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PAINÉIS AINÉIS AINÉIS AINÉIS AINÉIS Marilda Almeida Marfan Organizadora Brasília 2002 Volume 2

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PPPPPAINÉISAINÉISAINÉISAINÉISAINÉIS

Marilda Almeida MarfanOrganizadora

Brasília2002

Vo l u m e 2

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PRESIDENTES DO CONGRESSO

IARA GLÓRIA AREIAS PRADOSecretária de Educação Fundamental

MARIA AUXILIADORA ALBERGARIAChefe de Gabinete

COMISSÃO ORGANIZADORACoordenadora: Rosangela Maria Siqueira Barreto Renata Costa CabralFábio Passarinho de GusmãoLívia Coelho Paes BarretoSueli Teixeira Mello COMISSÃO CIENTÍFICACoordenadora: Marilda Almeida Marfan Ana Rosa AbreuCleyde de Alencar TormenaJean Paraizo AlvesLeda Maria SeffrinLucila Pinsard ViannaNabiha Gebrim de SouzaStella Maris Lagos Oliveira

Edição: Elzira ArantesProjeto Gráfico: Alex FuriniEditoração: José Rodolfo de Seixas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Patrocínio: PETROBRASApoio: Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)

Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação: formação de professores (1. : 2001 : Brasília) Painéis [do] Congresso Brasileiro de Qualidade naEducação : formação de professores. / Marilda AlmeidaMarfan (Organizadora). __ Brasília : MEC, SEF, 2002. 240 p. : il. ; v.2

1. Formação de Professores. 2. Qualidade da Educação.3. Educação Básica. I. Título. II. Brasil. Ministério daEducação. Secretaria de Educação Fundamental.

CDU 371.13

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 5Iara Glória Areias Prado

PAINEL 1 7DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LEITORA E ESCRITORACíntia Fondora Simão – CEEV/SPMônica Andréa Porto Louvem – Escola ligada à Aracruz/ESBárbara Heller – Unicamp/SP – MEC

PAINEL 2 17DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LEITORA E ESCRITORACélia Maria Mattos – PCN em Ação – Itatiaia/RJBeatriz Cardoso e Regina Scarpa – Cedac/SP

PAINEL 3 33DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LEITORA E ESCRITORA DOS PROFESSORESMargareth Aparecida Ballesteros Buzianaro – Escola Estadual SEE/SPMaria Angélica Alves – Colégio de Aplicação/UERJMarília Costa – Fundação Projeto Travessia/SP

PAINEL 4 47CORRESPONDÊNCIA ENTRE PROFESSORES COMO ESTRATÉGIA DE FORMAÇÃO CONTINUADABeatriz Cardoso e Maria Cristina Ribeiro – Cedac/SPEuzi Moraes –Ried/ES

PAINEL 5 55FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO PROJETO SABER EM MOVIMENTOCaio Martins e Marcelo Barros Silva – Escola Pública/Santos/SP

PAINEL 6 59ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORESMaria Corrêa da Silva – Seduc/ACCélia Finck Brandt e Sydione Santos – UEPG/PRLourdes Lúcia Goi e Isabel Cristina Auler Pereira – Unitins/Seduc/TOEliane Gomes Quinonero e Kátia Diniz – SME/São Bernardo do Campo/SP

PAINEL 7 79FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO PROFORMAÇÃO: UNINDO A TEORIA E A PRÁTICA NO SISTEMA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIABernardete A. Gatti – FCC – PUC/SPTereza Barros Amaral – Seduc/PEJandira Medrado – Araguaína/TO

PAINEL 8 91ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES – EDUCAÇÃO INFANTILFátima Regina Teixeira de Salles Dias – UFMG/MG

PAINEL 9 97

AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS DOS ALUNOS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORESAlmira Albuquerque Santos – SME/Batalha/ALLucia Lins Browne Rego – Seduc/PEMaria Nilene Badeja – SME/Campo Grande/MS

PAINEL 10 109ESCOLAS MULTISSERIADASFernando Ferreira Pizza – Escola Ativa/MECFrancisca das Chagas Souza da Silva – Escola da Floresta/SEE/AC

PAINEL 11 117ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOSEmanuela Oliveira Carvalho Dourado – SME/Irecê/BAAna Socorro Braga – SME/Vargem Grande/MAStela C. Bertholo Piconez – USP/SPLeôncio José Gomes Soares e Daniela de Carvalho Lemos – UFMG/MG

3

PAINEL 12 137AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOSCláudia Lemos Vóvio – Ação Educativa/SPMaria Amábile Mansutti – PCN em Ação/MEC

PAINEL 13 149O LIVRO ESCOLAR NO CONTEXTO DA POLÍTICA EDUCACIONALJean Hebrard – FrançaRalph Levinson – InglaterraLuz Philippi – ChileNabiha Gebrim – SEF/MEC

PAINEL 14 173O REFLEXO DA AÇÃO FORMADORA NO PROJETO PEDAGÓGICO DA INSTITUIÇÃO – EDUCAÇÃO INFANTILSueli A. Campos Silva e Valéria P. Cortez Corrêa – Creche/Associação Obra do Berço/SPAna Maria Mello – Creche Carochinha/USP/SPStefânia Padilha Costa – Escola Municipal/Belo Horizonte/MGOlga Regina Siqueira e Silva – Escola Municipal/Natal/RN

PAINEL 15 191EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO NA AMAZÔNIA LEGALFrancisca Bezerra da Silva – SEE/AC

PAINEL 16 195PROJETO PEDAGÓGICO: POR QUÊ, QUANDO E COMO – EDUCAÇÃO INFANTILCristina Mara da Silva Corrêa e Delba Rejania Santos – Creche USP/SPAlessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib – Escola Balão Vermelho/MGSônia Regina da Silva Souza – Associação Verbo Divino/SP

PAINEL 17 209PROJETO PEDAGÓGICO: POR QUÊ, QUANDO E COMO – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOSRosângela Pereira – Projeto Kellog/SPElizabete Monteiro – Projeto Axé/BA

PAINEL 18 217PROJETO PEDAGÓGICO: POR QUÊ, QUANDO E COMOIvanete Carvalho e Andréa Guida Bisognin – PEQV /Fundação Vale do Rio Doce – Cedac/SPRenata Sanches Silva e Maria Vânia Marques de Carvalho – SME/Caraguatatuba/SP e Fundação OrsaRosemere da Silva Vieira – SME/Campo Alegre/AL

PAINEL 19 227LEITURA NA ALFABETIZAÇÃOJacinta de Fátima Camargo Barbieri e Luciana de Almeida Santos – SME/Itapetininga/SPEliane Mingues – PCN em Ação/MEC

PAINEL 20 237A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA SALTO PARA O FUTURO NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORESRosa Helena Mendonça – Seed/MEC

O Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação – Formação

de Professores, promovido pela Secretaria de Educação Fundamental do

Ministério da Educação (SEF/MEC), foi realizado em Brasília no período

de 15 a 19 de outubro de 2001.

O Congresso tratou, em seus simpósios, palestras, painéis, oficinas e

atividades paralelas, de uma das principais variáveis que interferem na

qualidade do ensino e da aprendizagem: a formação continuada dos pro-

fessores. Buscou propiciar aos educadores e profissionais da área, tanto

nas oito séries do Ensino Fundamental, quanto na Educação Infantil, na

Educação de Jovens e Adultos, na Educação Especial, na Educação Indí-

gena e na Educação Ambiental, informações e conhecimentos relevan-

tes para subsidiá-los em sua prática. Promoveu um balanço geral dos

principais avanços alcançados nos últimos anos, com a implantação de

políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, e

enfatizou, de forma especial, os programas de desenvolvimento profis-

sional continuado e de formação de professores alfabetizadores, que fo-

ram debatidos sob diferentes óticas e pontos de vista.

O Congresso envolveu cerca de 3 mil participantes, incluindo, além das

representações municipais, um significativo número de autoridades, es-

pecialistas nacionais e internacionais e representantes de organizações

não-governamentais, privilegiando, quantitativamente, os representantes

dos municípios que procuravam desenvolver em seus sistemas de ensino

as políticas de formação continuada propostas pelo MEC, a saber: o Pro-

grama de Desenvolvimento Profissional Continuado – “Parâmetros em Ação”

e o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA.

Ao promover a organização desta publicação, a SEF faz um resgate de

todos os textos apresentados e entregues, em tempo hábil, pelos especia-

listas convidados e procura colaborar com aqueles profissionais da área

que valorizaram o evento e estão em busca de sua memória, ou que, por

diferentes razões, se interessam por reflexões e temas relativos à quali-

APRESENTAÇÃO

5

dade da educação e à formação dos professores, tais como: educação para

a mudança, transversalidade e interdisciplinaridade, educação escolar

indígena, livro didático, inclusão digital, alfabetização, organização dos

sistemas de ensino, educação inclusiva, escola reflexiva, enfim, compe-

tência profissional, o desempenho do professor e o sucesso escolar do

aluno, entre outros.

Como o público-alvo é muito diversificado, o volume de textos apre-

sentados muito grande, e como os principais eixos temáticos podem in-

teressar, de forma mais direta, a diferentes segmentos do Ensino Funda-

mental, os resultados do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na

Educação – Formação de Professores foram organizados em quatro volu-

mes: os volumes 1 e 2 referem-se a temas mais gerais, relativos à Educa-

ção Fundamental como um todo, e incluem temas específicos referentes

à Educação Infantil, à Educação de Jovens e Adultos, à Política do Livro

Didático e à Educação Especial; o volume 3 trata da Educação Ambiental;

e o volume 4 é dedicado à Educação Escolar Indígena.

Embora incompleta, pela ausência de alguns textos, e observando que

em alguns casos só apresenta os resumos dos participantes, a presente

edição reflete a importante contribuição e a competência de nossos es-

pecialistas, tanto pelas palestras proferidas nos simpósios, quanto pelos

relatos de experiências contidos nos painéis, e incorpora 25 textos apre-

sentados por renomados especialistas internacionais.

Ressalta-se ainda que os textos contidos nesta publicação são de in-

teira responsabilidade de seus autores e retratam reflexões e pontos de

vista de cada especialista envolvido.

Com a presente publicação, a SEF/MEC espera que os resultados do

Congresso de Brasília possam ser amplamente divulgados e cheguem ao

alcance dos principais interessados: professores do Ensino Fundamen-

tal, diretores de escolas, institutos de formação de mestres, pesquisado-

res, universidades, enfim, todos aqueles ligados à produção, à reprodu-

ção, ao consumo e à transmissão do conhecimento, paladinos da cons-

trução de uma escola de qualidade para todos.

Iara Glória Areias Prado

Secretária de Educação Fundamental

7

PPPPP A I N E L 1A I N E L 1A I N E L 1A I N E L 1A I N E L 1

DESENVOLVIMENTODA COMPETÊNCIALEITORA E ESCRITORA

Cíntia Fondora Simão

Mônica Andréa Porto Louvem

Bárbara Heller

8

Desenvolvimento dacompetência leitora e escritora

Cíntia Fondora Simão

Centro de Estudos da Escola da Vila – CEEV/SP

ResumoA painelista apresenta resultados do trabalho

desenvolvido pelo Centro de Estudos da Escola da

Vila a partir do Programa Praticar – Programa de

Formação e Atualização Profissional Permanente,

especialmente para atender às demandas especí-

ficas do sistema público de ensino, com o qual in-

tensificou sua parceria em ações de capacitação

nos últimos oito anos.

O painel em questão enfoca apenas ações de

registro e leitura do professor, ao longo da realiza-

ção do Programa Praticar: os Projetos de Referên-cia, que são acompanhados e comentados pelo for-

mador antes, durante e após a realização destes nas

próprias salas de aula dos professores participan-

tes; e os Projetos Especiais, etapa do processo de

formação cujo objetivo é tornar o professor oficial-

mente produtor e divulgador da reflexão e da pes-

quisa sobre seu cotidiano, por meio de publicações.

A formação permanente, entendida atual-

mente como o modo mais eficaz e produtivo para

a construção das competências docentes, é rea-

lizada pelo Programa Praticar a partir de um eixo

central e organizador do trabalho: os Projetos de

Referência. Neles, os professores participantes

são convidados a realizar projetos em suas salas

de aula, apoiados por uma série de ações for-

mativas: na presença do formador ou não, em

grupo – com sua equipe da escola ou de toda a

rede – e individualmente. Dessa forma, a produ-

ção escrita do professor participante está relaci-

onada a uma prática de registro permanente,

instrumentalizada por suas leituras e seus estu-

dos de outras experiências e situações didáticas

modelares oferecidas pelo Programa Praticar, ali-

mentada e incentivada pelo formador durante

toda a produção, compartilhada com a equipe da

escola, para que se torne um produto finalizado

a cada seqüência de trabalho proposta e que,

eventualmente, pode ser socializada em momen-

tos especiais, como no caso dos simpósios inter-

nos à própria rede.

Escrever, pesquisar, coletar imagens, falar em

público, sintetizar conceitos, socializar resultados,

compartilhar descobertas – tudo isso faz com que,

por intermédio dos Projetos Especiais, o profes-

sor tenha seu papel ampliado, renovando sua fun-

ção na perspectiva do comprometimento social

que a caracteriza e justifica. Os Projetos Especiais

têm uma idéia-força: a interlocução, pois a pro-

dução é destinada a um público definido e real.

Assim, a tarefa e todo o empenho que a acompa-

nha ganham sentido e significado. Essa é a pro-

posta desses encaminhamentos no sentido de a

publicação: produzir para ser apreciada, produzir

para colaborar com o colega, produzir para reve-

lar percursos e criações de seu grupo, de sua co-

munidade. São encaminhamentos que visam a um

destino para a produção dos professores, com va-

riedade de circunstâncias comunicativas e de

interlocutores – o que significa diversificar desa-

fios, adequar expectativas, ajustar resultados, en-

fim, regular criticamente a própria produção.

8

Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 1

IntroduçãoO Formar (Formação em Rede nos Municí-

pios de Atuação da Aracruz Celulose) é um pro-jeto financiado pela Aracruz Celulose S.A. e de-senvolvido pela Rede Interdisciplinar de Edu-cação (Ried). Teve início em setembro de 1997,envolvendo seis municípios capixabas: Aracruz,João Neiva, Ibiraçu, São Mateus, Conceição daBarra e Pedro Canário.

Trata-se de uma proposta de formação con-tinuada de professores de Bloco Único (1ª e 2ªséries) à 4ª série, que opera sobre três eixos fun-damentais:

• desenvolvimento da competência em leiturae escrita;

• associação da teoria à prática da sala de aula;

• interdisciplinaridade na prática escolar.

O desenvolvimento do trabalho dá-se empartes, por meio do diálogo permanente emrede, a distância, entre a equipe de professores-formadores (Ried) e os grupos de estudo.

Quando teve início, a proposta era de estu-do em grupos de no mínimo cinco e no máxi-mo dez professores. Mas, no decorrer do Proje-to, o número de participantes chegou a aproxi-madamente quinze em cada grupo, em razãoda grande procura de professores interessados(a adesão ao Projeto é voluntária). Dessa for-ma, os participantes potenciais são professoresque tenham compromisso com a transforma-ção da escola pública e interesse na atualiza-ção de seus conhecimentos teóricos e práticos,demonstrando:

Desenvolvimento dacompetência leitora e escritoraProjeto Formar: uma contribuição àformação continuada de professores

Mônica Andréa Porto Louvem

Escola ligada à Aracruz/ES

1. Preocupação com a continuidade de sua for-mação profissional.

2. Desejo de aperfeiçoar sua prática pedagógica.

3. Disposição para trabalhar em grupo, discu-tindo aspectos práticos e teóricos da educa-ção e redigindo em conjunto textos que re-flitam suas discussões e sua prática.

4. Intenção de dar à sua prática de sala de aulaum enfoque interdisciplinar.

A proposta de trabalho do Formar é o estu-do em grupo, em reuniões semanais com dura-ção mínima de três horas destinadas à reflexãoteórica e à discussão prática, o que é feito cole-tivamente, sob a coordenação de um professorescolhido pelo grupo. O estudo se baseia emtextos encaminhados pela equipe de professo-res-formadores, ou sugeridos pelos grupos deestudo. Nessas reuniões de estudo, é elabora-do, por escrito, coletivamente um relatório re-flexivo, que deve traduzir a discussão do textoe sua relação com a prática pedagógica dos par-ticipantes. O grupo escolhe um coordenadorpara dar encaminhamento às discussões e umrelator para registrar e organizar os registros.

Para dar apoio contínuo ao grupo, cadapólo, composto por dois ou três municípios,tem um coordenador regional, que visitafreqüentemente os grupos, participando dasdiscussões, esclarecendo dúvidas e mediandoo diálogo entre grupo e professores-formado-res, além de elaborar relatórios mensais que sãoenviados à Ried.

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“No dia 03/10, iniciamos o estudo lendo o textoO papel do papel, em seguida discutimos os pon-tos principais do texto…”, ou elaboravam umtexto que não retratava a discussão do grupo.

Tendo como referência os relatórios elabo-rados nos primeiros meses de existência do Pro-jeto, a equipe de professores-formadores levan-tou as seguintes observações:

• os conteúdos dos textos ou não eram levadosem conta pelos grupos de leitores, ou sofriamdistorções, ou não eram absolutamentecompreendidos;

• os relatórios comprometiam a lógica do pen-samento e da linguagem;

• registravam-se erros elementares de linguagem.

Nas devolutivas dos professores-formadoreseram colocadas questões que levavam os profes-sores a refletir sobre o que pensaram e o que es-creveram, como também sobre a leitura realizada.

Os primeiros meses do Formar causaramuma angústia muito grande nos professores – oque eu chamaria de “angústia necessária”. Foi omomento em que os professores perceberamque não eram leitores e escritores competentes.

Eu, coordenadora em formação, também de-parei com essa situação. Na primeira devolutivaao meu relatório, havia o seguinte comentário:“Seu relatório é meramente descritivo, não re-flexivo. Não deixa, portanto, margem para umadiscussão mais aprofundada da sua ação e do de-sempenho do grupo”.

À medida que entravam em contato com osrelatórios dos grupos de estudo e das coorde-nadoras regionais, os professores-formadoresobservavam dificuldades específicas e envia-vam textos produzidos por eles próprios ou poroutros autores, para a discussão de questõesespecíficas. Uma das primeiras intervençõesenfocava o saber estudar, ou seja, o saber ler umtexto de forma compreensiva. Nessa ocasião, foienviado um texto que mostrava a importânciade, ao ler, destacar as idéias centrais, fazer ano-tações e observações pessoais, levantar ques-tões e dúvidas, registrando-as. E ainda, ao es-crever o relatório, fazê-lo de forma reflexiva enão apenas descritiva. Num outro momento,foram enviados textos sobre sínteses e algunsexemplos de sínteses produzidas por alguns dosformadores, chamando a atenção dos professo-

Minha experiência e meuolhar como coordenadoraregionalQuando iniciamos o Projeto, em 1997, mui-

tos professores que aderiram ao Formar tinhamexpectativas de encontrar respostas para as di-ficuldades encontradas no processo de ensino–aprendizagem. A prática do estudo ainda nãofazia parte do dia-a-dia do professor. Estuda-va-se para obter uma graduação – nesse casoeram buscados os cursos em faculdades –, es-tudava-se em capacitações e treinamentos ofe-recidos pela Secretaria de Educação, em queeram repassados os conteúdos no período deum dia ou, no máximo, cinco dias, sendo essafunção de responsabilidade exclusiva do instru-tor ou palestrante. Sendo assim, o hábito de lei-tura e de escrita do professor ficava cada vezmais restrito às atividades desenvolvidas na es-cola, em geral, limitadas e descontextualizadas.

Diante desse quadro, tivemos um iníciomuito difícil, em que os professores reclama-vam do tamanho dos textos, ou seja, muitaspáginas, e das propostas de atividades dos pro-fessores-formadores, que exigiam um estudoreflexivo do texto. Além disso, não conseguiamcolocar no papel, ou seja, registrar, escrever asidéias discutidas nos grupos. As propostas deatividades incluíam sempre um relato reflexivoe uma síntese do texto.

Em minhas visitas semanais aos grupos deestudo, observava que, para estudar os textospropostos, os professores faziam uma leitura cir-cular – que muitas vezes era a primeira leiturado texto. À medida que liam, paravam em algumtrecho do texto para discutir. Em geral, as dis-cussões conduziam para as dificuldades da salade aula e do contexto escolar. Dessa forma, osrelatos reflexivos e as sínteses dos textos apre-sentavam características diferentes do que sepropunha, pois não se registrava no ato das dis-cussões. Primeiramente, os professores liam ediscutiam o texto e, depois, tiravam um tempopara fazer o registro. Ao fazer a síntese, os pro-fessores tinham de recorrer novamente ao texto,e faziam outro recorte dele. Na elaboração dorelato reflexivo, ou relatavam a seqüência dosacontecimentos do momento do estudo, como:

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 1

res para as características desse tipo de texto.Outra intervenção da equipe de professores-

formadores, que considero marcante e positi-va, foi um texto escrito pela professora EuziMoraes, integrante e coordenadora da equipede formadores, que propunha uma classifica-ção dos textos que, até então, tinham sido pro-duzidos pelos grupos. Os textos, classificadosem uma escala que se inicia com a cópia e cul-mina com o texto-autoria, recebiam a seguintetipologia:

Texto-cópia: é o texto que reproduz lite-ralmente o original, sem aspas e sementendê-lo.

Texto-imitação: é aquele que resulta da intro-missão do autor no sistema de língua escritasem conhecê-lo, gerando um arremedo de es-crita e baixa inteligibilidade.

Texto discurso alienado: é o texto que se afas-ta do original, concentrando-se em outros te-mas.

Texto-lamento: é o texto que se afasta do ori-ginal e se refugia no sentimento de frustraçãoprofissional.

Texto-colagem: é o texto feito de pedaços dooriginal, copiados na íntegra ou disfarçadospor pequenas alterações no vocabulário ou naestrutura das frases sem, contudo, produzirsignificado.

Texto-colcha-de-retalhos: é o texto retalhadoem muitos parágrafos curtos e não interliga-dos pelo sentido.

Texto-montagem: é o texto feito de pedaçosdo original, que se articulam de forma a pro-duzir significado.

Texto-autoria: é o texto que retrata as idéias,o estilo, o tom, em síntese, a identidade doautor ou dos autores.

Ao receber as devolutivas dos professores-formadores, que continham questionamentose observações, os professores, como disse an-teriormente, sentiam-se angustiados. Encontra-vam inúmeras justificativas para responder àsquestões colocadas pelos professores-formado-res, do tipo: “Eles estão exigindo muito de nós”;“Nós quase não temos tempo de estudar; as ati-vidades escolares são muitas”; “Eles querem noscomparar a eles, que já estudaram tanto, são

mestres e doutores em educação”.Inicialmente, houve uma dificuldade muito

grande para os professores cursistas se coloca-rem no lugar de pesquisadores e estudiosos e,nessa condição, refletirem sobre as colocaçõesdos professores-formadores. Então, respondiamaos professores-formadores em desabafo, fala-vam de dificuldades e insatisfações. Mas, com odiálogo permanente, recebendo orientações esugestões da equipe de formadores, os profes-sores gradativamente foram mudando os seus re-gistros, a forma de estudar os textos e também aimpressão que tinham sobre as devolutivas. Dis-cutiam o foco das questões levantadas pelos pro-fessores-formadores, estudavam os textos, gri-fando e anotando as idéias centrais, e registra-vam os pontos principais das discussões, aomesmo tempo em que elas aconteciam.

No meu acompanhamento, pude observaressas mudanças e esses avanços, e a equipe daRede Interdisciplinar de Educação pôdeconstatá-los por meio dos registros que cons-tam em seus relatórios anuais de atividades.

Esse ir e vir, ou seja, esse diálogo permanen-te vem sendo o ponto central do Formar. A di-ferença entre o Projeto Formar e os “treinamen-tos”, “capacitações” e “reciclagens” tradicionaisestá exatamente no fato de ser formação conti-nuada, com diálogo permanente e uma rede deinterações, e não ações episódicas ou contatosesporádicos em que se discutem temas e ques-tões descontextualizadas.

Outra contribuição evidente do Formar estáno fato de o professor repensar sua prática nasala de aula. As propostas de atividades sempretraziam questões teóricas e práticas. No início,havia uma grande dificuldade para os profes-sores cursistas colocarem em prática o que seestudava e discutia. Em alguns momentos, ogrupo de estudo planejava uma aula em con-junto com base nas orientações dos professo-res-formadores, e um professor aplicava aque-le planejamento em sua sala de aula. Outrosprofessores participavam da aula observando eregistrando a participação dos alunos e as in-tervenções do professor. No estudo seguinte, ogrupo discutia o desenvolvimento do planeja-mento e, no momento do relato da aula, ficavaclara a distorção em relação às atividades de-

12

senvolvidas e o que realmente se pretendia.Mais uma vez, a equipe de professores-forma-dores intervinha, levantando questionamentose fazendo observações nos relatos escritos dasaulas desenvolvidas.

No decorrer do Projeto, por meio do diálo-go permanente entre professores e formadores,era possível, além de desenvolver a leitura e aescrita, o repensar constante sobre a práticapedagógica.

Os temas propostos para estudo proporcio-nam aprofundamento de conteúdos e conheci-mentos indispensáveis ao educador. É nessesentido que o Formar vem contribuindo paradesenvolver a competência leitora e escritora

dos professores, além de promover o compro-misso e a responsabilidade com o estudo, o ho-rário, os prazos e os retornos, situações essasque vêm sendo esquecidas no contexto da edu-cação pública. Esse resgate do cumprimento dodever e da necessidade de o professor estarsempre estudando poderia ser considerado umdos aspectos fundamentais do Formar.

Percebo que a formação continuada temdado um resultado mais efetivo do que as“capacitações” e “treinamentos” acontecidos emmomentos isolados. Pude constatar esse fatoquando ouvi de um grupo o seguinte depoimen-to: “Formávamos alunos, mas não éramos for-mados. O projeto Formar está nos formando”.

Histórias e históriasBárbara Heller

Unicamp – MEC

ResumoPretendo comentar, ao longo de minha exposi-

ção, a elaboração do livro Histórias e histórias, que

reuniu dez pesquisadores sob a orientação da pro-

fessora Dra. Marisa Philbert Lajolo. Trata-se, portan-

to, de um trabalho coletivo, cujo resultado – um con-

junto de 111 cartas ficcionais, para 111 livros reais –

tenta prever os mais diversos tipos de leitores e mo-

dalidades de leitura dos livros que o Ministério da

Educação, por meio do Programa Nacional Biblio-

teca na Escola (PNBE), distribuiu, nos últimos dois

anos, a 80 a 100 mil escolas públicas do país.

Os autores dos livros comentados de forma

epistolar são da literatura infantil e infanto-juve-

nil: Lewis Carroll (traduzido por Ana Maria Macha-

do), Hans Christian Andersen (com tradução de

Tomás Rosa Bueno), João Carlos Marinho, Mário

Quintana, Pedro Bandeira, Marina Colasanti,

Graciliano Ramos, Orígenes Lessa, Marcos Ribei-

ro, Bartolomeu Campos de Queiroz, Tommie de

Pola, Cora Coralina, Eliardo França, para citar ape-

nas os nomes de alguns.

Os especialistas da Fundação Nacional do Li-

vro Infantil e Juvenil, que selecionaram o acervo

adquirido e distribuído pelo MEC, tornaram-se

personagens das cartas, por meio da reprodução

de trechos de seus pareceres críticos.

IntroduçãoHistórias e histórias é o resultado de um traba-

lho coletivo, elaborado por dez pesquisadores, soba coordenação da professora Dra. Marisa Lajolo,da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Dez pesquisadores, sim, mas antes de tudodez leitores, que acreditam nas mais diversas

modalidades de leitura – individual, coletiva,silenciosa, em voz alta, na sala de aula, na bi-blioteca, no ônibus, no metrô, no toalete – e detextos – livros, jornais, gibis, revistas, quadri-nhos, anúncios, ilustrações, catálogos, manu-ais de instrução, sites da Internet etc.

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 1

Dez pesquisadores espalhados pelo Brasil –São Paulo, Porto Alegre, Campinas, Santos, Re-cife, Rio de Janeiro –, por meio de poucos con-tatos pessoais, mas muitos virtuais, trocaramsuas experiências da leitura dos 111 livros quecompõem o corpus de Histórias e histórias.

Enquanto realizávamos, em 1999, o Histó-rias e histórias, tínhamos noção de que aquiloque cada um produzia (isto é, uma carta paracada livro) seria lido pelos professores, cujasescolas receberiam o acervo dos livros adquiri-dos e distribuídos pelo Ministério da Educação(MEC).

A noção, hoje, transformou-se em númerosbem concretos: ao todo, por intermédio do Pro-grama Nacional Biblioteca na Escola (PNBE/99),foram atendidas 36 mil escolas, cadastradas noCenso Escolar/99, que registraram matrículasem número igual ou superior a 150 alunos nasquatro primeiras séries do Ensino Fundamen-tal. Foram adquiridos 4 milhões de livros, aocusto de R$ 21.427.859,77, dos quais R$17.447.760,00 para as aquisições e mais R$3.980.099,77 para a distribuição.

Embora impressionantes, os números nãofalam por si. No máximo, revelam a amplitudedo projeto, mas não sua gênese nem as premis-sas que ele abriga.

Gênese do projetoHistórias e histórias

Primeira etapa – Seleção do corpusDos 111 livros que fazem parte do corpus de

Histórias e histórias, 106 foram selecionadospela Fundação Nacional do Livro Infantil e Ju-venil (FNLIJ) e os outros cinco pela Secretariade Educação Especial (SEESP), do Ministério daEducação (MEC).

O site <http://www.fnlij.org.br/livros/indice.htm>, da Fundação Nacional do Livro In-fantil e Juvenil, explica que na seleção dos títu-los indicados ao PNBE foram observados os se-guintes itens:

• adequação e inovação da linguagem (de textoe de imagem);

• qualidade gráfica;

• variedade de gêneros, de assuntos, de escrito-res e de ilustradores.

Para cada um dos 106 títulos selecionadospela FNLIJ, de 43 editoras distintas, foram emi-tidos dois comentários críticos de diferentes es-pecialistas em literatura infantil e juvenil.

Os dados abaixo mostram a distribuição doslivros selecionados pela FNLIJ: 49 livros de nar-rativas; 15 livros de poesia, 6 livros de imagem(sem texto); 20 de ficção e não-ficção, compre-endendo os gêneros já citados.

Descrevendo com maior riqueza de deta-lhes: são livros que contemplam diversas mo-dalidades de textos, tais como biografias, clás-sicos, poemas, lendas, contos de fadas, do fol-clore etc., de autores nacionais e estrangeiros.

Segunda etapa – Justificandoo gênero epistolar

De posse dos 111 exemplares e dos respecti-vos pareceres críticos de especialistas, pusemo-nos a discutir a melhor maneira de instrumenta-lizar o professor que trabalha nas escolas benefi-ciadas pelo PNBE.

No lugar de exercícios voltados à interpreta-ção, que raramente trabalham a multiplicidade desentidos de um texto, propôs-se o gêneroepistolar, já que este não só favorece um clima deintimidade entre narrador e destinatário, comotambém permite criar inúmeras situaçõesficcionais entre textos e leitores.

