parecer nº 06/2015 -...

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SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO PARANÁ COMISSÃO DE DEFESA DE PRERROGATIVAS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA E DE DIREITOS DOS CIDADÃOS _____________________________________________________________________________________________________ Rua José Loureiro, 464, Conj. 21, Bairro Centro Curitiba/PR, CEP 80010-000. E-mail: [email protected] Telefone: (41) 3222 3022 site: www.sidepol.org.br/ Página: 1 PARECER Nº 06/2015 INTERESSADO Presidente da Comissão de Defesa de Prerrogativas dos Delegados de Polícia e de Direitos dos Cidadãos ASSUNTO Atuação da Polícia Militar na apuração de crimes comuns, por meio da criação de cartórios de investigação criminal, da lavratura de termo circunstanciado de ocorrência e da condução de civis a destacamentos militares, ignorando a divisão constitucional de atribuições EMENTA Criação, pela Polícia Militar, de cartórios de investigação de crimes comuns, lavratura de termo circunstanciado de ocorrência e condução de civis a destacamentos militares. 1. As atribuições de polícia judiciária e investigação de crimes comuns incumbem à Polícia Civil, comandada por Delegado de Polícia, sendo a esfera de atuação da Polícia Militar bem diversa, qual seja, a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. 2. O discurso contra a impunidade não pode justificar a mitigação irresponsável de direitos fundamentais e a escancarada afronta à divisão de atribuições. A perseguição do crime pode e deve ser feita sem necessidade de ultrapassar os limites de atuação dos órgãos estatais. 3. A repartição orgânica de atribuições, o princípio da legalidade e a competência do ato administrativo impedem que qualquer outro agente público diverso do Delegado de Polícia exerça a função de Autoridade Policial. Cuida-se de garantia do cidadão, no sentido de que na investigação criminal os fins não podem justificar os meios e a pessoa investigada não pode ser colocada na condição de objeto. 4. O conceito legal de Autoridade Policial remete única e exclusivamente ao Delegado de Polícia. 5. O Delegado de Polícia pertence a uma carreira jurídica, diversamente do miliciano, que consiste em agente da Autoridade Policial.

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SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO PARANÁ

COMISSÃO DE DEFESA

DE PRERROGATIVAS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA

E DE DIREITOS DOS CIDADÃOS

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Página: 1

PARECER Nº 06/2015

INTERESSADO

Presidente da Comissão de Defesa de Prerrogativas dos Delegados de Polícia e de Direitos dos

Cidadãos

ASSUNTO

Atuação da Polícia Militar na apuração de crimes comuns, por meio da criação de cartórios de

investigação criminal, da lavratura de termo circunstanciado de ocorrência e da condução de

civis a destacamentos militares, ignorando a divisão constitucional de atribuições

EMENTA

Criação, pela Polícia Militar, de cartórios de investigação de crimes comuns, lavratura de

termo circunstanciado de ocorrência e condução de civis a destacamentos militares.

1. As atribuições de polícia judiciária e investigação de crimes comuns incumbem à Polícia

Civil, comandada por Delegado de Polícia, sendo a esfera de atuação da Polícia Militar bem

diversa, qual seja, a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

2. O discurso contra a impunidade não pode justificar a mitigação irresponsável de direitos

fundamentais e a escancarada afronta à divisão de atribuições. A perseguição do crime pode e

deve ser feita sem necessidade de ultrapassar os limites de atuação dos órgãos estatais.

3. A repartição orgânica de atribuições, o princípio da legalidade e a competência do ato

administrativo impedem que qualquer outro agente público diverso do Delegado de Polícia

exerça a função de Autoridade Policial. Cuida-se de garantia do cidadão, no sentido de que na

investigação criminal os fins não podem justificar os meios e a pessoa investigada não pode ser

colocada na condição de objeto.

4. O conceito legal de Autoridade Policial remete única e exclusivamente ao Delegado de

Polícia.

5. O Delegado de Polícia pertence a uma carreira jurídica, diversamente do miliciano, que

consiste em agente da Autoridade Policial.

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6. Sequer o policiamento ostensivo deve ser realizado pela Polícia Militar, que deve ser

desmilitarizada, segundo recomendações do Conselho de Direitos Humanos da Organização

das Nações Unidas e da Comissão da Verdade, o que também impede que prevaleça um

regime castrense de investigação criminal.

7. O sistema processual penal pátrio não autoriza a Polícia Militar a lavrar termo

circunstanciado de ocorrência, a criar cartórios de investigação de crimes comuns ou a

conduzir civis a destacamentos militares, porquanto a atribuição de apuração de infrações

penais comuns é outorgada ao Delegado de Polícia. Qualquer acordo em sentido contrário

reveste-se de evidente inconstitucionalidade.

8. A lavratura de TCO pelo policial militar, além de acarretar ineficiência do Estado, gera

ilicitude das eventuais provas colhidas, bem como todos os elementos dela decorrentes,

possibilitando a futura condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

9. A atuação do policial castrense à margem do ordenamento jurídico caracteriza, por parte

do executor e mandante, crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade, bem

como improbidade administrativa.

1. RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Defesa de Prerrogativas dos Delegados de

Polícia e de Direitos dos Cidadãos, Dr. Cláudio Marques Rolim e Silva, tomou conhecimento que

desde maio de 2015 as Companhias do 13º Batalhão de Polícia Militar, pertencente ao 1º Comando

Regional da PM, estão a lavrar termo circunstanciado de ocorrência, com o conhecimento do

Presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa, a despeito da divisão

constitucional de atribuições. Como se não bastasse, foi anunciado pelo site do referido parlamentar

que foram criados cartórios nesses destacamentos militares, onde se realizam investigação de crimes

comuns, e para onde são levados civis.

Por se tratar de matéria de alta relevância para a carreira dos Delegados de Polícia e para

o sistema de persecução penal como um todo, gerando reflexos nos direitos fundamentais dos

cidadãos, foi designado este parecerista a fim de analisar os contornos jurídicos do projeto

legislativo à luz da Constituição Federal, dos tratados internacionais de direitos humanos e da

legislação infraconstitucional, bem como do entendimento da melhor doutrina e da jurisprudência,

especialmente dos Tribunais Superiores.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. ATRIBUIÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA E APURAÇÃO DE INFRAÇÕES

PENAIS COMUNS

Tomando como base a distinção entre polícia administrativa e polícia judiciária, temos

que a polícia investigativa possui função de caráter repressivo, abrangendo as funções de polícia

judiciária e de apuração de ilícitos penais. Sua atuação ocorre depois da prática de uma infração

penal e tem como objetivo precípuo colher elementos probatórios e de informação relativos à

materialidade e à autoria do delito, sirvam à acusação ou à defesa.

As atribuições dos órgãos públicos que atuam na persecução penal são elencadas na

própria Constituição Federal, sendo também confirmadas pela legislação infraconstitucional, não

deixando margens para dúvidas de qual é o papel de cada agente público na tarefa de prevenir e

reprimir infrações penais.

A Carta Maior estabelece:

Art. 144. §4º. às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,

incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a

apuração de infrações penais, exceto as militares.

Em igual sentido prevê o Código de Processo Penal:

Código de Processo Penal, Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas

autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim

a apuração das infrações penais e da sua autoria.

De forma semelhante coloca a Lei da Investigação Criminal, também chamada de Lei do

Delegado de Polícia (em razão de ser esta a autoridade estatal incumbida de conduzir as apurações

criminais):

Lei 12.830/13, Art. 2º. § 1º. Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade

policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial

ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das

circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

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2.2. ATRIBUIÇÃO DE POLÍCIA OSTENSIVA E PRESERVAÇÃO DA ORDEM

PÚBLICA

A função de investigação de crimes comuns pertence à Polícia Judiciária, cabendo à

vetusta Polícia Militar a importante missão de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública,

admitindo-se aos milicianos a apuração apenas dos delitos militares, conforme expressa previsão

constitucional confirmada pela legislação especial:

Constituição Federal, Art. 144. § 5º. às polícias militares cabem a polícia ostensiva

e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das

atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

Código de Processo Penal Militar, Art. 8º Compete à polícia judiciária militar:

a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à

jurisdição militar, e sua autoria;

Decreto-Lei 667/69, Art. 3º. Instituídas para a manutenção da ordem pública e

segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às

Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:

a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças

Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade

competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem

pública e o exercício dos poderes constituídos;

b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas

específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;

O Decreto 88.777/83 define os conceitos de polícia ostensiva e preservação da ordem

pública, sendo fácil perceber que se revelam como atividades absolutamente distintas da

investigação criminal:

Art. 2º Para efeito do Decreto-Lei n. 667, de 2 de julho de 1969, modificado pelo

Decreto-Lei n. 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-Lei n. 2.010, de 12

de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos:

(...)

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19 - Manutenção da Ordem Pública: é o exercício dinâmico do Poder de Polícia,

no campo da segurança pública, manifestado por atuações predominantemente

ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a

ordem pública; (...)

27 - Policiamento Ostensivo: ação policial, exclusiva das Polícias Militares, em

cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de

relance, quer pela farda, quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a

manutenção da ordem pública.

2.3. DEVIDA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

A eficácia da intervenção estatal penal não pode estar associada a uma irresponsável

relativização das garantias individuais, uma vez que os direitos fundamentais não consistem em

favores do Estado. Pelo contrário, a observância da carta básica de direitos constitui nada mais do

que irrecusável exigência para o ente público:

Os direitos e garantais fundamentais, na investigação criminal, desempenham uma

função negativa do âmbito de investigação, sobretudo no contexto de descoberta,

pois limitam ou condicionam os meios de obtenção de provas. (...) Em outras

palavras, os direitos e garantias fundamentais atuam como disposições legais de

caráter negativo, na medida em que dizem o que não se pode fazer na investigação

criminal.1

A investigação preliminar, como atividade ligada ao exercício do jus puniendi

estatal, frequentemente invasiva de direitos fundamentais quer do investigado,

quer do ofendido ou de terceiros, deve também observância às regras esculpidas na

Constituição e nas declarações de direitos humanos exaradas em diplomas

internacionais, a fim de que se possa conferir legitimidade ao início da persecução

penal, sem vícios nem ranhuras aos direitos fundamentais do imputado.2

1 PEREIRA, Eliomar da Silva. Teoria da investigação criminal. São Paulo: Almedina, 2010, p. 185.

2 CAVALCANTI, Danielle Souza de Andrade e Silva. A investigação preliminar nos delitos de competência originária

de tribunais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 29.

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A investigação preliminar é o ponto de partida para uma persecução penal bem sucedida,

que persiga o interesse da sociedade de elucidar crimes sem abrir mão do respeito aos direitos

fundamentais dos investigados.

O fundamento da legitimidade da persecução conduzida pelo Estado-Investigador reside

na obediência aos direitos fundamentais dos suspeitos, dentre os quais se inclui a repartição

constitucional de atribuições. A investigação deve se curvar à Constituição, e não vice-versa. Nessa

linha se encontra a explicação da doutrina:

Na prática, em mais de um caso, afigura-se menos importante, até certo ponto, a

aplicação das normas garantísticas à atividade desenvolvida em juízo. O momento

em que várias delas assumem especial relevo é o da investigação policial,

mormente no que concerne a medidas de coerção sobre pessoas ou coisas.3

O dever de investigar com ética impõe que os agentes estaduais, na busca da

elucidação de crimes, não desrespeitem a dignidade humana, nem atropelem os

mais básicos direitos dos indivíduos.4

Por isso mesmo é que se sustenta que a investigação formalizada pela Polícia Judiciária

atende a uma função de salvaguarda da sociedade, manifestando-se como um freio aos excessos da

perseguição policial.5

Em tempos de uma sociedade cada vez mais acuada pela criminalidade, não é simples a

tarefa de manter íntegro o respeito à tábua constitucional de valores, sendo tentador cometer

transgressões das mais diversas a pretexto de proteger a sociedade.

Em suma: o discurso contra a impunidade não pode justificar a mitigação irresponsável

de direitos fundamentais. A perseguição do crime pode e deve ser feita com espeque nos

instrumentos legais à disposição do Estado-investigação, sem necessidade de ultrapassar os limites

de atuação dos órgãos estatais.

A investigação criminal desenfreada, realizada de maneira informal e açodada,

ridicularizando a Constituição Federal, consiste numa das formas mais evidentes de violação de

direitos humanos. Apurar infrações penais por meio da transgressão das regras constitucionais de

3 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O processo penal norte-americano e sua influência. Revista de Processo, São Paulo,

v. 26, n. 103, jul./set. 2001, p. 96. 4 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2014, p. 169/171.

5 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro; Lumen Juris,

2008, p. 50.

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atribuição afronta a dignidade da pessoa humana, de modo que o cidadão deixa de ser um homem

para vir a ser uma coisa que se possa pôr a prêmio.

A investigação criminal não deve ser um anfiteatro para abusos, rebaixando-se a mero

ato de vingança pública. O exercício da função investigatória demanda doses cavalares de

imparcialidade, serenidade e respeito à dignidade da pessoa humana. Se o próprio Estado passar a

violar os direitos fundamentais, quando na verdade deveria garanti-los, o Estado Democrático de

Direito é colocado em sério risco.

2.4. REPARTIÇÃO ORGÂNICA DE ATRIBUIÇÕES, PRINCÍPIO DA

LEGALIDADE E COMPETÊNCIA DO ATO ADMINISTRATIVO

De início, diga-se que a divisão orgânica de atribuições revela-se não apenas como

pressuposto da organização do Estado, como também verdadeiro direito fundamental do cidadão e

base da organização das democracias ocidentais. Não tem como objetivo resolver disputas de

vaidades, senão preservar as liberdades e combater a concentração de poder, minimizando os riscos

de abuso de poder.

Essa clara divisão nas atribuições dos agentes públicos inibe arbitrariedades, no contexto

de um sistema equivalente ao de freios e contrapesos, uma vez que a pluralidade de órgãos

envolvidos, agindo com interdependência, permite que o poder seja limitado pelo próprio poder.

O constituinte originário, ao concretizar a divisão de atribuições entre seus diversos

órgãos, cada qual com sua importância na persecução penal, pretendeu evitar o regresso ao Estado

de Polícia, no qual o Estado podia tudo em nome da promoção da segurança pública.

De outro lado, sabe-se que, para que os atos administrativos sejam válidos, são

necessários certos pressupostos. Isto é, praticado o ato sem a observância dessas balizas, estará ele

contaminado de vício de legalidade. O primeiro dos requisitos é a competência, entendida como

círculo definido por lei dentro do qual podem os agentes exercer legitimamente sua atividade.

A competência é sempre determinada por lei, não podendo ser alterada por arbítrio do

sujeito, tendo em vista que não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma legal.6

O amparo legal da matéria se encontra nos seguintes dispositivos:

Lei 9.784/99

6 TÁCITO, Caio. O abuso do poder administrativo no Brasil. Rio de Janeiro, DASP, 1959.

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Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a

que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente

admitidos.

Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:

III – as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício

de legalidade, e pode revoga-los por motivo de conveniência ou oportunidade,

respeitados os direitos adquiridos.

Lei 4.717/65

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no

artigo anterior, nos casos de:

a) incompetência;

De outra banda, o princípio da legalidade é a base do Estado de Direito, possuindo

relevância ímpar no âmbito da Administração Pública:

Constituição Federal, Art. 37. A administração pública direta e indireta de

qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência.

Lei 9.784/99, Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos

princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,

moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e

eficiência.

Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei

(Resolução 34/169 da ONU)

Artigo 1º

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem sempre cumprir o dever

que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra

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atos ilegais, em conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua

profissão requer.

Artigo 2º

No cumprimento do dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei

devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos

humanos de todas as pessoas.

Desse modo, em se tratando da prática de atos invasivos e potencialmente restritivos dos

direitos e liberdades individuais, o agente estatal deve necessariamente observar a estrita legalidade,

sendo possível agir apenas nos exatos limites da lei. A legalidade traduz postulado congênito ao

Estado de Direito, sendo justamente aquele princípio que o qualifica e lhe dá identidade própria,

verdadeiro antídoto do poder monocrático ou oligárquico, possuindo como raiz a noção de soberania

popular.7

Por isso é que, nem sequer por unanimidade pode o povo decidir, à margem da devida

investigação levada a efeito pelo órgão competente, que um homem tenha violada sua intimidade ou

liberdade.8

Acerca da importância do respeito às regras de competência, nada melhor que a

abalizada lição da doutrina:

O instituto da competência funda-se na necessidade de divisão do trabalho, ou

seja, na necessidade de distribuir a intensa quantidade de tarefas decorrentes de

cada uma das funções básicas (legislativa, administrativa ou jurisdicional) entre os

vários agentes do Estado. (...) O elemento da competência administrativa anda

lado a lado com o da capacidade no direito privado. Capacidade, como não

desconhecemos, é a idoneidade de atribuir-se a alguém a titularidade de relações

jurídicas. No direito público há um plus em relação ao direito privado: naquele se

exige que, além das condições normais necessárias à capacidade, atue o sujeito da

vontade dentro da esfera que a lei traçou. Como o Estado possui, pessoa jurídica

que é, as condições normais de capacidade, fica a necessidade de averiguar a

condição específica, vale dizer, a competência administrativa de seu agente.9

7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 97.

8 CADEMARTORI, Sergio. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Campinas: Millenium, 2007, p.

208-209. 9 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 106-107.

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Nos Estados de Direito como o nosso, a Administração Pública deve obediência à

lei em todas as suas manifestações. Até mesmo nas chamadas atividades

discricionárias o administrador público fica sujeito às prescrições legais quanto a

competência, finalidade e forma, só se movendo com liberdade na estreita faixa da

conveniência e oportunidade administrativas.

O poder administrativo concedido à autoridade pública tem limites certos e forma

legal de utilização. Não é carta branca para arbítrios, violências, perseguições ou

favoritismos governamentais. Qualquer ato de autoridade, para ser irrepreensível,

deve conformar-se com a lei, com a moral da instituição e com o interesse público.

Sem esses requisitos o ato administrativo expõe-se a nulidade. (...)

O poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da

coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem-estar social

exigir. (...)

Excede, portanto, sua competência legal e, com isso, invalida o ato, porque

ninguém pode agir em nome da Administração fora do que a lei lhe permite. O

excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. É uma forma de abuso de

poder que retira a legitimidade da conduta do administrador público, colocando-o

na ilegalidade e até mesmo no crime de abuso de autoridade.10

Quando se exige que um poder seja legítimo, pergunta-se se aquele que o detém

possui um justo título para detê-lo; quando se invoca a legalidade de um poder,

indaga-se se ele é justamente exercido, isto é, segundo as leis estabelecidas. O

poder legítimo é um poder, cujo título é justo; um poder legal é um poder, cujo

exercício é justo, se legítimo.11

Estabelecidos todos esses conceitos, cabe sublinhar que o Supremo Tribunal Federal

possui posição pacífica, fruto de diversos julgados do Plenário, no sentido de que nenhum outro

agente público está autorizado a exercer função de Autoridade Policial:

A Lei n. 10.704/94, que cria cargos comissionados de Suplentes de Delegados, e a

Lei n. 10.818/94, que apenas altera a denominação desses cargos, designando-os

10

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 96-99. 11

BOBBIO, Norberto. Sur le príncipe de légitimité. in P. Bastid et al, p. 49 apud SILVA, José Afonso da. Curso de

direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 425.

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"Assistentes de Segurança Pública", atribuem as funções de delegado a pessoas

estranhas à carreira de Delegado de Polícia.

Este Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade da designação de estranhos à

carreira para o exercício da função de Delegado de Polícia, em razão de afronta ao

disposto no artigo 144, § 4º, da Constituição do Brasil. Precedentes.12

Em frontal violação ao § 4º do art. 144 da Constituição, a expressão impugnada

faculta a policiais civis e militares o desempenho de atividades que são privativas

dos Delegados de Policia de carreira. De outra parte, o § 5º do art. 144 da Carta da

Republica atribui às polícias militares a tarefa de realizar o policiamento ostensivo

e a preservação da ordem pública. O que não se confunde com as funções de

polícia judiciária e apuração de infrações penais, estas, sim, de competência das

polícias civis.13

Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público

e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e §

4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia.14

O Superior Tribunal de Justiça não destoa:

O administrador deve agir de acordo com o que estiver expresso em lei, devendo

designar cada servidor para exercer as atividades que correspondam àquelas

legalmente previstas. (...) Apesar da alegação (...) referente ao número insuficiente

de servidores (...), não é admissível que o recorrente exerça atribuições de um

cargo tendo sido nomeado para outro, para o qual fora aprovado por meio de

concurso público.15

A doutrina também repele qualquer investida de órgão diverso da Polícia Civil nas

atribuições de apuração de infrações penais e polícia judiciária:

É certo dizer que as atividades investigatórias devem ser exercidas precipuamente

por autoridades policiais, sendo vedada a participação de agentes estranhos à

12

STF, Tribunal Pleno, ADI 2.427, Rel. Min. Eros Grau, DJ 30/08/2006. 13

STF, Tribunal Pleno, ADI 3441, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 09/03/2007. 14

STF, Tribunal Pleno, ADI 1570, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJ 12/02/2004. 15

STJ, RMS 37.248, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 27/08/2013.

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autoridade policial, sob pena de violação do art. 144, §1º, IV da CF/1988, da Lei nº

9.833/1999, e dos arts. 4º e 157 e parágrafos do CPP.16

Observe-se que a Constituição incumbe às polidas civis as funções de polícia de

atividade judiciária para apuração de infrações penais, dizendo que quem irá

dirigir esta atividade são os delegados de polícia de carreira.17

A Polícia Militar é instituição reconhecida pela Constituição da República e,

embora possamos ter divergências quanto à militarização do cotidiano, merece o

respeito por suas funções, dentro dos limites legais. No Estado Democrático de

Direito o exercício do poder estatal está limitado pela lei. Quando transborda é

ilegal. (...) É de se concluir, que a Polícia Militar, por força do art. 144 da

Constituição da República, possui a função tão somente de realização de

policiamento ostensivo e, como qualquer outro cidadão, prender em flagrante

delito. A Polícia Judiciária é da Civil, frise-se. Logo, ao se realizar a apreensão de

um cidadão, esse deve ser levado à presença da Autoridade Policial, a qual não se

confunde com Sargento ou Tenente da Polícia Militar. (...) Evidentemente, não

estamos aqui satanizando a Polícia Militar, apenas indicando seu lugar. (...) É

preciso abandonar a crença infundada na bondade do poder punitivo. A contenção

do poder punitivo é uma exigência irrenunciável para a concretização do Estado

Democrático de Direito. Cuida-se de colocar cada personagem do sistema penal

em seu lugar respectivo.18

Especialmente nas hipóteses que representarem restrições ao exercício do jus

puniendi, a atuação dos órgãos oficiais dentro dos limites estatuídos pela

Constituição da República é pressuposto de convalidação da ordem democrática.

(...) O artigo 144 não configura simples aconselhamento ou opinião, cuja

observância esteja adstrita à vontade pessoal dos agentes, mas em sentido oposto,

no que diz respeito a regras constitucionais, eventuais lapsos, descuidos ou

negligências no adimplemento de atos oficiais do Estado, por mais singelos ou

16

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 76. 17

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 173-174 18

ROSA, Alexandre Morais da; KHALED JUNIOR, Salah H.. Polícia Militar não pode lavrar Termo Circunstanciado:

cada um no seu quadrado. Justificando.com. 07/01/2014.

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insignificantes que possam transparecer, introduzem um nocivo precedente apto a

deflagrar a subversão da ordem e a corrosão do modelo político-jurídico do

Estado. (...) A atuação dos órgãos estatais, necessariamente, deve ser pautada pelo

princípio da legalidade, seguindo com rigor a definição prévia de atribuições e

limites previstos para cada função. (...) Evidente, portanto, que os agentes

públicos, uma vez que submetidos ao regime jurídico da administração pública,

têm suas atribuições estritamente vinculadas à lei, devendo agir nos exatos limites

estabelecidos por esta. (...) A estrita submissão à lei é fundamental para que o jus

puniendi estatal possa se realizar com o necessário respeito aos direitos e garantias

constitucionalmente previstos.19

A Carta Republicana relaciona, no art. 144, os órgãos que exercem a segurança

pública, quais sejam a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia

Ferroviária Federal, as polícias civis, militares e os corpos de bombeiros militares.

Há uma sensível divisão entre as polícias civis e militares, aquelas com atribuição

de investigação criminal e estas, preponderantemente, com funções ostensivas de

segurança. A atividade investigativa prévia (salvante a apuração de infrações

penais militares que, pela Constituição, encontra-se nas atribuições da própria

Polícia Militar) é legada às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de

carreira.20

Quando a Constituição indica as atribuições das polícias civis, "dirigidas por

Delegados de Polícia de Carreira", declara que a elas incumbe as funções de

polícia judiciária, salvo em duas exceções: a) infrações cuja apuração seja da

competência da União (ilícitos federais); b) infrações militares. Ora! Se

constitucionalmente existe esta última vedação, como admitir que um policial

militar (cabo, sargento, capitão ou detentor de outra hierarquia) possa "conhecer" e

"diligenciar" a respeito de infração de direito penal comum? Se à Polícia Civil não

19

FREITAS, Jéssica Oníria Ferreira de; PINTO, Felipe Martins. Da ilegitimidade dos atos probatórios desenvolvidos

pela Polícia Militar: uma análise sob a ótica do princípio da legalidade. Revista Duc In Altum - Caderno de Direito. v. 4.

n. 6. jul-dez. 2012. 20

CAVALCANTI, Danielle Souza de Andrade e Silva. A investigação preliminar nos delitos de competência originária

de tribunais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 88.

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é deferida atribuição de apurar as infrações penais de natureza militar, a recíproca

é também verdadeira.21

A apuração das infrações penais é atribuída constitucionalmente à polícia civil.

(...) O papel da polícia militar, de relevância inconteste para a segurança social,

não se confunde com a atuação da polícia civil, nem é direcionado a esse

objetivo.22

Em muitos casso, essa transferência implícita e descontrolada de atribuições à

Polícia Militar é fomentada por um Poder Executivo inerte, que renuncia a

estruturação e a qualificação dos profissionais da Polícia Civil. No entanto, mesmo

nesses casos, a possibilidade de a Polícia Militar investigar crimes de pessoas civis

não só se mostra flagrantemente inconstitucional, como também dificulta o

trabalho da Polícia Civil por existir uma concorrência de informações decorrentes

da investigação sem um diálogo entre as instituições. (...) Do mesmo modo que a

Polícia Civil não possui atribuição para investigar crimes militares, a Polícia

Militar, pelo mesmo fundamento, não possui atribuição para investigar crimes

civis.23

Duas espécies bem precisas: polícia administrativa e polícia judiciária. A primeira,

igualmente denominada polícia preventiva, possui como escopo impedir as

transgressões às normas jurídicas e manter a ordem pública, mediante intervenção

imediata nas relações, com a finalidade de evitar ou sustar a ocorrência de ilícitos.

A segunda, impropriamente conhecida como polícia judiciária, ocupa-se em

investigar os crimes que escaparam do patrulhamento preventivo e interventivo da

polícia administrativa. (...) Veja-se que a Constituição de 1988, no capítulo que

trata da segurança pública, teve o cuidado de extremar as duas faces daquela

função: aquela que é prévia e mesmo exercida para sustar a ação delituosa de um

lado e, de outro, a investigativa ou de apuração dos ilícitos praticados. Na

21

DOTTI, René Ariel. A autoridade policial na Lei 9099/95. Boletim IBCCRIM. n. 41. maio/1996. 22

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.

174. 23

SANTOS, Cleopas Isaías; ZANOTTI, Bruno Taufner. Delegado de polícia em ação. Salvador: Juspodivm, 2013, p.

34-35.

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qualidade de órgão policial, cuja ocupação se concentra na apuração das infrações,

ou melhor, de polícia judiciária, o constituinte elegeu a polícia federal e as civis.

Para o exercício da função de polícia administrativa, ou seja, para encetar as ações

preventivas e repressivas quanto à prática dos crimes, o constituinte concebeu de

ordinário a polícia militar e, para casos específicos, as polícias rodoviária e

ferroviária federais, além dos corpos de bombeiros e mesmo das guardas

municipais.24

Enquanto a Polícia de Segurança visa a impedir a turbação da ordem pública,

adotando medidas preventivas, de verdadeira profilaxia do crime, a Policia Civil

intervém quando os fatos que a Polícia de Segurança pretendia prevenir não

puderam ser evitados. . ou, então, aqueles fatos que a Polícia de Segurança nem

sequer imaginava poderem acontecer... (...) A Polícia Civil (...) desenvolve a

primeira etapa, o primeiro momento da atividade repressiva do Estado, ou, como

diz Vélez Mariconde, ela desempenha uma fase primária da administração da

Justiça Penal. A função precípua da Polícia Civil consiste em apurar as infrações

penais e a sua autoria.25

A apuração de crime comum presidida apenas pela Autoridade Policial, pré-definida

segundo regras de circunscrição (princípio do delegado natural), é mais do que uma prerrogativa do

Delegado de Polícia. Revela-se verdadeiro direito fundamental do cidadão, garantia decorrente da

dignidade da pessoa humana no sentido de que ninguém será investigado arbitrariamente, da mesma

maneira como ninguém pode ser acusado ou julgado com desrespeito às normas vigentes.

