palace ii uma década de dor -...

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13 BRASIL CORREIO BRAZILIENSE PALACE II Pelo menos 130 famílias atingidas pelo desabamento do prédio do ex-deputado federal Sérgio Naya no Rio, em 1998, ainda não receberam um centavo sequer de indenização. Ontem, MPF fez nova denúncia de fraude Uma década de dor C M Y K C M Y K BRASÍLIA, SÁBADO, 23 DE FEVEREIRO DE 2008 Editora: Ana Paula Macedo// [email protected] Subeditores: Lourenço Flores// [email protected] Humberto Rezende//[email protected] Tel. 3214-1172 Dividindo-se entre a casa em Laranjal, cidade mineira onde nasceu, e um confortá- vel apartamento na Asa Sul, em Brasília, o ex-deputado Sérgio Naya não quer saber de trabalho. Desde que seus bens no Brasil foram bloqueados pela Justiça, por causa da que- da do Palace II, ele parou de tocar as próprias empresas, avaliadas em mais de R$ 500 milhões à época. A carreira política também se esfacelou, com a cassação do mandato de deputado 53 dias após a tragédia, por con- ta da exibição de uma fita em que Naya revelou ter falsifica- do assinaturas em projetos fa- voráveis a seus eleitores. Hoje, movimenta-se na Justiça para se defender das dezenas de processos em que é réu. Em entrevista por e-mail ao Correio, o ex-parlamentar, que passou pouco mais de dois meses preso devido a fraudes nos negócios, afirma ser ino- cente no caso do Palace II. E aponta como motivo da de- mora das indenizações, uma década após a tragédia, os baixos preços pelos quais seus bens têm sido leiloados. Por que, dez anos após o desabamento do Palace II, boa parte das famílias ainda não foi indenizada? A dificuldade se dá pelo preço ínfimo a que os bens são leiloados. Por exemplo, o hotel St. Paul, que tinha ava- liação de R$ 40 milhões, foi arrematado por R$ 9,4 mi- lhões. Outro hotel que vale mais de R$ 60 milhões foi ar- rematado por menos de R$ 8 milhões. Um terreno para shopping na Barra, no Rio, avaliado judicialmente em mais de R$ 40 milhões, foi vendido por R$ 11 milhões. Essa é a explicação. O senhor vendeu bens já indisponíveis pela Justiça? Não é verdade. Não é pos- sível vender um bem com de- cretação de indisponibilida- de. Nos processos que inven- taram sobre o tema, fui ino- centado pelo Supremo Tribu- nal Federal. E quanto à acusação de utilização de material de má qualidade na construção do Palace II, como areia e água do mar? Se areia de praia desse concreto, o Rio de Janeiro não teria mais praia. O que fizemos foi o contrapiso com material tirado de um ENTREVISTA// SÉRGIO NAYA “O que ocorreu foi erro de cálculo do engenheiro responsável” RENATA MARIZ DA EQUIPE DO CORREIO “P assaram-se 10 anos e minhas mãos ain- da tremem quando relembro aquela tragédia”, diz Juraci Gonzaga de Menezes. Aposentada de 72 anos, por pouco ela não morreu no de- sabamento do Palace II, o prédio da construtora Sersan, de pro- priedade do ex-deputado Sérgio Naya, que ruiu na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro, no carnaval de 1998. Ontem, a queda do edifício completou uma déca- da. Pelo menos 130 famílias, co- mo a de Juraci, ainda aguardam uma indenização. Onze delas permanecem até hoje em dois hotéis da capital fluminense. Oito pessoas morreram no desastre. As vítimas ganharam em to- das as instâncias judiciais o di- reito ao ressarcimento pelo imó- vel destruído, danos morais e bens perdidos. Ficou comprova- do, nos laudos periciais, erros es- truturais de engenharia na cons- trução do prédio de 22 andares, com 176 unidades. A decisão fa- vorável da Justiça, no entanto, não significou dinheiro devolvi- do aos prejudicados. Os bens do ontem um protesto no centro do Rio. Com 10 metros de compri- mento, simbolizando os anos de espera, um bolo foi repartido pelos