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ALCAR - Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia São Borja, RS - 14 e 15 de maio de 2012 1 Jornalismo e mídia social digital: considerações sobre o ingresso do jornal Zero Hora no Twitter Luciana Menezes Carvalho 1 Eugenia Mariano da Rocha Barichello 2 UFSM, Santa Maria, RS RESUMO Este trabalho reflete sobre práticas do jornalismo na ambiência das mídias sociais digitais. Tecem-se algumas considerações a respeito do ingresso do jornal Zero Hora no serviço de micromensagens Twitter, ocorrido em 2008. O artigo parte de pesquisa desenvolvida entre 2009 e 2010. As metodologias empregadas foram revisão de literatura, observação participante e entrevista. O relato está dividido em duas seções: a primeira apresenta conceituação introdutória de mídia social digital, além de aspectos históricos do Twitter e suas funcionalidades; a segunda seção diz respeito à inserção de Zero Hora no serviço. As conclusões apontam para o entendimento de que o processo de utilização jornalística do Twitter consiste em uma etapa inicial de ingresso de ZH na ambiência das mídias sociais digitais. PALAVRAS-CHAVE: Mídia social digital; história da mídia; Twitter; Zero Hora. INTRODUÇÃO A quarta geração do jornalismo digital ou Jornalismo Digital em Base de Dados JDBD 3 (BARBOSA, 2007) tem entre suas características a exploração, por parte dos processos e produtos jornalísticos, das possibilidades informativas e comunicacionais das mídias sociais digitais. O processo de inserção dos veículos informativos nessa ambiência 4 ocorre paralelamente à utilização das ferramentas pelos atores individuais, coletivos e institucionais. 1 Mestre em Comunicação Midiática (UFSM); doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática (POSCOM UFSM); professora no curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano UNIFRA. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ); professora titular e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática POSCOM-UFSM. E-mail: [email protected] 3 O trabalho não tem por objetivo aprofundar a discussão sobre JDBD, ou discorrer sobre o percurso histórico do jornalismo digital e suas gerações. O conceito aparece apenas para contextualizar esta fase de inserção dos veículos jornalísticos nas mídias sociais digitais. 4 Remete ao conceito de medium em MCLuhan, para o qual o meio envolve sempre uma ambiência cultural, indo além da ideia de canal ou suporte técnico.

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Artigo apresentado no GT História das Mídias Digitais, no 4º Encontro do Núcleo Gaúcho da Alcar.

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Jornalismo e mídia social digital: considerações sobre o ingresso do jornal Zero

Hora no Twitter

Luciana Menezes Carvalho1

Eugenia Mariano da Rocha Barichello2

UFSM, Santa Maria, RS

RESUMO

Este trabalho reflete sobre práticas do jornalismo na ambiência das mídias sociais

digitais. Tecem-se algumas considerações a respeito do ingresso do jornal Zero Hora no

serviço de micromensagens Twitter, ocorrido em 2008. O artigo parte de pesquisa

desenvolvida entre 2009 e 2010. As metodologias empregadas foram revisão de

literatura, observação participante e entrevista. O relato está dividido em duas seções: a

primeira apresenta conceituação introdutória de mídia social digital, além de aspectos

históricos do Twitter e suas funcionalidades; a segunda seção diz respeito à inserção de

Zero Hora no serviço. As conclusões apontam para o entendimento de que o processo

de utilização jornalística do Twitter consiste em uma etapa inicial de ingresso de ZH na

ambiência das mídias sociais digitais.

PALAVRAS-CHAVE: Mídia social digital; história da mídia; Twitter; Zero Hora.

INTRODUÇÃO

A quarta geração do jornalismo digital ou Jornalismo Digital em Base de Dados

– JDBD3 (BARBOSA, 2007) tem entre suas características a exploração, por parte dos

processos e produtos jornalísticos, das possibilidades informativas e comunicacionais

das mídias sociais digitais. O processo de inserção dos veículos informativos nessa

ambiência4 ocorre paralelamente à utilização das ferramentas pelos atores individuais,

coletivos e institucionais.

