parentalidade do mesmo sexo e resultados das crianças v2

6
Parentalidade do mesmo sexo e resultados das crianças: um exame mais detalhado da secção de estudos sobre parentalidade gay e lésbica da American Psychological Association Loren Marks 1 Artigo publicado em SOCIAL SCIENCE RESEARCH, 2012; 41 (4): 735 DOI:10.1016/J.SSRESEARCH.2012.03.006 Resumo: em 2005, a American Psychological Association (APA) emitiu um resumo oficial sobre parentalidade gay e lésbica. Este resumo inclui a afirmação: “não se encontrou um único estudo que tenha revelado que os filhos de pais gays ou lésbicas estejam em significativa desvantagem em qualquer aspeto, relativamente aos filhos de pais heterossexuais” (p. 15). O presente artigo examina de perto esta afirmação e 59 estudos publicados, citados pela APA para o apoiar. Sete perguntas centrais abordam as seguintes questões: (1) amostragem homogénea, (2) ausência de grupos de comparação, (3) características da comparação de grupos, (4) dados contraditórios, (5) o âmbito limitado do desempenho estudado das crianças, (6) escassez de dados de resultados de longo prazo, e (7) falta de capacidade estatística da APA. A conclusão é de que as afirmações fortes, incluindo as feitas pela APA, não foram empiricamente garantidas. Sugerem-se recomendações para pesquisas futuras. Palavras-chave: mesmo sexo, pais, lésbicas, gays 1 1 LOUISIANA STATE UNIVERSITY; 341 SCHOOL OF HUMAN ECOLOGY; BATON ROUGE, LA 70803; E-MAIL: [email protected]; FAX: (225)578-2697

Upload: joao-marcelino

Post on 08-Apr-2016

212 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Parentalidade do mesmo sexo e resultados das crianças v2

Parentalidade do mesmo sexo e resultados das

crianças: um exame mais detalhado

da secção de estudos sobre

parentalidade gay e lésbica

da

American Psychological Association

Loren Marks1

Artigo publicado em SOCIAL SCIENCE RESEARCH, 2012; 41 (4): 735 DOI:10.1016/J.SSRESEARCH.2012.03.006

Resumo: em 2005, a American Psychological Association (APA) emitiu um

resumo oficial sobre parentalidade gay e lésbica. Este resumo inclui a

afirmação: “não se encontrou um único estudo que tenha revelado que os

filhos de pais gays ou lésbicas estejam em significativa desvantagem em

qualquer aspeto, relativamente aos filhos de pais heterossexuais” (p. 15). O

presente artigo examina de perto esta afirmação e 59 estudos publicados,

citados pela APA para o apoiar. Sete perguntas centrais abordam as seguintes

questões: (1) amostragem homogénea, (2) ausência de grupos de comparação,

(3) características da comparação de grupos, (4) dados contraditórios, (5) o

âmbito limitado do desempenho estudado das crianças, (6) escassez de dados

de resultados de longo prazo, e (7) falta de capacidade estatística da APA. A

conclusão é de que as afirmações fortes, incluindo as feitas pela APA, não

foram empiricamente garantidas. Sugerem-se recomendações para pesquisas

futuras.

Palavras-chave: mesmo sexo, pais, lésbicas, gays

1 1 LOUISIANA STATE UNIVERSITY; 341 SCHOOL OF HUMAN ECOLOGY; BATON ROUGE, LA 70803; E-MAIL: [email protected];

FAX: (225)578-2697

Page 2: Parentalidade do mesmo sexo e resultados das crianças v2

Conclusões

Em 2005, a American Psychological Association afirmou:

“não se encontrou um único estudo que tenha revelado que crianças em

parentalidade gay ou lésbica estão em significativa desvantagem em qualquer

aspeto, relativamente aos filhos de pais heterossexuais”

O estudo formula 7 questões que discutem a validade científica desta afirmação:

1. Qual a diversidade cultural, étnica e económica dos lares gay /

lésbicos abordados na literatura que suporta o Resumo da

APA?

Resumo da resposta à pergunta 1: fazendo uma revisão de uma década de estudos sobre

famílias do mesmo sexo, Patterson (2000), a autora do Resumo da APA dos “Resultados da

Pesquisa sobre Parentalidade Homossexual”, relatou a tendência dos pesquisadores de

parentalidade do mesmo sexo em selecionar amostras de lésbicas privilegiadas.

