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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 PAISAGENS DA CIDADE OLÍMPICA : a gestão da paisagem através dos megaprojetos urbanos e os mirantes no Rio de Janeiro FERNANDES, P. H. S. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia IGEO/CCMN/UFRJ Av. Athos da Silveira Ramos, 274. Prédio do CCMN, Bloco G, Sala 25 21941-916 Cidade Universitária. Rio de Janeiro RJ Brasil [email protected] RESUMO A partir do título de Patrimônio Mundial da UNESCO, juntamente com grandes eventos esportivos no Rio de Janeiro, cresce a já consolidada exposição internacional da cidade, juntamente com a importância da gestão de sua paisagem; sendo assim, o poder público, através de diferentes ações e projetos, assume essa condição, utilizando muitas vezes a paisagem como articulador do processo, não apenas de preparação para grandes eventos, mas também de grandes reformas urbanas e uma verdadeira transformação do espaço da cidade. Os projetos públicos de intervenção urbana que têm impactado e modificado o espaço da cidade possuem uma preocupação com a paisagem com desdobramentos e ações sobre esta; seja pela maneira em que a intervenção é dirigida, ou até no próprio sentido e/ou objetivo dos projetos. Essa preocupação é claramente vista através dos mirantes na cidade, já que são estruturas pensadas, desenvolvidas e estrategicamente posicionadas pensando a paisagem a ser observada. Dentro dos diversos projetos incluídos no Cidade Olímpica, mirantes são criados, revelando uma valorização clara da paisagem da cidade, mas não apenas de elementos consagrados e tradicionais, mas descortinando novas narrativas, já que as intervenções constroem mirantes novos, em áreas que antes não os possuíam, ou tinham suas paisagens pouco destacadas. Algumas questões se fazem necessárias para nos guiar durante essa investigação, sendo a principal delas: quais paisagens são objeto de mirantes nos projetos associados ao Cidade Olímpica no Rio de Janeiro? E quais são as intencionalidades incluídas no processo de construção desses mirantes? Como eles impactam as representações da cidade? A metodologia da pesquisa, de uma maneira mais geral, será baseada da tríade de políticas públicas urbanas proposta por Rossi & Vanolo (2013), que tomam como categorias de análise políticas como representação, governo e contestação; dividindo- se então em fases e etapas menores, não necessariamente seguindo a tríade em uma ordem linear. Duas atividades estão relacionadas a essa primeira fase: verificar os mirantes que estão sendo criados. A segunda atividade consiste em avaliar o discurso do projeto acerca da paisagem, como o projeto trata essa questão, como ela é abordada, que paisagens são destacas ao longo desse caminho (já que se tratam de registros imagético também); e também dos mirantes, mas também a partir dos mesmos, o uso dos mirantes durante e após as obras (por exemplo os mirantes utilizados para a filmagem de time-lapses (vídeos gravados por dias ou até semanas, compilados e editados para mostrar a evolução de um fenômeno). O objetivo central da pesquisa consiste em entender a relação entre o prograna Cidade Olímpica e a valorização da paisagem a partir dos mirantes criados em cada um dos projetos, atuando em uma lógica de ressignificação de diferentes espaços da cidade. Analisar também qual o papel da paisagem dentro desse grande projeto de transformação da cidade, buscando compreender como é tratada a paisagem em seu(s) discurso(s), bem como os elementos que são ressaltados e valorizados na paisagem dos novos mirantes. Logo, compreender a transformação da cidade através da ressignificação da paisagem, e o papel dos mirantes nesse processo. Palavras-chave: mirante; políticas públicas; Rio de Janeiro; paisagem;

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

PAISAGENS DA CIDADE OLÍMPICA : a gestão da paisagem através

dos megaprojetos urbanos e os mirantes no Rio de Janeiro

FERNANDES, P. H. S.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia – IGEO/CCMN/UFRJ

Av. Athos da Silveira Ramos, 274. Prédio do CCMN, Bloco G, Sala 25 21941-916 Cidade Universitária. Rio de Janeiro – RJ – Brasil

