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1 Recebido em 19/10/2006 e aceito para publicação em 20/12/2006. 2 Endereço para correspondência: Lidia Natália D. Weber , Rua Castro Alves, 785 ap 21, Curitiba–PR, CEP: 80240-270, E-mail: [email protected] Paidéia, 2006, 16(35), 407-414 CONTINUIDADE DOS ESTILOS PARENTAIS ATRAVÉS DAS GERAÇÕES - TRANSMISSÃO INTERGERACIONAL DE ESTILOS PARENTAIS 1 Lidia Natalia Dobrianskyj Weber 2 Gabrielle Ana Selig Marcela Galvão Bernardi Ana Paula Viezzer Salvador Universidade Federal do Paraná Resumo: Práticas educativas parentais têm sido investigadas há várias décadas e são consideradas como importantes preditores para o desenvolvimento infantil e vêm servindo de modelo para os pais interagirem com a sua prole. Esta pesquisa teve como objetivo investigar a transmissão intergeracional dos estilos parentais. Foram entrevistadas 21 mulheres, de sete famílias distintas, respeitando a linearidade trigeracional, utilizando- se a Entrevista de Apego Adulto, desenvolvida por George, Kaplan e Main e as Escalas de Qualidade de Interação Familiar - EQIF de Weber e colaboradores. Para análise dos dados utilizou-se o teste não-paramétrico de Mann-Whitney U. Os resultados mostram que em 91,7% dos casos ficou demonstrada a transmissão intergeracional. Da primeira para a terceira geração os dados revelaram pais sensivelmente mais autoritários do que as mães e estas mais submissas. Esses resultados levam à conclusão de que é necessária a divulgação de práticas educativas parentais adequadas como estratégias de prevenção. Palavras-chave: Intergeracionalidade; Estilos Parentais; Práticas Educativas. CONTINUITY OF THE PARENTAL STYLES THROUGH THE GENERATIONS Abstract: Parental practices have been investigated during decades and they are considered as important predictive factors in the child development and they provide a model of parental interaction with their children. This research had as objective to investigate the intergenerational transmission of the parental styles. Interviews were conducted with 21 women, from seven distinct families, respecting the trigenerational linearity, using the Adult Attachment Interview developed by George, Kaplan e Main and the Scales of Quality of Familiar Interaction Scales – EQIF of Weber and colaborators. It was used for the data analysis the non-parametric test Mann-Whitney U. Intergenerational transmission was found in 91.7% of the cases. From first to third generation the data showed that fathers were sensibly more authoritarian than the mothers and that they were more submissive. These results show that it is necessary to divulgate the adequated parenting practices as one prevention strategie. Key words: Intergenerationality; Parenting Styles; Parenting Practices. Introdução O estudo da relação entre pais e filhos tem sido desenvolvido por vários pesquisadores por meio dos estilos parentais. Esta linha de pesquisa teve o seu início marcado com os estudos de Baumrind (1966, 1967,1971; Baumrind & Black, 1967), que formulou três protótipos parentais (permissivo, autoritário e autoritativo), baseados no controle por parte deles. O primeiro – permissivo – corresponderia às relações entre pais e filhos nas quais aqueles cobram poucas responsabilidades da criança, permitindo que ela se auto-regule. Sua característica é o reforçamento positivo. O segundo (autoritário), é composto de pais que visam controlar e avaliar o comportamento dos filhos através de padrões, em geral, absolutos. Há restrições da autonomia da criança e o ponto de vista dela não é considerado. Estes pais utilizam com freqüência punições e reforçamento negativo. O estilo

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    1 Recebido em 19/10/2006 e aceito para publicao em 20/12/2006.

    2 Endereo para correspondncia: Lidia Natlia D. Weber ,

    Rua Castro Alves, 785 ap 21, CuritibaPR, CEP: 80240-270,E-mail: [email protected]