Estabelecemos que, em todas as cartas, ha-veria a reprodução de trechos dos pareceres,pois eles expõem os critérios por meio dos quaisaqueles livros, e não outros, foram seleciona-dos para compor o acervo do PNBE/99.

À medida que criávamos em nossos textosepistolares leitores fictícios, que tinham em suasmãos livros reais, comunicávamo-nos por meiodo correio eletrônico. Assim, a troca das cartasficcionais que elaborávamos, anexadas às nos-sas mensagens eletrônicas, permitiu-nos umavivência epistolar moderna e contemporânea.

Terceira etapa – Elaborando cartasOs emissores das cartas deveriam ser leito-

res e os destinatários, docentes ou profissionais

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da leitura. Assim, foram sendo criados os maisdiversos tipos de leitores: homens, mulheres,crianças, mães de alunos, educadores; e os maisdiferentes professores: jovens, nem tão jovens,aposentados, residentes em grandes centrosurbanos, em cidades do interior de qualquerestado do Brasil. Alguns lecionam na periferia,outros, na zona rural. Há, também, os que tra-balham na capital. São homens e mulherescujas idades, implícitas nas cartas, revelam suasexperiências nas salas de aula. Há professoresde Português, de Geografia, de História, de Edu-cação Artística, de Educação Física.

A maior parte das cartas destinou-se a pro-fessores, mas algumas previram diferentes des-tinatários: editores de material didático, auto-res de livros para crianças, especialistas de lite-ratura infantil e juvenil. Projetamos, portanto,uma comunidade de leitores que, além de ul-trapassar os limites da escola, prevê outros pro-fissionais da leitura. Em outras palavras: o[a]professor[a], principalmente de Português, dei-xou de ser o único responsável pela divulgaçãoda leitura.

Premissas do Históriase histórias

1. Em comum, na totalidade das cartas, a idéiada mediação do adulto diante das situaçõesde leitura dos escolares. Não se trata de umadulto qualquer, mas de um que tenha vín-culos afetivos com os alunos e, principalmen-te, que goste de ler. Nas escolas, esse papelcostuma ser do professor.

2. Sendo o principal mediador entre o texto eseus alunos/leitores, é necessário que o pro-fessor resgate sua história de leitura. Por isso,é importante que ele recupere quais foramos adultos que lhe forneceram, na infância,os modelos de leitura; de quais livros, textosou autores gostou (e não gostou); quem lhecontava histórias; onde costumava ouvi-las;quando descobriu que podia ler sozinho; dequais autores passou a gostar menos ou maisà medida que foi amadurecendo; que hábi-tos de leitura mantém nos dias de hoje etc.

3. Conhecendo e reconhecendo sua trajetóriacomo leitor, o professor terá maior flexibili-

dade para compreender as escolhas, as resis-tências e as dificuldades do aluno que aindanão pode ser considerado leitor maduro.

4. Por meio do resgate de sua história de leitu-ra, o professor poderá compartilhá-la comos alunos e, assim, ajudá-los a construir adeles. Pode perguntar se gostam de ouvirhistórias, de quais autores já ouviram falar,quais os hábitos de leitura da família, as his-tórias preferidas etc. Se as crianças já foremalfabetizadas, pode questionar quem são osautores preferidos, os livros mais marcantes,em que momento do dia (ou da noite) cos-tumam ler, se gostam de ler em voz alta paraos outros, se lêem revistas, jornais etc. Nes-se momento, o professor pode esclarecerque está sendo construída a história de lei-tura de cada um.

5. Uma vez que também se lê nos espaços pú-blicos – parques, ônibus, metrô, nas ban-cas de jornal etc. –, o professor poderá mos-trar que a leitura permite uma grande va-riedade de suportes (jornais, revistas, folhe-tos, livros escolares, bulas de remédio, pres-crições médicas, avisos, textos literários, deauto-ajuda etc.) e que, portanto, a leitura éuma prática social.

6. Observar o que e como os outros lêem à nos-sa volta é uma excelente oportunidade parase formar a noção de comunidades de lei-tores. Na escola, não são apenas professo-res e alunos que lêem; funcionários, biblio-tecários, orientadores, coordenadores tam-bém devem ser reconhecidos como leito-res, cada qual com sua história de leitura.Por isso, toda a comunidade escolar devese envolver com as atividades de leitura,promovendo feira de livros, idas à bibliote-ca, comentários sobre determinados textosde livros ou de jornais etc.

7. Ao envolver os mais variados profissionais daescola em atividades de leitura, o aluno passaa vivenciá-las como sendo uma prática cole-tiva, em que todos trocam experiências, livros,modos de trabalhar os textos na aula e foradela. Quanto mais rica for essa troca, maischances o aluno terá de se tornar leitor.

8. A prática da leitura começa na escola, masnão se esgota nela. Quando a criança tiver setransformado em leitora, terá competência

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 1

para ler um texto literário, uma imagem, umenunciado de um problema de matemática,um mapa, um bilhete, uma paisagem, ondequer que esteja. Esse leitor não só desconhe-cerá o comportamento de que apenas lê oquê e quando o professor quer que ele leia,como também será um leitor do mundo.

9. Como ninguém lê tudo do mesmo jeito, nãohá uma única leitura possível ou a mais au-torizada. Alguns alunos irão se envolver comas emoções do texto, com as cores e formasdas ilustrações. Outros, com os valores éti-cos que perpassam as histórias. O professorprecisa compartilhar esses diferentes modosde ler dos alunos, sem hierarquizá-los.

10. Só se aprende a ler em ambientes nos quaisse lê. Por isso, o professor deve ser um leitormaduro, que leia com e para a criança, fa-zendo-a familiarizar-se com a atividade daleitura.

Considerações finaisFelizmente, o Programa Nacional Bibliote-

ca na Escola não é uma atividade isolada. A pu-blicação de Histórias e histórias vem ao encon-tro de outras iniciativas do governo voltadas aofomento da leitura, como a campanha Tempode Leitura, promovida em setembro de 2001.

Com o tema “Vamos fazer do Brasil um

país de leitores”, a campanha teve o reforçode um comercial de tevê e de um jingle de rá-dio, além de cartazes e cartilhas feitos porcartunistas famosos.

É o próprio MEC que divulga no site <http://www.mec.gov.br/acs/acorda/leit.shtm> a con-cepção de tal campanha: professores, diretores,alunos, artistas, esportistas, contadores de his-tórias e comunidade devem, juntos, reforçar aimportância do hábito da leitura dentro e forada sala de aula.

Isso significa que a leitura mediada por adul-tos com diversas competências, formando umacomunidade de leitores, proposta no Histórias ehistórias, encontra-se identificada com os pro-jetos mais recentes do Ministério da Educação.

A já citada campanha Tempo de Leituracomplementa outras ações já implementadaspelo Ministério da Educação, como os Progra-mas do Livro Didático e da Biblioteca na Esco-la, Parâmetros Curriculares e o Programa deFormação de Professores Alfabetizadores, en-tre outros.

Todas essas iniciativas, se bem-sucedidas,podem começar a destruir uma constatação tãodivulgada nos meios de comunicação e nasqueixas de professores: a de que os jovens dehoje não têm concentração suficiente para lerobras clássicas, que têm preguiça de ler textoslongos e canônicos.

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PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 22222

DESENVOLVIMENTODA COMPETÊNCIALEITORA E ESCRITORA

Célia Maria Mattos

Beatriz Cardoso e Regina Scarpa

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A Secretaria Municipal de Educação e Cul-tura do Município de Itatiaia criou um progra-ma tendo como eixo temático “Construindo aCidadania Ativa”, com o objetivo de nortear ostrabalhos das escolas do município, para pos-sibilitar o desenvolvimento de habilidades ecompetências dos alunos direcionadas a umaleitura contextualizada e à interpretação domundo, tendo como transversalidade a preser-vação dos patrimônios ambiental e turístico,aspectos considerados relevantes na região.

Assim, fundamentada nos Parâmetros Cur-riculares Nacionais (PCN), buscando desenvol-ver a competência leitora e escritora de seu cor-po docente, a Secretaria Municipal de Educa-ção criou o Projeto Flai – Feira de Livros e Artesde Itatiaia –, composta por trabalhos de profes-sores e alunos, apresentados na Semana de Edu-cação e Cultura de Itatiaia (Seci).

O pleno desenvolvimento da competêncialeitora e escritora dos docentes é um desafiopara os formadores, devendo, portanto, serpriorizado. Foi com essa perspectiva que nós,da Secretaria Municipal de Educação de Itatiaia,direcionamos o foco da formação continuada,objetivando a atualização profissional de nos-sos professores e os possíveis reflexos dessasações nas salas de aula e no dia-a-dia de nossosalunos e da comunidade local.

Tais ações encontraram justificativas na ne-cessidade de preparar a clientela educativa domunicípio para a perfeita adequação às carac-terísticas do mundo pós-moderno, pelo desen-volvimento de suas capacidades leitoras,interpretativas e escritoras, atividades funda-mentais nesse mundo globalizado e apoiado namídia, em todas as áreas do conhecimento.

Simultaneamente, tais medidas encontra-ram embasamento no Programa Parâmetros

Curriculares Nacionais em Ação, desenvolvidopelo Ministério da Educação e implantado nomunicípio desde abril de 2001, programa esseque vem promovendo a capacitação permanen-te de todos os professores da Educação Infantile do Ensino Fundamental (1º e 2º segmentos).

Esse programa vem possibilitando, ainda,uma preparação mais adequada e atualizada dosprofessores, bem como um melhor acompanha-mento das atividades escolares, estimulando-osa mudar suas antigas concepções do processoensino-aprendizagem, substituindo-as por umanova visão de suas práticas educativas, por meioda construção dos conhecimentos elaboradapelos próprios alunos, na qual novas competên-cias e habilidades são exigidas pelo mundo atu-al, para o pleno desenvolvimento dos educandos.

Com a implementação de tal competência, pro-curou-se atingir vários objetivos, considerados desingular importância, entre os quais destacamos:

• estimular as pesquisas de textos e fontes deconsultas variadas, tais como jornais, livros,documentos, relatos impressos e outros, pro-curando contextualizar, de maneira efetiva,todas as áreas do conhecimento com situaçõesvivenciadas pelos alunos em seu cotidiano;

• promover a interdisciplinaridade entre as maisdiversas áreas do conhecimento do 1º e 2º seg-mentos do Ensino Fundamental;

• introduzir, em todos os ciclos e níveis do En-sino Fundamental, a transversalidade do eixotemático de “preservação dos patrimôniosambiental e turístico da região”, consideradosas principais vocações do município;

• estreitar as relações entre as escolas munici-pais e as comunidades locais, por intermé-dio da participação efetiva dos professores ealunos nos problemas encontrados nas reali-dades destes últimos.

Valorização da competência leitorae escritora na rede de ensino domunicípio de Itatiaia/RJ

Célia Maria Mattos

PCN em Ação – Itatiaia/RJ – SEF/MEC

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 2

Assim, após a preparação dos formadoresdos Parâmetros Curriculares Nacionais emAção, ficou evidenciado que, para garantir a efe-tiva implementação dos PCN, a primeira medi-da a ser desenvolvida seria a formação da com-petência leitora e escritora dos professores darede municipal de ensino.

Nos primeiros encontros de formação, veri-ficamos que, entre os profissionais que atuamnos diferentes ciclos e níveis do Ensino Funda-mental, uma parcela significativa de professoresjá possuía tal competência desenvolvida, eviden-ciada nas avaliações dos trabalhos propostos.

A heterogeneidade dos grupos de professo-res levou-nos a implementar o desenvolvimen-to da competência leitora e escritora por meiode um projeto que possibilitasse o envolvimen-to de toda a nossa clientela de docentes, inde-pendentemente de suas experiências anteriorese de suas áreas de conhecimento.

O projeto da elaboração de um livro de re-ferências sobre o Município de Itatiaia foi oponto culminante de idéias compartilhadasentre os formadores e os professores, fruto devárias reflexões e debates, aliado à necessidadede uma fonte de consultas que atendesse àsexpectativas dos professores, alunos, comuni-dade e turistas. Outro fator decisivo foi ainexistência desse material sobre o município,em virtude de sua recente emancipação.

Considerando-se a abrangência do projeto,novos encontros entre formadores e professo-res foram agendados, com o objetivo de apro-fundar os estudos. As estratégias de leitura –decodificação, seleção, antecipação, inferênciae checagem – foram amplamente vivenciadaspor todos os participantes.

Os professores que atuam no 3º e 4º ciclos

do Ensino Fundamental, nas áreas do conheci-mento de História, Geografia, Línguas, Matemá-tica, Ciências, Educação Física, Educação Artís-tica e Informática, juntamente com os profes-sores do 1º e 2º ciclos, foram organizados emgrupos de leitores, após pesquisa e seleção dosmateriais pertinentes.

Algumas transformações ficaram evidentesa partir desse projeto, entre as quais destacamos:

• o envolvimento dos alunos, por meio dasensibilização dos professores, utilizando as

estratégias de leitura;

• freqüentes visitas dos envolvidos à bibliotecapública do município;

• valorização da produção de conhecimentospela comunidade local, com citações de len-das, relatos, poemas, histórias etc.;

• elevação da auto-estima dos professores e dosalunos mais envolvidos com a comunidadelocal, ao pesquisarem suas origens;

• implementação da temática “Turismo” nasescolas, objetivando atender a essa importantevocação regional e local;

• desenvolvimento de contextualizações emtodas as áreas do conhecimento, com os pro-fessores inter-relacionando seus assuntos como dia-a-dia da comunidade local.

O resultado desse projeto, a edição de umlivro sobre o município de Itatiaia, abordaráaspectos históricos, geográficos, culturais, po-líticos, ambientais e turísticos, com ilustraçõeselaboradas pelos alunos, além de relatos, poe-mas e outros trabalhos da comunidade local.

A manutenção da valorização da competêncialeitora e escritora é feita por meio de “oficinas paraprofessores”, oferecidas pela Secretaria de Educa-ção por uma especialista na Biblioteca Pública deItatiaia. Da mesma forma, é oferecida a “hora doconto” aos alunos da rede municipal de ensino.

A efetivação desse projeto de valorização dacompetência leitora e escritora aponta paranovas perspectivas na educação do município.

Verificamos que os reflexos de tal compe-tência interferiram na visão de nosso professorquanto ao planejamento das aulas, quanto à suaauto-avaliação e também quanto à avaliaçãodos conhecimentos de seus alunos. Um novomundo abriu-se à sua frente. Novas estratégiasforam utilizadas na sala de aula, e seus relatosdemonstram uma compreensão mais clara deseu papel como educador.

A participação em uma produção coletiva (li-vro) vem estimulando os professores a desenvol-ver uma nova concepção de sua prática, o quecertamente promoverá uma nova cultura na edu-cação do município mais voltada para a produ-ção do que para a reprodução e centrada nos in-teresses e nas necessidades da comunidade, porintermédio dos envolvidos: professores e alunos.

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ApresentaçãoA presente investigação analisou uma expe-

riência de formação continuada de professores,no contexto do Programa Escola Que Vale(PEQV). O programa consiste em uma série deações formativas, articuladas para colaborar deforma sistemática com a melhoria da qualida-de de ensino e da aprendizagem em 30 escolasque atendem a crianças de redes públicas deEnsino Fundamental (no Brasil, o equivalenteao segmento de escolaridade que vai dos 7 aos14 anos). O programa trabalha com 239 profes-sores, 114 diretores e 116 supervisores, contem-plando aproximadamente 8 mil alunos.

Interdependênciaentre teoria e práticaPode-se caracterizar as formas de realizar e

de investigar a formação de professores em pelomenos três perspectivas. Uma delas defende aformação em termos do ensino da prática pelaprática, isto é, da prática de maneira indepen-dente da teoria. A outra tendência caracteriza-se pela subordinação da prática à teoria, ou seja,valoriza a dependência da prática ao conheci-mento dos especialistas. A terceira perspectivaapresenta uma visão de interdependência en-tre teoria e prática aplicada à formação de pro-fessores, como uma relação irredutível, comple-mentar e indissociável.

Irredutível, porque uma não se subordina àoutra, e refletir sobre a prática no aqui e agorada sala de aula é diferente de tomar a prática

Constituição de umametodologia de formação:caminhos possíveis

Beatriz Cardoso e Regina Scarpa *

Cedac

pedagógica como algo sobre o qual se pode pen-sar com certo distanciamento e com fundamen-tação. Complementar, porque no contexto des-se diálogo ambos os aspectos interagem, coo-peram reciprocamente e completam-se. Indis-sociável, porque na análise da prática pedagó-gica não é possível separar os fenômenos quese apresentam das teorias implícitas que os ori-entam. Em decorrência disso, assume-se a idéiade que o professor pode desenvolver sua com-petência profissional no próprio processo deconstrução e reconstrução de sua prática refle-xiva e de que a supervisão do trabalho do pro-fessor e a tematização de situações práticas sãoestratégias essenciais para a formação, visto quepermitem e favorecem o exercício da interde-pendência.

A terceira perspectiva, que será adotada nopresente trabalho, é uma alternativa fortemen-te influenciada pelas idéias de Donald Schön,que se dedicou à análise do desenvolvimentoda competência profissional e à relação existen-te entre a capacidade de um profissional tor-nar-se apto para enfrentar situações novas, to-mando decisões apropriadas, além da oportu-nidade de exercitar a reflexão sobre situaçõespráticas reais. A partir das proposições deSchön, diversos autores têm aprofundado aquestão da epistemologia da prática na forma-ção de professores (Shulman, Elbaz, Clarck,Alarcão, Perrenoud, Meirieu, Yinger etc.).

Com apoio nos estudos anteriormente men-cionados, se considerarmos como premissa quea aprendizagem proveniente da prática éestruturadora do saber do professor e tem de

* Beatriz Cardoso: coordenadora de projetos do Cedac (Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária) e professora-doutora pela Faculdade de Educação da USP. Regina Scarpa: coordenadora do Programa Escola Que Vale no Centro de Educação eDocumentação para a Ação Comunitária (Cedac) e mestre pela Faculdade de Educação da USP.

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 2

ser valorizada no processo formativo, resta odesafio de investigar como esse elemento deveser considerado nos programas de formaçãocontinuada de professores.

Essa preocupação norteou simultanea-mente a concepção e a definição do conjuntode estratégias formativas do programa, bemcomo suas linhas de investigação. No caso des-se artigo, o foco estará nas seguintes questões:

• Como desenvolver uma metodologia de for-mação continuada de professores que consi-dere a prática como elemento formativo eque seja capaz de interferir positivamente naaprendizagem dos alunos?

• Como realizar uma formação sob tal perspec-tiva, levando em conta a dimensão continen-tal do nosso país?

Para tanto, descreveremos o campo empí-rico, ou seja, a estrutura e as características doprograma para, em seguida, problematizar asquestões enunciadas.

O contexto empírico:Programa Escola Que Vale(PEQV)O PEQV foi concebido em 1999, ano em que

se estabeleceram as parcerias de trabalho comas Secretarias de Educação e com os profissio-nais das redes públicas de ensino de seis mu-nicípios selecionados para a implementaçãoda proposta piloto. Atualmente, o programaatua em oito municípios.1 O projeto deve serdesenvolvido em dois anos de trabalhos inten-sos em cada município, contando com maisum ano de manutenção. O PEQV tem uma in-tencionalidade clara no sentido de promovera autonomia dos profissionais envolvidos, umavez que uma intervenção externa ao sistemaescolar costuma ser provisória e ter um tempode duração definido. Por essa razão, há umapreocupação explícita em criar mecanismos

para que as aprendizagens se institucionalizemde fato.

O maior desafio do PEQV é construir ummodelo de projeto que ofereça de forma coo-perativa melhores condições de atuação, refle-xão e transformação do trabalho educacional,permitindo a apropriação do processo por par-te de todos os implicados (professores, direto-res e supervisores). Ou seja, o programa tempor objetivo criar uma metodologia2 que fa-voreça o desenvolvimento de competênciasprofissionais, mas que, acima de tudo, promo-va o desenvolvimento da autonomia e a neces-sidade da reflexão permanente sobre as práti-cas institucionais vigentes e sobre a qualidadedas situações pedagógicas que estão sendooferecidas aos alunos, em contraposição aomodelo calcado na mera transmissão de co-nhecimentos.

As ações desencadeadas pela equipe doprograma estão fundamentadas na idéia deque a formação do professor se dá dentro daunidade escolar como um todo e não apenasna sala de aula. Para que haja ensino de quali-dade, é preciso então que se cuide da gestãodo espaço, dos materiais e do tempo, da infra-estrutura (melhoria dos ambientes), das rela-ções institucionais e, obviamente, do proces-so de ensino e de aprendizagem dos alunos.

O programa procura abranger três dimen-sões fundamentais no trabalho educativo queressaltam sua natureza social:

A ação pedagógica: que tem a ver com as fun-ções que o professor desempenha dentro desua sala com o seu grupo de crianças, orien-tadas para conseguir a máxima produtivida-de na relação ensino e aprendizagem.

A dimensão coletiva e institucional: que re-leva a importância de uma boa infra-estru-tura e de uma equipe de trabalho que asse-gure o intercâmbio de idéias e espaços de pla-nejamento conjunto. Dentro dessa perspec-tiva, o PEQV desenvolve concomitantemente

1 Os municípios atendidos atualmente são Marabá, Parauapebas, Barcarena e Canaã (Pará), São Luís e Açailândia (Maranhão), João Neiva(Espírito Santo) e Catas Altas (Minas Gerais). Essa seleção foi feita depois de visitas aos municípios que pertencem à área de atuação daCompanhia Vale do Rio Doce, e depois de entrevistas com seus secretários de educação e de pesquisa sobre a realidade escolar dessas regiões.

2 Emprega-se aqui o termo “metodologia” no sentido de implementar uma prática e analisar as possibilidades das estratégias utilizadas. Nãose trata de formalizar uma proposta fechada, mas de sistematizar o aprendizado alcançado para orientar novas experiências formativas.

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diversas ações articuladas: trabalho sistemá-tico com diretores e supervisores; criação daCasa do Professor, de um site e de um supor-te para a melhoria da infra-estrutura nas es-colas de cada município.

O desenvolvimento pessoal e profissional: asdimensões profissional e pessoal sãoindissociáveis. A consideração desse aspectodeu-se na criação de estratégias que visampromover: a ampliação do universo cultural(oficinas de Artes e de Língua Portuguesa), osprocessos de autoformação, a reconsideraçãode valores e da própria imagem como pro-fessor, de forma que este encontre sentidosparticulares em seus processos de constru-ção de conhecimento.

Dessa forma, o programa atua em diferen-tes frentes, concomitantemente, e luta contraa idéia de que os problemas da educação serestringem apenas à formação dos professores.Neste texto, entretanto, faremos um recorte ediscutiremos especificamente a questão daformação continuada de professores.

A constituição de umametodologia de formaçãocontinuada de professores:caminhos possíveisAnteriormente, enunciamos alguns dos

princípios e fundamentos que norteiam estaanálise de uma experiência de formação deprofessores. Para aprofundar a discussão, alémde indicar as grandes linhas de atuação do pro-grama, é necessário apresentar alguns dadosque contextualizem o recorte em questão. Aseguir, faremos uma breve descrição das açõesdiretamente ligadas à formação de professo-res para, depois, podermos problematizar essamesma atuação.

A criação do contexto formativoAmpliar os horizontes dos professores a fim

de facilitar o acesso à informação e criar umespaço de reflexão permanente sobre a práti-

ca pedagógica são os principais desafios a se-rem transpostos.

É meta do programa possibilitar o traba-lho dos professores com questões sociais sig-nificativas para alunos e para a comunidade,utilizando a leitura, a escrita e a comunicaçãooral como instrumentos para a formação dacidadania. Para isso, destaca-se a possibilida-de de uso de recursos tecnológicos, tais como:computador, máquina fotográfica, gravador,filmadora, considerados importantes no pro-cesso de aprendizagem e formação do aluno,e que o próprio programa torna disponíveis.

O contexto da formação de professores cri-ado pelo programa consiste no trabalho comprojetos didáticos de leitura e escrita e na su-pervisão permanente do desenvolvimento pe-los professores.

Projetos de leitura e escrita:convite para uma aventura pedagógica

Ao iniciar o trabalho, os professores rece-bem um cardápio, com diversos projetos didá-ticos de leitura e escrita, e escolhem um delespara realizar em classe. “Pequena enciclopé-dia”, “As pessoas e as paisagens do lugar ondevivo”, “Receitas da minha terra”, “Quem cantaseus males espanta” são alguns dos projetosapresentados. Todos obedecem a uma estru-tura básica, com sugestões didáticas que se-rão detalhadas e transformadas em seqüênciasde atividades específicas junto com cada gru-po de professores. O desenvolvimento do pro-jeto é detalhado à medida que o professor rea-liza as atividades com seus alunos.3

A idéia de trabalhar com um cardápio deprojetos se baseia na premissa de que não épossível desenvolver um material único que seadapte a qualquer contexto. A solução encon-trada diz respeito à diversidade presente emcada região e em cada sala de aula e, ao mes-mo tempo, oferece atividades fundamentaispara que o processo de aprendizagem da lín-gua possa ocorrer de fato. Com esse trabalho,os professores aprofundam diversos conteúdosde leitura e escrita com seus alunos, que, por

3 Na estrutura proposta, os professores envolvidos no programa realizam, juntamente com seus alunos, quatro projetos no período de dois anos.

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 2

sua vez, aprendem de forma contextualizada,sabendo o quê, para quê e para quem estãoescrevendo.

Uma das vantagens dos projetos é que seudesenvolvimento se dá em torno da execuçãode uma meta clara, como, por exemplo, a con-fecção de um livro, de um CD, de um vídeoetc. As situações didáticas oferecidas criamcondições de sentido para o aluno. A apren-dizagem se consolida para ele, despertando oseu interesse em permanecer na escola. Mui-tas vezes, embrenhada em sua tarefa, a esco-la se volta para a preparação futura do alunoe deixa em segundo plano o estabelecimentode sentido a cada passo do processo de apren-dizagem.

Além disso, os projetos se caracterizampor uma tarefa coletiva composta de diversassubtarefas. Para sua execução, é preciso: pla-nejar; prever; dividir responsabilidades; ad-quirir conhecimentos específicos relativos aotema em questão; desenvolver capacidades eprocedimentos determinados; usar recursostecnológicos; aprender a trabalhar em grupo,agindo de acordo com normas, valores e ati-tudes esperados; organizar o tempo; dividir eredimensionar as tarefas; e avaliar os resulta-dos em função do plano inicial. A caracterís-tica de partilha do planejamento, inerente aodesenvolvimento do projeto, favorece o ne-cessário compromisso do sujeito que apren-de com sua própria aprendizagem, pois ela émuito mais produtiva quando o grupo querealiza tal projeto conta com a participaçãode cada um para alcançar a meta comum.

Os professores participantes são supervi-sionados em seus trabalhos por coordenado-ras regionais (especialistas na área da educa-ção – Cedac) que fazem visitas mensais aosmunicípios e também utilizam estratégias deacompanhamento a distância. Além disso,contam com o apoio operacional de coorde-nadoras locais (professoras da rede munici-

pal que são selecionadas para assumir essafunção).

O programa optou por eleger o conteúdode Língua Portuguesa como eixo norteador daformação de professores por ser esse conhe-cimento fundamental e instrumento essencialpara a aprendizagem de qualquer outro cam-po de conhecimento.4 Por meio da implemen-tação de projetos, pretende-se criar para oprofessor um contexto paralelo de desenvol-vimento.5

Nesse contexto ele poderá, entre muitasoutras coisas, construir conhecimentos peda-gógicos, desenvolver um novo olhar sobre asrelações entre professor e aluno e reformularo que entende a respeito dos processos de en-sino e de aprendizagem. O programa pressu-põe que, à medida que se apropria desses no-vos saberes, o professor certamente passaráa utilizá-los em outros momentos de seu tra-balho cotidiano em sala de aula.

O conteúdo a ser ministrado em qualquerprograma de formação de professores devenascer necessariamente da concepção didá-tica e do projeto educativo que se têm para oaluno. São os objetivos gerais em relação àaprendizagem dos alunos que devem nortearo trabalho com os professores, a fim de lhesfavorecer a apropriação do saber e do saber-fazer necessários para tanto. Por essa razão,torna-se fundamental a explicitação da con-cepção do ensino da Língua Portuguesa comoobjeto do conhecimento claramente assumi-do para o aluno, bem como a expectativa de-corrente em termos de sua aprendizagem, oque faremos a seguir.

O PEQV entende que um sujeito prepara-do para atuar na transformação da realidadeem que está inserido é alguém capaz de utili-zar as ferramentas e os conhecimentos de quedispomos hoje. Não basta apenas saber ler eescrever, é necessário também ser capaz deinteragir com a língua escrita de forma plena.

4 Essa estratégia também tem a intenção de colaborar na implementação das idéias referendadas nos PCN (Parâmetros Curriculares Na-cionais), que estabelecem uma referência sobre o que e como se deve ensinar em cada área do conhecimento.

5 Embora esse espaço esteja sendo criado dentro do período escolar existente, a experiência é realizada no horário destinado na grade curricularàs aulas de Língua Portuguesa. Como já dissemos, os conteúdos trabalhados nos projetos atendem às expectativas estabelecidas pelos PCN.

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É preciso dominar os recursos tecnológicosque a cada dia estão mais presentes no cotidi-ano do cidadão, além de desenvolver uma sé-rie de valores e atitudes condizentes com umaprática da cidadania.

Junto com os profissionais com quematua, o PEQV procura ressignificar o sentidoda escola em nossa sociedade, por meio de es-tratégias que integrem, de modo dinâmico, acultura local e a universal. A escola deve sertratada como lugar privilegiado de inserçãodos alunos no universo do conhecimento.

O programa atua em regiões desfavoreci-das do país, onde a falta de acesso ao mundoletrado é sem dúvida um fator de exclusão degrande parte da população. Outro dadodeterminante para a definição do trabalhonessa área é que este, quando bem-conduzi-do, promove o desenvolvimento de uma sé-rie de capacidades cognitivas fundamentaispara a formação do cidadão. Ler, escrever, ou-vir e falar são as principais habilidades lin-güísticas que permeiam todas as atividadesescolares ou extra-escolares, sejam elas deprodução ou de compreensão da Língua Por-tuguesa. Pode-se dizer que as atividadesdiscursivas expressas em textos orais ou es-critos são imprescindíveis no ambiente esco-lar, pois todas as ações realizadas individual-mente ou em grupo envolvem essas quatrocompetências. No entanto, apesar da impor-tância da linguagem em nosso cotidiano, namaioria das vezes ela aparece na escoladesvinculada dos propósitos que lhe dão sen-tido no uso social.

É muito comum, na escola, que o aluno te-nha acesso somente ao livro didático e que asatividades de Língua Portuguesa acabem sen-do restritas e não apresentem vínculo com si-tuações reais de uso nem promovam o conhe-cimento de outros registros.