Somente pelo respeito à divisão constitucional de atribuições o indivíduo terá a certeza

de que o Estado não realizará investigações criminais a qualquer custo, por meio de agentes públicos

sem legitimidade para a função. Já ensinava a doutrina jurídica clássica que:

A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é o direito

impotente; completam-se mutuamente: e, na realidade, o direito só reina quando a

força dispendida pela justiça para empunhar a espada corresponde à habilidade que

emprega em manejar a balança.26

24

SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 310-311. 25

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 237-238. 26

IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 2.

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No sistema jurídico, e na persecução penal em especial, os fins não pode justificar os

meios, e a pessoa investigada não pode ser colocada na condição de objeto. É preciso combater a

chamada ideologia do repressivismo saneador, sistema de ideias que justifica a repressão custe o que

custar:

O utilitarismo está relacionado à ideia do combate à criminalidade a qualquer

custo, a um processo penal mais célere e eficiente, no sentido de diminuir as

garantias processuais do cidadão em nome do interesse estatal de mais

rapidamente apurar e apenas condutas. (...) Sacrificam-se direitos fundamentais em

nome da incompetência estatal em resolver os problemas que realmente geram a

violência.27

Quando um responsável pela aplicação da lei viola a lei, o resultado é, não apenas

um atentado à dignidade humana e à própria lei, mas também um erguer de

barreiras à eficaz atuação da polícia. (...) Pelo contrário, o respeito dos direitos

humanos por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei reforça de

fato a eficácia da atuação dessas autoridades.28

Permitir esse tipo de atuação estatal corresponde a facultar que o processo penal,

ao invés de limitar o exercício do poder de punir os crimes, seja utilizado como

forma de aparelhar o Estado de mecanismo eficiente a permitir a mais ampla

utilização de sua força, em detrimento mesmo de direitos consagrados ao longo

dos tempos.29

E não se diga que o desrespeito à repartição de atribuições configura violação mínima ou

imperceptível do ordenamento jurídico. Nos detalhes é que percebemos o estágio de

desenvolvimento da persecução penal de um país, conforme lição tradicional extraída da doutrina:

Os homens sabem erguer diques bastante fortes contra a tirania declarada; mas

com frequência não enxergam o inseto imperceptível que mina sua obra e que

27

LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.

XXVI e 23. 28

Direitos humanos e aplicação da lei: Manual de Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais. Alto

Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. p. V. 29

SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 273

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abre, finalmente à torrente impetuosa, uma estrada tanto mais certa quanto mais

escondida.30

Nunca se pode esquecer que, na persecução penal, forma significa garantia31

. A

observância do rito representa verdadeira condição necessária da confiança dos cidadãos na

Justiça.32

O direito à segurança pública da sociedade não pode ser uma senha para toda sorte de

abusos e arbitrariedades praticadas pelo Estado. A Polícia Militar não tem legitimidade para se

tornar órgão persecutório do Estado, por melhor que sejam as intenções. Aliás, historicamente nas

ditaduras o que mais se viu foram bons desígnios. A Constituição Federal não deve ser violada,

ainda que com o melhor dos propósitos.

Daí o alerta feito por dois dos maiores penalistas que a humanidade já conheceu:

A segurança e a liberdade de cada um são, com efeito, ameaçadas não apenas

pelos delitos, mas também, e frequentemente, em medida ainda maior, (...) pelos

controles arbitrários e invasivos de polícia, vale dizer, por aquele conjunto de

intervenções que se denomina "justiça penal", e que talvez, na história da

humanidade, tenha custado mais dores e injustiças do que todos os delitos

cometidos.33

Cuida-se de nítida aplicação do chamado sistema penal subterrâneo, no qual as

agências executivas exercem poder punitivo à margem de qualquer legalidade, o

que produz um verdadeiro paradoxo: o poder punitivo se comporta excitando

atuações ilícitas.34

Noutro giro, não pode o legislador ordinário conferir novas atribuições a quaisquer das

Polícias, e muito menos os próprios órgãos policiais pretenderem ampliar seu leque de funções

sponte sua. Apenas o legislador constituinte, incluindo-se obviamente o constituinte derivado, pode

alterar essa divisão de poderes e responsabilidades.

30

BECCARIA, Beccaria. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 75. 31

HASSEMER, Winfried. Critica al derecho penal de hoy. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 82. 32

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: RT, 2002, p. 496. 33

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: RT, 2002, p. 277. 34

ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal Brasileiro.

Rio de Janeiro: Revan, 2003. p.52.

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As competências e atribuições que resultam diretamente do texto constitucional

tampouco podem ser ampliadas por interpretação extensiva da Constituição, que almeje encontrar

funções implícitas num rol taxativo de funções. Trata-se do entendimento do Supremo Tribunal

Federal:

A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como

um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente,

constitucional - e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida — não

comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites

fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo.35

A matéria não admite discussão mínima, por se cuidar de regra de competência

constitucional expressa, que não possibilita interpretação extensiva.36

Ademais, a investigação criminal consiste, por natureza, em atividade de restrição de

direitos fundamentais, o que exige que a interpretação das normas nessa seara seja feita

restritivamente. Segundo a própria Corte Constitucional, ―não há como admitir-se interpretação

extensiva, por tal implicar restrição a direito fundamental‖.37

O respeito às regras do jogo não é sinônimo de impunidade. O fato de órgão distinto da

Polícia Judiciária não deter atribuição investigativa quanto a crimes comuns não significa que,

quando receber a delatio criminis, a investigação estará fadada ao insucesso. Basta o

encaminhamento formal da informação à Polícia Civil ou à Polícia Federal.

Tampouco retira de forma alguma a importância do outro órgão policial, engajado na

árdua e subvalorizada função de policiamento, mas apenas reforça a necessidade de serem

respeitados os limites constitucionais, convencionais e legais das intervenções estatais nos direitos

dos indivíduos.

2.5. CONCEITO DE AUTORIDADE POLICIAL

A Lei 12.830/13, que trata do gênero investigação criminal (materializado em quaisquer

de seus procedimentos), foi além e deixou bem claro que o Delegado de Polícia é quem possui a

qualidade de autoridade policial:

35

STF, Plenário, AR na Pet 1.738, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 01/10/1999. 36

STF, ACO 1856, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJe 10/02/2014 37

STF, MS 22.934, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJE 09/05/2012.

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Lei 12.830/13, Art. 2º. § 1º. Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade

policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial

ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das

circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

Nesse passo, sempre que a lei cita a Autoridade Policial, obviamente se refere ao

Delegado de Polícia, referência encontrada no CPP (arts. 6º, 282, §2º e 304) e em toda a legislação

especial, como por exemplo a Lei 9.099/95 (art. 69), o ECA (art. 172), a Lei 9.296/96 (art. 3º, I), a

Lei 9.613/98 (art. 17-B), e a Lei 11.340/06 (art. 12).

O próprio Legislativo da União, na Exposição de Motivos da Lei 9.099/95, oriunda do

Projeto de Lei 1.480/89, explicitou que o documento legislativo possui filosofia que:

Se insere no filão que busca dar efetividade à norma penal, ao mesmo tempo em

que privilegia os interesses da vítima, sem descurar jamais das garantias do devido

processo legal. (Exposição de Motivos da Lei 9.099/95, Deputado Federal Michel

Temer, 16/02/89).

O Congresso Nacional chegou a discutir eventual necessidade de se mencionar

expressamente na Lei dos Juizados Especiais que Autoridade Policial é o Delegado de Polícia,

apesar da obviedade dessa constatação. Na ocasião, manifestou-se o Parlamento da seguinte forma,

como era de se esperar:

A Constituição Federal define, no §4º de seu art. 144, que as funções de polícia

judiciária são privativas da Polícia Civil, dirigida por delegado de polícia, únicos

funcionários, portanto, competentes para estabelecer ligações com outros órgãos

ou com o Poder Judiciário em assuntos daquela natureza. Desta forma,

entendemos não haver qualquer necessidade de que a lei defina, para o caso da Lei

9.099, a autoridade policial envolvida. (Parecer no Projeto de Lei do Senado

316/95, elaborado pelo congressista e constitucionalista Michel Temer).

Tanto que o legislador, ao editar a posterior Lei 11.343/06, cujo crime elencado no art.

28 é de menor potencial ofensivo e se sujeita à disciplina da Lei 9.099/95, utilizou a expressão

―autoridade de polícia judiciária‖, novamente demonstrando que tal autoridade inequivocamente é o

Delegado de Polícia.

A doutrina, como não poderia deixar de ser, confirma essa conclusão:

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―Autoridade policial‖ é apenas o delegado de polícia. Sendo assim, qualquer ato

normativo que fizer menção à figura da ―autoridade policial‖ estará referindo-se ao

delegado de polícia.38

A legislação processual comum, em seu conjunto, refere-se somente a duas

autoridades: a autoridade policial, que é o delegado de polícia, e a autoridade

judiciária, que é o magistrado.39

A autoridade policial é o delegado de polícia, responsável pelos fins teleológico-

jurídicos da apuração, qualquer que seja a forma de sua materialização no âmbito

da polícia judiciária, quer seja ela levada a efeito por meio de inquérito policial,

quer por outro instrumento legalmente previsto.40

2.6. CARREIRA JURÍDICA DO DELEGADO DE POLÍCIA

Além de se constituir agente público especial, o Delegado de Polícia integra carreira

jurídica. Essa conclusão decorre não apenas da análise das atribuições constitucionais e legais da

Autoridade Policial, mas da própria análise histórica do cargo.

O cargo de Delegado de Polícia foi criado pela Lei Imperial 261 de 1841, e

regulamentado pelo Decreto 120 de 1842 (que alterou dispositivos do Código de Processo Criminal

de 1832). A Autoridade era nomeada pelo Imperador na capital, e nas províncias era nomeada por

seus Presidentes:

À polícia judiciária de então, quase sempre exercida por magistrados togados,

competia mais que a apuração das infrações penais (função criminal), cabendo -

lhe também o processo e o julgamento dos chamados ―crimes de polícia‖ (função

correcional) [...] Falhou a reforma, destarte, precisamente por não realizar a

separação, já há tempo veementemente reclamada, entre as funções judiciais e

policiais (executivas), que continuaram em mãos únicas [...] Quase três decênios

38

SANNINI NETO, Francisco. Inquérito policial e prisões provisórias. São Paulo: Ideias & Letras, 2014, p. 46. 39

NUCCI, Guilherme de Souza. Juizados Especiais Criminais Federais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 57. 40

DEZAN, Sandro Lúcio. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.

Curitiba: Juruá, 2013, p. 82.

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de protestos e inúmeros projetos legislativos foram necessários para reverter os

excessos perpetrados por meio das mudanças em comento.41

Dada essa inegável importância, afirma a doutrina:

A função de polícia judiciária, muito embora não figure expressamente no capítulo

das funções essenciais à Justiça (arts. 127 a 135, CRF/1988), implicitamente trata-

se de função essencial à justiça em razão de fortalecer o sistema acusatório na

medida em que o juiz está despido da função de investigar o que está entregue a

órgão próprio para tanto.42

O Plenário da Corte Constitucional confirmou a natureza jurídica do cargo de Delegado

de Polícia, constituindo-se em agente político:

De se ver que, desde o primitivo §4º do art. 144 da Constituição Federal, o cargo

de Delegado de Polícia vem sendo equiparado àqueles integrantes das chamadas

―carreiras jurídicas‖, a significar maior rigor na seletividade técnico-profissional

dos pretendentes ao desempenho das respectivas funções. E essa exigência

constitucional tem a sua explicação no fato de que incumbe aos delegados de

polícia exercer funções de polícia judiciária, além de presidir as investigações para

a apuração de infrações penais, o que requer amplo domínio do ordenamento

jurídico do país.

Em palavras outras, para cumprir o seu mister constitucional de apurar as infrações

criminais, o Delegado de Polícia de carreira tem de presidir o inquérito policial,

modalidade de investigação que tem seu regime jurídico traçado a partir da própria

Constituição Federal, mecanismo que é das atividades genuinamente estatais de

―segurança pública‖. Segurança que, voltada para a preservação dos superiores

bens jurídicos da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, é

constitutiva do explícito ―dever do Estado, direito e responsabilidade de todos‖

(art. 144, cabeça, da CF).43

41

ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático de Direito. São Paulo, Brazilian Books.

2005, p. 60- 61. 42

NICOLITT, André, Manuel de processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 73. 43

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O cargo de Delegado de Polícia é exercido por cidadão com curso superior de

direito, após aprovação em concurso público. Exerce atividades em que lhe são

exigidos conhecimentos técnicos específicos.44

Se a atividade policial diz respeito ao cargo de delegado, ela se define como de

caráter jurídico.45

A natureza jurídica da atividade de Delegado de Polícia possui previsão constitucional e

legal:

Constituição do Estado do Paraná, art. 46, § 4º. O cargo de Delegado de Polícia

integra, para todos os fins, as carreiras jurídicas do Estado.

Lei 12.830/13, art. 2º, caput: As funções de polícia judiciária e a apuração de

infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica,

essenciais e exclusivas de Estado.

A legislação que trata da Polícia Federal não destoa:

Lei 9.266/96, art. 2o-A. (...) Parágrafo único. Os ocupantes do cargo de Delegado

de Polícia Federal, autoridades policiais no âmbito da polícia judiciária da União,

são responsáveis pela direção das atividades do órgão e exercem função de

natureza jurídica e policial, essencial e exclusiva de Estado.

No mesmo sentido diversas constituições estaduais, que também fazem questão de

reafirmar a importância do cargo, integrante de carreira jurídica detentora de independência

funcional: CEES, art. 128; CEAM, art. 115; CETO, art. 116; CESC, art. 106; CESP, art. 140; CEAP,

art. 44; CERJ, art. 188; CEMG, art. 140; CECE, art. 184; CEMA, art. 115; CEGO, art. 123; CEPA,

art. 197.

44

STF, Tribunal Pleno, ADI 2427, Rel. Min. Eros Grau, DJ 30/08/2006. 45

STF, Tribunal Pleno, ADI 3460, Rel. Min. Ayres Brito, DJ 31/08/06.