1Mestre em Comunicação Midiática (UFSM); doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação

Midiática (POSCOM – UFSM); professora no curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA.

E-mail: [email protected] 2 Doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ); professora titular e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Midiática – POSCOM-UFSM. E-mail: [email protected] 3 O trabalho não tem por objetivo aprofundar a discussão sobre JDBD, ou discorrer sobre o percurso histórico do

jornalismo digital e suas gerações. O conceito aparece apenas para contextualizar esta fase de inserção dos veículos

jornalísticos nas mídias sociais digitais. 4Remete ao conceito de medium em MCLuhan, para o qual o meio envolve sempre uma ambiência cultural, indo

além da ideia de canal ou suporte técnico.

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Um dos primeiros serviços a ser apropriados pelo jornalismo foi o Twitter5 que,

a partir de 2008, passou a ser usado amplamente na divulgação de notícias6 e interação

com o público.

O jornal Zero Hora (ZH) criou seu perfil no serviço em 2008, passando a utilizar

a ferramenta de modo periódico no ano seguinte. O perfil é mantido pela redação de

Zero Hora Online para divulgação de manchetes, coberturas colaborativas e interação

com os seguidores7.

1 MÍDIA SOCIAL DIGITAL

A denominação mídia social ganhou força a partir de algumas apropriações das

possibilidades da web 2.0 – termo cunhado por Tim O’Reilly (2005) para explicar um

conjunto de transformações da web, com destaque ao papel ativo do usuário (SAAD,

2008). Ela é caracterizada como plataforma, em que o conteúdo é gerado pelos

interagentes e não apenas por editores e programadores, como ocorria na fase anterior,

com sites mais estáticos e pouca possibilidade de interação. Na atual fase, a web

ultrapassa a conexão entre computadores, passando a conectar pessoas, o que se dá cada

vez mais através de dispositivos móveis.

A ideia de que toda mídia deveria, por essência, ser social, cria a necessidade de

uma maior delimitação ao termo, optando-se por “mídia social digital” para caracterizar

esta nova ambiência de fluxos informacionais e comunicacionais (CARVALHO, 2010).

São sistemas que possibilitam usos e apropriações que envolvem participação ativa do

interagente através de comentários, recomendações, disseminação e compartilhamento

de conteúdo próprio ou de terceiros.

Esses meios carregam em si uma potencialidade para o uso social. São exemplos

de ferramentas de mídia social digital serviços como Facebook8, Youtube

9, Flickr

10,

5 Serviço de micromensagens ou microblogging criado em 2006, nos Estados Unidos, cujas postagens são limitadas a

140 caracteres. Endereço na web: http://twitter.com 6 Os usos informativos e noticiosos do Twitter destacam-se em situações de conflito, como a Primavera Árabe, e de

tragédias, como terremotos e enchentes. 7 Conforme observação realizada durante pesquisa de dissertação de Mestrado (CARVALHO, 2010). 8 Serviço de rede social criado em 2004, nos Estados Unidos. Permite a criação de perfis pessoais e fanpages (páginas

para uso institucional ou comercial). Endereço na web: http://www.facebook.com 9 Serviço de compartilhamento de vídeos fundado em 2005. Endereço na web: http://www.youtube.com 10 Serviço de hospedagem e compartilhamento de imagens fundado em 2004, no Canadá. O serviço permite que as

imagens sejam etiquetadas através de tags, funcionando também como um fotolog. Endereço na web:

http://www.flickr.com/

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Slideshare11

, Instagram12

, cada um atuando de modo distinto e possibilitando usos

combinados, conforme as apropriações dos atores.

