paraiso versus inferno avisao de tundalo e a viagem medieval.pdf

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    Paraso versus Inferno: a Viso de Tndalo e a Viagem Medieval emBusca da Salvao da Alma (sc. XII)

    Heaven versus Hell: The vision Tnugdal and the voyage of the soul insearch of salvation (12th century)

    Paradies versus Hlle: Tnugdals Vision und die Reise der Seele auf der

    Suche nach dem Heil (12 Jh.)

    Adriana Zierer1

    Resumo:A salvao na Idade Mdia estava ligada idia de viagem. O homem medievalse via como um viajante (homo viator), um caminhante entre dois mundos: a terra efmera,lugar das tentaes e o Paraso, Reino de Deus e dos seres celestiais. Se o homemconseguisse manter o corpo puro conseguiria a salvao. Se falhasse, sua alma seriacondenada, com castigos eternos no Inferno ou provisrios no Purgatrio. Era um

    paradoxo da Idade Mdia que a alma pudesse ser salva somente pelo corpo, devido essesentimento de culpa, proveniente do Pecado Original. Caso o maculasse, sua alma sofreriaa danao com castigos eternos no Inferno ou provisrios no Purgatrio. Devido a estesentimento de culpa a populao buscava a salvao atravs de uma viagem, como, porexemplo, as peregrinaes para atingir a Terra Santa (Jerusalm). Estes deslocamentos eraminseguros (estradas ruins, ameaas de assalto e de doenas) e vistos como uma forma desalvao, na medida em que o peregrino nunca sabia com certeza se iria voltar ou no. Eledesejava sentir em seu corpo o que Cristo e os outros mrtires haviam sofrido. Outro meiode salvao era o isolamento do resto da sociedade em busca de uma vida dedicada a Deus,como o caso de eremitas e monges. Devido ao seu desprezo pelos prazeres terrenos esuas vidas consagradas s oraes e jejuns a Deus, eram considerados os mais puros da

    sociedade terrestre. Os monges beneditinos escreveram Vises com o objetivo deapresentar os castigos e os deleites das almas no Alm. Sua inteno era mostrar aos fiis asnormas de comportamento adequado para se atingir a Salvao. Os exempla, como a Visode Tndalo, mostram os tipos de castigo com base nos sete pecados capitais e as aes parase atingir o Paraso: dar esmolas, freqentar missas, dar bens Igreja e evitar a luxria. Umelemento comum das vises a nfase nas sensaes dos rgos dos sentidos. Porexemplo, fedor no Inferno e perfume no Paraso. Torturas so explicitadas atravs deescurido, gritos e dores, em oposio claridade, cantos e alegria. Na iconografia, com OsSete Pecados Capitais, de Bosch e O Juzo Final, de Fra Angelico, a estrutura das vises seconfirma. Os topos do Alm, no caso do Paraso, se caracterizam por uma paisagemednica representada por jardins, cnticos, fontes, anjos e rvores frondosas. J no Inferno,

    1UFMA.

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    a geografia pressupe alguns obstculos, como caminhos com pontes estreitas, riosferventes, montanhas, lagos de gelo e monstros. Assim, o indivduo na Idade Mdia queriaa salvao mais pelo medo do Inferno que pelas glrias do Paraso, e a alma humana sedebatia entre o desejo pelos prazeres e o pavor do abismo infernal.

    Abstract:The Salvation in Middle Ages was connected to the idea of voyage. The medievalman saw himself as a voyager (homo viator), a walker between two worlds: the ephemerousearth, place of tentations and the Heaven, the kingdom of God and of celestials beings. Ifthe individual suceeded in maintain his body pure, he would obtain the salvation, but if hefailed his soul would be condemned with eternal chastiments in Hell or provisorial in thePurgatory. It was a medieval paradox the fact that the soul could only be saved by thebody. Because this sentiment of guilt, broght by the Original Sin, the population usuallysearched for salvation by means of a voyage, for example the peregrinations to achieve

    the Saint Earth (Jerusalem). These displacements were insecures (bad trails, menace ofrobbery and of diseases) and seen as a form of salvation since the pilgrim never knew forsure if he would come back or not. He wanted to experience in his flesh what Christ andother martyrs had suffered. Another means of salvation was the isolation from the rest ofsociety in search of a life connected to God, such as the hermits and monks did. Becauseof their despite for terrestrial pleasures and their lives consacrated in prayers and fastings toGod, they were considered the purest in terrestrial society. The benedictine monksdedicated themselves to write Visions with the purpose of presenting the chastiments andpleasures of the souls in beyond. Their intention was to show to the people the correctrules of behavior to obtain the salvation. The exempla, such as the Vision of Tundalo,present the types of chastiments based on the seven capital sins, and the actions that

    should be performed to reach the Paradise: to give alms, to go to mass, to give riches to theChurch and to avoid lust. Un common element from the Visions is the emphasis in thesensations of the five senses. For example, stink in Hell and perfume in Heaven. Torturesare explained by the use of darkness, screams and sorrows, in opposition to clarity, singingand happiness. In Iconography, with the Seven Deadly Sins, by Bosch, and The Final

    Jugdement, by Fra Angelico, the structure of the Visions is confirmed. The topos of thebeyond, in the case of the Heaven, are characterized by an edenic landscape represented bygardens, chants, fountains, angels and leafy trees. Once in Hell, the geography presupposesome obstacles such as ways with narrow brigdes, boiling rivers, mountains, lakes of iceand monsters. Thus, the individual in Middle Ages wanted the salvation more for the fearof Hell than from the glories of the Heaven, and the human soul debated herself between

    the desire for the pleasures and the dread of the infernal abyss.

    Palavras-chave: Tndalo - Paraso - Inferno - Sete Pecados Capitais.

    Keywords: Tnugdal Heaven Hell Seven deadly sins.

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    A vida aqui em baixo um combate, um combate pela salvao, por uma vidaeterna; o mundo um campo de batalha onde o homem se bate contra oDiabo, quer dizer, em realidade, contra si mesmo. Pois, herdeiro do PecadoOriginal, o homem est destinadoa se deixar tentar a cometer o mal e a sedanar. [...] A presena do Alm deve ser sempre consciente e viva para ocristo, pois ele arrisca a salvao a cada minuto da sua existncia.(LE GOFF& SCHMITT, 2002, I: 22)

    O conceito de salvao na Idade Mdia era vinculado idia de viagem.Imprensado entre dois mundos, o da carne pecadora e o da alma, entre omundo terrestre efmero e a eternidade do mundo celeste, o homem medievalse via como um viajante (homo viator), um caminhante entre dois mundos.

    Deste modo, a terra era entendida essencialmente como um lugar depassagem (BRAET & VERBEKE, 1996: 211). O alto, representado pelo Cu,era associado a Deus e ao macrocosmos, local onde habitavam o Criador e os

    Anjos. J o microcosmo, identificado com a natureza, era a sede das criaturasde Deus, lugar das tentaes (GUREVITCH, 1990: 76-77). Assim como ohomem era a cpia imperfeita de Deus, a terra era uma corrupo do mundoceleste, possuindo com este uma analogia (COSTA, 2002).

    A morte tambm era considerada uma viagem da Alma. Em outras culturas aidia de viagem tambm fora valorizada entre os heris mitolgicos gregos e

    suas travessias martimas em busca de aventuras, como Ulisses ou Jaso. Amorte do Deus egpcio Osris na gua tambm ligava-se idia derenascimento (LURKER, 1997: 6). Topos como as ilhas e a gua tiveramsignificados importantes em vrias culturas, representando muitas vezes ocontato entre vivos e mortos, mundo dos deuses e dos humanos, como entreas populaes clticas para quem as ilhas so o local por excelncia dosdeuses, o Sd.

    Para o medievo o mundo era um espao a ser temido j que o sobrenatural,povoado por entes malficos, estava escondido nas coisas cotidianas. A noite,

    a floresta, eram repletas de mistrio e motivo de temor por esconderem odesconhecido, oculto e diablico, no qual o corpo e a alma seriam postos prova (GUREVITCH, 1990: 130), pois, no paradoxo medieval, o corpo eracorruptvel, mas atravs dele a alma seria salva. Se o homem conseguissemanter o corpo puro conseguiria a salvao (LE GOFF, 1994: 145-146). Casoo maculasse, sua alma sofreria a danao com castigos eternos no Inferno ouprovisrios no Purgatrio. De qualquer forma, o castigo seria sentido pelaalma de uma forma quase corprea e era caracterizado por torturas no fogo eno frio (LE GOFF, 1993).

    Nos primeiros sculos do cristianismo, o rumo do deslocamento era para odeserto, um afastamento dos demais humanos em busca da pureza. Vrios

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    ascetas do perodo, homens e mulheres, escavaram celas na areia e l tentaram

    conter seus impulsos carnais para obter a salvao (BROWN, 1990: 186-187).As virgens, como Santa Macrina, irm dos santos Gregrio de Nissa e Basliode Cesaria, tambm tiveram papel importante ao congregar mulheres e viveruma vida comunitria, como conta Gregrio em sua Vida de Macrina. Oascetismo das virgens na Capadcia do sculo IV influenciou as regrasmonsticas criadas mais tarde, como a de So Bento (COSTA E ZIERER,2001: 355-370). Portanto, durante a Alta Idade Mdia, a busca pela salvaorealizava-se principalmente atravs do eremitismo e do monacato.

    O eremitismo surgiu ligado a um afastamento inicialmente em direo ao

    deserto, como, por exemplo, nos mostra a vida do egpcio Santo Anto (251-356). O deserto era visto como o lugar da ambigidade, entre o bem e o mal.No Antigo Testamento, Jesus vai para o deserto, sofre provaes e assume asua misso. J os monges irlandeses, como So Brando, iam procurar odeserto no mar (LE GOFF, 1994: 88). Os eremitas tambm buscaram asolido na floresta, que nos romances de cavalaria est ligada ao mistrio, busca interior e tambm s tentaes (LE GOFF, 1994: 96-98).

