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    PAI SAGEM E COMPLEXIDADE ECOLGICA

    A NECESSIDADE DAS NARRATIVAS

    Andreia Saavedra CardosoInstituto Superiorde Agronomia

    Seco Autnoma de Arquitectura Paisagista

    A conceptualizao da complexidade da paisagem, imanente suaformulao enquanto resultado estrutural de interaces entre sistemasauto-eco-organizados, remete para a necessria referncia conflitualida-de inerente ideia de natureza, concebida na histria do pensamento ocidental, at ao ps-modernismo, alternadamente sob a alada de visesfinalistas, ou por outro lado, dominadas por uma causalidade linear, naausncia plena de um tempo diferenciador e expressivo de uma finalidadeintrnseca, o que gerou a tardia considerao da complexidade, enquantointrnseca ao funcionamento ecossistmico, pelo delongar do conceito de

    causalidade complexa.A ideia de evoluo inerente concepo romntica de naturezacomo processo, mediado por uma finalidade, que constitua a prpriaestrutura dos fenmenos naturais, seria avanada pelos estudos naturaisde Goethe e formulada pelo autor na obra A metamorfose das plantas,tornar-se-ia fundamental no pensamento do sc. XIX, onde vrias visesse oporiam a uma concepo meramente materialista da natureza, baseadas ainda no pensamento sobre a histria introduzido nas cincias naturais, atravs das descobertas da geologia e estudo dos fsseis, nomeada

    mente atravs dos trabalhos precursores de Hutton (1785), Lyell (1830) eCuvier (1815), que indicavam o pressuposto inegvel do desenvolvimento da terra, derivado da aco no tempo das foras naturais.

    A formulao em biologia do pensamento evolucionista seria enunciada por Lamarck, no comeo do sc. XIX, que ao considerar a evoluocomo resultado da aco do meio sobre os organismos desencadeou afalncia da at ento aceite teoria da mudana, que postulava um universoesttico e imutvel desde a criao, sujeito apenas a alteraes infligidas

    Philosoplca, 29, Lisboa, 2007, pp. 49-64

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    pontualmente por aco divina. O papel dado ao meio na diferenciao,tanto dos organismos vivos, como na alterao da superfcie terrestre, definia uma interaco, que permitiu conceber o devir dos seres, assim comotraduzia a capacidade de um contexto mutvel influir sobre este mesmodesenvolvimento, servindo como contraponto viso de espao amorfodescrita pela dinmica. Darwin, em A origem das espcies (1859), ao sinte

    tizar as obras anteriores do pensamento evolucionista, veio sugerir o universo enquanto sistema em evoluo e em permanente mudana, no qual acomplexidade organsmica se desenvolvia a partir de formas mais simples,mas ainda assim, no cumprimento de leis fixas (Capra, 1982, p. 67).

    1. O ps-modernismo cientfico e a ideia de natureza contempornea

    A transio do sculo XLX para o X X, seria caracterizada pela

    dominante perspectiva neo-iluminista, mas assistiria formao de correntes antagnicas ao positivismo, que incidiam criticamente sobre ainterpretao mecanicista da teoria darwiniana e implcito determinismoda natureza, caracterizada pela permanente sujeio a uma finalidadergida e necessariamente progressista, num automatismo reactivo s perturbaes do ambiente, na qual a criao no encontrava lugar, interpretao a que as filosofias vitalistas, como a bergsoniana se oporiam, pelacontestao da ideia de tempo reversvel, enquanto essncia eterna, inertee uniforme. Em contraponto ao tempo reversvel marcado pela homoge

    neidade dos estados, que dominava ainda o pensamento cientfico, Berg-son define a durao real, insistindo na persistncia de um devir espiritual, que derivado da sua interpretao do evolucionismo naturalista, seriaao mesmo tempo conservao e criao total.

    O conceito de irreversibilidade intrnseco ao pensamento de Berg-son, j havia sido introduzido no pensamento cientfico, pela termodinmica, cincia da energia, emergida em pleno sc. XIX, com os trabalhosde Sadi Carnot (1824), a partir da qual se estabeleceria a associao inovadora entre conservao e irreversibilidade, como caso ampliador da

    dualidade conservao-reversibilidade, tida como conceito base da mecnica, que se provou no ser aplicvel s transformaes fsico-qumicas,marcadas pela irreversibilidade, conceptualizada por Thomson (1852),atravs da segunda lei da termodinmica, ao acentuar a dissipao irreversvel de calor inerente s transformaes em sistemas fechados',

    1 Essa dissipao tendencial a toda a transformao termodinmica, seria associada porClausius (1865) ao timo grego entropia, operando a introduo na fsica de um objecto,que "contrariamente ao objecto dinmico, nunca controlado seno parcialmente; pode

    acontecer-lhe escapar-se numa evoluo espontnea, porque para ele nem todas as evolues se equivalem." (Prigoginc; Stengers, 1986, p. 195).

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    caractersticos desta termodinmica clssica (Prigogine; Stengers, 1986,p. 182-187). Os sistemas tenderiam para um estado final, caracterizadopela cessao de toda a actividade e de todas as diferenas originriaspassveis de gerar efeitos - o estado de equilbrio trmico.

