paper de administrativo

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1 Supremacia do interesse público e a técnica da ponderação de princípios do Supremo Tribunal Federal 1 Suzana Sousa Patrícia Tocantins 2 Hugo Assis Passos 3 RESUMO Este documento pretende lançar uma reflexão sobre a compreensão jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre a dialética existente entre interesses coletivos e privados, partindo do uso da técnica da ponderação de princípios, para afirmar que os interesses coletivos não devem, necessariamente ter preferência sobre os particulares. Afirma que a defesa absoluta e excludente da supremacia do interesse público se mostra insuficiente ao regime democrata e pluralista positivado em nossa Constituição Federal que objetiva a inclusão da perspectiva de todos. Palavras-chave: Teoria do Direito. Direito Administrativo. Direito Constitucional. 1 INTRODUÇÃO 1 Paper apresentado a disciplina de Direito Administrativo I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB. 2 Alunas do 7° período do Curso de Direito da UNDB. 3 Professor.

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Page 1: Paper de Administrativo

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Supremacia do interesse público  e a técnica da ponderação de

princípios do Supremo Tribunal Federal1

Suzana Sousa

Patrícia Tocantins2

Hugo Assis Passos3

RESUMO

Este documento pretende lançar uma reflexão sobre a compreensão

jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre a dialética existente entre interesses

coletivos e privados, partindo do uso da técnica da ponderação de princípios, para afirmar que

os interesses coletivos não devem, necessariamente ter preferência sobre os particulares.

Afirma que a defesa absoluta e excludente da supremacia do interesse público se

mostra insuficiente ao regime democrata e pluralista positivado em nossa Constituição

Federal que objetiva a inclusão da perspectiva de todos.

Palavras-chave: Teoria do Direito. Direito Administrativo. Direito Constitucional.

1 INTRODUÇÃO

Beneficiar a sociedade como um todo é o objetivo maior esculpido no princípio da

Supremacia do Interesse Público em que a Administração Pública desempenhará o papel

principal de mediador na persecução do equilíbrio entre os interesses do Estado e da

coletividade.

Não obstante, várias são as demandas da esfera privada que clamam pela resposta

do judiciário de forma legítima e que muitas vezes contrapõem o interesse de um cidadão

frente ao da coletividade. Nesse contexto entra em ação a técnica da ponderação de princípios

buscando resolver a equação judicial.

A Supremacia e a indisponibilidade do interesse público são os pilares que

sustentam o Direito Administrativo, o que equivaleria afirmar que, numa ótica tradicional, o

1 Paper apresentado a disciplina de Direito Administrativo I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

2 Alunas do 7° período do Curso de Direito da UNDB.3 Professor.

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interesse do indivíduo deveria sempre curvar-se ao interesse coletivo. Para cumprir com seu

papel a Administração Pública possui um tratamento especial, onde são-lhe outorgados

prerrogativas e privilégios.

O trabalho se propõe questionar a visão tradicionalista que impõe o interesse

público de forma absoluta, desprezando as demandas individuais como se esse indivíduo não

fizesse parte da própria coletividade.

2 DESENVOLVIMENTO

Em primeiro lugar faz-se necessário conceituar a Supremacia do Interesse Público

como sendo a “noção de que a Administração Pública deve exercer suas funções voltada para

beneficiar a coletividade, que é o fim último do Estado, de modo que envide esforços sempre

no sentido de propiciar o bem-estar social em todos os seus segmentos”4. Esboça-se então o

papel primordial da Administração Pública que é o de regulamentar as relações entre os

indivíduos de uma sociedade com o fim de equilibrar as relações e mediar os conflitos

buscando um convívio social harmônico.

O problema começa a delinear-se quando a supremacia do interesse público

assume ares de dogma e avança sobre direitos fundamentais dos indivíduos desrespeitando-os

e causando injustiças em nome do interesse da coletividade. A intensificação desse

pensamento ocorreu principalmente na década de 1960 com o golpe militar. O que se torna

evidente com a passagem do tempo é que Administração Pública se utiliza desse princípio

basilar para esculpir uma série de proteções ou prerrogativas a seu favor que distanciam-na no

tratamento dado aos civis.

O processo da ponderação de princípios é caracterizado pela prática analítica do

STF que usaria como principal critério o princípio da proporcionalidade para relativizar a

supremacia do interesse público em face da esfera privada. Mas o que se detecta é um tímido

passo do STF nesse sentido e a prevalência da sacralização do princípio em estudo. Nesse

sentido afirma LOUBET5:

[...] convém insistir que o alicerce já maciço do Direito Administrativo, construído a mão firme por grandes publicistas, finca-se em duas premissas basilares, a saber, nos princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e da

4 LOUBET, Wilson Vieira. O princípio da indisponibilidade do interesse público e a administração consensual. Brasília: Consulex, 2009, p.46.