    No caso deA Viagem de So Brando, por exemplo, os eremitas ocupam lugarde destaque na narrativa. O religioso decide partir para o Paraso Terreal

    atravs das orientaes de um ermito chamado Barinto (BENEDEIT, 1995:5-6). Mais tarde, no final da jornada, Barinto encontra um outro ermito,Paulo, a quem Deus proporcionara uma fonte que o alimentava com todos osmanjares que desejava, indicando sua alta pureza. Este indivduo avisa aBrando sobre a proximidade do Paraso Terreal (BENEDEIT, 1995: 53). EmA Demanda do Santo Graaleram os eremitas os nicos capazes de interpretaros sonhos dos cavaleiros (TODOROV, 1976: 170).

    Uma outra forma de eremitismo era a vida cenobtica (do grego koinon,comum). Nela os monges partilhavam um regime de vida comum. O mais

    antigo modelo de vida cenobtica foi organizado por So Pacmio (293-346),que estabeleceu uma comunidade de homens e mulheres em Tebas, no Egito,em 320. A regra monstica mais difundida e que foi gradualmente adotada noOcidente foi a de So Bento de Nrsia (480-550). O abade dirigia o mosteiro,que se baseava nas virtudes da obedincia, pobreza e humildade, sendo o diado monge dividido em oraes, trabalho manual e leitura espiritual. A partirdo sculo IX, sua Regra foi considerada a regra por excelncia para aobservncia monstica no Ocidente, graas ao de Carlos Magno e Lus, oPiedoso. Com a fundao de Cluny no sculo X, o monasticismo beneditino

    atingiu o seu apogeu (LOYN, 1989: 260).

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    O monasticismo cltico, distinto do regulado pela Regra de So Bento,

    espalhou-se rapidamente pela Europa. Tinha um carter ainda maiscomunitrio, com um sentido extremamente asctico e solitrio, seguindo oexemplo das ermidas de Santo Antnio do Egito e dos pais do deserto. Porisso, era comum que os monges empreendessem viagens solitrias por locaisdesconhecidos, tal como a famosa viagem imaginria de So Brando aoParaso Terrestre. A procura pelo isolamento neste perodo tambm esteveligada insegurana devido s migraes brbaras em busca de terras eriquezas. Alm disso, havia as constantes guerras privadas, caracterizadas pelamutilao dos vencidos - em especial os camponeses produtores das riquezas -e a destruio das plantaes como forma de prejudicar os inimigos. A Igreja

    tentou sem sucesso conter a violncia cavaleiresca com a Paz de Deus(proibio de ataques aos camponeses, clrigos e mercadores) e a Trgua deDeus(proibio de lutas entre quinta tarde e segunda de manh) (COSTA:2002). Por outro lado, aps o sculo XI, com a diminuio das incurses dosgermanos na Europa Ocidental, aumentaram as peregrinaes em busca dasalvao.

    Durante todo o perodo feudal a visita aos locais santos foi vista como ummeio eficaz para se obter a salvao. Trs foram as principais rotas: Santiago,

    Jerusalm e Roma. Acreditava-se ser possvel encontrar sinais materiais dossantos como pedaos do manto da Virgem, da Cruz de Cristo e outrasrelquias. No caso da viagem a Santiago de Compostela, havia at mesmogrupos de peregrinos profissionais contratados para fazer o caminho em lugarde um morto ou enfermo para que este conseguisse alguma graa (SIGUL,1999: 63-64).

    A viagem representava uma aventura rumo ao desconhecido e ao perigo. Asestradas eram ruins, a viagem pelo mar insegura, pois com exceo dosescandinavos a maior parte dos medievos dominava mal as tcnicas de

    navegao. Alm disso havia o medo dos piratas, e as notcias demoravam umgrande perodo de tempo para serem transmitidas. Alm de serem trajetoslongos e inseguros, os deslocamentos impunham uma grande provao fsicae incerteza quanto ao seu sucesso. Havia a ameaa dos salteadores nasestradas e de doenas. Ao deixar sua casa, o peregrino nunca sabia comcerteza se iria voltar. Por isso as peregrinaes eram vistas como uma formade salvao, pois o viajante visava sofrer na carne o que Cristo e outrosmrtires haviam passado ao percorrer os caminhos dos santos(GUREVITCH, 1990: 94-95).

    O movimento das Cruzadas que apresentava como principal objetivo alibertao da Terra Santa, mas que tambm tinha interesses econmicos e

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    sociais (como a falta de terras para os nobres e a necessidade de novas

    riquezas), representou um grande movimento peregrinatrio, do qualparticiparam mulheres, crianas, desocupados, marginais, todos buscando umamotivao e tambm a salvao (VAUCHEZ, 1985: 90-91). A Baixa IdadeMdia marcada por esta idia de movimento. As pessoas, ao contrrio doisolamento que marca o perodo anterior, estavam ansiosas com apossibilidade de sair em busca da salvao. Cresce ento a noo do livrearbtrio, de que cada cristo o responsvel pelo seu destino aps a morte eque preciso fazer aes nesta vida para encontrar a recompensa na prxima(GUREVITCH, 1997: 94-97). O mundo apresentado pela Igreja de formadualista, cristos versus no-cristos, bem versus mal, Deus versus o Diabo.

    Assim, tanto leigos quanto clrigos saam em busca da salvao de suas almas.Mesmo hoje, na aurora do sculo XXI, o deslocamento ainda visto comouma forma do ser reencontrar-se consigo mesmo e os caminhos da eramedieval continuam a ser visitados. Muitas vezes as promessas e os pedidosde graas aos santos na religio catlica so pagas atravs de uma longatrajetria percorrida pelo fiel a p. Ainda esto ligados na civilizao ocidental,conceitos como o de salvao, viagem e sofrimento fsico.

    No final da Idade Mdia, mesmo com as Grandes Navegaes, acreditava-seque o mar era coalhado de monstros e que o Atlntico era o Mar Tenebroso,onde as embarcaes cairiam num imenso abismo. O mundo era visto comoum todo preenchido sem formas vazias. O ser humano, ao afastar-se de suaterra natal, via-se caindo em dois caminhos, o Paraso Terrestre, obtido pelasperegrinaes, ou no do Inferno, devido s tentaes. Assim, as viagensimaginrias medievais podem ser divididas na busca por alguns espaos. Almdos lugares santos, acreditava-se ser possvel atingir o Paraso Terrestre. Esteera associado ao den e ao Oriente pois na Bblia so mencionados os quatrosrios que o banhavam: o Fison, Gion, Tigre e Eufrates (Gn 2, 8-15). Aps aQueda e expulso dos primeiros humanos do den, este teria se afastado para

    um lugar de grande altura protegido por um muro de fogo (KAPLER, 1994:34-35). Pensadores medievais como Honrio de Autun e Gervsio de Tilburyafirmavam no sculo XII que alm deste muro estava o jardim com a rvoreda Vida e quem dela provasse obteria a juventude eterna (DELUMEAU,1994: 58-59).

    Embora o contato com este toposestivesse interdito maioria dos indivduos,alguns eleitos, como So Brando em sua viagem imaginria (A Viagem deSo Brando) poderiam se aproximar dele, dando testemunho das delcias doreino celeste na Terra (ZIERER, 2001: 41-51). O Paraso Terrestre cristo,

    portanto, possui elementos ednicos como rvores abundantes, fontes e sua

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    localizao num jardim guardado por anjos. Muitas vezes est no meio de

    uma nascente de onde se separam os quatro rios citados no Gnesis.

    Diversos autores cristos localizaram o Paraso no Oriente e tentaram explicarsua localizao. Para Capadcio Filostorgios (425) o rio Hifase (Hyphase),afluente do Indo ou do Ganges, o rio Fison que aparece no Gnesis. Nosculo VIII, Joo Damasceno localizou o Paraso no Oriente, na regio maiselevada da terra, apartado por um cume inatingvel, situado alm de umoceano inacessvel aos humanos. Honrio de Autun (sculo XII), seguindo

    verses anteriores como a de Agostinho, afirmava que o paraso estavaprotegido por um muro de fogo que se erguia at o cu. Em sua obra De

    Imagine Mundi tambm localizava o Paraso no Oriente, na sia. Alm doParaso Terrestre, existiriam outras regies desertas, infestadas por feras eserpentes. Segundo este pensador, entre a ndia e o Mar Cspio viviam ospovos de Gog e Magog, ferozes e canibais. A ndia seria um lugar domaravilhoso, habitada por pigmeus, que eram velhos aos oito anos e sereproduziam aos trs anos de idade. Alm disso, nesta regio habitariamoutros seres monstruosos como homens sem cabea com os olhos nosombros, o nariz e boca no peito, alm de cclopes, seres com um nico olhona testa, e cipodes, que possuam apenas um p e nele abrigavam a cabeacontra o calor do sol (GILSON, 1995: 392-393). Lado a lado com a idia doParaso Terreal no Oriente, havia tambm a crena em locais habitados porseres monstruosos amplamente difundida nos bestirios medievais.

    Com relao s crenas crists sobre a vida no Alm-tmulo, importantedestacar a predominncia por muitos sculos da idia de um lugar de esperaentre a morte e a Parusia, a segunda vinda de Cristo, onde os bons mortosdormem ou descasam, o locus refrigeri(lugar de refrescamento). Mesmo entre oseleitos havia uma hierarquia com relao escala de perfeio, muito bemexplicitada na obra de Dionsio, o Aeropagita, Da Hierarquia Celeste, que divide

    os seres anglicos que deveriam ficar prximos de Deus em trades ou noveordens de anjos Serafins, Querubins, Tronos, Soberanias, Virtudes,Potestades, Principados e Arcanjos, estando os Anjos no ltimo degrau dahierarquia celeste e em contato direto com os bispos (DUBY, 1982: 139).