    Nos finais do sc. XIX, assumiam-se, segundo Morin (1991) duasvias diametralmente opostas e complementares ao conceito de evoluoreversvel da mecnica - o tempo entrpico e a probabilidade crescente eirreversvel da desordem e desorganizao, caracterstica dos sistemasfechados e a evoluo criadora da organizao viva; ambiguidade que

    permaneceria em parte silenciada, pela crena na distino entre organizao fsica, associada a uma evoluo irreversvel para a desorganizaoentrpica e organizao viva, que baseada numa matria especfica, tenderia inversamente para o desenvolvimento (Morin, 1991, p. 74).

    Sob a influncia das teorias evolucionistas e a nfase dada pelos

    naturalistas ao papel do ambiente abitico na organizao e dinmica dascomunidades, surge ainda no sc. XIX o termo ecologia, criado pelo bilogo alemo Ernst Haeckel (1866), sendo que a formulao do conceitode ecossistema, designado por Tansley (1935), enquanto base de estudoda cincia ecolgica (Lvque, 2002, p. 40), assinalava a progresso desta disciplina em direco a uma viso sistmica, na qual o estudo da entidade deixa de ser pertinente, assumindo-se o sistema organismo-meio--ambiente, enquanto modelo de organizao e objecto de estudo cientfico.

    A questo da organizao biolgica e a resoluo da aparente con

    tradio inerente sua evoluo, quando equacionada com a tendnciairreversvel para a desordem termodinmica, seria abordada pelo bilogoBertalanffy nos anos 40 do sc. XX, ao efectuar uma sntese dos conceitos da teoria da informao e da ciberntica e sua aplicao ao estudo dossistemas vivos, considerados como sistemas abertos. Segundo os desenvolvimentos desta concepo na sua obra Teoria geral dos sistemas, dosanos 50, a evoluo para ordens de crescente complexidade, intrnseca aodesenvolvimento dos sistemas vivos, estaria relacionada com a sua condio de abertura ao meio envolvente, que permitindo a importao de

    matria, compensaria o acrscimo de entropia devida aos processos irreversveis ocorridos no seu interior (Bertalanffy, 1968, p. 106). Este tipode sistemas, ao contrrio dos definidos pela termodinmica, caracterizavam-se pela tendncia a procurar um estado estacionrio de no--equilbrio, possvel por uma auto-regulao, que semelhante definida

    pela ciberntica e formulada por Cannon (1932) sob a designao dehomeostasia, estabelecia uma aparente constncia possvel apenas, atravs de um contnuo estabelecimento de fluxos de matria e energia com asua envolvncia, assegurando uma permanente regenerao dos constituintes.

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    Um dos caracteres definidores da singularidade da organizao vivaseria a equifinalidade, propriedade que permitia, perante uma pluralidadede condies iniciais diferenciadas e sujeio a perturbaes, o alcancesistmico de um estado estacionrio semelhante, provento de fenmenosde auto-regulao. Este estado estacionrio de no-equilbrio havia sidodefinido por Onsager (1931), ao esboar as primeiras formulaes da

    termodinmica linear de no equilbrio, descrevendo o estado estacionrio, enquanto um comportamento geral e previsvel, caracterizado poruma produo de entropia constante, possvel atravs da compensao daentropia derivada dos processos irreversveis, por um fluxo de calor oumatria vindo do meio (Prigogine; Stengers, 1986, p. 215).

    A independncia do tempo que define o estado estacionrio, encontra-se implcita na noo de equifinalidade, mencionada por Bertalanffy,como caracterstica dos sistemas abertos, e semelhana da evoluo

    para o equilbrio, a evoluo para o estado estacionrio, segundo Prigogine e Stengers (1986), independente do tempo, pressupe alis o esquecimento das condies iniciais e estabelece a indiferena ao percurso deestados passados do sistema, representando uma evoluo dedutvel a

    partir de leis gerais e de modo algum identificvel com um "devir complexo"; a irreversibilidade no possui, na formulao inicial da sistmica,papel determinante na criao ou morfognese.

    Se no perodo entre as duas guerras, a emergncia da nova ecologia,com base nas descobertas da termodinmica, teoria da informao, teoria

    dos sistemas e teoria econmica, se insurgia contra a ideia redutora decomunidade, que considerava apenas as componentes biticas e imprimiaao meio fsico-qumico um papel secundrio, que o termo holstico deecossistema se propunha substituir(Lvque, 2002, p. 44), as abordagensda ecologia reflectiam um mecanicismo resultante da fsica moderna,

    patente num modelo que tomava a biosfera como mquina e os processoscomo mecanismos, que accionados pela energia solar utilizavam e operavam a degradao desta energia, segundo uma evoluo dinmica determinista (Lvque, 2002, p. 54). O reducionismo encontrava-se subjacente

    metodologia aplicada, que examinava as relaes organismo-ambienteuma a uma, no sentido de detenninar as relaes simples, das quais resultaria a compreenso e formulao das leis inerentes ao funcionamento doecossistema enquanto todo. (Lvque, 2002, p. 54).

