socializao do conhecimento que vem sendo

    produzido pela comunidade cientfica, assim como os relatos de experincias dos sujeitos e

    organizaes sociais que se encarregam de implement-las.

    Num tempo em que as esperanas num futuro melhor parecem diminuir, em que as

    referencias tericas crticas so confrontadas pela onda neoliberal e em que os indicadores

    sociais seguem a nos convocar para construirmos pontes para uma sociedade desenvolvida e

    sustentvel, as iniciativas de pesquisadores e sujeitos sociais que se propem a inverter essa

    lgica e buscar alternativas deve ser valorizada e publicizada. Com isso, no queremos

    afirmar que as Tecnologias Sociais so a soluo para a complexidade do problema que

    vivemos como sociedade, mas elas podem ser consideradas um campo contra hegemnico,

    tanto no que se refere ao tipo de conhecimento que vem sendo produzido, quanto na inovao

    e criatividade presente nas experincias que se multiplicam em todo o territrio nacional e,

    tambm, nos pases vizinhos.

    A fim de ilustrar um pouco dessa contribuio, apresentamos a estrutura que compe

    este e-Book: a parte 1 se dedica a apresentar os relatos de pesquisas e prticas sociais e est

    composta por quatro artigos e dois relatos de experincias com os seguintes ttulos e autores:

    Tecnologias Sociais e Polticas Pblicas: debates iniciais para uma pesquisa emprica

    Adriano Borges Costa e Telma Hoyler.

    Estrategias de desarrollo inclusivo sustentable y cambio tecnolgico. Crticas y

    propuestas Hernn Thomas, Amlcar Davyt, Alberto Lalouf y Lucas Becerra.

    Uma Poltica de Educao, Cincia & Tecnologia Social para a Economia Solidria no

    Complexo Agroalimentar Brasileiro alguns resultados de pesquisa Ricardo Toledo Neder.

    Relato de Experincia: Centro de Referncia em Tecnologias Sociais Fundao

    Tecnologias Sociais: Aproximaes com a produo de conhecimento no Brasil e

    as experincias em desenvolvimento no Rio Grande do Sul Ana Lcia Surez Maciel,

    Erica Bomfim Bordin, Las Barbosa Anzolin e Solange Emilene Berwig.

    APRESENTAO

    Ana Lcia Surez Maciel

    Erica Bomfim Bordin

    05

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • Parque Tecnolgico Itaipu

    Relato de Experincia: Novos Tempos, Novas Ferramentas AVESOL

    A parte 2 contm os artigos completos apresentados na III Mostra de Tecnologias Sociais

    e est composta por cinco trabalhos, com os seguintes ttulos e autores:

    Trajetrias da Tecnologia Social: fragmentos de um estudo na regio metropolitana de

    Porto Alegre - Rosa Maria Castilhos Fernandes.

    Notas sobre Tecnologias Sociais Brasileiras - Raquel Folmer Corra.

    Autogesto e Tecnologias Sociais: sobre a (im)pertinncia deste debate no campo da

    Economia Solidria - Eliana Perez Gonalves de Moura e Tiago de Mello Cargnin.

    Empreendimentos Solidrios de Artesanato: interlocuo com a Tecnologia Social -

    Gleny Terezinha Duro Guimares, Aderbal Froes de Jesus, Elaine Pinto de Oliveira, Thiana

    Orth, e Patricia Lane Araujo Reis.

    Universidade e compromisso com o Desenvolvimento Social - Ins Amaro e Anelise

    Gronitzki Adam.

    Cientes de que esta produo no seria possvel sem a participao e o

    comprometimento de um conjunto de pessoas que colaboram com a sua concretizao,

    gostaramos de reconhecer e agradecer aos autores dos artigos que constam nesta publicao,

    assim como a equipe do Observatrio do Terceiro Setor da FIJO, aos profissionais que atuaram

    na reviso e diagramao do texto e Fundao de Amparo Pesquisa no Rio Grande do Sul

    que apoiou financeiramente esta iniciativa.

    Desejamos aos leitores uma tima leitura, com o desejo de que outras produes

    venham a compor o acervo sobre a temtica e que ela possa ser adensada com qualidade

    terica e compromisso poltico da comunidade cientfica, dos sujeitos e organizaes sociais

    que atuam nesse campo.

    As organizadoras.

    Porto Alegre, Outono de 2013.

    06

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • PARTE 1

    RELATOS DE PESQUISAS E

    PRTICAS SOCIAIS

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    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • CONTEXTUALIZANDO AS TECNOLOGIAS SOCIAIS

    A crise econmica de grandes potncias capitalistas, protagonizada pelas mudanas

    advindas da esfera produtiva, pela radicalizao dos iderios neoliberais e pela

    reestruturao do Estado, vem impactando nas diferentes dimenses da vida social e afetando

    transversalmente o modelo de organizao e gesto do trabalho, as relaes entre as classes,

    a organizao da produo e distribuio de bens e servios, assim como o modelo de

    regulao social. Associa-se a este contexto a realidade brasileira marcada pela desigualdade

    social, pelas disparidades regionais internas, pelos processos de distribuio de renda que se

    caracterizam pela acumulao de uma minoria em detrimento das necessidades da maioria da

    populao brasileira. So esses processos de excluso social, em que vive grande parte da

    populao que sinalizam o quanto, ainda, precisamos percorrer para formularmos e

    instituirmos polticas pblicas que incidam em uma totalidade mais abrangente e que

    contemplem as reais necessidades da sociedade.

    A mundializao do capital tem fortalecido o modo de produo capitalista medida

    que possibilita a explorao da mo de obra com menores custos, onde quer que se encontre

    geograficamente, assim como na compra da matria-prima ao menor preo em qualquer lugar

    do mundo, e a instalao de suas estruturas onde os governos oferecem mais vantagens, sendo

    esses produtos comercializados mundialmente. Essas corporaes, inseridas no processo de

    reestruturao produtiva e acumulao flexvel que rege o mercado e determina os nveis de

    crescimento e desenvolvimento da indstria e comrcio, possuem um mundo sem fronteiras

    para investir e colher seus resultados.

    O contexto contemporneo de trabalho apresenta um mercado onde o emprego formal,

    Tecnologias Sociais: Aproximaes com a produo de

    conhecimento no Brasil e as experincias em

    desenvolvimento no Rio Grande do Sul

    Ana Lcia Surez MacielAssistente Social, Doutora em Servio Social, Professora e Pesquisadora do Programa de Ps-Graduao em

    Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul e Vice-Presidente da Fundao Irmo Jos

    Oto. E-mail: [email protected]. Endereo: Avenida Ipiranga 6681 Prdio 2 Partenon Porto Alegre/RS.

    Erica Bomfim BordinAssistente Social, Mestre em Servio Social pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul e Analista

    de Desenvolvimento Social da Fundao Irmo Jos Oto, E-mail: [email protected].

    Las Barbosa AnzolinGraduanda do Curso de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. Estagiria de

    Servio Social da Fundao Irmo Jos Oto. E-mail: [email protected].

    Solange Emilene BerwigAssistente Social, Mestrando do Programa de Ps Graduao em Servio Social da Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio Grande do Sul. Bolsita CNPq. Email: [email protected]

    08

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • com garantias de salrios, segurana, vantagens sociais torna-se cada vez mais escasso,

    ditando:

    (...) uma nova cultura e aes polticas de inspirao neoliberal no mundo

    do trabalho, que buscam flexibilizar ao mximo no somente as estratgias

    de produo e racionalizao, atravs de novas tecnologias, polticas,

    processos de trabalho, estoques, tempo de giro do capital, produtos,

    padres de consumo, como tambm as condies de trabalho, os direitos e

    os compromissos do Estado para com a populao, conquistados no perodo

    anterior. (FREIRE, 2006, p.32).

    Sobre os direitos e os compromissos do Estado mencionados, vale ressaltar que muitos

    deles sofreram inflexes, na medida em que a flexibilizao do mercado e das relaes forou

    uma flexibilizao dos direitos, consolidados pela Constituio Federal de 1988. No contexto

    de reforma do estado, h uma reduo das responsabilidades sociais e pblicas, seguindo a

    tendncia contempornea do capitalismo, orientada pelas polticas neoliberais.

    A ordem capitalista se modifica, provoca tendncias mercadolgicas para ser capaz de

    alcanar de forma satisfatria seus objetivos: a produtividade, competitividade e

    lucratividade. A alta produtividade gera, ainda, aumento do ritmo de trabalho, acarretando

    sobrecarga dos trabalhadores, precarizao das relaes de trabalho ou proporcionando as

    contrataes temporrias, para suprir os momentos de maior venda. uma busca pelo ganho

    de mercado, de economia de custos e maior lucro. Essa nova aparncia do trabalho acarreta a

    insegurana do trabalhador diante de seu espao laboral, causando o medo de perder o

    emprego, consequentemente dificultando o acesso sade, moradia e educao (ANTUNES,

    2002).

    Em meio incerteza e precarizao gerada pelo desemprego estrutural algumas

    respostas vem se constituindo por diferentes atores sociais, tais como: organizaes da

    sociedade civil, universidades, integrantes do governo, trabalhadores, entre outros, e vem se

    constituindo como uma das respostas possveis para o atendimento das demandas sociais. H

    entre esses atores uma preocupao com a crescente excluso social, a precarizao e a

    informalizao do trabalho, a violao dos direitos humanos (FONSECA, 2009).

