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RSP 413 Revista do Serviço Público Brasília 63 (4): 413-434 out/dez 2012 Robert Bonifácio e Rogério Schlegel Panorama e determinantes da satisfação com os serviços públicos no Brasil Robert Bonifácio e Rogério Schlegel Introdução A avaliação que o brasileiro faz dos serviços públicos é tema pouco explora- do em estudos acadêmicos no Brasil, embora tenha características que justifica- riam atenção especial. De um lado, essa avaliação é um indicador relevante em termos de responsividade porque representa o grau de satisfação do cidadão com a forma como o Estado cumpre algumas de suas tarefas centrais, propician- do serviços como saúde e educação a partir dos impostos extraídos da socieda- de. De outro lado, esse é um insumo decisivo para a legitimidade democrática segundo diferentes abordagens teóricas. Os serviços públicos são a face mais concreta do Estado e a principal vitrine do desempenho governamental, de for- ma que sua avaliação é capaz de impactar de forma indireta a confiança nos políticos e no Executivo (LISTHAUG; WIBERG, 1998). Nas democracias, cabe aos governantes o papel de formular e implementar políticas públicas, e a satisfação dos cidadãos com essas iniciativas é considerada

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413Revista do Serviço Público Brasília 63 (4): 413-434 out/dez 2012

Robert Bonifácio e Rogério Schlegel

Panorama e determinantesda satisfação com os serviços

públicos no Brasil

Robert Bonifácio e Rogério Schlegel

Introdução

A avaliação que o brasileiro faz dos serviços públicos é tema pouco explora-

do em estudos acadêmicos no Brasil, embora tenha características que justifica-

riam atenção especial. De um lado, essa avaliação é um indicador relevante em

termos de responsividade porque representa o grau de satisfação do cidadão

com a forma como o Estado cumpre algumas de suas tarefas centrais, propician-

do serviços como saúde e educação a partir dos impostos extraídos da socieda-

de. De outro lado, esse é um insumo decisivo para a legitimidade democrática

segundo diferentes abordagens teóricas. Os serviços públicos são a face mais

concreta do Estado e a principal vitrine do desempenho governamental, de for-

ma que sua avaliação é capaz de impactar de forma indireta a confiança nos

políticos e no Executivo (LISTHAUG; WIBERG, 1998).

Nas democracias, cabe aos governantes o papel de formular e implementar

políticas públicas, e a satisfação dos cidadãos com essas iniciativas é considerada

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Panorama e determinantes da satisfação com os serviços públicos no Brasil

relevante por impactar a escolha eleitorale contribuir para a sustentação ou substi-tuição do grupo político no poder. Subs-tantivamente, avaliações positivas sobreserviços públicos também são umindicativo de que ações do poder públicopara minimizar problemas e melhorar avida dos cidadãos estão sendo bem-suce-didas. Em última análise, a avaliação dosserviços públicos é dimensão indispen-sável na análise da qualidade de umademocracia, por significar o quantogovernos e instituições são responsivoscom as demandas e preferências doscidadãos (DIAMOND; MORLINO, 2004,p. 21-22). Apesar disso, a satisfação comos serviços públicos não tem recebido aatenção que merece da pesquisa brasileira.

Este artigo pretende contribuir paraminimizar essa lacuna e tem doisobjetivos: apresentar avaliação dos servi-ços públicos a partir de dados empíricose avançar no entendimento de seusdeterminantes. Um desafio especial foiencontrar pesquisas de opinião que con-templem o tema e permitam a exploraçãode seus microdados com análises estatís-ticas mais complexas – o número de surveysque preenchem os pré-requisitos destetrabalho mostrou-se reduzido. Além dis-so, o Brasil é uma federação com dese-nho institucional repleto de particulari-dades1: a distribuição das atribuiçõesestatais tem o formato que se convencio-nou chamar de marble cake (“bolo demármore”), com governo central, estadose municípios compartilhando responsabi-lidades em diversos setores; os municípiossão entes federativos independentes,podendo se relacionar diretamente com ogoverno central, sem a intermediação dosestados; em áreas como saúde, educaçãoe política social, há grande descentra-lização na implementação de políticas,

mas seguindo parâmetros estabelecidosem pormenorizada regulação federal. Essariqueza e complexidade em geral escapamaos questionários dos surveys disponíveis,que, com frequência, tratam os serviçospúblicos sem discriminar a esfera daFederação a que estão ligados.

Nossa avaliação é que, considerando acompreensão incipiente que se tem sobreo objeto no Brasil, essas limitações nãoprejudicam o caráter exploratório desteestudo. As evidências levantadas indicamque os cidadãos mais escolarizados e infor-mados estão mais insatisfeitos com osserviços públicos e que o contato diretocom os serviços pode impactar negativa-mente a percepção do brasileiro sobre seufuncionamento.

Além desta introdução, este artigocontém quatro seções. Inicialmente apre-sentamos os dados com que trabalhamose traçamos um panorama sobre a percepçãodos brasileiros em relação a diversos tiposde serviços públicos. Na segunda seção,expomos e discutimos alguns dos prin-cipais marcos teóricos a respeito dasorientações individuais em relação às insti-tuições públicas. Em seguida, exploramostestes estatísticos visando a relacionarvariáveis explicativas com a satisfação comos serviços públicos. Nossas consideraçõessobre os resultados encontrados aparecemna quarta seção, que finaliza o texto.