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2.7. POLÍCIA MILITAR COMO CARREIRA NÃO JURÍDICA

Disse o Supremo Tribunal Federal que as atividades policiais podem ser consideradas

como carreira jurídica, porém não todas elas, especificando que o único cargo policial que é

considerado jurídico é o de Delegado de Polícia:

Se a atividade policial diz respeito ao cargo de delegado, ela se define como de

caráter jurídico. (...) Desde o primitivo §4º do art. 144 da Constituição que o cargo

de delegado de polícia é tido como equiparável àqueles integrantes das chamadas

―carreiras jurídicas‖.46

Nessa toada, a Corte Superior já afirmou, com clareza solar, que, mesmo nos Estados em

que os oficiais da Polícia Militar tenham formação de grau superior, não podem exercer funções de

Delegado de Polícia. As funções desempenhadas pelos milicianos não são sequer parecidas com

aquelas típicas de uma carreira jurídica:

Não é possível reconhecer à carreira dos Oficiais de Polícia Militar atribuições

sequer assemelhadas às da carreira jurídica.47

Na mesma linha entende o Superior Tribunal de Justiça:

A atividade de oficial da polícia militar não é privativa de bacharel em direito e,

por isso, à luz da jurisprudência do STF, não caracteriza atividade relacionada a

carreiras jurídicas. Precedentes: MS 27606, Relator Min. Ellen Gracie, Tribunal

Pleno, julgado em 12/08/2009; MS 27609, Relator Min. Cármen Lúcia, Tribunal

Pleno, julgado em 19/02/2009; ADI 3460, Relator Min. Carlos Britto, Tribunal

Pleno, julgado em 31/08/2006.48

Pretender enxergar juridicidade em carreira puramente administrativa representa odiosa

tentativa de militarizar a investigação criminal, absurdo rechaçado pelos Tribunais Superiores e pela

doutrina a fim de não permitir a reaproximação com o triste período da ditadura militar.

46

STF, Tribunal Pleno, ADI 3460, Rel. Min. Ayres Brito, DJ 31/08/06. 47

STF, RE 401243, Rel. Min. Marco Aurelio, DP 18/10/2010. 48

STF, RMS 26.546, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ 09/03/2010.

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2.8. POLICIAL MILITAR ENQUANTO AGENTE DA AUTORIDADE

POLICIAL

Resta fora de dúvidas que todo miliciano, do mais raso soldado ao mais antigo coronel, é

considerado um agente da Autoridade Policial. Nesse ponto, elucidativas as considerações lançadas

pelo Poder Judiciário de São Paulo:

Na estrutura da Secretaria de Segurança Pública, as autoridades administrativas

hierarquizadas são o Governador do Estado, seu Secretário da Segurança Pública e

o Delegado de Polícia Judiciária. Todos os demais integrantes dessa complexa

estrutura são ―agentes da autoridade policial‖ que os doutos chamam de ―longa

manus‖, em substituição ao particípio presente do verbo agir para tal fim

substantivado.

Assim, são agentes da autoridade policial judiciária, que é o Delegado de Polícia,

toda a Polícia Militar, desde seu Comandante Geral até o mais novo praça e todo o

segmento da organização Polícia Civil, bem assim o I.M.L., I.P.T etc… e nenhuma

dessas categorias podendo influenciar os atos da autoridade policial, enquanto

―atos de polícia judiciária‖ sujeitos a avaliação jurídico-subjetiva.49

A doutrina caminha no mesmo sentido:

Autoridade policial: na realidade, é apenas o delegado de polícia, estadual ou

federal. Policiais civis ou militares constituem agentes da autoridade policial.50

Nem todo funcionário de polícia é autoridade, mas somente aquele que está

investido do poder de mando, que exerce coerção sobre pessoas e coisas, que

dispõe do poder de polícia, isto é, que pode discricionariamente restringir certos

bens jurídicos alheios (ex.: ordenar prisões, buscas, apreensões, arbitrar fianças,

"intimar" testemunhas, mandar identificar indiciados, etc, tudo nos casos previstos

em lei). Há funcionários que são sempre autoridade, isto é, cuja função precípua é

a de exercer o poder de polícia (ex.: os delegados).51

49

Processo 253/2002, Comarca de Rio Claro/SP, Juiz de Direito Julio Osmany Barbin, DP 14/01/2003. 50

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010,

p. 827. 51

TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 406.

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A autoridade policial, o delegado de policia, dispõe de agentes da autoridade para

a consecução do interesse público. (...) Estes exercem funções dignas e

importantes para a investigação criminal, assim como todo ocupante de arte ou

ofício tem sua importância no seio da sociedade, entretanto, estes agentes não têm

autoridade para praticar atos por iniciativa própria, mas agem (agentes) a mando

da autoridade. São agentes da autoridade, v.g., o agente de polícia, o escrivão

policial, os servidores policiais em geral, o perito, os integrantes da força

pública.52

A própria legislação processual penal esclarece essa questão quando utiliza (art. 301 do

CPP) o termo agente da autoridade pra se referir a outros policiais que, por não serem autoridades,

atuam sob o comando e supervisão do Delegado de Polícia.53

Exatamente por isso é que, quando um policial fardado captura algum suspeito em

possível flagrante delito, deve conduzi-lo à presença da Autoridade Policial, para que a análise da

flagrância e dos requisitos do crime seja feita pelo Delegado de Polícia, que decidirá pela prisão ou

não. Logo, tecnicamente o miliciano não prende ninguém, mas apenas captura, já que a prisão

consiste em poder conferido apenas ao Delegado e ao Juiz.

Não há dúvidas que o ordenamento jurídico concedeu a palavra final ao Delegado de

Polícia, e não ao miliciano, quanto às questões jurídicas que se desenrolam na fase policial e que não

estão sobre o manto da cláusula de reserva de jurisdição. Essa evidente constatação não desmerece

de forma alguma a importante função desempenhada pelos componentes da Polícia Administrativa.

2.9. NECESSIDADE DE DESMILITARIZAÇÃO DA POLÍCIA CASTRENSE

O Brasil se livrou apenas recentemente, se considerada a escala temporal histórica, das

arbitrariedades levadas a efeito pela Ditadura Militar. Como é público e notório, naquela obscura

época, civis eram investigados, conduzidos coercitivamente a destacamentos militares e submetidos

a toda sorte de medidas cautelares, até mesmo a prisão, dando ensejo a abomináveis práticas

policiais que reduziam a nada os direitos fundamentais do cidadão, ferindo de morte a dignidade da

pessoa humana.

52

SANTOS, Célio Jacinto dos. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.

Curitiba: Juruá, 2013, p. 64. 53

PERAZZONI, Franco. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.

Curitiba: Juruá, 2013, p. 244.

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Admitir, em pleno século XXI, a investigação de crimes comuns pela Polícia Militar,

configura verdadeira repristinação do Ato Institucional 5/68 e do Decreto-Lei 898/69, que

possibilitavam a condução, prisão e investigação de civis por militares.

Irretocável é a doutrina escrita por ninguém menos do que um tenente-coronel da Polícia

Militar, que por vivenciar a realidade castrense conseguiu fornecer, em sua dissertação de mestrado,

uma visão bastante fidedigna do militarismo:

Se veem em constante guerra com os denominados agressores da sociedade. Cada

dia de serviço é um dia de batalha. Diante desse quadro, eles avocam para si

poderes que outras pessoas não possuem. A partir de um dado momento, movidos

pelo sentimento de revolta com a situação deparada, eles personificam todos os

órgãos do Estado responsáveis pela aplicação da Justiça. Como heróis anônimos

buscam fazer justiça com suas próprias mãos de acordo com critérios por eles

estabelecidos. 54

O prestigiado Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, por meio de editorial, também

se manifestou da seguinte forma:

É da história do processo penal brasileiro que, ao tempo imperial, objetivando dar

cobro às devassas policiais aleatórias e incontroladas, é que se criou a Polícia

Judiciária, sendo os primeiros delegados de Polícia recrutados dentre os membros

mais diligentes da Magistratura. (...)

O grande equívoco tem sido tratar a disciplina legal de atribuições investigatórias

como meras desavenças corporativas. A muitos parece que a pretensão militar à

investigação criminal, hoje legalmente com sua congênere civil, seja relegada ao

palco das disputas institucionais policiais, e não que seja tratada com a seriedade

científico-legislativa como desejável, e é desejável. (...)

Os fundamentos operativos da Polícia Judiciária não são aqueles da férrea

hierarquia verticalizada, mas, sim, da estrita obediência à legalidade, pois deve

esse órgão curvar-se não aos interesses contingentes do transitório poder político

local, mas, sim, aos ditames jurídicos do devido processo legal de inspiração e

demarcação constitucionais. Seu centro não é a caserna, mas, sim, a praça pública

com a transparência que ela invoca. (...)

54

SOUZA, Adilson Paes de. A educação em direitos humanos na Polícia Militar. 2012. 156 f. Dissertação (Mestrado em

Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

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Já é passada a hora de o Estado restituir à sociedade a polícia que a última ditadura

lhe subtraiu. Caso contrário, a presidência da Polícia Judiciária, outrora

envergando a toga, estará prestes a apresentar-se de farda à sociedade, a dano da

boa administração da justiça criminal que há tempos se aguarda.55

Por essas e outras, juristas e estudiosos de outras ciências sociais já há algum tempo vêm

alertando acerca da necessidade de desmilitarização da polícia:

O militarismo se justifica pelas circunstâncias extremas de uma guerra, quando a

disciplina e a hierarquia militares são essenciais para manter a coesão da tropa. O

foco do treinamento militar é centrado na obediência e na submissão, pois só com

estas se convence um ser humano a enfrentar um exército inimigo, mesmo em

circunstâncias adversas, sem abandonar o campo de batalha. Os recrutas são

submetidos a constrangimentos e humilhações que acabam por destituí-los de seus

próprios direitos fundamentais. E se o treinamento militar é capaz de convencer

um soldado a se deixar tratar como um objeto na mão de seu comandante, é natural

também que esse soldado trate seus inimigos como objetos cujas vidas podem ser

sacrificadas impunemente em nome da sua bandeira.

A sociedade reclama do tratamento brutal da polícia, mas insiste em dar

treinamento militar aos policiais, reforçando neles, a todo momento, os valores de

disciplina e hierarquia, quando deveria ensiná-los a importância do respeito ao

Direito e à cidadania. (...) Se queremos uma polícia que trate suspeitos e

criminosos como cidadãos, é preciso que o policial também seja treinado e tratado

como civil (que, ao pé da letra, significa justamente ser cidadão).56

A segurança pública, para se harmonizar com o Estado democrático de direito,

deve ser concebida como serviço público, a ser prestado ao cidadão. Não pode ser

entendida como estratégia de guerra, destinada ao ―combate‖ a ―inimigos‖; e é

para isso que as Forças Armadas são preparadas. (...) Muitos sustentam a

conveniência de se extinguir a Polícia Militar sob o argumento de que se trata de

instituição incompatível com a concepção democrática de segurança pública. A

militarização da polícia levaria à conformação de um modelo bélico de política de

55

Editorial do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 199, jun. 2009. 56

VIANNA, Túlio. Desmilitarizar e unificar a polícia. Revista Fórum. 09/01/2013.

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segurança. O argumento, formulado em abstrato, é procedente. Em um estado

democrático de direito, o melhor é ter organizações policiais de caráter civil.57

Adota uma posição antagônica com a população. Busca não adquirir o respeito,

mas sim impor o medo. (...) Infelizmente não ocorreu, com o fim de regime

militar, idêntico fim da doutrina que lhe embasou. (...) Eles estão numa guerra e,

nesse contexto, instala-se a lógica da eliminação do inimigo no campo de batalha.

Confundem justiça com vingança e esse sentimento norteia suas ações. (...) Eles

mesmos assumiram, num só corpo, o papel de juiz, promotor, delegado e

advogado. (...) Há de um lado, amplo espectro normativo, nacional e internacional,

de proteção dos direitos humanos e de outro lado a sistemática violação desses

mesmos direitos, praticada, muitas vezes, por policiais militares. Justamente eles

que receberam o múnus público de proteger a sociedade.58

As políticas de segurança ―pública‖, que mantêm os mesmos moldes de ação

repressiva da ditadura militar contra certos segmentos, têm obtido apoio de outro

considerável segmento da sociedade (...), criando condições para a criação de

territórios de exceção nos quais seus habitantes aumentam cada vez mais o

contingente de desprovidos de cidadania.59

No outro lado da guerra aparecem os policiais, que deveriam estancar a sangria na

batalha. (...) Julgam e executam sentenças de morte, numa tentativa de limpar o

mundo e ao mesmo tempo aplacar seu ódio pelos marginais. A farda, no caso dos

policiais acaba legitimando a ação. (...) Como soldados no campo de batalha, eles

veem o assassinato quase como um direito adquirido.60

57

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A segurança pública na Constituição Federal de 1988: conceituação

constitucionalmente adequada, competências federativas e órgãos de execução das políticas. Atualidades Jurídicas,

Brasília, n. 1, mar/abr. 2008. 58

SOUZA, Adilson Paes de. A educação em direitos humanos na Polícia Militar. 2012. 156 f. Dissertação (Mestrado em

Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. 59

MOURÃO, Janne Calhau. Só nos resta a escolha de Sofia? In: Tortura, Brasília, Secretaria de Direitos Humanos da

Presidência da República, 2010, p. 215-216. 60

MANSO, Bruno Paes. O homem x. Uma reportagem sobre a alma do assassino em São Paulo. Rio de Janeiro: Record,

2005, p. 220-221/249.

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Na mesma linha está o entendimento do Conselho de Direitos Humanos da Organização

das Nações Unidas, que em 2012, ao aprovar parte do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho

sobre o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, sugeriu a abolição do ―sistema separado de

Polícia Militar, aplicando medidas mais eficazes (…) para reduzir a incidência de execuções

extrajudiciais‖.

Em idêntico sentido, recentemente a Comissão Nacional da Verdade propôs a

desmilitarização das polícias militares estaduais:

A atribuição de caráter militar às polícias militares estaduais, bem como sua

vinculação às Forças Armadas, emanou de legislação da ditadura militar, que

restou inalterada na estruturação da atividade de segurança pública fixada na

Constituição brasileira de 1988. (...) Parte delas ainda funcione a partir desses

atributos militares, incompatíveis com o exercício da segurança pública no Estado

democrático de direito, cujo foco deve ser o atendimento ao cidadão. Torna-se

necessário, portanto, promover as mudanças constitucionais e legais que

assegurem a desvinculação das polícias militares estaduais das Forças Armadas e

que acarretem a plena desmilitarização desses corpos policiais.61

Ora, se a sociedade moderna, por meio de organizações internacionais e nacionais de

proteção aos direitos humanos, juristas e estudiosos das ciências sociais, defende que sequer o

policiamento ostensivo deve ser feito por instituição militar, com maior razão não pode prevalecer

um regime castrense de investigação criminal.

2.10. IMPOSSIBILIDADE DE ELABORAÇÃO DE TERMO

CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA PELA POLÍCIA MILITAR

A Lei dos Juizados Especiais instituiu uma nova espécie de procedimento investigatório

da Polícia Judiciária, qual seja, o termo circunstanciado de ocorrência. Como não poderia deixar de

ser, manteve nas mãos da Autoridade Policial a função de conduzir a investigação criminal:

Lei 9.099/95. Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência

lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o

autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais

necessários.

61

Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I. Parte V. Conclusões e recomendações. p. 971

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Art. 92. Aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código Penal e de

Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei.

O termo circunstanciado de ocorrência é mais uma espécie de procedimento policial,

possuindo, portanto, a mesma finalidade do inquérito policial, qual seja, elucidar a verdade. O fato

de não exigir todas as formalidades do inquérito policial em nada afeta sua natureza jurídica.