    Nesse sentido, no mbito da sociedade civil organizada, a partir da dcada de 1980,

    que os movimentos sociais desenvolvem uma condio de presso ao Estado, particularmente

    no campo das polticas pblicas. Pelas sucessivas presses e negociaes dos movimentos

    sociais que vo se construindo alianas, e assim os movimentos ganham terreno,

    evidenciando que os movimentos sociais so novos atores polticos autnticos, portadores de

    uma fora transformadora (MONTAO e DURIGUETTO, 2011, p.333).

    Igualmente passam a ser fundamentais as iniciativas da sociedade civil que

    materializam o esforo da mesma em construir respostas para as suas inmeras demandas

    sociais. Neste escopo que se inscrevem as Tecnologias Sociais.

    CONCEPES ACERCA DAS TECNOLOGIAS SOCIAIS

    O conceito de Tecnologia Social recente, polissmico e, ainda, polmico, razo pela

    qual faz sentido disputar a sua definio, a partir do seu adensamento luz da produo do

    conhecimento e, especialmente, das experincias que vem sendo desenvolvidas.

    Alguns fundamentos so pertinentes concepo de Tecnologia Social, quais sejam: a

    09

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • transformao social, a participao direta da populao, o sentido de incluso social, a

    melhoria das condies de vida, a sustentabilidade socioambiental e econmica, a inovao, a

    capacidade de atender necessidades sociais especficas, a organizao e sistematizao da

    tecnologia, o dilogo entre diferentes saberes (acadmicos e populares), a acessibilidade e a

    apropriao das tecnologias, a difuso e ao educativa, a construo da cidadania e de

    processos democrticos, entre outros, que so sustentados por valores de justia social,

    democracia e direitos humanos. Com estes tpicos pode-se afirmar que um dos objetivos da

    Tecnologia Social justamente reverter a tendncia vigente da tecnologia capitalista

    convencional que tem como pressuposto reforar a dualidade desse sistema (...)

    submetendo os trabalhadores aos detentores dos meios de produo e pases

    subdesenvolvidos a pases desenvolvidos, perpetuando e ampliando as assimetrias de poder

    dentro das relaes sociais e polticas (DAGNINO, 2009, p.18).

    Em contraposio a este modelo, a Tecnologia Social rene caractersticas, tais como:

    ser adaptada a pequenos produtores e consumidores; no promover o tipo de controle

    capitalista: segmentar, hierarquizar e dominar os trabalhadores; ser orientada para satisfao

    das necessidades humanas; incentivar o potencial e a criatividade do produtor direto e dos

    usurios; ser capaz de viabilizar economicamente empreendimentos como cooperativas

    populares, assentamentos de reforma agrria, a agricultura familiar e pequenas empresas

    (NOVAES e DIAS, 2009).

    Tais caractersticas supracitadas demonstram o quanto a Tecnologia Social est voltada

    para a produo coletiva e no mercadolgica e, tambm, da mesma forma est mais

    imbricada s realidades locais, de modo que possa gerar respostas mais adequadas aos

    problemas colocados em um determinado contexto (NOVAES e DIAS, 2009, p.19). Tambm

    seguindo a linha conceitual sobre Tecnologia Social importante frisar que estas sempre

    consideram as especificidades das realidades locais e esto, diretamente, relacionadas aos

    processos de organizao coletiva e democrtica e, portanto, acabam representando solues

    possveis para a superao de diferentes situaes problemticas, onde se incluem as

    vulnerabilidades e a excluso social, incidindo assim na melhoria das condies de vida

    daqueles atores envolvidos com a Tecnologia Social.

    O Instituto de Tecnologia Social (ITS) prope o conceito de Tecnologia Social a partir do

    Universo das ONGs, buscando legitimar e dar visibilidade as prticas desenvolvidas junto ao

    Sistema de Cincia, Tecnologia e Inovao, conceituando-a como um conjunto de tcnicas,

    metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interao com a populao e

    apropriadas por ela, que representem solues para incluso social e melhoria das condies

    de vida (ITS, 2004, p. 130).

    O ITS contribui com o avano do debate sobre o tema ao agrupar as ideias a respeito da

    tecnologia social em trs categorias: princpios, parmetros e implicaes. Os princpios

    ressaltam a importncia da aprendizagem e participao como processos que caminham

    juntos e que a transformao social requer a compreenso da realidade de maneira sistmica

    e o respeito s identidades locais.

    Os parmetros de tecnologia social fornecem os critrios para a anlise das aes

    sociais decorrentes ou propostas, tais como:

    - Razo de ser da tecnologia social (atender as demandas sociais concretas vividas e

    identificadas pela populao);

    10

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • - Processo de tomada de deciso (processo democrtico e desenvolvido a partir de

    estratgias especialmente dirigidas mobilizao e participao da populao);

    - Papel da populao (h participao, apropriao e aprendizado por parte da

    populao e de outros atores envolvidos);

    - Sistemtica (h planejamento, aplicao ou sistematizao de conhecimento de

    forma organizada);

    - Construo do conhecimento (h produo de novos conhecimentos a partir da

    prtica);

    - Sustentabilidade (a tecnologia social visa sustentabilidade econmica, social e

    ambiental);

    - Ampliao de escala (gera aprendizagem que serve de referncia para novas

    experincias).

    E, finalmente, as implicaes do conceito de Tecnologia Social foram organizadas em

    trs eixos: a relao entre produo de cincia, tecnologia e sociedade; a direo da produo

    de conhecimentos; e o modo de fazer especfico de intervir sobre a realidade e que se

    relaciona tanto aos parmetros quanto aos resultados.

    A Rede de Tecnologias Sociais (RTS) uma rede que reunia, no ano de 2010, 786

    organizaes de todo pas e do exterior, entre organizaes no governamentais, centros de

    pesquisa, cooperativas, empresas, escolas de ensino mdio, fundaes e institutos,

    sindicatos, universidades e rgos de governo nos nveis federal, estadual e municipal. O

    objetivo da RTS era ampliar a difuso e a reaplicao das TS possibilitando a incluso social, a

    gerao de trabalho e renda e a promoo do desenvolvimento local sustentvel, ou seja,

    experincias que permitem a reaplicao e j so usadas em diversas localidades do Brasil e

    em outros pases.

    O conceito da RTS apreende as Tecnologias Sociais como sendo produtos, tcnicas

    e/ou metodologias reaplicveis, desenvolvidas na interao com a comunidade e que

    representem efetivas solues de transformao social (RTS, 2009, p.09). Para fins deste

    artigo, entendemos os conceitos que englobam essa definio da seguinte forma:

    Produto = Resultado de Qualquer Atividade Humana, materializado em Bens Fsicos ou

    Servios. Um produto qualquer coisa que possa ser oferecida a um mercado, ou que se

    destina a entrar na produo de outros bens, que possa satisfazer um desejo ou uma

    necessidade. Contudo precisa ser muito mais do que apenas um objeto fsico, um pacote

    completo de benefcios ou satisfao que a populao percebem que eles obtero se

    adquirirem o produto. a soma de todos os atributos fsicos, psicolgicos, simblicos e de

    servio.

    Tcnica e/ou Metodologia = Conjunto de mtodos e processos utilizados em

    determinada disciplina e sua aplicao. Modo por que se realiza ou executa uma coisa. o

    procedimento ou o conjunto de procedimentos que tm como objetivo obter um

    determinado resultado, seja no campo da Cincia, da Tecnologia, das Artes ou em outra

    atividade.

    Tambm pactua desta concepo a Fundao Banco do Brasil (FBB), entidade que hoje

    protagoniza um conjunto de iniciativas que promovem a disseminao das Tecnologias Sociais

    em diferentes regies do pas e o prprio Ministrio da Cincia e Tecnologia, atravs da

    Secretaria de Cincia e Tecnologia para Incluso Social, que reconhece como principal

    11

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • objetivo da Tecnologia Social a contribuio para a reduo do quadro de pobreza,

    analfabetismo, fome, excluso social, entre outras que contribuem com o desenvolvimento

    social.

    Para a Fundao Banco do Brasil (FBB), a Tecnologia Social compreende produtos,

    tcnicas ou metodologias reaplicveis, desenvolvidas na interao com a comunidade e que

    representem efetivas solues de transformao social (Fundao Banco do Brasil, 2012).

    um conceito que remete para uma proposta inovadora de desenvolvimento, considerando a

    participao coletiva no processo de organizao, desenvolvimento e implementao.

    A partir destas concepes, emergiu o interesse de tomar as TS como objeto de

    pesquisa, buscando apreender a forma como as mesmas vem sendo concebidas, desenvolvidas

    e contribuem para o desenvolvimento social e sustentvel.

    A PRODUO DE CONHECIMENTO SOBRE TECNOLOGIAS SOCIAIS

    A pesquisa intitulada Tecnologias Sociais: Um Estudo acerca das suas Concepes,

    Prticas e Impactos nas Polticas Pblicas problematiza: Como as tecnologias sociais so

    concebidas, desenvolvidas e contribuem para o desenvolvimento social e sustentvel do

    estado do Rio Grande do Sul, no perodo que abrange os anos de 2010 a 2012? E objetiva:

    Analisar as concepes, o desenvolvimento e as contribuies das tecnologias sociais para o

    desenvolvimento social e sustentvel do estado do Rio Grande do Sul, especialmente, no

    mbito das polticas pblicas.