Panorama da satisfação dosbrasileiros com os serviços públicos

Neste trabalho, a avaliação dos serviçospúblicos foi construída a partir da percep-ção que o cidadão tem sobre eles. Foramprocuradas pesquisas sobre o tema em doisdos principais órgãos armazenadoresde bancos de dados com finalidadesacadêmicas do Brasil – o Consórcio de

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Informações Sociais (CIS), vinculado àUniversidade de São Paulo, e o Centro deEstudos em Opinião Pública (Cesop) , vin-culado à Universidade Estadual de Cam-pinas. Surveys passíveis de uso nestetrabalho se mostraram raros. De formageral, as pesquisas aplicam questões decunho avaliativo tendo como referênciainstituições e atores políticos, como o Con-gresso Nacional, os partidos políticos e opresidente da República. A escassez depesquisas que avaliem a percepção sobreos serviços públicos implica limitação emtermos de variáveis utilizáveis na análise ereduz as oportunidades para comparaçãodos resultados no tempo.

Foram selecionados para uso os bancosde dados dos seguintes surveys:

1) “Avaliação de seis meses de governodo presidente Itamar Franco”, realizado peloInstituto de Pesquisas Datafolha em marçode 1993. A abrangência da pesquisa é nacio-nal e foram entrevistadas 2.526 pessoas.

2) “Estudo eleitoral brasileiro (ESEB)”,realizado com financiamento da Coorde-nadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (Capes). Trata-se de umapesquisa de opinião aplicada com 2.514pessoas de todo o Brasil em período apósa realização das eleições de 2002.

3) “A desconfiança dos cidadãos dasinstituições democráticas”, pesquisa frutodo trabalho de diversos pesquisadoresfiliados à época à Universidade de SãoPaulo e Universidade Estadual deCampinas, sob coordenação dos Profes-sores José Álvaro Moisés (USP) e RachelMeneguello (Unicamp). O financiamentoda pesquisa se deu por meio da Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado de SãoPaulo (Fapesp) e foram entrevistadas 2004pessoas em junho de 2006.

4) “Barômetro das Américas”, refe-rente ao Brasil nos anos de 2008 e 2010.

Trata-se de uma série de pesquisas deopinião iniciada em meados da década de1990 e que tem como foco os países daAmérica Latina. O Latin America PublicOpinion Project (Lapop), órgão atualmentepertencente à Universidade de Vanderbilt(EUA), é o responsável pela realização dapesquisa. A abrangência é nacional e onúmero de entrevistados em 2008 foi de1.497 e, em 2010, de 2.482.

Avaliações dos serviços públicosno Brasil

No Brasil, há sinais de que a percep-ção sobre os serviços públicos tenha tidoalterações significativas nas últimasdécadas. Evidências nesse sentidoaparecem na análise de variáveis sobreavaliações gerais dos serviços públicos, a

“... o cidadãotende a criarpercepções sobreos serviços emgeral a partirda qualidadeque atribui aosserviços queefetivamenteconhece.”

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respeito de avaliações individualizadas deserviços específicos e relativas a notasatribuídas à qualidade de serviços.

Nas pesquisas de 1993 e 2006, osentrevistados foram questionados sobreos serviços públicos sem indicação deprogramas, ações específicas ou esfera dafederação responsável, gerando indicadorde caráter geral, segmentado por setor. Osentrevistados avaliaram os serviços dehabitação, polícia, saúde, educação,transportes, seguro-desemprego, tribunaisde Justiça, esgotos e saneamento e previ-dência social. As variáveis utilizadas emambas as pesquisas apresentam redação ealternativas de resposta semelhantes2, oque permite a comparação dos dados.Apenas três casos não são passíveis decomparação: tribunais de Justiça, presen-tes apenas nos dados de 1993, previdên-cia social e redes de esgotos e saneamento,encontrados somente na pesquisa de20063.

O resultado mais evidente é a elevaçãoda percepção favorável no segundomomento. Em todos os setores compa-

rados, a avaliação positiva teve percentuaismaiores em 2006 do que em 1993. Asmaiores diferenças aparecem em educação(elevação de 28,6% na percepção posi-tiva), habitação (25%), transportes(24,5%) e seguro-desemprego (23,2%).Mas também saúde (17,75%) e polícia(16%) tiveram incremento de avaliaçõespositivas nesse intervalo de 17 anos.

Com isso, houve mudança notável nadireção geral das avaliações nas duaspesquisas: em 1993, há evidente predomi-nância das avaliações negativas e, em 2006,ocorre equilíbrio nas avaliações entre osserviços. Na primeira pesquisa citada, apenasos serviços de transportes e os oferecidospelos tribunais de Justiça não apresentam aavaliação negativa como preponderante.Nesses casos, porém, a alternativa maismencionada é a avaliação regular e não apositiva, o que indica que esses serviços nãoeram necessariamente avaliados positi-vamente. Já na pesquisa de 2006, habitação,educação, transportes e seguro-desempregoapresentam maiores percentuais deavaliações positivas, enquanto os serviços

Gráfico 1: Avaliação de serviços públicos em 1993 (em %)

Fonte: “Avaliação de seis meses de governo do presidente Itamar Franco”, Datafolha/1993

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de polícia, saúde, esgotos e saneamento eprevidência social possuem maiores indica-ções de avaliações negativas.