    A evidncia da necessria integrao e transformao das partes naconstituio organizacional do ecossistema, seria realada pelas correntesholistas, nomeadamente atravs dos trabalhos dos irmos Odum, na dcada de 50, que sob a influncia da primeira sistmica e da importncia doholismo nos modelos microfsicos da mecnica quntica, centraram os

    seus estudos nas propriedades emergentes do todo, inacessveis exclusivamente atravs de uma abordagem analtica.

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    A explicitao da necessidade de um novo paradigma para fundamentar e desenvolver o holismo ecossistmico, permaneceria no entantoat dcada de 90 do sc. XX, sem uma abordagem metodolgica, que

    permitisse o estudo da complexidade (Lvque, 2002, p. 73), persistindoo debate entre reducionistas e holistas, cuja resoluo seria coetnea aodesenvolvimento da perspectiva transdisciplinar, que caracterizaria o

    estudo dos sistemas complexos.

    2. A paisagem como resultado de interaces entre sistemas auto-eco-organizados

    O conceito de unidade complexa seria avanado porMorin (1977),na obra O mtodo, que constituiu a primeira abordagem simultaneamentecientfica e filosfica do conceito de complexidade, enquanto imitas mul

    tiplex, o que tecido em conjunto no seio de uma unidade sistmica, queassegura a manuteno, organizao e produo de diversidade (Morin,1997, p. 139). O ecossistema concebido, segundo o autor, de acordocom a noo de sistema complexo, em que as inter-relaes que ligam assuas componentes, assim como estes sistemas entre si, se processam nadependncia de uma organizao complexa, cujo "efeito mais notvel aconstituio duma forma global retroagindo sobre as partes, e a produode qualidades emergentes quer ao nvel global, quer ao nvel das partes"(Morin, 1997, p. 142).

    Atravs desta definio, que constituiu uma abertura para o tema dacomplexidade sistmica, encontra-se subjacente a insuficincia, quer doreducionismo, quer do holismo, pois ambos efectuam uma reduo s

    partes ou ao todo, respectivamente, sendo que a condio temporria devirtualidade a que podem estarsujeitas algumas das componentes de umsistema, devido s imposies actuais da configurao sistmica global,

    podem impedirque sejam consideradas atravs das aproximaes holsti-cas, por no serem dedutveis do todo, isto , visveis ao nvel mdio docomportamento geral2.

    Uma compreenso ecossistmica da paisagem3 baseia-se numa abor-

    2 Segundo Morin (1997) "se as partes devem ser concebidas em relao ao todo, devemigualmente ser concebidas isoladamente [...] para [se] conhecer melhor, as imposies,inibies e transformaes operadas pela organizao do todo." (Morin, 1997, p. 121)As abordagens recentes em ecologia ao suporem a complexidade inerente dinmicaevolutiva de um ecossistema, concebem a possibilidade de ocorrer o desbloqueio organizacional das componentes, como refere Jorgensen (1992), acentuando portanto a reduo holstica ao todo, como falvel na aproximao ao sistemas complexos.

    3 Seria atravs da constituio disciplinarda ecologia da paisagem, pelo biogegrafo Troll(1939), que a ecologia seria integrada espacialmente, atravs da paisagem, definidacomo entidade espacial e visual, prpria espcie humana, englobante da geosfera, bios-

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    dagem que procura interpretar as suas estruturas, na relao com ospadres de organizao que as geram ou configuraes mutveis de relaes existentes entre os componentes de um ecossistema e entre a multiplicidade de ecossistemas, que actuam numa determinada rea do territrio, compreendendo aqui tambm o papel das actividades humanas,enquanto paite das interaces definidas, das quais resultam as caracters

    ticas distintivas dos sistemas na sua inter-relao; de que decorrem propriedades emergentes em relao a uma hipottica situao de isolamentoentre sistemas. As propriedades estruturais, que participam da morfologiada paisagem derivam assim da actuao do que Brossard e Wieber(1984), consideram os sub-sistemas produtores da paisagem visvel, queconcernem o objecto de estudo sectorial de vrias disciplinas (geomorfo-logia, fitogeografia, hidrologia, etc) , mas sobre o qual se desenvolvemestudos integrados sobre eco- e geossistemas4, que procuram estabelecera ligao entre estes sistemas produtores e o seu produto - a paisagem

    visvel, atravs da sua interpretao enquanto constelao objectiva designos ou ndices, dos quais se infere a actuao dos processos sistmicos. (Brossard; Wieber, 1984, p. 7)

    A interaco dos factores de ambiente, visveis e invisveis determinam assim o que Magalhes (2001) define como estrutura ecolgica da

    paisagem - "a expresso espacial no territrio resultante [...] [das] complexas interaces entre os factores ecolgicos, que do origem ao todoglobal que poderamos designar por paisagem natural."(Magalhes, 2001,

    p. 340) Outro conceito fundamental, salientado porCapra (1996) emrelao aos sistemas complexos o de processo, enquanto ligao entreos conceitos de padro de funcionamento e estrutura, sendo atravs dos

    processos, que o padro de organizao se realiza na estrutura da paisagem5. O conhecimento do padro de organizao resulta parcialmente da

    fera e do conjunto dos artefactos humanos. O conceito de paisagem enquanto poro deterritrio heterogneo composto porconjuntos de ecossistemas em interaco, foidesenvolvido porForman e Godron (1986), que distinguiram uma composio estrutural

    comum a todas as paisagens, de que participariam os elementos - matriz ou fundo, marcas ou elementos pontuais e os corredores ou elementos lineares. Ao nvel integrador dapaisagem, as abordagens que procuram demarcar-se da concepo esttica de equilbrioe da evoluo determinstica abrangem reas como a ecologia - Jogersen (1992), e aecologia da paisagem - Naveh e Lieberman (1994).