manifestantes, que a cada aniver- sário da tragédia realizam o ato. Leilões O impasse atual diz respeito a um leilão de um terreno na Barra da Tijuca, vendido por R$ 12,8 mi- lhões em favor das vítimas do Pa- lace II. Os recursos estão atual- mente depositados em juízo, por conta de um pedido de anulação do leilão, feito pelo Banco do Bra- sil, devido a uma dívida que Naya tem com a instituição. Enquanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não decidir a pendenga, engave- tada desde 2005, os ex-moradores não podem receber o dinheiro. Há também R$ 5 milhões, provenien- tes da venda do terreno onde foi erguido o prédio que desabou, bloqueados na Justiça. Existe ainda um terreno em Osasco, São Paulo, que se tornou alvo de disputas judiciais. No sex- to leilão sem sucesso, as vítimas decidiram comprar a área por R$ 2 milhões para vendê-la depois, pelo preço real de mercado, cal- culado por volta de R$ 12 mi- lhões. Os advogados de Naya, po- rém, impugnaram o negócio. “Ti- vemos de nos manifestar, não dá para aceitar a venda de um terre- no caro por um preço ínfimo co- mo esse”, constesta Wilson Mi- randa, advogado de Naya. Segundo ele, um acordo feito em agosto de 2007 com as famílias preconizou que os bens teriam de ser leiloados por, no mínimo, 50% do valor de mercado. Rauliete confirma, mas reclama de fraudes em boa parte dos bens do ex-de- putado e de vendas que ele teria feito mesmo com o patrimônio bloqueado pela Justiça. Por conta de negócios como esses, o Ministério Público Fede- ral ofereceu ontem uma nova de- núncia à Justiça contra Naya. Ele é acusado de esvaziar o patrimônio da LPS Participações e Empreen- dimentos, empresa da qual a cons- trutora Sersan era sócia majoritá- ria. Uma das transações suspeitas envolve um terreno avaliado em R$ 20 milhões vendido pelo gru- po. Mas, na partilha, a Sersan fi- cou de fora. Na denúncia, o pro- curador da República Guilherme Guedes Raposo sustenta que um terço do valor do imóvel deveria ser usado para pagar impostos de- vidos pela Sersan, numa ação mo- vida contra a empresa pela União. ex-deputado ainda estão sendo leiloados. Foram pagos, até o mo- mento, quase R$ 20 milhões. A dí- vida total, segundo a Associação das Vítimas do Palace II, chega a R$ 60 milhões, com as correções. “É um caminho tortuoso para as famílias ficarem brigando por isso. Mesmo porque o patrimônio do Sérgio Naya no Brasil está se deteriorando. Então, há taxas de condomínio, impostos, tributos que incidem sobre esses bens e que não estão sendo pagos. Na hora do leilão, um apartamento que custaria R$ 150 mil, vale me- nos de R$ 100 mil, porque você tem que quitar as dívidas antes de vender”, explica Leonardo Ama- rante, advogado de algumas famí- lias no caso Palace II. Segundo Rauliete Guedes, pre- sidente da Associação de Vítimas, leilões feitos até agora pagaram de 15% a 20% do valor devido a ape- nas 100 famílias. Um grupo de ex- moradores do Palace II realizou terreno que localizava-se dis- tante da praia. Essa alegação foi objeto de perícia, que cons- tatou a boa qualidade do mate- rial utilizado. O que ocorreu foi erro de cálculo do engenheiro responsável. Saliento que esta- va afastado da firma porque ocupava cargo de parlamentar à época havia mais de 11 anos. O patrimônio atual do senhor dará para quitar as dívidas com os ex-moradores do Palace II? O patrimônio está indis- ponibilizado em favor deles. Resta vendê-lo por preço adequado. SEM MOTIVO PARA COMEMORAR: BOLO PARA SIMBOLIZAR 10 ANOS DE ABANDONO E BRIGAS JUDICIAIS COM NAYA Cadu Gomes/CB - 16/3/05 Andre Mourão/AGIF/Agência O Globo A - 13 A - 13 TV TV É ISSO 3301 7007 3301 7007 *Consulte Condições Comerciais Equipamento do 1º e 2º ponto grátis* Assista Assista Big Brother Brasil Big Brother Brasil