É importante frisarmos que, de 1993para 2006, houve diversas mudanças naspolíticas públicas, especialmente as deresponsabilidade do governo federal. Hárelativo consenso na literatura de que essasmudanças levaram a melhorias dascondições de vida dos cidadãos. Houvecombate decisivo à inflação e ao descon-trole das contas públicas, com a implan-tação do Plano Real; foi consolidada redede proteção social que tem como carro-chefe o Programa Bolsa-Família, queenvolve transferência direta de renda aoscidadãos de renda baixa; o salário mínimoteve sucessivos aumentos reais. Osimpactos diretos – via reorganização damáquina do Estado e aumento da disponi-bilidade orçamentária – e indiretos – comalterações na percepção da população sobreo Estado, favorecida pelo aumento da

riqueza e redução da pobreza e da desi-gualdade – podem explicar esse primeiroachado.

Ainda é relevante mencionar a flutuaçãoobservada na avaliação regular e a questãometodológica que pode ajudar a entenderisso. Nos dados de 1993, os níveis derespostas “regular” variam de 17% a 27,9%das respostas válidas, enquanto em 2006 avariação é entre 9,24% e 15,2%, depen-dendo do setor. Ou seja, o maior percentualdesse tipo de resposta na pesquisa maisrecente sequer alcança o menor percentualexistente na pesquisa de 1993. Uma expli-cação para isso pode residir no fato de que,na pesquisa mais antiga, a opção de resposta“regular” era dada como alternativa aoentrevistado, enquanto, na pesquisa de 2006,tal opção de resposta era espontânea, ou seja,o entrevistado não sabia de sua possibili-dade, apenas a indicava caso a achasse a maisconveniente para o questionamento feito.Segundo Fowler Junior (1995), é comum o

Gráfico 2: Avaliação de serviços públicos em 2006 (em %)

Fonte: A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas/2006

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entrevistado ficar “em cima do muro”quando é colocado para avaliar e/ou julgaralgo ou alguém. Por isso, quando se desejaextrair dos entrevistados posicionamentosmais esclarecedores e objetivos, é desejávelnão citar como alternativa de respostaopções que expressam posicionamento demeio termo.

Avaliações específicas de serviçospúblicos

Em duas das pesquisas de opiniãoutilizadas, as avaliações têm caráter maisespecífico, referindo-se a serviços sobresponsabilidade da administração muni-cipal. No Eseb 2002, a maioria dos serviçosavaliados tem esse traço, ainda que oenunciado da questão não mencione issodiretamente. Já no Barômetro das Américasde 2008 e 2010, o questionário se refereexpressamente aos serviços prestados pelaprefeitura municipal4.

A partir da leitura de dados do grá-fico 3, observamos que as consideraçõessobre todos os serviços avaliados sãopredominantemente positivas. Essaconstatação encontra maior sustentaçãonos dados relativos à coleta de lixo, emque 71,6% dos entrevistados consideramque a qualidade do serviço merece umanota alta, compreendida entre 7 e 10. Ocontrole de camelôs, mesas de bar ebancas de lojas é o serviço com menorpercentual de notas altas (34,5%) e aavaliação dos serviços de saúde é a queapresenta menor diferença entre asmaiores e menores notas (1,6%).

Os resultados apresentam tendênciaoposta às avaliações gerais de serviçospúblicos, presentes na pesquisa de 1993,e também diferem do equilíbrio das ava-liações gerais indicadas na pesquisa de2006.

Quando nos atemos aos resultadosreferentes às avaliações de serviços públicosmunicipais em 2008 e 2010 (Gráfico 4), atendência de avaliação positiva também semostra presente. No primeiro ano citado,mais da metade dos entrevistados (51,3%)dá indicações positivas quanto à qualidadedos serviços públicos. Em 2010, o cenárioé um pouco distinto, já que as avaliaçõesregulares predominam (42,4%), mas asavaliações positivas ficam em segundo lugar(32,9%).

Qualidade dos serviços públicosem avaliação comparativa

Algumas variáveis usadas para medir apercepção do cidadão sobre os serviçospúblicos fogem do usual, ou seja, da capta-ção das percepções de qualidade dosserviços, adicionando um elemento externono qual o entrevistador deve se basear parafazer sua avaliação. No Eseb 2002, encon-tramos duas variáveis com essa carac-terística. Uma delas busca extrair dosentrevistados uma nota ao serviço públicobrasileiro, tendo como base de comparaçãouma rede de serviço público ideal, nota 10,e uma rede pior possível, nota zero5.Observamos que as indicações concentram-se com mais intensidade nas notas que en-tendemos pertencer à categoria regular deavaliação (de 4 a 6) e que as notas queexpressam os extremos positivo e negativo(10 e 0, respectivamente) estão longe deserem as mais citadas. Os valores da moda(5,0) e da média (5,59) reforçam a tendênciade visão de qualidade regular dos serviçospúblicos nessa avaliação comparativa.

Outra variável trata dos serviçospúblicos levando em conta o que é cobradocomo imposto, explicitando que osprimeiros são mantidos com os tributosarrecadados. O entrevistado é questionado

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Gráfico 3: Avaliações de serviços públicos específicos (2002)

Fonte: Eseb/2002

Fonte: Barômetro das Américas/2008 e 2010

Gráfico 4: Avaliação dos serviços públicos municipais em 2008 e 2010 (em %)

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Fonte: Eseb/2002

Gráfico 6: Avaliação dos impostos conforme qualidade dos serviços públicos(2002, em %)

Gráfico 5: Qualidade dos serviços públicos comparados à rede ideal (2002)

Fonte: Eseb/2002Nota: Nesse gráfico, os valores das notas são percentuais e o valor da média é numérico. Respostas “não sei”e “não quero responder” dadas pelos entrevistados foram excluídas do conjunto de respostas válidas.