    4 A definio de geossistema parte da integrao de vrios ecossistemas, mas considera asactividades antrpicas, enquanto influentes na sua evoluo, tratando-se portanto de umaabordagem paisagem do ponto de vista ecossistmico.

    5 Esta concepo encontra-se implcita na abordagem de Forman e Godron (1986), queestabelecem como caractersticas da paisagem os conceitos de estrutura, funo emudana, que equivalem trade estrutura-padro-processo adoptada pelas abordagens

    recentes em ecologia da paisagem, segundo uma concepo sistmica, entre as quais seinsere os trabalhos de Naveh e Lieberman (1994).

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    interpretao da sua traduo fsica, mas inclui tambm o estudo de factores de ambiente invisveis, mas que participam do funcionamento ecossis-tmico subjacente paisagem.

    O comportamento complexo, actualmente considerado como descritivo da dinmica da paisagem, resultado da actuao de vrios sistemase implica a existncia de interaces no lineares, de carcter eminentemente local, entre uma diversidade e multiplicidade de componentesorganizados sistemicamente, permitindo ligaes entre componentes distantes, e fenmenos de modelao ao longo do percurso, impossveis se adeterminao das relaes fosse realizada directamente (Cilliers, 1998,

    p. 3). a existncia desta organizao em rede, referida por Cilliers(1998) que permite a recorrncia ou existncia de feedback, fundamentalna correco e ajuste da actividade dos sistemas em relao a flutuaesexternas ou internas, mas paradoxalmente o carcter local das interacesimpede que exista um conhecimento global do estado do todo, ao nvel decada elemento particular. O seu comportamento ditado pelas ligaeslocais e auto-organizado, no sentido em que apesarde resultado de actuaes desta natureza, estas resultam num comportamento coerente e comuma finalidade (Cilliers, 1998, p. 3), que no entanto mutvel, no assimilvel ao conceito determinista de equifinalidade, o que define a singularidade dos sistemas ditos auto-eco-organizados, identificados actualmente com todos os sistemas vivos, em que se incluem os ecossistemas,as sociedades humanas, e as paisagens que pressupem ambos, apresentando nveis de complexidade superiores organsmica. no sentido deesclarecer a dinmica prpria dos sistemas ditos complexos, que actuamna produo da paisagem, participando da sua identidade formal e funcional, que em seguida se incide sobre o conceito de auto-eco-organizao.

    2.1 Autopoiesis: a auto-eco-orgamzao sistmica

    Seria apenas entre os anos 40 e 60 do sc. XX que os trabalhos dofsico e qumico Ilya Prigogine sobre a termodinmica dos processosirreversveis, conduziram descoberta da ligao entre a no-linearidadee o estado de desequilbrio, que caracteriza os sistemas vivos, estabelecendo as condies de manuteno de estabilidade em situaes longe doequilbrio, relacionando-as com o conceito de auto-organizao (Capra,1996, p. 86).

    A capacidade inerente aos sistemas complexos de contnua renovao de si prprios, sob a aco das flutuaes exteriores e interiores, man

    tendo uma identidade estrutural relativamente estvel constitui, segundoMorin (1997), uma dinmica complementar entre as antinomias - identi-

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    dade/alteridade e ser/devir, possvel apenas por um comportamento, queassegurando a autonomia, reflecte no entanto uma dependncia do exterior, da a designao de sistemas auto-eco-organizados.

    Um sistema diz-se assim auto-organizado ou autopoitico6, segundoo autor, quando a sua constncia ou identidade formal derivam da suaactividade organizativa permanente, na ausncia de um determinismo por

    pr-programao interior, e de um determinismo exterior, o sistema anelasobre uma forma organizacional os processos irreversveis, que de outraforma se manteriam apenas como anti-gensicos, condicionando o sistema a um estado inicial e nico, caracterizado pela desordem,

    Pela retroaco negativa as flutuaes resultantes da degeneraoprpria da actividade sistmica, simultaneamente com carcter eversivo eentrpico, assim como das perturbaes induzidas pelo exterior, sosegundo Morin (1997), anuladas no sentido de manuteno das flutuaes, dentro do limiar permitido pela organizao, que define o presenteestado. Pela criao de uma ordem e determinismos internos, resulta oestado estacionrio ou steady state, caracterizado pela morios tase, possvel atravs da reorganizao permanente, de uma estabilidade global nainstabilidade, atravs de um estado em si contraditrio, impossvel dedefinir atravs da inactividade e ausncia de fluxos, que caracteriza ahomogeneidade do equilbrio termodinmico, mas tambm irredutvel aodomnio desordenado do desequilbrio.

