parecer administrativo n.: autos : assunto: … · tribunal de justiça do estado de goiás....
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PARECER ADMINISTRATIVO N.: 2/107/2013
AUTOS : 201300267837 (Apenso n. 201300306398)
ASSUNTO: Representação de Inconstitucionalidade
ORIGEM: CAO Criminal e da Segurança Pública
INCONSTITUCIONALIDADE DO PROVIMENTO N.
04/2013 DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA
DO ESTADO DE GOIÁS. 1. Ato normativo estadual
que apenas dá consecução e cumprimento, além
de regulamentá-lo, a ato normativo federal, do
Conselho Nacional de Justiça, não pode ser objeto
de ação direta de inconstitucionalidade perante o
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
Inteligência dos arts. 102, I, a, e 125, § 2º, da
Constituição da República, e do art. 60 da
Constituição do Estado de Goiás. 2. Conveniência,
de todo modo, de representação ao exercente da
Chefia do Ministério Público da União, tendo em
conta eventual deflagração do controle abstrato
de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal em desfavor do referido ato e,
bem assim, primordialmente, do que lhe dá
suporte (Resolução n. 154/2012 do Conselho
Nacional de Justiça).
Senhor Procurador-Geral de Justiça:
Cuida-se, originariamente, do Ofício n. 402/13 – CAO Criminal,
datado de 26.6.2013, e que aportou, em 28.6.2013 (sexta-feira), na
Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, em que se aponta para a
inconstitucionalidade do Provimento n. 04/2013, exarado pela Corregedoria-Geral
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de Justiça do Estado de Goiás, que estaria em dissonância com a Recomendação n.
02/2012, da Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado de Goiás, na
questão concernente à utilização de recursos oriundos da implementação de
medida alternativa de prestação pecuniária acordada no âmbito da transação penal,
representando, em tese, ofensa a prerrogativas desta Instituição.
Eis, na íntegra, o teor do ofício da lavra do eminente colega,
Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e da
Segurança Pública, Dr. Vinícius Marçal Vieira, litteris:
“Sirvo-me do presente, para encaminhar a Vossa Excelência, cópia do
Provimento nº 04/2013 da Corregedoria-Geral de Justiça que está em
dissonância à recomendação nº 02/2012 da Corregedoria-Geral do MPGO
no que diz respeito a utilização dos recursos oriundos da pena restritiva
de direitos de prestação pecuniária e que estaria em tese ferindo
prerrogativas desta Instituição. Diante deste impasse solicitamos a
verificação de cabimento de ADIN ou outras providências que
entender cabíveis.” (ênfase acrescentada)
Autos com vista ao subscritor, para parecer, o que se deu após o
transcurso de período contínuo de abono e férias, verificado entre 8.7.2013
(segunda-feira) e 3.8.2013 (sexta-feira).
Posteriormente, em 7.8.2013, consoante carimbo e assinatura de
servidora, lançados à fl. 10, verso, aportou, nesta Subprocuradoria-Geral de Justiça
para Assuntos Jurídicos, representação endereçada a Vossa Excelência, da lavra do
eminente colega Dr. Everaldo Sebastião de Sousa, Promotor de Justiça e
Coordenador das Promotorias de Justiça da Comarca de Jaraguá, protocolizado em
25.7.2013 (Autos Administrativos n. 201300267837), da qual se extrai:
“A par de respeitosamente cumprimentá-lo, venho por intermédio deste,
requerer a Vossa Excelência providências legais da Procuradoria Geral de
Justiça, referentes a Resolução n. 154 de 13 de julho de 2012 do
Conselho Nacional de Justiça e ao Provimento n. 04/2013 da Corregedoria
Geral de Justiça do Estado de Goiás, que orienta juízes a modificarem a
destinação dos valores transacionados em audiência pelo Ministério
2
Público, para depósitos exclusivos em conta do Tribunal de Justiça de
Goiás.
Sabemos, por disposição legal, que diante dos princípios da oportunidade
ou da proporcionalidade, ao juízo cabe apenas a possibilidade de redução
da pena transacionada com o Ministério Público, nos exatos termos do §
1º do artigo 76 da Lei n. 9.099/95. Com efeito, na hipótese de ser a pena
de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade, e não,
como previsto nos atos indicados, fazer a alteração na destinação da pena
pecuniária em prol da conta única do judiciário goiano vinculada ao Juízo
de Direito na Comarca.
Consequentemente, dando destinação diversa à sanção pecuniária aceita
pelo transgressor e proposta pelo Ministério Público, o Magistrado de
primeiro grau viola o art. 129, inciso, I, da Constituição da República, o
qual recepcionou disposição contida no artigo 257 do Código de Processo
Penal.
Noutra quadra, o perigo se agrava não só em coactar as atribuições
constitucionais do Ministério Público por regramentos impróprios, mas
também, referida Resolução e Provimento transformam os Juízes de
Execução em verdadeiros gestores, podendo, em razão das novas
atribuições – ilegais e inconstitucionais – responderem penal, civil e
administrativamente.”
Apensou-se o último feito ao originário.
É o relatório.
I
1. Extrai-se, do perlustro dos autos, que o cerne da questão cinge-
se à análise da (in)constitucionalidade do Provimento n. 04/2013, emitido pela
Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Goiás, que “Define a política
institucional do Poder Judiciário do Estado de Goiás na utilização dos recursos
oriundos da pena restritiva de direitos da prestação pecuniária”, e à efetivação de
providências legais quiçá cabíveis.
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2. Com efeito, nota-se que a Política Institucional do Poder
Judiciário na execução de penas e medidas alternativas à prisão não foi definida, na
sua origem, pelo Provimento n. 04/2013 da Corregedoria-Geral de Justiça do
Estado de Goiás, mas sim pela Resolução n. 154, expedida pelo Conselho Nacional
de Justiça, sendo que o sobredito provimento apenas reproduziu elementos do
referido ato normativo federal e regulamentou os procedimentos atinentes à forma
de recolhimento de valores provenientes da aplicação de penalidades ou medidas
alternativas de cunho pecuniário.
3. Nessa senda, é imperioso registrar que a norma matriz que,
em tese, teria afrontado as prerrogativas inerentes à atuação do Ministério
Público, ao determinar que os recursos decorrentes do cumprimento da medida
alternativa análoga à pena restritiva de direitos de prestação pecuniária, contida
em transação penal, fossem depositados em conta judicial, posta à disposição e sob
responsabilidade do Juízo da Vara de Execução Penal, sedia-se, originariamente,
não no provimento objeto do ofício do CAO Criminal, mas na Resolução n. 154,
de 13.7.2012 do CNJ, litteris:
“Resolução nº 154 de 13 de julho de 2012.