    Paidia, 2006, 16(35), 407-414

    CONTINUIDADE DOS ESTILOS PARENTAIS ATRAVS DAS GERAES -TRANSMISSO INTERGERACIONAL DE ESTILOS PARENTAIS1

    Lidia Natalia Dobrianskyj Weber2Gabrielle Ana Selig

    Marcela Galvo BernardiAna Paula Viezzer Salvador

    Universidade Federal do Paran

    Resumo: Prticas educativas parentais tm sido investigadas h vrias dcadas e so consideradascomo importantes preditores para o desenvolvimento infantil e vm servindo de modelo para os pais interagiremcom a sua prole. Esta pesquisa teve como objetivo investigar a transmisso intergeracional dos estilos parentais.Foram entrevistadas 21 mulheres, de sete famlias distintas, respeitando a linearidade trigeracional, utilizando-se a Entrevista de Apego Adulto, desenvolvida por George, Kaplan e Main e as Escalas de Qualidade deInterao Familiar - EQIF de Weber e colaboradores. Para anlise dos dados utilizou-se o teste no-paramtricode Mann-Whitney U. Os resultados mostram que em 91,7% dos casos ficou demonstrada a transmissointergeracional. Da primeira para a terceira gerao os dados revelaram pais sensivelmente mais autoritriosdo que as mes e estas mais submissas. Esses resultados levam concluso de que necessria a divulgaode prticas educativas parentais adequadas como estratgias de preveno.

    Palavras-chave: Intergeracionalidade; Estilos Parentais; Prticas Educativas.

    CONTINUITY OF THE PARENTAL STYLES THROUGH THE GENERATIONS

    Abstract: Parental practices have been investigated during decades and they are considered as importantpredictive factors in the child development and they provide a model of parental interaction with their children.This research had as objective to investigate the intergenerational transmission of the parental styles. Interviewswere conducted with 21 women, from seven distinct families, respecting the trigenerational linearity, using theAdult Attachment Interview developed by George, Kaplan e Main and the Scales of Quality of FamiliarInteraction Scales EQIF of Weber and colaborators. It was used for the data analysis the non-parametrictest Mann-Whitney U. Intergenerational transmission was found in 91.7% of the cases. From first to thirdgeneration the data showed that fathers were sensibly more authoritarian than the mothers and that they weremore submissive. These results show that it is necessary to divulgate the adequated parenting practices as oneprevention strategie.

    Key words: Intergenerationality; Parenting Styles; Parenting Practices.

    IntroduoO estudo da relao entre pais e filhos tem

    sido desenvolvido por vrios pesquisadores por meiodos estilos parentais. Esta linha de pesquisa teve oseu incio marcado com os estudos de Baumrind (1966,1967,1971; Baumrind & Black, 1967), que formuloutrs prottipos parentais (permissivo, autoritrio e

    autoritativo), baseados no controle por parte deles.O primeiro permissivo corresponderia s relaesentre pais e filhos nas quais aqueles cobram poucasresponsabilidades da criana, permitindo que ela seauto-regule. Sua caracterstica o reforamentopositivo. O segundo (autoritrio), composto de paisque visam controlar e avaliar o comportamento dosfilhos atravs de padres, em geral, absolutos. Hrestries da autonomia da criana e o ponto de vistadela no considerado. Estes pais utilizam comfreqncia punies e reforamento negativo. O estilo

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    autoritativo encontrado nos que procuram direcionaras atividades das crianas, avaliando o ponto de vistadela. H utilizao, principalmente, de reforamentopositivo e regras claras e consistentes.

    Maccoby e Martin (1983) reorganizaram estaclassificao atravs das dimenses de exigncia eresponsividade, desmembrando o estilo permissivoem dois: indulgente e negligente. Pode-se entenderpor exigncia a atitude dos pais de impor limites eregras, enquanto a responsividade so as atitudes decompreenso deles para com os filhos. Segundo estadiretiva, os pais autoritrios possuem alta exignciae baixa responsividade; os permissivos teriam baixaexigncia e alta responsividade; os autoritativos, altaexigncia e responsividade e os negligentes, baixaexigncia e responsividade. Estes autores defendemque o estilo parental influencia o comportamento dascrianas e que os do tipo negligente e indulgente estogeralmente associados a problemas no desenvol-vimento dos filhos; enquanto que pais autoritativos comalto padro de exigncia e alta responsividade geramcrianas mais competentes emocional e socialmente.

    Darling e Steinberg (1993) propuseram oentendimento de estilo parental como o contexto emque os pais influenciam seus filhos atravs de suasprticas de acordo com suas crenas e valores, indoalm da combinao entre exigncia e respon-sividade. Estes autores ressaltaram a importncia dese manter clara a diferena entre estilo parental eprticas parentais, que correspondem a compor-tamentos definidos por contedos especficos e soestratgias usadas para suprimir comportamentosconsiderados inadequados ou incentivar a ocorrnciade comportamentos adequados (Alvarenga, 2001).J os estilos constituem o conjunto de atitudes dospais, so manifestaes deles em direo a seusfilhos que caracterizam a natureza da interao entreesses (Reppold, Pacheco, Bardagi & Hutz, 2002,p. 23). O presente estudo utilizou as prticas parentaispara acessar a relao pais-filhos.