    Dentre os procedimentos metodolgicos, destaca-se:

    1) o mapeamento e a anlise de contedo da produo terica brasileira sobre

    tecnologias sociais, nas seguintes fontes: Banco de Dissertaes e Teses da Capes (1989

    at 2011); Livros; Captulos de livros; Cartilhas; Artigos e Anais de Eventos (Sites de

    Busca, Bibliotecas de Universidades)

    2) o mapeamento das tecnologias sociais em desenvolvimento no Rio Grande do Sul, a

    partir da relao constante no site da Fundao do Banco do Brasil (www.fbb.org.br)

    que considerada uma referencia nacional no reconhecimento dessas iniciativas e,

    tambm, na Rede de Tecnologias Sociais (www.rts.org.br).

    O mapeamento realizado nas produes elencadas buscou identificar o conceito de

    Tecnologias Sociais, revelando a existncia de diferentes enfoques e discusses sobre o

    assunto, somando 191 produes, divididas em: 7 livros; 66 captulos de livros, 32 artigos, 20

    cadernos e cartilhas e 67 teses e dissertaes (ANEXO 1).

    Com vistas a identificar sobre que aspectos a tecnologia social vem sendo debatida

    nessas produes tericas, elencou-se categorias, representadas nos quadros abaixo:

    Quadro 01: Mapeamento de produes contemplando livros, artigos, cadernos e

    cartilhas sistematizadas pelas autoras.

    12

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • Fonte: Equipe de Pesquisa

    Representados no quadro a seguir os dados referentes as Teses e Dissertaes:

    Quadro 02: Mapeamento de produes contemplando Teses e Dissertaes.

    Dentre as produes do conhecimento, mapeadas no Banco de Teses e Dissertaes da

    CAPES (http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses), destacam-se as produes na

    rea das engenharias com 13 teses. Esses estudos contemplam as reas de engenharia de

    energia, ambiental, civil, produo, agrcola, eltrica e materiais. Na segunda posio fica a

    rea de Desenvolvimento e Meio Ambiente com 12 teses e, ento, a rea da Educao com 6

    produes. Para alm das reas que concentraram o maior nmero de produes relacionadas

    com Tecnologia Social, mapearam-se tambm produes na rea da Enfermagem,

    Comunicao, Sistemas de Gesto, Administrao, Economia, Servio Social,

    Desenvolvimento Regional, Cincia da Informao, entre outras, o que aponta para as diversas

    reas do conhecimento que vem trabalhando e estudando a temtica no Brasil.

    J o mapeamento dos grupos de estudos (ANEXO 2) foi feito a partir do Diretrio de

    Grupos de Pesquisa do CNPQ (http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/), cujo critrio era

    conter, nos dados de identificao ou nas Linhas de Pesquisa, o termo tecnologia social,

    sendo encontrados 18 grupos. No possvel categorizar os grupos da mesma forma que as

    produes, tendo em vista que os grupos trabalham com linhas de estudo diversas, mas, pode-

    13

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

    Fonte: Equipe de Pesquisa

  • se observar que o maior nmero de grupos de estudo esto concentrados nas reas das cincias

    sociais aplicadas com um total de 9 grupos de estudo. As cincias humanas ficam em segundo

    lugar com um total de 4 grupos de estudo, como se pode constatar no quadro a seguir.

    Quadro 03: Mapeamento de Grupos de estudo sistematizados pelas autoras.

    O poder pblico vem, tambm, consolidando o debate e a promoo da Tecnologia

    Social, no que se refere ao aprofundamento terico, como se constatou durante a realizao da

    4 Conferncia Nacional de Cincia, Tecnologia e Inovao, ocorrida em maio de 2010. O

    debate sobre as tecnologias sociais foi fortalecido, evidenciando a potencialidade da insero

    das mesmas na agenda das polticas pblicas do pas.

    Quadro 04: Produes classificadas por ano

    De 2007 a 2010 o perodo com o maior nmero de produes sobre Tecnologias

    Sociais, e ainda, nota-se que nos anos de 2008 e 2010 h um nmero significativo de teses

    14

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

    Fonte: Equipe de Pesquisa

    Fonte: Equipe de Pesquisa

  • e dissertaes sobre a temtica.

    A partir desse mapeamento, foram adotados critrios para a categorizao dessas

    produes, quais sejam:

    Estudo e construo de conceitos e marco analtico da Tecnologia Social: Nas

    produes mapeadas se identificou vrios textos voltados para a anlise e construo

    conceitual da Tecnologia Social e o marco analtico dessa tecnologia. Motivo pelo qual se

    elegeu essa abordagem como uma das categorias importantes das discusses sobre Tecnologia

    Social. Sobre a construo de conceito e marco analtico de Tecnologia Social, Dagnino diz

    que: Mostrar o marco analtico conceitual da TS hoje disponvel possibilita empreender a

    construo dessa alternativa de modo muito mais efetivo do que no passado, alm de mostrar

    como se d sua influncia na conformao da RTS (2004, p.16).

    Tecnologia social como estratgia para o desenvolvimento social: Para identificar os

    materiais que discutem a tecnologia social como estratgia para o desenvolvimento

    sustentvel, observou-se nos ttulos e resumos o enfoque das experincias e temas voltados

    para uma construo terica na explicitao dessas prticas e sua capacidade para o

    desenvolvimento sustentvel. Observa-se que as Tecnologias Sociais tem emergido no cenrio

    brasileiro como um movimento de baixo para cima, caracterizado pela capacidade criativa

    e organizativa de segmentos da populao em gerar alternativas para suprir as suas

    necessidades e/ou demandas sociais. A Tecnologia Social vem obtendo um reconhecimento

    crescente no que se refere a sua capacidade de promover um novo modelo de produo da

    cincia e da aplicao da tecnologia em prol do desenvolvimento social.

    Desenvolvimento de novas tecnologias com base em experincias: Os materiais

    nessa categoria evidenciam experincias prticas realizadas, onde o material explora a o

    tema de tecnologia social com base no desenvolvimento real de alguma experincia concreta.

    Est voltada basicamente a relatos de experincia e anlise dos mesmos, nestes casos a

    experincia apoia o conceito. As produes trazem diversas experincias que vem sendo

    desenvolvidas no Brasil vinculadas a Tecnologia Social, como processos que envolvem

    educao, desenvolvimento de bens, produtos e servios

    Anlise da produo de conhecimento cientfico contemplando inovao social,

    tecnologia e sociedade, desenvolvimento local, e tecnologia assistiva: Para essa categoria

    elegeram-se os materiais com nfase na produo de conhecimento cientfico e os diversos

    enfoques que pesquisadores e estudantes vm elaborando sobre as tecnologias sociais. H

    uma diversidade nas produes mapeadas de modo que para essa anlise se elencou alguns

    pontos mais recorrentes dentro das construes tericas, que so as experincias vinculadas a

    processos de inovao, tecnologia e sociedade, desenvolvimento local e tecnologia assistiva.

    Anlise da produo de conhecimento cientfico CT&I: Para essa categoria

    elegeram-se os materiais com nfase na produo de conhecimento cientfico com enfoque

    nas caractersticas econmicas, institucionais e sociedade.

    Tecnologia Social e Universidade: Para esse item foram selecionadas as produes que

    trazem a participao da universidade como organizadora de projetos de tecnologia social ou

    15

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • como espao de fomento produo de tecnologias sociais.

    Tecnologia social e poltica pblica: Para contemplar essa categoria, se selecionou nas

    produes mapeadas aquelas que se dedicam a discutir a tecnologia social e seu potencial

    como poltica pblica.

    No quadro 05 possvel localizar a forma como a concepo de Tecnologia Social vem se

    efetivando, a partir de mltiplos processos, contedos e finalidades. Vale destacar que essa

    sistematizao decorre das produes mapeadas, num esforo de sistematizao das

    mesmas.

    A partir dessas concepes, emergiu o seguinte conceito de TS:

    Tecnologias Sociais so processos inovadores de produo e/ou

    sistematizao de conhecimentos, bem como prticas sociais que, a partir

    de um conjunto de tcnicas, produtos e/ou metodologias, tem a finalidade

    de contribuir com o desenvolvimento social, seja no mbito local, seja no

    mbito das polticas pblicas (Maciel et all, 2012).

    O conceito proposto emerge da constatao que as produes acerca das TS requerem

    uma nova forma de produzir e/ou sistematizar o conhecimento, bem como apontam para

    prticas sociais com caractersticas relacionadas participao social que tem em comum o

    interesse em contribuir com o desenvolvimento social. Tal afirmao supe a apreenso dos

    seguintes elementos:

    1) so processos inovadores de produo e/ou sistematizao de conhecimentos.

    Partimos da concepo hegemnica de inovao, contida no Manual de Oslo que conceitua a

    inovao do seguinte modo:

    Inovao a implementao de um produto (bem ou servio) novo ou

    significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo mtodo de

    Quadro 05: Concepes de Tecnologias Sociais, no que se refere aos seus processos,

    contedos e finalidades.

    Fonte: Equipe de Pesquisa

    16

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • marketing, ou um novo mtodo organizacional nas prticas de negcios, na

    organizao local de trabalho ou nas relaes externas (Manual de Oslo,

    2005, p. 55).

    A inovao, ainda segundo o referido Manual, pode ser dividida em 4 reas: produto,

    processo, marketing e organizao. No mbito do conhecimento, as TS tem apontado para um

    novo processo de produo e/ou sistematizao do conhecimento, uma vez que esse

    conhecimento indica um compromisso com o desenvolvimento da sociedade, abarcando

    temas que se relacionam com as demandas da sociedade e que traduzem as mltiplas

    expresses da Questo Social.