Define a política institucional do Poder Judiciário na utilização dos recursos
oriundos da aplicação da pena de prestação pecuniária
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas
atribuições constitucionais e regimentais,
CONSIDERANDO a Resolução nº 101, de 15 de dezembro de 2009, deste
Conselho, que definiu a política institucional do Poder Judiciário na
execução de penas e medidas alternativas à prisão;
CONSIDERANDO que as destinações das penas pecuniárias, espécie de
pena restritiva de direitos, têm que ser aprimoradas, para evitar total
descrédito e inutilidade ao sistema penal, já que a execução da pena é o
arremate de todo o processo criminal;
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CONSIDERANDO a necessidade de dar maior efetividade às prestações
pecuniárias, aprimorando-se a qualidade da destinação das penas
impostas;
CONSIDERANDO a necessidade de uniformizar as práticas para o fomento
à aplicação da pena de prestação pecuniária em substituição à prisão,
como condição da suspensão condicional do processo ou transação
penal, visando melhor fiscalização do emprego dos valores recebidos
pelas instituições beneficiadas;
CONSIDERANDO a necessidade de regulamentação da destinação,
controle e aplicação de valores oriundos de prestação pecuniária aplicada
pela justiça criminal, assegurando a publicidade e transparência na
destinação dos aludidos recursos;
CONSIDERANDO a decisão do plenário do Conselho Nacional de Justiça,
tomada no julgamento do Ato nº 0005096-40.2011.2.00.0000, na 147ª
Sessão Ordinária, realizada em 21 de maio de 2012;
RESOLVE:
Art. 1º Adotar como política institucional do Poder Judiciário, na
execução da pena de prestação pecuniária, o recolhimento dos
valores pagos em conta judicial vinculada à unidade gestora, com
movimentação apenas por meio de alvará judicial, vedado o
recolhimento em cartório ou secretaria.
Parágrafo único. A unidade gestora, assim entendida, o juízo da
execução da pena ou medida alternativa de prestação pecuniária,
ficará responsável pela abertura da conta corrente junto à
instituição financeira estadual ou federal, exclusiva para o fim a
que se destina.
Art. 2º Os valores depositados, referidos no art. 1o, quando não
destinados à vitima ou aos seus dependentes, serão, preferencialmente,
destinados à entidade pública ou privada com finalidade social,
previamente conveniada, ou para atividades de caráter essencial à
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segurança pública, educação e saúde, desde que estas atendam às áreas
vitais de relevante cunho social, a critério da unidade gestora.
§ 1º A receita da conta vinculada irá financiar projetos apresentados pelos
beneficiários citados no caput deste artigo, priorizando-se o repasse
desses valores aos beneficiários que:
I - mantenham, por maior tempo, número expressivo de cumpridores de
prestação de serviços à comunidade ou entidade pública;
II - atuem diretamente na execução penal, assistência à ressocialização
de apenados, assistência às vítimas de crimes e prevenção da
criminalidade, incluídos os conselhos da comunidade;
III - prestem serviços de maior relevância social;
IV - apresentem projetos com viabilidade de implementação, segundo a
utilidade e a necessidade, obedecendo-se aos critérios estabelecidos nas
políticas públicas específicas.
§ 3º É vedada a escolha arbitrária e aleatória dos beneficiários.
Art. 3º É vedada a destinação de recursos:
I - ao custeio do Poder Judiciário;
II - para a promoção pessoal de magistrados ou integrantes das entidades
beneficiadas e, no caso destas, para pagamento de quaisquer espécies de
remuneração aos seus membros;
III - para fins político-partidários;
IV – a entidades que não estejam regularmente constituídas, obstando a
responsabilização caso haja desvio de finalidade.
Art. 4º O manejo e a destinação desses recursos, que são públicos,
devem ser norteados pelos princípios constitucionais da Administração
Pública, previstos, dentre outros, dispositivos no art. 37, caput, da
Constituição Federal, sem se olvidar da indispensável e formal prestação
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de contas perante a unidade gestora, sob pena de responsabilidade,
ficando assegurada a publicidade e a transparência na destinação dos
recursos.
Parágrafo único. A homologação da prestação de contas será precedida de
manifestação da seção de serviço social do Juízo competente para a
execução da pena ou medida alternativa, onde houver, e do Ministério
Público.
Art. 5º Caberá às Corregedorias, no prazo de seis meses, contados da
publicação da presente Resolução, regulamentar:
I - os procedimentos atinentes à forma de apresentação e aprovação de
projetos;
II - a forma de prestação de contas das entidades conveniadas perante a
unidade gestora;
III - outras vedações ou condições, se necessárias, além daquelas
disciplinadas nesta Resolução, observadas as peculiaridades locais.
Art. 6º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.” (ênfase
acrescentada)
4. Saliente-se, de pronto, não se poder alvejar, autônoma e
isoladamente, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, ato
administrativo que, malgrado tenha tessitura e natureza normativa genéricas, não
se caracteriza pela qualidade de autonomia, tampouco pretexta poderes típicos de
lei em sentido formal, mas, a rigor, somente dá consecução e cumprimento a
ato normativo provindo de órgão situado em escalão superior da hierarquia
administrativa.
5. Constata-se que a competência normativa da Corregedoria-
Geral da Justiça do Estado de Goiás, ao expedir o Provimento n. 04/2013, já estava
vinculada à norma previamente estabelecida, e, por ela confinada, qual seja, a
Resolução n. 154, de 13.7.2012, ato normativo administrativo, exarado, de seu
turno, pelo Conselho Nacional de Justiça, e que somente poderá ser objeto de ação
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direta de inconstitucionalidade proponível perante o Supremo Tribunal Federal,
presentes as limitações da jurisdição abstrata estadual, cujo diâmetro, lançado no
art. 125, § 2º, da Constituição da República, não lhe reserva domínio excedente da
esfera restrita a “leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da
Constituição Estadual”.
6. Em verdade, constatando-se que o confronto, em tese, dá-se,
precedentemente, entre a Constituição da República e o sobredito ato do Conselho
Nacional de Justiça, que teve seu texto reproduzido e desenvolvido, em típica
regulamentação, por provimento da Corregedoria-Geral da Justiça, o caso é,
quando muito, de propositura de ação direta de inconstitucionalidade, nos termos
do art. 102 da Constituição da República.
7. Não há, portanto, espaço para o manejo de ação de controle
objetivo de constitucionalidade, nos moldes delineados pelo art. 60 da Constituição
Estadual, que, assim concebida, implicaria uma assunção, pelo Tribunal de Justiça
do Estado de Goiás, de competência constitucionalmente deferida, sob a nota de
absoluta exclusividade, por opção soberana do poder constituinte originário, ao
Supremo Tribunal Federal.
8. Outrossim, sequer se afigura crível aviltrar, na espécie, o
cabimento da ação direta de inconstitucionalidade estadual, a partir da asserção de
que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – e, portanto, a sua Corregedoria –
possuiria autonomia administrativa, e, poder para, sponte propria, elaborar seus
atos normativos.
9. Com efeito, não se lhe nega a autonomia orgânico-
administrativa, que, sob esse ângulo, o parifica a todos os Tribunais, típica
garantia institucional (SILVA, José Afonso da, Comentário Contextual à
Constituição, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012, pp. 524-525, v. g.), deferida
pela própria Constituição da República, apta a embasar, só por si, a expedição de
ato normativo pelas respectivas Corregedorias.
10. Todavia, no caso e para sua solução, reveste-se de óbice
derradeiro a circunstância de que, ao versar sobre a destinação da prestação
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pecuniária ajustada em transação penal, o ato normativo local o fez calcado
em determinação superior, emanada, como visto, de antemão, do Conselho
Nacional de Justiça.
11. Registre-se, nesse passo, que, já no deslinde plenário, em
13.4.2005, da ADI 3367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso (RTJ 197, t. 2/839), o Excelso
Pretório, ao declarar a constitucionalidade pontual da Emenda Constitucional n.