    Uma das explicaes relevantes sobre estilose prticas parentais a de que as pessoas tendem arepetir, ao serem pais, o modelo aprendido em suaprpria famlia. Estudos tericos e clnicos sublinhamque o relacionamento da me com a av maternatem um profundo impacto na maneira como esta

    cuidar de seu prprio filho (Fischer, 1981). Outrosestudos tambm mostram que possvel prever comouma me ir se comportar perante seu filho: as quereportam terem sido aceitas e encorajadas em suaindependncia durante a infncia tendem a ser maisresponsivas e menos intrusivas com seus prpriosfilhos (Ricks, 1985).

    Um grande nmero de pesquisadores discutiuo processo de transmisso do comportamento dasmes em relao a seus filhos. Lundberg, Perris,Schlette e Adolfsson (2000), ao estudarem atransmisso intergeracional, concluram que hcorrelao entre os valores experienciados e os queso repassados a futuras geraes. Ijzendoorn (1992),atravs de pesquisas terica e prtica comprovou umatransmisso significativa de valores entre as geraes.Bowlby (1990) props que as pessoas internalizamas experincias com seus significantes na forma demodelos de relacionamento e que estes, uma vezformados, so resistentes a mudanas. Enquanto aspessoas exploram os relacionamentos fora da famlia,elas provavelmente escolhem parceiros que validamsuas estratgias internas e, quando estas pessoas setornam pais, geralmente estabelecem com seus filhosum padro de relacionamento similar (j conhecido).Provavelmente, pois, uma vez estabelecida estadinmica de relacionamento, estes padres tornam-se resistentes a mudanas.

    Segundo estudo realizado por Kretchmar eJacobvitz (2002), as mes que lembram terem sidoaceitas por suas prprias mes quando crianas eque tiveram relacionamentos equilibrados (com altaexigncia e responsividade) so mais sensveis emenos intrusivas com seus filhos. Entretanto, h quese fazer uma anlise cuidadosa dos relatos baseadosem memrias da prpria infncia, pois podem estarbaseados no estado de humor do momento ou empercepes distorcidas. Ademais, pode ocorrer queo relacionamento atual da me com seu filho influenciee modifique as memrias dela sobre sua infncia.

    H evidncias empricas de que a dinmica derelacionamento experienciada com os cuidadores emuma gerao geralmente recriada na prxima(Kretchmar & Jacobvitz, 2002). Mes quecostumeiramente tiveram relacionamento, com suasmes, caracterizado por proximidade e suporte para

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    sua independncia, parecem recriar este tipo derelao com seus prprios filhos. Belsky e cols.(2003), ao realizar uma pesquisa sobre relaes deintergeracionalidade, concluiu que ambientesfamiliares mais encorajadores prevem relaes entrepais e filhos, futuramente, mais positivas e menosnegativas.

    Na comparao intergeracional fica eviden-ciado um papel de maior destaque da figura maternana contribuio da educao dos filhos, sugerindo quea funo da me seja mais slida e prxima do que ado pai (Vitali, 2004). Ademais, este autor verificouque os casos de estilos parentais que se transmitemso amplamente superiores aos de no-transmisso,confirmando que o estilo das mes o que passadocom maior freqncia.

    Pais trazem para sua forma de cuidar asestratgias desenvolvidas pela sua experincia deserem filhos, tendendo, pois, a repetir o modeloparental aprendido. Entretanto, isto nem sempreocorre. Existem pessoas que quebram os padres.Algumas mes que lembram terem se sentidorejeitadas ao invs de aceitas durante a sua infnciapodem se tornar mais responsivas com seus prpriosfilhos, demonstrando que uma diferenciao podeotimizar as estratgias maternas. Alteraes culturaisfundamentais ocorreram ao longo do ltimo sculo.Dentre tais alteraes, caracteriza-se a transiodo modelo tradicional controlador, assimtrico eautoritrio para um dito moderno, mais centradona criana, que valoriza a comunicao e aindependncia dos filhos (Biasoli-Alves, Caldana &Silva, 1997, p.51). Estas autoras demonstraram emsua pesquisa que mes das dcadas de 30-40 e 50-60 tinham suas atitudes e crenas sobre a educaodos filhos calcadas no sistema em que foram educadase em conselhos de suas mes e sogras; enquantoque as das dcadas de 70-80 apresentaram um padrodiferenciado, calcado na procura cientificista deorientao, com base em livros, artigos de revistasou conselhos de pediatras e psiclogos.