Ainda que sejam utilizadas tanto por usuários independentes quanto por atores

sociais corporativos, de forma estratégica - podendo ser apropriadas de modo massivo -

as ferramentas de mídia social digital, diferentemente do que ocorre com os meios de

comunicação de massa tradicionais, como o jornal impresso, a TV e o rádio, circulam

em outra lógica, não linear, em rede e interativa, em que os usuários não precisam de

autorização da esfera produtiva para se manifestar.

O serviço de micromensagens Twitter é uma das principais manifestações dessa

nova ambiência midiática, em que a apropriação dos interagentes determina sua função

social.

1.1 Twitter: histórico e funcionalidades

Embora exista desde 2006, o serviço13

de micromensagens Twitter teve seu

crescimento e popularização a partir de 2008 (HONEYCUTT & HERRING, 2009).

Trata-se de uma mídia social digital porque envolve uma ambiência com características

e funcionalidades que, de certo modo, favorecem apropriações voltadas à participação, à

mediação descentralizada e à conversação.

Inicialmente, respondia-se à questão inicial “O que você está fazendo?”. Com o

crescimento dos usos mais voltados à troca de informação de relevância jornalística e

social, a frase foi substituída por “O que está acontecendo?”. Assim que foi lançado, o

serviço era utilizado principalmente para postagens pessoais, mas com o tempo foi

crescendo a apropriação voltada para usos informativos e colaborativos da ferramenta

(HONEYCUTT & HERRING, 2009). Atualmente, o serviço é considerado um novo

meio de compartilhamento de informações, sendo mais utilizado como mídia noticiosa

do que como rede social (KWAK et al, 2010).

11 Outro serviço considerado típico da web 2.0. É focado no carregamento e compartilhamento de apresentações e

arquivos de texto. Endereço na web: http://slideshare.net 12 Aplicativo que possibilita ao usuário tratar suas fotos instantaneamente através do celular e compartilhá-las nos

serviços de rede social. Foi inicialmente projetado para uso exclusivo em dispositivos móveis da Apple. Atualmente,

está disponível também no sistema Android, suportado por uma maior variedade de aparelhos. Endereço na web:

http://instagr.am/ 13 Prefere-se usar serviço ao invés de site porque o Twitter pode ser acessado também através de aplicativos para

plataformas móveis, em smartphones e tablets, e não apenas através de seu site na internet.

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Diferente do que ocorre em muitas mídias sociais digitais - mais focadas no

suporte de redes sociais, com forte influência da preocupação com os laços interacionais

entre os atores, no Twitter predomina a função informativa, incluindo o

compartilhamento de notícias e links (KWAK et al, 2010; RECUERO e ZAGO, 2010).

A função informacional, no entanto, não deixa de se relacionar com as apropriações

conversacionais, pois uma apropriação informativa pode levar à conversação, e vice-

versa. A informação e a conversação podem ser entendidas como funções macro que

perpassam diferentes usos da ferramenta, uma espécie de hibridação que é característica

das mídias sociais digitais.

As principais funcionalidades são as mentions, pelas quais os usuários podem

conversar entre si ou mencionar outros perfis presentes no serviço; os replies, que

permitem a conversa direta entre os interagentes; e os retweets ou RTs, usados para

replicar ou compartilhar uma informação dada por outra pessoa. Algumas dessas

funcionalidades foram sendo incorporadas ao serviço depois de terem sido criadas e

apropriadas pelos próprios interagentes.

Uma importante apropriação do Twitter é o uso do sinal de sustenido “#” à frente de

expressões e palavras-chaves como forma de etiquetar os assuntos e agrupar as

postagens, que depois podem ser recuperadas através da pesquisa ou acompanhadas em

tempo real. A API aberta também facilita sua apropriação para diversos fins, por meio

de mixagens de suas funções originais com as de outros sistemas.