5 Idem, p. 49.

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indisponibilidade dos interesses públicos, que serviriam como vigas mestras de todo o regime jurídico do Estado. Tão indispensáveis esses primados ao estudo da matéria que se chega a afirmar que eles aglutinam todo o sistema jurídico-administrativo.No curso dessa idéia sedimentada entre os cultores do Direito Público, notadamente do Direito Administrativo, a Administração Pública se encontraria numa posição de potestade sobre qualquer cidadão ou pessoa jurídica, na medida em que os interesses do particular haveriam de ceder diante da noção de que aquilo que é público tem maior relevância ou importância jurídica, de modo que, colocados em confronto o coletivo, o interesse do Estado prevaleceria em qualquer circunstância.

Essa potestade vem sendo discutida na doutrina visto que desde 1988 com o

advento da atual Constituição Federal, uma série de princípios e normas foram editados e

consagrados no intuito de respeitar a individualidade, os direitos privados e coletivos e

estabelecer os limites da atuação estatal.

Mas o que seria interesse público afinal? Celso Antônio Bandeira de Mello

destaca que não se pode pensar nessa categoria jurídica sem adequá-lo aos interesses dos

particulares, como delineado a seguir:

[...]existe, de um lado, o interesse individual, particular, atinente as conveniências de cada um no que concerne aos assuntos de sua vida particular – interesse, este, que é o da pessoa ou grupo de pessoas singularmente consideradas - , e que, de par com isto, existe também o interesse igualmente pessoal destas mesmas pessoas ou grupos, mas que comparecem enquanto partícipes de uma coletividade maior na qual estão inseridos, tal como nela estiveram os que os precederam e nela estarão os que virão a sucedê-los nas gerações futuras. Pois bem, é este último interesse o que nomeamos de interesse do todo ou interesse público. Não é, portanto, de forma alguma, um interesse constituído autonomamente, dissociado do interesse das partes e, pois, passível de ser tomado como categoria jurídica que possa ser erigida irrelatamente aos interesses individuais, pois em fim de contas, ele nada mais é que uma faceta dos interesses dos indivíduos: aquela que se manifesta enquanto estes (...) comparecem em tal qualidade. Então, dito interesse, o público (...) só se justifica na medida em que se constitui em veículo de realização dos interesses das partes que o integram no presente e das que o integrarão no futuro.6

Depreende-se da citação que o interesse coletivo se confunde com o privado

carecendo que o judiciário sopese o direito na análise do caso concreto sem o vício da

interpretação unilateral que tem-se adotado do instituto da supremacia do interesse público

sobre o privado. Não existe, portanto, contradição entre os interesses do particular e o do

público. O interesse público merece amparo do ordenamento jurídico por ser a um só tempo

interesse de todos e de ninguém de forma isolada.

6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 52.

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Importa então distinguir que a Administração Pública não é a titular do interesse

público, mas sim o povo. Partindo dessa premissa a tutela do interesse público não é entregue

a Administração para que dela faça o que bem lhe aprouver. A atuação estatal é delimitada

constitucionalmente no sentido de atuar somente dentro da legalidade.

Deve-se ressaltar, ainda, que o Direito é uma ciência de cunho interpretativo, em

que a análise e a ponderação de seus valores, regras e princípios devem estar vinculados a

situação fática introduzida pela provocação judicial.

Tais características demonstram a abertura do sistema jurídico, que permite

verificar o direito como um sistema dinâmico, em constante evolução e construção, e que

estabelece um diálogo permanente entre seus princípios, que muitas vezes conduzirá a um

choque entre eles.

Tanto regras, quanto princípios são considerados pela maioria da doutrina como

normas, tendo, portanto força coativa. Nesse sentido, infindáveis são os casos de ambigüidade

e contradição presentes no ordenamento e não raro o enfrentamento entre princípios se

apresentará como afere Eros Grau7:

A tensão entre princípios é própria ao sistema jurídico, sempre, desde sempre tem sido assim. O que torna complexa a compreensão dessa circunstância é o fato de o pensamento tradicional ensinar que o direito é dotado de uma universalidade plena (ele é abstrato e geral), na qual não cabem exceções.Mas é precisamente o inverso disso o que se dá. A inserção do direito no mundo da vida, mediante a sua interpretação/aplicação, opera-se em plano que não se pode particularizar senão mediante a exceção, caso a caso. Os mais velhos já o haviam percebido.

Dessa forma, observa-se ser impossível falar em normas constitucionais, e em

especial em princípios constitucionais, com sentido unívoco, com fórmulas e soluções prontas

aos possíveis conflitos que se apresentarão. Na medida em que o neoconstitucionalismo

trouxe à tona uma nova hermenêutica constitucional, focada em uma perspectiva

principiológica do Direito, ocorre evidentemente a abertura e o diálogo desses preceitos como

uma constante no processo interpretativo.

Isto porque, no que concerne às regras, que são mais objetivas e específicas, a

solução para a hipótese de colisão encontra-se, segundo Ronald Dworkin8, a maneira do tudo

ou nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a

7 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 52.