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se acha que os impostos são caros oubaratos, considerando a qualidade dosserviços públicos ofertados. Os dadosrevelam insatisfação: mais de 3/4 dosentrevistados consideram pagar muito caropelos impostos.

Determinantes da satisfaçãocom os serviços públicos

Este estudo pretende contribuir parao entendimento mais apurado da percep-ção do cidadão sobre os serviços públicos– área em que, como já observamos, hárelativa escassez de trabalhos acadêmicossobre o contexto brasileiro. Na CiênciaPolítica, estudos que visam a entender asavaliações individuais privilegiam as insti-tuições e atores políticos, como oCongresso Nacional, partidos políticos erepresentantes políticos. Esses trabalhosinspiram nossas hipóteses básicas e dese-nho de pesquisa, por tratarem de aspectoscorrelatos da percepção individual. Trêsgrupos de determinantes do comporta-mento do cidadão merecem destaquenessas pesquisas e são explorados em nos-so trabalho: características socioeconô-micas e demográficas; acesso às infor-mações e conteúdos midiáticos; e o contatocom serviços públicos.

Características socioeconômicase demográficas

A condição socioeconômica do cida-dão merece ser observada, sobretudo porsua ligação com a hipótese do cidadãocrítico, avançada por autores comoInglehart (1999) e Norris (1999). O argu-mento central de ambos é o de que amobilização cognitiva gera cidadãos comolhares mais rigorosos para as instituiçõese o funcionamento dos governos. Norris

consolidou a expressão “cidadão crítico”(critical citizen) para designar o tipo beminformado que avalia positivamente ademocracia, mas é severo no julgamentodo funcionamento concreto de suasagências e regras. Ele seria fruto de maiorescolarização e informação sobre o sistemapolítico e os negócios públicos, detectadasespecialmente nos países pós-industriais ede democracia mais antiga. Inglehartteorizou sobre o pós-materialismo, umasíndrome atitudinal que teria emergido emconsequência do desenvolvimento econô-mico e que envolve comportamento maisquestionador em relação a instituições dediversas características, inclusive asgovernamentais.

Moisés e Carneiro (2010) sustentamque, para entender a desconfiança políticados cidadãos de alguns países da AméricaLatina, é necessário ter entre os elementosexplicativos os relativos à situaçãosocioeconômica das pessoas. De modomais preciso, seus achados indicam quegênero e escolaridade são os fatores maisimportantes desse conjunto de variáveis;são os homens e os mais instruídos aque-les que possuem maiores níveis de descon-fiança. Para os autores, isso indica que osmenos instruídos e, consequentemente,com baixos níveis de cognição, apresen-tam perspectiva mais acrítica do funciona-mento das instituições democráticas, ocor-rendo o inverso com os mais escolarizados.

O trabalho de Figueiredo, Torres eBichir (2006), por sua vez, constatou quea avaliação dos serviços públicos tornava-se mais positiva à medida que diminuía aescolaridade do entrevistado nos surveys queutilizaram para avaliar a conjuntura socialbrasileira – uma edição de 1991, coorde-nada por Faria (1992), e outra em 2004,tendo como universo amostral moradoresdos domicílios entre os 40% mais pobres

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da cidade de São Paulo. “As notas atribuídasaos serviços foram relativamente elevadasnos dois surveys, e tanto mais elevadas quan-to menor a escolaridade” (FIGUEIREDO;TORRES; BICHIR, 2006, p. 179).

Nossa expectativa inicial, portanto, éque cidadãos com posicionamento maiscentral em termos sociais ou econômicos– com melhor renda ou residindo emmunicípios maiores –, assim como aquelescom atributos pessoais que representammaior mobilização cognitiva, como escola-ridade, apresentem julgamentos mais nega-tivos dos serviços públicos. Por conta disso,analisaremos como o perfil socioeconô-mico e demográfico impacta a satisfaçãocom os serviços públicos.

Acessos a conteúdos e informaçõesmidiáticas

A mídia é ingrediente que tambémmerece atenção especial quando se trata deentender as relações que o cidadão estabe-lece com as instituições. O potencial damídia para influenciar a percepção dosserviços públicos guarda relação com acentralidade que a comunicação de massaocupa nas sociedades contemporâneas.

Importante observar que, no que dizrespeito a instituições, o sentido dos efeitosespecíficos da mídia não foi estabelecidode forma inequívoca pela literatura da área.De um lado, a acusação de que os meiosde comunicação favorecem a desconfiançapolítica e a desmobilização tem o endossode gerações de pesquisadores (ROBINSON,1976; PATTERSON, 1993; CAPELLA; JAMIESON,1997; PUTNAM, 1995; 2001). Nessa aborda-gem, o principal argumento é que a mídiacria uma representação das instituições queé especialmente crítica e negativa. Noentanto, há evidências de que a exposiçãoà mídia pode afetar o indivíduo também

de forma positiva. Ela ampliaria seu nívelde informação, interesse pela política eeficácia subjetiva – isto é, a crença de queé capaz de influir na política – e diminuiriaos custos para participar da vida pública.Isso se verificaria de maneira mais consis-tente no caso da exposição à mídiajornalística, e não à mídia em geral(NEWTON, 1999; NORRIS, 1996; 2000).

