paper diav
DESCRIPTION
Paper Direito Internacional AvançadoTRANSCRIPT
Um Debate entre Martti Koskenniemi e Pasquale Stanislao Mancini:
A Nacionalidade sob uma Perspectiva Interdisciplinar num Mundo
Pluralista
CARVALHO JUNIOR, Lourival Antonio de:
Graduando em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina
Direito Internacional Avançado (DIR5984)
Prof. Dr. Arno Dal Ri Junior
Data: 03/12/2014
RESUMO
Este trabalho apresenta um debate sob uma visão interdisciplinar (antropologia,
sociologia, Direito Positivo, Ciência Política, Teoria das Relações Internacionais, etc.)
do conceito de nacionalidade e de cidadania na sociedade contemporânea – bem como
sua fundamentação histórica – a partir de uma análise indutiva das “sensibilidades”, na
obra de Martti Koskenniemi e da autodeterminação dos povos, na obra de Pasquale
Stanislao Mancini para se compreender os conflitos atuais, por exemplo, como o da
Crimeia e os do Oriente Médio num Mundo pluralista
Palavras-chave: conflitos atuais, visão interdisciplinar, nacionalidade, cidadania,
fundamentação histórica, análise indutiva, sensibilidades, Martti Koskenniemi, Pasquale
Stanislao Mancini, autodeterminação dos povos, Mundo pluralista
1. INTRODUÇÃO
Na Sociedade Contemporânea muito se tem arguido a respeito do que sejam os
termos “nação, Estado, nacionalidade e cidadania”. Para alguns autores, como os
positivistas, numa perspectiva de fusão, entre estes termos haveria concordâncias; para
outros, como Mancini e Koskenniemi, seriam vistos como signos distintos. A verdade é
que, através de seu contexto, estes elementos recebem novos agregados – que reagem
para formar novos grupos sociais na História em seu comportamento dialético.
Com ênfase na atualidade, a serem estudados, sob um prisma multifocal, o termo
nacionalidade sofre mudanças, tendo em vista que a Globalização permitiu que
ocorressem eventos como a Queda do Muro de Berlim, surgimento da CEI –
Comunidade dos Estados Independentes, por consequência da dissolução da União
Soviética – e da União Europeia, conflitos étnicos (vide País Basco, Irlanda,
Cisjordânia, Ruanda, Bósnia) e mais recentemente o da Primavera Árabe e da Crimeia.
Porém, tais eventos podem não ressoar tão estranhos se nos dispusermos a ler
sobre a Grécia e a Roma Antiga, por exemplo, quando lá já se tinha a amostra de que a
nacionalidade – ainda que vinculada mais propriamente ao conceito de estado moderno
– evoluía no ciclo perpétuo do Realismo-Idealismo, o que ora proporcionou a ideia de
ostracismo, retaliação e divisão de classes (cite-se a Guerra do Peloponeso, de
Tucídides) tanto entre os gregos quanto entre os romanos antigos ora proporcionou a
ideia de paz, cooperação e a conquista de direitos por parte das classes menos
favorecidas e de povos estrangeiros (cite-se a aquisição da cidadania romana por
estrangeiros no Pós-República), a cidadania de povos peregrinos.
Portanto, quer-se salientar que a interação, o conflito e compreensão dessas duas
correntes foram e são importantíssimas para a construção de outras correntes nas
Relações Internacionais e dos referidos elementos “nação, Estado, nacionalidade e
cidadania”, além de demonstrar o quão imprescindível se faz, atualmente, num Mundo
Pluralista, sob uma visão interdisciplinar, a presença do discurso de Martti Koskenniemi
e Pasquale Stanislao Mancini no Direito lato sensu, na Política e, por consequência, na
autodeterminação dos povos.
2. Na Teoria das Relações Internacionais
Como área que estuda a natureza e o impacto da política internacional sobre a
sociedade e os indivíduos, para as Relações Internacionais não existe uma definição
única, mas, sim, contingente do objeto de seu estudo, pois, nos dias atuais, destacam-se
três perspectivas: 1- Como relações estratégico-diplomáticas entre Estados, cujo foco
principal são as questões de guerra, paz, conflito e cooperação. Incluam-se, também, as
questões amorfas como terrorismo e movimentos separatistas (Estado Islâmico e grupos
neonazistas). 2 – Como relações de natureza econômica, social e política, não
exclusivamente estatais, que ultrapassam as fronteiras nacionais, procurando estudar
desde negociações comerciais até a atuação de organizações internacionais como a
Anistia Internacional e a Organização das Nações Unidas (ONU). 3 – Como processos
de globalização das relações sociais, incluindo as finanças, as comunicações, os
transportes, as empresas transnacionais e mesmo a emergência de uma sociedade global.