    No exemplum A Viso de Tndalo, a hierarquia na salvao claramenterepresentada atravs da diviso do Paraso em trs Muros, o de Ouro, o dePrata e o de Pedras preciosas, onde as almas permaneciam de acordo comseus mritos, sendo o Muro de Pedras Preciosas reservado aos mais puros detodos, isto , s virgens e aos santos. Pois, de acordo com a crena medieval,

    aqueles que no foram maculados pelo sexo, visto como principal pecado, eque se dedicaram a morrer pela f crist, os santos, eram os mais prximos de

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    Deus. Prximos da noo do Paraso Terrestre cristo so os pases mticos

    das fadas tambm caracterizados pela abundncia e felicidade e localizadosmuitas vezes numa ilha, comoA Viagem de Bran. Relatos acerca dessas insulaeforam depois cristianizados e absorvidos, por exemplo, em A Viagem de SoBrando.

    Havia tambm viagens empreendidas em busca de um Reino Perfeito, comopor exemplo o reino do Preste Joo caracterizado pela justia, prosperidade,abundncia (COSTA, 2001). O reino do Preste Joo possui elementosednicos do paraso terrestre como a presena dos quatro rios divinos em seureino (Gion, Fison, Tigre e Eufrates), e com uma parte deste inspita,

    separando os seres monstruosos e ateus do resto do mundo. Pois desde SantoAgostinho o pensamento medieval via os monstros como parte da criao(PRIORE, 2000: 23-26) e a funo do rei perfeito seria afastar estes monstrosdo resto da Cristandade. Conforme demonstrei, o fato de a salvao estarligada a um deslocamento espacial fazia com que as pessoas se interessassem

    vivamente por modelos de conduta que pudessem seguir ou se inspirar paraatingir o Cu.

    A idia do espao no Alm confusa no perodo medieval, pois havia atradicional viso crist do Cu/Inferno, que coexistia com as concepes

    clticas e germnicas. Neste sentido, importante ressaltar a interao entrecultura folclrica e cultura eclesistica no perodo em questo, a primeirarelacionada ao paganismo e a segunda ao cristianismo. As crenas conviviamlado ao lado, ao mesmo tempo em que a Igreja, detentora da palavra,procurava absorver os elementos da cultura folclrica, dando-lhe umaroupagem crist (ZUMTHOR, 1993: 118-119).

    Entre os celtas e germanos, havia a possibilidade de contato constante entre omundo dos deuses e dos homens. Para os celtas, o Outro Mundo localizava-sea oeste, e um exemplo deste intercmbio pode ser visto atravs do relato

    sobre o rei Pwill, que troca de lugar com Arawn, deus do Outro Mundo, cadaum assumindo a forma fsica e identidade do outro por um perodo de umano (Mabinogion, 2000: 23-51). Para os germanos, a rvore Ygdrasil, com trsrazes, encontrava-se acima do cu, com uma raiz para o mundo dos deuses(Asgard), outra no Jotunheim (morada dos gigantes) e a terceira no Niffleheim(regies das trevas e do frio). J o mundo dos humanos localizava-se noMidgard (terra mdia). O espao mitolgico escandinavo que aparece nospoemas dos Edas impreciso, podendo localizar-se tanto na terra quanto nocu (GUREVITCH, 1990: 67-69).

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    O conceito cristo de Alm

    Pensar no Paraso Terrestre aps a Queda tambm pensar no Alm Cristo,pois, aps a Queda os humanos teriam se afastado do den e s voltariam aoParaso Perdido, aps terem deixado esta vida. A idia de um Alm aps amorte aparece em vrias culturas e o caminho para ating-lo marcado porportais, pontes, rios. Para os germanos, o rio da morte era o Gjoll, e os herismortos em combate chegavam ao Walhalla (palcio dos mortos) pela ponteBifroest, identificada com o arco ris. Como um dia haveria a luta decisivaentre os gigantes e os deuses, Odin encarregava as Valqurias, suasmensageiras, de escolher os melhores guerreiros nos campos de batalha para

    serem mortos e o auxiliar na batalha final. Estes guerreiros iam para uma dashabitaes de Odin, o Walhala, com palcios de ouro nos quais alimentavam-se de carne de javali e hidromel nos festins, e divertiam-se lutando(BULFINCH, 1965: 337-339).

    No Antigo Egito e Mesopotmia, as descries do Alm esto relacionadas aportais; na Bblia, o portal um smbolo para a entrada no rio do Alm, comoos portais do mundo dos mortos (Is 38, 10), do Inferno (Mt 16, 18) e doParaso (Gen 28, 17; Ap 4, 1). Nos autos das Barcas de Gil Vicente, as almasso esperadas por duas embarcaes, uma conduzida pelo anjo, levando asalmas ao Paraso e outra conduzida pelo Diabo, que levava os mortos ligadosaos bens materiais e luxria ao Inferno.

    Para os gregos, o Alm se relacionava com o Hades, onde as almas teriam suaexistncia sem sombra e sem corpo. Era guardado pelo co Crbero, queimpedia os vivos de ali entrar e os mortos de sair. Os rios dos infernosindicam os caminhos dos condenados: Aqueronte (dores), Flegetonte(queimaduras), Cocito (lamentaes), Estige (horrores), Lete (esquecimento)(CHEVALIER & GHEERBRANT, 1995: 781). Todos os mortos eram

    levados ao Hades atravs do rio da morte pelo barqueiro Caronte, que osconduzia, mas eram as prprias almas que remavam.

    No Velho Testamento o shol se encontra envolto em trevas e em silncio(J, 13, 17 e ss). O Alm tambm pode ser imaginado neste mundo atravs daIlha dos Bem-Aventurados, rodeada por mar (para onde iam os heris gregoscitados nos Trabalhos e os Dias e celtas, como Bran, em sua viagem) e aoponto cardeal oeste, fazendo um paralelismo com o movimento do sol e ocaminho da vida (LURKER, 1997: 15). A Terra das Hesprides, com seuspomos de ouro (um smbolo solar), originalmente representava um reino no

    Alm. O Alm cristo inicialmente um local binrio, dividido em Paraso eInferno. O Paraso est no alto, o lugar da transcendncia, sede das

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    entidades celestes e morada de Deus e o baixo, o Inferno lugar de castigo

    dos condenados no Alm, localizado embaixo da Terra. O baixo dominadopelo Diabo, sendo tambm chamado de geena (Mc 9, 43; Mt 5, 25 s; 10, 28)ou geena do fogo. Em latim a palavra inferno, infernus, significa inferior. Osque para l iam estavam condenados ao castigo eterno no fogo inextinguvel, atorturas, ranger de dentes e odores ftidos aplicados pelo Senhor do Mal e porseus auxiliares.

    J o Reino de Deus para os Cristos era o Reino Celeste. L era onde selocaliza o verdadeiro Paraso. Para este local de felicidade iriam os justos ebem-aventurados nesta vida quando chegasse o fim dos tempos. Assim

    descrito o Reino Celeste na Bblia no Apocalipse de Joo, obra produzida nosculo I, momento de intensas perseguies aos cristos:

    por isso que esto diante do trono de Deus,servindo-o dia e noite em seutemplo.Aquele que est sentado no trono estender sua tenda sobre eles:nunca mais tero fome, nem sede,o sol nunca mais os afligir,nem qualquercalor ardente; pois o Cordeiro (Cristo) que est no meio do trono osapascentar, conduzindo-os at as fontesde gua da vida.E Deus enxugartoda lgrima de seus olhos (Ap 7, 15-17)

    O Paraso o local definitivo da Salvao. Deus auxiliado por ancios e poranjos e envia avisos humanidade para que se arrependam dos pecados poisno Juzo Final haver a separao definitiva, com a felicidade suprema aosbons e a danao eterna aos maus.

    O Paraso Terrestre aps a Queda de Ado e Eva e a Geografia do Alm

    De acordo com os telogos, aps a Queda o Paraso Terrestre teria seafastado deste mundo para um lugar de grande altura protegido por um muro

    de fogo, conforme j vimos. No entanto este local passa a funcionar comoreceptculo das almas. No primeiro Livro de Enoch (sculo III a.C.), umevangelho apcrifo conservado por inteiro apenas numa verso etope dosculo IV, Enoch vai ao Alm com o anjo Gabriel e numa montanha elevada

    v trs cavernas tenebrosas destinadas aos pecadores e uma luminosa,reservada aos justos. J no judasmo antigo, todos os mortos eram recolhidosindistintamente no shol (DELUMEAU, 1994: 33-34). NoApocalipse de Baruche no Livro de Enoch, os maus tambm sero punidos. Baruch chega ao terceirocu e pede ao anjo que o guie ao Paraso Terrestre, onde esto prximos o

    jardim dos justos e o Hades, lugar de punio das faltas. No Quarto Livro deEsdras os maus ficaro em habitculos e sero castigados de sete maneiras

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    diferentes enquanto os justos repousam de sete maneiras (DELUMEAU,

    1994: 35-36).

    Grande importncia tambm teve o Apocalipse de Paulo, de meados do sculoIII, que foi influenciado pelas obras citadas acima. Para Paulo as almas dosjustos vo repousar temporariamente no Paraso Terrestre.

    Podemos dizer que o pensamento cristo pensava num Alm intermedirioaps a morte. Alguns consideravam que s os mrtires, o Bom Ladro(perdoado por Jesus por ocasio da crucificao, a quem Cristo disse queencontraria no mesmo dia no Paraso), Enoch e Elias (que ascenderam aosCus sem sofrer a morte) gozavam j do Paraso de Ado. Porm, um grandenmero de filsofos afirmava que as almas de todos os justos aps a mortepermanecem em estado de repouso at chegar o dia do Juzo Final quandoiriam para o verdadeiro Paraso por ocasio da parusia, a segunda vinda deCristo, com a separao definitiva dos bons e maus.

    Visualizando melhor a idia do Alm tmulo no pensamento judaico-cristo,segue a descrio do Alm em obras produzidas entre os sculos II e III.