Tornar os alunos experientes no uso dalíngua implica necessariamente colocá-los emdiversas situações reais de produção de lei-tura e de produção de texto, como, por exem-plo, preparar um discurso, fazer uma apresen-tação para um programa de televisão, escre-ver um livro de histórias, contar para os cole-gas uma história que tenha lido ou ouvido, ler

histórias para crianças menores etc. Para pro-piciar aos alunos o domínio no campo da lin-guagem, é preciso fazer que essa língua, a queusamos de fato, “invada” a escola por meio desituações contextualizadas de leitura e escri-ta, como uma grande campanha em prol dosaber ler, escrever, ouvir e falar com compe-tência.

A realização dos projetos, como está pro-posta no âmbito do PEQV, além de criar umcontexto em que o aluno experimenta de ma-neira significativa as possibilidades de leitu-ra e escrita, favorece a concretização de as-pectos centrais, anteriormente enunciados,relativos à consideração de uma epistemolo-gia da prática. Com a fundamentação em pro-postas desse tipo é possível criar um contex-to formativo, em que se mobilizem as com-petências do professor. A realização de proje-tos sugere problemas concretos, e o formadoratua em função das questões que emergemdesse processo de implementação.

O importante, para os professores, é com-preender o que eles têm de ensinar e por queensinar. Se é isso que faz sentido para os pro-fessores, torna-se necessário, então, concili-ar duas classes de propósitos: a dos que ensi-nam e a dos que aprendem. As situações pro-fissionais são complexas e os conhecimentosnão têm uma aplicação linear. O professortem de agir em situação, por isso precisa ad-quirir conhecimento disciplinar. Entretanto,essa é apenas uma parte do seu conhecimen-to profissional. É necessário também que elese capacite para compreender o que está portrás daquela situação didática. A construçãodo conhecimento profissional implica, assim,a construção de um contexto que ofereça aosprofessores, simultaneamente, o acesso aosconhecimentos disciplinares, à didática e aoprocesso de aprendizagem do aluno. Para isso,é imprescindível que levemos em conta o quepensam os professores, quais são suas “teo-rias”, como realizam seu trabalho em sala deaula e as conseqüências desse fazer na apren-dizagem dos alunos (o que sabem, o que des-conhecem e o que precisam aprender).

Os resultados alcançados no PEQV validama utilização do cardápio de projetos como um

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 2

elemento importante na criação de um con-texto formativo com essas intencionalidades.

A supervisão: “uma ampliação da visão”A supervisão do trabalho pedagógico carac-

teriza-se como espaços presenciais6 e a distân-

cia, para que professores e coordenadores (re-gionais e locais) reflitam sobre o que foi pro-posto aos alunos e planejem as próximas eta-pas do projeto.

Essa supervisão constitui um dos grandesdiferenciais que o PEQV oferece. Esse traba-lho é realizado por um profissional com maisexperiência, que atualmente é formador, masjá foi professor e, portanto, tem experiênciade sala de aula. Seu encontro sistemático como professor, o diretor e o supervisor possibili-ta que os problemas advindos da prática emsala de aula sejam nomeados, interpretadose transformados. Nessa interlocução, o pro-fessor é ajudado, tanto do ponto de vista daimplementação de uma prática, quanto dacompreensão da teoria que a sustenta. A con-figuração de um espaço de troca e aprendiza-gem dessa natureza é muito comum em di-versas profissões e em muitas escolas que ofe-recem um ensino de qualidade. Para quasetodos os profissionais, seu desenvolvimentoconta com a possibilidade de diálogo entrepares, pois estimula a troca de saberes. O fatode configurar uma arquitetura de funciona-mento do programa apoiada na idéia de quea possibilidade de troca, a reflexão comparti-lhada e o acesso à informação devam ser pi-lares do processo tem feito que as respostas eo nível de compreensão dos professores en-volvidos nessa experiência sejam surpreen-dentemente rápidos.

Isso representa um enorme avanço, porquepermite superar a situação habitual de solidãoem que se encontram os professores, e criauma interlocução que é o motor do crescimen-to profissional. Aos poucos, os professores vãose dando conta de inúmeros aspectos da prá-tica pedagógica que não eram observáveis, e

buscam, a partir da reflexão sobre a ação, iden-tificar problemas, conhecer os processos deaprendizagem dos alunos, pensar sobre suasinterferências e, portanto, adequar cada vezmais o diálogo entre o ensino e a aprendiza-gem.

O PEQV atua baseado na prática e nateorização da prática, com o intuito de ajudaros profissionais envolvidos a aprender a “fa-zer”, a compreender esse “fazer”, adequando-o e transformando-o de acordo com uma situ-ação concreta. Portanto, a estratégia de apre-sentação de um cardápio com propostas de di-ferentes projetos a serem realizados ganhaoutra força, na medida em que se oferece umacondição material e conceitual para o seu de-senvolvimento.

As principais estratégias formativas utiliza-das nos momentos de supervisão são:

A observação de sala de aula e o registro emvídeo da atuação do professor

Por sua própria especificidade, a observa-ção em sala de aula é a estratégia que mais da-dos nos fornece para a reflexão com os profes-sores em processo de formação, pois nela nãose verifica o desenvolvimento do trabalho ex-clusivamente no plano do discurso falado ouescrito, mas essencialmente no plano em queocorrem interações, atitudes, valores, objeti-vos e intervenções, tendo, por isso, um papelfundamental no processo de transformaçãodas práticas.

Os encontros de tematização de situaçõespráticas, que foram diretamente observadaspelo formador ou gravadas em vídeo, têm porobjetivo criar nos professores a disposição pararefletir criticamente sobre as próprias atua-ções, buscando as próprias soluções nas ques-tões que essas práticas apresentam. Essa es-tratégia ajuda os professores a identificar pro-blemas e a pensar estratégias de resolução des-tes, a investigar, a ver sob outras perspectivas,a problematizá-las, a levantar hipóteses, aidentificar e a nomear as dificuldades para

6 Os encontros presenciais consistem em reuniões organizadas entre professores e coordenadores, que somam um total de sete horas detrabalho por mês.

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buscar alternativas de ação, a elaborar propos-tas de intervenção didática, a refletir e a dis-cutir a adequação das mesmas.

No primeiro ano do programa, foram maisfreqüentes as situações de observação de au-las de outros professores realizadas em outroscontextos (vídeos de acervos particulares oudirecionados à formação de professores), a fimde garantir o distanciamento necessário paraa análise de questões específicas sobre o ensi-no e/ou a aprendizagem e a progressiva cons-trução de uma atitude profissional de reflexão,compartilhada com a prática. No segundo anode trabalho, quando o vínculo de confiança en-tre professores e formadores estava estabele-cido, a observação de aulas realizadas pelospróprios professores ganhou maior espaço,dada a importância dessa real proximidadecom a prática pedagógica em todo e qualquerprograma de formação.

As pautas de todas as supervisões dessetipo são planejadas de forma que favoreçama análise de contextos muito familiares paratodos os professores (a atividade discutida érealizada por todos os professores do grupode supervisão), com a atenção voltada paranão transformar a observação das aulas gra-vadas numa situação de avaliação externa de“erros” e “acertos”. Para tanto, tomam-se al-guns cuidados:

• Elabora-se coletivamente o planejamento daatividade que será gravada (o formador se co-responsabiliza pela realização da atividade,fornecendo ajuda “antes”).

• Realiza-se um encontro com o professor daclasse, antes da gravação, com a finalidade deplanejar, antecipar possíveis problemas e dis-cutir os aspectos que estarão sendo focaliza-dos na supervisão com todo o grupo.

• Após as gravações, realiza-se, junto com oprofessor, uma análise da aula, selecionam-se trechos dos vídeos e elaboram-se as estra-tégias para sua apresentação (esclarecimen-tos sobre os propósitos da observação, con-signas7 que guiarão a observação feita pelosprofessores, comentários sobre a aula etc.).

• Na supervisão, a análise feita a partir da ob-servação da aula é guiada por uma consignaclara, geralmente questões problematizadorasrelacionadas com o propósito da observação,recortada por comentários dos professores dogrupo sobre situações ou passagens (simila-res ou não) ocorridas em suas salas de aula.

• Cada professor tem de se remeter à própriaaula para ampliar os aspectos observados.Dessa forma, portanto, saímos de uma situa-ção isolada (a aula do professor X) e vamospara outros contextos (as vivências de cadaprofessor participante da supervisão). Isso re-sulta na criação de uma situação-problema:se a atividade é a mesma, o que faz que osresultados observados tenham característicastão diferentes?

O fato de se criar essa situação de observa-ção, mesmo que cercada por todos esses cui-dados, não garante a apropriação imediata daidéia de reflexão sobre a ação, como meio paraa auto-observação e auto-avaliação dos profes-sores em supervisão. Esse é um movimentogradativo, que depende de atitudes a seremconstruídas e que estão relacionadas com oaprendizado de ouvir outras opiniões, consi-derar outras alternativas, admitir possibilida-des de erros, reconhecer as conseqüências desuas diferentes atuações sobre o desempenhodos alunos.

O desafio que essa prática coloca para oformador é o de identificar e isolar determi-nado aspecto que seja relevante diante dascompetências do grupo, da etapa do projeto,do que se quer destacar das aprendizagensdos alunos. Dessa seleção, surge a necessida-de de se pensar as melhores estratégias detematização dos conteúdos envolvidos para asupervisão: esclarecimentos sobre os propó-sitos da observação, questões que nortearãoa discussão, pausas para comentários sobre aaula, necessidade de aprofundamento teóri-co etc. A supervisão potencializa, assim, dis-cussões significativas sobre determinados as-pectos da situação de ensino ou da situaçãode aprendizagem.

7 Consigna é a instrução dada para a realização de determinada tarefa.

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 2

Após a análise de resultados que represen-tam diferentes níveis de reflexão, podemosavaliar que as situações que trazem mais de-safios aos professores e que estão no âmbitodas supervisões são aquelas que demandam autilização de competências relacionadas, emmenor ou maior grau:

• à organização do discurso sobre a própriaprática;

• a um nível de reflexão que passa pela inter-pretação de episódios da própria prática;

• a um nível de reflexão que leva à reconstru-ção e à alteração da prática.

Modelos de boas situações didáticas

A criação de contextos de aprendizagemque sejam similares aos que os professores irãorealizar com os alunos é uma estratégia impor-tante para se trabalhar com situações que pro-duzam boas aprendizagens para as crianças ea partir das quais se possam compreender seusfundamentos.

Não são atividades idênticas às que osprofessores vão realizar com os alunos, masatividades que contenham os mesmos prin-cípios didáticos e, por isso, possam servir deparâmetro. O objetivo dessa situação é dis-cutir o “por quê” e o “para quê” de cada pro-posta e o que queremos que os alunos apren-dam com ela.

Donald Schön tem uma posição clara arespeito da imitação, que por muitos anosteve má reputação na esfera educacional. Paraele, muitas das aprendizagens de novas com-petências passam pela imitação, que não éuma simples repetição ou cópia fiel do mo-delo; trata-se de um processo ativo, por meiodo qual os professores precisam interpretar oque há de essencial na atividade, de modo queela possa ser interiorizada de forma própria ecompreensiva.

A teoria tem um papel insubstituível nesseprocesso, pois, para que se aprenda com a ex-periência, é preciso conceitualizá-la, o quer di-zer teorizar, sistematizar e validar o que seaprendeu com a reflexão sobre a experiência,estabelecendo relações entre os conceitos,para que a teorização da prática sirva como

referencial para resolver outros problemas pro-fissionais.

No trabalho com bons modelos de situa-ções didáticas, os conteúdos apresentam-sede forma contextualizada, isto é, procura-selidar com situações que dêem sentido aos co-nhecimentos que devem ser ensinados, sejana atuação do formador com o grupo de pro-fessores, seja no modelo de atividades presen-tes nos vídeos que são analisados. Em funçãodisso, as situações de descontextualizaçãodesses conhecimentos são fundamentais, poisenquanto os professores participam das situ-ações propostas não sabem que esses mesmosconhecimentos poderão ser utilizados emoutras ocasiões. Assim, a criação de uma si-tuação-problema para que os professores co-loquem em jogo o que aprenderam e plane-jem atividades futuras é um momento quedeve ser garantido na formação, para que osprofessores, com a ajuda do formador, pos-sam reconhecer o saber que produziram comoalgo que pode ser transferido para outras si-tuações.

Temos observado que, quando um conhe-cimento é contextualizado e o professor nãorecebe ajuda para construir um projeto dedescontextualização – ou seja, um projeto noqual ele se questione a respeito do possível usodesse conhecimento em outra situação –, esseconhecimento pode ficar circunscrito ao con-texto específico no qual foi inicialmente traba-lhado. Assim, o formador ajuda os professoresno planejamento de futuras ações, a partir doque aprenderam, e faz o acompanhamento des-sas aprendizagens: os conteúdos tratados sãorediscutidos e reavaliados nos próximos encon-tros de supervisão (por meio de filmagens, re-gistros da prática e produções das crianças),após terem sido colocados em prática. Comisso, criam-se as condições para que os profes-sores façam aproximações sucessivas com osconteúdos em questão num nível de complexi-dade crescente.

Experiência e análisede situações homológicas

No caso de situações homológicas, explo-ra-se na situação formativa o paralelismo com

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a situação da prática profissional, e isso equi-vale a dizer que a didática utilizada pelo for-mador procura ser coerente com os mesmosconceitos e princípios assumidos para o tra-balho do professor com as crianças.

Sendo assim, nessa modalidade, os pró-prios contextos formativos e a relação entreformador e professor são tomados como si-tuações exemplificativas de modelos didáti-cos, atitudes e modos de organização que sepretende que venham a ser desempenhadosna prática pedagógica com as crianças, demodo que os mesmos sejam continuamenteanalisados com olhares de proximidade edistanciamento, alternando entre o vivido ea reflexão sobre o vivido, entre o observadoe a reflexão sobre o observado. Dessa forma,o professor compreende, por meio do olhardo formador, o que acontece e quais são asformas e os fundamentos daquilo que elepropõe.

Estratégias de formação a distância

Como já foi dito, um dos principais desa-fios do programa foi a criação de estratégiasde formação a distância, dadas a localizaçãode cada município participante e a necessida-de de acompanhar o desenvolvimento dos pro-jetos e o percurso dos professores em forma-ção. Para isso, o programa viabilizou em cadamunicípio a criação da Casa do Professor,8 umespaço dedicado à convivência, à formação eao desenvolvimento pessoal e profissional detodos os professores. A Casa do Professor re-presenta, em cada município, um lugar paraencontros culturais, reuniões pedagógicas, ses-sões coletivas de vídeo com debate, oficinas dearte, centro de documentação, consultas à bi-blioteca, acesso a recursos tecnológicos e àinformática, o que permitiu a utilização docorreio eletrônico como importante meio deinterlocução a distância.

Todo mês, após os encontros presenciais dacoordenadora regional em cada município, vá-rios são os encaminhamentos realizados com

o objetivo de assegurar a continuidade doacompanhamento do trabalho pedagógico dosprofessores. Nessa comunicação a distância, acoordenadora local de cada município tem umimportante papel, pois é ela quem viabilizaráa realização das ações combinadas e o enviode materiais para a coordenadora regional, taiscomo:

• as fitas de vídeo com filmagens de situaçõesde sala de aula, acompanhadas de registrosescritos pelas professoras e das produções dascrianças da sala;

• seus próprios relatórios das reuniões de su-pervisão semanais realizadas com os profes-sores;

• os relatórios de observações em sala de aulaelaborados pelas supervisoras que acompa-nham o trabalho.

A leitura e a análise de todo esse materialsão realizadas pela coordenadora regional vi-sando à escrita de retorno, que fará, via e-mailpara a coordenadora local, e ao planejamentodas próximas reuniões de supervisão presen-ciais, uma vez que, com a análise das necessi-dades formativas dos professores e das dificul-dades com que deparam para o desenvolvi-mento dos projetos, ela pode antecipar ques-tões que precisarão ser tratadas, selecionartextos para fundamentação teórica a partir dasreais necessidades dos professores e planejarestratégias mais adequadas para as próximassupervisões presenciais.

Reflexões decorrentesdessa práticaA experiência anteriormente descrita per-

mite problematizar as questões enunciadas noinício deste texto e identificar alguns aspectosque nos parecem centrais na constituição des-sa metodologia de formação continuada deprofessores.

O contexto formativo criado pelo PEQV va-loriza como eixo central da formação a mobi-lização de competências profissionais. A hipó-

8 A Casa do Professor é fruto da parceria com as Secretarias Municipais de Educação e é gerida por grupos de professores e representantesdas equipes técnicas dessas secretarias.

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 2

tese que está por trás dessa experiência é a deque o professor pode desenvolver sua compe-tência profissional no próprio processo deconstrução e reconstrução de sua prática re-flexiva.

Todo o contexto, anteriormente descrito,propicia a análise de diversos aspectos ligadosao processo de aprendizagem dos professores.A constituição e a implementação de umametodologia de formação de professores, quetem como objetivo interferir positivamente naaprendizagem dos alunos no campo da leiturae da escrita, implicam a consideração de de-terminados pressupostos e, conseqüentemen-te, a validação de certas estratégias. A forma-ção de professores está apoiada em três eixos,a saber:

aprofunde seus conhecimentos sobre o con-teúdo que será ensinado, articulando-o com o“como” ensiná-lo e “para quem” ensiná-lo. Ésó com base nesse tipo de conhecimento queo professor poderá atuar de maneira pertinen-te na formulação, no encaminhamento e naavaliação de situações didáticas. Para isso, oprofessor precisa saber como a criança pensae aprende, e a teorização de situações práticaspode ajudar na construção de novos observá-veis sobre o processo de aprendizagem da cri-ança, oferecendo-lhe condições de análise crí-tica de diferentes concepções didáticas.

Entretanto, o grande desafio é que esseaprendizado não ocorre de maneira descon-textualizada, desvinculada da prática, e, por-tanto, não pode ser tratado como conheci-mentos teóricos a serem simplesmente trans-mitidos aos professores. É necessário desen-volver estratégias formativas que permitam ocontato com esses aspectos a partir da práti-ca pedagógica e da reflexão fundamentadasobre ela.

O professor é um profissional, e é precisoestimular o diálogo com ele a partir de situa-ções nas quais se sinta capaz de avançar e pro-duzir conhecimentos. O desafio está em en-contrar situações que criem condições para amanifestação da competência e do desejo deestabelecer um vínculo novo com o conheci-mento e com o seu processo de aprendizagem.

O professor não é tratado como um técni-co ou um mero aplicador de decisões alheias,que recebe instruções e coloca-as em prática.Seu desempenho profissional possui dimen-sões muito mais sofisticadas, pois depende deuma constante reconstrução do que está pla-nejado. Ele tampouco é um teórico, pois seutrabalho possui também uma dimensão con-creta que lhe apresenta desafios de ordem prá-tica a serem enfrentados. Ele é um profissio-nal da aprendizagem e precisa encontrar es-paços para construir sua verdadeira identida-de.9 A elaboração de atividades adequadas é oterreno de criação do professor e essa possibi-lidade se baseia em capacidades muito carac-

Assim, é na articulação e na ação simultâ-nea dos mesmos eixos que se pode compreen-der os processos dos professores e garantir, aomesmo tempo, um impacto positivo sobre aaprendizagem dos alunos.

Uma real ajuda na formação do professorsignifica criar condições para que ele de fatoamplie seus conhecimentos profissionais, en-tendendo por conhecimento profissional atríade:

• a reconceitualização dos conteúdos de ensi-no;

• a concepção de aprendizagem da criança;

• a concepção didática.

Com essa perspectiva, é preciso desenvol-ver, no processo de formação, estratégias coma intenção clara de permitir que o professor

9 Esse conceito foi tomado emprestado de Philippe Meirieu.

Conhecimento profissional

Aprendizagemdo professor

Didáticada formação

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terísticas, que têm de ser desenvolvidas porquem assume tal função: a capacidade de ob-servar, analisar, mobilizar conhecimentos re-levantes, avaliar e criar vínculos com o aluno.Quem efetivamente determina a qualidade dotrabalho em sala de aula é o professor.

A atividade docente demanda a construçãode uma série de conhecimentos e competên-cias por parte do profissional. Exige uma pos-tura reflexiva para que possa: compreender asquestões envolvidas no trabalho e desenvolvercompetências para identificá-las e resolvê-las;ter autonomia para tomar decisões; assumir aresponsabilidade pelas opções feitas. Requertambém que o profissional saiba avaliar criti-camente seu desempenho e o contexto em queatua, interagindo de forma cooperativa com aequipe à qual pertence.

As competências que esse profissionalconstrói estão relacionadas com sua capacida-de de utilizar múltiplos recursos – entre osquais estão os conhecimentos teóricos quepossui e suas experiências profissionais e pes-soais, para responder às diferentes demandasdas situações de trabalho. Trata-se de compe-tências que se traduzem em atos, num saberagir que necessita ser reconhecido pelos parese pelos outros, e cuja constituição pode e deveser promovida em termos coletivos. Um exem-plo disso seria desenvolver a competência deorganizar a aprendizagem dos alunos, ou seja,saber fazer uma programação, saber elaborarboas situações de aprendizagem, saber anali-sar os erros dos alunos, saber individualizaruma resposta etc. Não se trata de instituir ummodelo único de competência. Há muitas ma-neiras de ser um bom professor, e isso implicaa construção de um estilo próprio e envolvi-mento pessoal. É necessário promover o de-senvolvimento de competências que permitamao profissional uma relação de autonomia notrabalho, criando propostas de intervençãopedagógica, lançando mão de recursos e co-nhecimentos pessoais e disponíveis no contex-to, integrando saberes, sensibilidade e inten-cionalidade para responder a situações reais,complexas e diferenciadas.

Essa experiência mostra-nos que o foco daformação continuada de professores deve ser

o de buscar meios de interferir positivamenteem sua atitude perante o trabalho, criandocondições para que possam, cada vez mais,assumir a responsabilidade de ensinar.

Uma proposta de melhoria da qualidade daaprendizagem nas escolas deve necessaria-mente criar espaços de formação em que osprofessores possam vivenciar experiênciasconcretas e se apropriar de procedimentos quelhes permitam transformar seu fazer pedagó-gico. Para que isso ocorra, é necessário: confi-gurar espaços que promovam o trabalho cole-tivo; fazer o intercâmbio entre pares, propici-ando momentos de ajuda e troca; estimular ointercâmbio entre professor e algum agenteexterno qualificado, que permita a identifica-ção de aspectos que ficam “invisíveis” paraquem está fazendo – tudo isso com a perspec-tiva de ir constituindo gradativamente umaequipe colaborativa de trabalho.

Um projeto de formação de professoresdeve investir na constituição da escola comoum espaço de formação em que se cria e serecria, e onde se identificam problemas e seelaboram conjuntamente estratégias parasolucioná-los.

Entretanto, apenas criar um clima favorá-vel e fomentar o trabalho em equipe não é su-ficiente para transformar a condição didáticado professor. É primordial que, associado aisso, sejam dadas ao professor as condições eas possibilidades de aprender a fazer, fazen-do. Mais do que criar mecanismos normativosde explicação sobre o que se deve fazer, a for-mação continuada tem de ajudá-lo a compre-ender o que faz e por que faz, à medida quevá tendo a oportunidade de atuar e de inter-pretar de forma fundamentada o que foi rea-lizado.

E é nesse espaço do fazer pedagógico quese articularão o papel e a ação do formadorcom a do professor. A intervenção do forma-dor só tem sentido se estiver em sintonia coma possibilidade de compreensão e com as ques-tões do professor. É nessa interlocução pauta-da pela prática que será possível a construçãode novos sentidos. O trabalho de formação temde gerar situações que propiciem ao professor:organizar o discurso sobre a prática; adquirir

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Desenvolvimento da competência leitora e escritoraPAINEL 2

um nível de reflexão que passe pela interpre-tação de episódios da prática; teorizar sobre oocorrido, a fim de a promover uma reconstru-ção e a alteração da prática sempre que se façanecessário.

Vale ressaltar, ainda, que uma prática deformação continuada deve considerar que odesenvolvimento profissional implica um pro-cesso no qual o professor vai construindo seusconhecimentos a partir da própria experiên-cia e das aprendizagens conquistadas a cadaetapa do trabalho. É um processo gradual emque, a cada passo, os conhecimentos adquiri-dos permitirão interpretar, em outras perspec-tivas, experiências e questões que antes nãoeram observáveis. A formação deve ser pensa-da a partir de uma concepção de níveis de co-nhecimentos que se vão desenvolvendo pormeio de processos construtivos de ação–refle-xão–ação, numa espiral.

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33

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 33333

DESENVOLVIMENTODA COMPETÊNCIA LEITORAE ESCRITORA DOS PROFESSORES

Margareth Aparecida Ballesteros Buzianaro

Maria Angélica Alves

Marília Costa

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Aos quase 40 anos, posso afirmar que ler eescrever são práticas constantes em minha vida,não só vinculadas à minha profissão de educa-dora, mas também à minha vida pessoal; ao meuser mulher. Fontes inesgotáveis de prazer e sa-tisfação. Sou profunda admiradora da literaturauniversal, cujos gêneros que mais aprecio são oscontos, as crônicas e as poesias de todas as épo-cas. Também os textos próprios de minha áreade trabalho me garantem “alegria”, por mais queessa expressão possa parecer descabida. Ler etomar conhecimento de novas descobertas quepesquisadores, estudiosos e pensadores vão tor-nando públicas com seus escritos trazem, sim, aalegria do saber; do poder transformar palavrasem ações, e ações em reflexão, e reflexão em no-vas palavras e, por meio desse movimento con-tínuo e constante, dessa teia de idéias, ideais erealidade – possível pelo domínio da linguagemescrita –, transformar meninos em cidadãos.

Mas tudo isso poderia ser bem diferente…Nascida em uma família muito pobre e total-

mente desestruturada, e tendo sofrido toda a sor-te de violências e abusos que uma criança podesofrer dentro da própria casa, com certeza, pode-ria ser eu mais uma analfabeta, vitimada pelodescaso, pelo preconceito e pelo abandono.

Foi a escola que mudou o meu destino. Sim, aescola, e com certeza graças a algumas profissio-nais “bem-formadas”, que sabiam algumas coisasque, infelizmente, ainda hoje, muitas não sabem:que às crianças pobres e desprovidas de tantas coi-sas, só resta a escola, e esta não pode lhes fecharmais uma porta. Que crianças pobres e frágeis po-dem aprender a ler e escrever. Podem crescer “for-tes” no corpo e na alma. E podem mais! Podem vira fazer muita diferença no pequeno mundo ondevivem, se não no grande mundo onde vivemos.

Desenvolvimento dacompetência leitora e escritora

Margareth Aparecida Ballesteros Buzianaro

Escola Estadual Professor Dário de Queiroz – SEE/SP

ResumoPara o relato que faremos sob o tema supracita-

do optamos por focalizar, entre muitas possibilida-

des, a contribuição que o trabalho muito criterioso e

sério de toda uma equipe escolar vem desenvolven-

do, no intuito de caracterizar uma escola pública

como espaço educativo e formador de leitores e es-

critores. Trata-se de algumas experiências positivas

com a formação de professores e de projetos especi-

ais para a melhoria da qualidade de ensino e apren-

dizagem, com a máxima utilização de recursos ma-

teriais e financeiros, como o PNLD e o “Dinheiro Di-

reto na Escola”, e com a busca de parcerias na comu-

nidade, entre outras. Considera-se um espaço para

o reconhecimento e a valorização do PROFA como

um grande facilitador e articulador do nosso traba-

lho de formação, como formandos e formadores.

Solicitada a participar deste evento para fa-zer um relato sobre “Desenvolvimento da com-petência leitora e escritora”, pus-me a pensar emdois fatores que julgo importantes: “Por que fuiconvidada?” e “Sobre qual aspecto de toda umaexperiência de vida leitora e escritora deveria meocupar, ao proferir esse relato?”.

Confesso não estar sendo fácil limitar-me aum ou dois pontos significativos de uma listadeveras grande, que, creio, seja não apenas mui-to importante, mas essencial para a formação eo desenvolvimento de tal competência.

Contudo, suponho que possa e deva meaventurar a contar um pouco de minha própriatrajetória na construção dessa capacidade e, porconseqüência dela, minha postura e meu em-penho em promover, por meio de ações objeti-vas, uma tomada de consciência acerca do com-promisso que a educação escolar deve ter comesse trabalho.

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Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professoresPAINEL 3

Pois é, tive essa sorte! E talvez por isso eu,hoje, esteja aqui. Não, não foi à toa que me tor-nei educadora! Eu precisava mesmo retribuiresse tento! Daí, um trabalho incansável pelamelhoria da qualidade do ensino oferecido naescola pública. Um movimento constante embusca de mais saberes. Um empenho honesto everdadeiro no trabalho de formação dos educa-dores vinculados à escola, atualmente, sob aminha responsabilidade.

A competência leitora e escritora não se dáao léu. Muitas foram as gerações subjugadas edestinadas ao fracasso escolar. Temos hoje, noensino público, um considerável número de edu-cadores que não tiveram a oportunidade de de-senvolver essa competência e, portanto, não es-tão aptos a colaborar para o desenvolvimento dacompetência de seus alunos. A formação em ser-viço não é apenas importante, ela é indispensá-vel. Com a já tão falada velocidade com a qual astransformações vêm ocorrendo no mundo, émesmo impossível crer que um curso de nívelmédio ou um curso acadêmico possa atender àsnecessidades de formação/transformação denós, educadores, e ponto final, bem como não épossível esperar que essa formação ocorra numavia de mão única. Não bastará que diretores, co-ordenadores ou professores, num caminho soli-tário, tomem para si a luta por esse espaço deformação. Não bastarão apenas investimentosem projetos específicos, vinculados a planosemergenciais, de soluções instantâneas. É neces-sário investir seriamente na instauração de umanova cultura, que cabe às ações de ministérios,secretarias de Educação, universidades e de cadauma das escolas; cabe a cada profissional envol-vido nesse processo. Portanto, essa formaçãodeve ser garantida a diretores, coordenadores pe-dagógicos e professores, dentro de seus ambi-entes e horários de trabalho. E creio que seja esseo segundo ponto do meu relato.

Estou na Educação há cerca de vinte anos. Tivea oportunidade de trabalhar em todos os níveisde ensino, inclusive na coordenação pedagógicado Ensino Fundamental e da Educação Infantil.Hoje, na direção de uma escola de Ensino Funda-mental e Médio, com cerca de 1.800 alunos e pou-co mais de cem funcionários, tenho, juntamentecom a equipe que me auxilia na administração de

todo esse povo, muitas preocupações: “Comoressignificar esse espaço de educação? Como har-monizar os relacionamentos? Como contar como apoio da comunidade? Como promover parce-rias? Como trazer para a realidade, com a devidaclareza, expressões do tipo ‘exercício da cidada-nia’, ‘pensamento crítico’, ‘competência leitora eescritora’? Como prover e garantir formação den-tro desse espaço formado?

Esses questionamentos e dezenas de outrospoderiam estar perdidos ou guardados em ga-vetas, diários ou sessões terapêuticas, se não fos-sem a crença no trabalho e a ousadia de tentar, apartir da formação em serviço, aprofundar essasquestões, paradoxalmente, trazendo-as à tona,tirando-as das profundezas, do que às vezes pa-rece inatingível. Ou seja, fazer aprendendo a fa-zer, fazer fazendo.

