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1. Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe. E- mail de contato: [email protected] 2. Docente do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe. E-mail de contato: [email protected] 3. Docente do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe. E-mail de contato: [email protected] PANORAMA DA GEODIVERSIDADE E DO ATUAL USO E OCUPAÇÃO DAS TERRAS DO SISTEMA HIDROGRÁFICO DO RIO ARAUÁ/SERGIPE BRUNA LEIDIANE PEREIRA SANTANA¹ HÉLIO MÁRIO DE ARAÚJO² TAIS KALIL RODRIGUES³ RESUMO: A relevância dos estudos que envolvem a Geodiversidade possibilitou a construção de uma nova abordagem que enaltece os componentes abióticos que estruturam os ecossistemas e compõem as diferentes paisagens terrestres, alçando a discussão e propostas para geoconservação. A expansão desordenada das atividades produtivas em determinado território representa uma possível instabilidade nos processos que atuam na configuração da paisagem afetando tanto a biodiversidade, quanto a geodiversidade. Nesta perspectiva, o trabalho objetiva caracterizar a geodiversidade no sistema hidrográfico do rio Arauá/se relacionando-a às atividades produtivas que dinamizam o atual uso e ocupação das terras. A base teórico-metodológica se estabeleceu nos preceitos sistêmicos e os procedimentos metodológicos adotados referem-se a levantamento bibliográfico, trabalhos de campo e mapeamento. O sistema hidrográfico do rio Arauá situa-se no território sul e centro-sul sergipano, drena um total de 680 km², seu principal canal fluvial, o rio Arauá, possui aproximadamente 60 km de extensão. A complexidade geológica representada por dois Setores Geológicos Estruturais Embasamento Gnáissico, a Faixa de Dobramento Sergipana, além das Formações Superficiais, agrega litologias que foram expostas a processos morfogenéticos de aplanamento e dissecação, culminando em um conjunto morfoescultural que favoreceu a evolução de distintos ambientes com características variadas quanto a cobertura pedológica, vegetacional e o desenvolvimento de atividades produtivas, influenciados, sobretudo pelas peculiaridades climática estabelecida na área. O potencial para a geodiversidade se materializa em afloramentos rochosos e o modelado de serras que constitui um dos principais elementos de relevância econômica (turismo) e cultural (peregrinação religiosa) para moradores e visitantes de municípios como Itabaianinha. Os aspectos geológicos e geomorfológicos repercutem na organização espacial. A agricultura permanente e temporária, a extração mineral e a pecuária extensiva são os principais tipos de uso e ocupação das terras, contudo a mineração revela maior propensão a degradação da geodiversidade, verificando-se pontualmente a descaracterização paisagística. Em contraponto a mineração, a pecuária extensiva apresenta uma relação com elementos da geodiversidade com baixa tendência a degradação. O uso identificado apenas no alto curso do sistema hidrográfico refere-se as cercas de pedras, extensos muros construídos para delimitar as propriedades agropecuárias com fragmentos rochosos dispostos em grande quantidade nos terrenos. As cercas de pedras agregam valor a paisagem como produtos que advém da apropriação e uso racional dos recursos naturais disponíveis, e sobretudo representam a complexa relação entre homem e geodiversidade, tanto no aspecto econômico como cultural. O processo de reconhecimento da suscetibilidade da geodiversidade quanto a exploração pelas atividades produtivas torna-se o princípio que deve nortear a possibilidade de criar instrumentos que viabilizem a sua preservação e/ou a conservação.

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1. Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe. E-mail de contato: [email protected] 2. Docente do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe. E-mail de contato: [email protected] 3. Docente do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe. E-mail de contato: [email protected]