Vejamos o regramento da Lei 12.830/13:

Art. 2º. § 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a

condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro

procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das

circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

Como se sabe, cabe apenas ao Delegado de Polícia, na condição de verdadeira

Autoridade Policial, presidir a investigação de infrações penais. E o termo circunstanciado de

ocorrência, assim como a verificação preliminar de informações, nada mais é do que outro

procedimento previsto em lei para materializar uma investigação criminal.

Essa conclusão foi registrada pelo próprio legislador, por meio Parecer acerca do Projeto

de Lei 132/12, que após aprovação foi convertido na Lei 12.830/13:

Quando nós falamos em outros procedimentos previstos em lei, em termos de

investigação, nós estamos falando, em primeiro lugar, da chamada verificação

preliminar de informações: quando o delegado recebe uma informação ou uma

denúncia de alguém do povo e, obviamente, antes de iniciar uma investigação,

procede a um processo preliminar de informação para ver que tipo de fundamento

têm aquelas denúncias. Isso é previsto no art. 5º, §3º do Código de Processo Penal.

E o outro procedimento é o termo circunstanciado de ocorrência, que se aplica

para aqueles casos de delitos de menor potencial, e que está previsto na Lei nº

9.099/95. (Parecer 409/2013, Rel. Senador Humberto Costa, DP 29/05/2013).

Destarte, a Lei de Investigação Criminal deixou bem claro que o Delegado de Polícia

conduz a investigação criminal, seja por meio do inquérito policial, seja por qualquer outro

procedimento previsto em lei. E o termo circunstanciado de ocorrência certamente traduz outro

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procedimento policial que materializa investigação criminal, muito embora a apuração de infração

de menor potencial ofensivo seja mais simples. Daí a consideração da doutrina no sentido de que:

O termo circunstanciado de ocorrência consiste em uma investigação simplificada

(...). Objetiva-se, como se infere, coligir elementos que atestem autoria e

materialidade delitiva, ainda que de forma sintetizada.62

O termo circunstanciado busca substituir o inquérito policial, com profundidade

proporcional à escassa gravidade do crime.63

Ao comparar o inquérito policial, o termo circunstanciado de ocorrência é

notadamente uma investigação procedimental simplificada.64

Prevalece o entendimento de que, cuidando-se de procedimento de caráter

investigatório, sua realização só pode ficar a cargo da autoridade de polícia

investigativa (ou polícia judiciária, como prefere a maioria da doutrina).65

A lavratura de um Termo Circunstanciado, tal como a de um Inquérito Policial, é

atividade estritamente de natureza investigatória criminal.66

Termo circunstanciado. Trata-se de procedimento investigativo presidido por

delegado de polícia, criado pela Lei 9.099/95 para apurar infrações de menor

potencial ofensivo (contravenções penais e crimes com pena máxima não superior

a dois anos).67

62

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.

942. 63

FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Legislação penal especial. V. 1. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 480. 64

DEZAN, Sandro Lúcio. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.

Curitiba: Juruá, 2013, p. 88. 65

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 1444 66

MOREIRA, Rômulo de Andrade. A polícia rodoviária federal pode lavrar o termo circunstanciado? JusBrasil. Abr.

2015. 67

SILVA, Márcio Alberto Gomes. Inquérito policial. Campinas: Millennium, 2013, p. 89.

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Página: 32

Com efeito, não convence referir-se ao termo circunstanciado de ocorrência por meio de

eufemismos como ―mero registro de fatos‖ ou ―boletim de ocorrência mais robusto‖. O fato de a

investigação ser simples não desnatura seu caráter investigativo.

Cabe sublinhar que a confecção do termo circunstanciado de ocorrência não consiste em

mera atividade mecânica. Trata-se de atividade eminentemente jurídica e investigativa,

procedimento complexo em que o Delegado de Polícia deve decidir sobre a tipificação formal e

material da infração penal, o concurso de crimes, as qualificadoras e causas e aumento de pena, o

nexo de causalidade, a tentativa, a desistência voluntária, o arrependimento eficaz e o

arrependimento posterior, o crime impossível, as justificantes e as dirimentes, o conflito aparente de

leis penais, a incidência ou não de imunidade, o erro de tipo, a condição objetiva de procedibilidade

da ação penal, a apreensão dos objetos arrecadados, a restituição de objetos apreendidos, a

requisição de perícia, a requisição de documentos e dados cadastrais, a representação por medidas

assecuratórias, a representação por busca e apreensão domiciliar, a reprodução simulada dos fatos,

entre outras atribuições de polícia judiciária e de apuração de infrações penais comuns.

Caso se constate delito envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, lesão

corporal culposa de trânsito em circunstâncias específicas ou concurso de crimes de menor potencial

ofensivo em que se supere o patamar do Juizado Especial Criminal, além de todas as análises já

mencionadas, a Autoridade Policial deve deliberar acerca da existência do estado de flagrância, da

concessão da liberdade provisória mediante fiança, da presença de requisitos da prisão temporária

ou preventiva ou de outras medidas cautelares, do indiciamento, dentre outras medidas restritivas da

liberdade do cidadão.

Demais disso, além do conhecimento jurídico para concretizar tais providências, é

preciso possuir a atribuição outorgada pela Constituição Federal. A afronta à Carta Constitucional

provocaria situações teratológicas, tais como suspeitos sendo interrogados em quartéis ou postos em

rodovias, e advogados tendo que frequentar esses locais para ter acesso aos elementos

investigativos.

De mais a mais, que os princípios da celeridade, da informalidade e economia processual

(art. 62 da Lei 9.099/95) não têm o condão de revogar a Constituição Federal. Não se pode almejar a

simplicidade por meio do desrespeito às normas constitucionais de repartição de atribuições.

De outro lado, dizer que com o TCO não há restrição à liberdade do suspeito traduz

falácia que não se sustenta. Necessário lembrar que o suspeito da prática de infração penal de menor

potencial ofensivo, em que pese estar em situação de flagrância, só não é preso em flagrante por ser

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beneficiado por uma espécie de liberdade provisória sem fiança e sem vinculação, hospedada no art.

69, parágrafo único, da Lei 9.099/95.68

E o ordenamento jurídico brasileiro (confira-se, além das Leis 9.099/95, 11.343/06 e

9.503/97, a disciplina geral dada pelo CPP) só autoriza 2 autoridades a concederem a liberdade

provisória: o Juiz de Direito e o Delegado de Polícia. Eis o ensinamento da doutrina:

Se, todavia, o agente se recusar a comparecer imediatamente ao Juizado ou a

assumir o compromisso de a ele comparecer, deve a autoridade policial proceder à

lavratura do auto de prisão em flagrante, o que também não significa que o agente

permanecerá preso, porquanto é possível que lhe seja concedida liberdade

provisória com fiança pelo próprio delegado de polícia, caso a infração seja punida

com pena máxima não superior a 4 (quatro) anos (CPP, art. 322, com redação

determinada pela Lei n° 12.403/11).69

Dessa maneira, o autor de infração penal de menor potencial ofensivo pode

perfeitamente ser preso, caso não assuma o compromisso de comparecer ao Juizado Especial

Criminal. A real possibilidade da lavratura de auto de prisão em flagrante contra suspeito que não

preencher os requisitos legais impede que o procedimento transcorra em instituição diversa da

Polícia Judiciária. O agente público competente para lavrar o termo circunstanciado é

necessariamente o mesmo para lavrar o auto de prisão em flagrante, qual seja, o Delegado de

Polícia.

E caso se encontre em flagrante, será submetido às 2 primeiras fases da prisão em

flagrante, a saber, captura e condução coercitiva, o que inegavelmente representa restrição à

liberdade. Só não serão efetivadas as fases seguintes, lavratura do auto e recolhimento à prisão70

,

caso o suspeito cumpra a exigência da Lei 9.009/95.

Sem fechar os olhos a todas essas considerações, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal

Federal consolidou entendimento no sentido de que à Polícia Militar não incumbe a apuração de

infrações penais comuns, não podendo, portanto, elaborar termo circunstanciado de ocorrência ou

praticar qualquer outro ato de polícia judiciária:

A questão que me parece complicada é a transferência das funções para pessoas

que não integram o cargo e que têm funções muito específicas. (...) Tenho medo de

68

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.

794. 69

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 216. 70

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 860.

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que o desvio de função, algo inaceitável no sistema administrativo, esteja sendo

legitimado. (Min. Carmen Lúcia).

O problema grave é que, antes da lavratura do termo circunstanciado, o policial

militar tem de fazer um juízo jurídico de avaliação dos fatos que lhe são expostos.

É isso o mais importante do caso, não a atividade material de lavratura. É que,

quanto a esse tal de termo circunstanciado a que se refere o artigo 5º, das duas

uma: ou não é atividade de policia judiciária, ou é atividade de policia judiciária

(Min. Cezar Peluso).

O que se mostra grave, aí, são as consequências jurídicas que decorrem,

exatamente, da elaboração do termo circunstanciado de ocorrência (Min. Celso de

Mello). É exatamente dessa avaliação jurídica. Isso que é grave (Min. Cezar

Peluso).

Há consequências jurídicas severíssimas pelo preenchimento de um termo de

ocorrência por uma pessoa que não tenha nenhuma formação para isso. Quem já

militou na advocacia criminal, nas delegacias de policia, sabe muito bem o que

ocorre com o termo de ocorrência mal formulado, mal redigido, mal identificado,

mal tipificada a circunstancia que causou o termo de ocorrência (Min. Menezes

Direito).

Parece-me que ele está atribuindo a função de polícia judiciária aos policiais

militares de forma absolutamente vedada pelos artigos 144,§§ 4º, e 5º da

Constituição (Min. Ricardo Lewandowski).

Tem-se, no artigo 144 da Constituição Federal, balizas rígidas e existentes há

bastante tempo sobre as atribuições das Polícias Civis e Militares. No caso da

Polícia Militar, está previsto que cabe a ela a polícia ostensiva e a preservação da

ordem, mas não a direção de uma delegacia de polícia (Min. Marco Aurélio).

Creio que as duas polícias, civil e militar, têm atribuições, funções muito

específicas e próprias, perfeitamente delimitadas e que não podem se confundir

(Min. Ellen Gracie).71

Julgado posterior confirmou a posição institucional da Corte Suprema, em decisão cuja

autoridade não pode ser desrespeitada:

71

STF, Tribunal Pleno, ADI 3614, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJ 23/11/2007.

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A atribuição de polícia judiciária compete à Polícia Civil, devendo o Termo

Circunstanciado ser por ela lavrado, sob pena de usurpação de função pela Polícia

Militar.72

A doutrina de peso é farta e não diverge da Corte Suprema:

A apuração das infrações penais é atribuída constitucionalmente à polícia civil, e o

TCO é peça preliminar correspondente no âmbito dos juizados. Ademais, de regra,

ele é o supedâneo para a proposta de transação penal e até mesmo da denúncia, no

procedimento dos juizados especiais, exigindo a colheita de lastro probatório

idôneo, por autoridade legítima, o que não pode ser generalizado. O papel da

polícia militar, de relevância inconteste para a segurança social, não se confunde

com a atuação da polícia civil, nem é direcionado a esse objetivo.73

O princípio da hierarquia das leis em nosso ordenamento jurídico impede que

normas infraconstitucionais – seja de âmbito federal, estadual ou municipal –

disciplinem de forma diversa qualquer matéria constante do bojo da Constituição.

Quando for o caso, ao disciplinarem matérias reguladas pela Constituição, devem

faze-lo nos limites do texto constitucional, sem contrariá-lo, sob pena de revestir-

se da pecha de inconstitucionalidade. Pois é sob essa ótica que se deve analisar a

expressão ―autoridade policial‖ utilizada no art. 69 da Lei 9.099/95. É indiferente

o sentido, alcance ou definição que o legislador ordinário tenha pretendido dar-lhe,

já que não tem competência nem legitimidade para alterar as atribuições da polícia

civil e militar definidas no Texto Constitucional. Aliás. A legislação processual

comum, em seu conjunto, refere-se somente a duas autoridades: a autoridade

policial, que é o delegado de polícia, e a autoridade judiciária, que é o

magistrado.74

Portanto, exercício de polícia de atividade judiciária deve ser feito por delegado de

polícia, salvo quando a lei determinar que estas funções possam ser realizadas por

autoridades administrativas (cf. parágrafo único do art. 4º do CPP). A única

72

STF, RE 702.617, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 31/08/2012. 73

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.

174. 74

NUCCI, Guilherme de Souza. Juizados Especiais Criminais Federais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 57.

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exclusividade de exercício de polícia de atividade judiciária é a da União e

pertence à Polícia Federal, mas, sempre, o exercido é por delegado de polícia.

Destarte, basta observar o que diz o art. 69 do JECRIM acima citado para perceber

que a lei referiu-se à autoridade policial e não à, simplesmente, autoridade

administrativa. Desta forma, a Lei do JECRIM (art. 69) não se encaixa na hipótese

legal do parágrafo único do art. 4º do CPP.75

Somente o delegado de polícia pode dispensar a autuação em flagrante delito, nos

casos em que se pode evitar tal providência, ou determinar a autuação quando o

autor do fato não se comprometerão comparecimento em Juízo, arbitrando fiança

quando for o caso. Somente ele poderá determinar as diligências imprescindíveis à

instauração da ação penal quando as provas da infração penal não foram colhidas

por ocasião da prisão em flagrante delito. Assim, numa interpretação literal, lógica

e mesmo legal, somente o delegado de polícia pode determinar a lavratura do

termo circunstanciado a que se refere o art. 69... Em suma, a Lei que trata dos

Juizados Especiais em nenhum de seus dispositivos, mesmo remotamente, refere-

se a outros agentes públicos que não a autoridade policial.

Conclui-se, portanto, que, à luz da Constituição Federal e da sistemática jurídica

brasileira, autoridade policial é apenas o delegado de polícia, e só ele pode

elaborar o termo circunstanciado referido no art. 69. Desta forma, os agentes

públicos que efetuarem prisão em flagrante devem encaminhar imediatamente as

partes à autoridade policial da delegacia de polícia da respectiva circunscrição.76

A decorrência lógica e inafastável dessas exigências e circunstâncias (formação

técnica jurídica, investidura em cargo público destinado a tal função e

responsabilidade pela coação processual) é a de que a única autoridade que pode

lavrar o auto circunstanciado é o Delegado de Polícia de carreira da Polícia Civil,

nos termos do art. 144, § 4o, da Constituição da República.

Insista-se que a questão não é apenas formal, de interpretação da letra do texto

constitucional, mas da substância da garantia constitucional do devido processo

legal e da ampla defesa. O suspeito, o indiciado ou o acusado têm o direito de

75

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 173-174. 76

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Atlas, 1997, p. 61.

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somente assim ser colocados pela autoridade que tenha a formação técnica

especializada, a investidura e a responsabilidade constitucional e tal direito está

ligado à garantia das liberdades públicas e da dignidade da pessoa humana. (...)

