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Papel do professor Nesta pintura, eu tentei explicar que numa obra de artes plásticas você pode usar qualquer material, desde materiais naturais até os industriais. Também tentei explicar que tem arte de todos os tipos, desde a acadêmica até a abstrata. Confesso que gosto mais da arte abstrata. Nesta obra, você olha e imagina o que quer e com que se parece. (Texto sobre minha obra: aluna de 11 anos da 5 a série do ensino fundamental) A arte é uma disciplina obrigatória nas escolas, conforme determinação da LDB 9394/96. Cabe às equipes de educadores das escolas e redes de ensino realizar um trabalho de qualidade, a fim de que crianças, jovens e adultos gostem de aprender arte. Compete aos centros de formação de professores investir em projetos de pesquisa e de formação contínua para que os professores sejam os protagonistas de práticas atualizadas em sala de aula. A arte promove o desenvolvimento de competências, habilidades e conhecimentos necessários a diversas áreas de estudos; entretanto, não é isso que justifica sua inserção no currículo escolar, mas seu valor intrínseco como construção humana, como patri- mônio comum a ser apropriado por todos. A arte constitui uma forma ancestral de manifestação, e sua apreciação pode ser cultivada por intermédio de oportunidades educativas. Quem conhece arte amplia sua participação como cidadão, pois pode compartilhar de um modo de interação único no meio cultural. Privar o aluno em formação desse conhecimento é negar-lhe o que lhe é de direito. A participação na vida cultural depende da capacidade de desfrutar 1

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Papel do professor

Nesta pintura, eu tentei explicar que numa obra de artes plásticas você pode usar qualquer

material, desde materiais naturais até os industriais. Também tentei explicar que tem arte de

todos os tipos, desde a acadêmica até a abstrata. Confesso que gosto mais da arte abstrata.

Nesta obra, você olha e imagina o que quer e com que se parece.

(Texto sobre minha obra: aluna de 11 anos da 5a série do ensino fundamental)

A arte é uma disciplina obrigatória nas escolas, conforme determinação da LDB9394/96. Cabe às equipes de educadores das escolas e redes de ensino realizar umtrabalho de qualidade, a fim de que crianças, jovens e adultos gostem de aprenderarte. Compete aos centros de formação de professores investir em projetos de pesquisae de formação contínua para que os professores sejam os protagonistas de práticasatualizadas em sala de aula.

A arte promove o desenvolvimento de competências, habilidades e conhecimentosnecessários a diversas áreas de estudos; entretanto, não é isso que justifica sua inserçãono currículo escolar, mas seu valor intrínseco como construção humana, como patri-mônio comum a ser apropriado por todos.

A arte constitui uma forma ancestral de manifestação, e sua apreciação pode sercultivada por intermédio de oportunidades educativas. Quem conhece arte amplia suaparticipação como cidadão, pois pode compartilhar de um modo de interação únicono meio cultural. Privar o aluno em formação desse conhecimento é negar-lhe o quelhe é de direito. A participação na vida cultural depende da capacidade de desfrutar

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das criações artísticas e estéticas, cabendo à escola garantir a educação em arte paraque seu estudo não fique reduzido apenas à experiência cotidiana.

Aprender arte envolve a ação em distintos eixos de aprendizagem: fazer, apreciar erefletir sobre a produção social e histórica da arte, contextualizando os objetos artísticose seus conteúdos.

Contextualizar é situar as criações no tempo e no espaço, considerando o campode forças políticas, históricas, sociais, geográficas, culturais, presentes na época darealização das obras. O temperamento do artista e sua trajetória pessoal também sãofatores indispensáveis para poder conhecer estilos e poéticas.1

O papel dos professores é importante para que os alunos aprendam a fazer arte e agostar dela ao longo da vida. Tal gosto por aprender nasce também da qualidade damediação que os professores realizam entre os aprendizes e a arte. Tal ação envolveaspectos cognitivos e afetivos que passam pela relação professor/aluno e aluno/aluno,estendendo-se a todos os tipos de relações que se articulam no ambiente escolar.

Requer-se do professor sensibilidade e aguda observação sobre a qualidade dovínculo de cada um de seus alunos nos atos de aprendizagem em arte.