[email protected] RESUMO

A partir do título de Patrimônio Mundial da UNESCO, juntamente com grandes eventos esportivos no Rio de Janeiro, cresce a já consolidada exposição internacional da cidade, juntamente com a importância da gestão de sua paisagem; sendo assim, o poder público, através de diferentes ações e projetos, assume essa condição, utilizando muitas vezes a paisagem como articulador do processo, não apenas de preparação para grandes eventos, mas também de grandes reformas urbanas e uma verdadeira transformação do espaço da cidade. Os projetos públicos de intervenção urbana que têm impactado e modificado o espaço da cidade possuem uma preocupação com a paisagem com desdobramentos e ações sobre esta; seja pela maneira em que a intervenção é dirigida, ou até no próprio sentido e/ou objetivo dos projetos. Essa preocupação é claramente vista através dos mirantes na cidade, já que são estruturas pensadas, desenvolvidas e estrategicamente posicionadas pensando a paisagem a ser observada. Dentro dos diversos projetos incluídos no Cidade Olímpica, mirantes são criados, revelando uma valorização clara da paisagem da cidade, mas não apenas de elementos consagrados e tradicionais, mas descortinando novas narrativas, já que as intervenções constroem mirantes novos, em áreas que antes não os possuíam, ou tinham suas paisagens pouco destacadas. Algumas questões se fazem necessárias para nos guiar durante essa investigação, sendo a principal delas: quais paisagens são objeto de mirantes nos projetos associados ao Cidade Olímpica no Rio de Janeiro? E quais são as intencionalidades incluídas no processo de construção desses mirantes? Como eles impactam as representações da cidade? A metodologia da pesquisa, de uma maneira mais geral, será baseada da tríade de políticas públicas urbanas proposta por Rossi & Vanolo (2013), que tomam como categorias de análise políticas como representação, governo e contestação; dividindo-se então em fases e etapas menores, não necessariamente seguindo a tríade em uma ordem linear. Duas atividades estão relacionadas a essa primeira fase: verificar os mirantes que estão sendo criados. A segunda atividade consiste em avaliar o discurso do projeto acerca da paisagem, como o projeto trata essa questão, como ela é abordada, que paisagens são destacas ao longo desse caminho (já que se tratam de registros imagético também); e também dos mirantes, mas também a partir dos mesmos, o uso dos mirantes durante e após as obras (por exemplo os mirantes utilizados para a filmagem de time-lapses (vídeos gravados por dias ou até semanas, compilados e editados para mostrar a evolução de um fenômeno). O objetivo central da pesquisa consiste em entender a relação entre o prograna Cidade Olímpica e a valorização da paisagem a partir dos mirantes criados em cada um dos projetos, atuando em uma lógica de ressignificação de diferentes espaços da cidade. Analisar também qual o papel da paisagem dentro desse grande projeto de transformação da cidade, buscando compreender como é tratada a paisagem em seu(s) discurso(s), bem como os elementos que são ressaltados e valorizados na paisagem dos novos mirantes. Logo, compreender a transformação da cidade através da ressignificação da paisagem, e o papel dos mirantes nesse processo. Palavras-chave: mirante; políticas públicas; Rio de Janeiro; paisagem;

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INTRODUÇÃO

A temática da paisagem não se trata de uma novidade ao nos debruçarmos sobre a cidade

do Rio de Janeiro. Desde os relatos dos viajantes, as letras da bossa nova, os cartões postais

e até o símbolo do Jogos Olímpicos de 2016, a paisagem carioca possui um caráter

excepcional na cultura, na economia (através do turismo) e na gestão da cidade, sendo esta

última a esfera que mais nos interessa.

Um acontecimento marcante no que tange a questão paisagística na cidade é a candidatura

e posterior título de Patrimônio Mundial da UNESCO, justamente através da categoria

“Paisagem Cultural”. A cidade não recebe o título em sua totalidade, sendo construído um

discurso, uma narrativa de paisagem, embasada em critérios da instituição. O discurso final

empregado nessa candidatura foi o das “Paisagens cariocas entre a montanha e o mar”, ou

seja, a área inscrita compreende uma porção da cidade entre alguns morros e maciços e o

mar (principalmente a porção atlântica da Zona Sul da cidade e uma parte da Baía de

Guanabara), englobando pontos já bastante conhecidos na paisagem da cidade, por exemplo,

o Cristo Redentor, Pão de Açúcar, praia de Copacabana, entre outras paisagens já

cristalizadas no imaginário do Rio de Janeiro.

Somando-se a este processo estão os anúncios de grandes eventos a serem sediados na

cidade, destacando-se a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, que atraem ainda

mais olhares para a cidade. Apesar de não possuir um efeito direto na paisagem da cidade,

tais eventos possuem um impacto grande na gestão e nas políticas públicas a serem

´pensadas e empreendidas, consequentemente produzindo mudanças significativas no

espaço urbano. A partir desse processo histórico e cultural de valorização da paisagem,

somando-se a este momento de “consagração” e visibilidade, pensar intervenções no espaço

do Rio de Janeiro estará intimamente relacionado com pensar a paisagem, não só como

reflexo e recorte espacial, mas também como construção de uma narrativa a ser percebida,

significada e assimilada.

SOBRE A PAISAGEM, OS MIRANTES E AS POLÍTICAS PÚBLICAS:

DELIMITAÇÃO CONCEITUAL

Seria uma tarefa hercúlea e até prepotente propor uma discussão completa definitiva acerca

do conceito de paisagem na geografia, tamanha a riqueza histórica e também a pluralidade

de abordagens existentes. Logo, será feita uma discussão acerca do conceito aplicado ao

trabalho, bem como os autores que embasam teoricamente o conceito nesse caso.

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O conceito de paisagem é trabalhado a partir da Nova Geografia Cultural, em que a paisagem

não é apenas um conjunto de técnicas e modos de produção dispostos espacialmente.