PANORAMA DA GEODIVERSIDADE E DO ATUAL USO E

OCUPAÇÃO DAS TERRAS DO SISTEMA HIDROGRÁFICO DO RIO

ARAUÁ/SERGIPE

BRUNA LEIDIANE PEREIRA SANTANA¹ HÉLIO MÁRIO DE ARAÚJO²

TAIS KALIL RODRIGUES³

RESUMO: A relevância dos estudos que envolvem a Geodiversidade possibilitou a construção de uma nova abordagem que enaltece os componentes abióticos que estruturam os ecossistemas e compõem as diferentes paisagens terrestres, alçando a discussão e propostas para geoconservação. A expansão desordenada das atividades produtivas em determinado território representa uma possível instabilidade nos processos que atuam na configuração da paisagem afetando tanto a biodiversidade, quanto a geodiversidade. Nesta perspectiva, o trabalho objetiva caracterizar a geodiversidade no sistema hidrográfico do rio Arauá/se relacionando-a às atividades produtivas que dinamizam o atual uso e ocupação das terras. A base teórico-metodológica se estabeleceu nos preceitos sistêmicos e os procedimentos metodológicos adotados referem-se a levantamento bibliográfico, trabalhos de campo e mapeamento. O sistema hidrográfico do rio Arauá situa-se no território sul e centro-sul sergipano, drena um total de 680 km², seu principal canal fluvial, o rio Arauá, possui aproximadamente 60 km de extensão. A complexidade geológica representada por dois Setores Geológicos Estruturais – Embasamento Gnáissico, a Faixa de Dobramento Sergipana, além das Formações Superficiais, agrega litologias que foram expostas a processos morfogenéticos de aplanamento e dissecação, culminando em um conjunto morfoescultural que favoreceu a evolução de distintos ambientes com características variadas quanto a cobertura pedológica, vegetacional e o desenvolvimento de atividades produtivas, influenciados, sobretudo pelas peculiaridades climática estabelecida na área. O potencial para a geodiversidade se materializa em afloramentos rochosos e o modelado de serras que constitui um dos principais elementos de relevância econômica (turismo) e cultural (peregrinação religiosa) para moradores e visitantes de municípios como Itabaianinha. Os aspectos geológicos e geomorfológicos repercutem na organização espacial. A agricultura permanente e temporária, a extração mineral e a pecuária extensiva são os principais tipos de uso e ocupação das terras, contudo a mineração revela maior propensão a degradação da geodiversidade, verificando-se pontualmente a descaracterização paisagística. Em contraponto a mineração, a pecuária extensiva apresenta uma relação com elementos da geodiversidade com baixa tendência a degradação. O uso identificado apenas no alto curso do sistema hidrográfico refere-se as cercas de pedras, extensos muros construídos para delimitar as propriedades agropecuárias com fragmentos rochosos dispostos em grande quantidade nos terrenos. As cercas de pedras agregam valor a paisagem como produtos que advém da apropriação e uso racional dos recursos naturais disponíveis, e sobretudo representam a complexa relação entre homem e geodiversidade, tanto no aspecto econômico como cultural. O processo de reconhecimento da suscetibilidade da geodiversidade quanto a exploração pelas atividades produtivas torna-se o princípio que deve nortear a possibilidade de criar instrumentos que viabilizem a sua preservação e/ou a

conservação.

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ABSTRACT: The relevance of the studies involving Geodiversity allowed the construction of a new

approach that praises the abiotic components that structure the ecosystems and compose the different terrestrial landscapes, raising the discussion and proposals for geoconservation. The disorderly expansion of productive activities in a given territory represents a possible instability in the processes that affect the configuration of the landscape affecting both biodiversity and geodiversity. In this perspective, the objective of this work is to characterize the geodiversity in the hydrographic system of the river Arauá / related to the productive activities that dynamize the current use and occupation of the lands. The theoretical-methodological basis was established in the systemic precepts and the adopted methodological procedures refer to bibliographic survey, fieldwork and mapping. The hydrographical system of the river Arauá is located in the south and center-south sergipano, drains a total of 680 km ², its main fluvial channel, the river Arauá, has approximately 60 km of extension. The geological complexity represented by two Structural Geological Sectors - Gnassic Basement, the Sergipana Bend Range, as well as the Surface Formations, aggregates lithologies that were exposed to morphogenetic processes of flattening and dissection, culminating in a morphoscultural set that favored the evolution of different environments with characteristics such as the pedological, vegetative cover and the development of productive activities, influenced mainly by the climatic peculiarities established in the area.The potential for geodiversity is materialized in rock outcrops and the modeling of mountains that constitutes one of the main elements of economic (tourism) and cultural relevance (religious pilgrimage) for residents and visitors from municipalities such as Itabaianinha. Geological and geomorphological aspects have repercussions on spatial organization. Permanent and temporary agriculture, mineral extraction and extensive livestock are the main types of land use and occupation. However, mining reveals a greater propensity to the degradation of geodiversity. In contrast to mining, extensive livestock farming has a relationship with elements of geodiversity with low tendency to degradation. The use identified only in the upper reaches of the hydrographic system refers to stone fences, extensive walls built to delimit the agricultural properties with rocky fragments arranged in great quantity in the grounds. The stone fences add value to the landscape as products that come from the appropriation and rational use of available natural resources, and above all represent the complex relationship between man and geodiversity, both in economic and cultural aspects. The process of recognizing the susceptibility of geodiversity to exploitation by productive activities becomes the principle that should guide the possibility of creating instruments that enable its preservation and / or conservation.