    Tabela 1

    Apocalipse deBaruch

    (c. sc. II)

    Apocalipsede

    Esdras(c. sc. II)

    pocalipsede

    Pedro (c.sc. II)

    Apocalipse dePaulo (c. sc.

    III)

    IV Livro deEsdras (c.

    sc. II)

    Baruch vai ao 3cu, pede ao anjoque o guie at oden;prximidadeentre jardim dosjustos e Hades(lugar de puniodas faltas)

    Esdras vumacidade num

    valecheia de coisasboassete anjoslevamEsdras aoinferno, desce70 degraus; vportasardentes,rio de fogosobre um rioou ponte ondeos maus caem

    Pedro v osbem-aventurados

    na montanhasagrada, vivemnum lugarluzente, cheiode especiarias eplantasrio de fogo comrodas de fogopara castigarpecadores e paramergulh-los

    Os anjos levamalmas dos justosrepousamtemporariamenteno paraso terrestreondecorre rio de leitee mel7 castigos doscondenados: sede,frio, calor,

    vermes, mau cheiroroda de fogo, rioonde somergulhados

    Os justosrepousam de 7

    maneirasdiferentes, lugarde silncio erepousomaus serocastigados de 7maneirasidia de lugarintermedirio no

    Alm

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    interessante observar portanto, que havia desde o incio do Cristianismo

    uma idia de sofrimento aos maus e de um Alm intermedirio. Durante aBaixa Idade Mdia, mais especificamente entre os sculos XII e XIII, a idiade um espao intermdio se racionalizou, relacionando-se a atitudes concretasa se tomar para diminuir o tempo de permanncia ali. o momento deconstruo do conceito de Purgatrio no discurso eclesistico como um lugartemporrio de castigo. Atravs da ampla relao entre vivos e mortos e dotrfico que pode ser feito entre este mundo e o outro, acreditava-se garantirum lugar no reino dos Justos no Juzo Final. Nos sculos anteriores foramdesenvolvidos relatos de viagem ao Alm denominados visio, a viso, cujoobjetivo era a exortao ou a advertncia aos cristos (PATCH, 1983: 98).

    A seguir algumas vises e seus elementos:

    Tabela 2

    Viso de Perptua Viso de So PauloViso deBaronto

    Viso de Wettin

    Sc. III, redigidapor Tertuliano

    Verso grega sc. III,redaes sc. IX

    Final do sc.VII

    Incio do sc. IX

    escada de ouro queela consegue subirSaturo levado por 4anjos ao Oriente, vum lugar com todotipo de flores, v osmrtires e ouvecantos

    No 2 cu, descrio dos riosdo Paraso Terrestre: rio demel (Fison), de leite(Eufrates), de azeite (Geon),de vinho (Tigre), rvore doBem e do Mal, rvore da

    Vida

    diabos e anjosdisputam suaalma; ArcanjoRafael oconduz ao CuParasodividido em 4portas,

    diabos e anjos seaproximam., anjo oajuda,maior nfase descrio doscastigos

    no fala das torturasdo inferno

    castigo dos pecadores: corpomergulhado no rio de fogoat onde ia o pecado (joelhos,

    ventre, lbios)

    v as torturasdo Inferno esuas moradas

    v montanha comgrande altura feita demrmore

    sofrimentos vriosde religiosos etambm deimperadores comoCarlos Magno, teriacometido incestocom a irm

    possvel perceber principalmente na Viso de Wettin uma nfase aostormentos sentidos no lugar intermedirio, onde at mesmo um religiosospermanece para ser expurgado, o que mostra que a noo de lugar intermdio

    antiga. Mais adiante falarei da Viso de Tndalo, apresentando maioresdetalhes sobre os sofrimentos e deleites no Alm.

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    A partir do ano 1000, a Igreja consegue uma influncia maior sobre a

    sociedade, levando a uma maior preocupao da populao com a salvao daalma e os meios de consegu-la. Vrias transformaes ocorrem na EuropaOcidental, propiciando tambm novas reflexes sobre o sagrado. Destacodentre elas o crescimento da cidades e de novas categorias sociais como osmercadores, o desenvolvimento das escolas urbanas, o movimento dasCruzadas, que para alm da questo religiosa tinha um objetivo econmico depeso (conseguir terras para os secundognicos e diminuir as guerras feudais), osurgimento das heresias contestando o monoplio da Igreja no contato comDeus.

    Durante este perodo as ordens monsticas, inicialmente os cluniacenses edepois os cistercienses, buscaram uma participao maior na salvao doindviduo, que culminou com o discurso mais elaborado dos sculos XI e XIIquando nos relatos sobre o Alm aparecem os lugares para os condenados

    vo e os tipos de castigos que se sofre, buscando aes para evit-losmediadas pelos mosteiros. Surgiram assim, vrios relatos de vises nos quaisos mortos atestam a influncia dos vivos na sua salvao. O relato sobre a

    vida do abade Odillon (1024), de Jotsuald, por exemplo, apresenta a idia delugares nos quais cospe um fogo ardente, onde as almas dos pecadores sofremsuplcios de demnios. Na narrativa, um eremita informa a um abade que asalmas podem ser libertadas pelas preces dos monges e esmolas dadas aospobres em lugares santos, e estimula os primeiros (os monges) aempenharem-se ainda mais para vencer os demnios (LE GOFF, 1993: 150-151).

    Cluny tambm teve importncia ao consagrar um dia especialmente para aorao aos defuntos, instituindo por volta de 1030 a Festa dos Mortos em 2de novembro, logo depois da Festa de Todos os Santos, que era realizada nodia anterior. Os monges que haviam tido vises com defuntos eram

    encarregados de avisar os parentes e a comunidade para que missas fossemcelebradas em sua homenagem (SCHMITT, 1999: 93-94). Jean-ClaudeSchmitt estudou vrios relatos de fantasmas medievais, cujo objetivo erareclamar os sufrgios que os libertariam dos tormentos do Alm. Nasnarrativas produzidas na abadia de Cluny, eram apresentadas a necessidade deesmolas e da celebrao da alma dos mortos, alm de apresentar a VirgemMaria como principal auxiliar das almas quanto salvao. As vises tambmatacam os padres simonacos, alertando sobre a necessidade da preceindividual pelo morto Os relatos alertam sobre padres que recebem alimentose no rezam pelo morto e tambm insistem que melhor dar esmolas aos

    pobres que a padres indignos. Atestam ainda a continuidade da solidariedade

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    entre vivos e mortos e as oraes monsticas como forma superior e eficaz

    para ajudar os defuntos (SCHMITT, 1999: 83-86).

    interessante destacar tambm o uso das vises com fins poltico-financeiros,como fez por exemplo, Pedro, o Venervel, oitavo abade de Cluny (de 1122 a1156). Ele transcreveu na obra De Miraculis um relato no qual o av do rei

    Afonso VI teria sido visto por outro morto, e que atravs deste agradecia Ordem pela eficcia de suas oraes para livr-lo dos tormentos. O abadepretendia com isso que o monarca de Castela e Leo continuasse a pagar umdireito anual sobre as searas a Cluny, como retribuio s preces da ordem(SHMITT, 1999: 151-152). A Igreja conseguiu com sucesso mobilizar a

    sociedade em torno da salvao. A partir do sculo XII, ocorre tambm umavalorizao do indivduo e do livre-arbtrio como fundamental para se atingiro Paraso. A permanncia no Purgatrio a partir do perodo em questo era

    vista como um momento temporrio no pagamento dos pecados veniais (isto, aqueles que podiam ser perdoados por Deus), no qual o morto sofriaalgumas torturas fsicas como a passagem simultnea do fogo ao gelado (LEGOFF, 1993: 19-21).

    A racionalizao da idia de castigo temporrio no Purgatrio possibilitou quenovas categorias sociais, como a dos mercadores, que exerciam uma atividade

    contrria ao pensamento da Igreja (a utilizao da usura), temendo por estemotivo o seu destino na outra vida, pudessem obter a salvao atravs dasmissas e outras medidas empreendidas pelos vivos para abreviar o tempo noPurgatrio. O trabalho do mercador era visto pela Igreja como no agradvelaos olhos de Deus. Isto tinha origem na Bblia. O Levtico afirma que se oteu irmo achar-se em dificuldade, no lhes dars emprstimo a juros, nem lhedars alimento para receber usura (Lv 25, 35-37). No mesmo sentido, oDecreto de Graciano, obra eclesistica do sculo XII, sentenciava que Omercador nunca pode agradar a Deus ou dificilmente (homo mercator

    nunquam aut vix potest Deo placere) (LE GOFF, 1991: 71; COSTA e ZIERER,2000: 70).

    Os tormentos dos usurrios so comumente mencionados nas vises. NaViso de So Paulo, por exemplo, os usurrios so mergulhados num riotenebroso onde tm as lnguas comidas por no terem sido misericordiososnem se preocuparem com as vivas e rfos (Vision de Saint Paul, 1903: 125-126). A apreenso de toda a sociedade com as atitudes a tomar antes da mortee da ida ao Purgatrio era tambm uma forma de aproximao com as crenaspopulares clticas e germnicas. Estas no estabeleciam uma grande distino

    entre o reino dos deuses e dos homens, podendo haver um intercmbioconstante entre estes dois mundos, no muito distantes um do outro.

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    O Purgatrio, alm de significar uma preocupao com o destino aps a

    morte, representa tambm uma aproximao com o Alm-tmulo, que, apartir de ento, no significa mais uma longa espera dos mortos pelo Parasoat o dia do Juzo Final conforme a verso crist inicial. Na novacontabilidade do Alm (LE GOFF, 2002, I: 32), eram pesadas as aes domorto, comparando seus pecados e penitncias feitos e a fazer. Assim, a almasofreria por um curto perodo no Purgatrio e logo depois iria para o Paraso,o que permitia ento, um intenso trfico, atravs das prticas para que sesasse logo do lugar dos castigos (missas pela alma do morto, entrega de bensou rendimentos Igreja, auxlio aos pobres). Graas divulgao da idia dePurgatrio pelos oratores, passou a haver no campo do imaginrio, um

    enorme intercmbio entre vivos e mortos, numa aproximao com a viso doOutro Mundo da cultura folclrica.