Em 2010, uma mudança no Twitter incorporou algumas funcionalidades que já

existiam em aplicativos para utilização do serviço, ou que já eram adotadas

informalmente pelos interagentes. É o caso das replies, que hoje contam com um botão

específico. Sendo uma mídia social, a ferramenta pode ser apropriada para fins diversos,

dependendo do interesse e das habilidades dos usuários.

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2 PRÁTICAS JORNALÍSTICAS DE ZERO HORA NO TWITTER

Para compreender a inserção do jornal Zero Hora no Twitter, é importante

contextualizar, ainda que brevemente, o ingresso do jornal na web. Trata-se de um

processo que pode ser relacionado às fases do jornalismo digital14

, com o site

inicialmente estático e que recebe aos poucos possibilidades mais interativas, como a

seção de jornalismo participativo, até chegar à integração com as mídias sociais digitais

(MIELNICZUK, 2003; BARBOSA, 2007).

Zero Hora ingressou na web em de 1997, com um site que reproduzia a versão

impressa do jornal, fazendo parte da primeira geração do webjornalismo15

. A sua

inserção na plataforma digital ocorreu no mesmo período da maioria dos jornais

brasileiros, que inicialmente não iam além da mera transposição de suas versões

impressas para o meio digital, sem um aproveitamento das características potenciais da

mídia digital (MIELNICZUK, op cit).

Em 1999, o site de Zero Hora foi integrado ao portal do Clic RBS, junto aos

demais produtos do grupo nas áreas de jornal impresso, televisão e rádio. Segundo

Belochio (2009), em 2007 é que cada veículo passou a estruturar seus sites

independentes, incluindo Zero Hora, que passou a ter na internet, além de sua versão

impressa, a versão totalmente digital. Desde setembro de 2010, a maioria dos conteúdos

da versão impressa só pode ser acessada no site por assinantes do jornal (CARVALHO,

2010).

Atualmente, o site possui recursos que aproveitam as potencialidades do meio

digital, com notícias em tempo real, recursos multimídia e de jornalismo participaivo,

além de integração com mídias sociais, como blogs, Twitter e Facebook. Com o

objetivo de mapear o histórico de inserção de ZH no Twitter e observar os usos

jornalísticos dados pelo jornal à ferramenta, realizou-se uma observação exploratório-

14

A literatura da área aponta quatro fases ou gerações do jornalismo digital. A primeira teria sido a fase transpositiva,

com sites que funcionavam como cópias de suas versões impressas; a segunda, denominada metáfora, reflete

produtos que passam a incorporar aos poucos funcionalidades típicas da web, como atualização contínua e

interatividade; a terceira fase seria aquela em que os sites dos jornais passam a explorar melhor as características do

suporte digital, como hipertextualidade e multimídia; e a quarta fase seria caracterizada pelas bases de dados,

jornalismo participativo, e exploração das potencialidades da web 2.0 (MIELNICZUK, 2003; BARBOSA, 2007). 15

Embora alguns autores estabeleçam uma distinção entre os termos, usamos neste trabalho as denominações

webjornalismo, jornalismo digital e ciberjornalismo como sinônimos.

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descritiva no site de zerohora.com e no perfil do jornal no serviço, seguida de entrevista

com a editora de mídias sociais do Grupo RBS, Bárbara Nickel.

2.1. O perfil de Zero Hora no Twitter

No site de zerohora.com, há um botão na barra lateral esquerda da página inicial

denominado “ZH no Twitter". Ao clicar nele, abre uma página em que estão linkados 37

perfis de editorias, cadernos, colunas e blogs, além de perfis pessoais de jornalistas de

Zero Hora (Figura 1), indicando a importância que o Twitter passou a representar para

o jornal. Em dezembro de 2010, o perfil já havia postado mais de sete mil tweets,

contava com 65 mil e 586 seguidores (followers) e seguia quatro mil 885 perfis

(following), conforme mostra a captura de tela na Figura 216

.