45, assentou, pela voz majoritária de sua ilustrada membresia, inexistir, na criação
do Conselho Nacional de Justiça e em face das competências de que investido,
restrição à independência do Poder Judiciário, malgrado os novos contornos,
mais reduzidos, da autonomia administrativa de seus Tribunais, resultante
do “controle da atuação administrativa”, de alçada nacional, que, então, passaria a
ser exercido.
12. Eis, no ponto, por ilustrativo, trecho do voto, na ocasião
declinado, pelo Min. Eros Grau, verbis:
“10. De resto – e este ponto é de fundamental importância – ao Conselho
Nacional de Justiça não é atribuída competência nenhuma que permita a
sua interferência na independência funcional do magistrado. Cabe a ele
exclusivamente o 'controle da atuação administrativa e financeira
do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos
juízes', nada mais do que isso. Sua presença, como órgão do Poder
Judiciário, no modelo brasileiro de harmonia e equilíbrio entre os Poderes,
não conformará nem informará – nem mesmo afetará – o dever-poder de
decidir conforme a Constituição e as leis que vinculam os membros da
magistratura. O controle que exercerá está adstrito ao plano da
'atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes'. Embora órgão integrante
do Poder Judiciário – razão pela qual desempenha autêntico controle
interno –, não exerce função jurisdicional.” (ênfase acrescentada) (RTJ
197, t. 3/883)
13. E, quando do julgamento, na Suprema Corte, em 16.2.2006,
do pleito de Medida Cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12,
Rel. Min. Carlos Britto, versando, a propósito da discussão sobre a resolução do
nepotismo e os contornos da competência de controle administrativo do Conselho
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Nacional de Justiça e, pois, de sua competência normativa, pontificou, com a
precisão costumeira, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence (RTJ 199, t. 2/476):
“No mérito, Senhor Presidente, a questão mais grave, evidentemente, é a
da existência ou não da competência normativa do Conselho Nacional de
Justiça, a cuja negação acaba de emprestar a sua autoridade o eminente
Ministro Marco Aurélio.
Estou, no entanto, em que, da competência para rever a ação
administrativa dos órgãos judiciários, a ele submetidos, decorre o
poder de o Conselho regulamentar as soluções que dê às questões
de legalidade que lhe sejam submetidas […].” (ênfase acrescentada)
14. Convergente, aliás, com a colacionada jurisprudência, o
magistério da doutrina não destoa quanto à “atribuição de competência normativa”
ao Conselho Nacional de Justiça, com a advertência, é certo, de respeito ao âmbito,
legítimo e constitucional, de autonomia dos Tribunais (MOTTA, Fabrício,
Regulamentos Administrativos, in Tratado de Direito Administrativo, v. 1,
coordenado por Adilson Abreu Dallari e Outros, publicado, em 2013, pela Editora
Saraiva, p. 146, v. g.).
15. Analisando, sob distinto prisma, ao qual Norberto Bobbio,
firme em Hans Kelsen, denomina de “sistema dinâmico” (Teoria Geral do Direito,
São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 218-220, v. g.), a relação entre a Resolução n.
154, de 13.7.2012, do Conselho Nacional de Justiça, e o Provimento n. 04/2013, da
Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Goiás, é compreendida num contexto
de supra-infra-ordenação, em que prevalece a norma ditada pela autoridade
superior: no plano administrativo – não se põe em xeque – a autoridade superior é,
ainda que em termos, o primeiro de tais órgãos, de sorte que seus atos até
prevalecem sobre os do segundo, em situação de hipotético conflito (NINO, Carlos
Santiago, Introdução à Análise do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2010, p.
181, v. g.).
16. Não há negar, acrescente-se, que a Resolução n. 154/2012, do
Conselho Nacional de Justiça, em seu art. 5º, a revelar, com explicitude maior, seu
desiderato de compulsória observação, fixou prazo para que as Corregedorias
10
de cada Tribunal regulamentassem o novo sistema por ela preconizado, ostentando,
inclusive, típica regra de encerramento, veiculada no seu inciso III, em cuja
conformidade o ato normativo local poderia descer a “outras vedações ou
condições, se necessárias, além daquelas disciplinadas nesta Resolução, observadas
as peculiaridades locais”.
17. À luz de segura lição de Kelsen (Teoria Geral das Normas,
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 120), partindo da premissa
da hierarquia administrativa, ainda que constitucionalmente limitada, entre o
Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais de Justiça em geral, e, por
decorrência, entre os atos administrativos normativos que um e outros
estabeleçam, se poderia dizer que a tão falada Resolução n. 154/2012, como
resulta de todo o seu teor, notadamente do art. 5º, exerce, dentre as funções
suscetíveis de desempenho por uma norma – imposição, permissão, autorização e
derrogação –, a de imposição.
18. E, com o rigor lógico que perpassa toda sua teoria, ensina
Kelsen, sobre a função normativa de imposição, que “toda imposição de uma
conduta é a proibição da omissão dessa conduta” (ob. cit., p. 121).
19. A respeito, assim, da destinação dos recursos pecuniários
provenientes de transação penal, translúcida a imposição da normativa do Conselho
Nacional de Justiça ao conjunto dos Tribunais de Justiça, estariam estes proibidos
de retardamento no tocante à implementação do sistema guerreado.
20. No tocante, contudo, à destinação do dinheiro desembolsado
em razão do cumprimento de medida alternativa de prestação pecuniária constante
de transação penal, resulta evidente que o ato do Conselho Nacional de Justiça
decidiu a “coisa em si”, somente correndo por conta do ato normativo estadual o
delineamento do “como” ou do “modo” de ser, do “procedimento”, enfim, da “coisa”.
21. Logo, tendo-se por estampado, no ato do Conselho Nacional de
Justiça – órgão situado em posição administrativa superior no âmbito do Poder
Judiciário e detentor, nesse terreno, de competência normativa – regência
subordinante, no tocante a esse inovador sistema de destinação dos recursos
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alusivos à medida alternativa de prestação pecuniária, vocacionada à generalidade
dos Tribunais, não há como tergiversar, no ponto, sobre o caráter meramente
subalterno e dependente e acessório do ato normativo mencionado da
Corregedoria-Geral de Justiça deste Estado-membro, a impedir o ingresso de ação
de controle abstrato destituída de interesse-utilidade, pois que incapaz, na
eventualidade de julgamento de mérito pela procedência do pedido articulável, de
resolver a situação criada – na terminologia recordada do Min. Sepúlveda Pertence
– pelo “órgão central” da “administração superior do Poder Judiciário” (RTJ 197, t.
3/919).
22. Releva notar, em atenção às notas mais comezinhas do direito
processual constitucional, a plena legitimidade – com o colorido todo próprio,
advindo da natureza abstrata da discussão constitucional propiciada pelos
instrumentos de controle objetivo – de perquirição, nos feitos de controle objetivo,
da presença ou não da “condição da ação” consistente no interesse (JUNIOR,
Nelson Nery, e NERY, Rosa Maria de Andrade, Constituição Federal Comentada
e Legislação Constitucional, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp.
1094, v. g.), verbi gratia:
“2. Requisitos Condições da Ação. Como em toda pretensão dirigida ao
Poder Judiciário, para que seja possível o julgamento do mérito da ADIn é
necessária a comprovação da presença das condições da ação: legitimidade
das partes, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido (CPC
267 VI). Devem estar presentes desde a propositura da ação e se
manter presentes no momento do julgamento do mérito (acórdão do Pleno).