    Igualmente esse conhecimento vem questionando o padro de cincia e tecnologia

    vigente no pas que, historicamente, est centrado no interesse dos pesquisadores e do

    capital, indica a insuficincia de recursos para a cincia, a tecnologia e a inovao no mbito

    do Desenvolvimento Social e no dispe de mecanismos de controle social, tal qual se

    configuram as demais polticas.

    2) so prticas sociais que possuem caractersticas, tais como:

    * participao coletiva (organizao, planejamento e aplicao)

    * busca de solues para problemas voltados inmeras demandas sociais;

    (alimentao, educao, energia, habitao, renda, recursos hdricos, sade, meio

    ambiente, etc);

    * articulao entre o saber popular, a organizao social e o conhecimento tcnico-

    cientfico;

    * so reaplicveis o que potencializa o desenvolvimento social e sustentvel em escala

    (podendo se constituir em polticas pblicas).

    3) tem a finalidade de contribuir com o desenvolvimento social, seja no mbito local,

    seja no mbito das polticas pblicas. Isso significa afirmar que elas se constituem em uma das

    possveis respostas sintonizadas com as demandas da sociedade por um modelo de

    desenvolvimento social e sustentvel que tenha centralidade no processo de incluso social e

    como atores principais a prpria sociedade. Partem do reconhecimento dos limites do atual

    modelo de desenvolvimento social (que apregoa que o desenvolvimento social decorrente

    do econmico), da noo restrita de poltica pblica (historicamente apropriada pela

    soberania dos que governam e no pela soberania popular) e dos limites do modelo de

    desenvolvimento insustentvel do capitalismo, posto que gerador de desigualdades,

    injustias e excluses de toda a ordem.

    O grande desafio para os pesquisadores das Tecnologias Sociais se encontra na

    necessidade de produzir conhecimentos, tecnologias e inovaes que respondam aos

    interesses da coletividade, de forma participativa e democrtica.

    EXPERINCIAS DE TECNOLOGIAS SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO NO RIO GRANDE DO

    SUL

    A pesquisa que apresentamos neste artigo se props, igualmente, a identificar as

    tecnologias sociais que vem sendo desenvolvidas no Rio Grande do Sul com o intuito de

    relacion-las com as possveis contribuies para o fortalecimento do espao local e da

    17

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • incluso social. Lanamos mo das informaes que esto disponveis no site da Fundao

    Banco do Brasil, a partir do Banco de Tecnologias Sociais (www.fbb.org.br), tendo em vista que

    a incluso das mesmas no referido Banco supe uma anlise e reconhecimento prvio de que

    as mesmas se constituem como Tecnologia Social. A pesquisa foi realizada no ms de abril de

    2012 e apontou para 37 Tecnologias Sociais que esto listadas no quadro n2.

    Quadro 06: Organizaes e tecnologias sociais em desenvolvimento no Rio Grande do

    Sul, de acordo com o tipo de organizao, ttulo e tipo de tecnologia social, tema de atuao e

    territrio

    18

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • 19

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • 20

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • Fonte: www.fbb.org.br (Sistematizado pelas autoras).

    No que diz respeito s temticas desenvolvidas pelas TS, salientando-se que uma

    mesma experincia pode ter elencada mais de um tema, podemos ensaiar uma

    classificao da seguinte forma: Alimentao (10), Educao (13), Meio Ambiente (9),

    Renda (13), Recursos Hdricos (3), Energia (1), Habitao (1) e Sade (1). Destas

    experincias, 13 so consideradas produtos sendo 5 bens e 8 produtos e 27 so

    metodologias. Trs dessas experincias se enquadraram em Produtos e Metodologias.

    No que se refere ao lcus de execuo dessas experincias, temos 33 organizaes,

    classificadas da seguinte forma: 17 associaes, 3 Fundaes, 1 vinculadas a Instituies

    de Ensino Superior, 2 escolas de educao bsica, 6 vinculadas ao Governo, 3 cooperativas,

    e 1 projeto interinstitucional. Verifica-se, com isso, que a maioria das organizaes que

    vem desenvolvendo TS no Rio Grande do Sul se encontra vinculada ao Terceiro Setor

    (associaes e fundaes), seguida da iniciativa do poder pblico, notadamente no campo

    da educao (bsica e superior).

    Somamos 37 experincias reconhecidas pela Fundao Banco do Brasil, destas 2

    esto localizadas na Regio Centro Ocidental; 4 na Regio Centro Oriental; 15 na Capital e

    mais 5 cidades da regio Metropolitana, 1 na Regio Nordeste; 8 na regio Noroeste; 2 na

    Regio Sudeste, conforme se verifica na figura 01.

    Fizemos contatos com todas as organizaes listadas, que foram unnimes em dizer

    que a referida tecnologia social ainda est em desenvolvimento. Solicitamos as mesmas

    que nos enviassem a sistematizao da experincia, sendo que recebemos material de 15

    experincias*.

    Figura 01: Mapa localizador das TS por regio do Rio Grande do Sul

    1) Centro Ocidental (2)2) Centro Oriental (4)3) Capital e Metropolitana (20)4) Nordeste (1)5) Noroeste (8)6) Sudeste (2)7) Sudoeste (0)

    Fonte: As autoras

    No que diz respeito s experincias cadastradas

    na RTS, encontramos um total de 40

    experincias, sendo que no h na listagem

    disponibilizada pela RTS

    (http://www.rts.org.br/integrantes/todas-as-

    instituicoes/instituicoes_cadastradas) qual a

    experincia. Dessa listagem 5 experincias

    tambm esto na listagem da FBB.

    21

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • 22

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

    No que diz respeito s experincias cadastradas na Rede de Tecnologia Social - RTS,

    encontramos um total de 40 experincias, sendo que no h na listagem disponibilizada pela

    RTS (http://www.rts.org.br/integrantes/todas-as-instituicoes/instituicoes_cadastradas)

    qual tecnologia social desenvolvida. Dessas, 5 experincias tambm esto na listagem da

    Fundao do Banco do Brasil.

    Das 40 experincias vinculadas a RTS, no conseguimos contato por os dados estarem

    desatualizados com 14 organizaes; no souberam informar por no saber do que se tratava 9

    organizaes; no desenvolvem mais tecnologias sociais 05 organizaes; e ainda

    desenvolvem experincias de tecnologias sociais 12 organizaes.

    Quadro 07: Organizaes vinculadas Rede de Tecnologia Social - RTS

  • Fonte: http://www.rts.org.br/ (Sistematizado pelas autoras)

    Com base na anlise prvia do mapa se constata a concentrao de TS na capital e

    regio metropolitana, seguida da regio noroeste. De modo geral, essas organizaes vm

    atuando com a mediao de novas metodologias de trabalho para abordar demandas sociais

    latentes. Neste sentido, possvel afirmar que h uma relao direta entre o desenvolvimento

    de TS e as polticas pblicas, sendo que no caso da realidade gacha se destacam as iniciativas

    de TS voltadas para a educao, alimentao e renda.

    Poderamos citar ainda outras TS que so desenvolvidas e j foram reaplicadas, mas a

    inteno aqui ilustrar com esses exemplos, o quanto possvel por meio das Tecnologias

    Sociais promover a incluso social de trabalhadores, de zonas rurais ou urbanas, de atores

    sociais de diferentes ciclos de vida, de famlias que se encontram em situao de

    vulnerabilidade e risco social que de forma coletiva vivenciam experincias que incidem no

    somente nas suas condies de vida, transformando a si mesmos, como transformando o

    cenrio socioeconmico da comunidade em que vivem e do pas.

    CONSIDERAES FINAIS

    No momento histrico atual se desenha, no cenrio brasileiro, uma importante luta

    social em que diferentes segmentos e atores sociais, sobretudo aqueles comprometidos com

    projetos societrios que se contrapem ao modelo excludente vigente, no tem poupado

    esforos para instituir a TS como uma poltica pblica. O futuro do desenvolvimento das TS,

    em grande parte, se encontra relacionado capacidade de alterar a atual poltica de cincia e

    tecnologia no pas, assim como da capacidade em torn-la uma poltica pblica, tendo em

    vista que as experincias existentes no territrio nacional apontam para a sua efetividade, no

    que se refere sua capacidade de gerar respostas inovadoras para a resoluo de velhas

    demandas sociais e, com isso, impacto social nas comunidades que se beneficiam com tais

    tecnologias.

    Nesse sentido, se refora neste trabalho a necessidade do desenvolvimento de

    tecnologias para o atendimento das demandas sociais, a tecnologia em prol do

    desenvolvimento social, ou seja, garantir que os esforos de produo do conhecimento sejam

    iniciativas que visem construo de solues para os problemas da sociedade brasileira, e

    possam desencadear e potencializar a construo de polticas pblicas como ferramenta

    23

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • potencial para o desenvolvimento social.

    Acreditamos que, com base na sistematizao das tecnologias sociais em desenvolvimento no

    Rio Grande do Sul, possvel afirmar que estas so potencialmente uma oportunidade de

    fortalecimento do espao local, tendo em vista o grau de desenvolvimento local em que as

    mesmas vm incidindo nos territrios onde so aplicadas. Igualmente vem impactando na

    realidade, a partir de inmeras experincias que culminam com a incluso de comunidades e

    cidados em face das suas demandas. diante deste cenrio, de desenvolvimento local e

    incluso social, que as Tecnologias Sociais se apresentam como uma estratgia sintonizada

    com as demandas da sociedade, a partir de um modelo de desenvolvimento social e

    sustentvel que tem centralidade no processo e como atores principais a prpria sociedade.