    A retroactividade reguladora, que estabelece o estado estacionrio,

    aparentemente similarao conceito de homeostasia (horneo = igual; stasis= estado) formulado por Cannon (1932), a partir da evidncia da constncia formal e interna do organismo, diverge ainda da definio de Odum,que a traduz como "tendncia que os sistemas biolgicos tm para resistir alterao e permanecer em estado de equilbrio" (Odum, 1997, p. 51);

    pois ambas ignoram que, internamente, esta persistncia morfolgica,depende antes de um devir organizacional constante para evitar, exactamente, a deriva para o equilbrio termodinmico7.

    6 O termo autopoiesis formulado por Maturana e Varela (1970), deriva da conjugao dostermos gregos auto, que se refere a autonomia e poisis, que designa criao e renovao, tendo sido avanado, na sequncia de estudos em neurocincias, que procuravamestabelecera relao entre a existncia de vida e a auto-organizao, inerente produ-o-de-si e verificada como condio do fenmeno vivo, mesmo ao nvel pr-biolgico(Capra, 1996, p. 97).

    7 Esta fuga s condies mais provveis processa-se atravs da organizao da abertura dosistema, mas tem por condio necessria, segundo Jorgensen (1992) um influxo deenergia de fraca entropia, no caso dos ecossistemas - a radiao solar, que no s mantm o sistema longe do equilbrio, mas compensa directamente as produes de entropia,

    verificadas pela irreversibilidade geral da maioria dos processos ecolgicos, assegurando a possibilidade de regenerao permanente dos componentes.

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    A estabilidade existe na dependncia e centralidade do factor tempo;considera a variabilidade intrnseca s condicionantes externas e internas,que sujeitas a periodicidades, tambm comportam elementos aleatrios econduzem o ecossistema a uma mudana contnua de estado atractor paraoutro, sem que o estado estacionrio seja, segundo Jorgensen (1992),atingido. O conceito de resilincia, enquanto capacidade do ecossistema

    para retornar ao mesmo estado aps perturbaes, actualmente considerado como capacidade de recuperao, que denota a flexibilidade do sistema, mas que no se expressa jamais atravs de uma repetio de estados, pela preponderncia da diacronicidade nas evolues, que caracterizam a complexidade. Segundo o autor, uma combinao similar defactores externos, pode ainda originar uma evoluo dirigida para estadosestacionrios diversos, pelo que a deriva especfica para um desses estados atractores, depende da histria do sistema, e no condicionada apenas pelas condies exteriores e interiores, que singularizam o estado

    sincrnico do sistema (Jorgensen, 1992, p. 277).Neste sentido, tornam-se insuficientes com o comportamento ecos-

    sistmico as noes clssicas de resistncia, resilincia e equifinalidade,quando se consideram os processos de desenvolvimento ou processos desucesso descritivos da evoluo em ecologia. A sucesso ecolgica8

    conceptualizada como processo previsvel que culmina numa comunidadefinal ou clmax, auto-perpetuvel e em equilbrio com o habitat fsico(Odum, 1997), em acordo com o conceito de equifinalidade, e em detri

    mento de diferentes percursos histricos, responde a um paradigma deordem clssico, determinista, incompatvel com as evidncias, que parecem descrever o comportamento de sistemas, que operam em condieslonge do equilbrio. consensual actualmente, que no existe uma realimutabilidade, nem no estado presente, nem no decurso da evoluo, se

    pode considerar a existncia de um estado final de clmax nico, mas umconjunto de clmaxes, que variam continuamente segundo os gradientesambientais (Correia apud Srgio, 2004, p. 70).

    Foi possvel deduzir at aqui uma auto-organizao dos ecossistemas

    a partir de processos de regulao e retroaco negativa, mas estes descrevem apenas uma manuteno de uma tendncia geral de evoluo, queapesar de conter intrinsecamente flutuaes que transformam o sistema,mantm um mesmo nvel organizativo, sem o corromperem, no permitindo a concepo da evoluo criativa e aberta, que caracteriza a impre-visibilidade do comportamento complexo.

    8 O conceito cie sucesso ecolgica definido por Odum (1997) enquanto "processoordenado de desenvolvimento da comunidade [...] razoavelmente dirigido e, portanto,

    previsvel [...] [culminando] num ecossistema estabilizado" (Odum, 1997, p. 403).

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    2.2 Estruturas dissipativas: a morfognese aberta e bifurcante

    O conceito de auto-organizao desenvolvido pelos estudos de Pri-gogine, seria associado a um tipo de estruturas particulares que designou

    por dissipativas, inerentes ao funcionamento de sistemas abertos, onde aordem produzida implicava a interveno de fenmenos dissipativos, at

    meados dos anos 70, concebidos pela fsica como perdas, e nunca comoorigem ou pr-condio de configuraes ordenadas. As estruturas dissi

    pativas que caracterizam o funcionamento termodinmico dos sistemascomplexos, associam-se a uma evoluo em condies longe do equilbrio, marcada por uma estabilidade descontnua, como referida porJorgensen (1992), que permite fenmenos morfogenticos a partir de umlimiar de instabilidade, atingido por uma forma de regulao particular -a retroaco positiva, a partir da qual podem emergir novas direcesevolutivas para o sistema.

