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PARECER ADMINISTRATIVO N.: 2/107/2013 AUTOS : 201300267837 (Apenso n. 201300306398) ASSUNTO: Representação de Inconstitucionalidade ORIGEM: CAO Criminal e da Segurança Pública INCONSTITUCIONALIDADE DO PROVIMENTO N. 04/2013 DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. 1. Ato normativo estadual que apenas dá consecução e cumprimento, além de regulamentá-lo, a ato normativo federal, do Conselho Nacional de Justiça, não pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Inteligência dos arts. 102, I, a, e 125, § 2º, da Constituição da República, e do art. 60 da Constituição do Estado de Goiás. 2. Conveniência, de todo modo, de representação ao exercente da Chefia do Ministério Público da União, tendo em conta eventual deflagração do controle abstrato de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal em desfavor do referido ato e, bem assim, primordialmente, do que lhe dá suporte (Resolução n. 154/2012 do Conselho Nacional de Justiça). Senhor Procurador-Geral de Justiça: Cuida-se, originariamente, do Ofício n. 402/13 – CAO Criminal, datado de 26.6.2013, e que aportou, em 28.6.2013 (sexta-feira), na Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, em que se aponta para a inconstitucionalidade do Provimento n. 04/2013, exarado pela Corregedoria-Geral 1

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PARECER ADMINISTRATIVO N.: 2/107/2013

AUTOS : 201300267837 (Apenso n. 201300306398)

ASSUNTO: Representação de Inconstitucionalidade

ORIGEM: CAO Criminal e da Segurança Pública

INCONSTITUCIONALIDADE DO PROVIMENTO N.

04/2013 DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA

DO ESTADO DE GOIÁS. 1. Ato normativo estadual

que apenas dá consecução e cumprimento, além

de regulamentá-lo, a ato normativo federal, do

Conselho Nacional de Justiça, não pode ser objeto

de ação direta de inconstitucionalidade perante o

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

Inteligência dos arts. 102, I, a, e 125, § 2º, da

Constituição da República, e do art. 60 da

Constituição do Estado de Goiás. 2. Conveniência,

de todo modo, de representação ao exercente da

Chefia do Ministério Público da União, tendo em

conta eventual deflagração do controle abstrato

de constitucionalidade perante o Supremo

Tribunal Federal em desfavor do referido ato e,

bem assim, primordialmente, do que lhe dá

suporte (Resolução n. 154/2012 do Conselho

Nacional de Justiça).

Senhor Procurador-Geral de Justiça:

Cuida-se, originariamente, do Ofício n. 402/13 – CAO Criminal,

datado de 26.6.2013, e que aportou, em 28.6.2013 (sexta-feira), na

Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, em que se aponta para a

inconstitucionalidade do Provimento n. 04/2013, exarado pela Corregedoria-Geral

1

de Justiça do Estado de Goiás, que estaria em dissonância com a Recomendação n.

02/2012, da Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado de Goiás, na

questão concernente à utilização de recursos oriundos da implementação de

medida alternativa de prestação pecuniária acordada no âmbito da transação penal,

representando, em tese, ofensa a prerrogativas desta Instituição.

Eis, na íntegra, o teor do ofício da lavra do eminente colega,

Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e da

Segurança Pública, Dr. Vinícius Marçal Vieira, litteris:

“Sirvo-me do presente, para encaminhar a Vossa Excelência, cópia do

Provimento nº 04/2013 da Corregedoria-Geral de Justiça que está em

dissonância à recomendação nº 02/2012 da Corregedoria-Geral do MPGO

no que diz respeito a utilização dos recursos oriundos da pena restritiva

de direitos de prestação pecuniária e que estaria em tese ferindo

prerrogativas desta Instituição. Diante deste impasse solicitamos a

verificação de cabimento de ADIN ou outras providências que

entender cabíveis.” (ênfase acrescentada)

Autos com vista ao subscritor, para parecer, o que se deu após o

transcurso de período contínuo de abono e férias, verificado entre 8.7.2013

(segunda-feira) e 3.8.2013 (sexta-feira).

Posteriormente, em 7.8.2013, consoante carimbo e assinatura de

servidora, lançados à fl. 10, verso, aportou, nesta Subprocuradoria-Geral de Justiça

para Assuntos Jurídicos, representação endereçada a Vossa Excelência, da lavra do

eminente colega Dr. Everaldo Sebastião de Sousa, Promotor de Justiça e

Coordenador das Promotorias de Justiça da Comarca de Jaraguá, protocolizado em

25.7.2013 (Autos Administrativos n. 201300267837), da qual se extrai:

“A par de respeitosamente cumprimentá-lo, venho por intermédio deste,

requerer a Vossa Excelência providências legais da Procuradoria Geral de

Justiça, referentes a Resolução n. 154 de 13 de julho de 2012 do

Conselho Nacional de Justiça e ao Provimento n. 04/2013 da Corregedoria

Geral de Justiça do Estado de Goiás, que orienta juízes a modificarem a

destinação dos valores transacionados em audiência pelo Ministério

2

Público, para depósitos exclusivos em conta do Tribunal de Justiça de

Goiás.

Sabemos, por disposição legal, que diante dos princípios da oportunidade

ou da proporcionalidade, ao juízo cabe apenas a possibilidade de redução

da pena transacionada com o Ministério Público, nos exatos termos do §

1º do artigo 76 da Lei n. 9.099/95. Com efeito, na hipótese de ser a pena

de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade, e não,

como previsto nos atos indicados, fazer a alteração na destinação da pena

pecuniária em prol da conta única do judiciário goiano vinculada ao Juízo

de Direito na Comarca.

Consequentemente, dando destinação diversa à sanção pecuniária aceita

pelo transgressor e proposta pelo Ministério Público, o Magistrado de

primeiro grau viola o art. 129, inciso, I, da Constituição da República, o

qual recepcionou disposição contida no artigo 257 do Código de Processo

Penal.

Noutra quadra, o perigo se agrava não só em coactar as atribuições

constitucionais do Ministério Público por regramentos impróprios, mas

também, referida Resolução e Provimento transformam os Juízes de

Execução em verdadeiros gestores, podendo, em razão das novas

atribuições – ilegais e inconstitucionais – responderem penal, civil e

administrativamente.”

Apensou-se o último feito ao originário.

É o relatório.

I

1. Extrai-se, do perlustro dos autos, que o cerne da questão cinge-

se à análise da (in)constitucionalidade do Provimento n. 04/2013, emitido pela

Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Goiás, que “Define a política

institucional do Poder Judiciário do Estado de Goiás na utilização dos recursos

oriundos da pena restritiva de direitos da prestação pecuniária”, e à efetivação de

providências legais quiçá cabíveis.

3

2. Com efeito, nota-se que a Política Institucional do Poder

Judiciário na execução de penas e medidas alternativas à prisão não foi definida, na

sua origem, pelo Provimento n. 04/2013 da Corregedoria-Geral de Justiça do

Estado de Goiás, mas sim pela Resolução n. 154, expedida pelo Conselho Nacional

de Justiça, sendo que o sobredito provimento apenas reproduziu elementos do

referido ato normativo federal e regulamentou os procedimentos atinentes à forma

de recolhimento de valores provenientes da aplicação de penalidades ou medidas

alternativas de cunho pecuniário.