    Todas essas referncias parecem corroborar o iderio de que a trava para o desenvolvimento

    social se encontra na falta de acesso da populao tecnologia, o que nos afasta do debate

    necessrio: o fato de que o atual nvel de desigualdade social determinado pelo prprio

    sistema capitalista, portanto, a forma de enfrent-lo no pode ser reduzida ao fomento s

    tecnologias, inclusive, as TS, mas a compreenso de que a desigualdade uma categoria

    constitutiva do capitalismo. Logo, preciso questionar o nvel de desigualdade que

    aceitaremos, bem como o lugar que daremos ao social no atual padro de desenvolvimento.

    Entretanto, preciso ter clareza de que as mesmas no tem a capacidade de alterar

    estruturalmente o sistema econmico que faz gerar a desigualdade social na qual se prope a

    incidir. So iniciativas meritrias, no contexto das conjunturas em que emergem, que tem

    indicado caminhos possveis para o atendimento de inmeras demandas sociais; apresentam

    atores que disputam de mltiplos lugares (cidados, sociedade civil e instituies de ensino

    superior) um novo modelo societrio, mas precisam associar-se ao movimento mais amplo que

    supe a ampliao dos espaos de participao e um conhecimento socialmente referenciado

    que permita disputar a hegemonia por um novo modelo de desenvolvimento social.

    REFERNCIAS

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    26

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • RESUMO: O objetivo desse artigo discutir a implementao de tecnologias sociais

    como polticas pblicas por meio de vnculos entre Estado e sociedade civil. A partir de

    consideraes a respeito das transformaes do Estado e do exame da literatura de polticas

    pblicas, buscou-se apontar os principais desafios e possibilidades presentes nesta relao.

    Durante esse trabalho procuramos mostrar que a adoo de uma tecnologia social como

    poltica pblica depende de uma adequada insero da questo na agenda governamental e de

    um desenho da implementao da poltica tal que estabelea o delicado equilbrio entre a

    preservao das funes do Estado e a valorizao de iniciativas da sociedade civil. A

    implementao de uma TS, para que no perca sua natureza, requer sua adaptao perene ao

    territrio de implementao, alm de um arranjo que estabelea com o Estado uma relao

    ao mesmo tempo descentralizada e articulada, autnoma e controlada.

    Palavras chave: poltica pblica, tecnologia social, Estado e sociedade civil

    ABSTRACT:The aim of this paper is to discuss the implementation of public policies and

    social technologies through partnerships between the State and Civil Society. From

    considerations about the transformations of the State and the examination of the literature

    on public policy, we seek to identify the main challenges and opportunities present in this

    relationship.

    In this paper we show that the adoption of a social technology as a public policy depends

    on an adequate insertion of the issue on the government agenda and of the implementation of

    this policy to establish the delicate balance between preservation of state functions and civil

    society recovery initiatives. The implementation of a social technologies, that does not lose

    its nature, requires perennial adaptation to the territory of implementation, and an

    arrangement with the State to establish a decentralized, coordinated, autonomous and

    controlled relationship.

    Key words: public policies, social technology, state and civil society.

    INTRODUO

    O debate em torno de novas formas de gesto social no Brasil incorpora, segundo

    algumas linhas de pensamento, a descentralizao, a participao, a busca por inventivas

    formas de articulao entre sociedade civil e o Estado e a introduo de novos modelos de

    gesto nos rgos pblicos. Inserimos nesse contexto a proposta de pautar Tecnologias Sociais

    Tecnologias Sociais e Polticas Pblicas:

    Debates Iniciais para uma Pesquisa Emprica

    Adriano Borges Costa

    Telma Hoyler

    27

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • (TS) como polticas pblicas, o que carrega, em decorrncia de especificidades que sero

    discutidas neste trabalho, uma concepo inovadora e ainda recente do debate em torno da

    proviso de bens e servios pblicos. Essa combinao entre polticas pblicas e tecnologias

    sociais j est sendo adotada por muitos governos locais que incorporam a sociedade em seus

    processos de desenvolvimento e/ou implementao, avaliao e controle.

    A aproximao entre tecnologias sociais e polticas pblicas tem sido com frequncia

    marcada por trs naturezas de discusses: a respeito do potencial das tecnologias sociais

    como ferramentas de desenvolvimento local e de alteraes nos padres de produo (FRAGA,

    2011; KRUPPA e SINGER, 2004); ou que destacam a necessidade de modificar o padro

    tecnolgico convencional incluindo como meio para isso um adequado programa de

    financiamento de cincia e tecnologia por parte do Estado (DAGNINO, 2010); e mais

    recentemente, pela nfase na abordagem dos agentes envolvidos na construo desse campo

    no Brasil (FONSECA E SERAFIM, 2010). De modo a aproveitar o debate at aqui empreendido e

    buscando avanar na relao entre TSs e poltica pblica, procuramos neste artigo, trazer uma

    contribuio do campo de conhecimento das polticas pblicas para pensar o terreno em que

    se adentra na proposio de que uma tecnologia social seja incorporada como ao do Estado,

    em suas trs esferas de governo, passando pela formao da agenda governamental e pela

    implementao de uma proposta.

    A literatura sobre polticas pblicas traz a possibilidade de compreender melhor a

    trama institucional, os processos envolvidos na elaborao, os arranjos polticos em que se

    insere a conformao de uma poltica pblica e os mecanismos de implementao, dentre

    outros atributos. Procuramos juntar a esse arcabouo, relevantes aspectos relacionados a

    prtica de criao e implementao de tecnologias sociais, tal que nos permita, a partir das

    teorias que identificam maneiras como o Estado pode entrar em ao, refletir como convm

    tornar uma tecnologia social em poltica pblica, preservando as caractersticas que lhe so

    intrnsecas e aproveitando as iniciativas j em curso.

    Dividido em trs sees alm desta introduo e das consideraes finais, este trabalho

    esboa primeiramente um panorama dos componentes da atuao estatal aps a crise dos

    anos 1980, que influencia at os dias de hoje as concepes do modo de fazer poltica pblica;

    em seguida, so apresentados os principais aspectos conceituais sobre TSs; e na terceira seo

    aborda-se alguns modelos tericos relativos s polticas pblicas, procurando circunscrever as

    TSs no panorama do ciclo das polticas pblicas a partir de uma abordagem que considera a

    interao entre as clssicas etapas do ciclo de uma poltica pblica.

    ESTADO E POLTICAS PBLICAS

    Definir poltica pblica no constitui uma tarefa simples. Implica concepes a respeito

    do Estado e da Sociedade e pontos de vistas a respeito da mediao desejvel entre essas

    esferas. Diversos autores j se debruaram na tentativa definir seu conceito, seja segundo a

    semntica, de acordo com as agncias responsveis pela implementao ou conforme com

    seus ciclos. Na reviso da literatura que trata desse campo do conhecimento realizada por

    Souza (2006), aponta-se alguns fundamentais autores que contriburam com a produo e

    visibilidade da rea. Seguimos essa trilha para investigar em que sentido tem caminhado a

    definio do termo. Lynn (1980) a sintetiza enquanto um conjunto de aes do governo que

    iro produzir efeitos especficos. Para Dye (1984) poltica pblica aquilo o que o governo

    escolhe fazer ou no fazer. Peters (1986) traz novos elementos ao debate e a define

    28

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • enquanto a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou atravs de

    delegao, e que influenciam a vida dos cidados. Souza (2006) destaca a definio adotada

    por Laswell, segundo a qual poltica pblica se relaciona com quem ganha o qu, por que e

    que diferena isso faz.

    De modo geral, definies clssicas enfatizam o papel da poltica pblica na soluo de

    problemas segundo etapas clara e racionalmente estabelecidas. J os crticos destas

    definies afirmam que estas superestimam aspectos racionais e procedimentais das polticas

    pblicas, e argumentam que elas ignoram a essncia da poltica pblica, isto , o embate em

    torno de ideias e interesses. Este assunto ser mais discutido adiante.

    Polticas pblicas tambm j foram introduzidas como um campo do conhecimento que

    procura situar o governo em ao, o que nos leva a uma questo complexa no mundo moderno,

    em que novas arquiteturas sociais tem se organizado e ampliado cada vez mais o leque de

    possibilidades na proviso de polticas pblicas. Desse modo, o esforo por compreender o

    conceito de poltica pblica e suas dinmicas a todo momento permeado pelos

    acontecimentos polticos e econmicos dos Estados nacionais e relaciona-se tambm com as

    novas articulaes entre Estado e organizaes da sociedade civil (OSC) em cada etapa dessas

    polticas.

    Neste sentido, o debate em torno de novas formas de gesto social no Brasil, iniciada a

    partir do processo de democratizao, desenvolveu-se em contexto de crise do modelo do

    Estado de Bem-Estar Social e de forte presena no mbito internacional da agenda neoliberal.

    No contexto brasileiro, junto a isto, verificava-se a forte presena de agendas democrticas

    de descentralizao e participao popular, que a partir de 1982 ganham relevncia com

    iniciativas inovadoras colocadas em prticas por governos locais. Tratava-se, nesse momento,

    de implementar mudanas no apenas no regime poltico, mas tambm no nvel e no

    substantivo das polticas pblicas (O'DONNEL, 1989).