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13 BRASILCORREIO BRAZILIENSE

PALACE IIPelo menos 130 famílias atingidas pelo desabamento do prédio do ex-deputado federal Sérgio Naya no Rio,em 1998, ainda não receberam um centavo sequer de indenização. Ontem, MPF fez nova denúncia de fraude

Uma década de dor

C M Y K C M YK

BRASÍLIA, SÁBADO, 23 DE FEVEREIRO DE 2008 Editora: Ana Paula Macedo// [email protected]

Subeditores: Lourenço Flores// [email protected] Rezende//[email protected]

Tel. 3214-1172

Dividindo-se entre a casaem Laranjal, cidade mineiraonde nasceu, e um confortá-vel apartamento na Asa Sul,em Brasília, o ex-deputadoSérgio Naya não quer saber detrabalho. Desde que seus bensno Brasil foram bloqueadospela Justiça, por causa da que-da do Palace II, ele parou detocar as próprias empresas,avaliadas em mais de R$ 500milhões à época.

A carreira política tambémse esfacelou, com a cassaçãodo mandato de deputado 53dias após a tragédia, por con-ta da exibição de uma fita emque Naya revelou ter falsifica-do assinaturas em projetos fa-voráveis a seus eleitores. Hoje,movimenta-se na Justiça parase defender das dezenas deprocessos em que é réu.

Em entrevista por e-mailao Correio, o ex-parlamentar,que passou pouco mais de doismeses preso devido a fraudesnos negócios, afirma ser ino-cente no caso do Palace II. Eaponta como motivo da de-mora das indenizações, umadécada após a tragédia, osbaixos preços pelos quais seusbens têm sido leiloados.

Por que, dez anos após o desabamento do Palace II, boa parte das famílias ainda não foi indenizada?

A dificuldade se dá pelopreço ínfimo a que os benssão leiloados. Por exemplo, ohotel St. Paul, que tinha ava-liação de R$ 40 milhões, foiarrematado por R$ 9,4 mi-lhões. Outro hotel que valemais de R$ 60 milhões foi ar-rematado por menos de R$ 8milhões. Um terreno para

shopping na Barra, no Rio,avaliado judicialmente emmais de R$ 40 milhões, foivendido por R$ 11 milhões.Essa é a explicação.

O senhor vendeu bens já indisponíveis pela Justiça?

Não é verdade. Não é pos-sível vender um bem com de-cretação de indisponibilida-de. Nos processos que inven-taram sobre o tema, fui ino-centado pelo Supremo Tribu-nal Federal.

E quanto à acusação de utilização de materialde má qualidade na construção do PalaceII, como areia e água do mar?

Se areia de praia desseconcreto, o Rio de Janeironão teria mais praia. O quefizemos foi o contrapisocom material tirado de um

ENTREVISTA//SÉRGIO NAYA

“O que ocorreu foi erro de cálculodo engenheiro responsável”

RENATA MARIZDA EQUIPE DO CORREIO

“P assaram-se 10 anose minhas mãos ain-da tremem quandorelembro aquela

tragédia”, diz Juraci Gonzaga deMenezes. Aposentada de 72 anos,por pouco ela não morreu no de-sabamento do Palace II, o prédioda construtora Sersan, de pro-priedade do ex-deputado SérgioNaya, que ruiu na Barra da Tijuca,bairro nobre do Rio de Janeiro, nocarnaval de 1998. Ontem, a quedado edifício completou uma déca-da. Pelo menos 130 famílias, co-mo a de Juraci, ainda aguardamuma indenização. Onze delaspermanecem até hoje em doishotéis da capital fluminense. Oitopessoas morreram no desastre.

As vítimas ganharam em to-das as instâncias judiciais o di-reito ao ressarcimento pelo imó-vel destruído, danos morais ebens perdidos. Ficou comprova-do, nos laudos periciais, erros es-truturais de engenharia na cons-trução do prédio de 22 andares,com 176 unidades. A decisão fa-vorável da Justiça, no entanto,não significou dinheiro devolvi-do aos prejudicados. Os bens do

ontem um protesto no centro doRio. Com 10 metros de compri-mento, simbolizando os anos deespera, um bolo foi repartido pelosmanifestantes, que a cada aniver-sário da tragédia realizam o ato.