3. Nessa senda, é imperioso registrar que a norma matriz que,

em tese, teria afrontado as prerrogativas inerentes à atuação do Ministério

Público, ao determinar que os recursos decorrentes do cumprimento da medida

alternativa análoga à pena restritiva de direitos de prestação pecuniária, contida

em transação penal, fossem depositados em conta judicial, posta à disposição e sob

responsabilidade do Juízo da Vara de Execução Penal, sedia-se, originariamente,

não no provimento objeto do ofício do CAO Criminal, mas na Resolução n. 154,

de 13.7.2012 do CNJ, litteris:

“Resolução nº 154 de 13 de julho de 2012.

Define a política institucional do Poder Judiciário na utilização dos recursos

oriundos da aplicação da pena de prestação pecuniária

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas

atribuições constitucionais e regimentais,

CONSIDERANDO a Resolução nº 101, de 15 de dezembro de 2009, deste

Conselho, que definiu a política institucional do Poder Judiciário na

execução de penas e medidas alternativas à prisão;

CONSIDERANDO que as destinações das penas pecuniárias, espécie de

pena restritiva de direitos, têm que ser aprimoradas, para evitar total

descrédito e inutilidade ao sistema penal, já que a execução da pena é o

arremate de todo o processo criminal;

4

CONSIDERANDO a necessidade de dar maior efetividade às prestações

pecuniárias, aprimorando-se a qualidade da destinação das penas

impostas;

CONSIDERANDO a necessidade de uniformizar as práticas para o fomento

à aplicação da pena de prestação pecuniária em substituição à prisão,

como condição da suspensão condicional do processo ou transação

penal, visando melhor fiscalização do emprego dos valores recebidos

pelas instituições beneficiadas;

CONSIDERANDO a necessidade de regulamentação da destinação,

controle e aplicação de valores oriundos de prestação pecuniária aplicada

pela justiça criminal, assegurando a publicidade e transparência na

destinação dos aludidos recursos;

CONSIDERANDO a decisão do plenário do Conselho Nacional de Justiça,

tomada no julgamento do Ato nº 0005096-40.2011.2.00.0000, na 147ª

Sessão Ordinária, realizada em 21 de maio de 2012;

RESOLVE:

Art. 1º Adotar como política institucional do Poder Judiciário, na

execução da pena de prestação pecuniária, o recolhimento dos

valores pagos em conta judicial vinculada à unidade gestora, com

movimentação apenas por meio de alvará judicial, vedado o

recolhimento em cartório ou secretaria.

Parágrafo único. A unidade gestora, assim entendida, o juízo da

execução da pena ou medida alternativa de prestação pecuniária,

ficará responsável pela abertura da conta corrente junto à

instituição financeira estadual ou federal, exclusiva para o fim a

que se destina.

Art. 2º Os valores depositados, referidos no art. 1o, quando não

destinados à vitima ou aos seus dependentes, serão, preferencialmente,

destinados à entidade pública ou privada com finalidade social,

previamente conveniada, ou para atividades de caráter essencial à

5

segurança pública, educação e saúde, desde que estas atendam às áreas

vitais de relevante cunho social, a critério da unidade gestora.

§ 1º A receita da conta vinculada irá financiar projetos apresentados pelos

beneficiários citados no caput deste artigo, priorizando-se o repasse

desses valores aos beneficiários que:

I - mantenham, por maior tempo, número expressivo de cumpridores de

prestação de serviços à comunidade ou entidade pública;

II - atuem diretamente na execução penal, assistência à ressocialização

de apenados, assistência às vítimas de crimes e prevenção da

criminalidade, incluídos os conselhos da comunidade;

III - prestem serviços de maior relevância social;

IV - apresentem projetos com viabilidade de implementação, segundo a

utilidade e a necessidade, obedecendo-se aos critérios estabelecidos nas

políticas públicas específicas.

§ 3º É vedada a escolha arbitrária e aleatória dos beneficiários.

Art. 3º É vedada a destinação de recursos:

I - ao custeio do Poder Judiciário;

II - para a promoção pessoal de magistrados ou integrantes das entidades

beneficiadas e, no caso destas, para pagamento de quaisquer espécies de

remuneração aos seus membros;

III - para fins político-partidários;

IV – a entidades que não estejam regularmente constituídas, obstando a

responsabilização caso haja desvio de finalidade.

Art. 4º O manejo e a destinação desses recursos, que são públicos,

devem ser norteados pelos princípios constitucionais da Administração

Pública, previstos, dentre outros, dispositivos no art. 37, caput, da

Constituição Federal, sem se olvidar da indispensável e formal prestação

6

de contas perante a unidade gestora, sob pena de responsabilidade,

ficando assegurada a publicidade e a transparência na destinação dos

recursos.

Parágrafo único. A homologação da prestação de contas será precedida de

manifestação da seção de serviço social do Juízo competente para a

execução da pena ou medida alternativa, onde houver, e do Ministério

Público.

Art. 5º Caberá às Corregedorias, no prazo de seis meses, contados da

publicação da presente Resolução, regulamentar:

I - os procedimentos atinentes à forma de apresentação e aprovação de

projetos;

II - a forma de prestação de contas das entidades conveniadas perante a

unidade gestora;

III - outras vedações ou condições, se necessárias, além daquelas

disciplinadas nesta Resolução, observadas as peculiaridades locais.

Art. 6º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.” (ênfase

acrescentada)

4. Saliente-se, de pronto, não se poder alvejar, autônoma e

isoladamente, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, ato

administrativo que, malgrado tenha tessitura e natureza normativa genéricas, não

se caracteriza pela qualidade de autonomia, tampouco pretexta poderes típicos de

lei em sentido formal, mas, a rigor, somente dá consecução e cumprimento a

ato normativo provindo de órgão situado em escalão superior da hierarquia

administrativa.

5. Constata-se que a competência normativa da Corregedoria-

Geral da Justiça do Estado de Goiás, ao expedir o Provimento n. 04/2013, já estava

vinculada à norma previamente estabelecida, e, por ela confinada, qual seja, a

Resolução n. 154, de 13.7.2012, ato normativo administrativo, exarado, de seu

turno, pelo Conselho Nacional de Justiça, e que somente poderá ser objeto de ação

7

direta de inconstitucionalidade proponível perante o Supremo Tribunal Federal,

presentes as limitações da jurisdição abstrata estadual, cujo diâmetro, lançado no

art. 125, § 2º, da Constituição da República, não lhe reserva domínio excedente da

esfera restrita a “leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da

Constituição Estadual”.

6. Em verdade, constatando-se que o confronto, em tese, dá-se,

precedentemente, entre a Constituição da República e o sobredito ato do Conselho

Nacional de Justiça, que teve seu texto reproduzido e desenvolvido, em típica

regulamentação, por provimento da Corregedoria-Geral da Justiça, o caso é,

quando muito, de propositura de ação direta de inconstitucionalidade, nos termos

do art. 102 da Constituição da República.

7. Não há, portanto, espaço para o manejo de ação de controle

objetivo de constitucionalidade, nos moldes delineados pelo art. 60 da Constituição

Estadual, que, assim concebida, implicaria uma assunção, pelo Tribunal de Justiça

do Estado de Goiás, de competência constitucionalmente deferida, sob a nota de

absoluta exclusividade, por opção soberana do poder constituinte originário, ao

Supremo Tribunal Federal.

8. Outrossim, sequer se afigura crível aviltrar, na espécie, o

cabimento da ação direta de inconstitucionalidade estadual, a partir da asserção de

que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – e, portanto, a sua Corregedoria –

possuiria autonomia administrativa, e, poder para, sponte propria, elaborar seus

atos normativos.

