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Nota Técnica n. Para Al´ em do Custeio: Necessidades de Investimento em Leitos de UTI no SUS sob Diferentes Cen ´ arios da COVID-19 Beatriz Rache, Rudi Rocha, Let´ ıcia Nunes, Paula Spinola e Adriano Massuda Introduc ¸˜ ao A disseminação da COVID- tem testado a resiliência de sistemas de saúde e exigido respostas rápidas e eficazes de governos nacionais e locais. A antecipação de pro- blemas, identificação de áreas vulneráveis e dimensiona- mento de necessidades são decisivos para a coordenação de respostas que possam fazer frente à doença. Em um quadro generalizado de incertezas, estes esforços tornam- se mais difíceis, porém se fazem ainda mais necessários. Em estudo anterior, estimamos os recursos mínimos ne- cessários para suporte à pressão de demanda hospitalar adicional que o SUS poderá enfrentar nos próximos me- ses. As estimativas referiam-se apenas a custos variáveis de internação, dada a infraestrutura de saúde atual. A par- tir de determinado ponto, no entanto, a escala da dissemi- nação da COVID- implicaria em necessidades de investi- mentos para a ampliação dessa infraestrutura: por exem- plo, expansão de leitos, compra de equipamentos, con- tratação de profissionais de saúde, dentre outras ações emergenciais. Na sequência, um novo estudo mapeou en- tão leitos de UTI e respiradores existentes nas regiões de saúde do país com o objetivo de contribuir com informa- ções para o dimensionamento e a alocação de recursos hospitalares adicionais necessários ao enfrentamento da COVID-. Projetamos também taxas de ocupação em Uni- dades de Terapia Intensiva para diferentes cenários de dis- seminação da doença. Os resultados indicaram grande es- cassez de recursos e desigualdade entre regiões. Esta nota técnica complementa a sequência de estudos anteriores ao quantificar o déficit de leitos adultos em UTI, sob diferentes cenários, e dimensionar os custos do inves- timento em novos leitos. Ou seja, dada a necessidade de alterar a escala da infraestrutura, buscamos estimar quan- tos leitos de UTI são necessários e o respectivo custo deste investimento sob diferentes cenários. Importante menci- onar que, em última instância, como existe muita incer- teza quanto ao cenário de disseminação que de fato se re- alizará, não pretendemos com esta análise afirmar núme- ros absolutos de leitos e investimentos que de fato serão necessários por região, mas sim mapear a escassez rela- tiva entre regiões e identificar prioridades na alocação de recursos. R. Rocha, Nunes, L., Rache, B. e A. Massuda (). Estimação de Custos de Hospitalizações em UTI por COVID- no SUS: Limite Inferior por Cenários Populacionais de Infecção. Nota Técnica n.. IEPS: São Paulo. B. Rache, Rocha, R., Nunes, L., Spinola, P., Malik, A. M. e A. Massuda (). Necessidades de Infraestrutura do SUS em Preparo à COVID-: Leitos de UTI, Respiradores e Ocupação Hospitalar. Nota Técnica n.. IEPS: São Paulo. Para tanto, partimos de projeções para taxas de ocupação com base em metodologia similar à empregada em notas anteriores, mas refinamos a gama de cenários à luz de no- vas evidências sobre a evolução da doença. Em particu- lar, avaliamos cenários para diferentes taxas de infecção, tempo de disseminação, durações de hospitalizações em UTI e sob a hipótese de redução em hospitalizações ele- tivas ou por outras causas concorrentes. Reportamos en- tão o déficit de leitos de UTI em cada cenário, por macror- região de saúde. Com base no déficit projetado e em es- timativas de custo por unidade de equipamento, calcula- mos qual seria o custo total deste investimento em novos leitos de UTI. Consideramos em nosso cenário base uma taxa de infec- ção de % da população ao longo de meses, onde % da população infectada demandaria hospitalização em leito de UTI por um período de dias. Neste cenário, proje- tamos um déficit de leitos na ordem de . unidades no país, totalizando um investimento de R$, bilhões. Em um cenário onde zeramos hospitalizações de caráter eletivo, por causas externas ou outras doenças infecciosas respiratórias, o déficit seria ligeiramente menor, de . unidades, ou R$ , bilhões em novos leitos. Como espe- rado, o investimento necessário cresce rapidamente con- forme consideramos taxas de infecção populacional mais altas. Fica evidente também que as necessidades de in- vestimento aumentam consideravelmente quanto mais curto for o período de disseminação da doença. Em par- ticular, vemos que o investimento teria que aproximada- mente dobrar se o período de disseminação fosse encur- tado de para meses; e cairia pela metade se o período dobrasse de para meses. A suavização da curva de disseminação da doença, portanto, representaria simul- taneamente um alívo à sobrecarga da capacidade insta- lada e uma queda substancial das necessidades de inves- timento. Os resultados confirmam, portanto, a importância das medidas de contenção da disseminação do vírus reco- mendadas pelo Ministério da Saúde, e ao mesmo tempo de fortalecer o sistema de saúde. Para tanto, para além da rápida ampliação da infraestrutura hospitalar em regiões de maior vulnerabilidade, é importante também ampliar a capacidade de coordenação assistencial do SUS visando garantir atendimento a pacientes infectados pela COVID- , bem como a manutenção de demais serviços que não podem ser suspensos durante a epidemia. Recomenda- mos também que a ampliação de leitos de UTI seja pla- nejada regionalmente e que explore alternativas existen- tes em cada local, como a ativação de leitos que não este- jam em funcionamento, transformação de leitos gerais em leitos de UTI, contratação ou requisição no setor privado. Abr. of