No Brasil, estudos levantaram evi-dências de que a comunicação de massanão afeta o apoio às instituições em apenasum sentido. Schlegel (2005) encontrouassociação positiva entre exposição à mídiajornalística e julgamento “de fundo”, nãoimediato6, de políticos e partidos em 2002.No caso da avaliação da atuação de Con-gresso, governo e partidos, a associação foinegativa. Mesquita (2008) constatou que,mesmo diante de cobertura com valêncianegativa para o governo federal envolvendoo escândalo do Mensalão em 2005, aaudiência ao Jornal Nacional7, em 2006,estava positivamente associada à satisfaçãocom a democracia e à confiança nogoverno, no presidente da República, nasForças Armadas, no Poder Judiciário, nosempresários e nos bombeiros. O trabalhotambém apurou influência do patamar deaudiência à televisão em geral, medida emhoras, sobre os efeitos do Jornal Nacional.O impacto do telejornal foi mais intensoquando era maior sua participação na“dieta diária” de consumo de televisão doindivíduo – um achado indicando apertinência de discriminar entre uso damídia em geral e uso da mídia jornalísticano Brasil.

Na avaliação do papel da mídia comofator com impacto na avaliação dos servi-ços públicos, consideramos fundamentallevar em conta que a exposição aos meiosde comunicação é mediada pela experiênciae pelos valores pessoais. Ao sintetizar

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décadas de estudos empíricos, autorescomo Graber (1989) e Klapper (1990)ressaltam que a influência da mídia sobreas opiniões é menor nos casos em que osindivíduos possuem contato direto com oobjeto em análise. A influência da mídiatambém seria mais reduzida em situaçõesem que há opiniões formadas e elas envol-vem valores centrais do indivíduo. Nessescasos, o usuário de mídia pode até se exporseletivamente, evitando mensagens queconflitem com suas convicções.

Espera-se que maior interesse em seinformar esteja associado à avaliação maiscrítica dos serviços públicos, que maiorexposição à mídia em geral também incline apercepção a se tornar mais negativa e que,por outro lado, a exposição à mídia jornalísticafavoreça visão mais positiva sobre o funcio-namento das agências do Estado.

Contatos com os serviços públicos

O uso efetivo de serviços públicos é adimensão mais instrumental que iremosavaliar. Estudo do Instituto Mori (2003)apurou que contatos diretos têm efeitosdestacados sobre a confiança depositada emorganizações prestadoras de serviços públi-cos do Reino Unido. O trabalho identificouque cidadãos britânicos que tiveram con-tato direto com serviços de hospital público,conselhos locais e polícia são mais confian-tes em relação a esses serviços. A associaçãose verificou independentemente do contatoter sido considerado positivo ou negativopelo cidadão (informação não disponível noestudo). Mas é plausível supor que uma oumais experiências positivas com dadoserviço público tendam a melhorar apercepção do cidadão sobre essa agênciacomo um todo.

Para o Brasil, Bonifácio (2009) avaliouo impacto da experiência pessoal para a

percepção sobre saúde pública, polícia etransportes, e os resultados não indicaraminfluência com sentido claro. No caso dapolícia, aqueles que usaram seus serviçosos avaliaram mais negativamente; para hos-pitais públicos, o uso teve impacto posi-tivo na avaliação do cidadão; e não houveassociação com significância estatística parao caso do transporte público.

Também é plausível pensar que haja“contaminação” da avaliação de outrosserviços a partir da experiência vivida comuma determinada agência. A concepção deatalho cognitivo (POPKIN, 1994; LUPIA,2005) nos faz supor que o cidadão tende acriar percepções sobre os serviços em gerala partir da qualidade que atribui aos ser-viços que efetivamente conhece. Issosignifica que é realista imaginar que oscidadãos que se utilizam de transportepúblico e serviços de saúde pública tendema avaliar todos os demais serviços públicos,como segurança, limpeza e educação, combase na qualidade que atribuem aosserviços que efetivamente conhecem.

O acesso e uso dos serviços públicosforam observados com a presunção de quefavoreçam percepção mais positiva dofuncionamento das agências, a exemplo doque ocorre no Reino Unido (MORI, 2003).Embora existam grandes déficits na presta-ção desses serviços, mesmo em áreas demaior desenvolvimento das capacidadesestatais (FIGUEIREDO; TORRES; BICHIR,2006), acreditamos que o contato com osserviços públicos possa estar associado àavaliação mais positiva.

Procedimentos de análise eresultados

Nos testes empíricos, nos concen-tramos nos dados sobre percepção dosserviços públicos contidos na pesquisa de

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2006 – “A desconfiança dos cidadãos dasinstituições democráticas”. Esse banco dedados é o que contém o mais rico acervoentre os disponíveis, seja em relação àvariável dependente – é a que possui maiorquantidade de serviços postos em análise– ou às variáveis independentes – o con-junto de variáveis é o mais completo paraexplorar as conexões com característicasindividuais diversas.

Optamos por criar um indicador parao agregado das dimensões envolvidas – umíndice de satisfação com os serviçospúblicos em geral. Para isso, é necessáriocobrir duas condições: demonstrar as asso-ciações lógicas e estatísticas entre asvariáveis relativas à percepção dos serviços.O primeiro quesito é quase que evidente,uma vez que o Estado oferta todos essesserviços para a população, alguns de formauniversalizada e outros destinados a gruposespecíficos. Para demonstrar associaçãoestatística entre as variáveis, utilizamos oteste de análise fatorial8 com o método de

extração Principal Axis Factoring – especial-mente útil quando as variáveis nãoapresentam distribuição normal bem defi-nida, como é o caso (COSTELO; OSBORNE,2005). Também analisamos o alpha deCronbach, um indicador de consistência in-terna do fator. Quanto maior o valor doalpha, maior é a correlação entre os itensque compõem o fator e, por consequência,maior a correlação e inter-relacionamentoentre as variáveis (CRONBACH, 1951). Osresultados aparecem na Tabela 1.