9. Com efeito, não se lhe nega a autonomia orgânico-

administrativa, que, sob esse ângulo, o parifica a todos os Tribunais, típica

garantia institucional (SILVA, José Afonso da, Comentário Contextual à

Constituição, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012, pp. 524-525, v. g.), deferida

pela própria Constituição da República, apta a embasar, só por si, a expedição de

ato normativo pelas respectivas Corregedorias.

10. Todavia, no caso e para sua solução, reveste-se de óbice

derradeiro a circunstância de que, ao versar sobre a destinação da prestação

8

pecuniária ajustada em transação penal, o ato normativo local o fez calcado

em determinação superior, emanada, como visto, de antemão, do Conselho

Nacional de Justiça.

11. Registre-se, nesse passo, que, já no deslinde plenário, em

13.4.2005, da ADI 3367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso (RTJ 197, t. 2/839), o Excelso

Pretório, ao declarar a constitucionalidade pontual da Emenda Constitucional n.

45, assentou, pela voz majoritária de sua ilustrada membresia, inexistir, na criação

do Conselho Nacional de Justiça e em face das competências de que investido,

restrição à independência do Poder Judiciário, malgrado os novos contornos,

mais reduzidos, da autonomia administrativa de seus Tribunais, resultante

do “controle da atuação administrativa”, de alçada nacional, que, então, passaria a

ser exercido.

12. Eis, no ponto, por ilustrativo, trecho do voto, na ocasião

declinado, pelo Min. Eros Grau, verbis:

“10. De resto – e este ponto é de fundamental importância – ao Conselho

Nacional de Justiça não é atribuída competência nenhuma que permita a

sua interferência na independência funcional do magistrado. Cabe a ele

exclusivamente o 'controle da atuação administrativa e financeira

do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos

juízes', nada mais do que isso. Sua presença, como órgão do Poder

Judiciário, no modelo brasileiro de harmonia e equilíbrio entre os Poderes,

não conformará nem informará – nem mesmo afetará – o dever-poder de

decidir conforme a Constituição e as leis que vinculam os membros da

magistratura. O controle que exercerá está adstrito ao plano da

'atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do

cumprimento dos deveres funcionais dos juízes'. Embora órgão integrante

do Poder Judiciário – razão pela qual desempenha autêntico controle

interno –, não exerce função jurisdicional.” (ênfase acrescentada) (RTJ

197, t. 3/883)

13. E, quando do julgamento, na Suprema Corte, em 16.2.2006,

do pleito de Medida Cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12,

Rel. Min. Carlos Britto, versando, a propósito da discussão sobre a resolução do

nepotismo e os contornos da competência de controle administrativo do Conselho

9

Nacional de Justiça e, pois, de sua competência normativa, pontificou, com a

precisão costumeira, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence (RTJ 199, t. 2/476):

“No mérito, Senhor Presidente, a questão mais grave, evidentemente, é a

da existência ou não da competência normativa do Conselho Nacional de

Justiça, a cuja negação acaba de emprestar a sua autoridade o eminente

Ministro Marco Aurélio.

Estou, no entanto, em que, da competência para rever a ação

administrativa dos órgãos judiciários, a ele submetidos, decorre o

poder de o Conselho regulamentar as soluções que dê às questões

de legalidade que lhe sejam submetidas […].” (ênfase acrescentada)

14. Convergente, aliás, com a colacionada jurisprudência, o

magistério da doutrina não destoa quanto à “atribuição de competência normativa”

ao Conselho Nacional de Justiça, com a advertência, é certo, de respeito ao âmbito,

legítimo e constitucional, de autonomia dos Tribunais (MOTTA, Fabrício,

Regulamentos Administrativos, in Tratado de Direito Administrativo, v. 1,

coordenado por Adilson Abreu Dallari e Outros, publicado, em 2013, pela Editora

Saraiva, p. 146, v. g.).

15. Analisando, sob distinto prisma, ao qual Norberto Bobbio,

firme em Hans Kelsen, denomina de “sistema dinâmico” (Teoria Geral do Direito,

São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 218-220, v. g.), a relação entre a Resolução n.

154, de 13.7.2012, do Conselho Nacional de Justiça, e o Provimento n. 04/2013, da

Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Goiás, é compreendida num contexto

de supra-infra-ordenação, em que prevalece a norma ditada pela autoridade

superior: no plano administrativo – não se põe em xeque – a autoridade superior é,

ainda que em termos, o primeiro de tais órgãos, de sorte que seus atos até

prevalecem sobre os do segundo, em situação de hipotético conflito (NINO, Carlos

Santiago, Introdução à Análise do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2010, p.

181, v. g.).

16. Não há negar, acrescente-se, que a Resolução n. 154/2012, do

Conselho Nacional de Justiça, em seu art. 5º, a revelar, com explicitude maior, seu

desiderato de compulsória observação, fixou prazo para que as Corregedorias

10

de cada Tribunal regulamentassem o novo sistema por ela preconizado, ostentando,

inclusive, típica regra de encerramento, veiculada no seu inciso III, em cuja

conformidade o ato normativo local poderia descer a “outras vedações ou

condições, se necessárias, além daquelas disciplinadas nesta Resolução, observadas

as peculiaridades locais”.

17. À luz de segura lição de Kelsen (Teoria Geral das Normas,

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 120), partindo da premissa

da hierarquia administrativa, ainda que constitucionalmente limitada, entre o

Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais de Justiça em geral, e, por

decorrência, entre os atos administrativos normativos que um e outros

estabeleçam, se poderia dizer que a tão falada Resolução n. 154/2012, como

resulta de todo o seu teor, notadamente do art. 5º, exerce, dentre as funções

suscetíveis de desempenho por uma norma – imposição, permissão, autorização e

derrogação –, a de imposição.

18. E, com o rigor lógico que perpassa toda sua teoria, ensina

Kelsen, sobre a função normativa de imposição, que “toda imposição de uma

conduta é a proibição da omissão dessa conduta” (ob. cit., p. 121).

19. A respeito, assim, da destinação dos recursos pecuniários

provenientes de transação penal, translúcida a imposição da normativa do Conselho

Nacional de Justiça ao conjunto dos Tribunais de Justiça, estariam estes proibidos

de retardamento no tocante à implementação do sistema guerreado.

20. No tocante, contudo, à destinação do dinheiro desembolsado

em razão do cumprimento de medida alternativa de prestação pecuniária constante

de transação penal, resulta evidente que o ato do Conselho Nacional de Justiça

decidiu a “coisa em si”, somente correndo por conta do ato normativo estadual o

delineamento do “como” ou do “modo” de ser, do “procedimento”, enfim, da “coisa”.

21. Logo, tendo-se por estampado, no ato do Conselho Nacional de

Justiça – órgão situado em posição administrativa superior no âmbito do Poder

Judiciário e detentor, nesse terreno, de competência normativa – regência

subordinante, no tocante a esse inovador sistema de destinação dos recursos

11

alusivos à medida alternativa de prestação pecuniária, vocacionada à generalidade

dos Tribunais, não há como tergiversar, no ponto, sobre o caráter meramente

subalterno e dependente e acessório do ato normativo mencionado da

Corregedoria-Geral de Justiça deste Estado-membro, a impedir o ingresso de ação

de controle abstrato destituída de interesse-utilidade, pois que incapaz, na

eventualidade de julgamento de mérito pela procedência do pedido articulável, de

resolver a situação criada – na terminologia recordada do Min. Sepúlveda Pertence

– pelo “órgão central” da “administração superior do Poder Judiciário” (RTJ 197, t.

3/919).