Especificamente, e citando “grande parte da pesquisa envolveu pequenas amostras que são

predominantemente de mulheres brancas, bem-educadas [e] de classe média” (p. 1064). De

fato, na lista de referência constante do “Resumo dos Resultados da Pesquisa” da APA

(páginas 15 - 22), não há estudos que se foquem em famílias afro -americanas, latino -

americanas, ou asiático-americanas e diversos outros estudos não incluem, de todo, famílias

minoritárias. Além disso, quase não há estudos que examinem especificamente os

resultados de crianças de pais gays. Embora a maioria dos estudos sobre parentalidade do

mesmo sexo tenham sido realizadas com lésbicas brancas, bem-educadas, de classe média a

alta, este grupo tem sido, várias vezes empregue por estudiosos neste domínio como

representativo de parentalidade gay e lésbica , incluindo daqueles que estão em minoria, os

pobres e menos instruídos.

Page 3: Parentalidade do mesmo sexo e resultados das crianças v2

2. Quantos estudos de parentalidade gay / lésbica não tinham um

grupo de comparação heterossexual?

Resumo da resposta à pergunta 2: das 59 publicações citadas pelo Resumo da APA na

seção de bibliografia intitulada - “Estudos empíricos especificamente relacionadas com pais

gays e as suas crianças” (pp. 23-45) , apenas 33 se baseiam numa comparação com um

grupo heterossexual, enquanto 26 não o fazem ( 44,1 por cento). Assim, quase metade dos

“Estudos empíricos especificamente relacionadas com pais gays e as suas crianças”

referenciados no Resumo da APA (pp. 23-45) não permitem ter uma base de comparação

entre esses dois grupos.

3. Quando havia grupos de comparação, que grupos foram

comparados?

Resumo da resposta à pergunta 3: a maior parte dos estudos sobre parentalidade do mesmo

sexo reportam que “não há diferenças significativas” entre os grupos. No entanto os grupos

formados por mulheres brancas, educadas, de classe média a alta de mães lésbicas, têm sido

tipicamente selecionados para representar a “parentalidade do mesmo sexo”, enquanto que

as mães heterosexuais solteiras, têm sido repetidamente selecionadas, para representar os

pais heterossexuais, em pelo menos uma dúzia de estudos. Casais heterossexuais que

coabitam também têm sido utilizados ocasionalmente, mas quase nenhum estudo dos que

servem de base ao Resumo da APA, usou famílias intactas com base no casamento, como

explicitamente selecionado para grupo de comparação heterossexual.

4. Existe algum estudo cientificamente viável que contradiga a

declaração da APA de que “não há um único estudo que tenha

descoberto que os filhos de pais gays ou lésbicas estejam em

desvantagem em qualquer aspeto significativo, relativamente a

crianças de pais heterossexuais”?

Page 4: Parentalidade do mesmo sexo e resultados das crianças v2

Resumo da resposta à pergunta 4: num estudo desenvolvido por um especialista em

metodologia (Sarantakos, 1996), foram encontradas várias diferenças significativas entre

famílias intactas e homossexuais em oito áreas. Sarantakos concluiu “Em geral, o estudo

mostrou que as crianças de casais casados são mais propensas a ter bons resultados na

escola em termos académicos e sociais, do que as crianças em lares em regime de

coabitação e homossexuais. Este estudo, porém, foi rejeitado no Resumo da APA por uma

nota de rodapé e não é tido em consideração nas reivindicações da APA.

5. Que tipos de resultados foram investigados ?

Resumo da resposta à pergunta 5: o presente estudo documenta que, enquanto uma porção

de artigos sobre parentalidade do mesmo sexo aborda questões de “género” e assuntos

relacionados, a mesma alegação não pode ser feita para uma miríade de variáveis críticas de

preocupação social e económica, nomeadamente : (a) saúde, mortalidade e risco de

suicídio, (b) abuso de drogas e álcool, (c) criminalidade e encarceramento, (d) pobreza

inter-geracional, (e ) contribuição para a educação ou para a força de trabalho, (f) atividade

sexual precoce e maternidade precoce, e (g) taxas de divórcio como adultos. Na verdade,

essas questões críticas receberam quase nenhuma atenção no estudo revisto por pares sobre

parentalidade do mesmo sexo, que serviu de base para a alegação do Resumo da APA de

2005.

6. O que é que se sabe sobre a evolução a longo prazo de crianças

de pais gays e lésbicas?