    Outro elemento presente nesse momento foi o impacto da crise fiscal no final da dcada

    de 1980 e incio dos anos 1990, quando a escassez de recursos passou a ser uma questo

    central, ao limitar a capacidade de resposta do Estado s demandas crescentes na rea social.

    Assim, ao lado da preocupao com a democratizao dos processos e com a equidade dos

    resultados, foram introduzidas na agenda preocupaes com a eficincia, a eficcia e a

    efetividade da ao estatal, assim como com a qualidade dos servios pblicos (FARAH, 2000).

    Desta forma, propostas contraditrias entre si disputaram espao internamente no

    processo de democratizao, de forma que ao mesmo tempo em que a Constituio de 1988

    assinalava a transposio para o plano legal de grande parte das demandas sociais formuladas

    na dcada anterior, j se assistia a uma reformulao desta agenda, atravs da incorporao

    de novos desafios aos atores que participavam na efetivao da reforma (DRAIBE, 1993).

    At a dcada de 1980, o esforo de construo de um sistema de proteo social no pas

    se dava inspirado no modelo do Estado do Bem-Estar Social adotado pelos pases desenvolvidos

    no ps-guerra. Esse modelo previa a exclusividade da ao do Estado na proviso de bens e

    servios pblicos, o que era reforado por uma sociedade civil foradamente retrada e

    fragilizada pelos desafios econmicos que enfrentava. A reestruturao das atribuies do

    Estado empreendidas no Brasil (e em outros pases centrais e em desenvolvimento) a partir da

    dcada de 1990 traz rupturas a esse paradigma e alimenta ainda hoje o debate que se polariza

    entre a viso de um Estado meramente regulador, e um Estado que preserva suas atribuies

    de implementao e regulao (FARAH, 2000).

    29

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • Com a crise do Estado de Bem-Estar Social nos pases desenvolvidos e do modelo

    desenvolvimentista de substituio das importaes ocorrido em muitos pases em

    desenvolvimento, as medidas de enfrentamento dividem-se conforme as convices

    ideolgicas. Destacamos por um lado a aposta conservadora, baseada num Estado que passa a

    se constituir com base nos seguintes componentes segundo Bresser (1998): reduo de seu

    tamanho em termos de custos e intervenes, separao das atividades consideradas como

    exclusivas do Estado, com a terceirizao do cumprimento de diversos servios e polticas

    pblicas aos cidados e a promoo de sua funo reguladora com destaque para competio

    internacional em oposio proteo da economia nacional.

    Em contraposio a essa viso, destacamos a construo, a partir da dcada de 1990, de

    uma nova arquitetura social na relao entre Estado e OSC na formulao, implementao e

    controle das polticas pblicas. Vale notar que, diferentemente da abordagem neoliberal,

    essa agenda e essa nova relao no pretendem o desmantelamento do Estado, mas uma

    reforma da ao estatal, que venha adequ-la aos desafios que se apresentavam. So novas

    formas de articulao com a sociedade civil, visando a garantia da proviso de servios

    pblicos (LIPIETZ, 1991). Ocorre assim a substituio do modelo de proviso unicamente

    estatal por um modelo em que o Estado deixa de ser o provedor direto exclusivo e passa a ser o

    coordenador e fiscalizador de servios que podem ser prestados pela sociedade civil ou em

    parceria com estes setores. Draibe (1993), analisando a emergncia desta nova agenda,

    mostra como, embora se mantenha a meta de garantia de direitos sociais para todos, h uma

    redefinio da forma de se garantirem estes direitos, assumindo um lugar central nesta

    redefinio o envolvimento de novos atores na prpria prestao dos servios.

    Esses novos arranjos entre Estado, polticas pblicas e OSC foram muito ressaltados por

    autores que viam em tais parcerias possibilidade de melhorias qualitativas nas aes

    desenvolvidas. Peter Spink (2002) ressalta que () neste grande universo de aes pblicas,

    muitas das quais lideradas pelos governos municipais, os gestores municipais, mesmo

    exercendo liderana nos seus programas e projetos, raramente esto sozinhos (SPINK, 2002,

    p.145). Mais que isso, o autor mostra a importncia da relao Estado e organizaes locais da

    sociedade civil na busca por sustentabilidade das aes desenvolvidas, como demonstra o

    trecho a seguir:

    Junto a este contexto, veio a possibilidade de governos locais pensarem e

    implementarem aes pblicas focalizadas em seus territrios, contribuindo para inserir a

    sociedade civil e ampliar o leque de agentes envolvidos em cada etapa de uma poltica

    pblica.

    As TSs, tidas enquanto tcnicas, mtodos ou artefatos produzidas na interao com a

    comunidade, tal que apresentem efetivas solues a demandas de uma localidade, quando

    incorporada como poltica pblica, so representativas dessa nova arquitetura de vnculos

    No por acaso que nos 88% de programas e projetos que sobreviveram s

    trocas de governo municipal de 1996 para 1997, quase todos tiveram

    diferentes formas de parceria. Ao serem perguntados sobre isso, os

    responsveis responderam que o programa, projeto ou atividade tinha

    continuado porque houve de todos os lados a opinio de que se tratava de

    algo til para o municpio ou bairro. Dos programas e projetos que no

    tiveram continuidade, somente 35% foram programas e projetos construdos

    na base de parcerias (SPINK, 2002, p. 147).

    30

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • entre Estado e Sociedade Civil. Vale a pena atentar, no entanto, para a tenso que se

    estabelece ao propor o elo entre tecnologias sociais e polticas pblicas. Pelo lado dos

    governos, como ampliar a responsabilidade estatal na proviso de bens e servios pblicos por

    meio de vnculos com OSC sem perder de vista a dimenso do controle e, por outro lado, de

    que maneira inserir as TSs entre as formas de proviso de polticas, com todo o aparato

    burocrtico que isso representa, sem perder de vista sua natureza intrnseca de envolvimento

    da comunidade participante?

    Desse modo, o interesse em aproximar as duas temticas reforado tanto pelo recente

    surgimento do tema das TSs no Brasil, ocorrido ainda no incio deste sculo, quanto pela

    possibilidade de contribuir com desafios de uma nova natureza com que gestes pblicas

    inovadoras possivelmente tero que lidar ao incorporar TSs em suas prticas.

    TECNOLOGIA SOCIAL

    O conceito e a prtica das TSs se inserem no debate em torno das alternativas

    tecnolgicas, que trata da oposio entre tecnologias tradicionais e modernas e analisa o uso

    tecnolgico como uma disputa poltica que em diversos episdios histricos foi objeto de

    resistncia em processos de dominao, principalmente em pases de colonizao europeia.

    Esse debate bastante antigo e tem em Gandhi e na troca de fiar um marco histrico datado

    na dcada de 1920 (NOVAES; DIAS, 2010). A dcada de 1970 outro marco histrico em torno

    desse debate, quando, a partir do conceito de tecnologia apropriada (TA), cresceram as

    propostas em que pases desenvolvidos deveriam desenvolver tecnologias voltadas para o

    contexto dos pases subdesenvolvidos, buscando resolver alguns dos problemas relacionados

    pobreza, por meio de tecnologias que fossem simples e baratas, se disseminassem

    rapidamente e de fcil de replicao (FRAGA, 2011).

    A TS se desdobra do prprio conceito e das prticas de TA. No entanto, incorpora

    elementos da teoria crtica da tecnologia e ideias de pensadores latino americanos como

    Amilcar Herrera, Oscar Varsavky e Jorge Sbato, que estavam preocupados como a relao

    entre poltica e cincia e tecnologia (C&T). A TS incorpora alguns elementos no presentes no

    conceito de TA, significativos o suficiente para diferenci-los. Fraga (2011) apresenta dois

    destes elementos: a perspectiva de que a cincia e a tecnologia no so neutras e a refuta ao

    determinismo tecnolgico. A suposta neutralidade tecnolgica se funda na concepo de que

    formulao de C&T objetiva e ocorre fora do contexto em que gerada, ou seja, que ela

    sempre se mantm distante de seu objeto e isolada de interesses (DAGNINO, 2008). O

    determinismo tecnolgico tem origem no pensamento de que o desenvolvimento tecnolgico

    sempre positivo para a sociedade, linear, inexorvel, inevitvel e segue uma lgica

    autnoma, regida pela eficcia e pela eficincia (FEENBERG, 2010).

    A partir da crtica ao conceito de TA e da incorporao de elementos relacionados a

    teoria crtica da tecnologia, o conceito de TS passou a incorporar o ator envolvido na

    formulao da tecnologia e este o elemento central a ser considerado neste trabalho. A

    tecnologia social no suporta que universidades, institutos pblicos de pesquisa ou

    organizaes da sociedade civil escolham o problema a ser enfrentado e construam solues

    tecnolgicas de maneira isolada dos usurios-produtores (FRAGA, 2011). A tecnologia no

    pode ser vista como um artefato isolado, ela carrega seu contexto e se relaciona com diversos

    aspectos da sociedade, sendo produto e resultado destes aspectos e gerando impacto sobre

    eles. Assim, buscar solues tecnolgicas para problemas populares no pode significar

    31

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • solues padronizadas e em massa. A construo e formulao tecnolgica deve envolver

    movimentos sociais, os prprios beneficirios e os atores dos contextos especficos.

    Semelhante ao que ocorre com a conceituao de poltica pblica, definir TS tambm

    uma tarefa imbricada por complexidades vrias, mas ser necessrio o esforo nesse sentido

    para prosseguirmos em sua proposio como poltica. Citamos a seguir quatro exemplos de

    experincias de cisternas j implementadas, buscando com isso traar contornos ao redor do

    conceito de TSs e trazer mais materialidade discusso.