22. Releva notar, em atenção às notas mais comezinhas do direito

processual constitucional, a plena legitimidade – com o colorido todo próprio,

advindo da natureza abstrata da discussão constitucional propiciada pelos

instrumentos de controle objetivo – de perquirição, nos feitos de controle objetivo,

da presença ou não da “condição da ação” consistente no interesse (JUNIOR,

Nelson Nery, e NERY, Rosa Maria de Andrade, Constituição Federal Comentada

e Legislação Constitucional, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp.

1094, v. g.), verbi gratia:

“2. Requisitos Condições da Ação. Como em toda pretensão dirigida ao

Poder Judiciário, para que seja possível o julgamento do mérito da ADIn é

necessária a comprovação da presença das condições da ação: legitimidade

das partes, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido (CPC

267 VI). Devem estar presentes desde a propositura da ação e se

manter presentes no momento do julgamento do mérito (acórdão do Pleno).

Faltando uma delas, o STF não pode julgar o mérito da ADIn. Presentes no

início da ação, não poderá ser apreciado o mérito; ausente uma delas no

início da ação, mas implementada a condição no decorrer do procedimento,

impõe-se o julgamento do mérito.” (ênfase acrescentada)

23. Na mesma linha, multifários arestos do Supremo Tribunal Federal

dão mostra da ausência de interesse-utilidade nos casos em que se pleiteia a

declaração de inconstitucionalidade de regramento que não esgota a regência

normativa, mas, pelo contrário, se mostra dependente ou, conforme a hipótese,

complementar de texto normativo diverso, olvidado pelo requerente.

12

24. Lapidares, a respeito, trechos da ementa e do voto, da lavra do

preclaro Ministro Marco Aurélio, na ADI 1912/RJ, julgada em 25.3.1999, em que o

Supremo Tribunal Federal assentou:

“Ação direta de inconstitucionalidade – Utilidade do pronunciamento

judicial – Lei repetidora de preceito constitucional – Pedido restrito à

primeira. O pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade

deve revestir-se do predicado utilidade. Isso não ocorre quando

direcionada apenas contra lei ordinária que repete texto de estatura

maior, ou seja, de Lei Básica do Estado-membro da Federação. A medida

deve fazer-se dirigida contra ambos os diplomas.” (ementa)

“O Plenário tem concluído que, em se tratando de duplicidade

normativa, a ação direta, exigida a demonstração do interesse de agir, há

de estar voltada a ambos os diplomas […].” (voto)

25. Afirma, no particular, Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição

Constitucional, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 242), que o “STF tem

entendido que, se o vício de inconstitucionalidade abrange vários dispositivos, a

impugnação há de incidir sobre todos eles, sob pena de não se conhecer da ação

direta”.

26. Essa, no fundo, é a razão também de se extinguir, sem resolução

de mérito, ação direta de inconstitucionalidade quando o vício de que se ressente o

autor consta não somente do ato normativo vigente mas, igualmente, do que haja

sido por ele revogado, a implicar a elaboração de pedido direcionado à “cadeia

normativa da norma impugnada” (MENDES, Gilmar Ferreira, Controle Abstrato de

Constitucionalidade: ADI, ADC e ADO – comentários à Lei n. 9.868/99, 1ª

ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 232, v. g.).

27. À conexão, aliás, entre as duas realidades, ambas reduzidas ao

denominador comum da “inutilidade do pronunciamento jurisdicional (falta do

interesse de agir)”, emprestou singular destaque o douto voto do saudoso Ministro

Carlos Alberto Menezes Direito, na ADI 3773/SP, j. em 4.3.2009 (RTJ 210, t.

1/172), trazendo à colação inúmeros arestos da Suprema Corte.

13

28. Agasalha-se, à espécie, a compreensão uníssona dos doutos e da

jurisprudência, com uma agravante de tomo: no caso de que ora se ocupa, não

seria possível, salvo o apego insistente a paralogismos tecnicamente despudorados,

cumular, em ação direta de inconstitucionalidade estadual, pedidos em desfavor dos

dois atos administrativos normativos sob consideração, pois, repita-se, a tanto não

chegam os marcos da jurisdição constitucional abstrata dos Estados-membros.

29. A vicejar a opinião, tão divulgada quanto heterodoxa, de propor-

se, perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, ação direta de

inconstitucionalidade em desfavor apenas do ato normativo – administrativo e

ancilar – de sua Corregedoria-Geral, a utilidade que se poderia emprestar a

eventual pronunciamento de procedência do pedido pressuporia desconsideração de

ato normativo federal inatacável na Corte Estadual, e, dessa maneira, a porta

estaria aberta, dado o caráter secundário e dependente daquele regramento,

destituído – no que toca com o novo regime da destinação de valores acordados

em transação penal – de qualquer traço de autonomia, à reclamação

constitucional perante o Supremo Tribunal Federal, por usurpação de sua

competência jurisdicional (art. 102, I, l, da Constituição da República), pois, tudo

pesado, contendido estaria sendo, por esse expediente sutil, na sua essência

mesma, ato normativo nacional.

30. Contradite-se, ademais, a asserção de que seria tecnicamente

viável ajuizar-se a ação direta de inconstitucionalidade estadual em face do ato

normativo da Corregedoria-Geral de Justiça, que nela figuraria como objeto,

procedendo-se, contudo, ao exame e à declaração concreta, incidenter tantum, do

ato normativo do Conselho Nacional de Justiça.

31. Rematado absurdo, como se passa, em poucas linhas, a

demonstrar.

32. Passaria além da marca o Tribunal de Justiça de Estado-membro

que, em sua jurisdição constitucional abstrata, pretendesse afastar, incidenter

tantum, no bojo de ação direta de inconstitucionalidade estadual, por discrepância

com a Constituição da República, ato normativo que, a despeito disso, continuaria a

constar da ordem jurídica, munido da plena virtualidade de seus efeitos.

14

33. Muito embora cabível, segundo a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal, a discussão incidental de inconstitucionalidade federal em sede de

ação direta de inconstitucionalidade estadual, está-se diante de técnica de

convívio entre espécies distintas do gênero controle, que não chegou ao ponto de

ensejar a ampliação do objeto litigioso da ação direta de inconstitucionalidade local

para permitir afastar-se do cenário jurídico objeto diverso do fixado na demanda.

34. Noutro giro, sustentar como crível declarar, incidentalmente, a

inconstitucionalidade do ato administrativo normativo nacional mencionado para,

com isso, tolhidos os seus efeitos, dizer-se hígida a ação de controle estadual,

rendendo-lhe, assim, ensejo, seria alçar a decisão de questão prejudicial ao nível

da principaliter, com todas as consequências a que a ordem constitucional a

preordena, sobretudo a de retirada do ato tido como inconstitucional do sistema

normativo.

35. Evidente que não se opõem, de modo peremptório e derradeiro,

os rudimentos do direito processual constitucional à admissão, no âmbito de um

processo de controle abstrato, da declaração incidental (concreta) de

inconstitucionalidade.

36. Esse, aliás, é o caminho, como abaixo se documentará, a ser

perfilhado em casos nos quais, em se tratando de controle abstrato de

constitucionalidade realizado no Tribunal de Justiça local, logo se vê que a

Constituição do Estado-membro, único parâmetro de controle admissível, vulnera,

ela mesma, a Lei Fundamental da República.

37. Idêntico rumo se há de tomar quando, em qualquer processo,

inclusive nos de controle abstrato de constitucionalidade, se tiver de enfrentar

problema processual ao qual esteja subjacente questão de (in)constitucionalidade.