Com a certeza de estar também aprenden-do, vimos, eu e toda a equipe gestora que cami-nha ao meu lado, sem a qual esse trabalho seriaimpossível, investindo alegria, energia, entusi-asmo e, ao mesmo tempo, seriedade, compro-misso e disciplina; angústias, ansiedades e tro-peços, naquilo que temos chamado, em princí-pio, de “capacitação”. E, hoje, há grupos de for-mação de professores dentro de nossa escola,com maior atenção voltada aos projetos especi-ais de reforço e recuperação paralela, cientes danecessidade desses para o sucesso da progres-são continuada, principalmente no primeiro ci-clo do Ensino Fundamental.

Grandes foram as dificuldades ao iniciarmostodo esse processo. As deficiências em nossa pró-pria formação nos fizeram recorrer a cursos deextensão universitária, a pesquisas, leituras,acompanhamento de programas destinados àformação de educadores veiculados pelas tevêseducativas, abertas ou não. E, é claro que, toma-das por ocupações de nossa rotina administrati-vo-burocráticas, questões fundamentais como osempre insuficiente tempo, carregam (e sobre-carregam) nossas metas de entraves e frustra-ções. Mas não desistimos.

É preciso ficar claro que são experiênciasmodestas. Pequenos passos diante de tão gran-de desafio.

Com o advento do PROFA (Programa de For-mação de Professores Alfabetizadores), em 2001,

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muitas de nossas angústias vêm se subtraindo.Tudo o que vimos trazendo desse curso, inclusi-ve todo o material (apostilas, fitas, tarefas, refle-xões) vem se somando à nossa iniciativa.Estamos sendo tomadas por uma clareza de pro-pósitos, por uma objetividade em nossos encon-tros, por uma segurança de estarmos descobrin-do o caminho correto.

Juntamente com os grupos de formação deprofessores, que vêm despertando em todosmaior consciência acerca do papel da escola nodesenvolvimento da competência leitora e escri-tora de todos os envolvidos no processo, mas,principalmente de cada criança que nela ingres-sa, ações facilitadoras e viabilizadoras desse de-senvolvimento também estão ocorrendo, como:projetos que garantem o empréstimo semanal delivros literários e paradidáticos a todas as crian-ças; visitas semanais de todas as classes à salade leitura da escola; saraus de leitura, canto, dan-ça e outras expressões da linguagem no início decada período de aula; acervo literário, dicioná-rios, gibis e periódicos à disposição em todas assalas de aula; salas-ambientes com rodízio de

professores desde a 1ª série do Ensino Funda-mental, com o intuito de garantir o maior nívelde experiências e a maior circulação de conteú-dos de cada uma das áreas do conhecimento;trabalho com artes visuais, inclusive vídeos, Edu-cação Física; melhoria nas relações da escolacom a comunidade por meio de ações que es-clarecem para os pais o que é e qual é a propostapedagógica da escola, enfim, todo um trabalhoa serviço de uma transformação desse espaço fí-sico-social chamado escola.

Aqui encerro meu relato de experiência, coma esperança e a expectativa de ter conseguidomais do que ser clara, considerando que nas en-trelinhas muitas marcas ficaram conotadas. E comuma expressão que, propositalmente, coloca umquê qualquer no ar: “feijão e sonho”. É que, nãosei bem o porquê, mas me faz lembrar umadualidade que sempre adorei em nosso mestrePaulo Freire, que afirmava ser preciso crer na uto-pia, porém com muita competência técnica.

Assim, devo crer que é possível “transformar oBrasil num país de leitores” (e escritores) e de algu-ma forma, quero ser, também, responsável por isso.

A formação de leitores e escritoresno Colégio de Aplicação da UERJ

Maria Angélica Alves

Colégio de Aplicação/UERJ

ResumoO que significa ser um verdadeiro leitor? E

um escritor competente? Para o escritor e

ensaísta Stevenson, somente o autêntico leitor

poderia desvendar os segredos das palavras, en-

quanto os falsos leitores se manteriam surdos

aos seus apelos secretos. De acordo com a sua

concepção de leitor e de leitura, é preciso dei-

xar-se ser cativado pelos livros para se tornar

um bom leitor.

O bom leitor e o competente escritor já nas-

cem feitos ou a escola tem condições de cativá-

los, interferindo significativamente em sua for-

mação? No Departamento de Ensino Fundamen-

tal do CAp/UERJ acreditamos que seja possível

formar bons leitores e escritores na escola, fazen-

do com que aprimorem suas estratégias de ques-

tionamento dos mais diversos textos. Entende-

mos que a escola tem como função essencial

entretecer os fios que unem a criança a si mesma

e ao mundo que a cerca. As relações entre a lei-

tura, a escrita e a escola podem ser fecundas e

estimulantes, tornando-se esse um dos lugares de

efetiva contribuição para a formação do bom lei-

tor, ou seja, do leitor que domina a competência

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Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professoresPAINEL 3

de ler não somente para reproduzir, mas para

produzir novos sentidos.

Estruturando a nossa prática pedagógica a

partir de uma abordagem construtivista-

interacionista, procuramos promover, em nos-

sas salas de aula, a circulação de textos e a par-

tilha do prazer pelo ato de ler, considerando o

professor como mediador desse encontro. Acre-

ditamos, dessa forma, que a escola deva inves-

tir na democratização do acesso à leitura, privi-

legiando as ações que promovam não o hábito,

mas a paixão de ler.

Neste painel apresentamos as nossas concep-

ções de ensino e de aprendizagem, narrando as prá-

ticas de leitura e de escrita desenvolvidas, ao longo

dos últimos anos, de forma regular, em turmas do

Ensino Fundamental. Procuramos ampliar a dis-

cussão sobre a temática do letramento, desenvol-

vendo um trabalho de formação de leitor calcada

na diversidade textual como eixo da ação escolar.

IntroduçãoNo Departamento de Ensino Fundamental

do Colégio de Aplicação da Universidade do Es-tado do Rio de Janeiro, CAp/UERJ, acreditamosque seja possível formar bons leitores e escri-tores na escola, fazendo que aprimorem suas es-tratégias de questionamento dos mais diversostextos. Entendemos que a escola tem como fun-ção essencial entretecer os fios que unem a cri-ança a si mesma e ao mundo que a cerca. Asrelações entre a leitura, a escrita e a escola po-dem ser fecundas e estimulantes, tornando-seeste um dos lugares de efetiva contribuição paraa formação do bom leitor, ou seja, do leitor quedomina a competência de ler, não somente parareproduzir, mas para produzir novos sentidos.

Estruturando a nossa prática pedagógicaa partir de uma abordagem construtivista-interacionista, procuramos promover, emnossas salas de aula, a democratização doacesso à leitura, permitindo a circulação detextos e a partilha do prazer pelo ato de ler,considerando o professor como mediadordesse encontro.

Ao apresentar nossas concepções de en-sino e de aprendizagem e nossas crenças emrelação aos atos de leitura e de escrita e, ain-da, ao narrar algumas práticas de leitura ede escrita desenvolvidas, ao longo dos últi-mos anos, de forma regular, em turmas doEnsino Fundamental do CAp, desejamosampliar a discussão sobre a temática doletramento e do desenvolvimento de um tra-balho de formação do leitor e do escritorcalcada na diversidade textual como eixo daação escolar.

Concepções de ensinoe aprendizagem no DEF

A escola precisa de três coisas fundamentais.

Uma é que todo mundo – rico, pobre, preto,

branco, homem, mulher – encontre ali seu lugar

para aprender. Outra é que a escola tem que

ajudar a criança a perceber o mundo em que

está vivendo e a ela mesma. O terceiro ponto é

que a escola não é uma instituição que trata

com alunos, mas trata com sujeitos, que têm

biografia, identidade e que estão se preparando

para viver o mundo hoje – e não o mundo

amanhã.

Fernando Hernández

Como pensamos, hoje, no Departamento deEnsino Fundamental, o ensino e a aprendizagemescolar? Consideramos que a escola deva, efetiva-mente, assumir o seu propósito educativo de pro-mover o desenvolvimento e a socialização de seusalunos, configurando-se como espaço de forma-ção e informação, a fim de propiciar a inserção desuas crianças e de seus jovens na realidade social.Tal como previsto no texto da Introdução aos Pa-râmetros Curriculares Nacionais, entendemos aprática escolar como uma ação “intencional, pla-nejada e sistemática”, com o objetivo de “formarcidadãos capazes de atuar com competência e dig-nidade na sociedade”. E, da mesma forma, enten-demos que a escola possa e deva ser o espaço ide-al para o debate, a parceria e a reflexão entre seusdocentes. Concordamos plenamente com MaryKato, quando afirma que a escola precisa ocuparseu verdadeiro lugar de “laboratório de observa-

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ção do que ocorre no processo da aprendizagem,abordando a criança como sujeito ativo desse pro-cesso” (Kato, 1990: 14).

Os princípios fundamentais norteadores denosso plano de trabalho prevêem que a sala deaula deva ser entendida como espaço de interaçãoverbal entre sujeitos, ou seja, como espaço efeti-vo de diálogo, sendo que a interação deva ser en-carada como o locus produtivo da linguagem e,simultaneamente, como organizadora e formado-ra da atividade mental. Consideramos o conheci-mento como algo que não é dado, mas construído,ou seja, reelaborado pelo sujeito, individual e co-letivamente, sob a intervenção segura e planeja-da dos professores. Encaramos o erro como parteimportante do processo de aprendizagem. Ten-do em vista, portanto, a abordagem construti-vista-interacionista no planejamento de nossasações pedagógicas, acreditamos estar contribu-indo para o fortalecimento da autonomia, do res-peito ao outro e da troca de saberes.

Consideramos a leitura como matéria-primapara o questionamento da escrita e o avançar dasestratégias cognitivas e metacognitivas do leitorem formação. A língua é encarada como produ-ção histórica e social, e o texto é, dessa forma,utilizado como unidade de trabalho em todas asáreas de conhecimento. É por meio dele que alu-nos e professores confrontam conhecimentos esaberes. Recorremos às rodas de leitura e aosprojetos como principais opções metodológicasa garantir a interação e a inter ou a transdisci-plinaridade. Procuramos, enfim, manter o olharatento e assumir, coletivamente, a tomada deposição em defesa da diversidade cultural e daspráticas sociais de inclusão como norteadora daprática do educador.

Ao organizar o planejamento de nossa práti-ca educativa, no Departamento de Ensino Fun-damental do CAp/UERJ, enfatizamos as apren-dizagens essenciais para a formação de cidadãosautônomos, críticos e criativos.

Nosso Plano de Trabalho estabelece os seguin-tes objetivos gerais: desenvolver a atividade men-tal autônoma e criativa no nível intelectual e a au-tonomia moral; construir a consciência de umaidentidade e a noção de vida em sociedade; reali-zar interações sociais; tomar decisões coletivamen-te; e desenvolver uma leitura crítica do mundo.

No planejamento de nossas atividades, con-sideramos a importância de se criar oportunida-des de construção de estratégias de formulação,verificação e comprovação de hipóteses na cons-trução do conhecimento do aluno. Recorremos,para isso, à utilização de diversos gêneros de tex-tos, favorecendo a mais ampla compreensão dosseus empregos sociais. A criança é, desse modo,estimulada constantemente a realizar intercâm-bios sociais, interagindo com os diferentes obje-tos de conhecimento e com os demais alunos eprofessores envolvidos no processo. Utilizamos,também, os diferentes espaços do colégio – biblio-tecas, auditório, clube de leitura e sala de vídeo –para desenvolver situações de leitura, escrita, pes-quisa, discussões e exposições orais.

Dedicamo-nos, em suma, a investir na com-preensão dos modos de apropriação dos novosconhecimentos dos sujeitos da aprendizagem,fazendo uma “escuta” generosa dos depoimen-tos pessoais, dos comentários, das descobertase dos julgamentos emitidos pelos alunos, emnossos encontros. Alguns momentos específicos,como a Roda de Leitura, os debates, os jogos,privilegiam, decerto, essa prática tão positivapara a afirmação dos sujeitos do conhecimento,em interação com os demais.

Considerando os aspectos mencionados, re-lacionamos algumas estratégias básicas constan-tes de nossas práticas de leitura e de escrita: le-vantamento de hipóteses sobre a língua escritae realização de reflexões metalingüísticas; con-fronto de representações ortográficas com asnormas; produção de rascunhos de texto, comelaboração de planejamentos prévios e revisãodo processo de elaboração do texto; audição, lei-tura e produção de diferentes gêneros de textos:narrações, descrições, notícias, contos, textos in-formativos, esquemas, bilhetes e cartas; rees-critura de textos conhecidos: repetir, fazer alte-rações, escrever diferentes versões; elaboraçãode sínteses e resumos; apreciação e declamaçãode poemas; dramatização de cenas e situaçõesde narrativas; realização de pesquisas e coletasde informação; elaboração de exposições orais eentrevistas; participação de discussões e deba-tes, de rodas de leitura e de jogos em grupo, rea-lizando intercâmbios sociais e produção de re-latos, registros e anotações.

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Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professoresPAINEL 3

O que queremos que nossos alunos pensema respeito de sua vida intelectual? Não quere-mos pouco. Nossas expectativas confundem-se com o que desejamos, em suma, para nósmesmos. Esperamos que tenham vontade deconhecer e sintam prazer em aprender e que,dessa forma, saibam concordar, discordar,relativizar as questões formuladas e, ainda,saibam buscar novas informações em diferen-tes meios e possam trocar, por meio de fecun-das relações interpessoais, o resultado de suaspesquisas e descobertas. Enfim, desejamos quenossos alunos assumam seu lugar de cidadãos,saibam se adaptar às novas situações e sejamfelizes, se possível.

Concepções acercado aprendizado da leiturae da escritaMagda Soares (1999) afirma que a escolari-

zação da literatura é inevitável, na medida emque ela é trabalhada na escola. Mas ressalta queo fator que determina sua negatividade é a márealização dessa escolarização no cotidiano es-colar. Defende, a educadora, portanto, a ade-quação dos procedimentos empregados na es-cola à realidade social:

[…] o que se quer deixar claro é que a literatura

é sempre e inevitavelmente escolarizada, quan-

do dela se apropria a escola: o que se pode é dis-

tinguir entre uma escolarização adequada da li-

teratura – aquela que conduza mais eficazmen-

te às práticas de leitura que ocorrem no contex-

to social e às atitudes e valores que correspon-

dem ao ideal de leitor que se quer formar – e

uma escolarização inadequada, errônea, preju-

dicial da literatura – aquela que antes afasta que

aproxima de práticas sociais de leitura, aquela

que desenvolve resistência ou aversão à leitura

(Soares, 1999: 24-25).

Apostando na tese da desescolarização daleitura como reflexo positivo de uma crença naformação continuada do leitor, Jean Foucam-bert (1994: 17) afirma: “Aprende-se a ler emqualquer idade e continua-se sempre apren-dendo. A escola é um momento da formação do

leitor”. Sem desejar, portanto, negar a contribui-ção da escola para a formação do leitor, oensaísta, embora a considere apenas uma dasinstâncias educativas estimuladoras da apren-dizagem da leitura e da escrita, acredita plena-mente na possível eficácia de sua ação no pro-cesso de iniciação do leitor. Tal crença leva-o aenumerar ações fundamentais de formação e deinformação técnica e do manuseio de livros ede escritos variados, que promovam uma fami-liaridade com o mundo da escrita, por meio dautilização de textos “verdadeiros”. Compreen-de, enfim, seus atos de leitura como o espaçoda realização de atividades metaléxicas. As cri-anças, em atividade reflexiva, levantam suashipóteses e avançam suas estratégias de ques-tionamento da escrita.

Para evitar o fracasso em suas ações, a es-cola, segundo Mary Kato, precisa estabelecerobjetivos precisos no ensino da leitura. Deve-se investir, na escola, nos atos de leitura orien-tados, planejados pelo professor segundo níveisgraduais de complexidade, que possibilitem odesenvolvimento de uma consciência metalin-güística. O desempenho do leitor estaria, dessaforma, diretamente vinculado às oportunidadesde acionar, diante de todo e qualquer texto, seusistema de valores, crenças e atitudes, fazendouso inteligente e regular das estratégias deinferência de que dispõe.

Ao enfatizar o papel ativo do leitor em suainteração com o texto e com o mundo, MariaHelena Martins ressalta as direções possíveis daleitura: “A leitura vai, portanto, além do texto(seja ele qual for) e começa antes do contatocom ele. O leitor assume um papel atuante, dei-xa de ser mero decodificador ou receptor pas-sivo” (Martins, 1982: 32).

Sua concepção abrangente de leitura não sereduz ao trabalho de decodificar os sinaislingüísticos, e sim de dar sentido a esses sinais:“…a leitura tem mais mistérios e sutilezas doque a mera decodificação de palavras escritas”(idem: 38). A ensaísta considera que a leituradeva ser desmitificada e compreendida comoum processo abrangente, pois envolve um con-junto de componentes em sua dinâmica. Porconseguinte, estão em jogo, no momento daleitura de uma obra, aspectos sensoriais, emo-

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cionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos,culturais, econômicos e políticos.

O leitor verdadeiro sabe que um texto – emais especificamente o texto ficcional – nãotem apenas um sentido, mas vários. Barthesafirma a pluralidade do texto, assim como anecessidade de pluralidade na leitura. “Ler éencontrar sentidos”, afirma. O leitor, por si só,ao aproximar-se do texto, não se encontra emestado de inocência, mas já carrega consigo“uma pluralidade de outros textos” (Barthes,1992: 44). Ao acionar seu olhar plural sobre otexto, o leitor desencadeia um processo de no-meação progressiva de uma complexa rede designificados. A tarefa do leitor, segundo oensaísta, está associada à idéia de movimento,de deslocamento incessante e de articulação,por meio da leitura, dos sentidos encadeados eagrupados no espaço do texto.

“Para gostar de ler, devemos ter paixão pelaleitura”, afirma categoricamente a ensaístaAngela Kleiman. A escola, segundo a autora, pa-rece continuar a não perceber que as atividadesde leitura legitimadas por ela estão distantes doideal de atividade que desperte a curiosidade, oprazer e o desejo de ler. A tarefa de ler em sala deaula, para Kleiman, perde o sentido para os alu-nos porque é fácil ou difícil demais. O fracassoproveniente dos primeiros frustrantes contatoscom a palavra escrita tende a continuar nos anosseguintes, criando, segundo a teórica, ao contrá-rio de todas as expectativas, um “não-leitor emformação” (Kleiman, 1993: 16).

Investir no desenvolvimento, na escola, depráticas de leitura que permitam o desabrochardo olhar plural do leitor, fazendo que diferen-tes textos e várias leituras circulem e dialoguementre si e com as leituras desse mesmo leitor,colocando-se o professor como mediador des-se encontro, resume-se, a nosso ver, no passomais natural e acertado. Claro está que se o pró-prio professor não tiver sido orientado, na es-cola e fora dela, na construção de sua compe-tência em leitura, pouco poderá ajudar na for-mação de outros leitores e, em muitos casos,poderá até prejudicar a sua iniciação. A histó-ria de leitor do professor, certamente, determi-nará o grau de significação das práticas de lei-tura realizadas na escola. Segundo Marisa

Lajolo, pode-se avaliar a eficiência da tarefa doprofessor, nas atividades de leitura escolar, apartir de sua competência visível de sujeito lei-tor, demonstrada no diálogo com seus alunosnas atividades de leitura. Somente dessa formaserá possível “contagiar” sua classe e promovera inserção de seus alunos no mundo da leitura,favorecendo, sem dúvida, a participação cres-cente deles como cidadão ativo no mundo. Ébem mais fácil e coerente formar leitores críti-cos quando se é um deles.

Nossas práticas de leitura e de escrita no CAporiginam-se, sem dúvida, de uma sincera paixãoparticular pela leitura e pela escrita. Ao realizarnossos projetos, somos, naturalmente, guiadaspelo desejo de despertar essa paixão em cada umde nossos leitores em formação. Atentas aos nos-sos propósitos e aos interesses das crianças, de-senvolvemos, em nosso plano de trabalho, o queos autores mencionados sugerem como uma ta-refa de questionamento de diversos gêneros detextos, propiciando condições para que o alunoconstrua seu aprendizado de forma ativa,interagindo com o objeto do conhecimento ecom os demais participantes das situações deaprendizagem vivenciadas na escola.

Acreditamos que, também na escola, os alu-nos podem e devem ser contagiados pelo dese-jo de ler e de ouvir histórias inventadas ou re-ais e, ainda, poemas, canções, parlendas, pro-vérbios, notícias, manchetes, cartazes, docu-mentos, textos científicos, mitos e lendas e ou-tros gêneros de texto, ampliando o seu conhe-cimento da língua e da linguagem e constituin-do-se como sujeitos leitores competentes, crí-ticos e criativos.

Acreditamos, ainda, que possam, utilizan-do a escrita, comunicar-se produzindo textosque se orientam pelas normas gramaticais epela correção ortográfica. Na escola, as crian-ças refletindo, juntas, permanentemente, sobreos fenômenos da linguagem buscariam, enfim,expressar-se, oralmente e por escrito, defenden-do seus pontos de vista, apresentando argu-mentos, propondo questões, formulando hipó-teses e comprovando teorias. Alguns dos proje-tos desenvolvidos aqui descritos permitem quese avalie nossa prática diária no aprendizado deleitura e escrita:

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Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professoresPAINEL 3

Descrição de projetos

Roda de leitura, rede de relações

Professores: Celi Silva Gomes de Freitas; CláudiaCristina Andrade de Azevedo; Cristina Maria RochaClemente Ribeiro; Maria da Conceição CarvalhoRosa; Olga Guimarães Germano.

Roda de leitura, roda de conhecimento. Aroda, o círculo, está presente nos mitos de distin-tas civilizações, em diferentes épocas. Espaço pri-vilegiado em todas as culturas – de partilhar, cons-truir, tecer ritos, reverenciar costumes –, no mo-vimento da roda há espaço para ouvir, falar, calar,circular idéias. Todos são um corpo na roda.

A prática da roda de leitura é diária na sala deaula. Crianças e professores sentados em círculono chão tecem uma grande teia de textos que setocam, se cruzam e se entrecruzam em várias di-reções, entretecendo várias relações, expandindo-se para além das paredes: faz-se rede. A roda deleitura define-se como um trabalho de uma políti-ca de inclusão (Geraldi, 1998), recuperando a fun-ção social da leitura: ler para o outro, ler com ooutro, contar o que leu, discutir o que leu, levar etrazer o lido e o vivido, ouvir opinião, buscar novasopiniões, expor emoções e sentimentos, concor-dar e discordar. Como roda, temos a multiplicidadede sentidos possíveis e a interação entre sujeitos.Como rede, mantemos a incompletude da lingua-gem (Orlandi, 1988). A roda constitui o espaço dediscussão e de produção onde o professor compa-rece como um dos leitores e como mediador: “ár-bitro, medianeiro, intermediário”.

A resenha como umadas possibilidades de letramentona 3a série do Ensino Fundamental

Professores: Cláudia Cristina Andrade de Azevedo;Cristina Maria Rocha Clemente Ribeiro; Maria Fa-tima de Souza Silva.

A escrita configura-se como um dos mais im-portantes suportes tecnológicos nas modernassociedades industrializadas. Sua difusão possibi-

litou novas formas de construção e de apropria-ção do conhecimento – em suma, novas formasde poder. Atualmente, esse poder está distribuí-do, tal qual a riqueza acumulada pelos mais dife-rentes países, gerando grupos capazes de exercero poder por meio da escrita e da leitura e gruposque não o podem exercer, configurando uma for-ma de exclusão nas sociedades letradas. Hoje, adiscussão caminha na direção do letramento,quando buscamos um trabalho de formação deleitor, de forma que este possa fazer uso das prá-ticas sociais de leitura e escrita. A prática peda-gógica que temos adotado busca favorecer essaformação, usando a diversidade textual como eixoda ação escolar. Na 3ª série do Ensino Fundamen-tal, optamos por mergulhar na discussão e na pro-dução de resenhas literárias, conseguindo, comisso, uma ampliação do horizonte.

Segundo Magda Soares (1999), a palavra“letramento” vem do inglês literacy, em que osufixo cy significa “estado ou condição de quemtem habilidade de ler e escrever”. Estabelece adiferença entre aquele que sabe ler e escrever –alfabetizado – e aquele que vive na condição ouestado de quem não sabe ler e escrever. Aqui elajá observa que a palavra letramento carrega emsi uma pluralidade de práticas sociais veicula-das às ações de ler e escrever. Para Kleiman, tam-bém, a palavra singular representa o plural, oconjunto de ações sociais que envolvem o ler e oescrever. O nosso trabalho busca essa apropria-ção, ao elegermos textos para aprofundamento,por meio do desvendar de suas estruturas lin-güística e semântica.

Na 3ª série/2000, um dos textos eleitos foi aresenha. Para atingir nossos objetivos, passea-mos por catálogos de livros de diversas editoras,pela revista Ciência Hoje das Crianças e pelosjornais, ampliando, assim, com a leitura de dife-rentes modelos do texto, o conhecimento das[os]alunas[os]. O Projeto Resenhas foi apresentadoà turma; o desenvolvimento foi sendo combina-do coletivamente entre professoras e alunas[os]e a produção final também foi decidida: um ál-bum individual para consulta do próprio grupo.

O processo de produção das resenhas con-templou a análise de alguns aspectos da sinta-xe e da morfologia e a função social dos tex-tos, acentuando preocupações que deveriam

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ser pensadas ao escrever: “Qual é o destinatá-rio?”, “Para que serve esse texto?”. Tais elemen-tos foram fundamentais para ampliar o conhe-cimento sobre esse gênero de texto, suscitan-do o desejo de sua ampliação, verificado a par-tir das perguntas que surgiam: “Como conven-cer a[o] outra[o] a ler o livro? Que palavras usarpara seduzi-la[o]?”. A partir das leituras das di-ferentes resenhas, pudemos perceber comoas[os] alunas[os] começaram a querer conhe-cer e ler os livros sugeridos e como o universocultural deles se ampliou: agora conhecemmais autoras[es], ilustradoras[es], editoras emais livros.

Projeto Águas do Rio de Janeiro:os manguezais

Professoras: Maria Angélica Alves, Leila Medeiros deMenezes, Celi Silva Gomes de Freitas, Olga Guima-rães Germano, Glória Maria Paes Brito Miranda.

Nosso propósito e desafio: entrar por águae chão, deixando-nos atrair pelas águas do Riode Janeiro, conhecendo, a fundo, os segredose os encantos (ou os desencantos) de seus rios,mares, lagoas. Parece-nos fundamental pro-mover entre os alunos o gosto pelo conheci-mento do espaço que os cerca. Crianças, árvo-res e águas “merecem o gosto de se dar”. E dar-se a conhecer é tarefa séria, que requer cuida-do e empenho.

Ao eleger os manguezais como ecossistemaa ser estudado na 2ª série, desejávamos desven-dar um ambiente com características bastanteespecíficas, notadamente os ecossistemas maisfrágeis e de grande capacidade vital, como áreade reprodução, presente em toda a costa brasi-leira e, particularmente, na Baía de Guanabara.

Considerando os aspectos abordados no es-tudo sobre os manguezais e as nossas crençasnum trabalho que permitisse a interação com osdiferentes objetos de conhecimento, definimosalgumas estratégias a serem utilizadas:

• listagem coletiva de perguntas e interesses so-bre o tema;

• investigações realizadas em pequenos grupos;

• excursões às áreas de manguezais;

• apreciação de vídeos;

• entrevistas com especialistas e autoridades;

• leitura de documentos, mapas, notícias, propa-gandas, folders, folhetos, cartazes, charges, arti-gos de revista, textos ficcionais, músicas, poe-mas, verbetes, fotografias e textos científicos;

• observação e caracterização de espécies vege-tais e animais de mangues;

• realização de pesquisas, experiências científi-cas, seminários envolvendo outras séries, cam-panhas educativas e um ensaio fotográfico;

• produção de relatórios e de um dicionário ilus-trado e listagem de novas perguntas e interes-ses ao fim do estudo.

Planejamos ações que possibilitassem o cru-zamento dos olhares dos diferentes sujeitos, pro-pondo atividades fundamentadas na interaçãogrupal, a fim de garantir uma leitura maisabrangente ou mais complexa dos temas cientí-ficos estudados. Desejamos, enfim, que cada alu-no procurasse desenvolver mecanismos própriosde vínculo com o conhecimento adquirido, fa-zendo suas releituras das problemáticas ambien-tais analisadas. Interessou-nos, particularmen-te, avaliar se houve avanço dos alunos no que serefere ao seu envolvimento com o objeto de co-nhecimento, à sua participação como investiga-dores no campo social e científico e à sua auto-nomia no uso dos diferentes materiais, assimcomo na realização das atividades.

O guarani: a releitura de um romanceclássico da literatura brasileira

Professora: Maria Angélica Alves.

Entre os meses de agosto e outubro de 1999,crianças de 9 anos de idade ouviram e leram, pelaprimeira vez, o romance O guarani, de José deAlencar. Sabiam que toda aquela história, vividano século XVIII, entre índios e fidalgos portugue-ses em plena mata brasileira, era fruto da imagi-nação fértil de um escritor cearense, já tratado in-timamente como Alencar. Entretanto, continua-vam a pensar que tudo era muito real: “Peri e Ceciainda existiam? Existiram de verdade? Mas os diá-logos são tão reais e tudo é explicado nos mínimos

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Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professoresPAINEL 3

detalhes…”. Liam, com curiosidade e emoção, umclássico da literatura brasileira. De capítulo emcapítulo, discutiam temas complexos, como os ro-mânticos e o romantismo, o preconceito, a traição,a fidelidade, o orgulho, o amor, a vida e a morte.Começavam a imaginar os gestos, as falas, os ob-jetos e as personagens, brincando de representaras cenas da narrativa. Por que não ler e reescrevera bibliografia e a biografia de Alencar? Por que nãoadaptar o texto original do romance e criar o rotei-ro de uma peça de teatro? Pensado, dito e feito. Apeça O guarani encenada no CAp/UERJ foi o re-sultado de um longo e complexo processo de apro-priação da língua e da literatura, assim como umalegre, emocionado e emocionante encontro decrianças com o livro, da vida com a arte.

Debate, parceria, reflexão:a organização do trabalho do professor

Interação, partilha de saberes, troca, debate,discussão, leitura da diversidade de textos que cir-culam no mundo, reflexão sobre aspectos da nos-sa realidade, investigação de problemas e enfren-tamento de desafios são ações fundamentais pre-sentes no dia-a-dia da sala de aula, das turmas deClasses de Alfabetização (CA) até as de 4ª série,pertencentes ao Departamento de Ensino Funda-mental (DEF). Referimo-nos às trocas de idéiasentre alunos, entre alunos e professores e, comonão poderia deixar de ser, entre professores.