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Nota Técnica n. 7

Para Alem do Custeio: Necessidades de Investimento emLeitos de UTI no SUS sob Diferentes Cenarios da COVID-19

Beatriz Rache, Rudi Rocha, Letıcia Nunes, Paula Spinola e Adriano Massuda

IntroducaoA disseminação da COVID-19 tem testado a resiliência desistemas de saúde e exigido respostas rápidas e eficazesde governos nacionais e locais. A antecipação de pro-blemas, identificação de áreas vulneráveis e dimensiona-mento de necessidades são decisivos para a coordenaçãode respostas que possam fazer frente à doença. Em umquadro generalizadode incertezas, estes esforços tornam-se mais difíceis, porém se fazem aindamais necessários.

Em estudo anterior, estimamos os recursos mínimos ne-cessários para suporte à pressão de demanda hospitalaradicional que o SUS poderá enfrentar nos próximos me-ses.1 As estimativas referiam-se apenas a custos variáveisde internação, dada a infraestrutura de saúde atual. A par-tir dedeterminadoponto, no entanto, a escala dadissemi-nação da COVID-19 implicaria em necessidades de investi-mentos para a ampliação dessa infraestrutura: por exem-plo, expansão de leitos, compra de equipamentos, con-tratação de profissionais de saúde, dentre outras açõesemergenciais. Na sequência, umnovo estudomapeou en-tão leitos de UTI e respiradores existentes nas regiões desaúde do país com o objetivo de contribuir com informa-ções para o dimensionamento e a alocação de recursoshospitalares adicionais necessários ao enfrentamento daCOVID-19. Projetamos tambémtaxasdeocupaçãoemUni-dadesdeTerapia Intensivaparadiferentes cenários dedis-seminaçãodadoença. Os resultados indicaramgrandees-cassez de recursos e desigualdade entre regiões.2

Esta nota técnica complementa a sequência de estudosanteriores aoquantificar odéficit de leitos adultos emUTI,sob diferentes cenários, e dimensionar os custos do inves-timento em novos leitos. Ou seja, dada a necessidade dealterar a escalada infraestrutura, buscamosestimarquan-tos leitos deUTI sãonecessários e o respectivo custo desteinvestimento sob diferentes cenários. Importante menci-onar que, em última instância, como existe muita incer-teza quanto ao cenário de disseminação que de fato se re-alizará, não pretendemos com esta análise afirmar núme-ros absolutos de leitos e investimentos que de fato serãonecessários por região, mas sim mapear a escassez rela-tiva entre regiões e identificar prioridades na alocação derecursos.