1 Introdução

Nas últimas décadas a Geografia incorporou aos seus estudos ambientais, a

temática Geodiversidade, possibilitando a construção de uma nova abordagem, que

permite a análise da paisagem integrando os aspectos naturais, sociais e culturais

com foco nos componentes biofísicos priorizando a sua conservação, assim como

ocorre para a biodiversidade. De modo geral, a geodiversidade contempla os

componentes abióticos que constituem a superfície terrestre, trata-se de uma vertente

que ressalta a importância da geologia, geomorfologia, solos e recursos hídricos

através dos seus valores intrínsecos, econômico, cultural, educacional/científico e

funcional.

Para Brilha (2005), a geodiversidade envolve apenas os aspectos não vivos da

paisagem, que são testemunhos resultantes do passado geológico (minerais, rochas,

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fósseis), como também representa processos naturais que originam novos

testemunhos. E que a biodiversidade é condicionada pela geodiversidade, pois as

condições de subsistência dos diferentes organismos dependem da organização dos

elementos abióticos.

As relações estabelecidas entre os fatores abióticos e bióticos da paisagem são

afetadas pela expansão desordenada das atividades produtivas, responsáveis por

processos desencadeadores do rompimento da instabilidade dinâmica. Quando

refere-se à produção no espaço rural tem-se de imediato efeitos negativos a

vegetação original, substituída por grandes plantações ou áreas de mineração.

Numa sequência variável, as implicações da ação antrópica no contexto

produtivo, poderá se manifestar nos recursos hídricos através da contaminação das

águas fluviais e subterrâneas, nos solos pelos processos erosivos e no modelado e

composição litológica pela descaracterização paisagística. A tendência é que o

encadeamento deste processo alcance os demais componentes da paisagem

alterando e modificando seus fluxos de energia e matéria.

Nesta perspectiva, o trabalho objetiva caracterizar a geodiversidade no sistema

hidrográfico do rio Arauá/se relacionando-a às atividades produtivas que dinamizam o

atual uso e ocupação das terras. O reconhecimento do potencial da geodiversidade

favorece a possibilidade de implementar ações destinadas a geoconservação.

2 Metodologia

O desdobramento do trabalho está alicerçado na análise sistêmica em função

da complexidade inerente a geodiversidade da área de estudo e a necessidade de

integrar os componentes bióticos e abióticos que compõem sua paisagem na bacia

hidrográfica do rio Arauá.

Nesta perspectiva, se efetivou a partir dos seguintes procedimentos técnicos -

levantamento e análise do acervo bibliográfico, cartográfico, elaboração de mapas

temáticos e trabalhos de campo.

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No levantamento do acervo bibliográfico foram priorizadas obras pertinentes a

geodiversidade, bem como trabalhos que apresentam informações sobre as

características naturais e das atividades produtivas da área de estudo, possibilitando

compreender o contexto regional dos componentes da paisagem como geologia,

geomorfologia, clima, solos, hidrologia, além da dinâmica do uso e ocupação das

terras.

Para espacializar as informações sobre a geodiversidade confeccionou-se o

mapa geológico com as unidades geológicas e os litotipos que integram o sistema

hidrográfico do rio Aruá, a partir da base cartográfica do Mapa de Geologia e Recursos

Minerais de Sergipe na escala de 1:250.000 (SANTOS et al., 1998) que foi digitalizado

utilizando a ferramenta Fixed Scale do ArcMap 10.1.

No mapeamento do atual uso e ocupação das terras utilizou-se da imagem de

satélite do Word Imagery do Global Mapper com resolução espacial de 2m. A

identificação das classes de uso e ocupação das terras ocorreu através da

interpretação visual que permitiu a criação de polígonos salvos no formato shape.

Os trabalhos de campo auxiliaram na interpretação da imagem de satélite e na

checagem do resultado obtido. Assim, com o uso do GPS (Sistema de

Posicionamento Global) pode-se coletar pontos de referência para verificação dos

polígonos mapeados. O registro fotográfico realizado no campo favoreceu a

caracterização da paisagem considerando seus usos e o registro de imagens com

Drone possibilitaram o reconhecimento de áreas de difícil acessibilidade.