Uma prática pedagógica dessa natureza temuma historicidade – é transformadora – e pressu-põe um grande investimento dos docentes em suaformação permanente e na produção – e divulga-ção – de reflexões sobre a sua prática, bem comoum compromisso com o trabalho de atualização dosdocentes das redes públicas de ensino. O ensino, apesquisa e a extensão surgem, então, como desdo-bramento natural de uma prática que aposta noredimensionamento da figura do professor, conver-tendo-o em um pesquisador do próprio trabalho.

Para o DEF está claro que a qualidade do tra-balho pressupõe o planejamento coletivo. Nos-sa prática confirma essa concepção de organi-zação do trabalho pedagógico: participação emquatro Colegiados, visando, exatamente, à am-pliação dos espaços coletivos de trabalho; encon-tros sistemáticos por série; produção de relató-

rios de avaliação de cada aluno, assim como dematerial didático específico para cada turma,partilhado, efetivamente, por cada série.

Ao assumir, com essa iniciativa, a autoria daprática pedagógica, apostamos na ruptura commodelos cristalizados de relações de ensino. Re-afirmamos nosso desejo de investir, permanen-temente, na compreensão da escola condizentecom este nosso tempo, assim como a intençãode dar continuidade ao nosso trabalho, fazendouma discussão responsável com a comunidadeescolar, discussão essa orientada por uma con-cepção de escola experimental transformadora.

BibliografiaALVES, Maria Angélica. Projeto Águas do Rio de Janeiro: os

manguezais. Rio de Janeiro: CAp/UERJ, 2000.

AZEVEDO, Cláudia Cristina Andrade de; RIBEIRO, Cristina

Maria Rocha Clemente; SILVA, Maria Fatima de Souza.

A resenha como uma das possibilidades de letramento

na 3ª série do Ensino Fundamental. Comunicação apre-

sentada no XIII COLE, Campinas: jul./2001.

BARTHES, Roland. S/Z. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

FREITAS, Celi Silva Gomes de; AZEVEDO, Cláudia Cristina

Andrade de; RIBEIRO, Cristina Maria Rocha Clemente;

ROSA, Maria da Conceição Carvalho; GERMANO, Olga

Guimarães. Roda de leitura, rede de relações: uma ex-

cursão pela prática no Ensino Fundamental. Comunica-

ção apresentada no XIII COLE, Campinas, jul./2001.

1 CD-ROM.

FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre:

Artmed, 1994.

GERALDY, João Wanderley. Linguagem e ensino: exercícios

de militância e divulgação. São Paulo: Mercado das Le-

tras, 1998.

KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins

Fontes, 1990.

KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da lei-

tura. Campinas: Pontes, 1989.

. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas:

Pontes, 1993.

LAJOLO, Marisa. Tecendo a leitura. In: Do mundo da leitura

para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993.

. Leitura e literatura na escola e na vida. Dis-

ponível em <www.proler.com.br>. Acesso em 2000.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura? São Paulo:

Brasiliense, 1982.

ORLANDI, Eni. Discurso e leitura. Campinas: Cortez, 1988.

SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e ju-

venil. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO,

Helian Maria Pina; MACHADO, Maria Zélia Versiani

(Orgs.). A escolarização da leitura literária: o jogo do li-

vro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

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IntroduçãoA Fundação Projeto Travessia é resultado de

uma criação coletiva de parceiros plurais – sin-dicatos de trabalhadores e instituições – tendopor missão garantir os direitos de crianças e ado-lescentes que, circunstancialmente, fazem dasruas seu espaço de sobrevivência e/ou moradia,como conseqüência da fragilização de seus vín-culos familiares e comunitários e de sua exclu-são das políticas sociais básicas (saúde, educa-ção, moradia etc.).

A intervenção educativa inicia-se a partir doperíodo da educação na rua, que promove o pro-cesso de “saída da rua”, culminando com a deci-são de meninos e meninas por deixar de utilizaro espaço público como local de moradia e/ousobrevivência. Começa, então, o processo deacompanhamento e orientação visando ao for-talecimento das relações familiares e comunitá-rias, assim como a inclusão dos educandos nosistema de ensino formal e na rede de atendi-mento (políticas sociais públicas) para a garan-tia de seus direitos fundamentais. Porém, comona maioria das vezes o retorno à convivência fa-miliar não é imediato, muitos educandos passampor um período de transição que lhes proporci-ona uma aproximação gradativa de seus famili-ares ou responsáveis e também dos espaços de-limitados para educação. Nesses casos, o abrigoem entidades faz-se necessário como medida decaráter provisório, dentro de um processo edu-cacional mais amplo, que visa à inclusão socialde crianças e adolescentes. Para esse período detransição, a Fundação Projeto Travessia realizaatividades educacionais em um espaço protegi-do, com o objetivo de favorecer a estabilizaçãode vínculos afetivos, desenvolver a disponibili-dade para a aprendizagem e propiciar adapta-ção a uma nova rotina de vida, que inclui terhorários e regras a cumprir. As crianças e ado-lescentes freqüentam as atividades deste progra-ma até que possam exercer seus direitos funda-

Experiência Projeto TravessiaMarília Costa

Fundação Projeto Travessia/SP

mentais na escola, na família e na comunidade.Durante esse processo, é realizado um tra-

balho educativo com suas famílias, por meio devárias ações integradas e complementares, comovisitas e encontros com grupos de famílias, como objetivo de gerar transformações nas represen-tações acerca dos papéis de cada um na rede fa-miliar e nas formas de convivência.

A leitura e a escrita comofator de inclusãoÉ fato incontestável que a condição de ser

alfabetizado é determinante para o exercício dacidadania. As condições do mercado de traba-lho, as formas de produção de conhecimento e acomunicação humana estão intrinsecamenteatreladas às práticas de leitura e escrita. Um anal-fabeto encontra atualmente muita dificuldadepara sobreviver em sociedade, visto que o poderencontra-se associado à cultura letrada. Alémdisso, uma pessoa que não sabe ler e escrever nãopode desfrutar de inúmeras práticas sociais delazer e entretenimento que dependem do domí-nio da escrita. Portanto, em uma cultura letra-da, não saber ler e escrever significa violação dedireitos e exclusão social.

A maioria dos educandos atendidos pelaFundação tem pouco domínio das práticas so-ciais que usam a escrita, e muitos são analfabe-tos. Todos os matriculados na escola estão defa-sados em relação à idade/série do ensino regu-lar, encontram muita dificuldade para acompa-nhar o grupo-classe na escola que freqüentam ecostumam ter uma auto-imagem e uma auto-es-tima bastante depreciadas.

A Fundação Travessia costuma acompanharo processo de inclusão no sistema de ensino for-mal, realizando visitas periódicas à escola queos meninos e as meninas freqüentam, com a in-tenção de estabelecer uma relação de parceriaem prol da inclusão escolar. Mesmo assim, al-

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Desenvolvimento da competência leitora e escritora dos professoresPAINEL 3

guns educandos que freqüentam regularmenteas atividades escolares não conseguem se man-ter por muito tempo na escola, abandonandonovamente o ensino formal.

O trabalho educativo tem a intenção de ge-rar mudanças qualitativas no processo deconstrução da própria identidade, ou seja:transformações em relação à auto-imagem, aoautocuidado, às relações afetivas, aos vínculosfamiliares, à socialização e ao processo de es-colarização, estimulando o desejo de deixar asruas como espaço de moradia/sobrevivência.O foco do trabalho é a problematização daspráticas sociais, que são quase impossíveis derealizar na rua, como, por exemplo: convíviofamiliar, escolaridade, programações culturais,esportivas e de lazer etc. Procura-se criar situ-ações que gerem nos educandos questiona-mentos, perguntas, inquietações e que desper-tem a necessidade de transformação. Essas si-tuações podem ser conversas, atividades deleitura, criação artística, produção escrita, jo-gos, brincadeiras, passeios – o que realmenteimporta é estimular a vontade de aprender,mudar, transformar.

A leitura e a escrita nas ruasDiariamente, uma equipe de educadores

vai até as ruas do centro de São Paulo e realizaatividades educacionais com crianças e ado-lescentes em situação de rua. Os vínculos deconfiança construídos nesses encontros comos educadores são fundamentais para que ascrianças possam elaborar projetos de vida foradas ruas. Exemplos de alguns projetos desen-volvidos nas ruas:

Fanzine. Elaboração de uma revista de baixocusto e com caráter educacional. As várias ati-vidades realizadas, envolvendo a leitura de li-vros infantis e gibis, resultaram no Fanzinenúmero zero, que traz entrevistas, poemas,personagens e histórias em quadrinhos cria-dos por crianças e educadores, em parceria.

Expo-Rua. Exposição de atividades realizadasnas ruas com a intenção de dar destino e visi-bilidade às produções das crianças e adoles-centes, como, por exemplo, poemas, músicase desenhos.

A leitura e a escrita nas oficinasOs educandos que já deixaram as ruas como

espaço de sobrevivência e moradia e vivem umprocesso de fortalecimento dos vínculos com afamília, comunidade e escola, freqüentam dia-riamente as oficinas oferecidas no espaço fixo daFundação. Nessas oficinas são realizadas váriasatividades envolvendo leitura e escrita, teatro,dança, música etc.

Alguns exemplos de propostas voltadas parao desenvolvimento da leitura e da escrita:

Fotonovela. Produção de uma história emquadrinhos a partir de uma história conheci-da pelas crianças. Para isso foi necessáriorecontar a história na linguagem dos quadri-nhos, criar cenários e fantasias para serem fo-tografados, assim como o texto da fala dos per-sonagens.

Culinária. Leitura, seleção e elaboração devárias receitas fáceis de realizar e com ingre-dientes baratos. Nesse projeto, as criançaspesquisaram muitas receitas em diversos por-tadores (ou suportes), fizeram orçamento deingredientes em supermercados e realizaramvárias atividades de alfabetização com o uni-verso temático da culinária.

A formação profissionalOs educadores costumam participar de vários

eventos externos que possibilitam o desenvolvi-mento profissional, e, internamente, realizam en-contros com profissionais que trabalham na insti-tuição – uma psicóloga, uma pedagoga e uma arte-educadora – para discutir a prática cotidiana.

Além disso, a Fundação Projeto Travessia estárecebendo financiamento da Fundação Vitaepara realizar projeto de alfabetização em parce-ria com uma escola pública, no qual está previs-ta a capacitação dos profissionais sob orienta-ção de uma equipe multidisciplinar, contem-plando questões relacionadas à didática da alfa-betização, psicologia, psicopedagogia, fonoau-diologia e antropologia. Esse projeto tem comoobjetivo central o desenvolvimento de estraté-gias eficazes para alfabetizar crianças e adoles-centes que estiveram expostos a situações de ris-co social e pessoal, como decorrência de umcomplexo processo de exclusão social.

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PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 44444

CORRESPONDÊNCIA ENTREPROFESSORES COMO ESTRATÉGIADE FORMAÇÃO CONTINUADA

Beatriz Cardoso e Maria Cristina Ribeiro

Euzi Moraes

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Correspondência entre professorescomo estratégia de formação

Beatriz Cardoso e Maria Cristina Ribeiro

Cedac

ResumoO Cedac vem apostando no intercâmbio escri-

to entre professores e capacitadores como uma fer-

ramenta importante por meio da qual se pode es-

timular o professor a rever sua prática e a arriscar

novas maneiras de conduzir o trabalho em sala de

aula. A utilização dessa ferramenta em três proje-

tos distintos tem gerado reflexões instigantes so-

bre o papel da escrita na interlocução com profes-

sores. Por meio do relato dessas experiências pre-

tendemos discutir as seguintes questões:

• A criação de um contexto para uma situação real

de uso da linguagem escrita.

• O vínculo e o reconhecimento como elementos

estruturantes da aprendizagem.

• O como fazer pedagógico como eixo do trabalho

de reflexão sobre a própria prática.

• A possível negociação de pontos de vista por meio

da correspondência.

Correspondência entre professorescomo estratégia de formação

Euzi Moraes

Rede Interdisciplinar de Educação – Ried/ES

IntroduçãoSeja com o suporte do correio convencio-

nal, seja via Internet, a correspondência entreformadores e professores vem sendo apontadacomo estratégia bem-sucedida de formação. Aexperiência que passamos a relatar é, basica-mente, um diálogo permanente em rede, quese apóia na prática intensiva da leitura e da es-crita. Esse diálogo vem acontecendo há quatroanos no projeto intitulado Formação em Redenos Municípios de Atuação da Aracruz Celulo-se – Projeto Formar –, no Espírito Santo, com ofinanciamento da empresa Aracruz Celulose ea coordenação pedagógica da equipe de pro-fessores-formadores da Rede Interdisciplinarde Educação (Ried).

Sintetizando, são quatro as característicasessenciais dessa correspondência: ser diálogo;ser permanente; ser em rede; ser por escrito.Neste texto pretendemos relatar o que apren-demos, por meio dessa interlocução.

Começamos a fazer parte do projeto emagosto de 1997, com uma clara sensação de quedispúnhamos de um conhecimento razoávelsobre os professores e seus problemas. Afinal,vínhamos trabalhando em formação de profes-sores havia mais de uma década – tínhamos his-tória. No entanto, a primeira grande lição queaprendemos foi que conhecíamos muito pou-co da relação dos professores com os alunos,com o conhecimento teórico-prático em peda-gogia e com a leitura e escrita. Como podería-mos, então, dialogar com eles?

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Correspondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaPAINEL 4

O diálogoPrecisávamos fazer um exercício de humil-

dade. No princípio, escrevíamos muito e os pro-fessores, quase nada. A dinâmica era enviar otexto para estudo em grupo, receber o relatóriodo estudo, dar devolutiva do relatório, enviarmais texto… e assim, em rede, caminhávamos– escrevendo e lendo… lendo e escrevendo. Se-lecionávamos textos, produzíamos textos, tra-duzíamos textos e elaborávamos instruções so-bre o que fazer com os textos. As discussões nosgrupos eram também o espaço em que setematizava a prática pedagógica de cada pro-fessor e professora e onde estes planejavam ino-vações para as suas salas de aula. Datam desseperíodo os registros a seguir.

A equipe de professores-formadores enca-minhou aos grupos de estudo um texto tradu-zido, “O dia integrado na sala de aula”, dandoas instruções a seguir.

No texto em referência encontramos princípiose práticas. A prática pedagógica apresentada acon-tece numa escola diferente da nossa, em um país

bem distante. Seria interessante identificar os prin-cípios em que se apóia essa prática e confrontá-lacom os princípios que sustentam a nossa prática.

Será que desse confronto poderão surgir provoca-ções à nossa concepção de educação e à nossasala de aula, dentro da nossa própria realidade?

A esta orientação, as professoras deram asseguintes respostas:

“O dia integrado” é perfeito para o Primeiro Mun-do, onde o poder público não tem medo do homemconsciente de seu papel e de seus direitos.

Achamos perfeita a idéia do dia integrado,mas bem distante de nossa realidade, onde o ci-

dadão consciente é problema para os “políticos”que fazem da máquina administrativa um meiode garantir a sua velhice e a de seus amigos.

A nós é cobrado muito, exigido que se ensi-ne a construção do conhecimento em um tempo

extremamente pequeno, com um currículo inten-so… Com isso, o professor fica desnorteado, in-seguro e assustado.

Só que em nosso país é exigido demais do

professor e dado pouco valor ao mesmo.

O ambiente físico é precário, as salas de aula

em péssimas condições, principalmente as dazona rural.

O material didático é de baixo nível, os livrosdidáticos são seqüências de repetições.

A maioria das crianças vai à escola para me-rendar; as condições de vida são precárias. En-fim, a condição social brasileira não oferece ne-

nhuma ajuda para a realização do dia integrado.

Era um diálogo de surdos. O conteúdo dasinstruções e do texto era o que menos importa-va a esses leitores em formação. Sentimos queprecisávamos chegar mais perto dos professores.Com o passar do tempo fomos aprendendo que,para desencadear o diálogo, as instruções deve-riam ser muito mais detalhadas, e essa aprendi-zagem produziu textos como este a seguir.

Roteiro para estudo de textos

1. Estudo individual do roteiro do texto: cadamembro do grupo deverá ler o texto, individual-

mente, antes das reuniões do seu grupo, obser-vando os seguintes procedimentos:

• destacar no texto o que julgar serem as prin-

cipais idéias: grife à lápis, com caneta oumarcador de texto;

• escrever nas margens do texto observações

pessoais sobre os pontos que achar relevan-tes;

• anotar, também na margem do texto, pergun-

tas e dúvidas.

2. Debate sobre o texto:

• cada participante deverá apresentar ao gru-po de estudo as principais idéias já destaca-das na leitura individual, suas observações

pessoais e suas perguntas e dúvidas;• iniciado o debate, deverão ser observados os

procedimentos de praxe, de maneira a per-

mitir que todos possam se manifestar: inscri-ção, limite de tempo para cada fala etc.;

• um integrante do grupo deverá anotar os pon-

tos principais de cada fala. Essas anotaçõesserão imprescindíveis para a elaboração dorelatório.

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Observação. De maneira geral, ainda que não

esteja prevista uma aplicação imediata do textoem discussão a práticas de sala de aula, os pro-fessores participantes deverão adotar como prá-

tica permanente o registro escrito de toda e qual-quer ocorrência em sala de aula que possa terrelação com o texto em estudo.

E os roteiros passaram a fazer parte da roti-na de nossa correspondência. Segue-se o “Ro-teiro para avaliação de trabalhos de alunos” (as-pecto: linguagem), no qual formulamos cincoperguntas e oferecemos cinco pressupostospara orientar a discussão dos professores.

Sobre textos expositivos

1. O texto produzido pelo aluno trata do assunto

estudado em aula? Se trata, de que maneira ele

se relaciona com o assunto da aula? Se não tra-

ta, como ele pode demonstrar que houve apren-

dizagem?

Pressuposto: Há uma tendência na escola

para concluir uma aula pedindo às crianças que

escrevam textos sem contexto, textos que não

comunicam nem expõem o que elas aprenderam

do conteúdo estudado.

2. Onde, no texto, encontramos provas concretas

de que o aluno–autor aprendeu o que foi estuda-

do e é capaz de registrar por escrito os novos

conhecimentos?

Pressuposto: Geralmente a avaliação de um

texto, na escola, focaliza mais a forma do que o

conteúdo. Os professores corrigem a ortografia

e a gramática e classificam de “bom” o texto com

menos erros ortográficos e gramaticais e de

“ruim” o texto com mais erros ortográficos e gra-

maticais.

3. A forma do texto atrai leitores? É um texto que

vale a pena ser lido? Ou é apenas mais um exer-

cício escolar, uma tentativa de cumprir as exigên-

cias do professor?

Pressuposto: O texto na escola não é visto

como um ato de comunicação entre um escritor

e um leitor, como um escrito que precisa desper-

tar o interesse do leitor.

4. Que erros de ortografia e gramática foram en-

contrados no texto? Esses erros atrapalham a

comunicação entre o autor e o leitor? Como? De

que forma?

Pressupostos: Geralmente a escola que muda

seu foco e passa a dar importância ao conteúdo

dos textos dos alunos acaba deixando de consi-

derar o valor da correção ortográfica e gramatical.

5. Agora que o texto foi apreciado pelo grupo, o

que fazer para melhorar o conteúdo e a forma do

texto?

Pressuposto: Geralmente, a escola abando-

na os textos dos alunos, como se fossem produ-

tos finais.

Com o detalhamento de nossas instruções,o diálogo entre formadores e professores avan-çou. Contudo, a leitura compreensiva ainda ca-recia de maior profundidade. Procuramos, en-tão, integrar melhor a leitura à escrita, por meioda elaboração de sínteses. Pensamos que, sepedíssemos a eles que escrevessem uma sínte-se do texto lido e discutido em grupo, podería-mos conhecer melhor sua relação com a línguaescrita. Nesse momento, o “Relatório” passou ater o seguinte formato:

• Síntese do texto estudado: resumo das idéias

principais desenvolvidas pelo autor (15 a 20

linhas – aproximadamente 250 palavras).

• Comentários sobre o texto: observações, dú-

vidas, perguntas, críticas, se for o caso.

• Relato de práticas em sala de aula relaciona-

das ao texto em estudo.

• Breve relato da participação da coordenado-

ra regional no grupo e manifestação do gru-

po quanto à devolutiva enviada pela equipe

pedagógica central.

Só que não ouvimos os professores, antesde mudar de rumo. Não fizemos perguntas dotipo: “Qual a familiaridade que os professorestêm com a leitura de textos e a escrita de sínte-ses?”. Apenas bem mais tarde descobrimos quenão se pode partir do nada. E mais: que fazersíntese não é fácil. Essa “descoberta” é confir-mada hoje pelo que leio em um folder da orga-nização educacional Avante, com sede em Sal-vador. O folder divulga um programa de estu-dos coordenado por Ana Maria Kaufman, pro-fessora de Letras e Filosofia da Universidade deBuenos Aires. Eis o que encontro na seção so-bre os objetivos do curso:

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Correspondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaPAINEL 4

Abrir um fórum de debates sobre um tipo de tex-

to particular para onde confluem de maneira

especial as práticas de leitura e escrita: o resu-

mo. Comentar investigações recentes sobre a

construção de resumos escritos. Propor alterna-

tivas didáticas para o ensino de resumos. E so-

bre o conteúdo: a complexidade do resumo

como tipo particular de texto. As estratégias in-

fantis para resumir textos expositivos e a quali-

dade dos produtos obtidos.

Sem entrar fundo em minúcias técnicas, re-sumo é síntese. Tive vontade de voar para Sal-vador. Não deve ser essa a atitude de professo-res e formadores? Como diz Perrenoud, paradesenvolvermos competência profissional, pre-cisamos pôr em jogo tudo o que sabemos e, di-ante de situações emergentes das quais nãodamos conta, sair em busca de mais conheci-mentos. Conhecimentos que devem ser recur-sos para agir.

De fato, aprendemos com os desafios daprática que é difícil escrever síntese. Bem cedo,os professores, em seus relatórios escritos, mos-traram-nos suas dificuldades em ler e sinteti-zar textos. O que fizemos, então? Elaboramosum conjunto de orientações sobre como fazersínteses. A partir daí, acompanhamos a evolu-ção da escrita dos professores. O estudo do pro-cesso vivido por um dos grupos de estudo estárelatado no último número da Revista Brasilei-ra de Estudos Pedagógicos (nº 195).

No início, a “síntese” era cópia mecânica departes do texto original: cópia de palavras, nãoa reprodução de idéias. Trechos inteiros eramcopiados e rearrumados sem preocupação coma coerência e a coesão textuais, comprometen-do com freqüência as idéias do autor. Muitasvezes, o novo escrito apresentava a mesma es-trutura de parágrafos do original.

Daí até o texto novo, síntese de idéias, pro-dução autêntica do grupo, foi uma longa ca-minhada. Segue-se um exemplo, extraído dorelatório de uma das professoras, no qual ogrupo mostra ter apreendido a idéia de que,numa síntese, fazemos sempre referência aostextos que estão sendo sintetizados: “BeatrizCardoso ressalta que um dos possíveis objeti-vos da escola é criar na própria sala de aula

diferentes tipos de língua escrita […] A autora,para maior esclarecimento, cita as idéias deAna Teberosky [...]”.

Ao longo dessa experiência, repetimos,aprendemos que não se parte do nada. As ins-truções ou orientações não criam a possibili-dade de decolar. Das instruções sobre “comofazer” saltamos para a prática de “fazer” e “mos-trar como”: escrevemos nossas próprias sínte-ses e enviamos esses textos aos grupos. No ar, atensão entre partir de uma base conhecida e nãoser diretivo. Em seguida programamos um mo-mento presencial e fizemos sínteses juntos. Apartir daí, o fazer junto veio complementar nos-sa correspondência.

Outro tipo de síntese praticada foi aquiloque chamamos de “Relato de discussão”: umasíntese das discussões em grupo. O registro es-crito ganhou mais força ainda nesse momento,como subsídio para o “Relatório Final” – às ve-zes coletivo, às vezes organizado pela coorde-nadora do grupo. Queríamos ter uma partici-pação vicária na reunião. Interessava-nos “ver”o que estava acontecendo, por intermédio dosolhos dos autores do relato. Esse trabalho desíntese, é claro, envolvia fazer recortes na reali-dade, selecionar e explicitar falas e fatos, fun-damentar afirmações, para que o leitor pudes-se ter acesso ao objeto retratado e apreciar commais segurança as avaliações e as conclusõesdas observadoras participantes. Que tarefacomplexa! Outra vez percorremos o mesmo ca-minho: instruções escritas, devolutivas, fazerjunto.

O discurso generalizantedos relatos-síntesesCom o tempo fomos percebendo que os re-

latos-sínteses eram genéricos, abstratos, sub-jetivos. Enfim, refugiavam-se em um discursogeneralizante. Para essa questão mobilizaram-se, então, nossos esforços. Aprendemos, nessanova empreitada, que sair das generalidades ecolocar o foco no específico, no concreto, nodetalhe é um desafio maior do que o nosso pri-meiro olhar poderia distinguir. Seguem-se doisepisódios identificados na correspondência

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entre a professora formadora e os professoresem formação. No primeiro, trechos do discur-so generalizante do relato de uma professorasão tematizados na devolutiva da professoraformadora.

No primeiro episódio, a professora relata…

Uma discussão significativa houve ainda em

torno da escola […] Os grupos têm crescido demodo considerável [...] Nossas coordenadorasvêm buscando alternativas [...] gerando mudan-

ça significativa em nossos professores. Avanços:segurança na retomada das recomendações,acrescentando conhecimentos adquiridos e ex-

periências a partir dos encontros subseqüentes,quando ocorreu o texto das recomendações [...]O crescimento e o interesse dos cursistas a par-

tir da prática […] mudança na prática.

… e a formadora responde:

Lendo o seu relatório, senti falta de informa-ções mais detalhadas sobre o andamento do cur-so em seu município. Suas observações são maisgenéricas do que específicas, mais gerais do queparticulares, mais abstratas do que concretas [...]não registram depoimentos, exemplos de práti-cas, posicionamento de professores.Por exemplo, você diz:1. que a diferença entre o letramento e a alfabe-tização foi compreendida, mas não diz qual foiesse entendimento;

2. que houve uma discussão significativa em tor-no da escola e que o grupo pôde trocar experi-ências e sugerir melhorias, mas não diz o que foique deu significado à discussão nem que experi-ências foram trocadas ou quais as melhoriassugeridas;

3. que os grupos têm crescido de modo conside-rável graças à ação desenvolvida pelas coorde-nadoras [...], mas não dá exemplos que mostremo crescimento do grupo nem explicita as açõesdesenvolvidas;

4. que as coordenadoras vêm buscando alterna-tivas para desenvolver um bom trabalho, garan-tindo assim uma mudança significativa, mas nãodiz que alternativas são essas nem dá uma idéiado que é um “bom trabalho”, na concepção dogrupo, e qual a mudança que se pretende.

Quando você diz que a troca de experiên-cias tem enriquecido os trabalhos, eu imagino que

sua cabeça está povoada de depoimentos, nar-rativas, fatos, que levaram as professoras a apro-fundar sua reflexão. Fico curiosa para conheceressas manifestações das professoras.

Como avanços, você registra: segurança naretomada das recomendações, crescimento, in-teresse, mudanças na prática (em que você ba-seou essa conclusão?). Essas são palavras mui-to genéricas e subjetivas. Precisamos de infor-mações mais objetivas. No item 6, você diz queos objetivos do Módulo 1 foram alcançados. A queconteúdos você se refere? E quais são, no con-creto, os objetivos do Módulo 1? Gostaria quevocê fosse mais explícita sobre os resultados daaprendizagem no seu grupo e ilustrasse suasafirmações com exemplos concretos.

Seu relatório é bom de ler e suas notícias,boas de ouvir. No entanto, um relato escrito pre-cisa ser menos subjetivo, mais específico. Preci-sa recorrer a exemplos e a fatos concretos parademonstrar a qualquer leitor atento que a apreci-ação feita pelo autor do relato tem fundamentona realidade. Precisa descrever situações, retra-tar o clima das reuniões, a fim de que o leitorpossa “enxergar” os acontecimentos por meio daspalavras (e dos olhos) do narrador. Essas sãopropriedades do texto escrito, em razão de suaprópria natureza: escritor e leitor não comparti-lham todas as informações.

O escritor faz recortes na realidade para darao leitor, que está distante dos fatos, a idéia maiscompleta possível do que ele observou e viveu.O escritor tem um conhecimento direto do pro-cesso, o leitor, só um conhecimento indireto. Pre-cisa de detalhes, de informações precisas, dedescrições, de bons recortes na realidade, parapoder formar um quadro mais fiel do que de fatose passou. E também para fazer a sua própriaavaliação dos fatos, sem ter de se valer apenasda opinião subjetiva do escritor.

No segundo episódio, a professora, autorado relato, delimita, detalha, especifica, explicita,retrata os fatos com objetividade, mostrandoque superou a tendência generalizante dos seusrelatos iniciais.

A Professora Maria Inês do PC-2 tinha bas-tante resistência às orientações do Formar/

PROFA. Somente após a leitura e a exibição dovídeo da U7 “Como ler sem saber ler” mudou suamaneira de pensar. Propôs a seus alunos que

53

Correspondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaCorrespondência entre professores como estratégia de formação continuadaPAINEL 4

formassem conjuntos com os nomes dos cole-

gas da sala. Sua aluna de cinco anos e seis me-ses montou os conjuntos e fez a leitura dos no-mes Rafael e Rodolfo. A professora pediu que ela

lesse. Ela leu. A professora perguntou: “Comosabe que está escrito Rafael e Rodolfo?” A alunarespondeu: “Rafael começa com ‘Ra’, igual ao tio

Raul, e Rodolfo termina com ‘fo’, igual ao meuurso Fofo.” A professora fez outras perguntas re-lacionadas à atividade, e sua aluna respondia a

partir das intervenções da professora. A partirdessa experiência, a professora constatou que épossível, sim, ler sem saber ler.

Esse registro explícito, detalhado, ilustrativorecebeu da professora formadora o seguinte co-mentário: “Quero ainda dizer que você conse-guiu sair das generalidades e ser específica eobjetiva em sua narrativa, ilustrando, exemplifi-cando. Parabéns!”

A maior descoberta, no entanto, é que nósmesmos, professores-formadores, não estamostão libertos dessa tendência ao discurso genera-lizante. Precisamos abrir o nosso discurso comocontribuição à clareza do diálogo. Do contrá-rio, estaremos trocando discursos vazios, semidéias. A realidade escolar, que temos comometa mudar, pode permanecer intocada.

Escrita: discurso e linguagemComo poderá a correspondência ajudar a

melhorar a escrita dos professores? Até aqui,procuramos mostrar alguns flashes da aprendi-zagem do discurso próprio da escrita. Vamosacrescentar mais um: a reflexão.

Somos herdeiros de uma tradição escolarmecanicista, mas refletir é preciso, cada vezmais. O processo de construção de um texto éum momento privilegiado de reflexão, de apro-fundamento do pensamento.