1R. Rocha, Nunes, L., Rache, B. e A. Massuda (2020). Estimação deCustos de Hospitalizações em UTI por COVID-19 no SUS: Limite Inferiorpor Cenários Populacionais de Infecção. Nota Técnica n.2. IEPS: SãoPaulo.

2B. Rache, Rocha, R., Nunes, L., Spinola, P., Malik, A. M. e A. Massuda(2020). Necessidades de Infraestrutura do SUS em Preparo à COVID-19:Leitos de UTI, Respiradores e Ocupação Hospitalar. Nota Técnica n.3.IEPS: São Paulo.

Para tanto, partimos de projeções para taxas de ocupaçãocom base emmetodologia similar à empregada em notasanteriores, mas refinamos a gama de cenários à luz de no-vas evidências sobre a evolução da doença. Em particu-lar, avaliamos cenários para diferentes taxas de infecção,tempo de disseminação, durações de hospitalizações emUTI e sob a hipótese de redução em hospitalizações ele-tivas ou por outras causas concorrentes. Reportamos en-tão o déficit de leitos de UTI em cada cenário, pormacror-região de saúde. Com base no déficit projetado e em es-timativas de custo por unidade de equipamento, calcula-mos qual seria o custo total deste investimento em novosleitos de UTI.

Consideramos em nosso cenário base uma taxa de infec-çãode 10%dapopulaçãoao longode6meses, onde5%dapopulação infectada demandaria hospitalização em leitode UTI por um período de 10 dias. Neste cenário, proje-tamos um déficit de leitos na ordem de 40.700 unidadesno país, totalizando um investimento de R$7,33 bilhões.Em um cenário onde zeramos hospitalizações de carátereletivo, por causas externas ououtras doenças infecciosasrespiratórias, o déficit seria ligeiramentemenor, de 37.028unidades, ou R$ 6,67 bilhões emnovos leitos. Como espe-rado, o investimento necessário cresce rapidamente con-forme consideramos taxas de infecção populacional maisaltas. Fica evidente também que as necessidades de in-vestimento aumentam consideravelmente quanto maiscurto for o período de disseminação da doença. Em par-ticular, vemos que o investimento teria que aproximada-mente dobrar se o período de disseminação fosse encur-tado de 6 para 3 meses; e cairia pela metade se o períododobrasse de 6 para 12 meses. A suavização da curva dedisseminação da doença, portanto, representaria simul-taneamente um alívo à sobrecarga da capacidade insta-lada e uma queda substancial das necessidades de inves-timento.

Os resultados confirmam, portanto, a importância dasmedidas de contenção da disseminação do vírus reco-mendadas pelo Ministério da Saúde, e ao mesmo tempode fortalecer o sistema de saúde. Para tanto, para além darápida ampliação da infraestrutura hospitalar em regiõesdemaior vulnerabilidade, é importante tambémampliar acapacidade de coordenação assistencial do SUS visandogarantir atendimento a pacientes infectados pela COVID-19, bem como a manutenção de demais serviços que nãopodem ser suspensos durante a epidemia. Recomenda-mos também que a ampliação de leitos de UTI seja pla-nejada regionalmente e que explore alternativas existen-tes em cada local, como a ativação de leitos que não este-jamemfuncionamento, transformaçãode leitos gerais emleitos de UTI, contratação ou requisição no setor privado.

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Apesar de urgentes, os investimentos na ampliação de lei-tos de UTI precisam ser feitos adequadamente para quesejam incorporados à rede assistencial após a pandemia.

Dados e MetodologiaA análise temcomobase osmicrodados doCadastroNaci-onal de Estabelecimentos de Saúde (CNES) de janeiro de2020, ao nível dos estabelecimentos de saúde, a partir dosquais verificamos a capacidade instalada de leitos hospi-talares. Utilizaremos também os microdados de interna-ções com uso de leitos em Unidades de Terapia Intensiva(UTI) noanode2019, provenientesdoSistemade Informa-ções Hospitalares (SIH). Em ambas as bases, levantamosinformações especificamente sobre leitos adultos de UTIno SUS.