    Pesquisadores identificaram que o suporte docompanheiro um dos fatores que ajudam as mes aquebrarem os padres disfuncionais aprendidos comsua prpria famlia (Egeland, Jacobvitz & Sroufe,1988). Portanto, entender o relacionamento com os

    prprios pais pode ajudar a identificar e quebrarpadres disfuncionais (como negligncia, indulgncia,agressividade, abuso). Capaldi e Clarck (1998),concluram que h transmisso intergeracional deagressividade. Ehrensaft e Cohen (2003), ao seguiremdurante vinte anos uma gerao de crianas,concluram que quem est exposto violncia entreos pais durante a prpria infncia tm mais chancede se tornar um adulto agressivo. Isso reitera aimportncia de se entender a transmissointergeracional de estilos e prticas parentais, paraque se possa acabar com padres inadequados decomportamento.

    Poucos pesquisadores utilizaram comoestratgia de pesquisa o exame dos relacionamentosdas mes com suas prprias mes e destas com seusfilhos para entender a transmisso dos estilos eprticas parentais. Portanto, a proposta da presentepesquisa foi a de investigar a transmisso de prticasparentais em famlias tpicas. A hiptese tericainvestigada a de que as mes aprendem asestratgias de relacionamento experienciadas comseus cuidadores e recriam esses padres com seusprprios filhos.Mtodo

    ParticipantesA pesquisa foi realizada com 21 mulheres, de

    sete famlias distintas de classe mdia, respeitando-se a linearidade trigeracional (av/filha/neta). Ocritrio para a composio do grupo foi a amostrano probabilstica (Cozby, 2003). As primeiras famliasforam indicadas por pessoas das relaes daspesquisadoras.

    InstrumentosPara coleta dos dados foram utilizados trs

    instrumentos:Entrevista de Apego Adulto, de George, Kaplan

    e Main (1985), para coleta de dados alitativos eilustrativos.

    Escalas de Qualidade na Interao Familiar(EQIF) de Weber, Viezzer e Brandenburg (2003), paraavaliar prticas parentais e outros aspectos deinterao familiar, na verso do instrumento quecontinha 72 questes divididas em 12 pequenas escalas(relacionamento afetivo, envolvimento, regras,

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    reforamento, comunicao positiva dos pais,comunicao positiva dos filhos, comunicaonegativa, punio inadequada, modelo, sentimento dosfilhos, clima conjugal positivo e clima conjugalnegativo).

    Critrio Brasil (IBOPE) para identificar o nvelsocioeconmico dos participantes.

    ProcedimentoO contato inicial com alguns participantes foi

    feito pessoalmente e com outros atravs de telefone.Foi marcada uma entrevista individual com cadamembro da famlia. A ordem na trade geracional foidiversificada, com o intuito de variar a localidade deescuta das pesquisadoras, evitando interferncias deuma sucesso rgida de entrevistas. Uma das famliasoptou por no responder a Entrevista de Apego Adultode George, Kaplan e Main (1985).

    Anlise dos dadosPara anlise dos dados, as geraes foram

    comparadas duas a duas, ou seja, a 1a e a 2a, a 2a e a3a e a 1a e a 3a, utilizando-se o teste Mann-Whitney.Valores de significncia baixos (valor p

  • 411Continuidade dos Estilos Parentais atravs das geraes

    socioculturais por que passa a sociedade ao longodos anos. De acordo com o que registram Biasoli-Alves, Caldana e Silva (1997), as mes das dcadasde 30-40 comunicavam-se pouco com os filhos etinham pouca demonstrao de afeto a eles. Haviamenos liberdade de comunicao e menos espaopara discusso e participao dos filhos nas decisesdas famlias. Diferentemente, as mais jovensprocuram valorizar a comunicao com os filhos e ademonstrao de envolvimento afetivo. Estasalteraes caracterizam as prprias mudanas dasociedade, na dinmica familiar em relao aos filhos,sugerindo que houve uma alterao para umasociedade menos fundamentada nos valorestradicionais e hierrquicos do autoritarismo e maisvoltada para a compreenso dos desejos enecessidades dos filhos (Vitali, 2004; Weber, 2005).