A partir dessas três questões, hoje há teorias derivadas ou do idealismo ou do
realismo clássicos – tais quais o pluralismo, o neorrealismo –, ou teorias críticas destes
paradigmas hegemônicos – como o construtivismo, a Escola Inglesa, e as teorias da
globalização.
Na obra de Koskenniemi, embora não seja possível enquadrá-lo numa Escola
específica, há trechos segmentados de neorrealismo, marxismo, construtivismo e da
Escola Inglesa. O que o autor deixa evidente é que a nacionalidade não se conceitua
apenas como um atributo de indivíduo vinculado à concepção do Estado, mas, sim,
como um conjunto de fatores denominados “sensibilidades”, como se observa da
interpretação de um trecho de Nacionalismo, Universalismo e Império: O Direito
Internacional em 1871 e 1919 no qual Martti sugere que a crítica dos realistas Carr e
Morgenthau eram plausíveis naquele período entre guerras, mas não após, pois os
argumentos dos idealistas não eram os mesmos de sua prévia geração (1871-1914): a
partir de 1919 a reconstrução da Europa não é marcada pelo Warfare, mas , sim, pelo
Welfare State. Além do mais, já mais adiante, quando enfraquecido o Eurocentrismo, os
debates sobre a transformação do direito internacional buscariam após a Guerra Fria,
como reflexo de outro momento, trazer alguma coisa semelhante à sensibilidade dos
homens de 1871. No entanto, estes debates necessitariam de uma nova explanação no
direito internacional na Nova Ordem Mundial.
Nesse ínterim, a moderna concepção unitarista do direito internacional encontra-
se atualmente desafiada por teorias fragmentárias que estruturam a ordem jurídica
global em esferas temáticas aparentemente autônomas, pois conflitos como o da
Crimeia, por exemplo, e mais recentemente o que vem ocorrendo no Oriente Médio,
com a presença do Estado Islâmico – que recebe soldados de várias nacionalidades,
inclusive, pelo que se lê em manchetes, até mesmo indivíduos da União Europeia –,
propõem à teoria do direito estabelecer se tal fragmentação conformaria a questão
jurídica consolidada ou mera situação fática compatível com alguma proposta de
unidade. Com essa abordagem pretende-se estruturar as linhas gerais do debate entre a
unidade e a fragmentação do direito internacional a partir do positivismo moderno, isto
é, das teorias de Hans Kelsen, para, com base nos escritos de Martti Koskenniemi,
desenvolver uma contribuição à sistematização do direito das gentes nesse contexto por
muitos identificado como pós-moderno e, especificamente no direito, como pós-
positivista.
Em contrapartida às teorias fragmentárias, há, também, autores que, a partir do
multilateralismo – visto com maior intensidade após a Queda do Muro de Berlim –
marco do início da Globalização –, permanecem presentes ao almejar a integração do
direito internacional através dos princípios da interdependência, da cooperação e da
autodeterminação dos povos, entre os quais citamos Pasquale Stanislao Mancini.
Conforme abordado no Congresso Nations and Nationalisms, promovido pela
Universidade Federal de Santa Catarina, foi possível perceber a importância deste autor
na unificação italiana e na proposta de concessão da cidadania italiana a estrangeiros.
Segundo o professor Dr. Arno Dal Ri Jr, “a doutrina constitutiva de Mancini repousava
em três pilares: a nacionalidade, a liberdade e a soberania. Além disso, Mancini
abandonou o princípio da territorialidade para adotar a universalidade das relações
privadas, embasando a concepção universalista da cooperação jurisdicional.”
Em Mancini, diferentemente de Koskenniemi, a relação econômica parece ser a
engrenagem principal – que conecta pessoas, Estados e empresas –, o que, em
decorrência do aumento da complexidade tecnológica, culminaria com o atual
fenômeno da globalização. Portanto, a nacionalidade é uma forma flexível de
individualidades formadas por agregações humanas, estas que, segundo Mancini, se
denominariam nações – agrupamentos humanos interligados por traços comuns nos
âmbitos cultural, étnico, linguístico e religioso – e, consequentemente, os verdadeiros
sujeitos políticos de direito internacional. O Estado, no entanto, como um modelo mais
rígido, só tem sua formação quando a Nação inicia o seu processo de reconhecimento de
organização política a partir de um vínculo histórico bem definido.
