parecer da consultoria tecnica 94412 2013 01
DESCRIPTION
Trata-se de consulta formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Tangaráda Serra, Sr. Luiz Henrique Barbosa Matias, por meio da qual solicita deste Tribunalparecer sobre a base de cálculo do abono pecuniário de férias, nos seguintes termos:TRANSCRIPT
PROCESSO Nº : 9.441-2/2013INTERESSADO : CÂMARA MUNICIPAL DE TANGARÁ DA SERRAASSUNTO : CONSULTARELATOR : CONSELHEIRO SUBSTITUTO LUIZ HENRIQUE LIMAPARECER Nº : 036/2013
Excelentíssimo Senhor Conselheiro:
Trata-se de consulta formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Tangará
da Serra, Sr. Luiz Henrique Barbosa Matias, por meio da qual solicita deste Tribunal
parecer sobre a base de cálculo do abono pecuniário de férias, nos seguintes termos:
Qual a forma correta de se calcular o abono pecuniário, sobre a remuneração
apenas, ou sobre o valor global das férias, considerando o que estabelece o
artigo 74 “caput” da Lei Complementar nº 06/94, segundo o qual:
Art. 74 – É facultado ao servidor, converter 1/3 (um terço) das férias em
abono pecuniário, desde que o requeira com pelo menos 30 (trinta) dias de
antecedência. (grifos originais)
O consulente juntou o Parecer jurídico nº 064/ASSEJUR/2013 à consulta.
É o breve relatório.
1. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
A consulta foi formulada em tese, por autoridade legítima, com a apresentação
objetiva do quesito e versa sobre matéria de competência deste Tribunal, preenchendo,
portanto, os requisitos de admissibilidade exigidos pelo art. 232 da Resolução n° 14/2007.
1
2. DO MÉRITO
O Consulente indaga sobre a base de cálculo para o pagamento do abono
pecuniário de férias a servidor público estatutário, fazendo-se necessário, para responder
à indagação do consulente, verificar os requisitos para concessão do abono pecuniário de
férias para, só então, analisar sua forma de cálculo, o que será promovido nos tópicos a
seguir.
2.1 Requisitos para pagamento de abono pecuniário de férias a servidor estatutário
De início, registra-se que as férias, acrescidas de um terço, constitui-se em direito
social dos servidores públicos previsto na Constituição Federal (art. 7, XVII, c/c art. 39,
§3º), não se confundindo com o objeto da consulta em apreço, que trata do abono
pecuniário de férias, que consiste na conversão de parcela de férias do servidor em
pecúnia, sem prejuízo do direito ao terço constitucional de férias.
O abono pecuniário, no entanto, só pode ser concedido se houver previsão legal
e desde que justificado o interesse público na permanência do servidor no exercício de
suas funções no período correspondente ao gozo das férias.
Aponta-se a existência de estatutos de servidores públicos que não mais
permitem a conversão de parcela das férias em pecúnia, como é o caso da Lei nº
8.112/90, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. Nesses
casos, ainda que haja interesse público em manter o servidor trabalhando por mais
tempo, não é possível a sua conversão em pecúnia.
A finalidade do ato que concede o abono pecuniário, portanto, é pública e deve
ser motivada com base em circunstâncias fáticas que deram ensejo à necessidade de
interesse público (acréscimo de serviço, redução involuntária do número de servidores,
ou outro motivo declinado no ato).
2
Para materializar a concessão do abono, cabe à Administração Pública verificar se
há previsão legal autorizativa da conversão de parte das férias em pecúnia, se há
interesse público que justifique a permanência do servidor no exercício de suas
atribuições e se há viabilidade orçamentária e financeira para a concessão do abono.
2.2 Da base de cálculo do abono pecuniário de férias concedida a servidor público estatutário
Preenchidos os requisitos autorizativos da conversão de parte das férias em
pecúnia, cumpre abordar a base de cálculo da indenização devida ao servidor.
A princípio, é necessário ressaltar que a jurisprudência e a doutrina colacionada
pelo parecerista da entidade consulente, que o levou à conclusão de que a base de
cálculo do abono pecuniário deve obrigatoriamente incluir o terço constitucional, tem
como pano de fundo as regras do regime jurídico celetista (CLT), que não se aplica aos
servidores estatutários.
É importante saber das decisões e do posicionamento doutrinário sobre o instituto
jurídico das férias e das parcelas decorrentes, mas sempre analisando-os sob a luz do
regime estatutário e de suas limitações, sendo que a jurisprudência e doutrina trabalhista
devem ser avaliadas com cuidado.
Assim sendo, quanto à forma de cálculo do abono pecuniário, entende-se que a
Administração Pública deve normatizá-la, como fez o Estado de Mato Grosso, ao
consignar as parcelas a serem consideradas quando parte das férias vier a ser convertida
em pecúnia, conforme texto da Lei Complementar nº 04/90, verbis:
Art. 99 O pagamento da remuneração das férias será efetuado até 02
(dois) dias antes do início do respectivo período, observando-se o disposto
no § 1° deste artigo.