38. No Supremo Tribunal Federal, dessa maneira se procedeu,

exempli gratia, quando, antes de se enfrentar o mérito da primeira Ação

Declaratória de Constitucionalidade proposta naquela Corte, o relator, o então

Ministro Moreira Alves, suscitou, incidentalmente, o exame da própria

constitucionalidade da emenda constitucional por via da qual fora criado o referido

15

instrumento de controle abstrato de constitucionalidade, ocorrendo,

consequentemente, o enfrentamento da questão prévia proposta (ADC 1- QO,

Pleno, RTJ 157, t. 1/131).

39. Não contraria, pois, repita-se, a nenhum princípio processual

constitucional questionar-se, incidentalmente, no bojo do procedimento de uma

ação em que veiculado pedido de controle abstrato de constitucionalidade, a

constitucionalidade de outra norma cujo prévio reconhecimento da

constitucionalidade seja conditio sine qua non de exame do próprio tema que se

situa como objeto da discussão principaliter.

40. O que não se dá, porém, no momento em que se pode antever,

como na espécie, que o exercício do controle difuso importaria na extensão

indevida do objeto da ação proposta.

41. A razão da vedação é óbvia: fosse exercitado, no caso, o controle

incidental de inconstitucionalidade, e haveria confusão manifesta e irremissível

entre seu objeto e o da própria ação direta de inconstitucionalidade estadual,

perdendo a cognição, no controle concreto, por isso mesmo, como conteúdo –

que o qualifica desde o alvor da República –, a mera questão de índole

prejudicial, como averbado na melhor doutrina (MOREIRA, José Carlos Barbosa,

Comentários ao Código de Processo Civil, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense,

2012, v. V/33, v. g.).

42. Nessa mesma ordem de considerações, Ruy Barbosa, em clássico

do direito constitucional brasileiro (Atos Inconstitucionais, 2ª ed., Campinas:

Russell, 2004, p. 102), já mostrava que o manejo do controle concreto de

constitucionalidade supõe, como um de seus “requisitos elementares”, que o pleito

(“ação”) de constitucionalidade não tome, “por objeto”, “diretamente o ato

inconstitucional”, mas que à questão da inconstitucionalidade se refira “apenas

como fundamento e não alvo, do libelo”.

43. Outrossim, restaria ladeada, a trilhar-se por esse caminho, a

limitação mesma de que cuida o art. 125, § 2º, da Constituição da República, e, no

fundo, se teria ampliado o objeto possível de controle normativo abstrato estadual,

criando-se, ex officio, uma inusual ação direta de inconstitucionalidade federal, com

todos os ingredientes que lhe são típicos.

16

44. Sucumbiriam, numa passada só, todas as qualidades

especialíssimas que conformam e diferenciam, como técnicas infungíveis, o controle

concreto ou incidental (exercido difusamente) e o controle abstrato de

constitucionalidade (exercido de modo concentrado), e ficariam baralhadas, sem

remédio, todas as noções e conceitos que servem à discriminação dos espaços

distintos que tocam a cada um desses tipos inassimiláveis de institutos de proteção

à ordem constitucional.

45. Por esse alvitre, faleceria outro dentre os pressupostos a que

Ruy Barbosa chamava de “requisitos elementares” do controle concreto de

constitucionalidade (ob. loc. cit.):

“Que a decisão se circunscreva ao caso em litígio, não decretando em tese

a nulificação do ato increpado, mas subtraindo simplesmente à sua

autoridade a espécie em questão.”

46. Não se pode fugir de que há casos, no processo de controle de

constitucionalidade a cargo de Tribunal de Justiça de Estado-membro ou do Distrito

Federal, em que, ao se deparar com normas constitucionais locais discrepantes

de norma constitucional federal, o Tribunal de Justiça pode e deve realizar o

controle concreto, incidenter tantum, da norma constitucional local em face da

Constituição da República, declarando-as inconstitucionais, conforme

sustentado pela doutrina.

47. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes,

em obra escrita em coautoria com Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de Direito

Constitucional, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 1327-1328, v. g.), a

propósito, disserta, com precisão:

“Pode ocorrer que o Tribunal estadual considere inconstitucional o próprio

parâmetro de controle estadual, por ofensivo à Constituição Federal. No

sistema concentrado clássico, o Tribunal submeteria a questão, no âmbito

do controle concreto de normas, ao Tribunal Constitucional Federal.

Todavia, como haverá de proceder, entre nós, o Tribunal de Justiça que

identificar a inconstitucionalidade do próprio parâmetro de controle

estadual?

17

Nada obsta a que o Tribunal de Justiça competente para conhecer da ação

direta de inconstitucionalidade em face da Constituição estadual suscite ex

officio a questão constitucional – inconstitucionalidade do parâmetro

estadual em face da Constituição Federal –, declarando, incidentalmente, a

inconstitucionalidade da norma constitucional estadual em face da

Constituição Federal e extinguindo, por conseguinte, o processo, ante a

impossibilidade jurídica do pedido (declaração de inconstitucionalidade em

face de parâmetro constitucional estadual violador da Constituição

Federal).” (ênfase acrescentada)

48. No mesmo sentido, o notável Luiz Guilherme Marinoni, em livro

no qual figura, como autor, ao lado de Ingo Wolfgang Sarlet e Daniel Mitidiero

(Curso de Direito Constitucional, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,

p. 1175), litteris:

“Na ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de

Justiça há que se tomar em consideração, necessariamente, a Constituição

Estadual. Entretanto, o problema para decidir pode não ficar restrito à

valoração da norma impugnada diante da Constituição, mas exigir a

análise da constitucionalidade do próprio parâmetro de controle, ou seja,

da norma constitucional estadual perante a Constituição Federal.

O Tribunal de Justiça, durante o curso da ação direta de

inconstitucionalidade, pode examinar de ofício a constitucionalidade da

norma constitucional estadual invocada como parâmetro de controle. Ao

decidir estará julgando à luz da Constituição Federal e, por isso, caberia a

alegação de estar usurpando a competência do STF – que, como se sabe,

tem a incumbência de realizar o controle de constitucionalidade em face

da Constituição Federal.

Na Rcl 526, o STF decidiu que o Tribunal de Justiça pode apreciar em

caráter incidental, em representação de inconstitucionalidade de sua

competência, a constitucionalidade de norma da Constituição Estadual em

face da Constituição Federal.

Entendeu-se não ter ocorrido usurpação da competência do Supremo ao

ter o TJSP rejeitado a alegação incidente de que determinado artigo da

Constituição do Estado de São Paulo seria inconstitucional em face da

Constituição Federal. Admitiu-se, assim, em representação de

18

inconstitucionalidade ajuizada perante Tribunal de Justiça, o controle

incidental de norma estadual em face da Constituição Federal.

Se o Tribunal de Justiça reconhecer a constitucionalidade do parâmetro de

constitucionalidade, deverá prosseguir no julgamento, decidindo sobre a

constitucionalidade da norma impugnada pela ação direta. Em caso

contrário, o Tribunal de Justiça reconhecerá que a norma constitucional é

incompatível com a Constituição Federal e, portanto, que a norma

impugnada não pode ser objeto de controle perante ela.

Em hipóteses como esta, reconheça-se a constitucionalidade ou a

inconstitucionalidade do direito constitucional perante a Constituição

Federal, cabe recurso extraordinário ao STF.”

49. A possibilidade de, em ação direta de inconstitucionalidade

estadual, declarar-se, incidenter tantum, a inconstitucionalidade de norma da

Constituição do Estado-membro é, pois, modo salutar de convivência entre duas

formas diversas de controle de constitucionalidade, imposta, sublinhe-se, em razão

da “concorrência de parâmetros de controle”, como averbado na doutrina

(MENDES, Gilmar Ferreira, e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, ob. cit., p. 1325, v.

g.).