3. Na Ciência Política
Na obra The Gentle Civilizer of Nations: The Rise and Fall of International
Law 1870-1960, Koskenniemi reflete a crise do Sistema Internacional, também, com
uma perspectiva realista – como a de Maquiavel – sobre o ciclo do poder, no qual a
ciência política paradigma (normal), que fundamenta o comportamento internacional de
uma época, tende a ser substituída por uma ciência política revolucionária com o
surgimento de novas Potências, o que requer a formação de alianças equivalentes com a
finalidade de estabelecer um equilíbrio de poder.
No entanto, o entrave principal se encontra na crítica à corrida imperialista das
potências europeias – em oposição a um dos princípios de Mancini, o da
autodeterminação dos povos – pela conquista de territórios para obtenção de matérias-
primas para as metrópoles, o que resultou na submissão dos povos colonizados aos
valores dos colonizadores. Logo as colônias, embora tivessem seus aspectos culturais
particulares, não detinham autonomia como nação no aspecto formal do sistema
internacional.
Nessa abordagem de Koskenniemi, é possível enquadrar sua teoria - a partir da
influência de autores como Max Weber, Carl Schmitt e, principalmente, Friedrich
Nietzsche - no panorama mais amplo da tradição alemã de ciências sociais que se seguiu
aos escritos do último destes pensadores e a suas pesadas críticas à crença iluminista na
razão como fonte do progresso social. A visão teleológica da modernidade como
progresso mediado pela razão, que encontrou a sua melhor formulação em Kant, é
substituída pela visão da modernidade como universalismo fragmentário.
Como um argumento similar ao de Mancini, ainda que em direção oposta, o
conceito de nação atrelado à cidadania e à participação política, para firmar a
nacionalidade, está, também, na igualdade jurídica e posterior fundação do Estado. No
entanto, buscando outros fundamentos em Marx, Koskenniemi evidencia que esta
igualdade formal esconde na verdade a desigualdade dos indivíduos. Durante aquela
corrida imperialista, os povos nativos foram considerados como “classes ignorantes e
perigosas”. A vinculação entre a educação dos povos ditos civilizados e a ausência da
cidadania (um espírito de nacionalidade própria) como requisito para a participação no
direito internacional foi o argumento, por séculos, utilizado para justificar a exclusão e
exploração dos povos colonizados e para legitimar a repressão nos seus processos de
independência.
Hoje mesmo muitos afirmam, ou pelo menos suspeitam, que o direito
internacional está em crise. Para alguns, a globalização informal, a guerra contra o
Iraque, o conflito da Crimeia demonstraram a marginalidade crescente do direito
internacional na vida internacional - e o padrão cada vez maior de violações de suas
disposições basilares comprovaria sua irrelevância. Para outros, a crise emerge de
origens endógenas, o que talvez ocasionou ao direito internacional ter sido transformado
por uma “máfia internacional” em apenas um dos aspectos do sistema burocrático de
barganha nas instituições internacionais dominadas pelo Ocidente.
A crise da Crimeia demonstra bem um exemplo de violação de disposição do
direito internacional e do direito interno ucraniano em decorrência de origens
endógenas. Como recurso político utilizado na unificação italiana, o plebiscito remete
ao princípio da autodeterminação dos povos, abordado por Mancini, relativo ao direito
de opção de nacionalidade. Embora o princípio democrático que concebe ao povo como
detentor da soberania através do sufrágio universal, o plebiscito na Crimeia foi um
golpe de estado, exercido de maneira unilateral por maioria russa (60% da população
votante).
Para Mancini, o plebiscito representava o livre consentimento dos povos, adverso
aos procedimentos arcaicos que previam o uso da força e da conquista, em qualquer
assunto que se referisse às alterações da estrutura política e territorial de um referido
Estado. Todavia, necessita-se impor limitações ao recurso do plebiscito, importante por
ser expressão da vontade dos povos, mas, de outra parte, perigoso já que era passível de
ser utilizado arbitrariamente, como é o caso da Crimeia.