Faltando uma delas, o STF não pode julgar o mérito da ADIn. Presentes no
início da ação, não poderá ser apreciado o mérito; ausente uma delas no
início da ação, mas implementada a condição no decorrer do procedimento,
impõe-se o julgamento do mérito.” (ênfase acrescentada)
23. Na mesma linha, multifários arestos do Supremo Tribunal Federal
dão mostra da ausência de interesse-utilidade nos casos em que se pleiteia a
declaração de inconstitucionalidade de regramento que não esgota a regência
normativa, mas, pelo contrário, se mostra dependente ou, conforme a hipótese,
complementar de texto normativo diverso, olvidado pelo requerente.
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24. Lapidares, a respeito, trechos da ementa e do voto, da lavra do
preclaro Ministro Marco Aurélio, na ADI 1912/RJ, julgada em 25.3.1999, em que o
Supremo Tribunal Federal assentou:
“Ação direta de inconstitucionalidade – Utilidade do pronunciamento
judicial – Lei repetidora de preceito constitucional – Pedido restrito à
primeira. O pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade
deve revestir-se do predicado utilidade. Isso não ocorre quando
direcionada apenas contra lei ordinária que repete texto de estatura
maior, ou seja, de Lei Básica do Estado-membro da Federação. A medida
deve fazer-se dirigida contra ambos os diplomas.” (ementa)
“O Plenário tem concluído que, em se tratando de duplicidade
normativa, a ação direta, exigida a demonstração do interesse de agir, há
de estar voltada a ambos os diplomas […].” (voto)
25. Afirma, no particular, Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição
Constitucional, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 242), que o “STF tem
entendido que, se o vício de inconstitucionalidade abrange vários dispositivos, a
impugnação há de incidir sobre todos eles, sob pena de não se conhecer da ação
direta”.
26. Essa, no fundo, é a razão também de se extinguir, sem resolução
de mérito, ação direta de inconstitucionalidade quando o vício de que se ressente o
autor consta não somente do ato normativo vigente mas, igualmente, do que haja
sido por ele revogado, a implicar a elaboração de pedido direcionado à “cadeia
normativa da norma impugnada” (MENDES, Gilmar Ferreira, Controle Abstrato de
Constitucionalidade: ADI, ADC e ADO – comentários à Lei n. 9.868/99, 1ª
ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 232, v. g.).
27. À conexão, aliás, entre as duas realidades, ambas reduzidas ao
denominador comum da “inutilidade do pronunciamento jurisdicional (falta do
interesse de agir)”, emprestou singular destaque o douto voto do saudoso Ministro
Carlos Alberto Menezes Direito, na ADI 3773/SP, j. em 4.3.2009 (RTJ 210, t.
1/172), trazendo à colação inúmeros arestos da Suprema Corte.
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28. Agasalha-se, à espécie, a compreensão uníssona dos doutos e da
jurisprudência, com uma agravante de tomo: no caso de que ora se ocupa, não
seria possível, salvo o apego insistente a paralogismos tecnicamente despudorados,
cumular, em ação direta de inconstitucionalidade estadual, pedidos em desfavor dos
dois atos administrativos normativos sob consideração, pois, repita-se, a tanto não
chegam os marcos da jurisdição constitucional abstrata dos Estados-membros.
29. A vicejar a opinião, tão divulgada quanto heterodoxa, de propor-
se, perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, ação direta de
inconstitucionalidade em desfavor apenas do ato normativo – administrativo e
ancilar – de sua Corregedoria-Geral, a utilidade que se poderia emprestar a
eventual pronunciamento de procedência do pedido pressuporia desconsideração de
ato normativo federal inatacável na Corte Estadual, e, dessa maneira, a porta
estaria aberta, dado o caráter secundário e dependente daquele regramento,
destituído – no que toca com o novo regime da destinação de valores acordados
em transação penal – de qualquer traço de autonomia, à reclamação
constitucional perante o Supremo Tribunal Federal, por usurpação de sua
competência jurisdicional (art. 102, I, l, da Constituição da República), pois, tudo
pesado, contendido estaria sendo, por esse expediente sutil, na sua essência
mesma, ato normativo nacional.
30. Contradite-se, ademais, a asserção de que seria tecnicamente
viável ajuizar-se a ação direta de inconstitucionalidade estadual em face do ato
normativo da Corregedoria-Geral de Justiça, que nela figuraria como objeto,
procedendo-se, contudo, ao exame e à declaração concreta, incidenter tantum, do
ato normativo do Conselho Nacional de Justiça.
31. Rematado absurdo, como se passa, em poucas linhas, a
demonstrar.
32. Passaria além da marca o Tribunal de Justiça de Estado-membro
que, em sua jurisdição constitucional abstrata, pretendesse afastar, incidenter
tantum, no bojo de ação direta de inconstitucionalidade estadual, por discrepância
com a Constituição da República, ato normativo que, a despeito disso, continuaria a
constar da ordem jurídica, munido da plena virtualidade de seus efeitos.
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33. Muito embora cabível, segundo a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, a discussão incidental de inconstitucionalidade federal em sede de
ação direta de inconstitucionalidade estadual, está-se diante de técnica de
convívio entre espécies distintas do gênero controle, que não chegou ao ponto de
ensejar a ampliação do objeto litigioso da ação direta de inconstitucionalidade local
para permitir afastar-se do cenário jurídico objeto diverso do fixado na demanda.
34. Noutro giro, sustentar como crível declarar, incidentalmente, a
inconstitucionalidade do ato administrativo normativo nacional mencionado para,
com isso, tolhidos os seus efeitos, dizer-se hígida a ação de controle estadual,
rendendo-lhe, assim, ensejo, seria alçar a decisão de questão prejudicial ao nível
da principaliter, com todas as consequências a que a ordem constitucional a
preordena, sobretudo a de retirada do ato tido como inconstitucional do sistema
normativo.
35. Evidente que não se opõem, de modo peremptório e derradeiro,
os rudimentos do direito processual constitucional à admissão, no âmbito de um
processo de controle abstrato, da declaração incidental (concreta) de
inconstitucionalidade.
36. Esse, aliás, é o caminho, como abaixo se documentará, a ser
perfilhado em casos nos quais, em se tratando de controle abstrato de
constitucionalidade realizado no Tribunal de Justiça local, logo se vê que a
Constituição do Estado-membro, único parâmetro de controle admissível, vulnera,
ela mesma, a Lei Fundamental da República.
37. Idêntico rumo se há de tomar quando, em qualquer processo,
inclusive nos de controle abstrato de constitucionalidade, se tiver de enfrentar
problema processual ao qual esteja subjacente questão de (in)constitucionalidade.
38. No Supremo Tribunal Federal, dessa maneira se procedeu,
exempli gratia, quando, antes de se enfrentar o mérito da primeira Ação
Declaratória de Constitucionalidade proposta naquela Corte, o relator, o então
Ministro Moreira Alves, suscitou, incidentalmente, o exame da própria
constitucionalidade da emenda constitucional por via da qual fora criado o referido
15
instrumento de controle abstrato de constitucionalidade, ocorrendo,
consequentemente, o enfrentamento da questão prévia proposta (ADC 1- QO,
Pleno, RTJ 157, t. 1/131).
39. Não contraria, pois, repita-se, a nenhum princípio processual
constitucional questionar-se, incidentalmente, no bojo do procedimento de uma
ação em que veiculado pedido de controle abstrato de constitucionalidade, a
constitucionalidade de outra norma cujo prévio reconhecimento da
constitucionalidade seja conditio sine qua non de exame do próprio tema que se
situa como objeto da discussão principaliter.