E no mesmo sentido José Afonso da Silva, Antônio Evaristo de Morais Filho e

Julio Fabbrini Mirabete, para os quais apenas a Polícia Civil pode desempenhar a

função de Polícia Judiciária e a lavratura do termo circunstanciado da Lei n.

9.099/95, que faz parte dessa atribuição.

Não são argumentos sustentáveis nem a eventual formação jurídica acadêmica do

Policial Militar que atende o local, porque lhe falta a investidura e a

responsabilidade legal funcional garantidoras da melhor formulação da imputação,

ainda que incipiente e provisória, da prática de infração penal a alguém, nem o

argumento da celeridade ou informalidade que inspirou a Lei n. 9.099/95, porque

sobre elas prevalece a garantia da liberdade das pessoas, do devido processo legal

e da dignidade da pessoa humana.77

A autoridade (e essa autoridade, a nosso juízo, na esfera estatual, outra não é senão

o Delegado de Polícia, e, na Federal, o Delegado Federal) que tomar conhecimento

da ocorrência lavrará termo circunstanciado.78

Autoridade policial: na realidade, é apenas o delegado de polícia, estadual ou

federal. Policiais civis ou militares constituem agentes da autoridade policial.

Portanto, o correto é que o termo circunstanciado seja lavrado unicamente pelo

delegado.79

Prevalece o entendimento de que, cuidando-se de procedimento de caráter

investigatório, sua realização só pode ficar a cargo da autoridade de polícia

investigativa (ou polícia judiciária, como prefere a maioria da doutrina) – Polícia

Federal e Polícias Civis-, nos termos do art. 144, §1º, I e §4º da Constituição

Federal. Afinal, somente o Delegado de Polícia possui, em tese, formação técnica

profissional para classificar infrações penais, requisito indispensável para que o

77

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123-124. 78

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 118. 79

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010,

p. 827.

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ilícito seja incluído (ou não) como infração de menor potencial ofensivo. Logo, a

Polícia Militar não pode lavrar termo circunstanciado, pois tal função não está

inserida dentre aquelas inerentes ao policiamento ostensivo e à preservação da

ordem pública.80

Há uma interpretação que parece absurda, dizendo que a autoridade policial, que

tem a atribuição para lavrar o termo circunstanciado, abrange também o secretário

dos Juizados Especiais Criminais e policiais militares. Achamos que o soldado, o

cabo da Polícia Militar, não são autoridades policiais, eles têm de levar à

autoridade policial e esta lavrar o termo circunstanciado.81

De acordo com o disposto nos arts. 69 e 77, §1º, da Lei 9.099/95, o inquérito

policial é substituído por um simples boletim de ocorrência circunstanciado,

lavrado pela autoridade policial (delegado de polícia), chamado de ―termo

circunstanciado‖.82

A fase preliminar se dá no âmbito da polícia judiciária, nas delegacias de polícia.

Constatado o cometimento de delito de menor potencial ofensivo, a autoridade

policial deverá proceder à lavratura de termo circunstanciado de ocorrência. Não

há que se falar em inquérito policial para crimes de menor potencial ofensivo, cuja

pena máxima não excede dois anos. O inquérito, todavia, poderá ser realizado, em

face da conexão com outro delito que náo seja de menor potencial ofensivo, ou se

não for conhecido o agressor, quando a investigação regular (inquérito) será

instaurada para apuração da autoria.

O termo circunstanciado de ocorrência consiste em uma investigação simplificada,

com o resumo das declarações das pessoas envolvidas e das testemunhas, e

eventualmente com a juntada de exame de corpo de delito para os crimes que

deixam vestígios. Objetiva-se, como se infere, coligir elementos que atestem

autoria e materialidade delitiva, ainda que de forma sintetizada. Nos autos do

termo circunstanciado de ocorrência, o delegado tomará o compromisso do

80

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 1444 81

JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 357. 82

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 125.

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autuado de comparecer ao juizado especial em dia e horário designados

previamente.

Concluído o termo circunstanciado de ocorrência, o delegado de polícia o

encaminhará ao juizado especial criminal.83

A Polícia Militar, cada vez mais, arvora-se numa função que não é sua: lavrar

Termos Circunstanciados e protagonizar investigações. (...) A Polícia Militar é

instituição reconhecida pela Constituição da República e, embora possamos ter

divergências quanto à militarização do cotidiano, merece o respeito por suas

funções, dentro dos limites legais. No Estado Democrático de Direito o exercício

do poder estatal está limitado pela lei. Quando transborda é ilegal. (...) É de se

concluir, que a Polícia Militar, por força do art. 144 da Constituição da República,

possui a função tão somente de realização de policiamento ostensivo e, como

qualquer outro cidadão, prender em flagrante delito. A Polícia Judiciária é da

Civil, frise-se. Logo, ao se realizar a apreensão de um cidadão, esse deve ser

levado à presença da Autoridade Policial, a qual não se confunde com Sargento ou

Tenente da Polícia Militar. (...) Evidentemente, não estamos aqui satanizando a

Polícia Militar, apenas indicando seu lugar. (...) Deve ser destacado que os limites

da autoridade prevista no art. 69 da Lei 9.099/95 não deve contrariar a sistemática

estabelecida pelo Poder Constituinte (originário), na medida em que este, por

previsão expressa, atribuiu à Polícia Judiciária a competência para exercer atos de

investigação. Como se sabe, o Termo Circunstanciado, conquanto diverso

tecnicamente do Inquérito Policial, integra a fase pré-processual, com

possibilidade inclusive de requerimento de diligências (exame pericial etc.), e,

portanto, faz parte do rol de competências atribuídas à Polícia Civil. (...) É preciso

abandonar a crença infundada na bondade do poder punitivo. A contenção do

poder punitivo é uma exigência irrenunciável para a concretização do Estado

Democrático de Direito. Cuida-se de colocar cada personagem do sistema penal

em seu lugar respectivo.84

83

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.

942. 84

ROSA, Alexandre Morais da; KHALED JUNIOR, Salah H.. Polícia Militar não pode lavrar Termo Circunstanciado:

cada um no seu quadrado. Justificando.com. 07/01/2014.

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Seria um contrassenso e uma ligeireza de raciocínio admitir que qualquer agente

ou servidor policial possa conhecer da ocorrência, lavrar termo circunstanciado e

requisitar os exames necessários, bem como praticar ao atos acima referidos, sem a

habilitação funcional e técnica indispensáveis para o bom desempenho de tais

encargos. Essas e outras são atribuições da polícia judiciária que deve ter, na

pessoa do delegado, o responsável para todos os efeitos: processuais, penais, civis

e administrativos.

Seria, também, um disparate, admitir-se que um policial militar possa praticar tais

atos tratando-se de infração de direito penal comum. Aliás, quando a Constituição

indica as atribuições das polícias civis, "dirigidas por Delegados de Polícia de

Carreira", declara que a elas incumbe as funções de polícia judiciária, salvo em

duas exceções : a) infrações cuja apuração seja da competência da União ( ilícitos

federais ) ; b) infrações militares. Ora! Se constitucionalmente existe esta última

vedação, como admitir que um policial militar (cabo, sargento, capitão ou detentor

de outra hierarquia) possa "conhecer" e "diligenciar" a respeito de infração de

direito penal comum? Se à Polícia Civil não é deferida atribuição de apurar as

infrações penais de natureza militar, a recíproca é também verdadeira.85

O art. 69 da Lei nº. 9.099/95 utilizou-se da expressão ―autoridade policial‖ como

aquela com atribuições para lavrar o Termo Circunstanciado, quando se tratar de

infrações penais de menor potencial ofensivo.

Aquela expressão, a nosso ver, restringe-se aos Delegados da Polícia Civil e da

Polícia Federal, dentro de suas atribuições específicas insculpidas nos §§ 4º. E 5º.,

do art. 144, CF/88. (...)

A lavratura de um Termo Circunstanciado, tal como a de um Inquérito Policial, é

atividade estritamente de natureza investigatória criminal.86

A atividade de condução ou de presidência da investigação criminal,

independentemente de se tratar de inquérito policial ou de outro procedimento

investigativo, defere ao delegado de polícia o dever-poder de comando e

85

DOTTI, René Ariel. A autoridade policial na Lei 9099/95. Boletim IBCCRIM. n. 41. maio/1996. 86

MOREIRA, Rômulo de Andrade. A polícia rodoviária federal pode lavrar o termo circunstanciado? JusBrasil. Abr.

2015.

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direcionamento de todos os fatores circunstanciais e jurídicos atinentes ao

procedimento.87

Qualquer ato normativo que fizer menção à figura da ―autoridade policial‖ estará

referindo-se ao delegado de polícia. Sendo assim, podemos concluir, por exemplo,

que o termo circunstanciado previsto na Lei 9.099/1995 só pode ser lavrado por

delegado de polícia.88

Noutro giro, importante mencionar a inconstitucionalidade dos acordos entre a Polícia

Militar e o Ministério Público, geralmente formalizados como termo de convênio ou de cooperação,

que objetivam autorizar a lavratura de termo circunstanciado de ocorrência pelos policiais

ostensivos, sem precisar encaminhar o infrator até a Polícia Civil ou à Polícia Federal.

De igual maneira qualquer norma estadual, materializada como Resolução, Portaria ou

mesmo Lei, porquanto o poder legiferante estadual não é ilimitado, devendo respeitar as balizas

estabelecidas pela própria Lei Fundamental. E dentre esses limites com certeza está o respeito à

divisão de competência legislativa e de atribuições dos órgãos atuantes na persecução penal.

Nessa linha, o acordo ou a norma não se presta a legitimar a usurpação de função,

porquanto o ato infralegal não se sobrepõe à Constituição Federal. O ato normativo

infraconstitucional deve ser compatível com a Lei Maior, e não o contrário. Configura verdadeiro

estelionato jurídico a pretensão de redefinir a repartição constitucional de atribuições por meio de

mero acordo bilateral, como se emenda constitucional fosse.

A inconstitucionalidade da Resolução 309/05 da Secretaria de Segurança Pública do

Estado do Paraná (atual Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária) é patente.

2.11. IMPOSSIBILIDADE DE CONDUÇÃO DE CIVIS A DESTACAMENTOS

MILITARES E DE CRIAÇÃO DE CARTÓRIOS DE INVESTIGAÇÃO DE CRIMES

COMUNS

Segundo entendimento da Corte Suprema89

, os tratados internacionais de direitos

humanos sem aprovação mediante o quórum previsto no art. 5º, §3º da CF, tais como o Pacto de San

87

DEZAN, Sandro Lúcio. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.

Curitiba: Juruá, 2013, p. 90. 88

SANNINI NETO, Francisco. Inquérito policial e prisões provisórias. São Paulo: Ideias & Letras, 2014, p. 46. 89

STF, Tribunal Pleno, RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05/06/2009.

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Jose da Costa Rica, possuem status hierárquico supralegal. É dizer, a Convenção Americana de

Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto 678/92, apesar de não possuir força constitucional,

encontra-se hierarquicamente acima das leis.

Pois bem. Existe norma expressa na CADH exigindo que qualquer suspeito detido ou

retido seja apresentado imediatamente à autoridade competente:

Direito à Liberdade Pessoal

Art. 7.5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença

de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem

direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem

prejuízo de que prossiga o processo.

Dispositivo semelhante encontra-se plasmado no art. 9.3 do Pacto Internacional dos

Direitos Civis e Políticos. Surge então a necessidade de se definir qual seria a ―ou outra autoridade

autorizada pela lei a exercer funções judiciais‖. A interpretação do dispositivo – seja legal,

doutrinária ou jurisprudencial – indica que tal autoridade é o Delegado de Polícia.

Há arcabouço normativo internacional a ser utilizado de amparo para essa tarefa

interpretativa. O Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer

forma de Detenção ou Prisão (Resolução 43/173 da ONU) traz uma série de conceitos, dentre eles

exatamente o termo ora discutido:

Terminologia

Para efeitos do Conjunto de Princípios:

f) A expressão "autoridade judiciária ou outra autoridade" designa a autoridade

judiciária ou outra autoridade estabelecida nos termos da lei cujo estatuto e

mandato ofereçam as mais sólidas garantias de competência, imparcialidade e

independência.

Princípio 11

1. Ninguém será mantido em detenção sem ter a possibilidade efetiva de ser

ouvido prontamente por uma autoridade judiciária ou outra autoridade.

3. A autoridade judiciária ou outra autoridade devem ter poderes para apreciar, se

tal for justificável, a manutenção da detenção.

A legislação nacional não diverge. O CPP faculta ao Delegado de Polícia a tomada de

certas decisões tipicamente judiciais, tais como a prisão em flagrante e a liberdade provisória.

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A própria Corte Internacional deixa claro que o detido deve ser apresentado incontinenti

ao juiz o ao Delegado de Polícia:

Este Tribunal considera que, para satisfazer a garantia estabelecida no artigo 7.5 da

Convenção em matéria migratória, a legislação interna deve assegurar que o

funcionário autorizado pela lei para exercer funções jurisdicionais cumpra as

características de imparcialidade e independência que deve reger todo órgão

encarregado de determinar direitos e obrigações das pessoas. Nesse sentido, o

Tribunal já estabeleceu que ditas características não só devem corresponder aos

órgãos estritamente jurisdicionais, senão que as disposições do artigo 8.1 da

Convenção se aplicam também às decisões de órgãos administrativos. Toda vez

que em relação a essa garantia corresponder ao funcionário a tarefa de prevenir ou

fazer cessar as detenções ilegais ou arbitrárias, é imprescindível que dito

funcionário esteja facultado a colocar em liberdade a pessoa se sua detenção for

ilegal ou arbitrária.90

A doutrina explica:

Neste caso concreto, dentre outras fundamentações sobre violações sobre direitos

humanos, ressaltou, conforme o trecho transcrito acima, a importância da

autoridade administrativa exercer a função materialmente jurisdicional de forma

imediata para que o judiciário e a defensoria pudessem atuar, bem como sua prisão

pelo Diretor (Delegado) fosse necessariamente fundamentada.

Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a proteção dos direitos

humanos fundamentais, desde o início da análise imediata da condução realizada

pela polícia e sua análise pelo órgão administrativo, que exerce função

materialmente jurisdicional, com direito ao judiciário e a defesa técnica, tudo de

forma fundamentada, seria a maneira pela qual lhe seria assegurado o acesso à

justiça.91

Como se não bastasse, o próprio CPP possui regra expressa nesse sentido:

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e

colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de

90

CIDH, Caso Velez Loor vs Panamá, Sentença de 23/11/2010. 91

MARREIROS, Ruchster. A Autoridade Policial e as Garantias do Preso nos Tratados de Direitos Humanos. Jusbrasil,

08/2014.

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Página: 44

entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o

acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita,

colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade,

afinal, o auto.