Consideraremos a paisagem como uma narrativa, sendo construída a partir de elementos

selecionados por determinado grupo ou segmento social, no qual a cultura não é mero suporte

ou um dos elementos dispostos na paisagem, mas peça fundamental e indispensável para a

compreensão e interpretação da mesma.

A paisagem cultural é um recorte seletivo do espaço, uma escolha dentro de outras inúmeras

possíveis. Obviamente o conceito não se restringe apenas à dimensão concreta do espaço,

sendo construída a partir de signos e produzindo-os; tais significados embutidos na paisagem

são reproduzidos e difundidos, constituindo assim o imaginário social (DUNCAN, 2004);

Uma abordagem que muito contribui para o trabalho aqui proposto é a da paisagem não

apenas como um dado, algo que está cristalizado no espaço apenas esperando para ser

analisado e descrito. Consideremos a paisagem cultural assim como Cosgrove (2012), como

um “modo de ver”, já que diferentes interpretações e significações podem surgir de diferentes

sujeitos ao se depararem com o mesmo espaço, dando origem a diferentes paisagens

possíveis. Para além da paisagem como apenas o que a vista alcança, sendo construída a

partir de diferentes sentidos, interpretações, significados e olhares que irão compor o conceito

de paisagem para a Nova Geografia Cultural.

Sendo então considerado como um modo de ver e sentir o espaço, uma leitura dentre infinitas

outras possíveis, a paisagem possuirá então um aspecto subjetivo, não estando condicionada

apenas à materialidade congelada num determinado instante no espaço; a paisagem é

construída e constantemente modificada através de aspectos imateriais, simbólicos e

culturais. O que uma pessoa vê e ressalta em uma paisagem é completamente diferente do

que seria feito no mesmo processo por outro indivíduo, logo, aspectos subjetivos estão

envolvidos no reconhecimento e/ou valorização de uma determinada por algum agente, como

suas convicções, gostos pessoais, vivência e posicionamento político. Ao mesmo tempo que

se destaca uma porção do espaço e um ponto de vista sobre ele, ao se estabelecer uma

paisagem, um recorte está sendo feito e uma outra porção desse espaço, que possui uma

outra imensidão de elementos e significados está sendo deixada de lado. A paisagem –ainda

mais quando valorizada por políticas publicas- se converte em um poderoso meio através do

qual sentimentos, ideias e valores são expressos” (COSGROVE, 1993b, p. 8).

Sendo assim, a paisagem também possui uma dimensão política, já que, ao representar um

espaço de uma maneira específica, a disseminação de ideias, conceitos e até valores é

facilitada.

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Uma grande contribuição teórica, inclusive incorporada como metodologia de organização da

pesquisa, se encontra no livro Urban Political Geographies de Rossi & Vanolo (2013), no qual

é tecida uma rica teorização das políticas públicas urbanas, suas motivações, representações,

estratégias e impactos/consequências, sendo expressas e melhor compreendidas através de

uma divisão. A tríade das políticas públicas urbanas, que, ao analisar essas políticas, divide-

a em três aspectos principais: Representação, governo e contestação.

As políticas públicas como representação significam toda a construção ideológica e cultural

envolvida nas políticas públicas e no estabelecimento de uma imagem positiva e atrativa da

cidade em âmbito local e global, já que a “produção de imagens, discursos e representações

urbanas nos oferece um ponto crucial para a observação e análise de estratégias

contemporâneas de desenvolvimento urbano” (ROSSI & VANOLO, 2013, pg.27, tradução

nossa). Dessa maneira, a construção da representação dada através de políticas públicas vai

selecionar, destacar e reproduzir elementos culturais que se encaixem no discurso construído

e desejado, já que os próprios projetos de desenvolvimento urbano irão ser estruturados e/ou

encaixados nessa representação, que muitas vezes vai estar aliada a interesses econômicos,

selecionando e excluindo pontos e representações que não estejam alinhadas com o discurso

hegemônico sendo montado.

Já o âmbito do governo diz respeito a todos os instrumentos empregados na implementação

e gestão do discurso, seja ela burocrática ou prática, ou seja, todos os procedimentos,

técnicas e saberes que vão servir para a construção e estruturação desse discurso pelo

Estado, se aproximando conceito foucaultiano de governamentalidade. Um bom exemplo são

os grandes projetos de requalificação e revitalização urbana, que modificam profundamente

o espaço da cidade, de forma a modificar também a forma como esse espaço é visto. É a

partir da governamentalidade que passamos a compreender a racionalidade governamental,

que irá servir muitas vezes para justificar ações e políticas específicas, como as remoções,

em prol de um bem maior segundo essa racionalidade.

A contestação diz respeito às respostas sociais e até políticas que essa representação e a

forma com que ela é estabelecida (gorvernamentalidade), rejeitando o modelo de discurso e

as representações abarcadas, reivindicando muitas vezes a incorporação de outros

elementos, até então ignorados e esquecidos por essas políticas públicas. Também há o caso

da contestação por conta de uma sobreposição, na qual as políticas públicas, ao se

estabelecerem em um determinado espaço, apagam ou deterioram outras representações,

usos e territorialidades, gerando, nesse caso, uma contestação ainda mais inflamada.