40. O que não se dá, porém, no momento em que se pode antever,
como na espécie, que o exercício do controle difuso importaria na extensão
indevida do objeto da ação proposta.
41. A razão da vedação é óbvia: fosse exercitado, no caso, o controle
incidental de inconstitucionalidade, e haveria confusão manifesta e irremissível
entre seu objeto e o da própria ação direta de inconstitucionalidade estadual,
perdendo a cognição, no controle concreto, por isso mesmo, como conteúdo –
que o qualifica desde o alvor da República –, a mera questão de índole
prejudicial, como averbado na melhor doutrina (MOREIRA, José Carlos Barbosa,
Comentários ao Código de Processo Civil, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
2012, v. V/33, v. g.).
42. Nessa mesma ordem de considerações, Ruy Barbosa, em clássico
do direito constitucional brasileiro (Atos Inconstitucionais, 2ª ed., Campinas:
Russell, 2004, p. 102), já mostrava que o manejo do controle concreto de
constitucionalidade supõe, como um de seus “requisitos elementares”, que o pleito
(“ação”) de constitucionalidade não tome, “por objeto”, “diretamente o ato
inconstitucional”, mas que à questão da inconstitucionalidade se refira “apenas
como fundamento e não alvo, do libelo”.
43. Outrossim, restaria ladeada, a trilhar-se por esse caminho, a
limitação mesma de que cuida o art. 125, § 2º, da Constituição da República, e, no
fundo, se teria ampliado o objeto possível de controle normativo abstrato estadual,
criando-se, ex officio, uma inusual ação direta de inconstitucionalidade federal, com
todos os ingredientes que lhe são típicos.
16
44. Sucumbiriam, numa passada só, todas as qualidades
especialíssimas que conformam e diferenciam, como técnicas infungíveis, o controle
concreto ou incidental (exercido difusamente) e o controle abstrato de
constitucionalidade (exercido de modo concentrado), e ficariam baralhadas, sem
remédio, todas as noções e conceitos que servem à discriminação dos espaços
distintos que tocam a cada um desses tipos inassimiláveis de institutos de proteção
à ordem constitucional.
45. Por esse alvitre, faleceria outro dentre os pressupostos a que
Ruy Barbosa chamava de “requisitos elementares” do controle concreto de
constitucionalidade (ob. loc. cit.):
“Que a decisão se circunscreva ao caso em litígio, não decretando em tese
a nulificação do ato increpado, mas subtraindo simplesmente à sua
autoridade a espécie em questão.”
46. Não se pode fugir de que há casos, no processo de controle de
constitucionalidade a cargo de Tribunal de Justiça de Estado-membro ou do Distrito
Federal, em que, ao se deparar com normas constitucionais locais discrepantes
de norma constitucional federal, o Tribunal de Justiça pode e deve realizar o
controle concreto, incidenter tantum, da norma constitucional local em face da
Constituição da República, declarando-as inconstitucionais, conforme
sustentado pela doutrina.
47. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes,
em obra escrita em coautoria com Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de Direito
Constitucional, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 1327-1328, v. g.), a
propósito, disserta, com precisão:
“Pode ocorrer que o Tribunal estadual considere inconstitucional o próprio
parâmetro de controle estadual, por ofensivo à Constituição Federal. No
sistema concentrado clássico, o Tribunal submeteria a questão, no âmbito
do controle concreto de normas, ao Tribunal Constitucional Federal.
Todavia, como haverá de proceder, entre nós, o Tribunal de Justiça que
identificar a inconstitucionalidade do próprio parâmetro de controle
estadual?
17
Nada obsta a que o Tribunal de Justiça competente para conhecer da ação
direta de inconstitucionalidade em face da Constituição estadual suscite ex
officio a questão constitucional – inconstitucionalidade do parâmetro
estadual em face da Constituição Federal –, declarando, incidentalmente, a
inconstitucionalidade da norma constitucional estadual em face da
Constituição Federal e extinguindo, por conseguinte, o processo, ante a
impossibilidade jurídica do pedido (declaração de inconstitucionalidade em
face de parâmetro constitucional estadual violador da Constituição
Federal).” (ênfase acrescentada)
48. No mesmo sentido, o notável Luiz Guilherme Marinoni, em livro
no qual figura, como autor, ao lado de Ingo Wolfgang Sarlet e Daniel Mitidiero
(Curso de Direito Constitucional, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,
p. 1175), litteris:
“Na ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de
Justiça há que se tomar em consideração, necessariamente, a Constituição
Estadual. Entretanto, o problema para decidir pode não ficar restrito à
valoração da norma impugnada diante da Constituição, mas exigir a
análise da constitucionalidade do próprio parâmetro de controle, ou seja,
da norma constitucional estadual perante a Constituição Federal.
O Tribunal de Justiça, durante o curso da ação direta de
inconstitucionalidade, pode examinar de ofício a constitucionalidade da
norma constitucional estadual invocada como parâmetro de controle. Ao
decidir estará julgando à luz da Constituição Federal e, por isso, caberia a
alegação de estar usurpando a competência do STF – que, como se sabe,
tem a incumbência de realizar o controle de constitucionalidade em face
da Constituição Federal.
Na Rcl 526, o STF decidiu que o Tribunal de Justiça pode apreciar em
caráter incidental, em representação de inconstitucionalidade de sua
competência, a constitucionalidade de norma da Constituição Estadual em
face da Constituição Federal.
Entendeu-se não ter ocorrido usurpação da competência do Supremo ao
ter o TJSP rejeitado a alegação incidente de que determinado artigo da
Constituição do Estado de São Paulo seria inconstitucional em face da
Constituição Federal. Admitiu-se, assim, em representação de
18
inconstitucionalidade ajuizada perante Tribunal de Justiça, o controle
incidental de norma estadual em face da Constituição Federal.
Se o Tribunal de Justiça reconhecer a constitucionalidade do parâmetro de
constitucionalidade, deverá prosseguir no julgamento, decidindo sobre a
constitucionalidade da norma impugnada pela ação direta. Em caso
contrário, o Tribunal de Justiça reconhecerá que a norma constitucional é
incompatível com a Constituição Federal e, portanto, que a norma
impugnada não pode ser objeto de controle perante ela.
Em hipóteses como esta, reconheça-se a constitucionalidade ou a
inconstitucionalidade do direito constitucional perante a Constituição
Federal, cabe recurso extraordinário ao STF.”
49. A possibilidade de, em ação direta de inconstitucionalidade
estadual, declarar-se, incidenter tantum, a inconstitucionalidade de norma da
Constituição do Estado-membro é, pois, modo salutar de convivência entre duas
formas diversas de controle de constitucionalidade, imposta, sublinhe-se, em razão
da “concorrência de parâmetros de controle”, como averbado na doutrina
(MENDES, Gilmar Ferreira, e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, ob. cit., p. 1325, v.
g.).
50. Outrossim, nessa hipótese doutrinária e jurisprudencialmente
reconhecida, sequer de longe há risco de ampliação reflexa do objeto litigioso,
dando-se por extirpado, como se objeto fosse da ação direta, ato normativo
ontologicamente inconfundível com o que haja sido alvejado na exordial.