    Segundo Morin (1997) a retroaco positiva instala-se pela desintegrao dos fenmenos reguladores, alimenta-se a si prpria, atravs daacentuao dos desvios e das perturbaes, desencadeia e propaga esteselementos de desorganizao, estabelecendo uma tendncia ou deriva

    para uma complexidade potencial e insurgente. Ao fomentar as instabilidades este tipo de retroaco posiciona e mobiliza o sistema para a morfognese, atravs da generalizao das flutuaes locais ao todo sistmico, permitindo a multiplicao das vias de desenvolvimento organizacional. A instabilidade do percurso evolutivo geral para um determinadoatractor, estabelecida atravs da amplificao das flutuaes em pontoslonge do equilbrio, determina o cessarda tendncia para o nivelamentodas diferenas inerente s regulaes, e implica uma passagem abrupta deestado atractor para outro, impondo a ideia de uma "estabilidade descontnua" (Jorgensen, 1992, p. 275), caracterstica da no-linearidade prpriade sistemas complexos, como o caso dos ecossistemas.

    Os instantes temporais que antecedem estes saltos descontnuos, paraa realizao de um dos mltiplos estados atractores possveis, denomi

    nam-se de pontos de bifurcao, sendo que o estado singular provento dasequncia de instabilidades definido temporalmente, porque apenasinteligvel de uma forma "histrica ou gentica: preciso descrever ocaminho que constitui o passado do sistema, enumerar as bifurcaesatravessadas, a sucesso das flutuaes que decidiram da histria realentre todas as histrias possveis." (Prigogine; Stengers, 1986, p. 235).

    O carcterbifurcante destes estados longe do equilbrio, caractersticos de sistemas estruturalmente instveis, isto , com capacidade evolutiva, so indicativos de um comportamento no-linear, imprevisvel na sua

    dependncia diacrnica de estados prvios do sistema, como pela susceptibilidade s condies aleatrias do ambiente, cujo papel no seguimento

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    ou curso do sistema pode ser decisivo nestas situaes. A imprevisibili-dade do processo evolutivo dos ecossistemas, na dependncia destes pontos de instabilidade, deve-se criao ininterrupta, em cada cadeia deretroaco positiva, de uma finalidade e um comportamento especfico,claramente temporais, que excluem a possibilidade de definir uma leigeral, que permita a partir do instante presente, deduzir as consequncias

    de determinadas causas no estado futuro, da situao concreta em anlise.O conceito de "ordem por flutuaes", implcito na teoria das estru

    turas dissipativas de Prigogine, enfatiza a importncia, que os desviosaparentemente insignificantes, podem tomar no curso evolutivo do sistema, em pontos de instabilidade acentuados por retroaces positivas,estados que se caracterizam por uma elevada conexo entre elementos,que ao invs de proporcionar o nivelamento das tendncias individuais,constituem pelo contrrio, segundo o autor, as oportunidades para a suaexpresso9, pelo facto de o sistema se comportar como um todo. Os feedbacks positivos ao conduzirem os sistemas para limiares de instabilidade,

    permitem atribuir aos desvios, um papel gerador de novas estruturas eestados de organizao, sendo que sequncia das instabilidades prpriada morfognese sucede a estabilizao atravs da regulao ou retroaconegativa (Morin, 1997, p. 209).

    A regulao vem permitir, segundo Morin (1997), que a finalidadeemergente, definida pelo novo estado atractor, se constitua e integrenuma forma de organizao, que gerada a partir das instabilidades tempo

    rais, se traduz numa estrutura mais adequada s novas condies. O papeldos feedbacks apenas o de estabilizar ou fomentar instabilidades, quando a regulao suficiente no caso dos primeiros, ou quando pelo contrrio a estabilidade face s variaes internas ou externas exige e tornanecessria, a evoluo do sistema para estados de menor entropia e logo apassagem obrigatria por uma fase de instabilidades, para que tal objectivo seja alcanvel.

    causalidade linear do determinismo, a dinmica dos sistemas complexos evidencia, desta forma, o metaconceito de "endo-exocausalidade"

    (Maruyama apud Morin, 1997, p. 248), e uma evoluo aberta e indeterminada, que constitui a singularidade do comportamento intrnseco aestes sistemas, proposta pela obra de Prigogine, que reside na integraoentre retroaces negativas, ou fases de estase descontnua, que permitema manuteno de uma identidade estrutural, pela activa explorao das

    9 Nos pontos de bifurcao, "o desvio em relao lei geral total [...] podem aparecercorrelaes entre acontecimentos normalmente independentes [...] [dado que o] sistemano ponto de bifurcao se comporta como um todo [...] os acontecimentos locais repercutem-se, portanto, atravs de todo o sistema [...] as pequenas diferenas, longe de seanularem, se sucedem e propagam sem cessar." (Prigogine; Stengers, 1986, p. 247).