Porém, esta polêmica anexação sobre a Crimeia por parte da Rússia também pode
ser discutida historicamente através da anexação pela França de regiões da Alsácia e da
Lorena, cidades antes pertencentes à Alemanha, embora não tenha ocorrido um
plebiscito. Aqui, por sua vez, a teoria de Mancini – na qual a etnia, a língua e a religião
têm vínculos e semelhanças com a construção teórica de Hegel – se torna relativa e
controversa em oposição à teoria fragmentária – comparável às “sensibilidades” de
Koskenniemi – defendida pelo historiador francês Fustel de Coulanges – que adota estes
argumentos sociológico-políticos: a opção da Alsácia de pertencer ao Estado francês foi
feita voluntariamente durante a Revolução Francesa sob pressupostos históricos e
políticos, comuns na formação dos Estados europeus. Para Coulanges, nem etnia nem
língua fazem uma nacionalidade. Hão de se verificar as conveniências geográficas, os
interesses políticos e comerciais na fundação dos Estados.
Com base em assuntos sobre nacionalidade, diversidade e segurança e nas obras
Da Apologia à Utopia e Autodeterminação Nacional Legal Hoje: Problemas de
Teoria Legal e Prática, ao descrever a distinção na Grécia Antiga entre realistas e
idealistas, é possível observar as contradições na aplicação das leis e a crítica, através de
autores realistas, a Mancini e a Bluntschli, para os quais o cosmopolitismo e o Sistema
Internacional estavam formados: “A nação espiritual era uma ficção.” De linha
filosófica similar a de Mancini, Hegel focou seu trabalho em uma crítica profunda da
religião na tentativa de deixar explícita a presença do Estado. A questão mais pertinente
seria: por que a Revolução Francesa falhou? Obviamente, ainda a Revolução
Napoleônica não havia conseguido destituir a relação Estado-Religião/Igreja. E essa
resposta demanda permanentemente um ataque à política do republicanismo liberal tal
como emergida de uma restauração.
Esta política nacionalista conseguiu se manter aprisionada dentro de algo que
permanecia assentada em um padrão religioso de pensamento. Era necessário, portanto,
atacar o padrão em si mesmo – o “idealismo” que este pensamento manifestava – para
produzir uma crítica efetiva da modernidade liberal, uma crítica à religião encontra-se
vulnerável à crítica da moralidade como subjetividade pura. O indivíduo encontra-se
separado das condições nas quais a individualidade é produzida. Hoje o princípio da
nacionalidade como emancipação política representa uma nova forma de imperialismo
vivida através dos direitos humanos, enaltecidos na Carta das Nações Unidas e
usufruídos pelo indivíduo abstrato, o que na verdade é uma teologia política em ação, a
apresentação de algo socialmente construído como dado de forma transcendental.
Através de sua crítica, Koskenniemi pretende não destruir o Sistema
Internacional, mas desmascarar falsos universalismos ao identificar as decisões
particulares nas tensões entre minorias étnicas, as políticas de imigração e os seus não-
efeitos de cidadania. Tomemos para citação as políticas sobre os limites de tolerância
étnica e religiosa do novo governo eleito na Bulgária, sobre as hostilidades do
nacionalismo radical e movimentos russofóbicos na Ucrânia.
Em contrapartida, se os modelos políticos democráticos possuem vários entraves
que acarretam sua ineficiência, Koskenniemi ressalta que ela pode estar no molde rígido
do contextualismo ou no risco do encorajamento do relativismo histórico, uma atitude
não-crítica de ideias históricas sobre a luz de ideias atuais. E de fato, também, a questão
crucial reside em analisar o âmago das instituições políticas, suas origens e suas
finalidades. Vê-se concordância sobre a origem do Estado, no sentido criticado por
Mancini, como aquele que é resultado de conquistas, usurpações e intervenções em um
determinado território que fazem com que se alterem aqueles confins naturais que
delimitam uma nação entendida aqui como aglomerado de indivíduos que possuem as
mesmas características físicas e a unidade moral que os conduz a serem conscientes de
formar uma mesma nação. A nação configura-se como uma obra de cunho religioso e
naturalista, sujeito natural e necessário em contraposição ao Estado, sujeito artificial e
arbitrário, obra da força. A nacionalidade gera entre os homens algumas relações
jurídicas espontâneas e naturais, enquanto o Estado, sendo fruto de um pacto político,
de um contrato, de um ato fictício, gera relações artificiais.
É nesse ponto, portanto, em que há um consenso entre Koskenniemi e Mancini.