51. De todo indevido, esse o quadro, supor que o Provimento n.
04/2013, da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Goiás, normativa
dependente e secundária, poderia ser questionado em ação direta de
inconstitucionalidade estadual, em cujo processo, a Resolução n. 154, expedida
pelo Conselho Nacional de Justiça, autônoma e originária, também o seria,
conquanto de forma supostamente incidental.
19
II
52. Questão diversa reside, contudo, na possibilidade, a que se
responde afirmativamente, de manejo, na instância jurisdicional suprema do Poder
Judiciário, por legitimado ativo à deflagração da jurisdição constitucional, de ação
de controle objetivo de constitucionalidade em relação a ambos os atos normativos,
o do Conselho Nacional de Justiça e o da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado
de Goiás.
53. Desde já – embora, ao sentir pessoal do subscritor, desamparada
de qualquer julgado do Supremo Tribunal Federal que a tenha afirmado específica e
diretamente, e, destarte, longe de estreme de dúvidas e, logo, de contradita
igualmente plausível –, parece razoável, além de, registre-se, refletir opinião
seguramente majoritária no seio do Ministério Público – a qualificação do
conteúdo da proposta de transação penal como um todo incindível, que
não comportaria, por sua natureza mesma, o desmembramento entre a
pura e simples escolha da medida alternativa proposta – reservada ao
Ministério Público –, a exemplo da prestação pecuniária, e a destinação a lhe ser
dada – que para outros se situaria no domínio da atividade jurisdicional típica e,
pois, subordinada à decisão acachapante do Poder Judiciário.
54. Os atos normativos administrativos mencionados violariam, assim,
tanto (a) o art. 129, I, da Constituição da República, no que cola a nota de
privatividade, como regra, à deflagração da persecução criminal pelo Ministério
Público, quanto, a partir dessa premissa, que se tem por razoável, a (b)
autonomia do Ministério Público (art. 127, § 2º, da Constituição da República) e a
(c) independência funcional de seus membros (art. 127, § 1º, da Constituição da
República), já que, embora pretextadamente direcionados ao Poder Judiciário,
mostram-se invasivos da atuação funcional do Parquet, no âmbito de atividade-fim,
malferindo, nesse rumo, por derradeiro, a (d) competência privativa da União para
legislar sobre processo (art. 22, I, da Constituição da República), eis que a
transação penal não é, a toda evidência, sob o prisma instrumental, mais que
instituto inegavelmente processual.
20
55. Mister não ignorar que a Constituição da República (art. 103-B, §
4º, I), ao estabelecer a competência do Conselho Nacional de Justiça no sentido da
promoção do “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário”,
culminou, sem detença, no mesmo enunciado normativo, por restringi-la, no que
lhe opôs limites, descabendo-lhe, esse o quadro, a emissão de atos regulamentares
que extravasem, de modo chapadamente inidôneo, da estrutura do Poder
Judiciário, para atingir a esfera orgânica, inteiramente alheia ao seu poder de
atuação, do Ministério Público.
56. A norma, pois, que define a competência de “controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário”, dita a atribuição no mesmo
segmento textual em que lhe estabelece os diques, o que traz à memória mais um
trecho lapidar do Ministro Sepúlveda Pertence, no MS 23974/DF, segundo o qual “a
extensão de todo poder público é o resultado da soma algébrica entre os signos
positivos da competência conferida e (as) restrições impostas ao seu exercício” (RTJ
179, t. 3/1055).
57. Como não se encontra o Parquet, em termos institucionais, na
estrutura do Poder Judiciário, a Resolução n. 154/2012, do Conselho Nacional de
Justiça e, por consequência, o Provimento n. 04/2013, da Corregedoria-Geral de
Justiça do Estado de Goiás, afrontam o disposto no art. 127, §§ 1º e 2º, nas
questões pertinente à independência funcional de seus membros e à autonomia do
Ministério Público, ao determinar que os depósitos dos valores provenientes das
medidas de prestação pecuniária provenientes de “transação penal” sejam
realizados, exclusivamente, em conta judicial vinculada à unidade gestora.
58. Destaque-se, por outro lado, que a Resolução n. 154/2013 – e,
bem assim, o Provimento n. 4/2013 que a acompanhou –, ao cindir o conteúdo da
transação penal, adentrou na área afeta ao direito processual, imiscuindo-se,
portanto, em matéria de competência legislativa privativa da União, ex vi do
disposto no art. 22, I, da Constituição da República.
59. Tal, aliás, é a intelecção do Conselho Nacional do Ministério
Público – que, no julgamento do processo CNMP n. 000.199/2006-70, considerou
descabida a edição de resolução ou ato normativo de outra natureza, sob o
21
fundamento de que a regulamentação da destinação de recursos, objetos,
numerários ou doações advindas de transação penal deveria ser feita por meio de
lei em sentido formal.
60. Confira-se:
“Ementa: Suspensão do processo, transação penal e ajuste de conduta.
Proposta do Ministério Público, nessas hipóteses de desjudiciarização
processual, que pode incluir prestação pecuniária em favor de determinados
entes, inclusive públicos. Limitação pelo Conselho Nacional do Ministério
Público. Vedação constitucional. 1. Não pode o Conselho Nacional, por
meio de resolução ou ato normativo de outra natureza, delimitar os
beneficiários de prestação pecuniária inserida no rol de injunções
para a suspensão do processo, a transação penal e o ajuste de
conduta. 2. Essa limitação seria, diretamente, uma forma de controle
administrativo sobre a atividade fim, o que está vedado pela
Constituição Federal. 3. A destinação de recursos incluídos como
condição para a suspensão do processo, a transação penal e o ajuste
de conduta só pode sofrer restrição por lei penal, civil ou processual,
com reserva de parlamento federal. 4. Há vários precedentes na
legislação brasileira e no Direito Comparado que indicam o Estado como
beneficiário direto das consequências do crime e de outros atentados a
interesses difusos. 4. A experiência nacional e estrangeira demonstram que
essa possibilidade não viabiliza a comercialização da jurisdição penal. 6. Ao
contrário, a destinação de recursos obtidos nesses procedimentos em favor
de entidades públicas locais permite que a infração penal restitua à sociedade
vitimada benefícios diretos, restaurando interesses difusos que foram
atingidos pelo crime. 7. A finalidade da pena é, também, reparar o prejuízo à
ordem jurídica violada, razão bastante para justificar, no interesse público, o
binômio violador-pagador. 8. Rejeição da proposta de resolução.” (Nº
Processo: 0.00.000.000199/2006-70; Documento de Origem: RESOLUÇÃO;
Dt. Distribuição: 28/06/2007; Relator: Sérgio Alberto Frazão do Couto,
ênfase acrescentada)1
61. Relembre-se que a jurisdição constitucional abstrata a cargo do
Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, revela-
se inclusiva de leis e atos normativos federais e estaduais, ex vi do disposto no art.
1 http://aplicativos.cnmp.mp.br/consultaProcessual/detalhaProcesso.seam?cid=21828
22
102, I, a, da Constituição da República, sendo o caso, pois, de provocar-se, a
respeito dessa magna questão, a intervenção expedita de Sua Excelência a Senhora
Procuradora-Geral da República, legitimada ativa à abertura da instância federal de
fiscalização objetiva (art. 103, VI, da Constituição da República).