Agregamosessas informaçõese realizamosaanáliseaoní-vel das macrorregiões de saúde, que somam 117 no país.Este nível mais agregado de análise decorre do fato deque muitas das regiões de saúde (32%) não têm sequerum leito de UTI, tornando alguns indicadores indetermi-nados, como é o caso da taxa de ocupação. Importantemencionar também que, mesmo considerando um nívelmais agregado, 6 macrorregiões tampouco têm leitos deUTI e, portanto, serão excluídas dos gráficos de ocupaçãoao nível demacrorregiões.3 Ainda assim será possível cal-cular os seus respecitivos déficits de leitos de UTI, con-forme explicaremos adiante.

Um dos principais indicadores analisados nesta notarefere-se à taxa de ocupação de leitos de UTI. Calculamosesta taxa pela fórmula abaixo, que nos informa a taxa deocupação de leitos de UTI por macrorregião para diferen-tes cenários e parâmetros. O termo HospDia refere-se àsomadaquantidadedehospitalizações-diaobservadaem2019, supostamente umano típico, e do número esperadode hospitalizações-dia por COVID-19. Este último termoleva em conta o número estimado de pessoas internadasem leito deUTI por COVID-19 (produto entre população damacrorregião, taxa de infecção populacional, e proporçãode pacientes com necessidade de cuidados em UTI, fixaem 5%) e o número de dias de permanência em UTI es-perados para cada internação. O termo N Meses refere-se ao período, em número de meses, no qual a demandapor leitos de UTI devido à COVID-19 se realizará. Traba-lharemos com três cenários: um horizonte de dissemina-ção mais curto, de 3 meses; um intermediário, de 6 me-ses; e um longo, de 12meses. Por fim, o termo Lei tosU T Inos informaonúmero de leitos deUTI namacrorregião deacordo com os dados do CNES.

Ocup = HospDiaLei tosU T I × (N Meses/12) =

HospDia2019×(N Meses/12) + PermanU T I × (Pop × T x In f ec × 5%)Lei tosU T I × (N Meses/12)

3A população residente nestas macrorregiões soma 4,3 milhões depessoas, sendo 4,1milhões delas unicamente dependentes do SUS. Maisepecificamente, de acordo como CNES, estas 6macrorregiões estão dis-tribuídas da seguinte forma entre UFs brasileiras: 2 das 3 macrorregiõesdo Amazonas, 2 das 5 do Ceará, 1 das 5 de Goiás e 1 das 4 do Piauí.

Diferentemente da última nota, calcularemos a necessi-dade de hospitalizações sobre a população unicamentedependente do SUS e não a população total. Para tanto,usaremosaestimativapopulacional de 2019do IBGEagre-gada ao nível da macrorregião de saúde, da qual sub-traímos o total de beneficiários de planos de saúde na-quela macrorregião, agregando dados municipais de de-zembro de 2019 da Agência Nacional de Saúde (ANS). Esteajuste torna nossa estimativa mais conservadora, dadoque reduz o número de hospitalizações adicionais devidoà COVID-19 que recairá sobre os leitos do SUS, reduzindoassim a taxa de ocupação projetada.

Emseguida, calculamosodéficit de leitosdeUTI conformea fórmula abaixo. Este número nos informa o número deleitos deUTI necessários paraque todas as internações se-jam acomodadas durante o período no qual a demandadevido à COVID-19 se realizará.4

De f ici t U T I = (Ocup− 1) × Lei tosU T I

Nossos cenários exploram algumas dimensões e incerte-zas com relação à disseminação da COVID-19 no territórionacional: a taxa de infecção populacional, o intervalo detempo da disseminação, a permanência em dias de inter-naçõesemUTIdepacientes infectadosemcasos críticos, eo comportamento da demanda por outras causas de hos-pitalizações concorrentes àCOVID-19. Tomamos como fixaa proporção da população infectada com necessidade decuidados em UTI, de 5%.5

Avaliamos cenários com 10%, 20%e 30%de proporção dapopulação infectada, ao longo de horizontes de tempo de3, 6 e 12 meses. Quanto ao número de dias de permanên-cia das hospitalizações em UTI, atualizamos o nosso ce-nário base de 5 dias de permanência para 10 dias, refle-tindo a média de permanência de hospitalizações em UTIde adultos por doenças infecciosas respiratórias similaresem 2019, de 9,2.6 Mais especificamente, exploramos ce-nários com permanência de 5, 10 e 15 dias. Nosso cená-rio base contempla taxa de infecção de 10% da populaçãoao longo de 6meses, onde 5%da população infectada de-mandaria hospitalização em leito de UTI por um períodode 10 dias.