    Assim como os cluniacenses, os cistercienses tambm se dedicaram aosrelatos sobre viagens ao Alm e as aes dos vivos para mitigar as faltas dosdefuntos. Fundada em 1098, a Ordem de Cister, tal como a de Cluny, erabaseada na regra de S. Bento. Afirmava que era necessrio uma maioraproximao com o trabalho manual, conforme pregava a regra de So Bentoe se implantou inicialmente no campo. Os iletrados (irmos leigos) eramaceitos na Ordem e formavam a base produtiva do mosteiro por trabalharemnas plantaes. Os cistercienses tiveram grande importncia na confeco doexemplumque analisarei mais adiante, a Viso de Tndalo.

    De forma geral, os monges eram considerados os religiosos mais puros eprximos de Deus por estarem totalmente afastados do mundo (BOLTON,1986: 24). Quanto ao clero secular, sua principal funo era a de ministrar ossacramentos que garantiriam a salvao aos fiis. A prpria arquitetura domosteiro e as aes dos monges, centradas no Opus Dei (o estudo dasescrituras, trabalhos com os manuscritos, cnticos e jejuns) eram vistas como

    uma forma superior de religiosidade pela sociedade feudal.

    Relatos como a Viso de Tndalo colocam os monges numa das melhorespartes do Paraso, o Muro de Ouro, abaixo apenas do Muro das PedrasPreciosas, local das nove ordens de anjos, das virgens e de So Patrcio. Osmonges, aqueles que haviam se guardado dos prazeres mundanos e dedicado a

    vida a Deus, tinham as cabeas coroadas de ouro e pedras preciosas(ZIERER, 1999: 128).

    Os mosteiros beneditinos eram construdos de forma a representar o Paraso:

    "(A abadia) Terica, por sua vontade de correspondncia estreita com asharmonias universais, orientada, construda sobre os eixos do mundo, em

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    perfeito equilbrio aritmtico, a pura repousa sobre um mdulo de base dequarenta ps, formando a nave da igreja a base de toda a composio. Pois nocorao desse organismo se mantm a igreja, ponto de articulao entre a terrae o cu: nesse lugar opera-se a ligao com o paraso." (ARIS e DUBY, 1990:52)

    Portanto, ningum melhor que os eleitos na sociedade terrestre, os monges,aqueles que eram os mais prximos do Paraso, de acordo com a crena dapoca, para confeccionar relatos sobre como os cristos deveriam secomportar.

    Um Exemplumdo Sculo XII: A Viso de Tndalo

    Figura 1

    O homem em seu leito de morte (c. 1470). Ilustrao do livroA Arte de Bem Morrer,

    publicada em Ulm.

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    Na imagem da xilogravura possvel ver um cristo s portas da morte, o que

    demonstra a grande preocupao dos fiis com este momento especfico desuas vidas. A xilogravura de A Arte do Bem Morrer foi um dos primeirostrabalhos utilizando esta tcnica e tinha por objetivo ser um sermo visual,mostrando aos fiis o futuro dos devotos de acordo com suas aes. Prximodo morto, um monge segura uma vela acesa e os anjos esto em cima dacabeceira levando a alma deste em direo ao cu. Tambm presentes aofundo, esto Cristo e seus santos. Na parte inferior, uma srie de diabos,assemelhados com animais ferozes, tentam levar a alma do morto e portamcada um vrios dizeres negativos, tais como: Estou furioso, Estamosperdidos, Estou assombrado, Isto no consolo, Perdemos esta alma

    (GOMBRICH, 1999: 282).

    A imagem, um sermo visual, tem a mesma funo do exemplumque analisareiagora: mostrar aos vivos os castigos e recompensas dos cristos de acordocom seus atos na terra. No entanto, o bom cristo no precisa temer oInferno. Devido s suas boas aes, ser levado ao Paraso. O que noaconteceu com o cavaleiro Tndalo, ao menos num primeiro momento.Descreverei a viagem ao Alm deste pecador agora com maiores detalhes queas outras vises para compreendermos com mais clareza a idia de salvaomedieval atravs da viagem da alma. A narrativa, de origem cisterciense, foiescrita no sculo XII, pelo irlands Marcos, e traduzida em portugus, por

    volta do sculo XV, por monges do mosteiro de Alcobaa. H uma verso deFrei Hilrio de Lourinha (cdice 266) e outra de Frei Zacarias de Payopelle(cdice 244). Utilizarei a verso deste ltimo cdice, publicada em 1895 naRevista Lusitana por F. M. Esteves Pereira. Trata-se de um exemplum, queapresenta a experincia de um cavaleiro pecador nos trs espaos do Alm:Purgatrio, Inferno e Paraso. O principal trao dos exempla era ser um relatobreve, tido por verdico, com o intuito de ser inserido num sermo oudiscurso de fundo teolgico para convencer uma platia atravs de uma lio

    moral (BREMOND, 1998: 21-28; CAZAL-BRARD: 1998, 29-42; LEGOFF, 1999: 324-344).

    Por ter sido composto em meados do sculo XII, a diferena entre Purgatrioe Inferno na obra ainda um tanto confusa. No manuscrito original, o espao dividido em Inferno, com oito lugares de tortura, Inferno Inferior e Paraso(CAROZZI, 1994: 597). Na verso portuguesa do sculo XV, apareceexplicitado que o cavaleiro conhecer todas as penas do inferno e dopurgatorio e (...) todos os beens e glorias que ha no sancto parayso (Viso de

    Tndalo (VT), 1895: 101). Durante o relato porm, difcil distinguir

    Purgatrio e Inferno, ambos locais de tortura. S podemos diferenciar os doisespaos porque sabemos, num determinado ponto da narrativa, que o

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    cavaleiro desce ainda mais para baixo, chegando a um lugar muito pior

    daquele onde j havia experimentado sofrimentos, e l encontra o Prncipe dasTrevas.

    Numa outra verso da narrativa do sculo XV, escrita em provenal, a divisodo espao mais explicita, pois j aparecem separados por ttulos, asexperincias do cavaleiro no Purgatrio, Inferno e na morada dos bem-aventurados (Voyage de Raimon de Perellos au Purgatoire de Saint Patrice:

    Visions de Tindal et de Saint Paul, 1903: 57-119).

    Os antigos lugares de castigo (ou Inferno) so transformados em Purgatrio eo Inferno Inferior passa a ser visto como o Inferno propriamente dito. Issomostra como no final da Idade Mdia os espaos j esto bem definidos e apreocupao com a morte, num perodo marcado pela Peste Negra, grande.No relato aparece fortemente explicitado o objetivo da jornada de Tndalo,isto , sua experincia seria contada pelo monge Marcos para que os medievaisse arrependessem dos pecados e levassem uma vida mais virtuosa:

    Este tal e tan pecador quis deus por exemplo de nos todos, que uisse muytascousas e as sofresse e que as contasse a nosper que tomassemos exemplopera nos castigarmos de mal fazer.(VT, 1895: 101).

    A Igreja Medieval pretendia o controle das almas, da a utilidade destasnarrativas. O redator escreve ao fim da histria que era testemunha daexperincia de Tndalo, pois havia ouvido o que acontecera do prpriocavaleiro:

    Eu frey marcos. que esto screuy. son testemunha desto todo.Ca eu ui conmeus olhos o homen a que esto aconteceo e queme contou todo assi como iaouuistes. e assi como o el contoua my. assi trabalhey eu de o contar o melhorque eu pudy.(VT, 1895: 120)

    Aqui o afirmar que ouviu funcionava como garantia de veracidade, forte traomedieval. Alm disso, o autor, de acordo com suas palavras, tentariatranscrever a narrativa exatamente conforme a havia ouvido, o que denotauma forte interpenetrao entre oral e escrito. A narrativa desenvolve-se apartir da morte temporria de Tndalo por um perodo de trs dias, ocasioem que um anjo vem busc-lo para uma jornada no Alm. A verso provenalexplica que Tndalo estava na cidade de Cartago entre prazeres com amigos eno dia da jornada ao Alm comeou a passar mal. No conseguiu comer,sentiu a alma sair do corpo, mas como havia um pouco de calor em seu peito,no foi enterrado (nullo in eo remanante vite signo, execpto quod calor modicus in

    sinistro pectore ab is) (Vision de Tindal, 1903: 59-60).

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    Os principais pecados que Tndalo deveria purgar nesta viagem eram

    comuns aos medievais e muito criticados pelos oratores, como, por exemplo, oapego aos prazeres mundanos, a luxria, e o no cumprimento de obrigaescrists, como dar esmolas aos pobres e freqentar assiduamente as missas. AIgreja pretendia o controle sobre a vida sexual dos fiis, defendendo ocasamento voltado apenas para fins de procriao, sendo que o ato carnal forado casamento era condenado (BROOKE, 1991: 16-87, RICHARDS, 1993:33-52, DUBY, 2001). A instituio controlava a moral dos fiis e seus atospara que estes conseguissem, aps a morte, atingir o Cu.