62. Pondere-se, em tempo, que, a despeito do sobejamente
declarado caráter subordinado do ato normativo editado pela Corregedoria-Geral
de Justiça do Estado de Goiás, nada impede, a princípio, que se o impugne, em
ação direta, em cumulação objetiva, com o ato normativo, que lhe dá suporte e
em relação ao qual se encontra em situação de ancilaridade, do Conselho Nacional
de Justiça.
63. Na jurisprudência da Suprema Corte, tem sido essa a postura,
admitindo-se a ampliação objetiva da ação constitucional, que passa a ostentar,
como objeto nomológico, a par de o ato normativo revestido de prioridade lógica, o
de patamar inferior, que haja, a pretexto de regulamentá-lo ou de o executar, sido
expedido: mutatis mutandis, é o que atesta o acórdão na ADI 3232/TO, Pleno, Rel.
Min. Cezar Peluso, j. de 14.8.2008 (RTJ 206, t. 3/983).
64. Posto seja adversa, a orientação jurisprudencial do Excelso
Pretório, de regra, à cumulação objetiva, em ação direta de inconstitucionalidade,
de pedidos direcionados a atos normativos pertencentes a diversos entes federados
(BARROSO, Luís Roberto, O Controle de Constitucionalidade no Direito
Brasileiro, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 206, v. g.), tem-se,
excepcionalmente, essa postura como processualmente adequada, sobretudo se,
como se patenteia na espécie, havendo clara relação de complementariedade
normativa entre os regramentos, a impugnação de somente um deles,
exclusivamente, equivaleria à postulação – salvo aplicação da técnica da
inconstitucionalidade por arrastamento – de provimento ineficaz.
65. Nos dizeres autorizados do preclaro Ministro Sepúlveda Pertence,
no enfrentamento, em 24.4.2003, de Questão de Ordem na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 2844/PR, uma das exceções à vedação referida se verifica
na hipótese em que, “dada a imbricação substancial entre a norma federal e a
23
estadual, a cumulação é indispensável para viabilizar a eficácia do
provimento judicial visado” (RTJ 185, t. 3/887).
66. Nada obsta, porém, que se tenha por mais apropriado, no caso,
em relação ao ato administrativo normativo, subalterno e dependente, da
Corregedoria-Geral de Justiça Estadual, sua não impugnação em eventual ação
direta ajuizável no Supremo Tribunal Federal, dando-se, para este ato
administrativo normativo acessório, o manejo da “técnica da decisão de
inconstitucionalidade por arrastamento”, que tem por objetivo, segundo fundado
magistério (SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, e MITIDIERO,
Daniel, ob. cit., p. 1130-1131, v. g.), “eliminar o obstáculo do princípio da
congruência entre o pedido e a sentença”.
67. Ao se haver dito incabível a ação direta de inconstitucionalidade
estadual, mirou-se o seu objeto, ou seja, ato normativo serviente. Na ação direta
de inconstitucionalidade perante o Supremo, no entanto, pode-se, conforme
registro de sua jurisprudência, em ação cujo pedido seja adstrito a ato normativo
superior, ter-se, pela técnica da inconstitucionalidade consequencial ou por
arrastamento, decisão extensiva ao ato normativo infraordenado que remanesceu
inatacado por ato postulatório hígido.
68. Convém, outra vez, a leitura dos arestos da Suprema Corte,
agora pela lavra, douta e proficiente, do seu atual decano, Ministro Celso de Mello
(Questão de Ordem na Ação Direta de Inconstitucionalidade 437, j. em 1.3.1991,
RTJ 144, t. 2/418-419):
“É de observar, ainda, que o ato do Poder Executivo em questão – o Decreto
n. 6.433, de 31-1-91 –, que o eminente Procurador-Geral da República
pretende, por aditamento do seu pedido inicial, ver incluído nesta ação,
fundamenta-se numa das leis por ele impugnadas (a Lei n. 7.588/89), cuja
eventual suspensão liminar importará na consequente inaplicabilidade
daquele provimento executivo. A relação de dependência existente entre
esse ato e o diploma legislativo em que se assenta certamente gerará o
fenômeno da inconstitucionalidade consequencial ou por
arrastamento, justificada, consoante assevera J. J. Gomes Canotilho
(Direito Constitucional, p. 788, 4ª ed., 1987, Almedina, Coimbra), 'pela
24
conexão ou interdependência de certos preceitos com os preceitos
especificamente impugnados'.
Impõe-se observar que a eventual declaração de inconstitucionalidade da lei
a que se refere o decreto executivo, objeto do aditamento, implicará o
reconhecimento por derivação necessária e causal, de sua ilegitimidade
constitucional.
A eiva de inconstitucionalidade da lei em que se funda esse verdadeiro ato
regulamentar, a este transmitir-se-á, afetando-o, como uma consequência
necessária e derivada do caráter secundário e acessório de tal ato
administrativo. Tão intensa é a subordinação jurídica do ato regulamentar,
que a eventual cessação de eficácia da lei que o justifica opera, nele, e
por via de consequência, esses mesmos efeitos, pois, consoante preleciona
Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 8ª ed., pág.
371, item 445, 1965, Freitas Bastos):
“Extinta uma disposição, ou um instituto jurídico, cessam todas as
determinações que aparecem como simples consequências, explicações,
limitações, ou se destinam a facilitar a execução ou funcionamento, a
fortalecer ou abrandar os seus efeitos. O preceito principal arrasta em sua
queda o seu dependente ou acessório.”
Por isso mesmo, esta Corte, em recente pronunciamento, apreciando, é bem
verdade, o pedido de liminar formulado na ADIn n. 173-6-DF, Rel. Min.
Moreira Alves (DJU de 27-4-90), decidiu que a suspensão cautelar da
inaplicabilidade de norma legal implica, na esfera das relações hierárquico-
normativas entre lei e regulamento, a consequente suspensão da eficácia do
ato regulamentador do diploma legislativo impugnado.”
69. A escolha, todavia, do melhor caminho a seguir, não obstante as
disceptações, será, desde que se disponha a aforar a ação direta, da autoridade
legitimada ad causam.
70. Assim, propõe-se, neste parecer, a expedição de representação,
por Vossa Excelência, à titular da Chefia do Ministério Público da União, oferecendo-
se, por ora, minuta nos seguintes termos:
25
Senhora Procuradora-Geral da República,
A par de cumprimentá-la, valho-me do presente para, nos termos dos artigos
103, VI, da Constituição da República, 46, II, da Lei Complementar Estadual
n. 025/98, e com supedâneo no Parecer n. 2/107/2013 e no Despacho n.
___/2013 – GSP/AJ (cópias anexas), exarados no Processo Administrativo n.
201300267837, representar a Vossa Excelência pelo ajuizamento de Ação
Direta de Inconstitucionalidade, para declaração de inconstitucionalidade da
Resolução n. 154, de 13.7.2012, do Conselho Nacional de Justiça, bem como
do Provimento n. 04/2013 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de
Goiás.
Com efeito, constata-se que a referida resolução afrontou a prerrogativa
inerente à atuação do Ministério Público, prevista pelo art. 129, I, da
Constituição da República, ao definir a política institucional do Poder
Judiciário na utilização dos recursos oriundos da aplicação da pena de
prestação pecuniária e das medidas alternativas de prestação pecuniária,
mormente, em seu art. 1º, caput, litteris:
“Art. 1º. Adotar como política institucional do Poder Judiciário, na execução
da pena de prestação pecuniária, o recolhimento dos valores pagos em conta
judicial vinculada à unidade gestora, com movimentação apenas por meio de
alvará judicial, vedado o recolhimento em cartório ou secretaria.”