    Alguns dados coletados demonstram estadistncia que existia dos filhos com as pessoas adultas(pais) e a pouca demonstrao de afeto dos mesmos.Pode-se perceber, tambm, que na maioria dasfamlias o envolvimento maior com as mes secomparado com os pais. Vitali (2004) verificou que oestilo parental das mes o que se transmite comfreqncia, sugerindo que a funo da me seja maisslida e prxima do que a do pai na educao dosfilhos, o que se pode ver na anlise das falas obtidaspela presente pesquisa:

    1a Gerao:Eu me sentia mais prxima da minha mePaula, 69 anos (Famlia 5).Meu pai era autoritrio, exigente, ... Paula,69 anos (Famlia 5).

    2a Gerao:Eu era mais prxima da minha me, que eradona de casa durante quase toda a minhainfncia Sandra, 48 anos (Famlia 5).Meu pai era dedicado, trabalhador, distante,... Sandra 48 anos (Famlia 5).Minha me era cuidadosa, meticulosa,detalhista, interessada, bem intencionada,presente Sandra, 48 anos (Famlia 5).Na minha infncia, no podamos ficar compessoas adultas, trocando idias com os maisvelhos, tudo era mais rgidos os costumesVera, 52 anos (Famlia 3). (...) No entendia por que com minha famliano existia espontaneidade para manifestar

    principalmente afetos, sentimentos, carinhos.Tudo que aparecesse era ridicularizado.Helena, 53 anos (Famlia 6).

    3a Gerao:Sempre tivemos uma relao muito boa,inclusive aps o divrcio dos meus pais,entretanto minha me sempre foi mais presenteque meu pai Irene, 19 anos (Famlia 5).Meu pai sempre foi um pouco distante, svezes era um pouco impaciente comigo e meusirmos Irene, 19 anos (Famlia 5)Me sinto mais prxima da minha me. Elasempre esteve mais presente em minha vida,nos momentos mais felizes e nos que preciseide ajuda. No que meu pai no se interessassepor isso... Mas a minha me sempre curtiu maisa famlia do que ele. Irene, 19 anos (Famlia5).

    Em relao punio inadequada, houveintergeracionalidade frente me. Nos discursoscoletados, houve poucas menes punioinadequada, mas importante mencionar estas falasem virtude da dor que trazem agregada.

    1a Gerao:Meus pais me falavam que se eu no mecomportasse de certa maneira iriam emboraIsabel, 56 anos (Famlia 7).

    2a Gerao: Quando eu fazia algo errado minha v falavaque se eu no fizesse certo da prxima vez iriacontar para o meu pai, que dele eu tinha medoOlvia, 34 anos (Famlia 7).

    3 Gerao:Quando eu era mais nova, minha me meameaava de ir me mandar morar com meu paiquando eu fazia alguma coisa erradaPriscila, 21 anos (Famlia 2).

    Ao serem indagados sobre o que aprenderamnas experincias da infncia e o que desejam queseus filhos aprendam na relao com os pais, em geral,as famlias apresentaram, entre as diferentesgeraes, respostas semelhantes. Isto pode indicarque existem certos aspectos positivos valores que passam de pais para filhos e que norteiam o modocomo estes criam seus prprios filhos, ou seja,modelos familiares a serem seguidos. Isto ilustradopelo discurso da Famlia 1 (em que foram ressaltadosamor e caridade) e da 2 (em que se ressaltou a retidode conduta, honestidade), relatados nesta ordem:

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    1a Gerao:...eu sempre esperei que meus filhosaprendessem a ser amorosos nas relaes.Emlia, 82 anos.

    2a Gerao:A dedicao religio marcante e influente(referindo-se ao que aprendeu com os pais).Tambm no que se refere caridade, vivnciacom diferentes pessoas e a maneira de ajud-las... Patrcia, 51 anos.

    3a Gerao:Uma coisa especial (se referindo relaocom os pais) foi a relao to carinhosa,amorosa e de cuidados que meus pais meensinaram desde pequena a ter com as pessoasque amo. Acredito que quando eu tiver meusfilhos, os tratarei com o mesmo carinho, amor,cuidados, alegria e proteo com os quais eufui tratada. Espero que meus filhos aprendama cultivar relaes com essas qualidades.Agnes, 19 anos.

    1a Gerao:Espero que meus filhos sejam pessoas boas ehonestas. Maria, 67 anos.