Nesse contexto, a recusa da PM em apresentar o conduzido ao Delegado de Polícia, ou

mesmo a injustificada demora do policial castrense, além de afrontar um sem número de garantias

constitucionais, materializa nítido abuso de autoridade (art. 4º, a e b, da Lei 4.898/65). Qualquer

outra interpretação viola a franquia constitucional de liberdades públicas e coloca em risco o Estado

Democrático de Direito.

O Brasil inclusive já foi condenado pela CIDH, no Caso Escher, porque um policial

militar do Estado do Paraná usurpou as atribuições da polícia judiciária, o que gerou uma

indenização de U$ 30.000,00, paga, em última análise, pela população brasileira:

O Estado deve pagar (...) o montante fixado no parágrafo 235 da presente Sentença

a título de dano imaterial [US$ 20.000,00] (...). O Estado deve publicar no Diário

Oficial, em outro jornal de ampla circulação nacional, e em um jornal de ampla

circulação no Estado do Paraná, uma única vez, a página de rosto, os Capítulos I,

VI a XI, sem as notas de rodapé, e a parte resolutiva da presente Sentença, bem

como deve publicar de forma íntegra a presente Decisão em um sítio web oficial

da União Federal e do Estado do Paraná. (...) O Estado deve investigar os fatos que

geraram as violações do presente caso, nos termos do parágrafo 247 da presente

Sentença. O Estado deve pagar o montante fixado no parágrafo 259 da presente

Sentença por restituição de custas e gastos [US$ 10.000,00], dentro do prazo de

um ano contado a partir da notificação da mesma e conforme as modalidades

especificadas nos parágrafos 260 a 264 desta Decisão.92

Além desse caso emblemático envolvendo o Brasil, motivo de vergonha para todos os

brasileiros, a CIDH possui outros julgados condenando os Estados que ousam promover

investigações militares de crimes comuns.93

92

CIDH, Caso Escher e Outros vs Brasil, Sentença de 06/07/2009. (tradução livre) 93

CIDH, Caso Nadege Dorzema e Outros vs Republica Dominicana, Sentença de 24/10/2012; CIDH, Caso Castillo

Petruzzi e Outros Vs. Perú, Sentença de 30/05/1999; CIDH, Caso Vélez Restrepo e Familiares vs Colombia, Sentença de

03/09/2012.

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Inclusive está em curso, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, investigação

sobre o homicídio e tortura do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975. Foi instaurado inquérito

policial militar, que concluiu pela ocorrência de suicídio.

A doutrina, comentando a posição da Corte Internacional no caso Nadege Dorzema e

Outros vs Republica Dominicana, explica:

Entendeu que a intervenção militar em investigações de civis é medida

excepcional, tendo o país violado as próprias leis internas quando permitiram que

a investigação fosse militar, ao revés de uma investigação civil. (...) Por este

sentido, a Corte estabeleceu que o Estado descumpriu sua obrigação de adotar

disposições de direito interno, situação que foi remediada posteriormente pelo

Estado, o que não tem sido realizado aqui no Brasil, quando nos deparamos com a

polícia militar, polícia rodoviária federal e a polícia militar "conveniada" com o

Ministério Público, em seus famigerados "procedimentos de investigação penal".94

Os estudiosos repelem a condução de civis a destacamentos militares:

Quando alguém é surpreendido cometendo uma contravenção, ou crime cuja pena

máxima não supere um ano [segundo a antiga redação da Lei 9.099/95], é levado

obviamente à Delegacia de Polícia. Não se lavrará, entretanto, auto de prisão em

flagrante, mas sim um termo circunstanciado, encaminhando- se, em seguida, o

autor do fato ao Juizado Especial Criminal Ainda que não seja encaminhado

incontinenti, se ele assumir o compromisso de comparecer ao Juizado, também

não se lavrará o auto, nos termos do parágrafo único do art. 69 da Lei n.

9.099/95.95

Flagrado alguém pelo cometimento de um crime, deve o PM conduzir o cidadão à

delegacia (e jamais a um quartel) a fim de que a autoridade policial analise a

situação e, se for o caso, o encaminhe ao presídio, onde permanecerá à disposição

do poder judiciário.96

94

MARREIROS, Ruchster. A Autoridade Policial e as Garantias do Preso nos Tratados de Direitos Humanos. Jusbrasil,

08/2014. 95

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 495. 96

NEVES, Antonio Marcio Campos. Boletins de ocorrência lavrados pela PM: quem ganha com isso?. Revista Jus

Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3039, 27 out. 2011.

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Até que o Delegado de Polícia colha termo do suspeito no sentido de se apresentar ao

Juizado Especial Criminal, a situação flagrancial persiste, ensejando a lavratura do auto de prisão

em flagrante, de atribuição da Polícia Judiciária. Por isso é que ensina a doutrina que:

Os agentes públicos que efetuarem prisão em flagrante devem encaminhar

imediatamente as partes à autoridade policial da delegacia de polícia da respectiva

circunscrição.97

Imediatamente após a detenção, deverá o preso ser apresentado à autoridade

policial. A demora injustificada poderá constituir o crime de abuso de autoridade

(Lei n. 4-898), em se tratando de agentes do Estado, ou, caso a prisão tenha sido

realizada por particular, estaremos diante, em tese, dos delitos de constrangimento

ilegal (art. 146) ou seqüestro e cárcere privado (art. 148), conforme o caso.98

Buscando evitar a militarização da investigação criminal no Brasil, o que abrange a

condução forçada de civis a destacamentos militares, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos

editou a Resolução 8/12, a qual enuncia que:

Art. 2º. (...) XI. Os Comandantes das Polícias Militares nos Estados envidarão

esforços no sentido de coibir a realização de investigações pelo Serviço Reservado

(P-2) em hipóteses não relacionadas com a prática de infrações penais militares;

Apesar da clareza dos comandos da Constituição Federal, de tratados internacionais de

direitos humanos e da legislação infraconstitucional, há militares se colocando acima do

ordenamento jurídico. Por afrontas como essas o Ministro Celso de Mello se viu obrigado a alertar:

É preciso advertir esses setores marginais que atuam criminosamente na periferia

das corporações policiais que ninguém, absolutamente ninguém – inclusive a

Polícia Militar – está acima das leis.99

A insistência em desrespeitar os comandos jurídicos levou à edição de norma pela

Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, após provocação da

Ordem dos Advogados do Brasil, materializada na Resolução SEJUSP MS 544/11:

97

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Atlas, 1997, p. 61. 98

LOPES JÚNIOR. Aury Lopes. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012,

p. 811. 99

STF, ADI 1494, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 09/04/97.

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Art. 1º. Os policiais militares ou os policiais civis que encontrarem pessoas em

flagrante delito deverão efetuar a prisão e apresentar o preso, imediatamente, à

Delegacia de Polícia de plantão.

§ 1º Fica vedado o encaminhamento do preso a qualquer unidade de segurança

pública que não a Delegacia de Polícia de plantão.

A condução de civis a destacamentos militares é uma incomensurável aberração, e

motivou o Ministério Público, no exercício do controle externo, a confeccionar recomendações nos

estados em que essa prática absurda estava a ocorrer:

Na hipótese excepcional de ser efetuada qualquer prisão ou detenção de qualquer

pessoa, esta deverá ser imediatamente conduzida à autoridade policial ou

judiciária, conforme o caso, mais próxima do local da ocorrência ou aquela

especialmente designada para atender a ocorrência, vedada a condução de detidos

para outros órgãos estranhos à estrutura da polícia judiciária ou poder judiciário.100

Constituem abuso de autoridade e usurpação de função: a condução de pessoa civil

atuada em flagrante delito, bem como sua retenção e interrogatório, em qualquer

unidade militar, Batalhão, Companhia e Posto de Vigilância ou Patrulha, não

sendo justificável qualquer ponderação em contrário.101

De mais a mais, a criação de cartórios em destacamentos militares, a fim de concretizar

investigação de crimes comuns e conduzir suspeitos civis, representa uma afronta sem limites à

democracia brasileira. Cuida-se de verdadeira ―Delegacia de Polícia Militar‖, onde o policial

fardado, com treinamento militar, faz as vezes de Delegado de Polícia, realizando análises jurídicas

para as quais não possui competência e colocando em risco a liberdade do cidadão.

2.12. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

PARA O CIDADÃO – INEFICIÊNCIA DO ESTADO

100

Recomendação Conjunta do Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul,

09/06/2014. 101

Recomendação 03/2011 do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, 27/10/2011.

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Não é aceitável que, a pretexto de combater a criminalidade, a Polícia Militar, com a

chancela de quem quer que seja, viole as normas constitucionais, amparando-se no falacioso

argumento da defesa do interesse público.

Amparar tais medidas sob a escusa das máculas estruturais das Polícias Judiciárias

corresponde à adoção do famoso jeitinho brasileiro no âmbito jurídico, em prejuízo da franquia de

liberdades constitucionais da pessoa humana.

Pretender solucionar a falta de efetivo da Polícia Judiciária permitindo a outros

servidores públicos o exercício das atribuições dos policiais civis configura demagogia barata que

brinca com a vida do cidadão brasileiro. Seria o mesmo que, a pretexto de resolver a carência de

Promotores e Juízes, autorizar ao Delegado de Polícia a possibilidade de promover a ação penal e de

sentenciar alguém, excrescência que ninguém sequer cogita.

Permitir, sob a frágil desculpa de falta de recursos humanos e materiais de outros órgãos,

que policiais ostensivos devassem a vida alheia, representa duro golpe na democracia brasileira,

conquistada à duras penas, e um atentado á cidadania. Antes de fazer Justiça, tais atitudes

promovem a impunidade, como será visto no tópico acerca da ilicitude de provas.

Além de escancarada violação da repartição constitucional de atribuições, a investigação

feita pela PM gera inúmeros problemas práticos.

Quando um agente público exerce atribuição para a qual não está legalmente autorizado,

deixa de cumprir suas funções precípuas com eficiência, malferindo esse postulado constitucional

exigido de forma genérica para toda a Administração Pública (art. 37 da CF) e em especial dos

organismos de segurança pública (art. 144, §7º da CF):

Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas

atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno

princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada

apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e

satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. (...)

A eficiência funcional é, pois, considerada em sentido amplo, abrangendo não só a

produtividade do exercente do cargo ou da função como a perfeição do trabalho e

sua adequação técnica aos fins visados pela Administração, para o que se avaliam

os resultados, confrontam-se os desempenhos e se aperfeiçoa o pessoal através de

seleção e treinamento.102

102

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 93.

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Golpeia não apenas os comandos constitucionais, mas o próprio bom senso, desviar para

função alheia um efetivo policial que não consegue cumprir integralmente sequer o seu próprio

dever de prevenção à criminalidade:

Sobre essa questão não é cabível a invocação de argumentos utilitaristas ou

tecnicamente maquiavélicos no sentido de que ―os fins justificam os meios‖,

mesmo em face da carência de efetivo dos órgãos de polícia judiciária ou da

reconhecida necessidade de incremento da segurança pública no seio social.103

Utilizar policiais ostensivos na investigação criminal significa um inaceitável

decréscimo na efetividade da função repressiva. Mesmo que houvesse autorização constitucional a

tanto, de nada adiantaria um incremento na função investigatória do Estado se para isso o Poder

Público negligencia sua função prévia de manutenção da ordem pública.

A alegação da Polícia Castrense de que a lavratura de termo circunstanciado de

ocorrência promoveria mais eficiência à persecução penal é frágil, e cai por terra ao se considerar

que cada policial militar que realiza indevidamente a função investigativa e cartorária representa

menos um policial fardado nas vias públicas para inibir a prática de delitos.

Caso queira de fato contribuir com o sistema de persecução penal, basta que o agente

público se concentre em cumprir sua função precípua, que é a de prevenção do crime. Se executar

essa missão com êxito, o Estado-Investigação nem chegará a ter a preocupação com a investigação

do delito não ocorrido.

Cada instituição envolvida na segurança pública é responsável por um papel relevante na

equação do combate à criminalidade, não havendo interesse público ou tampouco previsão

constitucional autorizando que as funções se sobreponham.

As demais atribuições constitucionais, como a de policia ostensiva, são igualmente

nobres, e todo policial deve ter orgulho ao desempenhar sua função. Caso se sinta frustrado com seu

dever legal por algum motivo, possui como saída a exoneração do cargo e o ingresso no cargo

almejado por meio de concurso público.

2.13. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

PARA A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - ILICITUDE DE PROVAS

103

CABRAL, Bruno Fontenele; SOUZA, Rafael Pinto Marques de. Manual prático de polícia judiciária. Salvador:

Juspodivm, 2013, p. 212.

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Sempre que um agente público incompetente se imiscui em questões relativas à

investigação, quer colhendo elementos informativos ou probatórios, quer desejando exercer o poder

decisório nas questões jurídicas, as consequências para a persecução penal são desastrosas.

Todos os elementos informativos e probatórios produzidos por instituição diversa da

Polícia Judiciária são inválidos, porquanto o ordenamento jurídico veda a utilização da prova ilícita,

bem como os elementos derivados em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada:

CF, Art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios

ilícitos;

CPP, Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as

provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais

ou legais.

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não

evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas

puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

Os Tribunais Superiores igualmente entendem que são nulas as provas colhidas com

desrespeito à divisão constitucional de atribuições, em manifesto abuso de poder:

A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art.

5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma

sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja

obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem

constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que

resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual),

não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em

matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene

retentum". (...)

Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente,

em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude

por derivação.104

104

STF, RHC 90.376, Rel. Min. Celso de Mello, DP 03/04/2007.

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Página: 51

No caso em exame, é inquestionável o prejuízo acarretado pelas investigações

realizadas em desconformidade com as normas legais, e não convalescem, sob

qualquer ângulo que seja analisada a questão, porquanto é manifesta a nulidade

das diligências perpetradas (...)

Portanto, inexistem dúvidas de que tais provas estão irremediavelmente

maculadas, devendo ser consideradas ilícitas e inadmissíveis, circunstâncias que as

tornam destituídas de qualquer eficácia jurídica, consoante entendimento já

cristalizado pela doutrina pacífica e lastreado na torrencial jurisprudência dos

nossos tribunais.105

A doutrina se manifesta especificamente quanto aos elementos colhidos em investigação

presidida por órgão distinto da Polícia Judiciária:

Todos os elementos produzidos arbitrariamente pela Polícia Militar

consubstanciam-se em provas ilícitas, que devem ser amputadas dos autos. Essa

exclusão dos elementos imprestáveis é claramente uma forma de garantir o

respeito a direitos fundamentais, e de evitar que os tribunais se tornem cúmplices

da ilegalidade, assegurando ao povo que o Estado agirá dentro da lei e não poderá

ter benefícios quando agir fora dela.106

Cabe também o trancamento da investigação criminal por meio do remédio heroico,

como sinaliza a doutrina:

Se a ação penal indevida e sem justa causa já significa coação ilegal passível de

ser trancada por meio de habeas corpus, assim também o inquérito policial e a

lavratura do termo circunstanciado na medida em que este último submete alguém

ao ônus de comparecer em juízo sob a ameaça da lavratura do flagrante ou de ser

compelido a prestar fiança. Com a lavratura do flagrante ou do Termo

Circunstanciado, a autoridade assume a coação processual e torna-se autoridade

coatora, responsável para ser o impetrado no writ constitucional do habeas

corpus.107

105

STJ, HC 149.250, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 23/03/2011. 106

CARVALHO, Ricardo Cintra Torres de. A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal. Revista Brasileira de

Ciências Criminais, ano 3, n. 12, p. 172, ou./dez. 1995. 107

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123.