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    estabilidades, que o meio proporciona, adiando a evoluo para a desordem dos estados de equilbrio ou estacionrios prximos dele; e asretroaces positivas que usufruem das instabilidades e permitem a insur-gncia, nas bifurcaes, de acasos individuais, que tomam o lugar dosestados mdios anteriores, instalando-se como novo regime de funcionamento ou finalidade prpria do sistema, na sua relao de abertura ao

    meio, que implica tambm a criatividade e a morfognese10

    .Existe portanto, ao nvel dos sistemas auto-eco-organizados, entre os

    quais os ecossistemas e indirectamente a paisagem, enquanto resultadoestrutural da autopoiesis dos sistemas bio-geo-antropolgicos, um desafio integrao complexa dos conceitos de determinismo e indeterminismo,entre a natureza descrita pelo pensamento cientfico moderno, esttica eprevisvel e a natureza aberta para uma evoluo improvvel, mas possvel, no mbito das condies singulares, que os estados longe do equil

    brio permitem; convocando um olhar sobre o mundo material, que lheassocia caractersticas como a criatividade, historicidade e liberdade, paraalm da universalidade das leis; propriedades antes exclusivamente concebidas como reservadas ao domnio humano.

    3. A complexidade da paisagem e as suas narrativas

    A indeterminao prpria do tempo bifurcante das evolues porinstabilidade e amplificao das flutuaes, exige que no campo das cin

    cias naturais, se considere uma aproximao histrica ao estudo dos sistemas complexos, como os ecossistemas e implicitamente as paisagens,

    pelo facto destes reterem o registo das perturbaes, que marcaram o seudevir; e estas poderem, em qualquer ponto de instabilidade, determinar o

    percurso evolutivo. A amplitude desta alterao ps-moderna do objectode estudo das cincias da natureza, apresenta consequncias metodolgicas derivadas das limitaes, actualmente conhecidas, como intrnsecas descrio sincrnica de um estado do sistema, ou seja, apenas a partir dascondies particulares do instante em anlise, e do conhecimento das

    vicissitudes funcionais ou leis, que se consideram presidir sua evoluo.

    1 0 A obra A nova aliana: a metamorfose da cincia, de Prigogine e Stengers refere-se defacto a esta aliana, na designada ordem por flutuaes, entre o determinismo das leismdias, que opera entre zonas de bifurcao e a indeterminao prpria dos pontos deinstabilidade, "entre acaso e necessidade, entre inovao provocadora e [mera] respostado sistema [...] entre estados do sistema onde toda a iniciativa individual votada insignificncia e a zonas de bifurcao, onde um indivduo, uma ideia ou um comportamento novo podem perturbar o estado mdio [...] utilizai* em seu proveito as relaesno-lineares que asseguravam a estabilidade do antigo estado mdio [...] [e] determinar

    a destruio dessa ordem, a apario para alm de uma outra bifurcao, de um outroregime de funcionamento." (Prigogine; Stengers, 1986, p. 264).

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    Existe uma aleatoriedade que intrnseca ao real, uma desordem objectiva, que no deriva directamente da existncia de limites para o conhecimento cientfico, mas que se identifica com a prpria natureza dos fenmenos complexos. A abordagem aos ecossistemas ou s paisagens exigeassim, como o estudo de qualquer sistema complexo, num determinadoinstante de interveno, um enquadramento ou reconstruo histrica dasua evoluo, uma "narrativa ambiental" (Caravaggi, 2002, p. 63) ou umahermenutica da paisagem, porque dependente do acto de traduzir einterpretara sua transmutao no tempo.

    A complexidade da paisagem encontra-se portanto directamenterelacionada com o problema crucial das escalas, no apenas temporais, deacordo com a ideia de causalidade complexa, mas tambm, pela j assumida interligao entre processos correspondentes a diferentes escalasespaciais, que so igualmente susceptveis de interagir(Levque, 2002,

    p. 242). O estudo de uma paisagem particular, implica geralmente umprvio estabelecimento de limites de interveno, que por serem geralmente territoriais derivam de uma lgica, quase sempre baseada emimposies administrativas, negligenciando inmeras vezes o funcionamento subjacente paisagem, ao processar esse corte. A ligao totalentre elementos, que caracteriza o modelo em rede dos sistemas complexos e a elevada conexo, nos ditos pontos de instabilidade, determina quefenmenos aparentemente irrelacionveis do ponto de vista espacial possam concorrer, para uma determinada transformao.

    Os critrios que presidem a uma identificao de unidades de paisagem para actuao devem considerar portanto, as suas possveis lgicasde funcionamento, no sentido de evitar a excluso partida de elementose processos que concorrem para a situao em anlise. A procura de umadelimitao, que se identifique estruturalmente o mais possvel com opadro funcional da paisagem observada e concebida, requer uma "sensibilidade sistmica [...] arte aleatria e incerta, mas rica e complexa, comotoda a arte, de conceber as interaces, interferncias e encadeamentos

    polissis tmicos." (Morin, 1997, p. 135), da qual depende inevitavelmente

    a acuidade da interveno. Os limites espaciais designados so tambmsusceptveis de variar, no apenas consoante os processos visados, mascom as escalas de tempo consideradas como. pertinentes, dado que, aconstelao de elementos relacionados sistemicamente varia igualmenteao longo do tempo.

    Do ponto de vista temporal, a identificao dos pontos crticos ou debifurcao a partir dos quais se desencadearam alteraes significativasna paisagem uma forma de a partir destes tentar isolar os factores emactuao nesses momentos, pressupondo a possibilidade de factores laten

    tes sob a forma de marcas no sistema poderem ainda, pela sua actuaoindividual, desencadearefeitos inesperados por amplificao de retroac-

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    es positivas, para alm de uma escala temporal partida consideradaprevisvel , a partir do momento presente tido como referncia.