O problema da categorização de um mirante e sua respectiva escassez bibliográfica

específica repercutem na elaboração da metodologia da pesquisa, já que se faz necessária

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uma definição clara. O que é mirante para a pesquisa? Que critérios lhe conferem esta

definição? Quem determina e regula esses critérios?

O mirante, dentro da pesquisa, se caracteriza como uma estrutura estrategicamente

posicionada no espaço, “recortando-o” para a observação de uma determinada paisagem,

sendo por excelência um “ponto de vista” (GOMES, 2013), uma seleção que determina uma

porção do espaço a ser selecionada para ser vista/apreciada, transformando-a em uma

paisagem com um destaque ainda maior. Uma espécie de moldura, obviamente posicionada

segundo interesses acerca da paisagem que se deseja realçar. Mais que isso, os mirantes

possuem um papel crucial na construção da paisagem; verdadeiros dispositivos (ANGABEM,

2005) de uma paisagem planejada, concebida e posta em prática pelo poder público, uma

verdadeira ideologia visual que convida-nos a pensar, questionar e interpretar sua construção

enquanto também sistema simbólico (COSGROVE, 1993; DUNCAN, 2004).

Apesar dessa conceituação mais ampla, dentro do recorte metodológico da pesquisa serão

considerados como mirantes aqueles intitulados assim pela esfera pública e que foram alvo

de algum tipo de intervenção e/ou política pública a partir do recorte da pesquisa. Dessa forma

evitamos uma problemática muito comum no Rio de Janeiro que é definir que áreas são ou

não são mirantes, como um laje turística, a varanda de um shopping ou um restaurante à beira

mar. Como estamos aqui nos debruçando sobre os mirantes como ferramentas inseridas

dentro de políticas públicas, restringiremos os que estão associados a esses processos.

PROGRAMA DE REVITALIZAÇÃO DE MIRANTES: A MANUTENÇÃO DA TRADICIONAL

PAISAGEM CARIOCA

Os mirantes reformados estão associados ao Programa de Revitalização de Mirantes,

empreendido a partir de 2011 pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e que se encontra

ainda em curso, coordenado principalmente pela Secretaria de Conservação e Serviços

Públicos da cidade. O programa possui caráter itinerante, com a definição de uma série de

mirantes a serem reformados em um primeiro momento, com o objetivo de uma continuidade.

Segue um trecho de um declaração da assessoria do então secretário de conservação, Carlos

Osório, descrevendo melhor o Programa:

"Muitos dos privilegiados pontos de observação da cidade andaram abandonados nos últimos anos. Sem oferecer condições adequadas de uso, por falta de estrutura ou de segurança, diversos mirantes estavam esquecidos e tinham passado a existir apenas nas lembranças dos cariocas. Uma iniciativa especial da Secretaria permitiu a renovação de vários deles e sua reintegração ao cotidiano da cidade como espaços de lazer para o carioca e de recepção de turistas. As ações de recuperação conduzidas pela

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Seconserva envolveram diversos parceiros da própria Prefeitura, entre eles a Fundação Parques e Jardins. As intervenções chegaram aos mirantes da Grota Funda, do Joá, da Prainha, do Grumari, do Leme, do Pasmado e do Leblon, além da Vista Chinesa, que fica no Parque Nacional Tijuca. Neste último local, que volta a ser prestigiado pela frequência de cariocas, foram recuperados 32 metros quadrados de piso em granito, recuperação e pintura de seis bancos, pintura de 50 metros de guarda-corpo e reconstrução de três jardineiras. Também foi feita instalação de bicicletário e efetuados trabalhos de recomposição de 10 metros quadrados de piso em granito, reparo em 15 metros quadrados de muro divisório, instalação e pintura de 20 balizadores metálicos para regular o estacionamento.”

Quadro 1 – Mirantes Reformados

Mirante Localização

Mirante Dona Marta Est. Mirante Dona Marta - Botafogo

Mirante do Leblon Av. Niemeyer – Leblon

Mirante da Prainha Av. Estado da Guanabara – Recreio dos Bandeirantes

Mirante do

Pasmado

R. General Severiano – Botafogo

Mirante da Grota

Funda

Antigo traçado da Av. das Américas – Guaratiba

Mirante de Grumari Praia de Grumari – Recreio dos Bandeirantes

Mirante do Joá Estrada do Joá – São Conrado

Vista Chinesa Parque Nacional da Tijuca

Fonte: FERNANDES, P.H.S.