50. Outrossim, nessa hipótese doutrinária e jurisprudencialmente

reconhecida, sequer de longe há risco de ampliação reflexa do objeto litigioso,

dando-se por extirpado, como se objeto fosse da ação direta, ato normativo

ontologicamente inconfundível com o que haja sido alvejado na exordial.

51. De todo indevido, esse o quadro, supor que o Provimento n.

04/2013, da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Goiás, normativa

dependente e secundária, poderia ser questionado em ação direta de

inconstitucionalidade estadual, em cujo processo, a Resolução n. 154, expedida

pelo Conselho Nacional de Justiça, autônoma e originária, também o seria,

conquanto de forma supostamente incidental.

19

II

52. Questão diversa reside, contudo, na possibilidade, a que se

responde afirmativamente, de manejo, na instância jurisdicional suprema do Poder

Judiciário, por legitimado ativo à deflagração da jurisdição constitucional, de ação

de controle objetivo de constitucionalidade em relação a ambos os atos normativos,

o do Conselho Nacional de Justiça e o da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado

de Goiás.

53. Desde já – embora, ao sentir pessoal do subscritor, desamparada

de qualquer julgado do Supremo Tribunal Federal que a tenha afirmado específica e

diretamente, e, destarte, longe de estreme de dúvidas e, logo, de contradita

igualmente plausível –, parece razoável, além de, registre-se, refletir opinião

seguramente majoritária no seio do Ministério Público – a qualificação do

conteúdo da proposta de transação penal como um todo incindível, que

não comportaria, por sua natureza mesma, o desmembramento entre a

pura e simples escolha da medida alternativa proposta – reservada ao

Ministério Público –, a exemplo da prestação pecuniária, e a destinação a lhe ser

dada – que para outros se situaria no domínio da atividade jurisdicional típica e,

pois, subordinada à decisão acachapante do Poder Judiciário.

54. Os atos normativos administrativos mencionados violariam, assim,

tanto (a) o art. 129, I, da Constituição da República, no que cola a nota de

privatividade, como regra, à deflagração da persecução criminal pelo Ministério

Público, quanto, a partir dessa premissa, que se tem por razoável, a (b)

autonomia do Ministério Público (art. 127, § 2º, da Constituição da República) e a

(c) independência funcional de seus membros (art. 127, § 1º, da Constituição da

República), já que, embora pretextadamente direcionados ao Poder Judiciário,

mostram-se invasivos da atuação funcional do Parquet, no âmbito de atividade-fim,

malferindo, nesse rumo, por derradeiro, a (d) competência privativa da União para

legislar sobre processo (art. 22, I, da Constituição da República), eis que a

transação penal não é, a toda evidência, sob o prisma instrumental, mais que

instituto inegavelmente processual.

20

55. Mister não ignorar que a Constituição da República (art. 103-B, §

4º, I), ao estabelecer a competência do Conselho Nacional de Justiça no sentido da

promoção do “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário”,

culminou, sem detença, no mesmo enunciado normativo, por restringi-la, no que

lhe opôs limites, descabendo-lhe, esse o quadro, a emissão de atos regulamentares

que extravasem, de modo chapadamente inidôneo, da estrutura do Poder

Judiciário, para atingir a esfera orgânica, inteiramente alheia ao seu poder de

atuação, do Ministério Público.

56. A norma, pois, que define a competência de “controle da atuação

administrativa e financeira do Poder Judiciário”, dita a atribuição no mesmo

segmento textual em que lhe estabelece os diques, o que traz à memória mais um

trecho lapidar do Ministro Sepúlveda Pertence, no MS 23974/DF, segundo o qual “a

extensão de todo poder público é o resultado da soma algébrica entre os signos

positivos da competência conferida e (as) restrições impostas ao seu exercício” (RTJ

179, t. 3/1055).

57. Como não se encontra o Parquet, em termos institucionais, na

estrutura do Poder Judiciário, a Resolução n. 154/2012, do Conselho Nacional de

Justiça e, por consequência, o Provimento n. 04/2013, da Corregedoria-Geral de

Justiça do Estado de Goiás, afrontam o disposto no art. 127, §§ 1º e 2º, nas

questões pertinente à independência funcional de seus membros e à autonomia do

Ministério Público, ao determinar que os depósitos dos valores provenientes das

medidas de prestação pecuniária provenientes de “transação penal” sejam

realizados, exclusivamente, em conta judicial vinculada à unidade gestora.

58. Destaque-se, por outro lado, que a Resolução n. 154/2013 – e,

bem assim, o Provimento n. 4/2013 que a acompanhou –, ao cindir o conteúdo da

transação penal, adentrou na área afeta ao direito processual, imiscuindo-se,

portanto, em matéria de competência legislativa privativa da União, ex vi do

disposto no art. 22, I, da Constituição da República.

59. Tal, aliás, é a intelecção do Conselho Nacional do Ministério

Público – que, no julgamento do processo CNMP n. 000.199/2006-70, considerou

descabida a edição de resolução ou ato normativo de outra natureza, sob o

21

fundamento de que a regulamentação da destinação de recursos, objetos,

numerários ou doações advindas de transação penal deveria ser feita por meio de

lei em sentido formal.

60. Confira-se:

“Ementa: Suspensão do processo, transação penal e ajuste de conduta.

Proposta do Ministério Público, nessas hipóteses de desjudiciarização

processual, que pode incluir prestação pecuniária em favor de determinados

entes, inclusive públicos. Limitação pelo Conselho Nacional do Ministério

Público. Vedação constitucional. 1. Não pode o Conselho Nacional, por

meio de resolução ou ato normativo de outra natureza, delimitar os

beneficiários de prestação pecuniária inserida no rol de injunções

para a suspensão do processo, a transação penal e o ajuste de

conduta. 2. Essa limitação seria, diretamente, uma forma de controle

administrativo sobre a atividade fim, o que está vedado pela

Constituição Federal. 3. A destinação de recursos incluídos como

condição para a suspensão do processo, a transação penal e o ajuste

de conduta só pode sofrer restrição por lei penal, civil ou processual,

com reserva de parlamento federal. 4. Há vários precedentes na

legislação brasileira e no Direito Comparado que indicam o Estado como

beneficiário direto das consequências do crime e de outros atentados a

interesses difusos. 4. A experiência nacional e estrangeira demonstram que

essa possibilidade não viabiliza a comercialização da jurisdição penal. 6. Ao

contrário, a destinação de recursos obtidos nesses procedimentos em favor

de entidades públicas locais permite que a infração penal restitua à sociedade

vitimada benefícios diretos, restaurando interesses difusos que foram

atingidos pelo crime. 7. A finalidade da pena é, também, reparar o prejuízo à

ordem jurídica violada, razão bastante para justificar, no interesse público, o

binômio violador-pagador. 8. Rejeição da proposta de resolução.” (Nº

Processo: 0.00.000.000199/2006-70; Documento de Origem: RESOLUÇÃO;

Dt. Distribuição: 28/06/2007; Relator: Sérgio Alberto Frazão do Couto,

ênfase acrescentada)1

61. Relembre-se que a jurisdição constitucional abstrata a cargo do

Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, revela-

se inclusiva de leis e atos normativos federais e estaduais, ex vi do disposto no art.

1 http://aplicativos.cnmp.mp.br/consultaProcessual/detalhaProcesso.seam?cid=21828

22

102, I, a, da Constituição da República, sendo o caso, pois, de provocar-se, a

respeito dessa magna questão, a intervenção expedita de Sua Excelência a Senhora

Procuradora-Geral da República, legitimada ativa à abertura da instância federal de

fiscalização objetiva (art. 103, VI, da Constituição da República).