    A cisterna uma tecnologia social que consiste basicamente em uma estrutura para

    captao e armazenamento de gua da chuva. A gua acumulada pode ser destinada ao

    consumo, produo de alimentos, criao de pequenos animais, dentre outros usos. O

    Banco de Tecnologias Sociais da Fundao Banco do Brasil certificou at o momento, quatro

    tipos de cisternas implementadas por diferentes instituies.

    A primeira delas a cisterna pr-fabricada desenvolvida pela Fundao de Apoio

    Institucional ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico, e implementada em conjunto com

    a comunidade do Assentamento Rural de Reforma Agrria Sep-Tiaraj, em Serra Azul (SP) por

    meio do financiamento da Fundao Nacional de Sade (FUNASA). Nessa localidade, a cisterna

    foi pr-fabricada a partir de argamassa armada e o principal problema da comunidade no era

    a seca, como no semirido, mas a desarticulao com o sistema de saneamento e distribuio

    de gua do restante da cidade. Nesse assentamento, procurou-se desenvolver cisternas com

    baixo custo e tempo rpido de execuo, facilitando a aprendizagem de sua implementao

    por parte dos assentados, de modo a incentivar a autoconstruo e a formao de grupos

    produtivos que construam cisternas em toda a extenso do assentamento. A construo de

    uma estrutura com gerao zero de resduos tambm constitua demanda do assentamento,

    pelo distanciamento com a cidade e a dificuldade em se livrar dos resduos no reutilizveis.

    A Cisterna-calado da Articulao do Semirido (ASA) em outro formato. Trata-se de

    um modelo desenvolvido pela Associao Programa Um Milho de Cisternas para o Semirido

    para solucionar o problema de acesso gua para uso domstico e agrcola da populao do

    semirido, dificuldade reafirmada pelo fator climtico. Nesse modelo, o reservatrio de gua

    est ligado a um calado que serve como rea de captao da gua das chuvas. Essa gua

    escorre do calado at a cisterna atravs de um cano. Quando no est chovendo, o calado

    pode ser utilizado para secagem de produtos como feijo, milho, dentre outros. As cisternas-

    calado servem de incentivo aos agricultores para implementarem os quintais produtivos ao

    redor da casa, com maior potencial produtivo. Os principais financiadores dessa TS so o

    Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) e o Ministrio do

    Desenvolvimento Agrrio (MDA).

    No contexto do semirido, o Programa de Aplicao de Tecnologia Apropriada s

    Comunidades (PATAC) tambm desenvolveu junto a agricultores do semirido as cisternas de

    placas pr-moldadas. Trata-se de reservatrios cilndricos, construdos prximo casa da

    famlia agricultora, que armazena a gua da chuva captada por uma estrutura com calhas e

    canos de PVC.

    O quarto exemplo de cisternas a experincia Cisternas nas Escolas, desenvolvida

    pelo Centro de Assessoria do Assuru, de Irec (BA), com o objetivo de beneficiar 43

    comunidades escolares rurais sem acesso gua. Em cada escola, o projeto construiu uma

    cisterna de consumo, uma de produo e uma horta, alm de 811 cisternas para famlias da

    comunidade escolar. Como os alunos foram envolvidos na construo das cisternas, o modelo

    32

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • adotado foi de fcil assimilao e construo.

    Nesses breves relatos, tratamos de cisternas com modelos calado, pr-moldados e

    cilndricos. Aplicadas ao semirido, a um assentamento paulista e a escolas baianas. Fica claro

    nos exemplos, que a TS no a tcnica desenvolvida, o mtodo utilizado ou o artefato

    produzido, vistos isoladamente. TS trata a todo o momento da interao entre todos os

    elementos presentes no meio (comunidade, dinmica econmica, clima, etc.) em que se

    deseja atuar, ou seja, a tecnologia social est intimamente ligada a sua forma de ser

    implementada. Nos exemplos descritos, as cisternas, sejam pr-moldadas, calado, ou na

    forma cilndrica, foram utilizadas no fortalecimento da identidade cultural daquelas

    comunidades e no incremento de formas de produo e consumo contextualizadas e

    inclusivas. No caso do semirido, por exemplo, mediante a adequada implementao das

    cisternas, observamos gradualmente a substituio do discurso de combate seca pela

    possibilidade de escolha de convivncia com ela pela efetiva apropriao das tcnicas que

    utilizam. Qualquer uma das tcnicas assim descritas, se implementadas sem considerar o

    envolvimento e, sobretudo, a apropriao da comunidade, deixariam facilmente de

    caracterizar uma TS.

    Nessa perspectiva, surgem dois conceitos para tecnologia social que para esse trabalho

    se mostram vlidos. O primeiro o da Rede de Tecnologias Sociais, formulado da seguinte

    maneira:

    Tecnologia Social compreende produtos, tcnicas e/ou metodologias

    reaplicveis, desenvolvidas na interao com a comunidade e que

    representem efetivas solues de transformao social (RTS, 2012).

    O outro aquele conceito formulado por Renato Dagnino da seguinte forma:

    Ela [a tecnologia social] seria o resultado da ao de um coletivo de

    produtores sobre um processo de trabalho que, em funo de um contexto

    socioeconmico (que engendra a propriedade coletiva dos meios de

    produo) e de um acordo social (que legitima o associativismo), os quais

    ensejam, no ambiente produtivo, um controle (autogestionrio) e uma

    cooperao (de um tipo voluntrio e participativo), que permite uma

    modificao no produto gerado passvel de ser apropriada segundo a

    deciso do coletivo (DAGNINO, 2010, p. 210).

    Fundamental ao conceito de TS o conceito de adequao sociotcnica, como um

    processo de reprojetamento de tecnologias e tcnicas existentes ou de desenvolvimento de

    novas tecnologias segundo o interesse e os valores dos prprios beneficirios (FRAGA, 2011).

    Podemos dizer que qualquer aplicao de TS envolve de alguma maneira um processo de

    adequao sociotcnica, cuja profundidade depende da distncia em que a tecnologia em

    questo est dos valores e concepes dos atores e do contexto envolvido. Assim, em TS no se

    usa o conceito de replicao, mas de reaplicao, considerando que em cada contexto

    diferente o uso da TS ser inevitavelmente reprojetado.

    Esse aspecto liga-se diretamente com a discusso em torno da ponte entre TS e polticas

    pblicas. Tendo esta como aspecto central a escala e o universalismo, e aquela a

    especificidade e a adequao sociotcnica, preciso estabelecer uma mediao, ainda no

    colocada, entre essas duas naturezas contraditrias. Como reaplicar TS em larga escala? Como

    desenvolver adaptao sociotcnica na escala necessria a uma poltica pblica, sem

    33

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • desnaturalizar a prpria TS? Voltaremos a essa discusso em seguida, mas antes necessrio

    A despeito do avano que essa percepo representa, a literatura

    mainstream sobre tecnologia e quase que a totalidade das polticas

    pblicas do mbito da cincia e tecnologia ainda preserva a noo de que a

    produo de tecnologias, mesmo quando orientada para a promoo da

    incluso e do desenvolvimento social, compete a cientistas e engenheiros.

    Segundo essa perspectiva, as comunidades, os trabalhadores, as

    cooperativas, os movimentos sociais, as ONGs e uma srie de outros atores

    no teriam nada a acrescentar ao processo de produo de conhecimentos e

    tecnologias para o desenvolvimento social. Nada mais falso, como mostram

    as experincias em tecnologia apropriada e, mais recentemente, em

    tecnologia social (DIAS, 2011, p. 61).

    avaliarmos o que j foi produzido sobre esse tema.

    Pode-se dizer que o debate em torno da ligao entre polticas pblicas e TSs j possui

    acmulos, com os quais esse trabalho busca dialogar ao trazer uma perspectiva at o

    momento pouco abordada. Os trabalhos recentes que discutem a temtica, abordam o

    assunto a partir da formulao de tecnologias sociais, ou seja, discutindo a Poltica de Cincia,

    Tecnologia e Inovao (PCT) brasileira e a destinao de recursos pblicos para pesquisa e

    desenvolvimento (P&D) (DIAS, 2011). Entre os trabalhos j desenvolvidos, destaca-se o artigo

    Como transformar a tecnologia social em poltica pblica?, em que Renato Dagnino e

    Carolina Bagattolli buscam responder a essa indagao a partir da estratgia de incidir na

    agenda da PCT de forma a destinar montes maiores de recursos para pesquisa de tecnologias

    para a incluso social (DAGNINO & BAGATTOLLI, 2010). A adequada destinao de recursos

    para C&T para incluso social (formulao de TSs) representaria grande avano na introduo

    e permanncia do tema na agenda governamental e contribuiria em modificar uma viso

    recorrente de que TS so residuais, amadoras e estritamente focalizadas.