O que pode ser destacado nessa declaração, além dos mirantes que receberam o Programa,

é o fato de, mesmo sendo um programa de revitalização, focado em aspectos materiais e

estruturais, como o revestimento, calçamento, pinturas, entre outros, o aspecto simbólico

também é bem presente. Destaca –se no início da fala um panorama de abandono e

esquecimento, que através do Programa seria modificado e revitalizado, o que, segundo o

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secretário “permitiu a renovação de vários deles e sua reintegração ao cotidiano da cidade

como espaços de lazer para o carioca e de recepção de turistas”, além de destacar que um

dos pontos voltaria “a ser prestigiado pela frequência dos cariocas”, o que revela um dos

objetivos dessa política pública, de atrair visibilidade para esses espaços dos mirantes e,

consequentemente, para a paisagem produzida a partir deles.

Esse programa é a ação mais próxima de uma centralização na gestão dos mirantes da

cidade, apesar de se restringir a um número relativamente baixo e concentrado, se pensarmos

na quantidade de mirantes que a cidade possui e a variedade de localidades que poderiam

ser contempladas. Principalmente se pensarmos na Zona Oeste (Área de Planejamento 5),

que apesar de possuir um grande número de mirantes (principalmente associados ao Maciço

da Pedra Branca e de Gericinó), teve um único mirante reformado.

Através das tabelas e mapas elaborados, percebemos o intuito de revitalizar mirantes em

pontos que destacam paisagens já consagradas da cidade, reformando-os, realizando

limpezas e ampliações dessas estruturas.

Figura 1: Mirantes Revitalizados por Áreas de Planejamento

Podemos, através desse levantamento, observar também um padrão na localização desses

mirantes reformados, já que apenas dois deles não se encontram na Zona Sul da cidade

(Mirantes da Grota Funda e da Prainha), área privilegiada e mais presente na representação

da paisagem da cidade, Ainda que dois desses mirantes estejam na Zona Oeste da cidade,

um está relacionado à uma praia, próximo à uma reserva florestal e um morro, logo, todos os

mirantes comtemplados pelo Programa se encontram em áreas situadas entre “a montanha e

o mar”, ou seja, regiões próximas à linha de costa e/ou em encostas de morros/maciços.;

AP 1 - CENTRO

AP 2 - SUL

AP 3 - NORTE

AP 4 - BARRA

AP 5 - OESTE

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exatamente a narrativa utilizada pelo IPHAN na candidatura do Rio de Janeiro à Patrimônio

Mundial da UNESCO, que também retrata a paisagem carioca mais classicamente difundida,

da cidade entre a montanha e o mar.

OS NOVOS MIRANTES – A CONSTRUÇÃO DE NOVAS PAISAGENS CARIOCAS

Os projetos que produzem novos mirantes na cidade do Rio de Janeiro são diversos, tanto

em sua escala de atuação quanto em seus objetivos, propósitos e narrativas. Logo, mirantes

de diferentes formas e estruturas irão surgir na cidade, espalhados por diferentes localidades

e descortinando as mais diversas paisagens. Cabe a nós então, buscar compreender, ainda

que de maneira geral, como cada projeto vai trabalhar a questão da paisagem e do mirante,

dando maior ou menor importância a essa questão.

Foram considerados apenas os mirantes inseridos em projetos que já haviam sido concluídos

até Julho de 2015, no início de redação do trabalho, por esse motivo, alguns novos mirantes

podem ter surgido, já que este não é um processo terminado.

Quadro 2 – Novos Mirantes

Mirantes Localização Ação Ano

Mirante da Paz Morro do Cantagalo –

Ipanema

Complexo Rubem

Braga

2010

Mirante do Alemão Teleférico do Complexo

do Alemão

PAC 2011

Mirante do Valongo R. Camerino - Gamboa Porto Maravilha 2012

Mirante do MAR Museu de Arte do Rio -

Praça Mauá

Construção do

MAR – Porto

Maravilha

2013

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Mirante da Conceição Travessa Joaquim Soares

– Morro da Conceição

Porto Maravilha 2012

Mirante da Providência Morro da Providência -

Centro

Porto Maravilha 2014

Mirante do Largo do

Campinho

Morro da Babilônia e

Chapéu Mangueira –

Leme

Projeto Morar

Verde Carioca

2012

Mirante Parque

Machado de Assis

Morro do Pinto – Centro Porto Maravilha 2012

Mirante do Parque

Madureira

Parque Madureira Parque Madureira 2012

Fonte: FERNANDES, P.H.S.

O projeto com maior destaque é o Cidade Olímpica, que consiste em um megaprojeto que

inclui todos os projetos e intervenções realizadas na cidade visando à preparação e o legado

relacionados aos Jogos Olímpicos de 2016, incluindo, nesse caso, os Projetos Porto

Maravilha, que sozinho já produziu 5 mirantes, além do Morar Verde Carioca e Parque

Madureira, totalizando 78% dos novos mirantes.

Figura 2 – Novos Mirantes por Projeto

Complexo Rubem BragaPACPorto MaravilhaParque Madureira

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Outro ponto interessante a ser observado é a diversidade dos projetos envolvidos, passando

desde programas de habitação popular (Morar Carioca Verde), transporte e acessibilidade

(Complexo Rubem Braga e PAC) e também espaços públicos e áreas de lazer (Parque

Madureira), logo, as iniciativas e projetos de intervenção urbana de diferentes naturezas

sendo desenvolvidas na cidade têm produzido mirantes, o que nos revela a importância da

gestão da paisagem na governamentalidade e elaboração de políticas públicas no Rio de

Janeiro.