No processo de confecção do mapa adotou-se a classificação do Manual

Técnico de Uso da Terra do IBGE (2013), estabelecida em três níveis hierárquicos

que abrangem as Áreas classificadas em Antrópicas, Naturais e Água, nestas são

definidas o tipo de cobertura – Não agrícolas, Agrícolas, Florestal, Campestre e Áreas

Descobertas. O terceiro nível representa as classes de uso que possui um amplo

conjunto de unidades.

Essas informações que especificam as formas produção da mineração, dos

cultivos, do extrativismo, da pecuária constituem o quarto nível de informação que foi

contemplado textualmente.

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3 Panorama da Geodiversidade no sistema hidrográfico do rio Arauá

O sistema hidrográfico do rio Arauá está situado nos territórios sul e centro-sul

de Sergipe, drenando uma área de 680 km². O principal canal fluvial, o rio Arauá,

apresenta aproximadamente 60 km de extensão (figura 01).

Figura 01 – Mapa de localização do sistema hidrográfico do rio Aruá/SE

Neste sistema, a geodiversidade se materializa nas características complexas

do quadro geológico-geomorfológico que se insere em dois Setores Geológicos

Estruturais – Embasamento Gnáissico, a Faixa de Dobramento Sergipana, bem como

as Formações Superficiais (Figura 02), que agregam ao ambiente um complexo e

variado conjunto litológico que reflete no padrão de formas do relevo formado por

diferentes compartimentos como a Unidade morfológica dos Tabuleiros Costeiros e

Tabuleiros do Rio Real (BRASIL, 1988).

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O Embasamento Gnáissico integra o Cráton do São Francisco, fragmento

continental antigo com núcleos arqueanos ligados por cinturões orogênicos

paleoproterozóicos, que representa a região preservada pela deformação orogenética

(UHLEIN, et al., 2011). Na área de estudo, este setor abrange a unidade

litoestratígrafica do Complexo Granulítico e Complexo Gnáissico-Migmatítico que

datam do Arqueano/Paleo- Proterozóico.

Figura 01 – Mapa Geológico do sistema hidrográfico do rio Arauá/SE

Rede de Drenagem

Sedes municipais

Limite da área de estudo

UNIDADES GEOLÓGICAS

EMBASAMENTO GNÁISSICOComplexo Gnáissico-migmatítico

Apg5-Augen-Gnaisses de composição granulítica

Apg3-Ortognaisses migmatiticos de composição granodiorítica

Apg4-Biotita-ortognaisses tonalíticos e granodioríticos

Apg1-Biotita-gnaisse migmatiticos com anfibolitos e lentes

Complexo GranulíticoApgl-Ortognaisses charnoenderbíticos e charnokíticos, kinzigitos, rochas calssilicáticas e metanoritos. Biotita-gnaisses migmatiticos subordinados

FORMAÇÕES SUPERFICIAS CONTINENTAIS Grupo Barreiras

Tb-Areias finas e grossas com níveis argilosos e concrecionários

Mnp-Formação Palmares - Grauvacas, grauvacas

seixosas, arenitos feldispáticos e coglomerados

FAIXA DE DOBRAMENTO SERGIPANAGrupo Estância

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No Complexo Granulítico predominam ortognaisses charnoenderbíticos a

charnoquíticos, gnaisses kinzigíticos, rochas calcissilicáticas, metanoritos e biotita

gnaisses migmatizados, bem como níveis pouco espessos de quartzitos. Santos et

al., (2001) ressaltam que os ortognaisses charnoenderbíticos a charnoquíticos são as

litologias mais recorrentes na unidade.

A exposição destas litologias ocorre, principalmente no leito dos canais de

drenagem e nas áreas de planície de inundação, pois uma significativa parte do

complexo é recoberto por sedimentos terrígenos do Grupo Barreiras.

A distribuição litológica concentra-se no médio e baixo curso do sistema

hidrográfico do rio Arauá. No médio curso têm-se ortognaisses, calcossilicáticas e

metanoritos evidenciados no município de Itabaianinha. Os ortognaisses, kinzigitos,

rochas calcossilicáticas, metanoritos e biotitagnaisses subordinados foram

identificadas no território de Pedrinhas. Em Boquim foram identificados gnaisses

kinzigíticos com coloração cinzenta, granulação média a grossa, que podem ser

migmatizados com estrutura bandada.

Sobre esta estrutura litológica evoluíram colinas com topo convexo, e em menor

proporção topo aguçado com encostas convexo-côncavas e espigões que

caracterizam-se pela feição alongada com topo abaulado e estreito subindo vertentes

convexizadas. Além disso, predominam superfícies irregulares que remetem a

ondulações semelhantes a pequenas colinas rebaixadas entalhadas por rede de

drenagem incipiente que constituem rios de primeira ordem.