Verificamos que há, de fato, umadimensão latente na percepção de todosos serviços públicos. As variáveis tiveramcarga sempre superior a 0,4 no fator prin-cipal, acima do limiar usualmente adota-do para validar a inclusão de variáveis emíndices (GARSON, 2010). O Alpha deCronbach acima de 0,8 aponta para eleva-da consistência interna entre as variáveise também ratifica a viabilidade de traba-lhar com um indicador sintético (GARSON,2011).

Tabela 1: Análise fatorial e Alpha de Cronbach da avaliação de serviços públicos

Fonte: A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas/2006

Fator 1

Habitação 0,614

Polícia 0,598

Saúde 0,719

Educação 0,689

Transportes públicos 0,601

Seguro-desemprego 0,482

Esgotos e saneamento 0,579

Previdência social 0,693

Alpha de Cronbach = 0,835

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O passo seguinte consistiu em dicoto-mizar as variáveis originais de avaliação deserviços públicos, de modo a atribuir valorzero às opções de resposta que indicamavaliação negativa (respostas “péssimo” e“ruim”) ou regular (resposta “regular”) eatribuir valor 1 às que indicam avaliaçãopositiva (respostas “ótimo” e “bom”).Combinar a avaliação média (regular) ànegativa se explica pela nossa opção emavaliar a satisfação com os serviços públicos.As respostas “não sei” e “não respondeu”foram excluídas da análise.

Por meio da soma simples das variáveisrecodificadas, chegamos ao índice desatisfação com os serviços públicos, comvalores de zero a oito. O índice foi poste-riormente classificado em três categoriasdefinidas arbitrariamente: valores de 0 a 2indicam os cidadãos “insatisfeitos”; de 3 a5, os “moderados”; e de 6 a 8, os brasileiros“satisfeitos” com os serviços do Estado.Essa opção mostrou de fato discriminar oscidadãos, gerando três grupos com propor-ções significativas. Há maior concentraçãono grupo dos insatisfeitos, com 41% da

amostra válida; em seguida aparecem osmoderados, com 34,1%; os satisfeitossomam 24,9% (Gráfico 7).

Após essa análise descritiva, passamospara a inferencial, utilizando modelos deregressão logística multinomial com ointuito de verificar, no conjunto devariáveis independentes, quais são estatis-ticamente significantes e quais os pesosrelativos de cada variável para explicar asatisfação dos cidadãos brasileiros comos serviços públicos. Trabalhamos comtrês grupos de variáveis independentes,descritos abaixo:

1) Características socioeconômicas e demo-gráficas: variáveis que indicam o tipo demunicípio em que habita o entrevistado (secapital, região metropolitana ou interior), suaescolaridade, renda familiar, sexo, idade ecor da pele;

2) Acesso a conteúdos e informaçõesmidiáticas: três variáveis que mensuramdimensões diferentes: a atenção dada anotícias de política na televisão; o consumodiário de televisão em geral e a exposiçãosemanal ao Jornal Nacional;

Gráfico 7: Índice de satisfação com os serviços públicos em 2006 (em %)

Fonte: A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas/2006

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3) Contato direto com os serviços públicos:variáveis que indicam se o indivíduo pro-curou algum órgão público municipal,estadual ou federal ao longo do ano ante-rior à realização da pesquisa e variáveis queregistram a utilização de três serviçospúblicos específicos (de transportes, políciae hospital público).

Os dados dos dois modelos deregressão logística multinomial estão orga-nizados de modo que a percepção doscidadãos insatisfeitos é a categoria de refe-rência. Assim, os efeitos das variáveis inde-pendentes em cada um dos modelos (umreferente aos moderados e outro, aosbrasileiros satisfeitos) têm de ser interpre-tados de forma comparada, sempre emrelação à avaliação mais negativa. Osresumos das regressões aparecem nosquadros 1 e 29.

Quatro variáveis explicativas apre-sentam significância estatística para apredição de um brasileiro que estamosqualificando como moderado: local deresidência; instrução, cor e atenção anotícias sobre política na televisão. Oscidadãos que moram em cidades que sãocapitais ou fazem parte da região metropo-litana apresentam 41,9% mais chances deserem moderados na percepção dosserviços públicos, quando comparadoscom aqueles que moram em cidades dointerior. Quanto à instrução, observamosque possuir ensino médio (incompleto oucompleto) diminui em 31,3% a chance deo entrevistado ser conformado, quandocomparado com os analfabetos ou pessoascom até o ensino primário incompleto. Adireção da razão de chance é a mesma nocaso dos que possuem ensino superior(incompleto ou completo), mas a intensi-dade é maior, atingindo a taxa de 47,9%.No que toca à cor da pele, os dadosapontam que os pardos apresentam 40,7%

mais chances de serem moderados, tendocomo referencial os pretos.

Há sinal evidente de que maior escola-ridade e informação – ou melhor, disposiçãode se informar, expressa pela variável rela-tiva à atenção dada pela pessoa às notíciassobre política – associam-se negativamenteà satisfação com os serviços públicos. Foiclara a tendência de os indivíduos com ins-trução mais elevada avaliarem pior osserviços públicos – justamente a dimensãosocioeconômica descrita nos trabalhos decampo como tendo maior associação coma mobilização cognitiva que marca o endu-recimento dos critérios de julgamento deórgãos e práticas do Estado.