    2a Gerao:Conduta, relacionamento, exemplo... aose referir ao que espera que os filhos aprendam.Ana, 43 anos.

    3a Gerao:Honestidade, tento ao mximo agir destamaneira. Espero que eu possa passar para osmeus filhos tudo o que eu aprendi com a minhafamlia. Menos as coisas ruins, claro!.Priscila, 21 anos.

    DiscussoA presente pesquisa demonstrou a existncia

    de intergeracionalidade em 91,7% das variveisanalisadas. Apenas 8,3% dos casos no apresentaramtransmisso entre as trs geraes. O objetivo geraldo estudo verificar a presena de intergeraci-onalidade foi confirmado pelos dados obtidos. Estaidia, j evidenciada empiricamente (Kretchmar &col. 2002), tambm foi confirmada pelos dadosilustrativos coletados na pesquisa. Isto pode ser vistono seguinte discurso: Meus pais me criaram des-ta maneira porque eles foram criados destamaneira (Isabel, 56 anos).

    A ausncia de intergeracionalidade seriaexplicada pelas mudanas socioculturais por que asociedade passa ao longo dos tempos, j que no seconfirmou a transmisso intergeracional em trsdimenses da escala, quando comparadas a primeirae a terceira geraes (relacionamento afetivo com ame, envolvimento afetivo com ela e comunicaopositiva dos filhos em relao me). interessantenotar que as trs dimenses em que no foi con-firmada transmisso intergeracional esto justamenteligadas ao afeto, carinho, envolvimento, fatoresamplamente evidenciados como fundamentais naspesquisas sobre interaes familiares (Chen, Chen,Liu & Wang, 2002; Simons, Lin & Gordon, 1998;Stormshak, Bierman, McMahon & Lengua, 2000;Weber, Salvador & Brandenburg, 2006). A parti-cipante da Famlia 3 (Vera, 52 anos), representandoa segunda gerao na pesquisa, quando questionadaa respeito do motivo que levou seus pais a agirem damaneira como fizeram durante sua infncia,respondeu que era a cultura que tinham na poca.Isso exemplifica a questo da transformaoambiental influindo no comportamento familiar.

    Outra hiptese que pode justificar a no-intergeracionalidade a idia de quebra de padresfamiliares e maior divulgao de informaescientficas a respeito de educao de filhos (Weber,2005). Em alguns casos a inteno de modificaode comportamento responsvel pela inexistnciade transmisso de valores entre as geraes. Comoexemplo pode-se citar a Famlia 6, cuja participanteda 2 gerao sentiu, segundo seus relatos, rejeiopor parte dos pais durante a infncia. Para modificaressa distncia presente no relacionamento pais e filhosem sua famlia passou outros valores para a filha,como se observa a seguir:

    Clarissa, 25 anos, 3 Gerao Famlia 6:(...) esse carter dela (me) ser muito boapoderia ser diferente. Acho que ela devia terfeito mais as vontades dela e nem tanto asminhas.

    Um dos fatores que ajuda as mes a romperemcom padres tradicionais da famlia o suporte deseu companheiro, de acordo com pesquisas realizadas(Egeland, Jacobvitz & Sroufe, 1988) e a procura porconhecimentos cientficos e orientaes de pro-

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    fissionais como pediatras e psiclogos (Biasoli-Alves,Caldana & Silva, 1997).

    Apesar de terem existido limitaesmetodolgicas no estudo, haja vista que as respostass questes foram feitas de forma retrospectiva, pois,de acordo com Conger (2003), relatos que tmlembranas como base esto sujeitos a erros dememria e distores baseadas na vida cotidiana oudisposies pessoais, isso no torna invlida apesquisa: existem investigaes que utilizaram omtodo prospectivo longitudinal, realizando tanto aobservao atual do comportamento dos pais com osfilhos, quanto relatos, e encontraram o mesmoresultado que comprova a intergeracionalidade.

    Dois aspectos fundamentais advm destapesquisa: ficou evidenciada a transmisso inter-geracional dos aspectos negativos, como punioinadequada, modelos inconsistentes, entre outrasvariveis; no entanto, as mudanas ocorridas noscasos de no transmisso, foram para melhor maisenvolvimento, mais afeto e maior comunicao entremes e filhos. Assim, a famosa msica de Belchior -Minha dor perceber que apesar de termos feitotudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemoscomo nossos pais - verdadeira apenas em parte.Parece que se est melhorando em alguns aspectos.Referncias

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