Neste complexo, a expressividade da geodiversidade destaca-se por paredões

e afloramentos rochosos presentes em trechos de canais fluviais como do rio

Carnaíba no município de Pedrinhas. Os afloramentos que constituem os leitos

rochosos permitem a formação de pequenas quedas d’água, enquanto os paredões

situados nas margens, tornam-se ambientes favoráveis a colonização da macambira

(Bromélia sp.), planta da família das Bromeliáceas, do gênero Bromélia, registrada

como Bromélia laciniosa Mart. ex Schult (Figura 03).

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Figura 03 – Aspectos da geodiversidade do Complexo Granulítico no município de Pedrinhas/SE

No Complexo Gnáissico-migmatítico a diversidade litológica se amplia e divide-

se em gnaisses migmatíticos com anfibolitos e lentes, aos ortognaisses migmatíticos

granodiorítico, Biotita-ortognaisses tonalíticos e granodioríticos e aos Augen-gnaisses

de composição granulíticos presentes no alto e médio curso do sistema hidrográfico,

nos municípios de Riachão do Dantas e Itabaianinha.

A paisagem expressa superfícies residuais representadas por blocos rochosos

com morfologias descontínuas distribuídas no território dos municípios de Tobias

Barreto, Itabaianinha e Riachão do Dantas, destacando-se pequenas serras com

desníveis variados. As serras da Pioneira e Serra da Pedra Branca representam as

áreas de maior relevância para a geodiversidade neste conjunto litológico.

A Serra da Pedra Branca conhecida pelas visitações turísticas de caráter

religioso e de contemplação da paisagem do Pediplano Sertanejo, que abrange a

região semiárida do estado de Sergipe, evidencia o potencial turístico e serviços

culturais relacionados a atividades de lazer e significado cultural-espiritual. A Serra da

Pioneira ressalta-se pela facilidade de acesso por trilhas que atrai professores e

pesquisadores para trabalhar conteúdos com estudantes do ensino básico

caracterizando potencial didático e os serviços de conhecimento relacionados a

educação.

Nas Formações Superficiais Continentais, representadas por sedimentos

terrígenos (cascalhos, conglomerados, areias finas e grossas e níveis de argila),

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pouco ou não consolidados, com variadas e estratificação irregular do Grupo

Barreiras, o componente da geodiversidade de maior proeminência são os solos.

A cobertura pedogenética caracteriza-se pela evolução de Argissolos e

Latossolos. No grupo Barreiras se desenvolveram Argissolo Amarelo Distrófico +

Argissolo Amarelo Latossólico, ambos com textura média/argilosa, situados em relevo

plano e suave ondulado. O Argissolo Amarelo Distrófico e Álico também ocorrem com

o Argissolo Amarelo Latossólico apresentando as mesmas características texturais e

de relevo, podendo ocorrer horizontes com ou sem fragipã.

Quanto ao Argissolo Vermelho-Amarelo Eutrófico, caracteriza-se como

profundo e pouco profundo, exibindo textura média/argilosa a muito argilosa com fase

não pedregosa e epipedregosa. A fase epipedregosa indica que o solo contém

calhaus e/ou matacões na parte superficial e/ou nos perfis de até 40 cm de

profundidade.

O Argissolo Vermelho-Amarelo e Argissolo Amarelo, que integram esta relação,

ambos Distróficos e Álicos não plínticos e plínticos possuem textura média/argilosa

com fase não pedregosa e epipedregosa, situados em relevo suave ondulado e

ondulado. O Argissolo Amarelo latossólico e não latossólico sem e com fragipã de

textura média/argilosa ambos distróficos e Álicos são desenvolvidos em relevo plano

e suave ondulado.

De acordo com a organização dos componentes da paisagem, o sistema

hidrográfico apresenta um complexo patrimônio natural materializado em

afloramentos rochosos, serras e solos com alto potencial ecossistêmico. A

diferenciação inerente aos ambientes que compõe esse sistema, viabiliza a inserção

de distintos tipos de uso e ocupação das terras.

4 O atual uso e ocupação das terras do sistema hidrográfico do rio Arauá

Assim como os elementos da biodiversidade, os componentes biofísicos que

integram a geodiversidade estão propensos aos processos de degradação

desencadeados pela ação antrópica. No sistema hidrográfico do rio Arauá, as

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atividades produtivas desenvolvidas no espaço rural são fortemente influenciadas

pelas características da paisagem, predominando como principais tipos de uso e

ocupação das terras, a agricultura permanente e temporária, a extração mineral e a

pecuária extensiva (Figura 04).