Como observado na figura dois, o Projeto Cidade Olímpica é o maior produtor de mirantes da

cidade, principalmente por ser o maior deles, se pensarmos no número de “sub-projetos”

contidos no mesmo, além de sua escala espacial e temporal de atuação, sendo conduzido

desde 2009, no ato de criação da Empresa Olímpica Municipal, desde então conduzindo uma

série de intervenções e projetos pela cidade.

O Projeto Cidade Olímpica ainda está em curso, podendo ainda produzir mais mirantes nas

instalações olímpicas, como o Parque Olímpico. Porém, no presente estudo, estaremos

limitados à atuação através dos outros projetos relacionados, buscando entender o contexto

de cada um, bem como, em certa medida, a paisagem que se revela em cada um.

O Projeto Porto Maravilha se destaca não apenas por possuir o maior número na criação de

novos mirantes, mas também pela narrativa cultural e simbólica presentes em discurso,

buscando não apenas uma reestruturação, mas também uma ressignificação da região

portuária, podemos perceber isso pelas diferentes iniciativas relacionadas a museus e centros

de memória, como o Cais do Valongo e o Circuito da Herança Africana. Pensando em todos

esses significados a paisagem se torna essencial para uma efetiva transformação, material e

simbólica, dessa região, ainda mais numa cidade como o Rio de Janeiro, onde essa relação

é ainda mais íntima.

Um ponto que ilustra bem essa preocupação é o levantamento dos pontos turístico-culturais

feito pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro

(CDURP), responsável pelo projeto. Esse levantamento aponta os mirantes como uma dessas

categorias turístico culturais de interesse, apontando quatro mirantes naquele momento,

deixando de fora apenas o Mirante do Museu de Arte do Rio (MAR), que nesse levantamento

foi apontado apenas como museu. O número de mirantes pode parecer pequeno se

comparado às outras categorias como “Interesse Arquitetônico”, “Transportes” ou

“Cinema/Teatro/Espetáculos”, mas se compararmos os pontos onde os mirantes estão

localizados com a proposta da CDURP de regionalização da Área de Especial Interesse

Urbanístico (AEIU) do Porto, podemos perceber que, existem mirantes em 1/3 dessas regiões,

apontados para diferentes direções, englobando boa parte da AEIU nessa paisagem.

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Ainda associado ao Cidade Olímpica temos o Projeto Morar Carioca Verde, realizado nos

morros da Babilônia e Chapéu Mangueira. Sendo derivado do programa de habitação popular

Morar Carioca, mas com o diferencial de absorver conceitos de sustentabilidade em sua

construção, como placas de captação de energia solar e revestimentos feitos a partir de

garrafas PET recicladas. Além disso, uma séria de pequenas praças, decks e um mirante são

o diferencial desse projeto.

O mais interessante ao se analisar o mirante criado pelo Morar Carioca Verde e a paisagem

destacada a partir dele é que se assemelha muito a uma narrativa tradicional da paisagem

carioca, que festeja os elementos da cidade entre a montanha e o mar, bem presente na

candidatura da cidade à Patrimônio Mundial da UNESCO e também nos mirantes reformados.

Uma questão que sem impõe é que, apesar de destacar a praia, a montanha e o mar, o

mirante está inserido em uma favela, e mais, em um programa de habitação popular, o que

dá margem à discussão já suscitada pelo Plano Diretor Decenal da cidade de 2012, que fala

em um “direito à paisagem” por todos os habitantes da cidade. Esse mirante se insere em

uma nova perspectiva da paisagem na cidade do Rio de Janeiro, como um instrumento de

cidadania e pertencimento.

Outro mirante criado através do Cidade Olímpica é o do Parque Madureira, construído em

2012 como uma das ações relacionadas à conferência climática da Rio +20, visando trazer

uma nova área de lazer para a Zona Norte da cidade, aliando ao discurso sustentável do

evento e promovendo o esporte na região.

A peculiaridade desse mirante é a seu posicionamento, enquanto todos os outros estão

localizados em áreas de maior altitude, como morros e teleféricos, o mirante do Parque de

Madureira possui uma estrutura não muito alta, de cerca de 4 a 5 metros de altura do solo,

proporcionando uma visão que contempla apenas o parque e uma pequena parte do seu

entorno.

Outra questão interessante é o uso da estrutura do mirante, que também possui como

estrutura adjacente uma Escada Hidráulica, uma espécie de “cachoeira” onde crianças tomam

banho e acabou inclusive motivando a construção de uma “praia” dentro da expansão do

parque, que, vale ressaltar, receberá mais um mirante. Em maio de 2015 a cobertura do

mirante foi retirada para dar lugar aos anéis símbolo do Jogos Olímpicos na cidade,

considerados, segundo o Portal Cidade Olímpica, “um novo cartão postal no coração da

cidade”, o que nos evidencia não apenas o potencial da paisagem a partir do mirante, mas

também a paisagem do mirante, que passa a receber e produzir grande visibilidade.