62. Pondere-se, em tempo, que, a despeito do sobejamente

declarado caráter subordinado do ato normativo editado pela Corregedoria-Geral

de Justiça do Estado de Goiás, nada impede, a princípio, que se o impugne, em

ação direta, em cumulação objetiva, com o ato normativo, que lhe dá suporte e

em relação ao qual se encontra em situação de ancilaridade, do Conselho Nacional

de Justiça.

63. Na jurisprudência da Suprema Corte, tem sido essa a postura,

admitindo-se a ampliação objetiva da ação constitucional, que passa a ostentar,

como objeto nomológico, a par de o ato normativo revestido de prioridade lógica, o

de patamar inferior, que haja, a pretexto de regulamentá-lo ou de o executar, sido

expedido: mutatis mutandis, é o que atesta o acórdão na ADI 3232/TO, Pleno, Rel.

Min. Cezar Peluso, j. de 14.8.2008 (RTJ 206, t. 3/983).

64. Posto seja adversa, a orientação jurisprudencial do Excelso

Pretório, de regra, à cumulação objetiva, em ação direta de inconstitucionalidade,

de pedidos direcionados a atos normativos pertencentes a diversos entes federados

(BARROSO, Luís Roberto, O Controle de Constitucionalidade no Direito

Brasileiro, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 206, v. g.), tem-se,

excepcionalmente, essa postura como processualmente adequada, sobretudo se,

como se patenteia na espécie, havendo clara relação de complementariedade

normativa entre os regramentos, a impugnação de somente um deles,

exclusivamente, equivaleria à postulação – salvo aplicação da técnica da

inconstitucionalidade por arrastamento – de provimento ineficaz.

65. Nos dizeres autorizados do preclaro Ministro Sepúlveda Pertence,

no enfrentamento, em 24.4.2003, de Questão de Ordem na Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 2844/PR, uma das exceções à vedação referida se verifica

na hipótese em que, “dada a imbricação substancial entre a norma federal e a

23

estadual, a cumulação é indispensável para viabilizar a eficácia do

provimento judicial visado” (RTJ 185, t. 3/887).

66. Nada obsta, porém, que se tenha por mais apropriado, no caso,

em relação ao ato administrativo normativo, subalterno e dependente, da

Corregedoria-Geral de Justiça Estadual, sua não impugnação em eventual ação

direta ajuizável no Supremo Tribunal Federal, dando-se, para este ato

administrativo normativo acessório, o manejo da “técnica da decisão de

inconstitucionalidade por arrastamento”, que tem por objetivo, segundo fundado

magistério (SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, e MITIDIERO,

Daniel, ob. cit., p. 1130-1131, v. g.), “eliminar o obstáculo do princípio da

congruência entre o pedido e a sentença”.

67. Ao se haver dito incabível a ação direta de inconstitucionalidade

estadual, mirou-se o seu objeto, ou seja, ato normativo serviente. Na ação direta

de inconstitucionalidade perante o Supremo, no entanto, pode-se, conforme

registro de sua jurisprudência, em ação cujo pedido seja adstrito a ato normativo

superior, ter-se, pela técnica da inconstitucionalidade consequencial ou por

arrastamento, decisão extensiva ao ato normativo infraordenado que remanesceu

inatacado por ato postulatório hígido.

68. Convém, outra vez, a leitura dos arestos da Suprema Corte,

agora pela lavra, douta e proficiente, do seu atual decano, Ministro Celso de Mello

(Questão de Ordem na Ação Direta de Inconstitucionalidade 437, j. em 1.3.1991,

RTJ 144, t. 2/418-419):

“É de observar, ainda, que o ato do Poder Executivo em questão – o Decreto

n. 6.433, de 31-1-91 –, que o eminente Procurador-Geral da República

pretende, por aditamento do seu pedido inicial, ver incluído nesta ação,

fundamenta-se numa das leis por ele impugnadas (a Lei n. 7.588/89), cuja

eventual suspensão liminar importará na consequente inaplicabilidade

daquele provimento executivo. A relação de dependência existente entre

esse ato e o diploma legislativo em que se assenta certamente gerará o

fenômeno da inconstitucionalidade consequencial ou por

arrastamento, justificada, consoante assevera J. J. Gomes Canotilho

(Direito Constitucional, p. 788, 4ª ed., 1987, Almedina, Coimbra), 'pela

24

conexão ou interdependência de certos preceitos com os preceitos

especificamente impugnados'.

Impõe-se observar que a eventual declaração de inconstitucionalidade da lei

a que se refere o decreto executivo, objeto do aditamento, implicará o

reconhecimento por derivação necessária e causal, de sua ilegitimidade

constitucional.

A eiva de inconstitucionalidade da lei em que se funda esse verdadeiro ato

regulamentar, a este transmitir-se-á, afetando-o, como uma consequência

necessária e derivada do caráter secundário e acessório de tal ato

administrativo. Tão intensa é a subordinação jurídica do ato regulamentar,

que a eventual cessação de eficácia da lei que o justifica opera, nele, e

por via de consequência, esses mesmos efeitos, pois, consoante preleciona

Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 8ª ed., pág.

371, item 445, 1965, Freitas Bastos):

“Extinta uma disposição, ou um instituto jurídico, cessam todas as

determinações que aparecem como simples consequências, explicações,

limitações, ou se destinam a facilitar a execução ou funcionamento, a

fortalecer ou abrandar os seus efeitos. O preceito principal arrasta em sua

queda o seu dependente ou acessório.”

Por isso mesmo, esta Corte, em recente pronunciamento, apreciando, é bem

verdade, o pedido de liminar formulado na ADIn n. 173-6-DF, Rel. Min.

Moreira Alves (DJU de 27-4-90), decidiu que a suspensão cautelar da

inaplicabilidade de norma legal implica, na esfera das relações hierárquico-

normativas entre lei e regulamento, a consequente suspensão da eficácia do

ato regulamentador do diploma legislativo impugnado.”

69. A escolha, todavia, do melhor caminho a seguir, não obstante as

disceptações, será, desde que se disponha a aforar a ação direta, da autoridade

legitimada ad causam.

70. Assim, propõe-se, neste parecer, a expedição de representação,

por Vossa Excelência, à titular da Chefia do Ministério Público da União, oferecendo-

se, por ora, minuta nos seguintes termos:

25

Senhora Procuradora-Geral da República,

A par de cumprimentá-la, valho-me do presente para, nos termos dos artigos

103, VI, da Constituição da República, 46, II, da Lei Complementar Estadual

n. 025/98, e com supedâneo no Parecer n. 2/107/2013 e no Despacho n.

___/2013 – GSP/AJ (cópias anexas), exarados no Processo Administrativo n.

201300267837, representar a Vossa Excelência pelo ajuizamento de Ação

Direta de Inconstitucionalidade, para declaração de inconstitucionalidade da

Resolução n. 154, de 13.7.2012, do Conselho Nacional de Justiça, bem como

do Provimento n. 04/2013 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de

Goiás.

Com efeito, constata-se que a referida resolução afrontou a prerrogativa

inerente à atuação do Ministério Público, prevista pelo art. 129, I, da

Constituição da República, ao definir a política institucional do Poder

Judiciário na utilização dos recursos oriundos da aplicação da pena de

prestação pecuniária e das medidas alternativas de prestação pecuniária,

mormente, em seu art. 1º, caput, litteris:

“Art. 1º. Adotar como política institucional do Poder Judiciário, na execução

da pena de prestação pecuniária, o recolhimento dos valores pagos em conta

judicial vinculada à unidade gestora, com movimentação apenas por meio de

alvará judicial, vedado o recolhimento em cartório ou secretaria.”