3
§ 1° É facultado ao servidor converter 1/3 (um terço) das férias em abono
pecuniário, desde que o requeira com pelo menos 60 (sessenta) dias de
antecedência do seu início.
§ 2° No cálculo do abono pecuniário será considerado o valor do adicional
de férias, previsto no Artigo 82, V. (grifo nosso)
Da mesma forma, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União continha
previsão semelhante, nos termos da redação primitiva do art. 78, §§ 1º e 2º, da Lei nº
8.112/90, em relação ao qual colaciona-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal:
Processo: TJDF - APELAÇÃO CÍVEL: AC 380733820018070001 DF
0038073-38.2001.807.0001 Julgamento: 31/05/2004 Publicação:
02/09/2004, DJU Pág. 65 Seção: 3
Ementa: PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO -
ABONO PECUNIÁRIO DECORRENTE DA CONVERSÃO DE 10
(DEZ) DIAS DE FÉRIAS - TERÇO DE FÉRIAS CONSTITUCIONAL -
BASE DE CÁLCULO - ANTIGA REDAÇÃO DO ARTIGO 78, §§ 1º E
2º, DA LEI Nº 8.112/90 - RJU - EXCESSO DE EXECUÇÃO -
INOCORRÊNCIA.
1 – Com a primitiva redação do artigo 78, §§ 1º e 2º, da Lei nº
8.112/90 (RJU), a parcela relativa ao terço de férias constitucional
integra a base de cálculo do abono pecuniário, decorrente da
conversão de 10 (dez) dias de férias do servidor. Sob esta ótica, não
implicará em excesso de execução a inserção de tal parcela (terço
de férias) nas respectivas planilhas para apuração do valor do abono
(precedentes deste Tribunal).
No caso do município em questão, atendo-se somente ao dispositivo legal trazido
à baila pelo consulente, depreende-se que ao mencionar a conversão de 1/3 das férias
em abono, sem precisar sua base de cálculo, não se apresenta razoável concluir que quis
o legislador incluir o terço constitucional de férias no cálculo do abono pecuniário.
4
Divergindo dessa linha interpretativa, segue entendimento esposado pelo Tribunal
Superior do Trabalho, selecionado dentre aqueles citados no parecer jurídico do órgão
consulente:
RECUROS DE REVISTA. ABONO PECUNIÁRIO. CÁLCULO.
GRATIFICAÇÃO DE 1/3 DE FÉRIAS. CÁLCULO. O abono pecuniário
caracteriza-se como a parcela indenizatória resultante da conversão
pecuniária do valor correspondente a um terço do período de férias
(art.143, § 1º, da CLT). É interessante salientar que esse abono celetista é
calculado sobre o valor global das férias: logo, considera inclusive, o terço
constitucional de férias. No tocante à gratificação de 1/3 das férias, ainda
que o empregado tenha optado por converte em dinheiro 1/3 das férias,
esta parcela deve incidir sobre a remuneração equivalente aos 30 dias de
férias. Recurso de revista não conhecida. (TST; RR 72000-
03.2011.5.13.0009; Terceira Turma; Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado;
DEJT 22/06/2012; Pág. 733, grifei).
O entendimento jurisprudencial citado acima, aplicável à legislação celetista, não
pode ser estendido à interpretação do dispositivo legal citado pelo consulente.
Primeiro, porque o art. 143 da CLT faculta a conversão de 1/3 do período de férias
do trabalhador em abono pecuniário calculado sobre o valor da “remuneração que lhe
seria devida nos dias correspondentes”1. Ora, a parte final do dispositivo, ao referir-se à
remuneração devida nos dias correspondentes às férias, abre margem à interpretação de
que o cálculo do abono deve incidir sobre à remuneração do empregado acrescida do
terço constitucional de férias.
Já o art. 74 da Lei Complementar 06/94, do Município de Tangará da Serra, na
redação apresentada pelo consulente, não possui tal margem de interpretação, ao prever,
1 CLT – Art. 143. É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977) (grifo nosso)
5
apenas, a faculdade de conversão de 1/3 das férias do servidor em abono pecuniário,
sem qualquer referência à sua base de cálculo2.
Segundo, porque a Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade,
sendo vedado o cálculo de vantagens remuneratórias incompatíveis com a legislação, de
forma que a ampliação da base de cálculo do abono pecuniário em questão com base em
precedentes relacionados à legislação celetista, não reproduzida pela legislação
municipal, não se compatibiliza com o referido princípio de envergadura constitucional.
Terceiro, mas não essencial, porque, mesmo diante da redação do art. 143 da
CLT, que dá margem à interpretação de que o abono pecuniário de férias deve ser
calculado com base na remuneração do trabalhador acrescida do terço constitucional de
férias, verifica-se a existência de divergência de entendimentos no âmbito da própria
justiça trabalhista, conforme exemplificado pelas decisões elencadas a seguir:
FÉRIAS. ABONO PECUNIÁRIO. BASE DE CÁLCULO - REMUNERAÇÃO.