Feitas essas considerações, Mancini observa que o princípio de nacionalidade incluiria
também “o limite ao injusto desenvolvimento de uma nação em detrimento das outras e
disso advir a livre e harmoniosa coexistência de todas”. Portanto, as nações devem
respeitar os limites advindos da existência de outras nações, não podendo sufocar o
direito ao livre desenvolvimento das outras. As nações constituídas por multíplices
elementos naturais e históricos possuem por limite natural o próprio direito das outras
nações, constituindo objetivo último e supremo da humanidade o respeito para com a
independência de toda nação. Mancini nesse instante está preocupado em analisar o
aspecto referente à coexistência das nacionalidades como embasamento a partir do qual
reformular a organização da sociedade internacional.
Afinal, questiona-se quais seriam as possíveis influências dessas posições teóricas
defendidas pelos dois autores acima mencionados, a despeito das divergências
existentes entre os mesmos, sobre o princípio de autodeterminação dos povos, e, para
tanto, são apontadas as continuidades e rupturas entre esse e o princípio de
nacionalidade.
Há, portanto, por um lado, um senso de perda da promessa emancipatória do
direito internacional, um ceticismo silencioso e, por outro, a esperança e a luta como
ponto de partida, cite-se a Primavera Árabe, para um projeto de emancipação, como o
defendido por Mancini e, também, pelas “sensibilidades” de Koskenniemi.
4. No Direito Positivo Ocidental e na Economia: A Democracia e a Cidadania
De acordo com as obras do prof. Arno Dal Ri Júnior – História do Direito
Internacional: Comércio e Moeda, Cidadania e Nacionalidade e Cidadania e
Nacionalidade – efeitos nacionais, regionais e globais –, é possível verificar hoje, com
o fenômeno da globalização, a aplicação do princípio de nacionalidade sob uma
fundamentação manciana com destaque para a União Europeia, que permite a cidadania
plúrima e a livre circulação de pessoas com a utilização do modelo normativo de Hans
Kelsen.
Em conexão com o que se abordou no Congresso Nations and Nationalisms, o
direito italiano foi um dos precursores na equiparação de cidadãos italianos e
estrangeiros, o que representaria mais tarde a criação de esferas de soberania integradas,
do ponto de vista político-jurídico, na universalização do status do cidadão europeu.
Essa ampliação de cidadania se deu após a Segunda Guerra Mundial, com o aumento do
dinamismo econômico e criação de instituições supranacionais. Este modelo
universalista também se almeja no Mercosul, quanto a países plenamente integrados
(Argentina, Brasil e Uruguai), ainda que em caráter incipiente, pois este bloco
econômico é uma união aduaneira imperfeita. No entanto fale-se de cidadania regional
ou global, para a aquisição da nacionalidade, devem ser preenchidos de acordo com o
ordenamento jurídico interno de cada país os critérios para naturalização, jus soli, jus
sanguinis e perda da nacionalidade. Observam-se, então, com esse discurso, três
fundamentos do direito internacional em Mancini: princípios da nacionalidade, da
autodeterminação dos povos e do cosmopolitismo.
Sem dúvida, nos dias atuais, o discurso de Mancini pertenceria a uma teoria
neoliberal, que privilegia o multilateralismo, a interdependência e o multicentrismo
entre as nações.
Já, numa visão koskenniemista, sobre o jornal Estudos em Etnicidade e
Nacionalismo e em Autodeterminação Nacional Legal Hoje: Problemas de Teoria
Legal e Prática, para a Escola de Londres de Economia e Ciência Política, uma nação,
de acordo com as necessidades de medidas ora coercitivas ora de inclusão da
diversidade cultural, deveria estar segura tanto das ameaças externas quanto internas, de
modo que deveria estar voltada para a segurança e integridade nacional. De um lado,
devem ser percebidas as ameaças externas de outros Estados e não-Estados, como
grupos terroristas. De outro lado, minorias e imigrantes podem ser percebidos como
ameaças internas por não reconherem a legitimidade da Nação-Estado ou no sentido de
não pertencerem à Nação.
Depois de passados os anos 90, a Economia, como uma “sensibilidade”, uma
Força Profunda das Relações Internacionais, pode nos ajudar a explicar as causas das
guerras civis através de análises econométricas, demográficas das classes sociais. A
educação histórica, por sua vez, pode exacerbar polarização e divisão (como se pode ver
nos conflitos de países africanos e do leste europeu) ou podem ter potencial
conciliatório. Sob uma égide democrática, precisa-se detalhar por que os grupos
necessitam tomar determinadas decisões sociais e discutir como tais grupos
desenvolvem seus aspectos culturais. É preciso focar como suas deliberações ocorrem e
com quais restrições afetam a aplicabilidade de deliberações em sociedades divididas.