Os alunos devem aprender por interesse e curiosidade, e não por pressão externa.Isso não implica a não-diretividade, mas a proposta de conteúdos de ensino e o incentivoa cada aluno para navegar pelas relações que estabelece entre os conteúdos da aprendi-zagem, a própria cultura e a vida pessoal.

Um professor que entra em sintonia com as formas de vinculação de cada estudantecom o saber está mais apto a instigar o aluno a atribuir significado à arte, resolverproblemas no fazer artístico e propor questões com suas poéticas pessoais, desenvolvendocritérios de gosto e valor em relação às suas atividades artísticas – e de seus pares – eaos objetos de arte.

A consciência de si como alguém capaz de aprender é uma representação que podeser construída ou destruída na sala de aula. Daí a enorme responsabilidade das escolase dos professores no ato de ensinar a gostar de aprender arte.

Quando o aluno fala, escreve sobre arte ou faz seus trabalhos artísticos, realizaatos de autoria, com marca pessoal. Geralmente, é o professor quem valida as produçõesatribuindo-lhes qualidades na orientação das discussões coletivas ou na recepção das

1 Se fosse possível traduzir em palavras as formas e as cores, todos

compreenderiam que a linguagem de Picasso pertence a uma família

lingüística diferente da de Braque. A importância do cubismo é, por-

tanto, relativa na expressão dos dois temperamentos de um francês e

de um espanhol que reagem perante a vida de maneiras tão diversas

(Venturi, 1972).

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produções individuais, valorizando e incentivando os esforços dos aprendizes nos pro-cessos de construção de saberes cognitivos, procedimentais ou atitudinais e nas combi-nações desses tipos de saberes.

O papel do professor deveria ser como o de um regente de orquestra, para o qualos alunos (instrumentistas) têm participação única e significativa na construção coletivae individual dos processos e produtos da aprendizagem.

Apesar de que o gosto por aprender tenha raízes no universo do aluno, na maioriados casos é a situação de aprendizagem que gera disposição ou indisposição. Professoresque realizam comparações que não valorizam os avanços do aprendiz em relação aníveis alcançados e que não consideram o enfrentamento dos obstáculos inerentes aoaprender arte podem gerar sentimentos de baixa auto-estima e humilhação ou depoder e orgulho por corresponderem ou não às expectativas.

A variedade de estilos individuais deve constituir estímulo à participação diferencia-da, ao enriquecimento dos repertórios individuais, a valorização da cooperação e oincentivo a ela, e não à classificação dos aprendizes e à competição improdutiva. Aética na didática da arte é imprescindível para consolidar no aluno o gosto por aprendercomo sujeito autônomo, com uma postura solidária na relação com seus pares e como patrimônio cultural.

Aprender em arte implica desafios, pois a cultura e a subjetividade de cada aprendizalimentam as produções, e a marca individual é aspecto constitutivo dos trabalhos. Oaluno precisa sentir que as expectativas e as representações dos professores a seurespeito são positivas, ou seja, seu desenvolvimento em arte requer confiança e repre-sentações favoráveis sobre o contexto de aprendizagem.

As tarefas podem ser entediantes ou carregadas de sentido para os aprendizes. Aorganização das tarefas, das propostas e dos conteúdos pelos professores ocupa umpapel importante. É necessário que o aluno participe das atividades com consciênciade suas finalidades, cabendo ao professor explicitar o para quê e o porquê das tarefas.

A autonomia e a participação dos alunos são reais quando eles têm consciência danecessidade das propostas que executam ou do interesse por elas. Trabalhar em tarefasescolares por solicitação do outro, sem perceber o sentido ou sem gosto por fazê-lo, é

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desenvolver uma postura de submissão, o que, cedo ou tarde, levará o aluno a nãoquerer continuar aprendendo, seja por rebeldia, seja falta de motivação própria.

O interesse por arte pode ser criado nas aulas, não sendo necessário que o professorsempre parta do interesse dos alunos, mas que considere suas motivações internas eculturais, suas espectativas prévias das situações de aprendizagem, manifestadas pelodiálogo com os alunos sobre os conteúdos escolares.