Nessa mesma senda, o Provimento n. 04/2013 emitido pela Corregedoria

Geral da Justiça do Estado de Goiás – CGJGO –, ao regulamentar, no âmbito

do Poder Judiciário do Estado de Goiás, a Resolução n. 154/2013, incorreu

no mesmo vício de inconstitucionalidade noticiado acima, ao determinar, em

seu art. 1º, caput, que:

“Art. 1º Os valores provenientes de aplicação de penalidades de prestação

pecuniária, de requisito da suspensão condicional do processo, bem como

de transação penal, deverão ser recolhidos em conta judicial remunerada à

disposição e sob responsabilidade do Juízo da Vara de Execução Penal,

mediante Guia de Recolhimento, com movimentação em instituição

financeira federal apenas por intermédio de Alvará Judicial, vedado o

recolhimento em escrivania ou secretaria.” (ênfase acrescentada)

Como cediço, por disposição legal, é deferido ao juiz, no domínio da

transação penal, somente a possibilidade de reduzir, quando seja ela a única

aplicável, pela metade, a pena a pena de multa (art. 76, § 1º, da Lei Federal

26

n. 9.099/1995), restringindo-se, quanto ao mais, na sua apreciação do

acordo firmado entre o Ministério Público e o interessado, ao que seja

essencial à mera atividade judicante de homologação (art. 76, §§ 2º e 3º, da

Lei Federal n. 9.099/1995).

Contudo, em obediência do disposto no art. 129, I, da Constituição da

República, não há na Lei dos Juizados Especiais autorização para que a

autoridade judicial, tal como estabelecem os atos normativos ora

impugnados, promova a alteração da destinação da sanção pecuniária

ajustada na denominada transação penal, direcionando-a a uma conta

judicial única vinculada ao Juízo de Direito da Comarca ou a qualquer

entidade, sem que haja a concordância do titular da ação penal.

Tendo em vista que a promoção, de forma privativa, da ação penal pública é

função institucional do Ministério Público e, considerando que o instituto da

transação penal, segundo intelecção do Supremo Tribunal Federal e do

Superior Tribunal de Justiça (RE 296185, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira,

j. de 20.11.2001; RE 468161, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. de

14.3.2006; APn 634/RJ, Corte Especial, Rel. Min. Felix Fischer, j. 21.3.2012),

não se traduz em direito público subjetivo do sujeito a quem se direciona a

persecutio criminis, mas se consubstancia em uma faculdade do Ministério

Público - cabendo a aplicação por analogia, a norma do art. 28 do CPP

(Súmula 696/STF) -, a destinação dos valores provenientes da aplicação de

penalidades de prestação pecuniária, decorrentes da transação penal,

reservar-se-á, exclusivamente, ao alvedrio do presentante ministerial,

figurando, de forma reflexa, como apanágio da atribuição que lhe fora

constitucionalmente deferida.

Não obstante, mister não olvidar que a Constituição da República (art. 103-

B, § 4º, I) estabelece a competência do Conselho Nacional de Justiça no

sentido de promover “o controle da atuação administrativa e financeira do

Poder Judiciário”, cabendo-lhe, “no âmbito de sua competência”, zelar pela

autonomia deste, por meio da emissão de atos regulamentares.

Nessa senda, nota-se que a Resolução n. 154 do CNJ e, por consequência, o

Provimento n. 04/2013, afrontaram o disposto no art. 127, §§ 1º e 2º, na

questão pertinente à autonomia do Ministério Público e à independência

funcional de seus membros, ao determinar que os depósitos dos valores

provenientes das penas de prestação pecuniária substitutivas à prisão,

“como condição da suspensão condicional do processo ou transação penal”,

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sejam realizados, exclusivamente, em conta judicial vinculada à unidade

gestora, assim entendida, o juízo da execução.

Por outro lado, destaca-se que a Resolução n. 154/2013 e o Provimento n.

4/2013 que a acompanhou, ao cindir o conteúdo da transação penal,

adentrou na área afeta ao direito processual, imiscuindo-se, portanto, em

matéria de competência legislativa privativa da União, ex vi do disposto no

art. 22, inciso I, da Constituição da República.

Esta foi, inclusive, a intelecção do Conselho Nacional do Ministério Público –

CNMP que, no julgamento do processo CNMP n. 000.199/2006-70,

considerou inconveniente a edição de resolução ou ato normativo de outra

natureza, sob o fundamento de que a regulamentação da destinação de

recursos, objetos, numerários ou doações advindas de transação penal,

deveria ser feita através de lei, confira-se:

“Ementa: Suspensão do processo, transação penal e ajuste de conduta.

Proposta do Ministério Público, nessas hipóteses de desjudiciarização

processual, que pode incluir prestação pecuniária em favor de determinados

entes, inclusive públicos. Limitação pelo Conselho Nacional do Ministério

Público. Vedação constitucional. 1. Não pode o Conselho Nacional, por

meio de resolução ou ato normativo de outra natureza, delimitar os

beneficiários de prestação pecuniária inserida no rol de injunções

para a suspensão do processo, a transação penal e o ajuste de

conduta. 2. Essa limitação seria, diretamente, uma forma de controle

administrativo sobre a atividade fim, o que está vedado pela

Constituição Federal. 3. A destinação de recursos incluídos como

condição para a suspensão do processo, a transação penal e o ajuste

de conduta só pode sofrer restrição por lei penal, civil ou processual,

com reserva de parlamento federal. 4. Há vários precedentes na

legislação brasileira e no Direito Comparado que indicam o Estado como

beneficiário direto das consequências do crime e de outros atentados a

interesses difusos. 4. A experiência nacional e estrangeira demonstram que

essa possibilidade não viabiliza a comercialização da jurisdição penal. 6. Ao

contrário, a destinação de recursos obtidos nesses procedimentos em favor

de entidades públicas locais permite que a infração penal restitua à

sociedade vitimada benefícios diretos, restaurando interesses difusos que

foram atingidos pelo crime. 7. A finalidade da pena é, também, reparar o

prejuízo à ordem jurídica violada, razão bastante para justificar, no interesse

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público, o binômio violador-pagador. 8. Rejeição da proposta de resolução.”

(Nº Processo: 0.00.000.000199/2006-70; Documento de Origem:

RESOLUÇÃO; Dt. Distribuição: 28.6.2007; Relator: Sérgio Alberto Frazão do

Couto, ênfase acrescentada)

Dessarte, por todo o exposto, represento a Vossa Excelência acerca da

inconstitucionalidade da Resolução n. 154, de 13.7.2012, do Conselho

Nacional de Justiça, bem como do Provimento n. 04/2013 da Corregedoria-

Geral da Justiça do Estado de Goiás que a regulamentou no âmbito do Poder

Judiciário do Estado de Goiás, em face do disposto nos arts. 22, I, 127, §§

1º e 2º, e 129, I, todos da Constituição da República.

III

71. ANTE TODO O EXPOSTO, opina-se, neste ato administrativo de

natureza meramente consultiva, no sentido:

(a) da formulação de representação a Sua Excelência o Senhor

Procurador-Geral da República;

(b) do arquivamento dos presentes autos no tocante a ajuizamento

de ação de controle abstrato de constitucionalidade perante o

Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

Goiânia, 22 de agosto de 2013.

CHRISTIANO MOTA E SILVA

Promotor de Justiça

(em auxílio)

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