Resumo da resposta à pergunta 6 : o leitor é lembrado que a maioria dos resultados em

destaque na pergunta 5 não são perfeitamente observáveis até ao final de adolescência e

início e meados da vida adulta. A resposta empírica à pergunta sobre o que é conhecido

sobre os resultados da parentalidade gay e lésbica e de longo prazo (ie , adulto) é que não

temos nenhuma base empírica para responder , pois não há nenhum estudo revisto por

Page 5: Parentalidade do mesmo sexo e resultados das crianças v2

pares, em grande escala, que tenha seguido crianças objeto de parentalidade do mesmo

sexo através do tempo e até meados de idade adulta.

7. Será que os estudos nesta área cometeram o erro de tipo II e

concluíram prematuramente que os casais heterossexuais e

casais gays e lésbicos produzem resultados de parentalidade

semelhantes?

Resumo da resposta à pergunta 7: os estudos sobre parentalidade do mesmo sexo não têm

utilizado amostras suficientemente grandes para superar a possibilidade, ou probabilidade,

do erro de tipo II, e assim “aumentam substancialmente [a] probabilidade de não encontrar

diferenças ou mesmo de não as encontrar”. Além disso, críticas significativas prestadas

pelos especialistas em metodologia de pesquisa social Lerner e Nagai (2001) não foram

citados no Resumo da APA de 2005. Se a conclusão a ser tirada é de que não há diferenças

de parentalidade entre pares do mesmo sexo e casais heterossexuais, tal conclusão não pode

ser retirada no momento atual, dado que este problema com o erro de tipo II, contamina

toda literatura sobre parentalidade do mesmo sexo.

O Manual de Publicação da APA exorta os investigadores a “levar a sério a força das

estatísticas” e “regularmente fornecer provas” de poder estatístico adequado e efeito de

tamanho. No entanto, uma revisão dos 59 artigos citados no Resumo APA (pp. 23-45) ,

revelou que apenas alguns obedeceram a esta exortação. Um exame adicional indicou ainda

que dos estudos de comparação, zero estudos atingiram o “requisito mínimo” de 393 para

se encontrar o efeito estatístico de “tamanho pequeno” (Small Size Effect). Na verdade,

apenas dois estudos de comparação atingiram metade do requisito mínimo.

Conclusão

Regressando à questão primordial deste estudo: estaremos a testemunhar o surgimento de

uma nova forma de família que (ao contrário de famílias em regime de coabitação,

divorciado, ou famílias monoparentais ) fornece um contexto para as crianças que é

Page 6: Parentalidade do mesmo sexo e resultados das crianças v2

equivalente à de família intacta? Mesmo depois de uma leitura extensiva dos estudos sobre

parentalidade do mesmo sexo, o autor não pode oferecer uma resposta de tipo “sim” ou

“não” de alta confiabilidade e baseada em dados. Os dados são insuficientes para suportar

uma forte afirmação de qualquer das formas e, portanto, insuficientes para produzir uma

declaração binária definitiva. Essa declaração não seria fundamentada na ciência. São

necessários estudos representativos, de grande amostra muitos deles, incluindo estudos de

alta qualidade longitudinais (i.e. , quadro B). Embora alguns adversários da parentalidade

do mesmo sexo tenham feito exageros flagrantes , inversamente, alguns pesquisadores de

pais do mesmo sexo parecem implicitamente ter respondido de forma “excecionalmente

clara” pela sentença de que “nenhuma diferença” entre parentalidade do mesmo sexo e pais

heterossexuais existe desde 1992 , um exame mais atento leva à conclusão de que as

afirmações fortes, incluindo as feitas pela APA, não foram empiricamente garantidas.

As conclusões científicas neste domínio serão mais claras à medida que os pesquisadores:

(a) passem de amostras de conveniência pequenas, para maiores amostras nacionalmente

representativas , (b) examinem cada vez mais as preocupações críticas sociais e económicas

que surgem durante a adolescência e a idade adulta , (c) incluam amostras mais

diversificadas de famílias de pais do mesmo sexo (por exemplo , pais gays, minorias

raciais, e sem estatuto socioeconómico médio-alto) , (d ) incluam famílias heterossexuais

intactas, baseadas em casamento como grupos de comparação e ( e) reconheçam e

respondam às críticas metodológicas de especialistas como esforço para aperfeiçoar e

acrescentar validade e rigor aos resultados.

Em relação a este último ponto, é particularmente vital que já não seja ignorada a dimensão

estatística. Tomar estas medidas ajudará a conduzir o campo de estudo em direção a

respostas mais matizadas e cientificamente informadas, respondendo a questões

significativas que afetam as famílias e as crianças.