Exploramos possíveis externalidades ao considerarmoscenários de queda de hospitalizações eletivas, por causasexternas e por doenças infecciosas respiratórias selecio-nadas.7 Em conjunto, a demanda tipicamente gerada porestes três tipos de hospitalizações representa uma pro-porção considerável das internações emUTI no Brasil, po-

4Para as 6 macrorregiões sem leitos de UTI, calculamos o déficit deleitos diretamente das necessidades de hospitalização-dia de cada ce-nário: De f ici t U T I = Pop × T x In f ec × 5% × PermanU T I

N Meses/12 .5Baseado emWu, Z. e J. Mcgoogan (2020). Characteristics of and Im-

portant Lessons from the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreakin China. JAMA, s.I., p.1-4.

6Selecionamos como doenças infecciosas respiratórias similares àCOVID-19 aquelas com CIDs J09-J22, J80, J81, J96 e J99.

7Identificamos internações em caráter eletivo pela variável car_int,na SIH. Classificamos as internações por causas externas como aquelascontidas nos capítulos 19 e 20 da CID-10, e as internações por doençasinfecciosas respiratórias pelas CIDs J09-J22, J80, J81, J96 e J99.

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dendodiminuir durante apandemia. Isso decorreria tantode motivos estratégicos, como é o caso de adiamento decirurgias eletivas, quanto em decorrência de políticas dedistanciamento social recomendadas pelo Ministério daSaúde e autoridades internacionais. Espera-se que a me-nor circulação de pessoas reduza hospitalizações por aci-dentes de trânsito, uma das principais causas de hospita-lização dentro de causas externas, e que o distanciamentosocial adotado na prevenção da disseminação da COVID-19possa tambémlevaràquedadadisseminaçãodeoutrasdoenças infecciosas respiratórias.

Existe muita incerteza quanto aos parâmetros acima de-vido à significativa sensibilidade dos mesmos em relaçãoao risco de infecção, efetividade do tratamento, imple-mentação e manutenção de políticas consistentes e aocumprimento das mesmas por parte da população. Im-portantemencionarqueoobjetivoprincipaldestaanálise,portanto, não consiste em informar números absolutos deleitose investimentosnecessáriospor região,mas simma-pear a escassez relativa entre regiões no país e identificarprioridades na alocação de recursos.

Figura 1. Ocupação de UTI por Duração de Internação(em Dias) e Taxa de Infecção Populacional, em 6meses

Fonte: CNES (janeiro de 2020), SIH (2019), IBGE e ANS.

ResultadosA Figura 1 mostra a taxa de ocupação de leitos adultos deUTI para um conjunto inicial de cenários, no qual varia-mos a taxa de infecção populacional e a permanência emUTI para casos críticos da COVID-19, em um horizonte de6 meses. Como esperado, permanências mais longas emUTI aumentam a ocupação hospitalar, como demonstramas distribuições se deslocando para a direita conforme au-mentamos a duração em dias. Em particular, observamosque as distribuições passamde 100%empraticamente to-dos os cenários. Especificamentepara aRRAS6, do estadode São Paulo, cujo único município integrante é a capital,calculamos uma taxa de ocupação de 213,2% sob o cená-rio base onde 10% da população se infecta ao longo de 6meses e 5% da população infectada demandaria hospita-lização em leito de UTI por um período de 10 dias. A se-gunda macrorregião mais afetada até agora, a Macrorre-gião II no estado do Rio de Janeiro, teria uma ocupaçãode 375,1% no cenário base.

Figura 2. Cenário Base de Ocupação de UTIs ExcluindoDemandas Concorrentes

Fonte: CNES (Janeiro de 2020), SIH (2019), IBGE e ANS.