    A narrativa pode ser dividida basicamente em dois momentos: no primeiro, o

    anjo e o cavaleiro vo descendo a terra (pois, na concepo crist, o Inferno selocaliza embaixo) e o pecador enfrenta uma srie de provaes. Estasprovaes esto relacionadas aos sete pecados capitais a vaidade, ira, inveja,avareza, gula, luxria e preguia e para cada um dos pecados existempenalidades como podemos ver abaixo:

    Tabela 3

    PecadoresPecado

    Capital

    Castigo

    1. Assassinos Irasofrem num vale profundo com carves e com cruzelde ferro branco que queima mais que carves

    2. Traidores Vaidadealmas passam do fogo do enxofre para rio gelado edepois para o fogo novamente

    3. Orgulhosos Invejamergulhados num lago ftido ao cair de longa pontepor onde s atravessam os eleitos

    4. Avaros Avarezaso comidos e atormentados pela besta Aqueronte,depois so colocados no fogo e no rio de enxofre

    5. Ladres

    Preguia e

    Invejapassam por ponte estreita com pregos afiados;

    enormes bestas comem os que caem das pontes6. Glutes eFornicadores

    Gula eLuxria

    jogados em enorme forno que queima tudo,torturados por diversas ferramentas

    7. Luxuriosos,principalmente oseclesisticos

    Luxriabesta devora as almas e as vomita, almas concebemmonstros, como serpentes e outros que as mordem,agulhas de ferro e de fogo consomem as almas

    Dentre os pecados aquele em que mais se sofre com a luxria, a qual praticada por leigos e tambm por eclesisticos. Estes ltimos, como lembra oanjo, devem ser punidos de maneira mais rigorosa se incorrerem neste pecado.

    Como ressalta bem Carozzi, a oitava punio no mencionada, e depois delaTndalo e o anjo vo direto para o Inferno (antigo Inferno Inferior)

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    (CAROZZI, 1994: 602). Talvez por esta razo, o compilador da verso

    portuguesa coloca o ltimo castigo desta primeira parte como o castigodaqueles que devem ser melhores que os outros, tem sabedoria e cincia parao ser e no so. A forma de punio serem mordidos at os ossos e seremtransformados numa massa derretida, desejarem morrer, mas noconseguirem (VT, 1895: 109).

    Durante toda a jornada, o anjo vai acompanhando Tndalo, porm ele sofrevrias punies. Nas penas dos ladres, obrigado a passar com uma vacapela ponte estreita com pregos, por haver roubado a vaca de um vizinho. Nomeio da ponte, encontra um homem carregando um feixe de trigo. Nenhum

    dos dois quer retornar para dar passagem ao outro, esto com os pssangrando e acusam-se mutuamente de seus pecados (VT, 1895: 106).Tndalo s obtm sucesso graas ao ser anglico, que o salva, curando seusps e permitindo que atravesse a ponte. O cavaleiro tambm sofre com osvaros e comido pela besta Aqueronte, a qual era alta como uma montanha.Sobre o animal monstruoso:

    os olhos daquela besta pareciam uma montanha de fogoe a boca era muitogrande e aberta, pela qual podiam entrar nove mil homens armados [...] daboca daquela bestasaam choros e gritos, os quais faziam as almas que estavamdentro do ventre daquela besta. (Vision de Tindal, 1903: 70)

    No interior do monstro havia fogo e animais como cachorros, serpentes, leese outras bestas. Depois, os demnios colocam as almas no fogo, no rio deenxofre e no gelo. Ao sofrer os tormentos, Tndalo recorda-se das faltascometidas (Vision de Tindal, 1903: 72). O anjo lembra a todo momento damisericrdia de Deus, o qual deseja salvar Tndalo da querer mostrar a ele aspunies aos pecados, visando obter o arrependimento. A obra tem umcarter bastante didtico, a cada lugar onde passam, Tndalo pergunta ao anjoquem est ali e porque merece ser colocado no local, o que o ente de Deus

    explica e logo depois admoesta Tndalo a se corrigir para evitar o lugar nofuturo ou para atingi-lo na outra vida, uma vez que eles passam por todos osespaos do Alm. O cavaleiro sofre ainda outras punies: a dos glutes efornicadores, e a pior das punies do Purgatrio, a pena dos luxuriosos,que j mencionei anteriormente. Ainda que seja uma pena voltada aoseclesisticos que pecaram, aqueles que cometeram a luxria imoderadamente,como Tndalo, tambm sofrem a punio.

    Eram devorados por outra besta, mais aterrorizante que a predecessora, comdois ps, duas asas muito grandes e de sua boca saam grandes chamas de

    fogo. No interior do monstro, os pecadores sofriam tormentos eengravidavam, tanto homens quanto mulheres, de outras feras, as quais

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    pariam, com grandes gritos, por todas as partes do corpo. Estes animais os

    mordiam at os ossos e queimavam suas artrias e pulmes:

    Erant enim in omnibus diversis membris et digitis diversarum bestiarum capita,que ipsa membra mordebant usque ad nervos et ossa. Habebant quoquelinguasvivas in modum aspidum, que totum palatium et arteria consumebantomnia usquead pulmones (Vision de Tindal, 1903: 84).

    Depois disso, as almas eram torturadas pelos demnios e derretidas como ochumbo, com o uso de martelos e outros instrumentos, e transformadas emmassa: as uezes de cen almas se fazia huma massa (VT, 1895: 109). Pormpor mais castigos que sofressem as almas nunca poderiam morrer, conforme

    desejavam. Da mesma maneira que a Viso de Tndalo, a Viso de So Paulo, dosculo IX, igualmente mostra penas relacionadas aos tipos de pecado cominspirao nos sete pecados capitais. Neste caso, o Arcanjo Miguel leva SoPaulo ao Inferno. Diante de suas portas v rvores de fogo onde os pecadoresso pendurados de acordo com seus pecados. Os pendurados pelos ps narvore de fogo so os malfeitores, pendurados pelas mos, ladres, peloscabelos os orgulhosos, pelo pescoo, glutes e pela lngua, os caluniadores.Outra punio o mergulho no rio de fogo, onde partes do corpo so imersasde acordo com a gravidade do pecado.

    O principal elemento a lembrar aqui o no cumprimento dos compromissosdos fiis, como o de no fazer penitncias ou de cometer pecados apsconseguir o perdo. Aqueles que so mergulhados no rio de fogo at os ps,foram os que fornicaram aps receber penitncia, at os joelhos, os quecometeram furtos e rapinas, at a boca, os traidores e at as sobrancelhas, osmaliciosos (Vision de Saint Paul, 1903: 124-125). Na iconografia medieval ossete pecados capitais so igualmente representados como por exemplo naobra de Bosch abaixo:

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    Figura 2

    Hieronymus Bosch. Os Sete Pecados Capitais(c. 1490). Museu do Prado. Madrid.

    Nascido na Holanda, Bosch (1450-1516) era proveniente de uma famlia depintores e levou uma vida confortvel por ter se casado com uma burguesa. Amentalidade medieval est presente em suas pinturas embora fossecontemporneo de diversos artistas do Renascimento, como Leonardo da

    Vinci. No h retratos seus e suas pinturas no so datadas (Copplestone,1997: 5-7). Profundamente religioso, a partir de 1486, passou a pertencer auma confraria de leigos, a Confraria de Nossa Senhora. Seus desenhosrevelam grande preocupao com a salvao e o pecado, sempre associado aosexo e muitas vezes representado de forma bizarra, como no Jardim dasDelcias (c. 1500) e no Juzo Final, onde os pecadores so punidos por animaisestranhos. Muitos crticos de arte lhe atribuem uma ateno obsessiva com aluxria e obscenidade, que ao mesmo tempo, suas obras pretendiamcondenar.

    Em Os Sete Pecados Capitais, o grande crculo representa o olho de Deus queobserva a humanidade. No centro do quadro est a figura de Cristo no

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    interior da ris azul, mostrando suas chagas. A ris est circundada por um

    crculo dourado em forma de raios de sol. Ali existe a inscrio: Cuidado,Deus tudo v (Cave Cave Deus videt).

    A obra foi levada para a Espanha em 1574 por Felipe II e ficou durante anosnos aposentos do rei no Palcio do Escorial. Os quatro medalhes lateraismostram os quatro destinos humanos: o leito de morte, o Juzo Final, oParaso e Inferno. No interior da tvola, so representados os sete pecadoscapitais, e acima dela pairam bandeirolas com advertncias em latim. A Iraapresenta uma cena de cime e conflito. No Orgulho, um demnio exibe umespelho a uma mulher. A Preguia mostra uma mulher vestida para ir missa

    e tentando acordar um homem que dorme uma gostosa soneca. Na Avareza,um juiz aceita suborno; na Inveja, retratado o provrbio dois cachorroscom um osso raramente chegam a um acordo.

    Descreverei dois pecados com mais detalhes: a luxria e a gula. A Luxriaretrata dois casais de amantes divertindo-se prximo a uma tenda de brocado

    vermelho. H na cena comida, bebida e instrumentos musicais como a lira,propcios ao jogo amoroso. Prximo deles, os divertem um palhao e umbufo. A Gula mostra um homem obeso, mascando um osso, numa mesarepleta de alimentos. A mulher traz mais comida, uma ave assada. Do lado

    direito, outro membro da famlia bebe vinho sofregamente da jarra, queescorre. Abaixo do homem obeso, uma criana gorda, seu filho, pede maiscomida. Pendurados na paredes, uma faca e um chapu com uma flechatraspassada lembram objetos de caador para obter mais comida.

    Interessante tambm na pintura so os quatro anis laterais que mostram oAlm. Do lado esquerdo, a primeira imagem a do homem em seu leito demorte, anloga a que j analisei sobreA Arte do Bem Morrer. Prximo do mortoesto religiosos, acima de sua cabeceira, um anjo e um diabo esperam paralevar a alma. Atrs da cama, a figura da morte. No anel do lado direito, h

    uma cena do Juzo Final. Os anjos com suas trombetas anunciam a segundachegada de Cristo. Os mortos saem da Terra para serem julgados peladerradeira vez.

    Nos anis embaixo, temos do lado esquerdo, o Inferno e do direito, o Paraso.No Inferno, pessoas so torturadas para depois serem jogadas num caldeiroque ferve, atiado por demnios. Ao fundo da imagem, vemos uma casa euma montanha ardentes. No Paraso, a parte de cima dominada por Deus eseus santos e logo abaixo os anjos recebem os eleitos que entram no Reinodos Cus.