Estamos agora envolvidos com o registro(ou o relato) reflexivo. Notamos que, na hora dareflexão, o pensamento dos professores trope-ça em palavras e em esquemas. As perguntasque eles propõem procuram definições para“síntese”, “resumo”, “esquema”, um festival depalavras. O campo semântico que elas cobremnão chega a despertar interesse. Eles estão agoraestudando as hipóteses que as crianças formu-

lam em seus encontros com a língua escrita: ashipóteses de escrita. Não lhes interessa muitosaber que hipótese é uma idéia que alguém temsobre o modo de ser de alguma coisa. Queremfazer corresponder os esquemas, as palavras:“As hipóteses de leitura são as mesmas que asda escrita?”, perguntam. Não importa que se-jam processos diferentes. Como estão semprejuntos, os olhos vão transferindo de um para ooutro os nomes aprendidos, sem pensar emidéias. Por isso, enquanto se alinham com a pro-posta de alfabetização com textos, os professo-res ainda pedem “técnicas para trabalhar comprofessores cursistas para que não aconteçammais desistências”. E a formadora responde:

Você solicita sugestões de técnicas para tra-

balhar com os cursistas. Se você está se referin-do à metodologia de trabalho em grupo, podereilocalizar algum texto que trate desse assunto e

lhe enviar. Mas as razões das desistências pre-cisam ser mais analisadas. Certamente há ou-tros fatores. Quais seriam os mais determinantes?

Raramente é um só, não é verdade? Suponhoque alguns deles sejam: sobrecarga de trabalho,falta de compromisso com a mudança, interes-

ses concorrentes, indisponibilidade para o estu-do e a reflexão… E, é claro, também a falta deestratégias adequadas de estudo em grupo.

Mais adiante observamos que, no início, oexercício de reflexão levava o registro para olado da pura emoção. E o que poderia ser umaoportunidade de aprofundamento teórico nãoia além de um diário sentimental. Hoje, o textoreflexivo já emerge. Seguem alguns trechos dorelato de uma professora:

Quando eu pensava em lecionar em uma sala

de alfabetização, sentia até arrepios, eu me acha-

va incapaz de alfabetizar alguém, isso era um bi-

cho de sete cabeças. Tinha certeza de que as

pessoas nasciam, ou não, com o dom de alfabeti-

zar. Soube, no final de 2000, que o Formar iria

transformar-se em PROFA e que seria um curso

sobre “alfabetização”. Não hesitei e me inscrevi.

Queria descobrir o segredo que havia por trás

dessa palavra “alfabetização” e tinha a certeza de

que iria encontrar a receita certa para alfabetizar.

Juntamente com o início desse curso, resol-

54

vi, em março de 2001, alfabetizar meu irmão

Gabriel de quatro anos e dez meses, que estácursando o Pré I. E em abril de 2001, comecei alecionar em uma sala de estimulação e apoio, na

Apae, onde recebo, entre outras, crianças defa-sadas que, às vezes, já estão há três anos na 1ªsérie, passam então para a 2ª série sem estarem

alfabetizadas e ficam perdidas. A professora logodiz que a criança deve ter algum problema men-tal e assim elas acabam parando na Apae, mais

particularmente na sala de apoio.Abracei essa nova causa com muito gosto (o

Gabriel era minha cobaia e já não tinha tanto

medo do fracasso) e, com a idéia mais amadu-recida sobre alfabetização, comecei a alfabetizaressas crianças, reunindo tudo o que havia apren-

dido no PROFA e mais algumas coisas que iamsurgindo, vindo deles. Nossa, eles estão sendoum sucesso!

Atualmente, no PROFA, aprendi a importân-cia de trabalhar com textos, e que todo esse pro-cesso, como os outros, deve ser bem-feito, le-

vando em conta vários aspectos, que não mencio-narei aqui. Essa é minha nova meta, daqui emdiante. As crianças estão amando e eu, com tudo

isso, percebi que para alfabetizar não se precisanascer com dom, basta ter boa vontade paraaprender, nunca se acomodar com o que sabe e

atualizar-se sempre mais sobre o assunto. Devotudo isso ao PROFA e aconselho a todos os pro-fessores que desejam alfabetizar a experimentar

o PROFA, e irão descobrir um mundo novo, ondealfabetizar é um sonho real.

No Projeto Formar, a adesão é voluntária. Odiálogo em rede desenrola-se a partir de com-binados. Esse princípio favorece também a açãodos professores-formadores sobre questões deredação. Consultados sobre o seu interesse emreceber devolutivas sobre problemas de discur-so e linguagem nos textos de seus relatórios, osprofessores manifestaram-se a favor. Desenvol-vemos, então, um trabalho sistemático de revi-são comentada dos seus textos. No estudo pu-blicado na RBEP, já mencionado, apresentamosalguns dos problemas verificados e mostramosos avanços dos professores no uso da línguapadrão. Em poucas palavras, o que aconteceufoi que, na elaboração da síntese, os professo-res avançaram da cópia mecânica para o textoautêntico, novo, de sua própria autoria. O fato

novo, mas previsível, foi o seguinte: o texto co-piado era sem erros gramaticais. O textoconstruído pelos autores era gramaticalmenteproblemático. Mas, com o tempo, forma e con-teúdo foram começando a se integrar.

Em nossa avaliação, a correspondência naformação de professores é um fator determi-nante do sucesso no desenvolvimento da capa-cidade leitora e escritora, e isso significa desen-volvimento do pensamento.

Devemos ressaltar, no entanto, que os fatosrelatados mostram que é fundamental tratar osinterlocutores professores com respeito. Umaforma importante de mostrar respeito é nuncadeixar os professores sem resposta: a correspon-dência deve ser co-respondência.

Além disso, é preciso que o diálogo seja per-manente. O período de quatro anos que esta-mos relatando foi contínuo, e é nítida a diferen-ça entre os que permaneceram e os que apenaspassaram pelo projeto.

Por último, last but not least, é preciso man-ter uma relação em rede, um trabalho entre pa-res. Nesses quatro anos de diálogo permanenteem rede aprendemos muito. Mas ainda há mui-to a aprender.

BibliografiaMORAES, Euzi R. A evolução da leitura e da escrita de um

grupo de professores: estudo de caso. Revista Brasilei-

ra de Estudos Pedagógicos (RBEP), Brasília, v. 80, nº

195, p. 212-232, maio/ago. 1999.

PERRENOUD, Phillippe. Palestra proferida no Encontro da

Rede PROFA, em Brasília, 8 de agosto de 2001.

PROJETO FORMAR. Textos variados de professores parti-

cipantes (ago. 1997-dez. 2000).

PROJETO FORMAR/PROFA. Textos variados de professo-

res participantes (fev. 2001- ).

55

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 55555

FORMAÇÃO DEPROFESSORES NO PROJETOSABER EM MOVIMENTO

Caio Martins e Marcelo Barros Silva

56

AnexoDescrição sumária dos projetos interdisciplinaresdesenvolvidos no ano letivo de 2000

atividades esportivas e culturais no períodoextra-escolar, capacitando os orientadoreseducacionais das escolas e os técnicos dos pro-gramas extra-escolares;

• viabilizar a locomoção dos alunos aos centrosesportivos, culturais e comunitários, por meiode subvenção do transporte e em parceria coma concessionária de transporte público local.

O Projeto está sendo realizado desde o anoletivo de 2000, em parceria com a PrefeituraMunicipal de Santos, por meio de suas Secre-tarias de Educação, Esportes, Cultura e AçãoComunitária, junto com o Sesi; quatro entida-des sociais (ONGs); Faculdades de EducaçãoFísica da Unimonte e Unisanta e com o Expres-so Metropolitano.

O processo de capacitação dos quase oiten-ta educadores envolvidos no Projeto se realizaem serviço e vem resultando em:

• construção de instrumentos didático-pedagó-gicos pelos professores de Educação Física;

• realização de projeto interdisciplinar por cadauma das escolas (ver anexo);

• 360 alunos inseridos nas atividades extra-es-colares oferecidas pela cidade.

Informações sobre o ProjetoSaber em Movimento

Caio Martins e Marcelo Barros Silva

Escola Pública – Santos/SP

O Projeto Saber em Movimento, voltado aosegmento de 5ª a 8ª série, está sendo desen-volvido em caráter piloto em oito escolas mu-nicipais de Ensino Fundamental de Santos(SP), que somam aproximadamente 3.500 alu-nos, com vista à construção de oportunidadesde acesso dos adolescentes às manifestações dacultura corporal de movimento – jogos, espor-tes, danças, lutas e ginásticas – que, na escola,são oferecidos pela Educação Física e, no perío-do extra-escolar, pelos programas esportivos,culturais e comunitários da cidade.

Para tanto, o Projeto tem tratado de:

• qualificar a Educação Física escolar, capacitan-do seus professores – com base nos Parâme-tros Curriculares Nacionais do MEC – e mu-nindo as escolas com os materiais e equipa-mentos necessários;

• incentivar e orientar a realização de projetosinterdisciplinares, que a Educação Física tem gran-de potencial de mobilizar, capacitando a equipeescolar: coordenadores pedagógicos, professoresde Educação Física e de outras disciplinas;

• promover o diálogo e a articulação entre a es-cola e os programas públicos que desenvolvem

EMEF José da Costa e Silva Sobrinho. O eixotemático do projeto foi a prática do skate,cujo desenvolvimento envolveu todas asdisciplinas da 5ª à 8ª séries do Ensino Fun-damental. Como resultado, além das con-quistas de aprendizagem em cada área de

conhecimento, a equipe técnica experi-mentou nova metodologia de trabalho paraa organização e a execução do projeto, in-cluindo dinâmica de encontros, instrumen-tos de registro e avaliação permanente, es-tudo dos PCN para localização de conteú-

56

Formação de professores no Projeto Saber em MovimentoPAINEL 5

uma trama de corda para práticas corporaise a pintura de mural tematizando as modali-dades olímpicas, ambos realizados pelos alu-nos na área externa da escola. O percurso detrabalho envolveu a apreciação de vídeos dediversas modalidades esportivas, suas práti-cas adaptadas às aulas de Educação Física, oestudo da representação da figura humanaem movimento, as técnicas relacionadas àpintura de murais e as utilizadas para a con-fecção de tramas de corda.

EMEF Vinte e Oito de Fevereiro. O projetotematizou o basquete. Um filme foi utilizadopara promover a discussão com os alunos ecom a equipe docente que, de pronto, perce-beu o potencial educativo contido na explo-ração do tema. A decisão de elaborar uma re-vista sobre o basquete, como produto final,possibilitou diversificar os conteúdos a serempesquisados e. ao mesmo tempo, sinalizouaprendizagens específicas a serem adquiridasnas áreas de Educação Física, Língua Portu-guesa e Artes. O conhecimento necessário ul-trapassou as áreas envolvidas inicialmente,quando os alunos, para entender mais sobreo que tinham descoberto, buscaram amplia-ção da informação nas áreas de Matemática,História e Ciências.

dos a serem trabalhados, formas de enca-minhamento da participação dos alunos,assim como favoreceu a concretização dosprodutos finais planejados.

EMEF Mário de Almeida Alcântara. O proje-to foi inspirado na Olimpíada de Sidney, parao qual os alunos desenvolveram uma pesqui-sa repleta de conteúdos nas áreas de Educa-ção Física, Inglês e Artes. Como produto fi-nal realizaram um evento aberto à comuni-dade, composto de sete estandes informati-vos sobre modalidades olímpicas, jogosamistosos, projeções sobre a cidade deSidney e uma instalação artística construídaem ferro, madeira e tecido. No desenvolvi-mento do projeto, alunos e professoresaprenderam, para além do conhecimento re-lacionado à Olimpíada de Sidney, as habili-dades necessárias à execução de uma feira e,principalmente, como essas aprendizagenssão facilitadas pela cooperação nas relações.

EMEF Martins Fontes. O foco do projeto foio espaço escolar como local de convivência ede prática corporal. Integrando as áreas deEducação Física e Artes, as atividades busca-ram voltar o olhar do aluno para a potencia-lização do uso do espaço e dos equipamen-tos escolares. Os produtos do projeto foram

59

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 66666

ARTICULAÇÃOENTRE FORMAÇÃO INICIAL ECONTINUADA DE PROFESSORES

Maria Corrêa da Silva

Célia Finck Brandt e Sydione Santos

Lourdes Lúcia Goi e Isabel Cristina Auler Pereira

Eliane Gomes Quinonero e Kátia Diniz

60

Breve contextualizaçãoO Acre, estado mais ocidental do Brasil,

embora integrando a Região Amazônica, pos-sui peculiaridades que o tornam distinto nocenário amazônico, tanto no que se refere àscaracterísticas geográficas, quanto no tocan-te às condições para o desenvolvimento hu-mano e social.

Possui uma população de 557.337 habi-tantes, com mais de um terço concentrado nacapital, e os demais distribuídos entre 21 mu-nicípios integrados, em sua maioria, somen-te por via aérea.

Ao contrário de outros estados da Ama-zônia, o Acre não conta com hidrovias inte-grando a maioria dos municípios, uma vezque os rios são todos paralelos. Além disso, osolo não tem pedra, dificultando a constru-ção de rodovias.

Tudo isso contribui para o isolamento daspopulações, principalmente a população ru-ral. Nesse cenário se impõe o desafio de fazereducação.

Alguns dados sobrea educação no AcreO Acre possui uma rede com 1.717 esco-

las, das quais 1.364 são rurais e 353, urbanas.Destas urbanas, 188 são estaduais, 123 sãomunicipais, 41 particulares e 1 é federal.

Em 2001, a matrícula inicial (dados preli-minares) foi de 180.838 alunos, dos quais124.156 pertencem à rede pública estadual,45.794 são das redes públicas municipais e10.888 da rede particular de ensino.

Os indicadores de qualidade em 2000apontam uma reprovação de 11,2% no Ensi-

Articulação entre formação iniciale continuada de professores

Maria Corrêa da Silva

Seduc/AC

no Fundamental, 4,8% no Ensino Médio, umadistorção idade–série de 50,3% no EnsinoFundamental e de 57,5% no Ensino Médio. Oabandono fica em 16,3% no Ensino Funda-mental e, no Ensino Médio, em 19,5%.

O estado conta com 7.463 professores,dos quais 860 possuem 1º grau, 3.755 têmMagistério de nível médio e 2.345 fizeramcurso superior.

Diante desse quadro, surge a indagação:“Como garantir a qualidade da educação noestado e reverter os índices de fracasso es-colar?”

Construindo uma propostade formação inicialde professoresO desafio estava posto: mudar os rumos

da educação no estado enfrentando as limi-tações de ordem geográfica, econômica e es-trutural, elegendo como foco principal o pro-fessor como agente desencadeador de mu-danças no âmbito da escola.

Entendendo que muito pouco poderia serfeito pela qualidade da educação sem inves-tir na formação dos seus professores, a Secre-taria de Educação do Estado iniciou, em 1999,as primeiras aproximações com a Universida-de Federal do Acre (Ufac), no sentido de sefirmar uma parceria para garantir a formaçãode seus professores.

Dois foram os objetivos que nortearamessa parceria:

• garantir a oferta de cursos numa abran-gência significativa dos docentes e municí-pios do Estado;

• rever as estruturas curriculares dos cursos

60

Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresPAINEL 6

da Ufac, de modo a aproximá-las das reaisnecessidades do sistema, tomando por baseas Diretrizes e os Parâmetros CurricularesNacionais, permitindo mais flexibilidade,além do eixo norteador de associação entreteoria e prática.

Ao tempo em que construíam os projetosde formação inicial, a SEE aderia ao Progra-ma de Formação Continuada do MEC Parâ-metros em Ação, envolvendo mais de 87,7%dos professores de Educação Infantil de 1ª a4ª série, e de 5ª a 8ª séries do Ensino Funda-mental e da Educação de Jovens e Adultos,num total de 4.835 professores.

Em 2000 ficou pronto o Programa de For-mação Inicial de Professores para a Educa-ção Básica (Prosaber), destinado aos profes-sores que atuam de 5ª a 8ª séries e no Ensi-no Médio.

Foram estruturados seis cursos em regimemodular, nas áreas de Matemática, Letras,Geografia, História, Biologia e Educação Fí-

sica, num total de 37 turmas distribuídas em9 pólos, atendendo os professores das redesestadual e municipais de ensino de 16 municí-pios. Tais cursos foram destinados aos profes-sores efetivos que, embora atuando de 5ª a 8ªséries e no Ensino Médio, não possuíam a for-mação adequada.

Foi firmado um convênio entre o Governodo Estado e a Universidade Federal do Acre novalor de R$ 3.458.415,00 (três milhões, quatro-centos e cinqüenta e oito mil, quatrocentos equinze reais). E as prefeituras também firma-ram convênios específicos com a Ufac.

Considerando as limitações que a univer-sidade teria para, sozinha, garantir um pro-grama efetivo de interiorização, à exceção deRio Branco, nos demais municípios, além doatendimento aos professores, foram dispo-nibilizadas vagas para a comunidade.

O quadro abaixo apresenta o detalha-mento da oferta dos cursos e sua abran-gência.

Rio Branco (inclui Bujari e Porto Acre)

Xapuri

Sena Madureira

Plácido de Castro (inclui Acrelândia)

Brasiléia (inclui Epitaciolândia)

Tarauacá

Feijó

Senador Guiomar (inclui Capixaba)

Cruzeiro do Sul

Total geral

No

200

27

50

54

51

66

20

43

193

704

Municípios-pólos

6

16

7

3

13

3

7

59

114

Total Comunidade TotalProfessoresEstadual Municipal

200

33

66

61

54

79

23

50

252

818

167

134

90

146

121

128

100

150

1.036

200

200

200

151

200

200

151

150

402

1.854

1

2

3

4

5

6

7

8

9

São cursos com duração de três anos, comuma estrutura curricular que inclui um troncocomum de 840 horas e parte diversificada vari-ando em carga horária conforme o curso, comum mínimo de 1.215 horas. Estão funcionandoem todo o estado desde fevereiro de 2001.

Paralelamente à discussão que se levavaem âmbito nacional, relativa às Diretrizespara a Formação de Professores para a Edu-cação Básica, ia-se delineando também noestado um outro programa, em parceria com

a Ufac, para formar em nível superior os pro-fessores que atuam na Educação Infantil enas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Coincidindo com a aprovação das Diretri-zes, concluímos um novo programa, dessavez para oferecer um curso de Pedagogia mo-dular voltado para a formação de docentes daEducação Infantil e séries iniciais do EnsinoFundamental, com duração de quatro anos,carga horária de 3.240 horas e estruturacurricular detalhada na próxima página.

62

Estudo das áreas específicasdo conhecimento

Fundamentos do Ensino de Língua Portuguesa

Literatura Infantil

Ensino de Língua Portuguesa na Educação Infantil enos anos iniciais do Ensino Fundamental

Invest igação e Prát i ca Pedagógica em L ínguaPortuguesa

Fundamentos do Ensino de Matemática

Elementos de Estatística Aplicada ao Ensino

Ensino de Matemática na Educação Infantil enos anos iniciais do Ensino Fundamental

Investigação e Prática Pedagógica

Fundamentos do Ensino de Ciências Naturais

Ensino de Ciências Naturais na Educação Infantil eanos iniciais do Ensino Fundamental

Investigação e Prática Pedagógica em Ciências Naturais

Corporeidade e Movimento

Jogo e Educação

Investigação e Prática Pedagógicaem Educação Física

Fundamentos do Ensino de História

Ensino de História na Educação Infantil enos anos iniciais do Ensino Fundamental

Investigação e Prática Pedagógica em História

Fundamentos do Ensino de Geografia

Ensino de Geografia na Educação Infantil enos anos iniciais do Ensino Fundamental

Investigação e Prática Pedagógica em Geografia

Fundamentos do Ensino de Artes

Ensino de Artes na Educação Infantil e nos anosiniciais do Ensino Fundamental

Oficinas Pedagógicas sobre Artes (temas básicos:teatro, musicalização infantil e desenho)

Investigação e Prática Pedagógica no Ensino de Artes

Subtotal

Trabalho de conclusão de curso

Total geral do curso

Formação básicaFundamentos da Educação

Fundamentos da Pesquisa Pedagógica

Investigação e Prática Pedagógica

Organização da Educação

Identidade Profissional, Profissão e Cidadania noMagistério

Organização do Trabalho Pedagógico

Planejamento e Avaliação Educacional

Desenvolvimento e Aprendizagem Humana

Fundamentos da Educação Especial

Tecnologia da Comunicação e Informação

Abordagens Metodológicas no Ensino

Oficina Pedagógica

Subtotal

Formação comumde professor multidisciplinar

Crescimento e Desenvolvimento Infantil

Abordagens Metodológicas no Ensino Especial

Fundamentos da Educação Infantil

Fundamentos da Alfabetização

Investigação e Prática Pedagógica

Oficinas Pedagógicas

Subtotal

Formação específicade professor multidisciplinar

Educação Infantil

Organização da Educação Infantil no Brasil

Instituições de Educação Infantil e cotidiano

Investigação e Prática Pedagógica na Educação Infantil

Anos iniciais do Ensino Fundamental

Organização da educação no Ensino Fundamental

Temas Especiais do Ensino Fundamental (Educação Indíge-na, Ensino Multisseriado, Educação de Jovens e Adultos)

Investigação e Prática Pedagógica

Subtotal

DisciplinasCarga

horária

45

60

120

45

45

60

120

45

45

120

45

60

60

45

45

120

45

45

120

45

45

120

30

45

1.575

120

3.240

60

60

165

60

60

60

90

60

60

60

60

30

825

60

90

60

75

30

30

345

75

60

45

75

75

45

375

DisciplinasCarga

horária

62

Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresPAINEL 6

A experiência vem sendo acompanhada pelosprofessores da rede de formadores dos PCN, quepromove momentos para avaliação juntamentecom os formadores e a coordenação do curso dePedagogia.

Depoimentos dos alunos vêm mostrando que ainserção do PROFA na graduação levou para o cursouma nova dinâmica de trabalho, abrindo um campode possibilidades para se desenvolver trabalho simi-

lar em outras áreas do conhecimento.A experiência de aproximação entre a for-

mação inicial e a formação continuada no Es-tado não se encerra com a inserção do PROFAna Pedagogia. Mais recentemente, e pelasmesmas razões, decidiu-se inserir nos cur-sos do Prosaber a formação continuada rela-tiva ao meio ambiente. Os cursos de Licencia-tura também previam a oferta de EducaçãoAmbiental, permitindo, assim, a realização daformação continuada de meio ambiente in-tegrada à formação inicial dos professores de5ª a 8ª séries e Ensino Médio.

Além da formação continuada associa-da à formação inicial, a SEE mantém turmas de for-mação continuada para professores que já pos-suem curso superior (quatro turmas do PROFA eoito turmas de PCN – Meio Ambiente).

Algumas conclusõesO desafio de fazer educação com qualidade

para todos no Acre nos permite concluir que:1. A formação inicial dos professores em nível supe-

rior pode representar um salto qualitativo e de-sencadear mudanças importantes nos sistemaseducacionais.

2. A formação continuada, associada à formação ini-cial, pode possibilitar a construção, com as uni-versidades, de novos desenhos para a formaçãode professores, na medida em que ensejam o tra-balho com novas dinâmicas, associando teoria eprática e a discussão do que é significativo pararesponder às reais necessidades do sistema.

3. A excelência em educação também pode ser bus-cada por estados considerados periféricos, comdéficits educacionais significativos, mesmo quepara isso ainda não existam as condições ideais.

4. As realidades de cada estado falam mais alto e,quando levadas em consideração, abrem espaçopara ousar, criar e inovar.

O curso foi pensado para funcionar tambémnos nove pólos já definidos, atendendo à clientelade 16 municípios, num total de 55 turmas, dasquais 27 ficam em Rio Branco. Iniciou-se em RioBranco, no final de agosto de 2001, devendo co-meçar nos demais pólos até novembro. Foram be-neficiados 2.250 professores da rede estadual e 454professores das redes municipais de ensino, con-forme detalhamento no quadro abaixo.

Formação continuada deprofessores: um jeito de fazerEm 2000 e início de 2001, os professores em todo

o estado haviam concluído a formação continuadanos Parâmetros Curriculares em Ação. Junto às as-sessorias do MEC nessa área, novas demandas fo-ram geradas para a continuidade do trabalho comos PCN. Na ocasião, o Ministério acenava com a pos-sibilidade de um trabalho voltado para a formaçãode professores alfabetizadores por meio do PROFA.

Ao mesmo tempo em que vislumbrávamos umtrabalho nessa área com os professores do estado,deparávamos com a impossibilidade de oferecer acapacitação, uma vez que a quase totalidade dosprofessores estava cursando Pedagogia e não teriatempo disponível para a formação continuada.

Isso fez com que buscássemos (MEC, SEE e Ufac)a alternativa de integrar a formação continuada à for-mação inicial, já que na estrutura curricular do Cur-so de Pedagogia havia disciplinas voltadas para for-mar o alfabetizador. Incluído na graduação, o PROFAtem uma distribuição de carga horária ao longo de18 meses, contando com professores que tambémsão do estado e estão disponibilizando 20 horas desua jornada semanal para o programa.

Total

Professores darede estadual

Professores dasredes municipais TotalMunicípios-pólosNº

Cruzeiro do Sul (inclui Mâncio Lima e Rodrigues Alves)

Sena MadureiraBrasiléia (inclui Epitaciolândia)

TarauacáPlácido de Castro (inclui Acrelândia)

Senador Guiomard (inclui Capixaba)

FeijóXapuriRio Branco

123456789

3872184

12654857772

1.2442.250

14456371525272013

117454

531177121

4179

1129785

1.3612.704

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A educação a distância, vista em contraposi-ção ao ensino presencial face a face, como mo-dalidade não tradicional, típica da era industriale tecnológica, permite o atendimento a milha-res de pessoas e a utilização de uma gama varia-da de tecnologias.

É possível perceber que as necessidadesemergentes dos avanços tecnológicos, damundialização da cultura e da globalização daeconomia produzem uma crescente demandasocial por formação e qualificação profissional,que não encontra paralelo na história. Cabe res-saltar também que essa situação se reflete nomundo do trabalho que está a exigir sujeitos quepossuam capacidade de adaptação a mudançasrápidas, à execução de novas tarefas e que se-jam aptos à variabilidade do mercado. Isso re-quer formação permanente e uma Educaçãoque atenda, inclusive, à possibilidade de“recolocação profissional”.

A EAD constitui-se numa alternativa edu-cacional por ser uma opção altamente viável,do ponto de vista do custo/benefício, ao esten-der o atendimento a milhares de pessoas e porse utilizar de uma gama imensamente variadade tecnologias velhas e novas, nesse processo.Além disso, nessa visão, há necessidade de umacompleta reestruturação dos sistemas edu-cacionais em todas as instâncias e em todos osaspectos: financeiros, administrativos, didáti-co-pedagógicos. As oportunidades e impassesdeste início de século apresentam à Educaçãoo desafio de formar cidadãos capazes de assu-

A formação de professorespara os anos iniciais do ensinofundamental: um desafio na eradas novas tecnologias

Célia Finck Brandt e Sydione Santos *

UEPG/PR

*Professoras do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Mestres em Educação. Inte-grantes do grupo de coordenação do Curso Normal Superior com Mídias Interativas da UEPG.

mir criticamente as mudanças.Cada vez mais, o professor é visto como eixo

central da qualidade da Educação escolar, inde-pendentemente do nível de ensino em que atua.A Educação, considerada como direito de todosos cidadãos, surge como responsabilidade so-cial a ser compartilhada pelos diversos segmen-tos da sociedade brasileira que buscam assegu-rar uma melhor qualidade de vida a todos.

A melhoria da educação, responsável pelosdiferentes patamares dessa qualidade de vidadesejada, nas diversas áreas de vivência do serhumano, encontra-se estreitamente relaciona-da com a preparação dos quadros profissionaisresponsáveis pela excelência do ensino e pelaocorrência de aprendizagens significativas.

Em decorrência disso, surge a necessidadede modificação da própria concepção do traba-lho do professor, agora muito mais focalizadano processo de gestão da aprendizagem de seusalunos e na dimensão do papel da escola que,hoje, sofre transformações.

Em face do exposto e buscando atender auma demanda social de 35 mil professores queatuam na Educação Infantil e em séries iniciaisdo Ensino Fundamental no Estado do Paraná,por formação em nível de graduação, a Univer-sidade Estadual de Ponta Grossa, como institui-ção pública, instituiu um curso de graduaçãocom mídias interativas, mergulhado no virtual,utilizando equipamentos de ponta e umametodologia inovadora, buscando a competên-cia no trato das novas tecnologias, numa dinâ-

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mica inédita, cujas propriedades são: conectivi-dade, interatividade e transversalidade.

A UEPG entende que a demanda social, prin-cipalmente no tocante à formação de professo-res, precisa ser enfrentada por meio de propos-tas ousadas, e resolve, por isso, aceitar o desafiode inovar com a competência e a seriedade quelhes são características. Entende também que,para inovar, é preciso romper barreiras de ordeminstitucional e pessoal. O novo pode assustar,mas não pode intimidar. O curso conta com do-centes de universidades e faculdades do Paranáe especialistas convidados de fora do Estado, ofe-recendo uma estrutura curricular que leva emconsideração as experiências e a formação jáadquiridas pelos professores cursistas, com autilização de um conjunto de mídias interativas.O curso propõe ampliar os referenciais teórico-conceituais para uma melhor compreensão deconteúdos e formas pedagógicas, possibilitandoa produção e a criação de opções mais significa-tivas de aprendizagem.

O Curso Normal Superior com Mídias Inte-rativas tem por objetivo:

• Habilitar o contingente de professores em re-lação à melhoria de sua atuação na rede oficialde ensino, municipal, estadual ou particular,nas séries ou ciclos iniciais do Ensino Funda-mental e na Educação Infantil.

• Cumprir com a responsabilidade social de qua-lificar professores em formação de grau supe-rior, pela instituição universitária, no decorrerdesta década, em consonância com a legisla-ção atual.

• Ampliar os referenciais teórico-conceituais parauma melhor compreensão e descoberta de con-teúdos e formas pedagógicas menos convencio-nais, possibilitando a produção e criação de op-ções mais significativas de aprendizagens, den-tro do coletivo das escolas, como parte de umagrande rede integradora de geração de conheci-mento no Estado, mediante o uso da tecnologiade comunicação.

• Possibilitar a experimentação e a avaliação, pelacomunidade acadêmica paranaense, de uma

proposta não-convencional de formação deprofessores, mediante mídias interativas, orga-nizadas e monitoradas pela Universidade Es-tadual de Ponta Grossa.

O Curso Normal Superior é organizado sob aforma de um Módulo Introdutório e quatromódulos interativos. Os módulos interativos sis-tematizam os referenciais teóricos do curso, pormeio de temas e unidades, presentes na estru-tura curricular, mediante a modalidade devideoconferências e teleconferências. As primei-ras são ministradas pelos docentes do curso, emduas sessões semanais, enquanto as teleconfe-rências estão a cargo de especialistas convida-dos, nacionais e internacionais, sendo realizadasmensalmente.

No desenvolvimento do curso, realizam-sesessões de trabalho monitorado, num total detrês sessões semanais, no decorrer dos módulosinterativos, com participação direta de tutores eassistentes, e, eventualmente, orientadores aca-dêmicos. Essas sessões são distribuídas nos diase turnos previstos, em três modalidades: on-line,off-line e de suporte,1 nas quais, em grupos dedez alunos, são atendidos os integrantes de umaturma.