Já na Figura 2 consideramos a possível liberação de es-paço em leitos de UTI devido à suspensão temporária deinternações eletivas e à queda de internações por causasexternas e outras infecções respiratórias, em um cenáriocom máximo de externalidades. Em 2019, estes três gru-pos de internações responderam por 33,8% do total dehospitalizações-dia e por 36,4% das internações.8 Comoesperado, emumano típico (0%de infecção populacionalpor COVID-19), a eliminação destas causas implicaria emumalívioàs taxasdeocupação. Noentanto, quandoproje-tamos reduções sob cenários de disseminação da COVID-19, vemos que estes ganhos relativos praticamente desa-parecem. Sob o nosso cenário base, mesmo ao eliminar-mos a ocupação por internações geradas por causas con-correntes, haveria ocupação superior a 500% em 42 das117 macrorregiões, ou seja, o número de leitos precisa-ria ser multiplicado mais de 5 vezes para comportar a de-mandade internações. NaRRAS6, da capital de SãoPaulo,a ocupação sob o cenário base diminuiria de 213,2% para188,9%, enquanto na Macrorregião II do estado do Rio deJaneiro a ocupação projetada diminuiria de 375,1% para345,1%.

A Figura 3 nos mostra a contrapartida das projeções paraas taxas de ocupação em termos de escassez de leitos.Mais especificamente, reportamos a distribuição do défi-cit em termos de número de leitos de UTI por macrorre-gião necessário para atender a demanda em cada um doscenários. Sob o cenário base, metade das macrorregiõesapresentaria um déficit superior a 252 leitos, um númeroconsiderável dado que amediana de leitos de UTI no SUSé de 71 por macrorregião, e de 117 englobando tanto SUS

8Hospitalizações de caráter eletivo representaram 11,9% dehospitalizações-dia em 2019 e 17,8% das internações, enquantohospitalizações em caráter de urgência por causas externas represen-taram 10,6% das hospitalizações-dia (11,2% das internações), e pordoenças infecciosas respiratórias selecionadas corresponderam a 11,2%das hospitalizações-dia (7,4% das internações).

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e leitos privados. A RRAS6 (SP) precisaria aumentar seunúmero de leitos em 1.382, um aumento de 113,2% em re-lação aos 1.221 de janeiro de 2020, enquanto a Macrorre-gião II (RJ) precisaria aumentar o número de leitos de UTIno SUS em 2.184, um aumento de 275,1% frente aos 794registrados no CNES em janeiro de 2020.

Figura 3. Déficit de Leitos de UTI por Duração de Inter-nação (em dias)

Fonte: CNES (janeiro de 2020), SIH (2019), IBGE e ANS.

A Figura 4 descreve a escassez relativa de leitos deUTI sobo cenário base no país. Para tanto, plotamos nomapa dasmacrorregiões o déficit de leitos de UTI, identificados porquintos da distribuição, além do déficit de leitos por 100mil usuários (considerando a população exclusivamentedependente do SUS naquela macrorregião). Observamosque, em níveis absolutos, as macrorregiões com maioresdéficits de leitos se encontram no Sudeste – onde 55%da população unicamente dependente do SUS reside emmacrorregiões com os maiores déficits (primeiro quintoda distribuição de déficit). Essa maior concentração noSudeste em grande medida decorre de um maior contin-gente populacional, dado que a projeção de déficit de lei-tos depende da população de usuários do SUS. Por estemotivo, no mapa da direita normalizamos o déficit de lei-tos pela população exclusivamente dependente do SUS ereportamos o déficit a cada 100 mil usuários. Nota-se, en-tão, que as macrorregiões com maiores déficits pela po-pulação atendida se encontram no Norte, com 9 das 14macrorregiões e 52,0% de sua população dependente doSUS em macrorregiões com déficits de mais de 26 leitospor 100mil usuários – i.e. entre os 40%maiores déficits –,seguida pelo Centro-Oeste (7 de 15macrorregiões e 29,6%da população unicamente atendida pelo SUS) e Nordeste(14 das 33 macrorregiões e 25,0%).