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O complexo Rubem Braga é um projeto empreendido pelo Governo do Estado do Rio de

Janeiro, sendo difícil de ser classificado, pois é um equipamento urbano que possui diversas

funções a partir de sua estrutura, localização e objetivos; Podendo-se destacar três funções

principais: transporte/mobilidade urbana e prestação de serviços, sendo elas permeadas pela

questão paisagística.

A questão da paisagem está presente de maneira latente no empreendimento, não apenas

no Mirante da Paz, que fica no topo da primeira torre, mas também em sua própria estrutura

física, que se destaca na paisagem, sendo inclusive iluminada em datas específicas junto de

outros cartões postais da cidade, recebendo inclusive um prêmio da Associação Paulista de

Críticos de Arte (APCA) na categoria “Obra Arquitetônica Brasileira”.

Além disso o próprio elevador da primeira torre engloba essa preocupação, já que é

panorâmico e voltado em direção ao bairro, a praça General Osório e à praia de Ipanema, à

medida em que se sobe. Após a vista panorâmica durante a subida, sobe-se mais um andar

através de escadas e chega-se ao Mirante da Paz, que possui uma vista de 360 graus. Por

essa última característica citada, a vista do mirante ganha uma especificidade interessante,

mostrando, ao mesmo tempo, o bairro e a Praia de Ipanema, junto a pontos consagrados da

paisagem carioca, como o Morro Dois Irmãos; e, no lado oposto, a outra torre do Complexo e

a favela do Cantagalo.

A vista do mirante se torna quase uma metonímia das políticas públicas apresentadas no

trabalho, evidenciando e valorizando elementos clássicos e também novos elementos na

paisagem carioca, criando uma nova narrativa nesse processo, em que a montanha e o mar

permanecem, mas coexistem com a favela não apenas no espaço geográfico, mas também

na vista, na paisagem e no imaginário.

Por fim, um dos projetos que produziu novos mirantes na cidade foi o Teleférico do Complexo

do Alemão, financiado a partir de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)

do Governo Federal. Dentre os projetos produtores de mirantes esse é o mais antigo, sendo

inserido não apenas na questão da mobilidade urbana, mas também da segurança pública, já

que a inauguração se deu apenas em 2011, depois da operação para a implementação de

uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP)

A paisagem tem um peso grande nesse novo momento das políticas públicas na região, já

que o teleférico se propõe não apenas a ser um meio de transporte, mas também um ponto

de vista privilegiado para uma vista das favelas que compõe o Complexo do Alemão e também

seus arredores e até a Baía de Guanabara, sendo também veiculado como um novo ponto

turístico, destacado inclusive com um dos mais visitados da cidade em uma matéria do jornal

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O Globo, que destaca toda a potencialidade turística do teleférico. Parte dessa reportagem

nos fornece um panorama interessante acerca dos elementos que estão presentes na

paisagem, nos auxiliando a descortinar a narrativa composta a partir do Mirante presente em

uma das estações do teleférico:

Mirante e UPP

O passeio básico, feito pela maioria, consiste em pegar o teleférico na

estação em Bonsucesso, seguir numa viagem de 16 minutos sobre as favelas

do complexo e descer em Palmeiras para tirar fotos a partir de um mirante,

onde está localizada a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Fazendinha.

E depois voltar para Bonsucesso.

Do alto da gôndola, vê-se um mar da casas e barracos — alguns ainda de

madeira —, moradores nas lajes, lixo em encostas, uma infinidade de becos.

A grandiosidade do Complexo do Alemão espanta os marinheiros de primeira

viagem, que, de cima, observam também as intervenções públicas pós-

pacificação, como a Praça do Conhecimento, na Nova Brasília. A paisagem

ainda é composta por bairros da Zona Norte, a Serra da Misericórdia (palco

da cena da fuga em massa de traficantes), a Igreja da Penha e a Baía de

Guanabara ao fundo.

Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/teleferico-do-alemao-bate-icones-

do-rio-em-numero-de-visitantes-8433461#ixzz3xEDuFOLT

O teleférico e o mirante do alemão, sem dúvida alguma contribuíram para a valorização não

apenas do Complexo do Alemão (ou parte dele) mas também da favela como um elemento

forte na paisagem carioca, sendo palco de novelas, filmes e cada vez mais presente em

circuitos turísticos, contudo, é preciso atentar que, ainda nesse caso, a paisagem não é

produzida de maneira ingênua e/ou ao acaso; existem muitos outro pontos de observação e

muitas outras favelas em diferentes áreas da cidade que não receberam mirantes ou ao

menos políticas públicas. Como percebido no fragmento da matéria citado, o mirante colocado

no Teleférico do Alemão está atrelado à ação das UPPs, através dos diferentes projetos

decorrentes dessa intervenção que se tornam elementos de destaque nessa paisagem, além

da própria sede da UPP da fazendinha (uma das favelas que compõem o Complexo), que

está localizada em frente à estação e ao mirante, o que nos fornece um exemplo prático da

ideologia e a política presente na paisagem, que passa a ser utilizada também como parte

fundamental de diversas políticas públicas.