Nessa mesma senda, o Provimento n. 04/2013 emitido pela Corregedoria
Geral da Justiça do Estado de Goiás – CGJGO –, ao regulamentar, no âmbito
do Poder Judiciário do Estado de Goiás, a Resolução n. 154/2013, incorreu
no mesmo vício de inconstitucionalidade noticiado acima, ao determinar, em
seu art. 1º, caput, que:
“Art. 1º Os valores provenientes de aplicação de penalidades de prestação
pecuniária, de requisito da suspensão condicional do processo, bem como
de transação penal, deverão ser recolhidos em conta judicial remunerada à
disposição e sob responsabilidade do Juízo da Vara de Execução Penal,
mediante Guia de Recolhimento, com movimentação em instituição
financeira federal apenas por intermédio de Alvará Judicial, vedado o
recolhimento em escrivania ou secretaria.” (ênfase acrescentada)
Como cediço, por disposição legal, é deferido ao juiz, no domínio da
transação penal, somente a possibilidade de reduzir, quando seja ela a única
aplicável, pela metade, a pena a pena de multa (art. 76, § 1º, da Lei Federal
26
n. 9.099/1995), restringindo-se, quanto ao mais, na sua apreciação do
acordo firmado entre o Ministério Público e o interessado, ao que seja
essencial à mera atividade judicante de homologação (art. 76, §§ 2º e 3º, da
Lei Federal n. 9.099/1995).
Contudo, em obediência do disposto no art. 129, I, da Constituição da
República, não há na Lei dos Juizados Especiais autorização para que a
autoridade judicial, tal como estabelecem os atos normativos ora
impugnados, promova a alteração da destinação da sanção pecuniária
ajustada na denominada transação penal, direcionando-a a uma conta
judicial única vinculada ao Juízo de Direito da Comarca ou a qualquer
entidade, sem que haja a concordância do titular da ação penal.
Tendo em vista que a promoção, de forma privativa, da ação penal pública é
função institucional do Ministério Público e, considerando que o instituto da
transação penal, segundo intelecção do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça (RE 296185, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira,
j. de 20.11.2001; RE 468161, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. de
14.3.2006; APn 634/RJ, Corte Especial, Rel. Min. Felix Fischer, j. 21.3.2012),
não se traduz em direito público subjetivo do sujeito a quem se direciona a
persecutio criminis, mas se consubstancia em uma faculdade do Ministério
Público - cabendo a aplicação por analogia, a norma do art. 28 do CPP
(Súmula 696/STF) -, a destinação dos valores provenientes da aplicação de
penalidades de prestação pecuniária, decorrentes da transação penal,
reservar-se-á, exclusivamente, ao alvedrio do presentante ministerial,
figurando, de forma reflexa, como apanágio da atribuição que lhe fora
constitucionalmente deferida.
Não obstante, mister não olvidar que a Constituição da República (art. 103-
B, § 4º, I) estabelece a competência do Conselho Nacional de Justiça no
sentido de promover “o controle da atuação administrativa e financeira do
Poder Judiciário”, cabendo-lhe, “no âmbito de sua competência”, zelar pela
autonomia deste, por meio da emissão de atos regulamentares.
Nessa senda, nota-se que a Resolução n. 154 do CNJ e, por consequência, o
Provimento n. 04/2013, afrontaram o disposto no art. 127, §§ 1º e 2º, na
questão pertinente à autonomia do Ministério Público e à independência
funcional de seus membros, ao determinar que os depósitos dos valores
provenientes das penas de prestação pecuniária substitutivas à prisão,
“como condição da suspensão condicional do processo ou transação penal”,
27
sejam realizados, exclusivamente, em conta judicial vinculada à unidade
gestora, assim entendida, o juízo da execução.
Por outro lado, destaca-se que a Resolução n. 154/2013 e o Provimento n.
4/2013 que a acompanhou, ao cindir o conteúdo da transação penal,
adentrou na área afeta ao direito processual, imiscuindo-se, portanto, em
matéria de competência legislativa privativa da União, ex vi do disposto no
art. 22, inciso I, da Constituição da República.
Esta foi, inclusive, a intelecção do Conselho Nacional do Ministério Público –
CNMP que, no julgamento do processo CNMP n. 000.199/2006-70,
considerou inconveniente a edição de resolução ou ato normativo de outra
natureza, sob o fundamento de que a regulamentação da destinação de
recursos, objetos, numerários ou doações advindas de transação penal,
deveria ser feita através de lei, confira-se:
“Ementa: Suspensão do processo, transação penal e ajuste de conduta.
Proposta do Ministério Público, nessas hipóteses de desjudiciarização
processual, que pode incluir prestação pecuniária em favor de determinados
entes, inclusive públicos. Limitação pelo Conselho Nacional do Ministério
Público. Vedação constitucional. 1. Não pode o Conselho Nacional, por
meio de resolução ou ato normativo de outra natureza, delimitar os
beneficiários de prestação pecuniária inserida no rol de injunções
para a suspensão do processo, a transação penal e o ajuste de
conduta. 2. Essa limitação seria, diretamente, uma forma de controle
administrativo sobre a atividade fim, o que está vedado pela
Constituição Federal. 3. A destinação de recursos incluídos como
condição para a suspensão do processo, a transação penal e o ajuste
de conduta só pode sofrer restrição por lei penal, civil ou processual,
com reserva de parlamento federal. 4. Há vários precedentes na
legislação brasileira e no Direito Comparado que indicam o Estado como
beneficiário direto das consequências do crime e de outros atentados a
interesses difusos. 4. A experiência nacional e estrangeira demonstram que
essa possibilidade não viabiliza a comercialização da jurisdição penal. 6. Ao
contrário, a destinação de recursos obtidos nesses procedimentos em favor
de entidades públicas locais permite que a infração penal restitua à
sociedade vitimada benefícios diretos, restaurando interesses difusos que
foram atingidos pelo crime. 7. A finalidade da pena é, também, reparar o
prejuízo à ordem jurídica violada, razão bastante para justificar, no interesse
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público, o binômio violador-pagador. 8. Rejeição da proposta de resolução.”
(Nº Processo: 0.00.000.000199/2006-70; Documento de Origem:
RESOLUÇÃO; Dt. Distribuição: 28.6.2007; Relator: Sérgio Alberto Frazão do
Couto, ênfase acrescentada)
Dessarte, por todo o exposto, represento a Vossa Excelência acerca da
inconstitucionalidade da Resolução n. 154, de 13.7.2012, do Conselho
Nacional de Justiça, bem como do Provimento n. 04/2013 da Corregedoria-
Geral da Justiça do Estado de Goiás que a regulamentou no âmbito do Poder
Judiciário do Estado de Goiás, em face do disposto nos arts. 22, I, 127, §§
1º e 2º, e 129, I, todos da Constituição da República.
III
71. ANTE TODO O EXPOSTO, opina-se, neste ato administrativo de
natureza meramente consultiva, no sentido:
(a) da formulação de representação a Sua Excelência o Senhor
Procurador-Geral da República;
(b) do arquivamento dos presentes autos no tocante a ajuizamento
de ação de controle abstrato de constitucionalidade perante o
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
Goiânia, 22 de agosto de 2013.
CHRISTIANO MOTA E SILVA
Promotor de Justiça
(em auxílio)
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