Como exemplo, a migração étnica da Comunidade dos Estados Independentes
para Israel é amplamente considerada como um “laboratório de etnicidade”. A maioria
das pesquisas foca sobre fatores sociais e linguísticos de reestruturação de identidade,
em que o engajamento crítico com status social, de classes e de ambiente urbano é o
mais novo desenvolvedor sócio-econômico e urbano no leste europeu.
5. Considerações Finais
A partir das ideias abordadas tanto com base em Mancini quanto em
Koskenniemi, pode-se dizer que o direito internacional não provocará uma revolução
mundial. Talvez tal revolução não seja nem possível, nem necessária. No entanto, como
Koskenniemi deixa claro, por necessidade de compreender nossa realidade social
através do direito internacional, teremos de estar aptos a apoiar causas justas nas mais
diferentes formas (culturais, sociais, individuais), para, então, nos tornarmos sujeitos
comprometidos com uma política progressista, sob um viés universalismo-
particularidades.
Se realmente for possível redimir a promessa transformadora do direito
internacional e fazer com que seus seguidores reflitam de uma maneira mais acurada e
ajam de forma mais eficiente, tal redenção exigirá colocarmos o direito internacional em
uma continuidade histórica que o reconheça simultaneamente como parte da
modernidade e da crítica à modernidade.
Mancini também deixa seu legado ao direito internacional contemporâneo ao
enfocar a necessidade de um cosmopolitismo entre as nações, o que pode ser apreciado
na Carta das Nações Unidas de Direitos Humanos e da maior integração entre os povos,
como é o caso da União europeia. Porém, não podemos esquecer, tal qual já abordado,
que o estatismo (statehood) e os direitos individuais aparecem como formas de teologia
política. Hoje, o desconstrutivismo leva adiante parte do legado da dialética Realismo-
Idealismo. Neste sentido, ao analisar Mancini e Koskenniemi e suas perspectivas sobre
a nacionalidade, é possível encontrar a melhor forma de como isso pode ser feito sem
perdermos a ambição da universalidade do Direito.
REFERÊNCIAS:
JÚNIOR, Arno Dal Ri. História do Direito Internacional: Comércio e Moeda, Cidadania
e Nacionalidade. Florianópolis, Fundação José Arthur Boiteux, 2004.
JÚNIOR, Arno Dal Ri. & OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade:
efeitos e perspectivas nacionais – regionais – globais. 2ª Edição. Ijuí, Rio Grande do
Sul. Editora Unijuí.2003.
HESSE, Reinhard. Razão Prática e Responsabilidade Política: Uma Introdução a
Alguns Problemas da Teoria Política num Mundo Pluralista.
MANCINI, Pasquale Stanislao. A vida dos povos na humanidade. In: Direito
internacional (Diritto internazionale. Prelezioni). Tradução de Ciro Mioranza. Ijuí:
Unijuí, 2003.
MANCINI, Pasquale Stanislao. Della nazionalità come fondamento del diritto delle
genti. Torino: tipografia Eredi Botta, 1851.
MANCINI, Pasquale Stanislao. Della vocazione del nostro secolo per la riforma e la
codificazione del diritto delle genti, e per l’ordinamento di uma giustizia Internazionale.
Roma: Stabilimento Civelli, 1874.
FUSTEL DE COULANGES, Numa-Denis. L’Alsace est-elle allemande ou française?
Réponse à M. Mommsen. Disponível em :
Http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5442701h.r=.langPT. Acesso em 12 NOV. 2014.
KOSKENNIEMI, Martti. From Apology to Utopia: The Structure of International Law
by Finnish Lawyers. Cambridge University Press, 2005.
KOSKENNIEMI, Martti. National Self-Determination Today: Problems of Legal
Theory and Practice. International and Comparative Law Quarterly, 1994.
KOSKENNIEMI, Martti. The Gentle Civilizer of Nations: The Rise and Fall of
International Law 1870-1960. Cambridge University Press, 2004.
KOSKENNIEMI, Martti. Nationalism, Universalism and Empire: International Law in
1871 and 1919. Columbia University. Departament of History. 2005.
STUDIES IN ETHNICITY AND NATIONALISM Journal. Dezembro 2013. Volume
13. <http://onlinelibrary.wiley.com/journal/10.1111/(ISSN)1754-9469> Acesso em: 29
Nov.14