O terço constitucional de férias não é parcela integrante da remuneração-
base para o cálculo do abono pecuniário, haja vista que a remuneração a
que alude o art. 143, caput, da CLT consiste no somatório do salário-base
e demais parcelas de natureza salarial habitualmente pagas. Logo, sem
maior dispêndio de raciocínio, lógica é a conclusão de que, se o terço
constitucional não integra o rol de parcelas pagas de forma habitual,
obviamente, não deve integrar o cômputo do abono pecuniário. (TRT, 10ª
Região, 1ª Turma, RO 1136200901510008 DF 01136-2009-015-10-00-8,
Relatora Desembargadora Elaine Machado Vasconcelos; Julgamento em
13/10/2009; Publicação em 23/10/2009) (grifo nosso)
FÉRIAS. CONVERSÃO EM ABONO PECUNIÁRIO. CÁLCULO. O
trabalhador ao optar pela conversão de 1/3 do período de férias em
pecúnia, terá o gozo efetivo de 20 dias de férias e o pagamento de
10 dias trabalhados calculados sobre a remuneração mensal. Nesse
2 Lei Complementar nº 06/1994 de Tangará da Serra – Art. 74. É facultado ao servidor, converter 1/3 (um terço) das férias em abono pecuniário, desde que o requeira com pelo menos 30 (trinta) dias de antecedência. (grifo nosso)
6
contexto, o terço constitucional deverá incidir sobre o valor da
remuneração mensal integral. O valor do abono pecuniário terá
como base apenas o valor da remuneração, sem considerar a
incidência de 1/3 constitucional, sob pena de bis in idem. (TRT, 10ª
Região, 1ª Turma, ROPS- 00395-2009-021-10-00-3, Rel. Juiz JOÃO
LUIS ROCHA SAMPAIO, Data de julgamento: 16/06/2009) (grifo
nosso)
Em todo caso, deve-se ressaltar mais uma vez que o abono pecuniário de férias
(previsão legal) não se confunde com o terço constitucional de férias (previsão
constitucional3), sendo que – independentemente da conversão de parte das férias do
servidor em pecúnia, bem como da composição da base de cálculo do respectivo abono –
o terço constitucional de férias incidirá sobre a remuneração do servidor correspondente
à totalidade do período de férias a que tiver direito.
Tal entendimento, decorrente da interpretação do dispositivo constitucional que
trata do terço de férias – direito trabalhista deferido aos trabalhadores em geral e aos
servidores públicos – encontra-se contemplado em todos os precedentes da justiça
trabalhista transcritos neste parecer, inclusive naqueles em que há divergências quanto à
base de cálculo do abono pecuniário.
Assim, entende-se que, em face do silêncio da legislação municipal, o terço de
férias não pode ser incluído na base de cálculo do abono pecuniário.
3 Constituição Federal:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:[…] XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. (Vide ADIN nº 2.135-4)[…]§ 2º - Aplica-se a esses servidores o disposto no art. 7º, IV, VI, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII, XXIII e XXX. (grifo nosso)
7
3. CONCLUSÃO
Considerando-se que:
a) há necessidade de previsão legal que permita a conversão de parte do
período de férias em pecúnia para sua concessão pela Administração Pública;
b) deve haver interesse público e disponibilidade orçamentária e financeira
para concessão do abono pecuniário de férias;
c) quando silente a legislação municipal, e à luz do princípio constitucional da
legalidade, o terço constitucional de férias não pode ser incluído na base de cálculo do
abono pecuniário previsto em lei;
d) outros municípios e o Estado podem dispor de forma diversa sobre o abono
pecuniário de férias, inclusive vedando o seu pagamento;
e) em virtude do caráter normativo e vinculante que possuem as decisões de
consulta, será sugerida resposta genérica, de forma a atender a todos os jurisdicionados;
E, considerando ainda a inexistência de prejulgados que respondam à dúvida
do consulente, ao julgar o presente processo e concordando este Egrégio Tribunal Pleno
com o entendimento delineado no presente parecer, sugere-se a seguinte ementa (art.
234, § 1º, da Resolução n° 14/2007):
Resolução de Consulta nº ___/2013. Pessoal. Regime jurídico estatutário.
Abono pecuniário. Forma de cálculo. Terço constitucional de férias. Forma
de cálculo.1. O abono pecuniário de férias, consistente na conversão de parcela das férias
em pecúnia, só pode ser concedido a servidor estatutário se houver previsão
legal no estatuto ou no plano de carreira ao qual estiver vinculado.
8
2. Havendo autorização legal para concessão do abono pecuniário, sua forma
de cálculo também deve estar prevista em lei. Se a lei não incluir de forma
expressa o terço constitucional de férias (CF, art. 7, XVII, c/c art. 39, § 3º) na
base de cálculo do abono pecuniário, não cabe ao administrador fazê-lo.
3. Em todo caso, o terço constitucional de férias deve incidir sobre a
remuneração correspondente ao período total das férias a que o servidor tem
direito, mesmo que parte dela tenha sido convertida em pecúnia.
Cuiabá-MT, 18 de abril de 2013.
Bruna Zimmer Bruno Anselmo BandeiraTécnica de Controle Público Externo Secretário Chefe da Consultoria Técnica
9