    Neste sentido, enquanto projectistas da paisagem, devemos assumira incerteza inerente sua dinmica derivada do carcter bifurcante dasevolues por instabilidade, dependente do efeito diacrnico das pertur

    baes , sabendo que "podemos e devemos construircenrios possveis eimprovveis para o passado e o futuro." (Morin, 1997, p. 250). No casoda paisagem encontramos portanto duas formas de narrativa, que se imiscuem, e se pressupem mutuamente - uma ambiental marcada pela incerteza inerente ao funcionamento complexo e outra cultural, na interpretao de qual o significado a atribuira determinados tractos de paisagem,que somos obrigados a reconstituir, tambm historicamente, as origens,os estados passados e qual o sentido que devem tomar a partir da presenteinterveno. Em ambas as narrativas histricas, o sujeito implica-se noseu objecto a paisagem, pelos objectivos prvios, que presidem ao nossoolhar, pela seleco dos vestgios, pelas ligaes que estabelecemos entreos factos, pelo enquadramento num discurso; que nos fazem colocardeterminadas interrogaes, que so irrevogavelmente proventas da nossasubjectividade, enquanto indivduos situados num determinado contextosocial, cultural e histrico.

    A problemtica da complexidade da paisagem depreende-se assim,no apenas de uma ideia de natureza ps-moderna de que paradigma aevoluo porbifurcao, modelo do devir complexo e das suas caracters

    ticas fases de indeterminismo, mas prende-se com a nossa condiohumana face incapacidade de conceber conceptualmente essa transcendncia da natureza, pois como todo o conceito referente ao real ainda

    passvel de uma representao complexa11, porque aproprivel ou determinada parcialmente porreferncia a uma existncia, que no subsume oseu sentido, sempre excessivo face s significaes e aos cdigos, em queestas se inserem. Os cdigos por derivarem da especificidade de uma cultura encontram-se tambm eles, sempre em aberto, na sujeio a fenmenosde evoluo ou "inveno" (Eco, 1976, p. 167), isto , novas formas de

    codificar ou trazer visibilidade aspectos at a invisveis do real, porqueapartados de uma correlao convencionada entre contedo e expresso.

    Como arte que tem pormatria uma natureza espacializada - a paisagem, a singularidade da arquitectura paisagista em relao a outrasformas de expresso artstica, reside na fundamental considerao dascomponentes ecolgicas deste cenrio real, que exige ao projectista aresponsabilidade por uma interveno sustentvel, supondo a relao

    Sobre esteassunto

    veja-se A. Saavedra Cardoso (2005), Contributos parauma

    hermenutica da paisagem. Relatrio do Trabalho de Fim de Curso. Lisboa: UniversidadeTcnica de Lisboa; Instituto Superior de Agronomia.

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    entre esta e os mltiplos estados atractores ou cenrios possveis para ofuturo que a concepo insinua, atravs de narrativas que cruzam aspectos socio-culturais e ecossistmicos. A concepo constitui a tentativa decompat ibi l izao da componente natural da paisagem, com a presenahumana e a segmentao que a sua apropriao implica, limitando//ampliando pela arte e pela tcnica, o rumo sempre multvio da autopoie-

    sis da paisagem e a sua complexidade ecossistmica e semntica.

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    RESUMO

    A abordagem complexidade da paisagem, decorre da interpretao da suaface visvel enquanto constelao objectiva de sinais que a arquitectura paisagista

    procura codificar, deles inferindo a actuao dos processos sistmicos como resultantes da actualizao de padres ou configuraes mutveis de relaes existentesentre o mosaico de ecossistemas, que na sua relao com os sistemas socio-culturais humanos se expressam estruturalmente na paisagem.

    O presente artigo esclarece a necessidade de uma hermenutica da paisagemgerada pela sua complexidade, abordando o conceito de evolues porinstabilidade, implcito na teoria dos sistemas auto-eco-organizados e elevada conexoentre escalas espaciais e temporais, que caracteriza as interaces complexas e odeterminismo-indetermismo envolvido no seu comportamento autopoitico, quecausa a necessidadede narrativas ambientais.

    Palavras-chave: filosofia da natureza, ps-modernismo, paisagem, auto-organi-zao, complexidade.

    ABSTRACT

    The approach to landscape complexity, elapses from the interpretation of itsvisible face while constellation of objective signs, which landscape architectureengages to code, inferring the action of the systemic processes as the result of the

    actualization of patterns or changeable configurations ofexisting relations betweenthe mosaic of ecosystems, that in its relation to socio-cultural systems have aparticularexpression on landscape structure.

    The present article clears the need of landscape narratives generated by itscomplexity, approaching the concept of evolutions by instability, implied on theself-organizing-systems theory due to the high connection between spatial andtemporal scales, that characterize the complex interactions and the determinism--indeterminism involved in its autopoietic behaviour, causing the need ofenvironmental narratives.

    Key-words: philosophy of nature, post-modernism, landscape, self-organization,complexity.