Sinais na mesma direção foramobtidos no modelo de regressão da con-dição de satisfeito (Quadro 2). Pratica-mente todas as variáveis estatisticamentesignificantes se mantêm, e com efeitosubstancialmente mais forte nesse teste.Assim, escolaridade mostrou favorecercomportamento mais crítico, estimulan-do avaliação negativa em comparação àpositiva. Entre as variáveis de mídia,novamente foi “alguma ou muita atençãoàs notícias” sobre política na televisão quemostrou impactar a satisfação, diminuindoas chances de o indivíduo se mostrarsatisfeito com os serviços públicos.

Os resultados para local de residên-cia e cor da pele podem ser entendidoslevando em conta a oferta mais do que operfil da demanda pelos serviços públicos.Morar em áreas mais cosmopolitas, comoáreas metropolitanas, e ter pele parda apa-receram como favorecendo a condição demoderado em detrimento da condição deinsatisfeito, no primeiro modelo de regres-são. É plausível pensar que cidadãos quemoram em regiões de maior centralidadegeográfica – capitais e regiões metropo-litanas –, assim como em áreas com menor

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concentração de pessoas de pele negra,sejam atendidos por serviços de melhorqualidade. Isso ocorreria por conta dedesigualdades na distribuição espacial dasagências estatais ou da qualidade doatendimento que prestam – sendo as áreasmenos centrais e as mais habitadas porpessoas de pele negra associadas à maior

carência e precariedade de serviços. Comonosso estudo não se debruçou sobreindicadores objetivos para o desempenhodos serviços públicos, essa é uma hipótesea ser testada em estudos com desenhode pesquisa diferente, que possam quan-tificar o impacto do desempenho concre-to na avaliação subjetiva do cidadão.

Quadro 1: Preditores da condição de “moderado” (2006)

Fonte: A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas/2006

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Resta comentar ainda um achado rele-vante do segundo modelo analisado: umadas variáveis relativa ao contato pessoal ouacesso direto com os serviços públicosobteve significância estatística, indicandoque esse é quesito que diferencia a percep-ção do cidadão. Aqueles que afirmam terprocurado no ano anterior algum tipo de

serviço público – seja ele de qualquer esferagovernamental (federal, estadual ou muni-cipal) – apresentam 33,1% menos chancede estarem entre os satisfeitos. Ou seja, tercontato com os serviços públicos favorecepercepções mais negativas. É o contrário dosresultados obtidos pelo instituto Mori (2003)para o Reino Unido. A avaliação geral mais

Fonte: A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas/2006

Quadro 2: Preditores da condição de satisfeito (2006)

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negativa dos serviços públicos brasileiroscontribui para entender essa evidência.É possível pensar que, ao ter contato como serviço público de qualidade relativa-mente rebaixada existente no país, o cida-dão desenvolve percepção pior – e nãomelhor – dos préstimos das agênciasestatais.

Considerações finais

No balanço geral das evidências, aavaliação dos serviços públicos mostrouter se tornado mais favorável entre os anos1990 e a década passada. Os índicespositivos passaram a superar os negativos,tanto em avaliações genéricas (para o con-junto dos serviços) quanto em termosespecíficos (para setores determinados oua esfera municipal). Ainda assim, o cidadãojulga que os serviços deixam muito adesejar quando comparados a um “padrãoideal” ou se tomados como contrapartidade impostos tachados de “muito caros”por 3 em cada 4 brasileiros.

Quando passamos da leitura da situa-ção para a investigação dos determinantesda satisfação com os serviços públicos,identificamos que são os setores maisescolarizados e informados os que avaliammais negativamente os serviços prestados,o que sugere que a mobilização cognitiva

ampliada favorece uma relação de maiorceticismo diante da ação do Estado. Essasíndrome negativista em relação aosserviços também é encontrada entre aquelesque apresentam maior interesse por notíciassobre política. Já o contato com serviçospúblicos mostrou-se um elemento que pou-co incorpora poder explicativo, com ape-nas uma associação estatisticamentesignificante nos dois modelos postos emanálise. Cabe ressaltar, contudo, que sãopoucas as variáveis que medem esse aspec-to e, além disso, elas apenas se referem atrês tipos de serviços, enquanto o índice desatisfação incorpora oito. Faz-se necessá-rio ampliar informações a respeito para ter-mos maior esclarecimento analítico sobreessa relação.

Por fim, destacamos que investigaçõessobre as orientações individuais em relaçãoaos serviços públicos – em diversos aspec-tos – precisam ser ampliadas porque, numpaís dito como democrático, é essencial quese saiba o quanto os cidadãos estãosatisfeitos ou não com serviços que visama garantir sua sobrevivência ou melhorar aqualidade de vida. No momento, as tenta-tivas de aprofundar estudos nessa direçãoesbarram em limitações devido ao estreitoacervo de informações disponíveis.

(Artigo recebido em agosto de 2012. Versãofinal em dezembro de 2012).

Notas

1 Além do governo central, o País possui 27 estados, um Distrito Federal com autoridadeassemelhada à dos estados e mais de 5.500 municípios.

2 O enunciado das questões é o seguinte:- “De um modo geral, em termos de ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo, como você

avalia os seguintes serviços públicos mantidos pelo governo: habitação, polícia, etc.?” (1993).

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- “Como você avalia os serviços públicos do País? Em relação ao serviço de habitação,polícia, etc.), você acha que é ótimo, bom, ruim ou péssimo?” (2006).