Estimacao de Custos de InvestimentoCom o objetivo de quantificar o investimento necessáriopara cobrir o déficit de leitos em cada cenário, multipli-camos o déficit por uma estimativa de custo unitário porleito adulto de UTI adicional, de R$180 mil.9 A Figura 5 re-sume os resultados para o déficit total de leitos de UTI e

9Este número foi obtido através de consulta informal a gestores doSUS. O valor corresponde a uma estimativa de preços em cenário habi-tual dos equipamentosmédicos requeridos paramontar um leito deUTI.

Figura 4. Déficit de Leitos de UTI no SUS no CenárioBase

Déficit de Leitos

1º Quintil (Até 169 Leitos)

2º Quintil (Até 222 Leitos)

3º Quintil (Até 313 Leitos)

4º Quintil (Até 459 Leitos)

5º Quintil (Até 2184 Leitos)

Déficit de Leitospor 100 mil Usuários

1º Quintil (Até 24.3)

2º Quintil (Até 25.3)

3º Quintil (Até 26)

4º Quintil (Até 26.6)

5º Quintil (Até 27.4)

Nota: Supondo 10% da população infectada em 6meses, e 5% dosinfectados necessitando UTI por 10 dias. Fonte: CNES (janeiro de 2020),SIH (2019), IBGE e ANS.

necessidades de investimento sob cada um dos cenários.Marcamos em todos os gráficos com uma linha horizontalos resultados para o cenário base, no qual seria necessá-rio aumentar em40.700 o número de leitos adultos deUTIno SUS. Sob umperíodo curto de disseminação da COVID-19 (3 meses), na grande maioria dos casos encontramosnecessidades de leitos de UTI acima das 100.000 unida-des e investimentos superiores a R$20 bilhões. Este resul-tado reforça, mais uma vez, a necessidade de suavizaçãoda curva de disseminação da doença.

Figura 5. Déficit de leitos de UTI no país por duração deinternação, taxa de infecção populacional e período dedisseminação

Fonte: CNES (janeiro de 2020), SIH (2019), IBGE e ANS.

Por fim, a Tabela 1 apresenta os resultados sob a hipótesede 10 dias de permanência em UTI. No cenário base, pro-jetamos umdéficit de leitos na ordemde 40.700 unidadesnopaís, totalizandouminvestimentodeR$7,33bilhõesemnovos leitos. Isto representaria um aumento de 273,7%dos atuais 14.873 leitos. Para fins de comparação, o nú-mero de leitos adultos deUTI disponíveis no setor privadono país era de 17.884 em janeiro de 2020. Em um cenárioonde zeramos hospitalizações de caráter eletivo, por cau-

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Nota Técnica n. 7

Tabela 1. Déficit Total de Leitos de UTI e Necessidades de Investimento sob Diferentes Cenários

Taxa de Infecção Populacional (%)10 20 30

3m 6m 12m 3m 6m 12m 3m 6m 12m

SemExternalidades

Déficit de Leitos 85.402 40.700 18.350 174.805 85.402 40.700 264.208 130.103 63.051Custo (R$, Bi) 15,37 7,33 3,30 31,46 15,37 7,33 47,56 23,42 11,35

Máximo deExternalidades

Déficit de Leitos 81.730 37.028 14.677 171.133 81.730 37.028 260.536 126.431 59.379Custo (R$, Bi) 14,71 6,67 2,64 30,80 14,71 6,67 46,90 22,76 10,69

Nota: Elaboração dos autores com base na SIH e CNES, supondo custo unitário de R$180mil por leito de UTI e 10 dias de permanência.

sas externas ou infecciosas respiratórias similares, o dé-ficit seria ligeiramente menor, de 37.028 unidades, ou R$6,67 bilhões em novos leitos. Como esperado, o investi-mento necessário cresce rapidamente conforme conside-ramos taxas de infecção populacional mais altas. Fica evi-dente também que as necessidades de investimento au-mentam consideravelmente quanto mais curto for o pe-ríodo de disseminação da doença. Em particular, vemosque o investimento teria que aproximadamente dobrar seo período fosse encurtado de 6 para 3meses; e cairia pelametade se o período dobrasse de 6 para 12 meses. A su-avização da curva de disseminação da doença, portanto,representaria simultaneamente um alívio à sobrecarga dacapacidade instalada e uma queda substancial das neces-sidades de investimento.