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Nesse prisma, afronta a incontáveis garantias fundamentais a pretexto de combater o

crime produz uma sucessão de atos nulos, que não legitimam o agir estatal, mas o desqualificam.

Isso significa que, antes de fazer Justiça, tais atitudes promovem a impunidade. Não se trata de

disputa corporativista, senão de respeito a preceito constitucional.

2.14. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

PARA O ESTADO – CONDENAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS

HUMANOS

Segundo entendimento da Corte Suprema108

, os tratados internacionais de direitos

humanos sem aprovação mediante o quórum previsto no art. 5º, §3º da CF, tais como o Pacto de San

Jose da Costa Rica, possuem status hierárquico supralegal. É dizer, a Convenção Americana de

Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto 678/92, apesar de não possuir força constitucional,

encontra-se hierarquicamente acima das leis.

A importância do referido diploma normativo é inconteste. Ocorre que, conforme

entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado que leva adiante

investigações arbitrárias afronta diversas normas plasmadas na CADH, a saber:

Obrigação de Respeitar os Direitos

Art. 1.1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os

direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a

toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição (...).

Direito à Liberdade Pessoal

Art. 7.5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença

de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem

direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem

prejuízo de que prossiga o processo.

Proteção da Honra e da Dignidade

Art. 11.2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua

vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem

de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

108

STF, Tribunal Pleno, RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05/06/2009.

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Cláusula Federal

Art. 28.1. Quando se tratar de um Estado-Parte constituído como Estado federal, o

governo nacional do aludido Estado-Parte cumprirá todas as disposições da

presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce

competência legislativa e judicial.

Art. 28.2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à

competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve

tomar imediatamente as medidas pertinentes, em conformidade com sua

constituição e suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas

entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta

Convenção.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos segue a mesma linha:

Art. 2.1. Os Estados-Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar e a

garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeito

à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto (...).

Art. 9.3. Qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá

ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada

por lei a exercer funções e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser

posta em liberdade.

Art. 17. 1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua

vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de

ofensas ilegais às suas honra e reputação.

Como mencionado, o Brasil foi condenado pela CIDH, no Caso Escher, exatamente

porque um policial militar do Estado do Paraná usurpou as atribuições da polícia judiciária, o que

gerou uma indenização de U$ 30.000,00. Quem arcou com o custo não foi o miliciano usurpador,

mas sim a inocente população brasileira.

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Além desse caso emblemático envolvendo o Brasil, motivo de vergonha para todos os

brasileiros, a CIDH possui outros julgados condenando os Estados que ousam promover

investigações despóticas.109

2.15. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

PARA OS AGENTES PÚBLICOS – CRIMES E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

As consequências do desrespeito à Constituição Federal, aos tratados internacionais de

direitos humanos e à legislação infraconstitucional não ficam somente no campo da ilicitude da

persecução penal. Os agentes públicos que se arvoram no direito de exercer atribuição não conferida

pela Lei Maior praticam ato ilícito, tanto penal como civil.

A doutrina indica que o policial que insistir na inconstitucionalidade poderá incorrer no

crime de usurpação de função pública (art. 328 do CP) e abuso de autoridade (art. 3º, a da Lei

4.898/65)110

, como já assentou inclusive o Supremo Tribunal Federal:

A atribuição de polícia judiciária compete à Polícia Civil, devendo o Termo

Circunstanciado ser por ela lavrado, sob pena de usurpação de função pela Polícia

Militar.111

Quanto ao delito estampado no art. 328 da Lei Repressiva, ensina a doutrina:

O Estado tem interesse em preservar incondicionalmente a escolha e a investidura

das pessoas a quem são confiados os cargos públicos e o exercício das funções

públicas. Destarte, não se admite o comportamento daquele que afronta esta

prerrogativa do Poder Público, sujeitando-se o infrator às sanções cabíveis. Entra

em cena o crime de usurpação de função pública.

Usurpar o exercício de função pública é investir-se nela e executá-la

indevidamente, arbitrariamente, sem possuir motivo legítimo para tanto. (...)

109

CIDH, Caso Nadege Dorzema e Outros vs Republica Dominicana, Sentença de 24/10/2012; CIDH, Caso Castillo

Petruzzi e Outros Vs. Perú, Sentença de 30/05/1999; CIDH, Caso Vélez Restrepo e Familiares vs Colombia, Sentença de

03/09/2012. 110

BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 1997, p. 58; MOREIRA, Rômulo de Andrade. A polícia rodoviária federal pode lavrar o termo

circunstanciado? JusBrasil. Abr. 2014. 111

STF, RE 702.617, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 31/08/2012.

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O funcionário público pode ser autor do delito, desde que usurpe função distinta da

sua, como no exemplo em que um escrivão realiza atos privativos do Delegado de

Polícia. Em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.112

Com relação ao crime plasmado na Lei 4.898/65, eis a lição doutrinária:

Agem as autoridades no intuito de prevenir e reprimir a prática de crimes, hipótese

em que está configurado o estrito cumprimento do dever legal. Obviamente que

elas devem agir dentro dos rígidos limites de seu dever, fora dos quais desaparece

essa excludente da ilicitude.113

Noutro giro, saindo da esfera penal, tem-se que a Lei 8429/92 prevê três espécies de atos

de improbidade administrativa: 1) os que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), 2) os que

causam prejuízo ao erário (art. 10) e 3) os que atentam contra os princípios da Administração

Pública (art. 11).

Vejamos a modalidade trazida pelo art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os

princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres

de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e

notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele

previsto, na regra de competência;

A doutrina ensina que:

O art. 11 da Lei Federal n. 8.429/92 funciona como regra de reserva, para os casos

de improbidade administrativa que não acarretam lesão ao erário nem importam

em enriquecimento ilícito do agente público que a pratica. Compreende-se que

assim seja, visto que o bem jurídico tutelado pelo diploma em questão é a

probidade administrativa, objetivo revelado no art. 21, quando aventa a

possibilidade de se caracterizar ato de improbidade, ainda que sem a ocorrência do

efetivo prejuízo.114

112

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. v. 3. São Paulo: Método, 2013, p. 722-733. 113

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26. 114

PAZZAGLINI FILHO, Marino. Improbidade Administrativa. São Paulo: Atlas, 1998.

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Para a configuração da referida improbidade, a doutrina e jurisprudência majoritárias

exigem a presença do elemento volitivo consubstanciado no dolo, de modo que nem toda ilegalidade

é sinônimo de improbidade.

Não se falaria em dolo, e consequentemente em improbidade administrativa, apenas se o

agente público apresentasse justificativa razoável para a ilicitude praticada, explicação essa que

ocorre geralmente em casos de condutas omissivas, não sendo o caso em tela.115

Na situação em exame, em que o agente público é avisado para que se abstenha de

usurpar função a ele não conferida constitucionalmente, porém delibera em continuar na esfera da

ilicitude, resta evidente a má-fé. Confira-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

O réu menospreza os princípios constitucionais aos quais deve obediência no

exercício do múnus público que lhe foi outorgado, demonstrando não ter a

moralidade necessária àqueles que devem ocupar ou permanecer em cargos

públicos. Nesse contexto, a pena de suspensão dos direitos políticos não se mostra

desproporcional, mas, ao contrário, necessária.116

3. CONCLUSÃO

Com arrimo em todos os fundamentos expostos, conclui-se que o ato questionado tem o

potencial de ferir o ordenamento jurídico constitucional, supralegal e legal, estando também em

desacordo com o preconizado pela doutrina e jurisprudência.

Em síntese, não há dúvidas que: a) as atribuições de polícia judiciária e investigação de

crimes comuns incumbem à Polícia Civil, comandada por Delegado de Polícia, sendo a esfera de

atuação da Polícia Militar bem diversa, qual seja, a polícia ostensiva e a preservação da ordem

pública; b) o discurso contra a impunidade não pode justificar a mitigação irresponsável de direitos

fundamentais e a escancarada afronta à divisão de atribuições. A perseguição do crime pode e deve

ser feita sem necessidade de ultrapassar os limites de atuação dos órgãos estatais; c) a repartição

orgânica de atribuições, o princípio da legalidade e a competência do ato administrativo impedem

que qualquer outro agente público diverso do Delegado de Polícia exerça a função de Autoridade

Policial. Cuida-se de garantia do cidadão, no sentido de que na investigação criminal os fins não

podem justificar os meios e a pessoa investigada não pode ser colocada na condição de objeto; d) o

115

STJ, REsp 1230352, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJ 27/08/2013. 116

STJ, REsp 1424418, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 19/08/2014.

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conceito legal de Autoridade Policial remete única e exclusivamente ao Delegado de Polícia; e) o

Delegado de Polícia pertence a uma carreira jurídica, diversamente do miliciano, que consiste em

agente da Autoridade Policial; f) sequer o policiamento ostensivo deve ser realizado pela Polícia

Militar, que deve ser desmilitarizada, segundo recomendações do Conselho de Direitos Humanos da

Organização das Nações Unidas e da Comissão da Verdade, o que também impede que prevaleça

um regime castrense de investigação criminal; g) o sistema processual penal pátrio não autoriza a

Polícia Militar a lavrar termo circunstanciado de ocorrência, a criar cartórios de investigação de

crimes comuns ou a conduzir civis a destacamentos militares, porquanto a atribuição de apuração de

infrações penais comuns é outorgada ao Delegado de Polícia. Qualquer acordo em sentido contrário

reveste-se de evidente inconstitucionalidade; h) a lavratura de TCO pelo policial militar, além de

acarretar ineficiência do Estado, gera ilicitude das eventuais provas colhidas, bem como todos os

elementos dela decorrentes, possibilitando a futura condenação do Brasil na Corte Interamericana de

Direitos Humanos; i) a atuação do policial castrense à margem do ordenamento jurídico caracteriza,

por parte do executor e mandante, crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade,

bem como improbidade administrativa.

Destarte, com o desiderato de preservar o sistema jurídico pátrio e salvaguardar os

direitos fundamentais dos cidadãos, sugere-se a adoção das seguintes medidas:

3.1. Peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que, após análise

de admissibilidade, submeta o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos a fim de que o

Brasil condenado por violação ao Pacto de São José da Costa Rica.

3.2. Peticionar à Corregedoria da Polícia Militar do Estado do Paraná para que apure a

conduta dos milicianos usurpadores, bem como do comandante do respectivo Batalhão que

eventualmente tenha lhe determinado a usurpação de função.

3.3. Oficiar à Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa para que

confirme se tem conhecimento da violação de direitos humanos e se abstenha de incentivar tal

prática.

3.4. Sugerir aos Delegados de Polícia que atuem na circunscrição que, respeitada a

independência funcional: a) não utilize as provas manifestamente ilícitas produzidas pela Polícia

Militar ou elementos delas decorrentes para tomar qualquer medida restritiva contra os investigados;

b) instaure inquérito policial por crime de usurpação de função pública (art. 328 do CP) em concurso

com abuso de autoridade (art. 3º da Lei 4.898/65) e eventuais outras infrações penais cometidas, em

desfavor dos milicianos usurpadores, bem como do comandante do respectivo Batalhão que

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eventualmente tenha participado dos delitos, além de remeter cópia do expediente ao Ministério

Público para apuração da improbidade administrativa (art. 11, I da Lei 8.429/92).

3.5. Solicitar gestão do Exmo. Secretário de Segurança Pública e Administração

Penitenciária do Estado do Paraná a fim de que determine que a Polícia Militar do Estado do Paraná

se abstenha da prática de qualquer ato de polícia judiciária e apuração de infrações penais comuns,

sugerindo a edição de ato normativo estadual nesse sentido e a emissão de ordem direcionada a

todos os comandantes de Batalhões a fim de que instruam e fiscalizem a tropa nesse sentido.

3.6. Solicitar gestão do Exmo. Delegado Geral da Polícia Civil do Estado do Paraná

junto ao Comandante da Polícia Militar do Estado do Paraná para que instrua os comandantes de

Batalhões e todo o efetivo policial militar a não extrapolar suas atribuições constitucionais e legais.

3.7. Publicar o presente parecer nos meios de comunicação pertinentes, inclusive no site

do Sindicato dos Delegados de Polícia do Paraná, a fim de que a população em geral tome ciência de

seus direitos, estampados nas prerrogativas dos Delegados de Polícia, e dessa forma tenha condições

de cobrar o seu respeito das autoridades competentes.

3.8. Remeter cópia do presente parecer à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência

da República, à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, à Comissão

de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, ao Conselho Nacional de

Justiça, ao Conselho Nacional do Ministério Público, à Comissão Nacional de Direitos Humanos da

Ordem dos Advogados do Brasil, à Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Assembleia

Legislativa do Estado do Paraná, ao Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Estado do

Paraná da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, à Comissão de Defesa dos Direitos

Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Paraná, à Defensoria Pública do Estado do

Paraná, à Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e à Procuradoria Geral de Justiça

do Ministério Público do Estado do Paraná, com a finalidade de que os órgãos de defesa dos direitos

humanos possam tomar as medidas cabíveis a fim de proteger a população em seu direito

fundamental a ser investigada pelo órgão devido.

À consideração da Presidência da Comissão de Defesa de Prerrogativas dos Delegados

de Polícia e de Direitos dos Cidadãos, para conhecimento e adoção das providências que

compreender necessárias.

Apucarana/PR, 1º de junho de 2015

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Página: 59

Assinado no original

Henrique Hoffmann Monteiro de Castro*

* Professor Coordenador da Pós-Graduação em Ciências Criminais da FACNOPAR e do Curso CEI. Professor

Convidado da Escola da Magistratura do Paraná, da Escola do Ministério Público do Paraná, da Escola de Governo de

Santa Catarina (Curso de Formação de Defensores Públicos), da Escola Nacional de Polícia Judiciária e da Escola

Superior de Polícia Civil do Paraná. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho, e

em Segurança Pública pela UNIESP. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Colunista do

Conjur. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal, da Associação Internacional de Direito Penal e da

International Police Association. Delegado de Polícia Civil do Paraná. Assessor Jurídico da Federação Nacional dos

Delegados de Polícia Civil. Ex-Delegado de Polícia Civil do Mato Grosso. Ex-Advogado em Minas Gerais.