Estudos independentes estão previstos nodecorrer da formação, à escolha do estudante/professor, os quais poderão ser desenvolvidospor meio de estudos complementares, mais con-vencionais, com uso de biblioteca, ou realizadosvia Internet, utilizando-se de biblioteca virtual,podendo constituir-se em: sistematização cien-tífica, organização e análise de conteúdos desites, produção de recursos de tecnologia apli-cada à educação, docência em cursos para a co-munidade; apresentação de trabalhos em even-tos técnicos ou científicos de interesse profis-sional, entre outros, a critério do estudante/pro-fessor e a partir da proposta apresentada.

Há a previsão de um trabalho de síntese ela-borada do curso, que acompanhará o desenvol-vimento de todo o currículo, com uma propostade sistematização gradativa do conhecimentoacumulado e do saber apropriado nos diversos

1 Sessões on-line são caracterizadas pelo desenvolvimento das temáticas com utilização de mídias interativas ou Internet. Sessões off-linesão presenciais, com acompanhamento e orientação do tutor. Sessões de suporte são oportunizadas para administração da vida acadêmi-ca pelo próprio estudante/professor.

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momentos, a partir de reflexão e produção pes-soal, inspirada na construção coletiva do conhe-cimento, analisada e comentada em função dediferentes aspectos, à escolha do cursista.

O currículo proposto para o Curso NormalSuperior com mídias interativas observa o aspec-to referente à articulação entre teoria e prática,valorizando o exercício da docência. Os estudan-tes/professores, que já são profissionais em exer-cício, têm suas próprias práticas como referen-ciais. Nesse sentido, objetiva-se:

• Partir de situações concretas para que o estu-dante/professor busque refletir e compreendercom ferramentas conceituais, voltando à prá-tica para modificar essas situações.

• Alternar momentos de prática, reflexão, exer-cício de desempenhos pedagógicos e interven-ção, tendo em vista a compreensão dos fenô-menos relevantes numa sala de aula.

• Conduzir a criação de estratégias de interven-ção mais adequadas às situações de ensino ede aprendizagem vividas.

• Aproximar o professor do seu objeto de traba-lho e de estudo, propiciando o retorno à práti-ca refletida.

• Desenvolver competências orientadas à inves-tigação docente.

• Assegurar a articulação entre conteúdo e mé-todo, teoria e prática, objetivando aprendiza-gens significativas (Projeto do Curso NormalSuperior, 2000).

Nesse currículo, a articulação entre teoria eprática ocorre pela ênfase dada aos temas dosmódulos interativos, articulados com os traba-lhos monitorados e as vivências educadoras.

A integração entre teoria e prática tambémse expressa na investigação de processos, na pro-dução de registros e nas sínteses elaboradas nodecorrer do curso. Prioriza-se o desenvolvimen-to da autonomia cognitiva, o despertar e a ma-nutenção pessoal e coletiva, a experimentação apartir do aprender mediante meios não-conven-cionais e o prazer de aprender nas relações intere intrapessoais.

Busca-se a ruptura com a fragmentação doconhecimento e o reencontro entre a teoria e aprática. Esse reencontro é estimulado a partir dasfalas dos estudantes/professores, do comparti-

lhar de experiências e da problematização dasquestões do cotidiano.

Nesse sentido, no contexto do curso, são re-alizados momentos presenciais, sob a orienta-ção de um tutor/professor, responsável por trintaestudantes/professores. Esse momento é deno-minado de sessão off-line, na qual o tutor/pro-fessor orienta e acompanha um grupo de dezestudantes/professores por encontro, conformea logística do curso.

O tutor constitui-se num importante supor-te pedagógico, cognitivo e afetivo, que estimulaa aprendizagem do estudante/professor. Tendopor objetivo a construção de uma prática refle-xiva, o tutor promove situações que permitamao estudante/professor discutir sua própria prá-tica e seus referenciais teóricos prévios, na rela-ção com os conceitos abordados nas temáticasque compõem os Módulos Interativos, com a fi-nalidade de estabelecer novas relações teóricascom a sua ação docente. Insere-se, nesse proces-so, o trabalho com os Parâmetros CurricularesNacionais em Ação.

Os temas e unidades que compõem os mó-dulos interativos são trabalhados a partir dereferenciais teórico-conceituais e da vivência prá-tica nas áreas do conhecimento, em consonânciacom os Parâmetros Curriculares do Ensino Fun-damental, da Alfabetização e Educação Infantil.

Os PCN em Ação servem como baliza-mento para as discussões e análises realizadasdurante as sessões de tutoria. O trabalho comos PCN abrange momentos de simulação daprática, estudo de casos, questionamentospara desencadear a problematização e a refle-xão docente, a sistematização e a socializaçãodo conhecimento por intermédio de diversasproduções individuais e coletivas. Criam, ain-da, oportunidades no sentido de trazer, para ocontexto da formação, as narrativas orais e es-critas dos professores.

A metodologia problematizadora que norteiao curso pretende romper com as práticas edu-cativas que perpetuam a racionalidade técnica ea cristalização do conhecimento. Busca-se rom-per com a racionalidade técnica por meio dainteração com a prática. Os saberes da práticapossibilitam o confronto com a teoria estudada,abrindo-se espaço para questionamentos e para

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a produção do conhecimento novo. Assim a prá-tica torna-se fonte de teoria para o estudante/professor durante todo o curso.

A articulação entre os referenciais teórico-conceituais e a prática em construção do estu-dante/professor efetiva-se durante as vivênciaseducadoras, que são momentos de reflexão prá-tico-teóricas que ocorrem durante o curso, comênfases diferenciadas e complementares, tendoem vista as competências previstas na matrizcurricular. Elas são realizadas em diferentes am-bientes de aprendizagem, dentro e fora da esco-la, considerando a relação com os conteúdosdesenvolvidos nos módulos interativos e as aná-lises feitas a partir do trabalho com os PCN. Aofinal de cada vivência, ocorre uma produção es-crita para sistematização e socialização dosavanços prático-teóricos.

São propostas seis vivências no decorrer docurso, a saber:

Primeira vivência educadora: tem como fina-lidade o levantamento de informações, proble-mas e necessidades, por meio de diagnósticorealizado na escola e em classes de séries inici-ais. Pretende-se também contextualizar a es-cola, analisando-a na relação com a família ecom a comunidade em que está inserida. O di-agnóstico é realizado mediante observações,entrevistas, análise de documentos, estudo domeio, buscando-se partir da prática como eixopara a problematização, integrando a teoriacomo referência para a compreensão da reali-dade. Elabora-se, a partir disso, uma reflexãoescrita, que aponta encaminhamentos para asegunda vivência.

Segunda vivência educadora: visa à docênciareflexiva. O estudante/professor realiza um pla-no de atividades para atuar numa classe de sé-ries iniciais, norteando seu trabalho a partir dodiagnóstico anterior. Pretende-se que o estudan-te/professor desenvolva a interdisciplinaridadee a problematização, ao planejar, executar e ava-liar seu processo de ensino. Nesse momento,estimula-se que o estudante/professor assumaum processo de reconstrução da sua experiên-cia docente, ao orientar suas escolhas e decisõesteórico-metodológicas. Após a realização davivência, é elaborado um relatório analítico,explicitando-se, teoricamente, os pontos queforam modificados na prática de sala de aula.

Terceira vivência educadora: baseado emquestionamentos levantados a partir da suaprática nas vivências anteriores, o estudante/professor desenvolve um projeto de investiga-ção na escola, com opção de realizar tambémuma pesquisa em instituição da comunidade.Pretende-se a problematização, o estudo aca-dêmico e o debate de situações contextualiza-das, por meio da investigação científica. Torna-se necessário, nesse âmbito, aprender a com-partilhar a reflexão pessoal em diferentes gru-pos, incluindo a comunidade, buscando-se amudança de práticas e a revisão de valores.Como produção, o estudante/professor deveelaborar um relatório, descrevendo processos,discussões e resultados da investigação reali-zada, além de síntese reflexiva, a partir dos re-sultados.

Quarta vivência educadora: tem como finali-dade articular o papel social da escola junto àcomunidade. Compreende uma proposta deintervenção em uma instituição ou espaço dacomunidade, integrando todos os referenciaistrabalhados nos módulos interativos, além deenvolver alunos e outros professores da escola.Como produção, espera-se o relatório da inter-venção, situando-se o contexto da ação, o pro-cesso realizado e os resultados obtidos, acom-panhado de reflexão sobre as mudanças dacontemporaneidade. Trata-se de ampliar os re-ferenciais para compreender e atuar em con-textos diversificados, valorizando-se a plurali-dade e a diversidade.

Quinta vivência educadora: nesta vivência, oestudante/professor deve realizar uma síntesepessoal entre docência, investigação, relaçãocom a comunidade e construção do currículo.É o espaço para analisar e vivenciar o currículodentro do projeto pedagógico da escola, medi-ante troca de informações entre os professores.O estudante/professor terá a oportunidade desocializar a experiência que vem acumulandono decorrer do curso, buscando formas criati-vas para disseminar o que compreendeu, o quedescobriu, o que produziu e criou durante seuprocesso de formação. Pretende-se efetivar aparticipação do estudante/professor na sua es-cola, contribuindo para a solução de problemase aperfeiçoamento do currículo. A produçãoesperada refere-se à contribuição oferecida aoprojeto pedagógico, envolvendo os depoimen-

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tos dos professores da escola e a reflexão do es-tudante/professor.

Sexta vivência educadora: o objetivo destavivência é promover a organização de uma co-munidade virtual, em que todos os atores daprática educativa poderão participar da cons-trução coletiva de diferentes formas de produ-ção, sistematização e socialização do conheci-mento, que podem ser: sites, portais, artigos,jornais, fórum de discussão, bancos de expe-riências, entre outros. Nesse processo, ocorre aaprendizagem do funcionamento de uma co-munidade virtual, descobrindo-se as diferen-tes formas de implementação e de produçãode protocolos de trabalho na Internet. Busca-se concretizar uma rede colaborativa de conhe-cimento, denominada Rede Escola Ação e Re-flexão, criada e mantida pelos professoresconcluintes do curso, gerindo-se um processode formação continuada.

O trabalho realizado no Curso Normal Supe-rior com mídias interativas desperta oportuni-dades para a reflexão sobre o significado que arelação teoria/prática assume nesse contexto.

Ressignificar a prática não significa privilegi-ar o ativismo pedagógico ou o praticismo didáti-co, em que se enfatiza a resolução de questõesimediatas da prática, por meio de receitas e açõesemergenciais que não consideram o conteúdoteórico, histórico e político das questões relacio-nadas com essa prática. Significa, portanto, com-preender a prática educativa como práxis, comoatividade real e transformadora que supera a prá-tica utilitária, pois a práxis “é uma atitude mate-rial do homem que transforma o mundo naturalpara fazer dele um mundo humano” (Vázquez,1968: 3). O homem é ser da práxis que, ao trans-formar o mundo natural, produz objetivos e a sipróprio. Esse processo ocorre historicamente,numa renovação contínua, por intermédio daunidade homem-mundo, finalidade subjetiva edeterminismo objetivo, teoria e prática.

Nesse sentido, a práxis é realizada num mo-vimento dinâmico que expressa autonomia edependência, simultaneidade e reciprocidade.Além disso, a práxis só tem sentido enquantoprática social, a qual se dá pelo trabalho coleti-vo, em função de exigências coletivas e necessi-dades sociais, o que lhe infere qualidade social e

a converte em fundamento do conhecimento,fonte de teoria.

Dessa maneira, a prática educativa só temsentido se não perder os nexos com a práticasocial, que o homem produz como ser da práxis.Daí a necessidade de uma formação que possi-bilite a compreensão da realidade e estimule abusca da melhoria das condições de existênciahumana, numa sociedade aprendente.

Da mesma forma, é importante ressaltar quea proposta prevê processos de descoberta a se-rem realizados pelo estudante/professor no to-cante a novos referenciais advindos de teorias einformações das diferentes ciências nas áreas doconhecimento que compõem o currículo. No quediz respeito a esse aspecto, para que o professorse desenvolva como bom usuário de pesquisas,esses resultados serão veiculados, por meio dasmídias interativas, assegurando o acesso a todosos cursistas.

No projeto pedagógico do curso, destaca-sea orientação curricular com aprendizagem ba-seada em competências, que permitem a articu-lação entre as diferentes áreas do conhecimen-to. A aprendizagem por competências expressaa capacidade de mobilização de múltiplos recur-sos numa mesma situação, entre os quais, osconhecimentos adquiridos na reflexão sobre asquestões pedagógicas e aqueles construídos navida profissional e pessoal, para responder àsdiferentes demandas das situações de trabalho.

Por competências, entendem-se estruturasmentais prévias a desempenhos de qualquernatureza, não se confundindo com eles, pois sãoestruturas mais gerais e mais profundas. O de-sempenho consiste nas ações – são o fazer emsi. As competências geram tais ações. Não há,portanto, desempenho sem competências, nemcompetências sem desempenho.

As competências a serem adquiridas pelosestudantes/cursistas, propostas pelo projeto docurso normal superior, tendo em vista os objeti-vos que expressam o compromisso social porparte da Universidade Estadual de Ponta Gros-sa, são mobilizadas a partir dos eixos de trata-mento dos diferentes conteúdos propostos pelocurrículo.

Estes se expressam nuclearmente pelos pro-cessos de compreensão, descoberta, produção e

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criação. Os referidos processos são contempladospor meio das atividades curriculares propostas,seja no tocante à interação via mídias eletrôni-cas, com os docentes do curso e convidados, sejano trabalho monitorado, com suporte dos tuto-res e assistentes. E, ainda, nos momentos de rea-lização dos trabalhos acadêmicos, estudos inde-pendentes e síntese elaborada de curso e, princi-palmente, nas vivências educadoras a serem rea-lizadas nas escolas e setores da comunidade.

O processo de compreensão amplia os fun-damentos e os procedimentos da prática educa-cional, por meio de suporte conceitual atualiza-do e significativo para a formação e atuação dosprofessores da etapa inicial da educação básica,compreendendo Educação Infantil e as séries ouciclos iniciais do Ensino Fundamental. Ocorremediante as videoconferências, teleconferênciase o trabalho monitorado, que desenvolverá ascompetências por meio de desempenhos indivi-duais, em grupo e no coletivo. As vivências edu-cadoras criam a oportunidade de maior entendi-mento das realidades contextualizadas, amplian-do a compreensão, por parte do professor, de seutrabalho pedagógico, social e cultural.

Já o processo de descoberta ocorrerá, basi-camente, no currículo, em momentos nos quaiso estudante/professor busca novas referênciaspara seu desenvolvimento, a partir de práticarefletida, do levantamento de informações e deexperiências veiculadas por outras pessoas. Suaculminância ocorrerá quando, ao final do curso,na última vivência educadora, cada um deve ela-borar um plano de estudos de aperfeiçoamentopessoal-profissional para orientar seu processode educação continuada.

O processo de produção visa ao desempenhoacadêmico e científico, com elaboração de for-mas diferenciadas de comunicação e de expres-são, considerando normas metodológicas vincu-ladas a estas. São registros, projetos, ensaios, re-latórios, roteiros, sínteses elaboradas, a partir dasistematização do pensamento. Apóia o desen-volvimento de competências em Língua Portu-guesa, essenciais para a formação de um profis-sional da educação.

O desenvolvimento de um estilo pedagógicopróprio, mediante a reflexão sobre vivências pes-soais sobre as relações estabelecidas na prática

educativa, ocorre no processo de criação. O exer-cício de reflexão sobre a prática será sistematiza-do durante todo o curso. Parte da observação ereflexão daquilo que é realizado em suas classesregulares e nas vivências educadoras, para com-preender e atuar em situações contextualizadas,buscando a interdisciplinaridade. Esse contatocom a prática real será complementado por re-cursos a serem utilizados nas sessões de trabalhomonitorado, onde os professores poderão teracesso, por meio das tecnologias de informação– como Internet e vídeo – às narrativas orais e es-critas de professores, às produções dos alunos, àssituações simuladas e ao estudo de casos. Dessemodo, as novas tecnologias podem ampliar aspossibilidades de discussão da prática, pois ofe-recem múltiplas formas de registro e de aborda-gem da experiência pedagógica.

Os quatro processos acima referidos consti-tuem os eixos do currículo que possibilitarão odesenvolvimento da autonomia cognitiva porparte do professor em formação, contribuindopara que ele adquira um estilo próprio em seufazer pedagógico, a partir de um saber consolida-do na relação de integração entre teoria e prática.

No currículo do Curso Normal Superior bus-ca-se assegurar a articulação entre conteúdo emétodo para que as aprendizagens sejam signi-ficativas. Os conteúdos serão analisados e colo-cados em contextos que formem uma rede designificados para o professor. A compreensão éum dos eixos processuais desse currículo; assimsendo, é de extrema importância assegurar cadaconteúdo em suas relações com os demais, eentre todos eles e a prática, por intermédio dasvivências educadoras.

O ofício de ensinar é caracteristicamente re-lacional, pois, para coexistir, comunicar e traba-lhar com outros, é necessário enfrentar a dife-rença e o conflito. Relações profissionais, comoa de professor, mobilizam não só as competên-cias, mas também a pessoa que intervém, por-que as ações desenvolvidas em contextosrelacionais delimitam-se pela influência de umsujeito sobre outro sujeito, em um tempo e es-paço dados.

Essa vivência também é contemplada pelaprópria forma de conduzir o curso, por meio demídias interativas, sensibilizando os professores

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para uma das transformações de maior impactodo mundo contemporâneo: as novas relaçõesque se estabelecem por intermédio de uma redecooperativa, anárquica por natureza, e que podeser utilizada não só para disseminar informa-ções, mas também para gerar conhecimento.

A Internet, a videoconferência e a teleconfe-rência expressam esse caráter relacional: sujeitoa sujeito; sujeito a grupos menores; sujeito aocoletivo e também entre turmas distribuídas ge-ograficamente e com características culturaisdiferenciadas, por causa das diferentes regiõesdo Estado.

É compromisso da presente proposta criaroportunidades para que os professores, em cur-so, aprendam a utilizar diferentes tecnologias,como suporte de seu fazer pedagógico junto comos alunos e demais atores.

Além da tecnologia, é necessário, num pro-jeto como esse, oferecer momentos de revisãoatualizada do conhecimento contemporâneo,em suas múltiplas expressões: ciência, arte, cul-tura e humanidade.

O professor, com domínio dos objetos de co-nhecimento de cada disciplina, dos ciclos, dos con-teúdos, por meio de seus conceitos fundadores eestruturais, necessita compreendê-los como umarede de significações, na relação com os outros sa-beres, com as outras fases da educação básica ecom as outras culturas. Isso permite uma visãocontextualizada, interdisciplinar e integradora.

Num salto qualitativo, o curso é organizadonuma logística diferenciada: sessões on-line:aulas realizadas por videoconferência (multi-cast), pelos docentes; protocolos organizados detrabalho disponibilizados por meio do learningspace, via Internet, em interação com os assis-tentes. Assim, estabelecem-se os pontos básicosdo processo de aprendizagem: interação,interiorização, autonomia cognitiva e mediaçãopedagógica entre o sujeito aprendente e suaaprendizagem; teleconferências que abordamtemas transdisciplinares, que ampliam a relaçãoentre educação e as demais áreas culturais de ex-pressão criativa e cidadã.

As sessões realizadas pelo learning space sãooferecidas para o desenvolvimento dos temas quecompõem o currículo do curso normal superiorpelos docentes e assistentes, assim como entre os

diversos tipos de atividades propostas aos estu-dantes/professores para reflexão sobre conheci-mentos específicos às diversas áreas de saber. Osprotocolos de trabalho serão desenvolvidos numtempo de quatro horas, propostos a dez alunospor sessão, disponibilizados no notes application,utilizando os recursos da ferramenta do aplicativolearning space, cujo acesso se dará pela Internet.A forma de organização da modalidade prevê ses-sões de trabalho que permitem a interação comos docentes por meio dos assistentes on-line. Asatividades propostas visam desdobrar os temastrabalhados nas videoconferências.

Essas sessões caracterizam, nesse sentido,uma modalidade de Educação a Distância, poisa comunicação bidirecional é realizada com autilização de tecnologias, no caso, a Internet. Osestudantes/professores devem realizar uma sé-rie de atividades voltadas à sua aprendizagem,por meio de materiais previamente preparados.Outra característica é a forma especificamenteorganizada de auto-estudo, na qual o alunoaprende a partir de um material e com o acom-panhamento de um grupo de professores (do-centes e assistentes). Essa característica da mo-dalidade vai exigir novos papéis dos estudantes/professores, dos docentes/assistentes, novas ati-tudes e novos enfoques metodológicos.

O tempo delimitado para as atividades pro-postas deve possibilitar aos estudantes/profes-sores a reificação de saberes construídos nasrelações sociais. Deve ser o momento de pro-cessamento das idéias e dos fazeres que carac-terizam o ambiente da sala de aula quando osestudantes/professores interagem com as cri-anças. Deve também ser caracterizado peloprocesso de simetria invertida, no qual ao es-tudante/professor são propostas atividadestais como deveriam ser propostas às criançasno ambiente escolarizado. A reificação possi-bilita a metacognição, pois permite rever con-ceitos e idéias a partir dos saberes elaboradospela comunidade científica, contrapondo-secom os conhecimentos do senso comum, ca-racterizando o processo de transposição didá-tica. Deverá compreender as novas concepçõesdo processo de aprendizagem colaborativa, aatualização do papel do professor e a utiliza-ção de novas tecnologias, visando à aprendi-

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zagem dos alunos, e não apenas servindo paratransmitir informações (ensino a distânciaversus Educação e aprendizagem a distância).

As atividades propostas na modalidade assimespecificada e no ambiente acima delimitadodevem ser objeto de reflexões, que compreendem:

• a quantidade de textos para leitura;

• as questões propostas (em quantidade e natu-reza);

• a forma de interação dos estudantes/professo-res com os docentes/assistentes;

• a interação dos docentes com os assistentes nomomento da proposta de trabalho;

• os relatórios de acompanhamento para retor-no aos alunos e aos assistentes, com comentá-rios, orientações, discussões, encaminhamen-tos, debates, entre outros;

• a otimização do tempo para maior excelência;

• o processo de avaliação implícito na naturezada modalidade, mas a se tornar consciente.

Abarcando esse processo como um todo,encontra-se a necessidade da utilização dos re-cursos disponibilizados pela ferramenta que setorna fundamental.

As diversas características da modalidade exi-gem a reflexão sobre a forma de interagir com osestudantes/professores por meio de um materialimpresso, num tempo determinado, que estejavoltado para as aprendizagens significativas. Oacompanhamento da modalidade durante o pro-cesso de implantação do curso acontece no senti-do de caracterizar a especificidade das propostas,a interação entre estudantes/professores e os do-centes/assistentes, a mediação pedagógica comocategoria presente, tanto no processo de avaliação,como no uso das técnicas e ferramentas utilizadas– no caso específico, o learning space.

Como a tecnologia atingiu e envolveu a to-dos como uma avalanche, é necessário ampliare ressignificar o conceito de aula, de espaço e detempo, estabelecendo novas pontes entre o es-tar juntos física e virtualmente.

Se os pontos críticos e cruciais não estiveremmerecendo as considerações e preocupações ne-cessárias, toda essa questão tecnológica pode setransformar numa grande “panacéia”, que não tra-rá nenhum resultado significativo para o desenvol-

vimento educacional e cidadão de nossa geração.Os textos elaborados para o learning space

devem ser apresentados no formato de hiper-textos, nos quais as áreas de sentido são selecio-nadas, hierarquizadas com zonas interligadas enos quais os textos são conectados a outros do-cumentos. O texto pode ser elaborado de modoa permitir anotações do leitor, possibilitando apersonalização da leitura. Segundo Lévy, “a abor-dagem mais simples do hipertexto […] não ex-clui nem os sons nem as imagens, é a de descre-vê-lo, por oposição a um texto linear, como umtexto estruturado em rede. O hipertexto seriaconstituído de nós (elementos da informação),parágrafos, páginas, seqüências musicais etc., ede ligações entre esses nós (referências, notas,indicadores, ‘botões’, que efetuam a passagemde um nó a outro).” (1988: 44).

Os tutores poderão também, junto com osestudantes/professores, desenvolver as ativida-des, articulando-as ao trabalho desenvolvido comos PCN em Ação, discutindo ou debatendo du-rante as videoconferências, levantando as ques-tões teórico-conceituais na elaboração dos pro-jetos voltados às vivências educadoras. O tempodestinado para a realização da atividade deverácompreender a leitura do texto pelo estudante/professor, a realização da atividade e a interaçãocom o assistente para debate, orientações, refle-xões, compreensões e processos de intervençãoem âmbito macroscópico e microscópico da ins-tituição escolar: currículo, instituição, legislação,políticas educacionais, sala de aula, processo deensino e aprendizagem, avaliação, entre outros.As questões propostas deverão privilegiar ainteratividade entre estudantes/professores e as-sistentes e entre estudantes/professores.

Três tipos de atividades podem ser propos-tas: atividades individuais (que privilegiam ainteração entre estudante/professor e assisten-te); atividades em equipes (que privilegiam ainteração entre os estudantes/professores de ummesmo município) e debates na sala de discus-são (que privilegiam a interação entre os estu-dantes/professores dos diversos municípios).

A natureza das atividades propostas devecompreender os eixos norteadores do currículo:descoberta, compreensão, produção e criação,assim como o aspecto da simetria invertida e

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metacognição já comentados. Elas devem per-mitir o desdobramento dos conceitos e idéiastratados nas videoconferências pelos docentes,numa dimensão teórico-prática reflexiva. Tam-bém a articulação com os PCN, considerando otrabalho realizado pelos tutores e as produçõesacadêmicas a serem realizadas no decorrer docurso: estudos independentes, síntese elabora-da de curso e vivências educadoras.

A interação é valiosa no processo de cons-trução do conhecimento, se considerarmos queum primeiro tipo de conhecimento, o senso co-mum, tem sua gênese nas relações entre os in-divíduos e na comunicação dos fatos e informa-ções por eles veiculados. Esse tipo de conheci-mento, cuja natureza é essencialmente social,deverá passar por um processo de reificação quecompreende o processo de contextualização einterdisciplinaridade, marcados pelo processode transposição didática.

Os encontros deverão também criar oportuni-dades para a avaliação do processo como um todo,permitindo apreciar as atividades propostas, a for-ma de organização e seleção dos conteúdos e deencaminhamento metodológico dos mesmos, esua relação com as ultrapassagens de conceitosmenos elaborados para noções mais elaboradas,por todos os participantes no processo.

Os assistentes deverão ter compreensão detodos os subtemas propostos, pois os estudan-tes/professores desenvolvem as atividades pro-postas nas diversas semanas em que o tema sedesenrola. Isso significa que a compartimenta-lização ou fragmentação não têm lugar nessaforma de organização de curso, em virtude deseus pressupostos filosóficos-conceituais.

Esse espaço também serve para interagircom os alunos ou para propor uma discussãosobre algum tópico determinado, em horáriopreviamente combinado. Outro recurso é o chatpara discussões sobre tópicos específicos.

A construção coletiva de conhecimento écompartilhada pelos internautas interessados,em forma de artigo, site, portal, jornal, fórum dediscussão, chat e/ou listas de discussão, geran-do seu processo de educação continuada. A todoesse processo, que tem como eixo a investiga-ção e a problematização, corresponde uma ava-liação abrangente, contínua, multidimensional,

diagnóstica e inclusiva. Por meio de mídiasinterativas, todos são sensibilizados para as no-vas relações que se estabelecem por uma redecooperativa, anárquica, e que pode ser utilizadanão só para disseminar informações, mas tam-bém para gerar conhecimento. Nesse contexto,como teia de relações, todos os envolvidos, numesforço coletivo institucional, enfrentam o de-safio das redes na sociedade aprendente.

Segundo Lévy,

Com certeza, nunca as mudanças das técnicas,

da economia e dos costumes foram tão rápidas e

desestabilizantes. Junto, uma onda de fundo, ul-

trapassa a informação e a comunicação, consti-

tuindo o nó de forças que acompanha uma situ-

ação, um acontecimento, um objeto qualquer ou

uma entidade: é a virtualização. Esse complexo

problemático chama uma atualização. A

interação entre humanos e sistemas informáti-

cos tem a ver com a dialética do virtual e do atu-

al. Todos que se organizam por intermédio de sis-

temas de comunicação, se reúnem pelos mesmos

interesses, pelos mesmos problemas, porém re-

pletos de paixões, sonhos, projetos, conflitos e

amizades (1998).

As oportunidades e impasses deste início deséculo apresentam à educação novos desafios.Por isso mesmo, é importante formar cidadãoscapazes de assumir criticamente as mudanças eque estejam preparados para a integração da in-formação e da revolução tecnológica.

O educador precisa estar atento às mudan-ças, acompanhando os avanços tecnológicos elembrando Paulo Freire, que sugeria, como re-quisitos para tornar-se educador, que o candi-dato possuísse, entre outras qualidades, rigoro-sidade metódica, pesquisa, bom senso e convic-ção de que a mudança é possível.

Atualmente são 2.700 estudantes/professoresenvolvidos, que estão se adaptando gradualmen-te às várias possibilidades do ensino presencialvirtual, integrados numa rede colaborativa, cujosfios tramam vinte municípios paranaenses, numaecologia cognitiva e tecnológica.

Os docentes do curso trabalham de formainterdisciplinar, na organização das temáticasdas videoconferências, impregnando nelas umcaráter provocativo e reflexivo.

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Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresPAINEL 6

Os PCN mobilizando a formaçãoinicial e continuada deprofessores no Tocantins

Lourdes Lúcia Goi e Isabel Cristina Auler Pereira

Unitins – Seduc/TO

Geograficamente distantes, mas virtualmen-te presentes, os docentes do curso estão sempreatentos às necessidades de seus estudantes/pro-fessores e buscando a competência no trato dasnovas tecnologias.

Esses momentos têm sido de enorme impor-tância no processo, quando o aprendente usa ocomputador como ferramenta de trabalho.

Como feixe de relações, os docentes, assis-tentes, tutores, orientadores, coordenadores eestudantes/professores, num esforço coletivo,em âmbito institucional, enfrentam o desafio daera das redes na sociedade da informação, nasociedade do conhecimento, na sociedadeaprendente: a educação virtual.

Lembramos que, hoje, três são os analfa-betismos por derrotar: o do texto-escritura, osociocultural e o tecnológico, e que toda esco-la incompetente em alguns desses aspectos ésocialmente retrógrada (Mansani, 2000: 20).

BibliografiaBRANDT, Célia Finck. Atividades on-line: orientações. Texto

digitado. UEPG, 2000.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação

Fundamental. Diretrizes para a formação de professores

da educação básica no ensino superior. Brasília, 2001.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

MANSANI, Neuza Helena P. Educação a distância e a for-

mação de formadores: um desafio na era das novas

tecnologias. Texto digitado. UEPG, 2000.

RAMOS, Corina C.; VALENTE, Silza. As vivências educado-

ras na matriz curricular do Curso Normal Superior com

Mídias Interativas. Texto digitado. Ponta Grossa/PR, 2001.