DiscussaoOaumento na demanda por leitos de UTI para tratamentode pacientes gravemente enfermos por COVID-19 tempro-vocadoo colapso de sistemas de saúdebemestruturados,como na Itália e Espanha. Frente a esse cenário desafia-dor, países ao redor do mundo têm adotado medidas decontenção combinadas a ações de ampliação da resiliên-cia dos sistemas de saúdepara absorver o aumento de de-manda projetado.

No Brasil, apesar dos avanços obtidos desde a implemen-tação do SUS, problemas estruturais do sistema tornama resposta à pandemia ainda mais desafiadora. Por umlado, o país avançou na ampliação de cobertura de ser-viços de Atenção Primária em Saúde e na organização deum eficiente sistema de vigilância em saúde e de respostaa Emergências em Saúde Pública. Por outro, o subfinanci-amento público, a frágil organização regional, a baixa ca-pacidade de alocação de recursos estratégicos e a inexis-tente coordenação entre setores público e privadomanti-veram grandes disparidades na infraestrutura assistencialexistente no país, principalmente na área hospitalar.

Em estudos anteriores, demonstramos que o possível au-mento de demanda assistencial em função da pandemiarequer um aumento substancial de recursos para paga-mento de internações pelo SUS. Porém, grande parte das

regiões brasileiras não dispõe de infraestrutura assisten-cial para absorver essa demanda, sendo necessários in-vestimentos para a ampliação do número de leitos de UTInas áreas de maior vulnerabilidade. A fragilidade na áreahospitalar é tamanha que em um cenário em que 10% dapopulação é infectada pelo coronavírus em um períodode 6 meses, o déficit de leitos de UTI estimado seria de40.770. Este número é superior à quantidade de leitos deUTI existentes hoje em todoopaís, no setor público oupri-vado. Nesse cenário, o investimento necessário, contabili-zando apenas o custo de equipamentosmédicos, seria deR$7,33 bilhões.

Mesmo em um cenário hipotético sem internações em ca-ráter eletivo, por causas externas ou outras doenças infec-ciosas respiratórias, a necessidade de leitos de UTI esti-mada permanece alta, em 37.028, correspondendo a uminvestimento de R$6,67 bilhões. As variáveis que maissignificativamente reduziriam a necessidade de investi-mento em leitos de UTI são a proporção da população in-fectada e o horizonte de tempo de disseminação: menosda metade deste número de leitos e respectivo montantede investimento seria necessária se desacelerarmos a dis-seminação de 6 para 12 meses.

Diantedesse cenário, é crucialmantermedidasde conten-çãodapropagaçãodovírus recomendadaspeloMinistérioda Saúde, e ao mesmo tempo de fortalecer o sistema desaúde. Para tanto, alémdeampliar rapidamenteonúmerode leitos de UTI em regiões de maior vulnerabilidade, éimportante ampliar a capacidade de coordenação assis-tencial do SUS visando garantir atendimento a pacientesinfectadospelaCOVID-19, bemcomoamanutençãodede-mais serviçosquenãopodemser suspensosduranteaepi-demia.

Por fim, recomendamos que a ampliação de leitos de UTIseja planejada regionalmente e que explore alternativasexistentes em cada local, como a ativação de leitos quenão estejam em funcionamento, transformação de leitosgerais em leitos deUTI, contrataçãoou requisiçãono setorprivado. Apesar de urgentes, os investimentos na amplia-ção de leitos de UTI precisam ser feitos adequadamentepara que sejam incorporados à rede assistencial após a

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Nota Técnica n. 7

pandemia.

AgradecimentosAgradecemos a Helena Ciorra pelo apoio na edição e revi-são deste documento e a Fernando Falbel pela assistênciaem pesquisa.

Instituto de Estudos para Políticas de Saúde

B. Rache, Rocha, R., Nunes, L., Spinola, P. e A. Massuda(2020). Para Além do Custeio: Necessidades de Investi-mento em Leitos de UTI no SUS sob Diferentes Cenáriosda COVID-19. Nota Técnica n.7. IEPS: São Paulo.

www.ieps.org.br+55 11 4550-2556

[email protected]

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