    Por outro lado, alm do mbito de desenvolvimento de C&T pela ao estatal, existem

    inmeras alternativas sendo cotidianamente desenvolvidas no contexto da sociedade civil

    sem que os saberes oficiais as incorporem e sem que sejam levadas ao status de uma resposta

    pblica a um problema. Em inmeros casos, uma TS devidamente adaptada ao novo

    contexto, contribuiria com respostas a problemas semelhantes e localidades no

    relacionadas, que possivelmente desconhecem a alternativa criada. Para favorecer sua

    disseminao e reaplicao, a introduo da alternativa criada na agenda governamental

    fundamental, incluindo nesse contexto, a possibilidade de proposio e participao da

    sociedade civil. De outra maneira, mesmo que de modo velado, incorreramos na falcia de

    que a criao de projetos para o desenvolvimento compete exclusivamente aos especialistas

    da academia e a sua implementao, ao Estado, com grandes possibilidades de retrocesso a

    um modelo centralizador e com propostas desarticuladas dentro mesmo de cada esfera de

    governo, como explicita Dias (2011):

    Convm nesse momento examinar brevemente a literatura de polticas pblicas e

    relacion-la com as TSs, apontando os desafios e possibilidades e buscando responder as

    perguntas colocadas nessa seo, que ainda precisam ser melhor exploradas, que so: como

    reaplicar TS em larga escala? Como desenvolver adaptao sociotcnica na escala necessria a

    uma poltica pblica, sem desnaturalizar a prpria TS?

    34

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • IMPLEMENTANDO TECNOLOGIAS SOCIAIS COMO POLTICAS PBLICAS

    As teorias que se dedicam a explicar a dinmica das polticas pblicas se concentraram

    por muito tempo em elaborar modelos para as etapas de seu ciclo, tratando basicamente de

    buscar compreender dentro de estgios (formao de agenda, formulao, implementao e

    avaliao)4, o que acontece entre a ideia de uma poltica pblica e sua entrega final.

    No contexto de separao destes estgios, a noo de incluso na agenda designa o

    estudo e a explicitao do conjunto de processos que conduzem os fatos sociais a adquirir

    status de problema pblico, transformando-os em objeto de debates e controvrsias polticas

    na opinio pblica. Dentre os autores que investigam a temtica da formao da agenda

    governamental, destaca-se a teoria de Kingdon (2003), que busca fenmenos explicativos

    dentro do contexto institucional de governos para a aceitao/rejeio de ideias e o modelo

    desenvolvido por Baumgartner e Jones (1999), que coloca como ponto crtico, a prpria

    definio da questo e construo da imagem da poltica como fora que alavanca a

    mobilizao de atores, chegando a ocasionar mudanas na agenda.

    A fase de formulao da poltica pblica, por sua vez, est ligada tomada de decises

    sobre as diferentes alternativas possveis e qual delas ser adotada a fim de que os polticos

    melhor traduzam suas propostas em programas e aes. J o estgio da implementao diz

    respeito ao momento em que as polticas j formuladas so colocadas em prtica. Para

    exemplificar as teorias desenvolvidas no mbito da formulao e implementao, destacamos

    os modelos do Incrementalismo de Linblom (1981), segundo a qual cada programa

    desenvolvido por um governo no seria, geralmente, considerado novo. Os policy makers

    realizariam pequenos ajustes incrementais s politicas j correntes, ocasionando mudanas

    graduais nas polticas. J o modelo garbage can, desenvolvido por Cohen, March e Olsen

    (1972), argumenta que a compreenso do problema e tambm da soluo limitada. As

    escolhas entre que solues adotar integrariam um garbage can e ao invs de serem

    detidamente analisadas, dependeriam do leque das opes que os policy makers tem em mos

    no momento de tomada da deciso. Sabatier e Jenkins-Smith (1993) ao desenvolver o modelo

    Advocacy Coalition, apontam para uma fragilidade do modelo gargabe can por ele considerar

    pouca consistncia no conjunto de ideias dos policy makers. Ao contrrio, Sabatier e Jenkins-

    Smith (1993) argumentam que as crenas e valores so relevantes dimenses do processo de

    formulao de polticas pblicas. Por esse modelo, a poltica pblica concebida como um

    subsistema composto por coalizes de defesa de ideias, valores e crenas distintas. Essas

    coalizes se distinguiriam pelos recursos de que dispem para defender seu conjunto de

    ideias.

    Embora muitos especialistas defendam uma execuo permanente da avaliao da

    poltica pblica, esse estgio ainda , com frequncia, deixado somente para a aplicao ao

    final do ciclo. Durante a implementao, ajustes de pequenos desvios ou readequaes da

    proposta poderiam ser aplicados com maior sucesso poltica pblica, ao passo que se

    relegada apenas ao final da implementao, o acmulo da necessidade dessas correes pode

    mais facilmente significar o abandono da poltica. Em boa medida, os embates na literatura

    sobre a fase de avaliao relacionam-se s tcnicas utilizadas para realiz-la, se quantitativas

    ou qualitativas, e a como a avaliao dos resultados podem efetivamente influenciar o rumo

    das polticas pblicas (TREVISAN, A.; BELLE, H., 2008).

    As principais teorias a respeito das etapas do ciclo da poltica pblica contriburam com

    o desenvolvimento do campo, alm de nos oferecem algumas pistas dos momentos mais

    35

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • adequados nos contextos institucionais para apresentar propostas e das dinmicas

    relacionadas aos processos de implementao. No entanto, para compreender o cotidiano da

    implementao, que de sobremaneira nos interessa ao propor TSs como polticas pblicas, nos

    ligamos s teorias mais recentes, que buscam olhar para a interface dinmica entre cada

    estgio do ciclo.

    Dentre outros motivos, Saetrem (2005) aponta que as pesquisas de implementao

    ficaram fora de moda (unfashionable) pelas mudanas nas relaes entre Estado e Sociedade

    a partir dos anos 1980 com o decorrente incremento das pesquisas relacionadas a governana

    e redes, com o intuito de melhor descrever a nova realidade. Saetrem (2005), todavia, critica

    esse fato e afirma que os estudos de implementao so essenciais na medida em que podem,

    justamente, contribuir para anlises a respeito de como ocorre a relao Estado e Sociedade

    no novo contexto. Uma hiptese levantada pelo autor que essa sensvel mudana de foco das

    pesquisas seria resultado de um olhar fragmentado e restritivo para a implementao, o que

    exigiu novas teorias explicativas para os fenmenos que se apresentavam em vez de se

    intensificarem os estudos nesse campo.

    Embora sejam grandes contribuies analticas, segundo Hill e Hupe (2002), nenhum

    modelo acima apontado capta a complexidade da realidade. Os autores advogam em favor da

    combinao entre os benefcios analticos oferecidos pela proposta dos estgios e por outro

    lado, o reconhecimento e aprofundamento da compreenso de como eles interagem. Na

    teoria clssica da burocracia desenvolvida a partir das contribuies de Weber, a

    administrao comearia onde o processo das polticas pblicas acaba. J para os autores, na

    implementao a formulao das polticas e os processos burocrticos coexistem.

    Estudos recentes realizados por Lotta (2010) e Paulics e Piani (2003) a respeito dos

    agentes comunitrios de sade nos revelam pistas de como vem ocorrendo na prtica a

    interao entre as etapas da poltica pblica em experincias de gesto pblica no Brasil. Os

    agentes comunitrios de sade (ACS) so pessoas da prpria comunidade, recrutadas pelo

    Programa Sade da Famlia (PSF) do governo federal para efetivarem as aes de sade no

    contexto domiciliar dos beneficirios.

    Para Lotta (2010), ao ser o ator responsvel pela entrega das aes do PSF nos

    domiclios, os agentes atuam como burocratas do nvel de rua, conforme conceituou Lipsky

    (1980). Isso quer dizer que alm de atuarem na ponta, tomam decises alocativas, exercem

    discricionariedade e tm grande impacto sobre o processo de implementao (LOTTA, 2010,

    p.82). A autora destaca ainda outra caracterstica: como os ACS so selecionados entre

    moradores da prpria comunidade, acabam se configurando enquanto atores hbridos,

    burocratas comunitrios, desempenhando o duplo vnculo de pertencimento ao Estado e

    comunidade. A partir da investigao dos estilos de interao, identificou-se nessa pesquisa

    que os agentes muitas vezes atuam como mediadores de comunicao, tornando os

    conhecimentos mais acessveis para a comunidade e levando demandas locais para os

    profissionais de sade.

    A experincia Soro, Razes e Rezas, implementada pela Secretaria Municipal de Sade

    de Maranguape (CE) foi certificada como TS em 2003 pela Fundao Banco do Brasil. Esse caso

    exemplifica como podem atuar os ACS no sentido da mediao. Paulics e Piani (2003) relatam

    que um pequeno ncleo da secretaria de sade municipal resolveu iniciar as investigaes dos

    motivos que originavam os altos ndices de mortalidade infantil do municpio decorrentes de

    diarreia, mesmo depois de ter sido ampliada a equipe mdica e o nmero de leitos.

    36

    Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais

    Tecnologias Sociais

  • Concluram que uma interveno efetiva nessa realidade para diminuir a mortalidade infantil

    no poderia ignorar a existncia das rezadeiras do municpio, pois no caso de diarreia, eram a

    elas que as famlias procuravam em primeiro lugar. Elas precisariam, ao contrrio, ser

    identificadas, ter seu trabalho melhor compreendido e serem envolvidas na hidratao das

    crianas junto a suas rezas.

    A implementao e a formulao das etapas seguintes dessa poltica pblica

    caminharam juntas. Primeiro foi preciso conhecer melhor o papel dessas lideranas

    comunitrias e estabelecer um dilogo para aprender com elas. Acreditava-se que na medida

    em que os profissionais da sade ouvissem as rezadeiras, seria mais fcil tambm que as

    rezadeiras ouvissem os biomdicos e que, a partir dessa troca, um novo saber emergisse,

    permitindo melhorar a sade da comunidade (PAULICS e