Figura 1: Fragmento da página "Zero Hora no Twitter"

Fonte: zerohora.com

16

No dia 16 de abril de 2012, o perfil do jornal no Twitter apresentava os seguintes dados: 20.782 tweets, 114.547

following e 186.108 followers. Como se pode observar, chama atenção, sobretudo, o crescimento da proporção entre

seguidores e seguidos.

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A fim de compreender o trabalho de Zero Hora com as mídias sociais digitais,

especialmente em relação ao uso do Twitter, realizou-se uma visita à redação do jornal,

nos dias 15, 16 e 17 de setembro de 2010, quando foi realizada entrevista com a editora

de mídias sociais17

.

A jornalista Bárbara Nickel, uma das editoras de Zero Hora online, exerce desde

novembro de 2009 a função de editora de mídias sociais do Grupo RBS, englobando

todos os veículos de comunicação que pertencem ao grupo de comunicação. No entanto,

enquanto editora do jornal, ela tem sua base de atuação na redação de Zero Hora, junto à

editoria de online, que fica integrada ao restante da redação.

O perfil de Zero Hora no Twitter foi criado em 2008, mas passou a ser utilizado

com mais frequência no decorrer de 2009. O trabalho diário de escolha do que vai ou

não ser postado nos perfis de Zero Hora no Twitter e Facebook18

é discutido em

conjunto entre os editores da redação online, ou mesmo do impresso, e os assistentes de

conteúdo19

.

Figura 2: Número de followers e following do perfil @zerohora

Fonte: perfil de Zero Hora noTwitter

17 Também foi realizada entrevista com o editor geral de Zero Hora, Ricardo Stefanelli, que para este artigo não foi

considerada. 18 Este trabalho ateve-se ao estudo do Twitter. O Facebook faz parte das ferramentas usadas pelo jornal desde 2009. 19

Estagiários que ainda não concluíram a graduação em jornalismo.

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A atuação de Nickel se dilui entre ajudar os jornalistas do Grupo a se integrar e

saber utilizar as ferramentas de mídia social, pensar em novas possibilidades de uso

dessas ferramentas, monitorar o que é dito sobre a organização nos sites de rede social,

respondendo quando for de sua alçada e repassando as questões aos setores

responsáveis, se for o caso. Ela foi contratada pelo jornal em 2007, quando foi lançado o

novo site da zerohora.com. Sua principal responsabilidade seria trabalhar com

iniciativas que envolvessem interatividade com o leitor, como a seção de jornalismo

participativo “leitor-repórter”.

Na época, foram contratados profissionais do quadro, que já trabalhavam no

clicrbs, e muitos de fora da empresa, como foi o caso dela. Sua atuação, nesse período

inicial, entre 2007 e 2008, envolvia a participação do leitor, combinada a uma tarefa de

buscar novidades para o site da Zero Hora.

Eu sempre trabalhei com a equipe de assistentes de conteúdo na

mesma mesa. Sempre ajudei a controlar o fluxo de trabalho deles.

Com o tempo, as atividades foram sendo diluídas. Sempre me

interessei por buscar outros recursos para o site, pensar como usar a

ferramenta (NICKEL, 2010)20

.

Nesse processo de busca por novidades para o site do jornal, Nickel conheceu o

Twitter, especialmente com a repercussão que a ferramenta ganhou após as eleições de

Barack Obama, nos Estados Unidos, quando os sites de rede social ganharam destaque

por possibilitar a mobilização rápida das pessoas na internet. O perfil de Zero Hora no

Twitter foi criado por ela, em 2008, sem que um planejamento estratégico de uso da

ferramenta tivesse sido traçado, ou que alguma deliberação editorial tivesse sido

adotada para normatizar o uso do serviço.