Trazer conteúdos de arte do ambiente de origem e do cotidiano dos estudantespara a sala de aula é uma boa e motivadora escolha curricular. Essa prática valoriza ouniverso cultural do grupo, dos subgrupos e dos indivíduos, incentiva a preservaçãodas culturas e cria em cada um o sentimento de orgulho da própria cultura de origeme de respeito à dos outros, o que constitui condição fundamental para a construção deuma relação não-preconceituosa com a diversidade das culturas. Porém, estudar taisconteúdos não deve excluir outros recortes ricos e estimulantes da aprendizagem.

Ensina-se a gostar de aprender arte com a própria arte, em uma orientação que visaà melhoria das condições de vida humana, em uma perspectiva de promoção de direitosna esfera das culturas (criação e preservação), sem barreiras de classe social, sexo,raça, religião e origem geográfica.

A consciência de ser parte de um todo, pelo qual se é responsável, contrói-se aolongo da vida do estudante; entretanto, tal postura diante da realidade, de si e dooutro aprende-se cedo nas escolas.

É necessário que o professor seja um “estudante” fascinado por arte, pois só assimterá entusiasmo para ensinar e transmitir a seus alunos a vontade de aprender. Nessesentido, um professor mobilizado para a aprendizagem contínua, em sua vida pessoale profissional, saberá ensinar essa postura a seus estudantes.

O professor deve conhecer a natureza dos processos de criação dos artistas, propi-ciando aos estudantes oportunidades de edificar idéias próprias sobre arte, enriquecidasde informações mediadas pelo professor, conforme o fazem os pensadores que refletemsobre a produção social e histórica da arte como críticos, historiadores ou apreciadores.Cabe à escola reconstituir o espaço social de produção, apreciação e reflexão sobrearte, sem deformá-lo ou reduzi-lo a moldes escolares.

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Sala de aula

Reflexão sobre o papel do professor na organização do espaço da sala de arte.Trecho de relatório do meu trabalho como professora do 2o ciclo do ensino fundamental2

(4a série)

... Imagino que a curadoria de uma exposição de arte lida com problemas tão complexos como o

professor de arte e seus alunos para dispor os trabalhos na oficina.

O espaço da oficina é o lugar de produção e exposição permanentes. Procuro garantir a maior

autonomia possível para a criança e para o jovem por intermédio de uma estrutura – de classifi-

cação, ordenação e seriação dos materiais – que seja de fácil leitura.

As tintas ficam à mostra em escala cromática com gradação e são aproximadamente 16 potes. A

argila que já foi aberta precisa ser utilizada primeiro; portanto, é guardada separadamente.

O material de desenho e o instrumental ficam juntos: réguas, compassos, borrachas, esfuminhos,

lápis, canetas hidrocor, giz de cera, etc.

Freqüentemente, faço uma leitura do espaço da oficina com os alunos, o que osestimula nos cuidados para organizar o espaço de trabalho – o próprio e o coletivo –e favorece a autonomia na utilização de materiais.

Pensando na importância de o aluno participar de toda extensão do processo decriação, enfatizo o cuidado e a organização com os materiais como parte do trabalhodas aulas de arte.

Lavar bem um pincel, cuidar bem de uma tesoura é tê-los em bom estado por maistempo. Cuidar de nossos instrumentos de trabalho e não desperdiçar material é cuidarde nós mesmos e de nossos colegas, pois garantimos a possibilidade de fazer artenessa oficina de uso coletivo.

A funcionalidade do espaço é ordenada visualmente em cores e formas no caso dopainel de ferramentas; em escalas cromáticas, no caso das tintas; em tipos, no caso dascanetas e de outros materiais de desenho; em pilhas, no caso das cores; especificidadee tamanho, no caso dos papéis, e assim por diante.

Os alunos podem realizar a leitura de tal organização com facilidade e colaborar namanutenção e criação de novas ordens.

2 A Escola da Vila (1980) é uma escola particular de São Paulo da qual

fui sócia-fundadora. Em 1995 encerrei minhas atividades nessa institui-

ção. Os relatórios foram concretizados a partir da reflexão sobre minha

prática de professora de artes visuais e são fruto de um trabalho de

equipe.