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    Voltando Viso de Tndalo, as experincias desagradveis sofridas pelo

    cavaleiro no Purgatrio continuam num crescendo at que eles chegam aoInferno, onde estava o Diabo, que proporciona sofrimentos ainda piores aoscondenados. Era uma besta negra com mais de mil mos, com unhas de ferroque ero plus longas que una lannsa de cavalhier e o rabo era cheio de agulhas pordonar turmen a las armas [almas] (Vision de Tindal, 1903: 93). interessanteobservar que o diabo tambm um sofredor. Nomeado como Lcifer, (aqueleque leva a luz), o anjo cado da Bblia jazia estendido numa grelha de ferrodebaixo da qual havia uma grande brasa e os demnios atiavam-na para quequeimasse mais forte. Todos os seus membros e juntas esto presos emcadeias de ferro e fogo muito grossas e quando ele se movia, queimava-se. A

    ilustrao dos irmos Limbourg que retrata o Inferno no Livro de Horas doDuque de Berry(1415), mostra a cena do diabo na grelha (LINK, 1998: 187).

    A corte do Diabo formada por Lcifer, o Senhor dos demnios, aprisionadonas trevas do Inferno, Sat, primeiro de seus seguidores, seu bode expiatrio eo encarregado de misses na terra e uma srie de outros demnios queexerciam suas atividades no Inferno e Purgatrio (LE GOFF & SCHMITT,2002, I: 321). Na Viso de Tndalo, como o Diabo sofria na grelha de ferro,atormentava ainda mais as almas, as quais esmagava entre os dedos. Ou entoengolia-as e depois as exalava para vrias partes do inferno, conforme ailustrao dos Limbourg. As almas que se encontram no Inferno sofrem todosos castigos anteriores e mais o castigo eterno do qual no podem livrar-se porno terem se arrependido dos seus pecados em vida, segundo as verses daViso de Tndalodo sculo XV. Na verso deste relato no sculo XII, os queesto ali so os anjos das trevas e os que se desesperaram da misericrdia deDeus e no acreditaram mais Nele. Estes j esto definitivamente julgados(CAROZZI, 1994: 600).

    Como possvel observar, os tormentos sofridos no Purgatrio e Inferno

    esto relacionados a torturas fsicas com fogo e objetos cortantes, que levamao dilaceramento dos corpos dos condenados, acentuado por seus gritoslancinantes e pelo fedor nauseante, torturas que so ininterruptas por toda aeternidade. Note-se a uma nfase neste tipo de narrativa s sensaesexperimentadas pelos sentidos como forma de tornar o relato mais vivido eassustador.

    Na pintura abaixo de Fra Angelico, O Juzo Final, possvel ver de cada lado,os justos no Reino Celeste e os maus no Inferno.

    Fra Angelico (1387-1455), cujo verdadeiro nome era Guido de Pietro, nasceuem Vichio, aldeia no norte de Florena. Tornou-se era frade dominicano,

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    adotando o nome de Fra Giovani de Fiesole. Teve uma juventude agitada,

    com constantes transferncias de conventos, pois os dominicanos apoiaram opapa legtimo Gregrio XII na contenda que a Repblica Florentina teve como Vaticano at 1418 a favor do Antipapa Alexandre V (Gnios da Pintura,1973, I: 87). Em 1449, tornou-se prior do convento de S. Marcos, emFlorena. Suas pinturas msticas o levaram a ser chamado, logo aps a suamorte, de o pintor anglico. Sua representao do Juzo Final baseada norelato do Apocalipse, marcado pela segunda vinda de Cristo e o julgamentodefinitivo da humanidade. De acordo com a Bblia:

    e o stimo anjo tocou (a stima trombeta)...Houve ento fortes vozes no cu

    clamando: A realeza do mundo passou agora para o nosso Senhor e seuCristo,e ele reinar pelos sculos dos sculos.Os vinte e quatro ancios queesto sentados em seus tronos diante de Deus prostraram-se e adoraram aDeus, dizendo: ns te damos graas Senhor Deus Todo-Poderoso Aquele-que- e aquele-que-era, porque assumiste o teu grande poder e passaste areinar.As naes tinham se enfurecido,mas a tua ira chegou,como tambm otempo de julgar os mortos,de dar recompensa aos teus servos, os profetas,aos santos e aos que temem o teu nome,pequenos e grandes,e de exterminaros que exterminam a terra. (Ap11, 15-18)

    No detalhe que mostrarei, acima da imagem dos eleitos esto os condenados,ainda vestidos, que so empurrados com os tridentes de demnios negrospara o Inferno. Localizado numa montanha, com castigos divididos em nveis,as almas despidas sofrem diversas torturas.

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    Figura 3

    Fra Anglico. O Juzo Final. Detalhe do Inferno(c.1432-1435). Museo di San Marco, Florena.

    As torturas do Inferno, de acordo com o pintor, esto divididas em cincoestgios:

    1. Almas torturadas e mutiladas devido aos pecados da carne2. Almas ardendo no fogo3. Almas so queimadas e mordidas por outras; do outro lado, almas soimpedidas de comer iguarias postas sua frente4. Almas queimam num caldeiro5. O Diabo come as almas que depois so jogadas no rio de fogo e ali

    atormentadas e cozidas por demnios

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    Num segundo momento, Tndalo conduzido pelo anjo para o Cu rumo ao

    Paraso. No caminho, encontram pessoas que esto num pr-Paraso, por noserem maus nem completamente bons. A viso do Paraso no relato segue aidia de hierarquia de Gregrio Magno que, inspirado numa passagem bblicado profeta Ezequiel, divide os cristos em trs categorias, os conjugati(casados), os continentes (os religiosos) e os predicatores(os clrigos seculares)(VAUCHEZ, 1985: 48). No pr-Paraso, a primeira viso a de claridade e deuma fonte, uma analogia aos rios do den e elemento sempre presente nasrepresentaes do Paraso Terrestre. Tndalo v dois reis, anteriormenterivais, o rei Cocomart e rei Domas vivendo agora como amigos. O primeiroaps uma grave molstia prometeu que, se curado, se tornaria monge e o

    segundo, deu todos os seus bens aos pobres (Vision de Tindal, 1903: 100-101).

    O anjo enfatiza a Tndalo que ele deve contar este exemplo de ao dos reisaos demais quando voltasse a terra. Isso denota um exemplo de ndice deoralidade na narrativa (ZUMTHOR, 1993: 35 e 39-41), graas a utilizao de

    verbos como contar, ouvir, dizer, lembrar, que indicam mais uma vez o papelda oralidade na sociedade medieval quando a maior parte da populao erailetrada e os relatos, no apenas as Vises mas diversos outros, eram ouvidos eno lidos:

    E remembre te que contes aysso a las gens cant seras tornado al setgle.(Vision de Tindal, 1903: 101).

    Tndalo tambm encontra no pr-Paraso o rei Arcomart em grande riqueza,servido por pobres e peregrinos a quem havia dado todos os bens temporais.Este rei tinha vinte e uma horas de felicidade a cada dia, porm sofria trshoras com fogo at o umbigo e um cilcio do umbigo para cima devido a seuspecados: infidelidade no casamento, matou um cavaleiro ante o altar de SoPatrcio e cometeu perjrio (Vision de Tindal, 1903: 104).

    Depois, Tndalo chega ao Paraso propriamente dito, dividido em trsestgios, o Muro de Prata, de Ouro e de Pedras Preciosas. No Muro de Prata,lugar em que a alma ouve belas vozes e expresses de alegria econtentamento, vivem os castos no casamento. As caractersticas desseseleitos so as seguintes: claridade, alegria, beleza, castidade, santidade,eternidade:

    Aquel muro era todo de prata muy fermosos e muy luzente.E as uozes deles[dos eleitos] soauan de muytas e desuayradas maneyras.que non parecian outracousa. se non cantares de orgoons. E a todos eraygual claridade e alegria e deleytamento. e ledice. fermosua e honestidade. de

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    boon sabor. e de boon odor. que sobrepoiaua mais e ualia mais.que todos osboons odores que son. (VT, 1895: 114)

    As pessoas que ali estavam no haviam cometido o pecado de adultrio etinham entregue todos os seus bens aos pobres e Igreja:

    esta folgana dada aos casados e a todos aqueles que non britaron nentranspasaron a orden do casamento dereito. per pecado de adulterio.e os seusbeens temporaaes partiron con os pobres. e a romeus e aa egreiasde deus. (VT,1895: 114-115)

    Por isso, os que esto no Muro de Prata ficaro ali at o dia do Julgamento edepois perpetuamente com Deus no Paraso: (e apres estaran perpetualment am

    Dieu en paradis) (Vision de Tindal, 1903: 106): aos quaes dira nosso senhorque he dereito juiz no dia do juizo. Vynde beentos do meu padre. e recebee oreyno que uos sta aparelhado do comeo do mundo. (VT, 1895: 115). possvel ver no detalhe abaixo do Juzo Final a representao do Paraso.Cristo est no centro, numa aureola dourada e azul, circundado por anjos, etendo prximo de si a Virgem Maria. De cada lado, logo abaixo dele e acimados demais, esto os santos. Dois anjos esto com suas trombetas anunciandoo Juzo Final. Logo abaixo, outros anjos, num jardim florido, conduzem oseleitos a um palcio iluminado, o Reino Celeste.

    Figura 4

    Fra Angelico. O Juzo Final. Detalhe do Inferno (1432-1435). Museo di San Marco,Florena.

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    Os elementos da Viso de Tndaloencontram vrios pontos em comum com o

    Parasode Fra Angelico. No Muro de Ouro, encontram-se os monges, homense mulheres, e os construtores das igrejas, com coroas de ouro com pedraspreciosas sobre a cabea, por terem sido os mrtires em defesa da f crist.