Esse uso mais motivado pela curiosidade e pela experimentação mudou de rumo

a partir de 2009, quando o Twitter se popularizou, passando a ser usado pela maioria

dos grandes jornais. Nesse período, a jornalista já era editora de zerohora.com e foi

convidada a fazer um projeto para cuidar das mídias sociais que estavam ganhando cada

vez mais força. Em novembro de 2009, foi feito o anúncio oficial de que ela seria

editora de mídias sociais do Grupo RBS. No entanto, a jornalista continuou

paralelamente com seu trabalho como editora de zerohora.com, passando a se dedicar

exclusivamente às mídias sociais em 2010.

20 Em Carvalho (2010).

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O modo como o Twitter passaria a ser usado pela Zero Hora foi sendo

construído pela editora em conjunto com os assistentes de conteúdo de zerohora.com.

Nesse contexto de troca sobre a ferramenta, uma das primeiras definições a respeito do

uso do Twitter foi sobre o tipo de postagem que o jornal iria priorizar. Ao perceber que

muitos jornais e organizações informativas estavam presentes no Twitter distribuindo

informações de caráter nacional e internacional, houve uma percepção de que Zero Hora

deveria focar nas notícias regionais, do Rio Grande do Sul. Então as postagens com

chamadas para notícias do site deveriam ser guiadas pelo critério do apelo local. Outra

definição foi quanto à postagem de links para assuntos interessantes abordados nos

blogs e no site do jornal, bem como chamadas para infográficos e vídeos.

Também houve uma preocupação inicial com a interação com o público. Ainda

que o Twitter seja utilizado por Zero Hora como uma ferramenta jornalística, de

produção da Redação do jornal, os interagentes identificam seu perfil como uma

presença organizacional, para além da questão jornalística. São feitos comentários sobre

atendimento, reclamações sobre assinaturas, que acabam envolvendo os jornalistas que

postam no Twitter de Zero Hora com assuntos que ultrapassam o uso jornalístico. “[...]

Isso é uma ficha que ta caindo faz pouco tempo, da resposta, do atendimento como uma

questão estratégica” (NICKEL, 2010)21

. A editora reconhece que a maioria dos jornais

tem ótimos projetos editoriais, mas não de atendimento, pois as organizações entendem

que não estão ali para responder. “E é atendimento, as pessoas entendem como

atendimento”, complementa.

Com relação a essas especificidades do uso do Twitter pela Zero Hora, Nickel

afirma que ele reflete a política geral da empresa para a internet, fazendo, portanto,

emergir em suas postagens o modo como a organização vê o negócio como um todo e o

jornalismo online.

Um dos aspectos da utilização do Twitter e de outras ferramentas de mídia social

diz respeito ao crescimento no número de acessos ao portal do Grupo RBS, o Clic RBS.

Análises de monitoramento feito pelo Grupo mostram que a presença do jornal nos

serviços de mídia social representa maior visibilidade ao seu portal na web. Os números

21 Idem.

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têm crescido, mostrando que as postagens nesses sites com links para os produtos do

jornal na web é uma estratégia que dá resultados22

.

A importância da participação do jornal nas mídias sociais digitais, no entanto, é

mais complexa do que podem indicar os números. Em texto publicado no Blog do

Editor no dia 21/11/2009, e com o mesmo conteúdo em editorial na edição impressa de

Zero Hora no dia 22/11/2009, o editor Ricardo Stefanelli fala sobre o que considera um

marco na relação do jornal com os leitores – a cobertura feita por Zero Hora e os demais

veículos da RBS com a participação do público a partir do temporal que atingiu grande

parte do Rio Grande do Sul no dia 18/11 daquele mesmo ano. Segundo o editor, na

redação de Zero Hora e dos demais veículos do grupo, não paravam de chegar

contribuições sobre os estragos causados pelo temporal:

Eram fotos, vídeos e textos em profusão, delimitando um novo marco

na participação de ouvintes, leitores, internautas e telespectadores. O

acesso ilimitado a novas ferramentas via internet estimulava a

interatividade numa forma que nem nós conhecíamos. (...) Árvores

caídas, muros derrubados, telhas arrancadas, gente ferida ou morta

compunham os registros, alguns consternados. Até a noite daquela

quinta, mais de 22 mil pessoas haviam entrado no blog ao vivo para

acompanhar o minuto a minuto e relatar dramas ou buscar de

informações. Até então, a maior participação neste tipo de cobertura

ao vivo de zerohora.com envolvera cerca de 8 mil internautas.