Em ambos os casos, mantivemos a resposta “regular” e fizemos junções de respostas nosdemais casos, criando as seguintes categorias:

“ótimo” + “bom” = “avaliação positiva”;“péssimo” + “ruim” = “avaliação negativa”3 Todos os quadros, gráficos e tabela presentes neste artigo – com exceção do Gráfico 5

para o tipo de valor utilizado – expõem valores em formas de percentuais e desconsideram asrespostas “não sei” e “não quero responder” dadas pelos entrevistados, excluindo-as do conjun-to de respostas válidas.

4 O enunciado das questões é o seguinte:- Eseb 2002: “Vou citar alguns serviços e gostaria que o (a) senhor (a) desse uma nota de 0

a 10 para dizer o quanto está satisfeito com cada um deles. De 0 a 10, que nota o senhor (a) dápara (coleta de lixo, polícia, etc.).

- Barômetro das Américas 2008 e 2010: O (a) senhor (a) diria que os serviços que a prefei-tura oferece (coleta de lixo, iluminação nas ruas,..) para as pessoas são… muito bons/ bons/nem bons nem maus (regulares)/ maus/ muito maus (péssimos).

Em todos os casos, mantivemos a resposta “regular” e fizemos junções de respostas nosdemais casos, criando as seguintes categorias:

“ótimo” + “bom” = “avaliação positiva”;“péssimo” + “ruim” = “avaliação negativa”.5 Descrição da variável presente no Eseb 2002: “Agora, imagine um serviço público ideal,

perfeito, que seria nota 10, e um serviço público longe do ideal, que seria nota 0, que nota de 0a 10 o (a) senhor (a) daria para o serviço público brasileiro?”.

6 O índice que usou como variável dependente contemplava questões como a concordân-cia com a frase “políticos muito honestos não sabem governar” ou “os partidos só servem paradividir as pessoas”.

7 Trata-se do principal telejornal do País. Em 2006, 52% dos entrevistados no survey “Des-confiança nas instituições democráticas” assistiam ao Jornal Nacional quatro vezes ou mais porsemana e 89,2% assistiam ao menos uma vez por semana.

8 A análise fatorial objetiva prover descrições simples de inter-relacionamento, correlações ecovariâncias entre as variáveis. Ela torna visível a observação de quais variáveis possuem associa-ções entre si e as organizam em fatores. Em cada fator, temos as variáveis mais associadas entre sie a intensidade dessa associação, que se mostrará forte, mediana ou fraca de acordo com a magni-tude de sua carga estatística, geralmente compreendida entre - 1 e 1 (KIM; MUELLER, 1978).

9 Nos quadros 1 e 2, o efeito percentual significa o resultado da equação (razão de chance– 1) * 100 e indica qual o diferencial em relação à categoria de referência.

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Robert Bonifácio e Rogério Schlegel

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Robert Bonifácio e Rogério Schlegel

Resumo – Resumen – Abstract

Panorama e determinantes da satisfação com os serviços públicos no BrasilRobert Bonifácio e Rogério SchlegelA percepção do cidadão sobre a qualidade dos serviços públicos é dimensão que merece ser

avaliada por ser indicador do nível de responsividade do Estado e da qualidade da democracia.No Brasil, entretanto, são raros estudos com esse objeto. O artigo utiliza surveys comrepresentatividade nacional, aplicados entre 1993 e 2010, para medir a satisfação com os servi-ços públicos e buscar seus determinantes. Os dados empíricos mostram melhora na avaliação noperíodo observado, sugerem que os níveis de escolaridade e informação são os preditores maisconsistentes da satisfação com os serviços públicos e que, no contexto brasileiro, o contatodireto pode impactar negativamente a percepção sobre eles.

Palavras-chave: serviços públicos; Estado; democracia; cidadão crítico

Panorama y determinantes de la satisfacción con los servicios públicos en BrasilRobert Bonifácio y Rogério SchlegelLa percepción de los ciudadanos sobre la calidad de los servicios públicos es la dimensión

que merece ser evaluada por un indicador del nivel de capacidad de respuesta del Estado y lacalidad de la democracia. En Brasil, sin embargo, hay pocos estudios de este objeto. Este artícu-lo utiliza encuestas representativas a nivel nacional, aplicadas entre 1993 y 2010 para medir lasatisfacción con los servicios públicos y buscar sus factores determinantes. Los datos empíricosmuestran una mejora en la evaluación en el período observado, sugieren que los niveles de laeducación y la información son los predictores más consistentes de la satisfacción con los serviciospúblicos y, en el contexto brasileño, el contacto directo puede influir negativamente en lapercepción de ellos.

Palabras clave: Utilidades; Estado; democracia; el ciudadano crítico

An overview of satisfaction with public services in Brazil and its determinantsRobert Bonifácio and Rogério SchlegelCitizen´s perception about the quality of public services is a dimension that must be evaluated

as an indicator of the level of responsiveness of State and the quality of democracy. However,studies with this subject are rare in Brazil. The paper uses surveys representing the nationalpopulation, applied between 1993 and 2010, to measure the satisfaction with public servicesand investigates its determinants. Empirical data show improvement in evaluations in the observedperiod and suggest that educational and information levels are the most consistent predictors ofpublic service satisfaction and that, in the Brazilian context, the direct contact may impactnegatively the perception about them.

Keywords: Public services; state; democracy; critical citizens

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Panorama e determinantes da satisfação com os serviços públicos no Brasil

Robert BonifácioDoutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Contato: [email protected]

Rogério SchlegelDoutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorando vinculado ao Centro de Estudos daMetrópole/ Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEM/ Cebrap) . Contato: [email protected]