    Tndalo e o anjo vem a formosura desses eleitos que se assemelham a anjos,seus cantos e seu bom odor, que ultrapassam tudo o que haviam visto antes:

    E entraron e uiron dentro muitos monges. e muitos homeens de orden. emuitas molheres outro sy, que non parecian outra cousa se non angeos. tanfermosos eran. e cantauan tan docemente,. e tan soborosamente que todas asmaneyras e artes da musica sobrepoiauan e uencian. pero que todas as outrasalmas que ia uiron nos outros logares per hu uynham. resplandecian e luzian

    muito a demais. A claridade e o resplendor e omuy boon odor que destessaya. sobrepoiauan. e pasauan todos os queno mundo son. (VT, 1895: 117)

    Neste trecho do Paraso, o anjo adverte sobre uma parte na qual o cavaleirono poderia entrar, o que encontrado em outras narrativas, indicando que hlocais do Paraso destinados apenas aos eleitos aps a morte. A seguir, eles

    vem uma rvore frondosa, carregada de todos os frutos que poderia haver.Em seus ramos, pssaros de todas as cores cantam melodiosamente. Estarvore um cipreste e representa a Santa Madre Igreja, em analogia diretacom a rvore da Vida presente no den, a qual frutifica doze vezes no

    Apocalipse (Ap 22, 2). Sob esta rvore, em celas de ouro e marfim esto aspessoas que edificaram as igrejas, trajando vestes monacais (Vision de Tindal,1903: 112):

    E morauan so esta aruor muitos homeens e muytas molheres. en casas deouro e de marfi, que louuauan. e beenzian deuspoderosos en nenhuun quedar.e por quen el he. e por muitosbeens e mercees que semre del receberon. Ecada humm tynhasua coroa de ouro, en sua cabea. muy marauilhosas e muynobres.(VT, 1895: 117-118)

    Por fim, chegam na melhor parte do Paraso, o Muro das Pedras Preciosas.

    Este muro era mais alto que os anteriores e suas pedras multicores brilhavamtanto que pareciam o sol. Neste local estavam as nove ordens de anjos, ospatriarcas, os profetas da Bblia, os apstolos de Jesus e as virgens:

    E depois que sobiran en cima ao muro. uiron sen outra duuida cousas. quaaesolho non uio. nen orelha ouuio.nen coraon de homem cuidou. nen pensou.Ca uiron noue ordeens de angeos. os quaaes son. s. Angeos.Archangeos.

    Virtudes. Principados. Potestades. Dominaonnes. Thronos. Cherubin. eseraphin.E esta alma ouuio palauras muy marauilhosas.e muy sanctas. per tal guisa quenon conuen anenhuun homen de as dizer.

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    Alm desses eleitos tambm esto l So Patrcio e quatro bispos irlandeses

    (Celeste, Malaquias, Arthinateno e Menias) devido ao fato de o autor do relatoser ele prprio irlands. Depois de percorrer todos os espaos do Alm, aalma de Tndalo retorna ao corpo, ele conta o que viu, divide seus bens comos pobres e passa a adotar uma vida casta para ir brevemente para o Paraso.Como possvel perceber na estrutura do exemplum, a narrativa tem um fimmoralizante ao mostrar um homem comum, isto Tndalo, um cavaleiropertencente nobreza e o seu percurso para chegar salvao, buscandoassim levar a converso dos demais laicos. Alm disso, ao finalizar a suamisso de visitar os trs espaos do Outro Mundo e contar a sua experincia,o cavaleiro finaliza seu objetivo na terra e espera a morte para, aps a sua

    redeno, atingir e permanecer no Paraso.

    Podemos observar em todas as vises, o uso dos rgos dos sentidos paraaproximar o relato do interlocutor, que na maioria das vezes ouvia a narrativaao invs de l-la. Alm do fato de a maioria da populao medieval seriletrada, a leitura era vista comumente como atividade fatigante, sendo aliteratura conhecida por meio de recitadores e de pregadores religiosos.(ZUMTHOR, 1993: 55-80). Por exemplo, so abundantes as impresses

    visuais, olfativas e auditivas, tanto no Inferno e Purgatrio quanto no Paraso.Ouvem-se terrveis gritos de sofrimento, ou cnticos maravilhosos, sente-seum fedor horrvel ou aromas agradveis de flores e rvores frutferas. Almdisso, temos a viso aterradora do inferno escuro e a viso agradvel doparaso envolta sempre num clima aprazvel estabelecido num belo jardim,com objetos ricos como o ouro e as pedras preciosas.

    O tato tambm muito importante nos relatos atravs das inmeras torturasvivenciadas pelos pecadores, torturas essas que deformam e dilaceram oscorpos, num sofrimento interminvel, ao passo que, no Paraso, as mostocam flores, frutos, pssaros, objetos preciosos e o corpo coberto por

    vestes brancas. O paladar igualmente utilizado para enfatizar a oposioParaso e Inferno, pois enquanto os seres do Paraso bebem das guascristalinas e comem os frutos abundantes, os do Inferno sentem o gosto doenxofre ou so privados de consumir alimentos, como na pintura de Fra

    Angelico, na qual um dos castigos consiste em impedir os condenados decomer iguarias saborosas postas na mesa sua frente.

    A propsito da abundncia alimentar que caracteriza o Paraso, interessantelembrar que a sociedade medieval passava por vrias crises alimentares. Opice da felicidade era, ento, a obteno de alimentos de forma contnua e

    sem a necessidade do trabalho - tambm considerado um castigo de Deus. Apalavra laborest ligada a castigo, lembrando sudore dolor(DUBY, 1982: 76).

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    Por isso h uma srie de relatos medievais sobre pases utpicos, como a

    Cocanha, onde pudins caam do Cu e havia rios de vinho (FRANCO JR.,1998). H tambm nos textos uma oposio de expresses provenientes deadjetivos (ex: claro/escuro, alegre/triste) ou verbos (cantar/gritar,chorar/sorrir), relacionada aos rgos dos sentidos, que simplificadamenteficam assim:

    Tabela 4

    Inferno Paraso

    Escurido Claridade

    Fedor Bom odor

    Sofrimento Deleite. Gozo

    Gritos Cantos

    Isso tambm se d na iconografia, como no Juzo Final, de Fra Angelico, ondeo Paraso marcado pela luz e beleza, ao passo que o Inferno sombrio erepresenta a dor. Neste sentido, interessante comparar o primeiro detalhe doInferno, que se localiza numa montanha escura dividida em cinco nveis, coma claridade e cor que marcam a presena dos anjos, santos, Deus e os eleitos.

    Alm desse apelo aos rgos dos sentidos, podemos observar que asnarrativas de vises possuem uma estrutura comum. Com base na PoticaEstruturalista de Todorov (CARDOSO, 1997: 43), podemos explic-las peloseguinte esquema:

    Situao Inicial: um indivduo escolhido por uma fada, anjo ou santo paraempreender uma viagem rumo ao sobrenatural (o Outro Mundo Cltico, oParaso Terreal ou o Alm-tmulo)

    Perturbao da Situao Inicial: ele parte, normalmente acompanhado poralguns companheiros em viagem martima. Ou vai sozinho a p junto com seuguia.

    Crise: Dificuldades ou provaes enfrentadas pelo eleito (ilhas habitadas pormonstros, a sede e a fome e outros tormentos)

    Interveno na Crise: o escolhido atinge o objetivo, chegando ao OutroMundo, ao Paraso Terreal ou ao Paraso Celestial.

    Novo Equilbrio: o escolhido retorna ao ponto de partida e conta para osoutros a sua experincia, que serve de exemplo. Muitas vezes aps o

    cumprimento da misso, desaparece ou morre para retornar ao Paraso.

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    Concluso

    possvel perceber o carter ideolgico das vises medievais, especialmente aViso de Tndalo, que estudei com mais detalhes dentro do contexto de buscade salvao da alma atravs de uma viagem. Como demonstrei, os relatoseram produzidos por monges que tinham como principal objetivo um maiorcontrole da sociedade crist e o modo de agir dos fiis. A iconografia, quefuncionava como um sermo ilustrado, complementava os relatos que eramouvidos e dava forma visual aos tormentos e alegrias do Outro Mundo,conforme Bosch, com Os Sete Pecados Capitais e Fra Angelico com O JuzoFinal. O objetivo dos relatos e pinturas fica claro: colocar a Igreja como

    principal intermediria na salvao crist, negar aos cristos a possibilidade docontato direto com Deus, como queriam os hereges, apresentar condutas decomportamento vistas como ideais (dar os bens aos pobres e Igreja, mantera castidade, entre outros) e aterrorizar os cristos frente ao Alm, de formaque os oratorescontinuassem a ditar as normas para as almas atingirem o OutroMundo.

    possvel perceber tambm nos relatos uma mesma estrutura no apenas naorganizao da narrativa, como mostrei acima, com base na anlise danarrativa de Todorov, mas tambm na estruturao do espao. Os topos do

    Alm, no caso do Paraso, se caracterizam por uma paisagem ednicarepresentada por jardins, cnticos, fontes, anjos e rvores frondosas. J noInferno, a geografia pressupe alguns obstculos, como caminhos marcadospor pontes estreitas, rios ferventes, montanhas, lagos de gelo e monstros.

    Todos os relatos repetem a estrutura geogrfica e narrativa, o que igualmente representado na iconografia, da a importncia em conjugar oestudo dos exempla com o das imagens. H tambm igualmente umamatemtica do Alm nos relatos, que garante o acesso a lugares bons pelaquantidade de boas aes ou a lugares maus de acordo com as faltas

    cometidas, com base nos sete pecados capitais, como apresentei nas vises deSo Paulo e de Tndalo. Isso tudo nos remete ao incio do texto, levando-mea concluir que a salvao era a preocupao fundamental dos medievos maispelo pavor do castigo que pelo anseio do Cu. Quanto atingi-la,representava uma rdua batalha para a alma humana, que se debatia entre odesejo dos prazeres e o terror do abismo infernal.

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