8 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes,

2002, p. 39.

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resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida e neste caso em nada contribui para a

decisão.

Demonstra-se assim, que nada em matéria de lei ou do direito pode ser visto sem

uma boa dose de flexibilidade, pois, ao caso concreto há que se apreciar as distintas nuances

que desenham a problemática e avaliar em uma dada situação para que lado pesará a balança

da justiça.

Diante das idéias expostas e delineadas gradativamente a partir da revolução no

direito contemporâneo nesses vinte e poucos anos de nossa Constituição, verifica-se que

grandes transformações foram operadas no conhecimento convencional do direito

constitucional, entre as quais, inserem-se o reconhecimento da força normativa da

Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova

interpretação constitucional. Essas transformações permitiram, no plano prático, que o Direito

passasse a enfrentar novas questões entre as quais, a colisão de princípios constitucionais.

Aprofundando na temática da ponderação de princípios ou “jogos de princípios”

nas palavras de Eros Grau, um princípio não se sobrepõe a outro de forma aleatória ou por

uma hierarquia previamente fixa, é, pois, preciso o estudo de caso e do seu contexto para

averiguar a necessidade de afastar ou aproximar um princípio da solução de uma lide. Sobre

isso, afirma Grau:

[...] para exemplificar, teremos que algumas vezes a opção por determinada decisão é estruturada sob a prevalência do princípio do interesse público sobre o princípio do direito adquirido, ou vice-versa.Suponha-se tenha uma lei concedido incentivos ao exercício de atividades econômicas em um certo âmbito regional. Posteriormente, lei nova passa a ordenar setorialmente o exercício de determinada atividade, de modo a operar a revogação daquela no que respeita às atividades empreendidas no setor considerado pela nova lei. Interesse público, de um lado, estará a impor a pronta suspensão do gozo pelos agentes econômicos que exercem aquela determinada atividade, no âmbito regional referido pela primeira lei, dos incentivos de que vinham desfrutando. De outra parte, contudo, o princípio do direito adquirido tenderá, vigorosamente, a justificar solução oposta, ainda que adversa ao que prescreve o princípio do interesse público. (...) Como se poderia decidir questão como tal? (...)A questão, no entanto, deve ser solucionada de modo a que atuem minimamente quanto possível, como determinantes da decisão adotada, os conceitos e preconceitos do intérprete.Isso será alcançado na medida em que, especialmente quando se cuide de interpretação de princípios dispostos no nível constitucional – e tal o caso do interesse público e do adquirido -, o interprete adequadamente os pondere em cada situação, apenas atribuindo peso mais elevado a um deles na medida em que a compatibilização entre ambos resulte inteiramente inviável.

Diante da explanação do ex-ministro do STF, entende-se que deve-se superar o

entendimento de direito potestativo da supremacia do interesse público buscando moldar o

entendimento com vistas a favorecer o coletivo em seus interesses individuais.

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Essas críticas servem para fomentar a discussão e sinalizam para a necessidade de

uma compreensão do Direito à luz do paradigma procedimental do Estado democrático de

Direito.

A interpretação e aplicação da ordem jurídica vigente passa a ser delineada por

uma teoria de justiça, que abriga a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de

suas relações com valores e regras, a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica,

a formação de uma nova hermenêutica constitucional e o desenvolvimento de uma teoria de

direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana, entendendo que o

privativo desborda para o coletivo.

3 CONCLUSÃO

A aplicação do direito, no que concerne a ponderação de princípios pelos

membros do STF, não pode ocorrer de forma discricionária, nem aleatória. Os princípios

devem ser o sustentáculo dessas decisões após a análise minuciosa do caso concreto. Há que

se ponderar o conteúdo do princípio, em análise, numa tentativa de atribuir conforme o

contexto a quem cabe o direito e não se apegar a interpretação consubstanciada em

dogmatismos que engessam a prática jurídica pautada na ética.

Seguindo esta lógica de raciocínio, há de se considerar que o conceito de interesse

público deve afastar-se ao máximo de discursos retóricos que ampliem demasiadamente o

papel estatal focando numa posição unilateral que distancia o interesse público do interesse

dos indivíduos, de forma que estes sucumbam perante aqueles.

A idéia de cidadania não deve mais ser apreciada sob uma ótica meramente

política, mas deve ser operacionalizada com enfoque nos verdadeiros preceitos encartados

pela Carta Magna, buscando uma postura que favoreça os mais carentes de nossa sociedade,

visto que o conceito meramente político deixa vaga e imprecisa a verdadeira idéia e conteúdos

éticos do princípio da supremacia do interesse público.

Finalmente é preciso repensar um novo modelo teórico ao princípio da supremacia

do interesse público, que se aproxime mais dos anseios sociais, de modo a prestigiar e a fazer

valer os direitos e garantias individuais determinados no texto da Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

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LOUBET, Wilson Vieira. O princípio da indisponibilidade do interesse público e a

administração consensual. Brasília: Consulex, 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.