A agricultura permanente e temporária prevalece sobre os Argissolos evoluídos

nos Tabuleiros Costeiros. Nas áreas de relevo plano constituído por superfícies sub-

horizontais destacam-se a produção de citrus, milho, abacaxi, macaxeira, feijão,

batata-doce e amendoim. Nas colinas e espigões com relevo suave ondulado, a

cobertura vegetacional de maior expressividade refere-se a gramíneas destinadas a

pastagem de rebanhos bovinos.

Quanto aos problemas relacionados a geodiversidade, estas atividades

suscitam na ocorrência de processos morfodinâmicos que culminam na perda de

solos, verificada por feições erosivas em áreas pontuais, onde a declividade é mais

acentuada e a pastagem apresenta níveis elevados de degradação, expondo os solos

ao impacto direto das águas pluviais.

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Nos Tabuleiros do Rio Real, entretanto, a mineração é a atividade econômica

de maior impacto negativo sobre os aspectos geológicos e geomorfológicos. O

processo de extração de argila sobre as superfícies colinares com aspecto irregular,

promove a descaracterização paisagística das feições do modelado e o desmonte de

perfis de solos, inviabilizando a colonização de espécies vegetais.

Nas superfícies residuais e pediplanadas, que também estão inseridas na

unidade morfológica dos Tabuleiros do Rio Real, pastagens que ocupam Neossolos

Figura 04 – Mapa de uso e ocupação das terras no sistema hidrográfico do rio

Arauá/SE

ÁREAS ANTRÓPICAS

NÃO AGRÍCOLAS

Sedes municipais

Área de Mineração

AGRÍCOLAS

Solo exposto

Pastagem

Cultura permanente+temporária

CALSSES DE USO E OCUPAÇÃO DAS TERAS

Fragmentos de Floresta Estacional Sermidecidual

ÁREAS NATURAIS

FLORESTAS

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Litólicos e Planossolos respectivamente, são utilizadas para o desenvolvimento da

pecuária extensiva. Esta atividade promove a continua supressão da vegetação

original e a potencialização dos processos erosivos devido a fragilidade natural

inerente os Neossolos.

Contudo, a pecuária extensiva apresenta uma relação com elementos da

geodiversidade com baixa tendência a degradação. No sistema hidrográfico do rio

Arauá, uso identificado apenas em seu alto curso, no povoado Vermelho no município

de Itabaianinha, refere-se as cercas de pedras (Figura 05), extensos muros

construídos para delimitar as propriedades agropecuárias com fragmentos rochosos

dispostos em grande quantidade nos terrenos.

Figura 04 - Cerca de pedra delimitando propriedades agropecuárias, Itabaianinha/SE

De acordo com Garner (2015) a construção de cercas de pedra é técnica antiga

caracterizada pela a construção de paredes com sobreposição vertical de fragmentos

de rocha sem a utilização de material como argamassa por um processo artesanal e

simplório. A disponibilidade de afloramentos rochosos de rochas gnáissicas do

Embasamento Gnáissico são a principal matéria prima na construção destas

estruturas.

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As cercas de pedras agregam valor a paisagem como produtos que advém da

apropriação e uso racional dos recursos naturais disponíveis, e sobretudo

representam a complexa relação entre homem e geodiversidade, tanto no aspecto

econômico como cultural.

Deste modo, verifica-se que o atual uso e ocupação das terras na área de

estudo, além de repercutir nos elementos da biodiversidade, como a cobertura da

vegetal nativa, tem culminando na desestabilização dos componentes abióticos da

paisagem, que promovem serviços ecossistêmicos de caráter cultural, econômico e

natural.

5 Conclusões

A metodologia empregada no presente trabalho possibilitou o cumprimento dos

objetivos propostos, uma vez que conseguiu retratar as características da

geodiversidade destacando a geologia, geomorfologia e solos, bem como como o

atual uso e ocupação das terras do sistema hidrográfico do rio Arauá.

Por fim, o processo de reconhecimento da suscetibilidade da geodiversidade

quanto a exploração pelas atividades produtivas, torna-se o princípio que deve nortear

a possibilidade de criar instrumentos que viabilizem a sua preservação e/ou a

conservação.

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Estratigrafia e tectônica das faixas neoproterozóicas da porção norte do Cráton

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