LeilõesO impasse atual diz respeito a umleilão de um terreno na Barra daTijuca, vendido por R$ 12,8 mi-lhões em favor das vítimas do Pa-lace II. Os recursos estão atual-mente depositados em juízo, porconta de um pedido de anulaçãodo leilão, feito pelo Banco do Bra-sil, devido a uma dívida que Nayatem com a instituição. Enquanto oSuperior Tribunal de Justiça (STJ)não decidir a pendenga, engave-tada desde 2005, os ex-moradoresnão podem receber o dinheiro. Hátambém R$ 5 milhões, provenien-tes da venda do terreno onde foierguido o prédio que desabou,bloqueados na Justiça.

Existe ainda um terreno emOsasco, São Paulo, que se tornoualvo de disputas judiciais. No sex-to leilão sem sucesso, as vítimasdecidiram comprar a área por R$2 milhões para vendê-la depois,pelo preço real de mercado, cal-culado por volta de R$ 12 mi-lhões. Os advogados de Naya, po-

rém, impugnaram o negócio. “Ti-vemos de nos manifestar, não dápara aceitar a venda de um terre-no caro por um preço ínfimo co-mo esse”, constesta Wilson Mi-randa, advogado de Naya.

Segundo ele, um acordo feitoem agosto de 2007 com as famíliaspreconizou que os bens teriam deser leiloados por, no mínimo, 50%do valor de mercado. Raulieteconfirma, mas reclama de fraudesem boa parte dos bens do ex-de-putado e de vendas que ele teriafeito mesmo com o patrimôniobloqueado pela Justiça.

Por conta de negócios comoesses, o Ministério Público Fede-ral ofereceu ontem uma nova de-núncia à Justiça contra Naya. Ele éacusado de esvaziar o patrimônioda LPS Participações e Empreen-dimentos, empresa da qual a cons-trutora Sersan era sócia majoritá-ria. Uma das transações suspeitasenvolve um terreno avaliado emR$ 20 milhões vendido pelo gru-po. Mas, na partilha, a Sersan fi-cou de fora. Na denúncia, o pro-curador da República GuilhermeGuedes Raposo sustenta que umterço do valor do imóvel deveriaser usado para pagar impostos de-vidos pela Sersan, numa ação mo-vida contra a empresa pela União.

ex-deputado ainda estão sendoleiloados. Foram pagos, até o mo-mento, quase R$ 20 milhões. A dí-vida total, segundo a Associaçãodas Vítimas do Palace II, chega aR$ 60 milhões, com as correções.

“É um caminho tortuoso paraas famílias ficarem brigando porisso. Mesmo porque o patrimônio

do Sérgio Naya no Brasil está sedeteriorando. Então, há taxas decondomínio, impostos, tributosque incidem sobre esses bens eque não estão sendo pagos. Nahora do leilão, um apartamentoque custaria R$ 150 mil, vale me-nos de R$ 100 mil, porque vocêtem que quitar as dívidas antes de

vender”, explica Leonardo Ama-rante, advogado de algumas famí-lias no caso Palace II.

Segundo Rauliete Guedes, pre-sidente da Associação de Vítimas,leilões feitos até agora pagaram de15% a 20% do valor devido a ape-nas 100 famílias. Um grupo de ex-moradores do Palace II realizou

terreno que localizava-se dis-tante da praia. Essa alegaçãofoi objeto de perícia, que cons-tatou a boa qualidade do mate-rial utilizado. O que ocorreu foierro de cálculo do engenheiroresponsável. Saliento que esta-va afastado da firma porqueocupava cargo de parlamentarà época havia mais de 11 anos.

O patrimônio atual do senhor dará para quitar as dívidas com os ex-moradores do Palace II?

O patrimônio está indis-ponibilizado em favor deles.Resta vendê-lo por preçoadequado.

SEM MOTIVO PARA COMEMORAR: BOLO PARA SIMBOLIZAR 10 ANOS DE ABANDONO E BRIGAS JUDICIAIS COM NAYA

Cadu Gomes/CB - 16/3/05

Andre Mourão/AGIF/Agência O Globo

A - 13A - 13

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