(STEFANELLI, 2009)

Ao destacar no editorial a questão da participação, da cobertura colaborativa e

do relacionamento do jornal com os leitores, o editor revela a importância de algumas

características das mídias sociais digitais para o jornalismo de Zero Hora. O evento

“temporal” pode ser, então, considerado, do ponto de vista institucional, um marco da

inserção do periódico na ambiência das mídias sociais digitais23

.

22

Segundo dados apresentados à pesquisadora pela editora de mídias sociais, em agosto de 2009, 2,5% do total de

acessos ao site do clicrbs (RS) chegava através de links nas ferramentas de mídia social digital. Em agosto de 2010,

esse percentual chegava a 4%. Segundo Bárbara Nickel, o monitoramento não indica o papel das mídias sociais no

número de visitas ao site de zerohora.com especificamente. As pesquisas realizadas pelo Grupo mostram, ainda, que

há um crescimento significativo no número de leitores que chegam ao portal clicrbs através da página web do

Twitter. Essa é a ferramenta de mídia social que envia o maior número de visitas ao portal do Grupo RBS. Do total de

visitas ao clicrbs do Rio Grande do sul em agosto de 2010, 62% vieram do Twitter, representando 848 mil acessos. Já

o Facebook, que levava ao portal uma média de 10 mil acessos nos primeiros meses de 2010, passou a enviar 40 mil

acessos em julho e 70 mil em agosto (CARVALHO, 2010). 23

Na dissertação de Mestrado de Carvalho (2010), o referido acontecimento constitui um dos corpora de pesquisa em

que foram analisados os principais usos dados pelo jornal ao Twitter, com destaque para quatro categorias: difusão de

informações, participação, compartilhamento e conversação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teceu algumas considerações introdutórias sobre o ingresso do

jornal Zero Hora no Twitter, em 2008, e algumas de suas práticas desenvolvidas nos

anos seguintes na ferramenta.

Por meio de revisão de literatura sobre mídias sociais digitais, observação

participante na redação do jornal e entrevista com a editora de mídias sociais do Grupo

RBS, foi possível observar aspectos do processo de inserção de ZH na ambiência do

Twitter, de modo particular, e das mídias sociais digitais, de modo geral.

Foi possível identificar uma apropriação mais instintiva do que estratégica do

serviço, mostrando uma preocupação do jornal em estar presente na ambiência da mídia

social digital, sem que houvesse um planejamento de sua utilização. Cabe verificar se

esta tendência de uso se aplica a outras ferramentas de mídia social digital.

A entrevista com a editora de mídias sociais e a observação das rotinas na

redação apontou para usos voltados à informação e à interação com os leitores, neste

período inicial de utilização do Twitter. Os resultados indicam que novos estudos

devem ser realizados para se promover um mapeamento histórico dos usos dados pelos

veículos jornalísticos aos serviços de mídia social digital.

REFERÊNCIAS

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paradigma para produtos jornalísticos digitais dinâmicos. (Tese de Doutorado).

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CARVALHO, Luciana. (2010). Legitimação institucional do jornalismo informativo

nas mídias sociais digitais: estratégias emergentes no conteúdo de Zero Hora no Twitter.

(Dissertação de Mestrado). POSCOM/UFSM. Disponível em: <

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<http://w3.ufsm.br/poscom/wp-content/uploads/2011/08/Luciana-Menezes-Carvalho-

Disserta%C3%A7%C3%A3o-2009.pdf>.

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MIELNICZUK, Luciana. (2003). Jornalismo na Web: uma contribuição para o estudo

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