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CONSIDERAÇÕES: VELHOS E NOVOS MIRANTES, VELHAS E NOVAS

PAISAGENS PARA UMA CIDADE EM MUTAÇÃO

Para pensarmos as intervenções nos mirantes e a paisagem, é preciso analisar os diferentes

projetos que as conduzem, pensando as esferas envolvidas, bem como a natureza e os

propósitos envolvidos nessa intervenção.

Gráfico 3 - Tipos de projetos produzindo mirantes

A partir da análise do gráfico, podemos perceber que existem diferentes projetos, de

naturezas bastante distintas produzindo mirantes, o que nos leva a considerar que a paisagem

não funciona apenas como um objetivo em si, mas é uma preocupação de ações de diferentes

objetivos, a paisagem se torna uma ferramenta, uma forma de construir diferentes políticas

públicas, por isso podemos falar em uma política da paisagem na cidade, que se mostra em

seus mais diferentes empreendimentos de intervenção urbana.

É interessante pensarmos também nas diferentes esferas do poder público envolvidas nessas

intervenções, o que nos pode fornecer um panorama de que a paisagem como política pública

não é apenas um fenômeno carioca, apesar da esfera municipal ainda possuir participação

majoritária, mas também começa a ser empreendida pelos governos estadual e federal.

Tipos de projetos produzindo mirantes

Conservação e Reformas Mobilidade Urbana Habitação Cultura Parques

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Gráfico 4 - Projetos produzindo mirantes por esfera do poder público

Apenas o levantamento dos mirantes recebendo intervenção da esfera pública não é

suficiente para uma análise dessas política e da paisagem produzida pelas mesmas; ainda

que nos forneça informações valiosas, é preciso fazer um estudo um pouco mais aprofundado,

mapeando esses mirantes e analisando sua paisagem. Assim se torna mais fácil a leitura das

esferas de governo e representação dessas políticas, expressas também na paisagem que

produzem e seus respectivos elementos.

Municipal

Estadual

Federal

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Mapa 1 – Ações em Mirantes por Área de Planejamento no Rio de Janeiro

A partir do mapa, podemos perceber que as ações possuem áreas de atuação diferentes, o

que vai influenciar também no tipo de paisagem que será valorizada.

O Programa de Revitalização de Mirantes, por exemplo, está concentrado na linha de costa

da cidade, principalmente nas Áreas de Planejamento (AP’S) Sul e Barra. Sendo assim, os

mirantes reformados possuem um certo padrão na paisagem em que representam, muito

alinhado com a candidatura da cidade À Patrimônio Mundial e a um certo imaginário

tradicional, em que os elementos principais são a montanha e o mar. Isso fica claro ao vermos

que metade dos mirantes estão localizados na linha de costa, diretamente voltados para a

praia e o mar (Mirantes da Prainha, Grumari, Joá e Leblon), enquanto a outra metade

localizada em áreas de morros (Mirantes do Santa Marta, Pasmado, Vista Chinesa e Grota

Funda). Como já mencionado, os elementos presentes nas paisagem desses mirantes reforça

a narrativa clássica, já consagrada da paisagem carioca, tão reproduzida mundo afora, junto

dos mirantes essa narrativa é também revitalizada.

Os novos mirantes possuem uma dinâmica espacial diferenciada, se espalhando por três

diferentes AP’s, sendo duas delas não contempladas pelo Programa de Revitalização (AP’s

Centro e Norte). Isso se dá pela quantidade de diferentes políticas, com diferentes propósitos,

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produzindo esses mirantes, o que irá ser refletido ao levarmos em consideração essas

paisagens. Logo, a paisagem produzida a partir desses novos mirantes irá englobar áreas e

elementos diferenciados da paisagem tradicional do mirantes reformados, como a região

central da cidade e a zona portuária (no caso do Porto Maravilha), favelas e o subúrbio carioca

(Mirantes do Teleférico do Alemão, Babilônia/Chapéu Mangueira, Complexo Rubem Braga e

Parque de Madureira), entre outros elementos mais locais. Trata-se de uma nova narrativa,

um outro ponto de vista da cidade que é representado por essas paisagens.

Ao analisar cada projeto no levantamento dos novos mirantes podemos perceber que a

paisagem produzida por cada um deles não é ingênua, cada um dos projetos possui seus

mirantes voltados para elementos próprios a serem destacados. Não se quer mostrar apenas

diferentes áreas da cidade, mas as áreas que estão sofrendo as próprias intervenções que

produzem os mirantes, que emolduram, legitimam e consagram esses projetos através da

paisagem.

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