SANTOS, Sydione. A formação do educador no âmbito teóri-

co-prático: re-significando o estágio. Trabalho apresen-

tado no 10º Endipe/ Painel: Prática educativa e pesqui-

sa: conquistas e desafios no processo de formação do

educador. Rio de Janeiro, 2000.

UEPG. Projeto Pedagógico do Curso Normal Superior com

Mídias Interativas. Texto digitado. Ponta Grossa/PR, 2000.

VÁZQUEZ, Adolfo S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1968.

A Fundação Universidade do Tocantins(Unitins), compromissada com a qualidade daeducação, assume como prioridade, nos cursosde licenciatura, a formação de docentes comprofissionalidade prática e reflexiva, tendocomo referência as diretrizes pedagógicas daeducação básica. Sob essa ótica, reorienta seuprojeto institucional, reconstrói seu currículotendo como concepção norteadora a problema-tização, a reflexão e a análise contextualizadada prática docente, articulando os processos deação/formação e pesquisa.

O MEC, por meio da Secretaria de EnsinoFundamental, realizou um encontro de capa-citação, em Palmas, no segundo semestre de

2000, sobre Parâmetros Curriculares Nacionaise formação de professores, com os docentesdos cursos de licenciatura. Esse encontro con-tribuiu para a reorientação da formação inici-al, passo importante para a construção decompetências profissionais e ressignificaçãode conhecimentos em processos contínuos deaprendizagens significativas nas escolas deeducação básica. Essa proposta é relevantepois, além de atingir todos os cursos de licen-ciatura em regime regular (2.629 licenciandos),contempla também os 2.496 professores/alu-nos da rede pública estadual dos cursos em re-gime especial.

A Unitins, além da formação inicial, parti-

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cipa do processo de educação continuada dosprofessores de educação básica da rede públicaestadual do Tocantins, entre outros, como as-sessora pedagógica do Projeto Parâmetros emAção, desde setembro do ano 2000, no Progra-ma de Desenvolvimento Continuado de Profes-sores – como ação política do MEC, em parce-ria com a Secretaria da Educação (Seduc). Nes-sa assessoria estão envolvidos diretamente 27

docentes universitários, que se reúnem men-salmente para avaliar, programar e analisar asua prática, dos coordenadores-gerais e dos co-ordenadores de grupos de estudo das escolas,colaborando para a mudança processual didá-tica e conceitual da prática pedagógica, que de-manda a construção de conhecimento em pro-cessos contínuos de aprendizagens significati-vas, no interior da escola.

Resumo – ExperiênciaSão Bernardo do Campo/SP

Eliane Gomes Quinonero e Kátia Diniz

SME – São Bernardo do Campo/SP

A passagem do milênio carrega em útero os mistérios dos tempos, a

esperança de transformações, mas também o enigma do desconhecido.

A capacidade de antever possíveis mudanças pode colaborar para que

o indivíduo se prepare, articule saídas, funcionando como autor.

Ciça Lourenço

Articulando a formaçãoinicial e continuada:uma ação necessáriaCom o objetivo de constituir em cada escola

um pólo de formação que propicie a construção,de forma articulada e coletiva, dos projetos edu-cacionais, e instrumentalizar os educadores paraa garantia de práticas cada vez mais comprome-tidas com as aprendizagens dos alunos, inicia-mos a formação dos educadores da rede muni-cipal em 1997.

Orientada por essa perspectiva, a Secretariade Educação e Cultura tem tido como eixo prin-cipal de trabalho em seu Plano de Formação Con-tinuada a busca da qualidade progressiva no aten-dimento educacional realizado no município.

Considerando as necessidades das comuni-dades locais, entendemos que cabe aos educa-dores assumir o comando de seu trabalho, pro-piciando aos alunos as condições necessárias

para seu desenvolvimento global.O conceito educador aqui colocado conside-

ra como atores desse processo os professores, osdiretores e os especialistas, que constituem equi-pe multidisciplinar e atuam em todas as inter-faces do contexto escolar, contribuindo com seusdiversos saberes e competências para o objetivocomum da construção do projeto educacional decada escola.

Nesse contexto, observamos que a grandedificuldade consiste na vinculação da teoriaaprendida durante a formação inicial com o co-tidiano complexo das escolas, faltando o saberagir em cada situação. Essa constatação nos le-vou a buscar, junto às universidades da região,parceria para atender às necessidades formativascomuns, estreitando a relação entre o sistemaeducacional e as universidades.

Nesse processo, o Horário de Trabalho Peda-gógico Coletivo (H.T.P.C.), existente na jornadado professor, tem possibilitado aos educadores,

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Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresPAINEL 6

tanto aos novos como aos mais antigos, inter-câmbios que otimizam a reflexão crítica da prá-tica pedagógica de forma solidária, construindocompetências e reflexões para a atuação profis-sional de ambos.

Articular institucionalmente essas duasagências formadoras, universidade e sistema,passou a ser um de nossos desafios. Essa frentede trabalho teve início com um convênio juntoàs universidades, pelo qual as estagiárias atuamnas unidades escolares e podem levar suas re-flexões e ansiedades para dentro das faculdadese para os espaços de trabalho pedagógico cole-tivo das escolas, o que dá forma e sentido àsdúvidas e ansiedades e garantindo concretudeàs discussões realizadas, integrando o saber e osaber fazer.

Essa ação vem paulatinamente dando indi-cadores para o sistema e para as universidadessobre a formação inicial e continuada, explici-tando nossas dificuldades e urgências na buscade uma formação que acolha as muitas necessi-dades de nossos educadores e alunos.

Temos certeza de que o caminho é necessá-rio. Aos poucos essa parceria se consolida, maso desafio ainda continua.

Retrospectiva 1997-2001

HistóricoAssumimos a coordenação da rede munici-

pal em 1997. Naquele momento, a rede de ensi-no era composta pela Educação Infantil, Educa-ção Especial e Educação de Jovens e Adultos,num atendimento total de 25 mil alunos. Che-gamos, em agosto de 2001, a 126 unidades esco-lares, num atendimento total de 65 mil alunos(Educação Infantil, Fundamental, Especial e deJovens e Adultos).

Observávamos que a formação continuadadesenvolvida até então na rede municipal nãoalterava a prática dos educadores. As discussõesestavam desvinculadas das ações, os cursos eoficinas eram teóricos, levando os professores aum descrédito das necessidades deles para oaprimoramento de suas ações.

Nas discussões, o grupo de formadores va-

lorizava demais a teoria, e a queixa freqüente era:“O professor não quer pensar; quer apenas re-ceitas”. Por sua vez, os professores explicitavamque os cursos não traduziam a necessidade e acomplexidade da escola, ficando no ideal, e nãono real.

Outro ponto importante, naquele momen-to, era a falta de horário para o trabalho coletivodentro da jornada de trabalho do professor, es-paço essencial para que eles pudessem discutirsuas dificuldades em grupo, realizar combina-dos e estar constantemente aprimorando suaspráticas.

As principais dificuldades observadas naprática dos educadores eram:

• Inexistência de projeto educacional orientadordas ações, construído coletivamente.

• Formação extremamente acadêmica, não con-siderando as reais necessidades e a prática doseducadores.

• Conteúdos desenvolvidos com visão homo-geneizadora e generalista, sem se ater às fun-ções e necessidades dos diferentes atores en-volvidos no processo educacional.

• Falta de clareza quanto aos resultados a seremalcançados nas aprendizagens dos alunos e doseducadores.

• Escola não se constituindo como local privile-giado para a formação em serviço.

Para transformar esse contexto, era necessá-rio efetivar o diagnóstico da rede municipal,identificar as necessidades, redefinir as funções,estimular os processos individuais e coletivosque pudessem colaborar conosco nessa emprei-tada.

Também se fazia necessário refletir “de qual”formação falávamos, explicitando a concepçãoque orientava nossas ações.

Para tanto, fomos em busca dos conheci-mentos acumulados nessa área e aprendemosjuntos: departamento de ações educacionais,escolas, parceiros externos. E, ainda hoje,estamos nos aproximando desse fazer formação,mais pautado em como aprendemos e maiscomprometido com os resultados produzidos,no qual as alterações das práticas dos diferentesprofissionais da educação são constantementereavaliadas, na busca da construção contínua

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das competências profissionais necessárias paraexercermos nossa função cada vez melhor.

Nesse processo, desenvolvemos o diagnós-tico sobre as áreas, procurando explicitar asprincipais dificuldades, a saber:

• trabalhar adequadamente com a heterogenei-dade da classe;

• realizar intervenções pedagógicas que poten-cializem as aprendizagens dos alunos de for-ma intencional.

Em resumo, a maior dificuldade centrava-se no fazer, no saber agir no contexto singularde cada classe, atrelando a teoria ao cotidiano.

Nessa exploração, constatamos que tan-to os professores recém-formados como osmais antigos da rede apresentavam as mes-mas dificuldades. Esse fato nos levou a ob-servar que tanto a formação inicial como acontinuada não haviam apresentado altera-ções significativas na forma e no conteúdo,ao longo do tempo, pois, as dificuldades dosprofessores antigos e recém-formados eramcomuns.

Diante do contexto, nosso desafio nas dife-rentes frentes de trabalho foi realizar uma for-mação que instrumentalizasse os educadores,estreitando a relação teoria e prática, garantin-do espaços de formação aos diferentes educa-dores (diretores, professores coordenadores eprofessores), onde os conteúdos pudessem serdiscutidos, tematizados na busca das compe-tências necessárias às diferentes funções, como único objetivo de garantir sucesso às apren-dizagens de nossos alunos.

Assumimos como objetivo central:• Constituir em cada escola um pólo de forma-

ção que propicie a construção de forma arti-culada e coletiva dos projetos educacionais.

• Instrumentalizar os educadores para a garan-tia de práticas cada vez mais comprometidascom as aprendizagens dos alunos.

Como ação, realizamos:

• A criação do Horário de Trabalho PedagógicoColetivo (H.T.P.C.), num total de cinco horassemanais, divididas entre três horas de traba-lho pedagógico coletivo e duas horas de tra-balho pedagógico individual.

• A aprovação do Estatuto do Magistério com afunção de Professor Coordenador.

• O grupo de trabalho com diretores e professo-res coordenadores, para a constituição de equi-pes de gestão articuladas em cada escola.

• Cursos e oficinas comprometidos com os proble-mas reais e específicos de cada unidade escolar.

A constatação da falta de articulação entreas instituições de ensino superior (formação ini-cial) e a Secretaria de Educação (formação con-tinuada), colocou-nos o desafio de mobilizaressa integração para, a médio prazo, instrumen-talizar o professor recém-formado para as diver-sas competências necessárias à sua ação profis-sional, pois apenas o sistema educacional de for-ma isolada não terá êxito nesse processo.

Buscamos estreitar a relação por meio de con-vênio de parceria entre os institutos de formaçãoda região e o sistema educacional com os objetivos.

Cabe à Rede Municipal:

• Otimizar a formação continuada, por meio dediscussões junto às universidades, com os di-ferentes educadores, especialistas em educaçãoe outros.

• Identificar com clareza os problemas existen-tes na prática profissional dos educadores, paraexplicitar as demandas de formação e planejarintervenções adequadas.

• Envolver o professor na atuação, no processode discussão da formação de professores e es-timular o desenvolvimento da competência nogerenciamento de sua própria formação.

• Participar ativamente do processo de forma-ção inicial de professores, pelo diálogo freqüen-te com as instituições formadoras, oferecendocampo de estágio e dando retorno sobre o de-sempenho dos professores em formação ou re-cém-formados, nessas instituições.

• Suprir a carência de professores para faltaseventuais.

Compete às Instituições Formadoras:

• Possibilitar o reconhecimento e a atuação, deforma concreta, das instituições de formaçãonas escolas, sentindo e conferindo significadoà sala de aula real.

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Articulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresArticulação entre formação inicial e continuada de professoresPAINEL 6

• Fomentar e fortalecer os processos de mudan-ça no interior dessas instituições formadoras.

• Aprimorar a capacidade acadêmica e profissi-onal dos docentes formadores.

• Atualizar e aperfeiçoar os currículos viven-ciados, considerando as mudanças em curso naorganização pedagógica e curricular da educa-ção básica.

A formalização legal dessa parceria foi realizadapor meio de:

• Lei Municipal e Decreto Municipal que regula-mentaram o Projeto.

• Termo de compromisso assinado pela Esta-giária, pela Prefeitura e pela Instituição For-madora.

• Bolsa-Auxílio escalonada – R$ 3,31/hora paraestagiário que se encontra no antepenúltimoano; R$ 3,79/hora para estagiário do penúlti-mo ano; e R$ 4,39/hora para aqueles que estãono último ano.

• Estágio permitido de até 160 horas/mês, pro-piciando um ganho médio de até R$600,00/mês(Bolsa-Auxílio).

Aos estagiários foi disponibilizada toda aformação continuada desenvolvida para osnossos professores, como cursos, oficinas, pa-lestras, Parâmetros em Ação, H.T.P.C., PROFA,entre outros.

Também foram elaboradas pelo grupo de tra-balho a avaliação formativa e a auto-avaliação,com o objetivo de propiciar a devolutiva a essasinstituições quanto às aprendizagens já desen-volvidas e às necessidades dos futuros professo-res. Isso possibilita, caso considerem necessário,que eles revisitem seus currículos, efetivandoreformas curriculares e conhecendo o resultadoda sua formação. Essa avaliação, atualmente,encontra-se em processo de adequação.

Para o ano de 2002, as seguintes propostasestão em discussão no grupo de trabalho:

1. Construção do perfil do professor da redemunicipal, quanto à formação e atuação pro-fissional.

2. Identificação dos principais problemas deaprendizagem e dos fatores que os originam.

3. Constituição de grupos de estudo a fim de

buscar alternativas para a solução dos proble-mas identificados.

4. Formação de professores tutores, que serão co-responsáveis pela formação de alunos estagi-ários.

5. Realização de seminário para a discussão dasquestões mais amplas da formação de pro-fessores.

Entendemos que, nesse processo, cabe aosistema de ensino propiciar às instituições deformação inicial espaço para o desenvolvimen-to da competência profissional dos professores,de modo que, mutuamente, enfrentem o contex-to educacional presente em nossos dias num ci-clo contínuo de aprimoramento.

Muitas dificuldades têm sido observadas nes-se processo. O sistema educacional e as institui-ções de Formação Inicial ainda precisam se orga-nizar melhor para acolher esse novo estagiário,potencializando e tutorando seu desenvolvimen-to profissional de forma intencional, em que seconsidere suas diferenças, conhecimentos, defi-ciências de escolarização e a relação entre o co-nhecimento do objeto de ensino e sua expressãoescolar (transposição didática), num sentido úni-co de colaborar na construção das competênciasnecessárias a esse professor da educação básica.

Acreditamos que essa construção propiciaránovo paradigma curricular para os dois parcei-ros, no qual os conteúdos constituirão funda-mentos para que os alunos possam desenvolvercapacidades e competências que possibilitarãoprojetos educacionais que atendam melhor anossa sociedade.

Para tanto, caberá aos Institutos de Forma-ção se desnudarem e redescobrirem o complexocotidiano das escolas, trazendo o foco para a re-alidade e para o Sistema Educacional, além dese submeterem ao olhar crítico das universida-des para, como parceiros, traduzirem seu con-teúdo em ações concretas e comprometidas comas aprendizagens dos alunos.

Isso fará com que o nosso professor se torneum aprendiz crítico, que atua e interfere na rea-lidade presente, como ator que estranha, ques-tiona e constrói o processo educacional, com-prometendo-se com a progressiva melhoria daqualidade educacional de sua cidade.

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PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 77777

FORMAÇÃO DO PROFESSORNO PROFORMAÇÃO:UNINDO A TEORIA E A PRÁTICANO SISTEMA DE EDUCAÇÃO ADISTÂNCIA

Bernardete A. Gatti

Tereza Barros Amaral

Jandira Medrado

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O crescimento populacional, o desenvolvi-mento e a construção da paz social colocam desa-fios enormes para as políticas sociais e a educa-ção, por intermédio dos professores, certamentetem papel decisivo a desempenhar nesse cenário.

A questão da formação de professores temsido um desafio para as políticas educacionaisno Brasil, e um dos fatores desse desafio é a gran-de quantidade de professores necessários aoatendimento das crianças e jovens que, em su-cessivas coortes, adentram a escola, ou a ela te-riam direito. A formação em número e em qua-lidade dos professores é ainda um objetivo nãoatingido. Nessa perspectiva, programas que te-nham por meta prover formação de base e con-tinuada a professores em exercício, especial-mente aos que não têm sequer a formação mí-nima pedida pelas normas vigentes, são meri-tórios e socialmente desejáveis. O Proformaçãoé um projeto que se enquadra nesse cenário.

O Programa de Formação de Professores emExercício (Proformação) é um curso na modali-dade de ensino a distancia para a habilitação noMagistério em nível médio. Está dirigido aosprofessores em exercício no sistema de ensino,que não tenham ainda formação desse nível.Estudos de demografia educacional mostraramque não são poucos os professores no Brasil, es-pecialmente nas regiões Norte, Nordeste e Cen-tro-Oeste, que não têm formação em nível mé-dio, e muitos sequer terminaram o Ensino Fun-damental (Gatti, 2000). Isto se coloca como umdesafio a políticas públicas de melhoria na qua-lidade da educação e chama por ações que pos-sam oferecer esse tipo de formação, criando umabase adequada para a posterior formação emnível superior. O Proformação é uma iniciativa

Formação de professores noProformação: unindo a teoriae a prática num sistema deeducação a distância

Bernardete A. Gatti

Fundação Carlos Chagas – PUC/SP

do Ministério da Educação, que tenta responderem parte aos desafios colocados pelas comuni-dades demandantes por educação.

Com duração de dois anos, o Programa é des-tinado a professores das primeiras séries do En-sino Fundamental, em exercício, que não pos-suem a titulação legalmente exigida e lecionamnas escolas públicas das regiões Norte, Nordes-te e Centro-Oeste do Brasil.

Encontramos ainda, em muitos meios acadê-micos, grandes resistências aos processos de edu-cação a distância, resquício de experiências, emnossa história, mal-planejadas e executadas e,portanto, mal-sucedidas. Paira uma desconfian-ça generalizada sobre a qualidade desses proces-sos. A questão repousa na vontade política de le-var avante processos dessa natureza com quali-dade, o que só é possível com orçamento adequa-do e pessoal qualificado para planejar, gerenciar,produzir materiais e atuar junto aos cursistas maisdiretamente. Educação a distância não significaabandono do usuário. O componente interativo,seja por mídias, seja por encontros pessoais eatendimento qualificado, é fundamental para aqualidade do processo, para a manutenção do in-teresse e para a própria construção dos conheci-mentos por parte dos cursistas.

A rede de educação a distância formada noProformação abrange atualmente 15 estados,aproximadamente mil municípios e cerca de 27mil professores cursistas. Fazem parte de sua es-trutura operacional 209 agências formadoras,distribuídas pelos estados participantes, e umarede de aproximadamente 2.500 tutores. Tal es-trutura constitui um sistema de apoio à apren-dizagem responsável por suporte, acompanha-mento sistemático e avaliação dos professores

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Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoPAINEL 7

cursistas. Além disso, os cursistas e tutores con-tam com o atendimento de um plantão pedagó-gico em cada Agência Formadora, para ondepodem telefonar, gratuitamente, para esclarecersuas dúvidas.O processo formativo dos envolvi-dos na formação dos professores é desenvolvidopara garantir qualidade nas atividades com oscursistas, na consciência de que processos deeducação a distância requerem que os quadrosresponsáveis pelo trabalho tenham também umaformação adequada.

No Proformação, a teoria anda junto à práticade sala de aula dos professores cursistas. À medidaque estudam e realizam as atividades requeridasno curso, os cursistas têm a oportunidade de ex-perimentar na sala de aula os novos conceitos e asnovas atividades de aprendizagem sugeridas. Fa-zem uma reflexão sobre sua prática pedagógica,seja nos encontros quinzenais com seu tutor e co-legas, seja no momento da observação da práticapedagógica acompanhada pelo tutor, seja na ela-boração do Memorial, um documento escrito,construído no transcorrer do curso, que relata seusavanços, dificuldades e experiências com os alu-nos. Essa formação é provida tanto em situaçõespresenciais como por diversos materiais de apoioproduzidos para esse fim.

A matriz curricular proposta garante um tra-balho que une teoria e prática por meio de um“núcleo integrador” que perpassa todos osmódulos do programa. Desenvolve-se em qua-tro “eixos integradores” – Educação, sociedade,cidadania; A escola como instituição social; Or-ganização do ensino e trabalho escolar; Teoria eprática educativa e especificidade do trabalhodocente – e por “projetos de trabalho” que visamàs ações de integração escola-comunidade. Agre-gadas ao eixo integrador acham-se as áreastemáticas que oferecem conteúdos básicos quepermitam uma reflexão referenciada do traba-lho educacional na escola e em sala de aula. Es-sas áreas são: Linguagens e Códigos; Identida-de, Sociedade e Cultura; Matemática e Lógica;Vida e Natureza; Fundamentos da Educação; Or-ganização do Trabalho Pedagógico.

A sistemática do Proformação representauma possibilidade viável e com grande potenci-al para a capacitação docente no país, seja elainicial ou continuada. Isso é o que vem mostran-

do o processo de avaliação externa, que está sen-do desenvolvido sobre esse programa. Além dedemonstrar que é possível desenvolver um cur-so de educação a distância, com qualidade, paraa formação de professores, o Programa corro-bora o fato de que a modalidade do ensino adistância permite democratizar o acesso à qua-lificação profissional, atingindo muitos profes-sores que vivem em contextos isolados ou quenão reúnem as condições para participar decapacitações regulares presenciais. Alguns da-dos obtidos pela equipe de avaliação externa doprograma, constante de relatórios divulgados,vêm mostrando vários indícios do sucesso daproposta nos diversos estados onde se desen-volve. O modelo de formação é avaliado comosendo bem estruturado e facilitador do acom-panhamento do professor cursista. O processode formação dos formadores (professores/for-madores e tutores) é considerado fundamentalpara o êxito dos trabalhos. Mudanças em con-ceitos e práticas pedagógicas são observadas.Isso não quer dizer que alguns problemas nãoestejam sendo detectados. Condições estrutu-rais, sobretudo ligadas à participação dos órgãosmunicipais de Educação, mostram algumas di-ficuldades que precisam ser contornadas ou re-pensadas. Aspectos ligados à linguagem de al-guns dos textos de apoio também merecem umareadequação. No todo, as avaliações apontampara um impacto positivo do Programa. Espe-ra-se, então, que as lições aprendidas na expe-riência do Proformação sirvam ao desenvolvi-mento de outros programas que visem à forma-ção e à capacitação docente em sistemasestruturados de ensino a distância.

Bibliografia

GATTI, B. A. Formação de professores e carreira: proble-

mas e movimentos de renovação. 2. ed. Campinas: Au-

tores Associados, 2000.

Proformação, Avaliação Externa – Pesquisa de opinião. 1º

Relatório, 2001.

, Avaliação Externa – Estudos de caso. 1º Re-

latório, 2001.

, Avaliação Externa – Entrevistas. 1º Relató-

rio, 2001.

82

O Proformação:uma leitura freireana da formaçãode professores como prática daliberdade

Tereza Barros Amaral

Seduc/PE

Eu diria aos educadores e educadoras:

– Ai daqueles e daquelas que pararem com a sua

capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de

denunciar e de anunciar.

– Ai daqueles e daquelas que em lugar de visitar de vez

em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo

engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, se

atrelem a um passado de exploração e de rotina.

Paulo Freire

ResumoO Curso do Proformação no contexto históri-

co-social de uma educação excludente constitui

um anúncio da função reparadora dos direitos de

todos – professores e alunos do meio rural – a uma

escola pública de qualidade, construída pela refle-

xão da práxis pedagógica (unidade teoria-prática),

objeto de conhecimento, compreensão e transfor-

mação da realidade social (escola-comunidade) e

pessoal (professores, tutores e alunos).

O texto fundamenta-se no socioconstrutivismo

freireano sobre a contextualização e interdisciplina-

ridade dialética e dialógica dos Projetos de Traba-

lho, destacando o resgate da pluralidade cultural, a

integração socioeducacional e a construção da iden-

tidade autônoma e cidadã dos professores que cons-

tituem o coletivo do Proformação de Pernambuco.

O Programa de Formação de Professores emExercício (Proformação) representa um esforçodo poder político para assumir e denunciar a fei-ção excludente e elitista de nosso sistema educa-cional, que tem ferido duplamente o direito cons-titucional – o de aprender e o de ensinar – de pro-fessores e alunos que convivem no isolamentodas escolas rurais de difícil acesso, em turmas

multisseriadas, sem acompanhamento pedagó-gico e formação continuada em serviço, sem aces-so aos bens culturais universais e ao reconheci-mento da pluralidade e da riqueza cultural desuas raízes, constituintes da identidade dessesanônimos artesãos dos tecidos da história.

O anúncio da função reparadora dos direi-tos de todos – professores e alunos – a uma es-cola pública de qualidade, como exercício dacidadania plena, requer a compreensão de suasdeterminações histórico-sociais.

No Brasil, o caráter subalterno atribuído à edu-

cação escolar de negros escravizados, índios re-

duzidos (dizimados), caboclos migrantes e tra-

balhadores braçais (rurais), entre outros, tem im-

pedido o exercício da cidadania plena aos des-

cendentes desses grupos, que ainda hoje sofrem

as conseqüências dessa realidade histórica.

O Proformação, fundamentado nos princí-pios democráticos da igualdade de direitos paratodos e do dever do Estado, propõe a repara-ção dessa dívida inscrita em nossa história so-cial e educacional, criando situações pedagó-

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Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoPAINEL 7

gicas equalizadoras e qualificadoras da forma-ção do professor, integrando os princípios daeducação básica de jovens e adultos, às Diretri-zes Curriculares Nacionais do Ensino Médio eda formação de professores na modalidade nor-mal em nível médio, por intermédio da educa-ção à distância.

O Proformação profetiza:o ensino é aprendizagem

Os profetas são aqueles ou aquelas que se

molham de tal forma nas águas de sua cultura

e da história do seu povo, dos dominados do seu

povo que conhecem o seu aqui e agora e, por

isso, podem prever o amanhã que eles mais do

que adivinham, realizam…

Paulo Freire

No Proformação, onde o ensino é aprendi-zagem, a formação de professores em exercíciotoma como objeto de conhecimento, reflexão etransformação a prática pedagógica no contex-to escolar e sociocultural das escolas que sãocampo de estudo.

Apoiada na legislação vigente, que concebea educação escolar vinculada ao mundo do tra-balho e às práticas sociais, a proposta pedagó-gica do Proformação restabelece a relação en-tre o currículo e a vida cidadã, ressaltando a for-mação do professor em exercício como umaestratégia de democratização do sistema edu-cacional e social, na perspectiva de sua trans-formação, de acordo com os pressupostos doPrograma e os princípios freireanos:

• O professor exerce uma atividade de naturezapública, pautada no compromisso com a in-clusão e a aprendizagem do aluno.

• O professor é sujeito de sua prática, cumprin-do a ele criá-la e recriá-la pela reflexão sobre ocotidiano do seu fazer pedagógico, da escola edo contexto sociocultural.

• A formação permanente do educador requerinvestigação, teorização e sistematização, por-que a prática se faz e refaz em práxis – unida-de teoria-prática.

• O Programa de Formação Continuada dosEducadores é condição para o processo dereorientação curricular integrado ao projetopedagógico da escola.

• A prática pedagógica requer a compreensãoda gênese do conhecimento e o diálogo entrea cultura local e a universal.

• O perfil do professor, gestor de sua práxis e desua formação, contempla o ser humano emsua globalidade, identidade profissional ecompromisso social.

Os projetos de trabalho:a educação é uma forma deinteração com o mundoNo Proformação, a integração escola–co-

munidade é o eixo do currículo diversificado,organicamente vinculado à base nacional co-mum e construído pelos projetos de trabalho,que ressignificam os conhecimentos estuda-dos interdisciplinarmente, por meio do diá-logo com a realidade a ser conhecida e trans-formada.

Os projetos de trabalho qualificam as rela-ções do professor com a sua comunidade, am-pliando suas competências como pesquisadore produtor de conhecimentos socialmente ne-cessários.

Fundamentados no socioconstrutivismofreireano, os professores desenvolvem os seusprojetos de trabalho com o método de pesqui-sa – ação por intermédio de momentos dialéticae interdisciplinarmente articulados:

A investigação temática, pela qual professo-res e alunos buscam, no universo vocabulardo aluno e da sociedade onde ele vive, as pa-lavras e os temas centrais de sua biografia.

A tematização, pela qual eles codificam edecodificam esses temas; ambos buscam o seusignificado social, tomando assim consciên-cia do mundo vivido e historicamente cons-truído

A problematização, na qual eles tentam supe-rar uma primeira visão mágica e o senso co-mum com uma visão crítica, partindo para atransformação do contexto vivido.

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A vivência da investigação temática pelocoletivo do Proformação de Pernambuco pes-quisou o universo vocabular e biográfico dopovo pernambucano, a partir da leitura de ima-gem-texto e contexto em vídeos sobre:

• Hino de Pernambuco.

• Folclore de Pernambuco – “Leão do Norte”, deLenine e Paulo César Pinheiro.

• Escola Rural de Pernambuco – “Sementes doSertão”, do Projeto Caatinga.

• Povos indígenas de Pernambuco – TV VIVA –SEC/PE.

O tema central da biografia do povo per-nambucano foi retirado do Hino de Pernam-buco – “És a fonte da vida e da história”.

A análise do universo vocabular revelou asmarcas identitárias, étnicas e culturais, osmarcos históricos e geográficos do povo epovos pernambucano, suas origens, lingua-gens, criatividade, sensibilidade estética, suasdiferenças, diversidade e adversidades, lutase conquistas.

A tematização, construída coletivamente,ressignificou os conhecimentos, ampliou osníveis de consciência, do senso comum à re-flexão crítica, desenvolvendo a problema-tização – definição de novos temas de inves-tigação, na perspectiva da leitura crítica epropositiva de intervenção no meio em quevive, ampliando e clareando as visões de mun-do e de homem situado em seu contexto esujeito das transformações pelo conhecimen-to, passando a “saber o que sabe e não sabiaque sabe; buscando o saber que não sabe eusando o saber para transformar a realidadeque se é e que se vive”.

Assim Paulo Freire explica a gênese do co-nhecimento e a dimensão social dos projetosde trabalho, transformando a vida do professordo meio rural, ressignificando saberes e reinter-pretando a realidade, situando a utopia no ho-rizonte da experiência vivida e projetada con-forme os pilares do século XXI:

Aprender a aprender: a acessar e ressignificaro conhecimento e exercitar a metacognição.

Aprender a fazer: a valorizar o saber, pes-

quisado na ação e na reflexão da própria

prática.

Aprender a ser: a construir sua identidade na

diferença e diversidade, com alteridade.

Aprender a conviver: a ser solidário, constru-

indo colaborativamente, socializando e cele-

brando coletivamente.

Ninguém educa ninguém,

ninguém se educa sozinho,

os homens e as mulheres

se educam em comunhão.

Paulo Freire

A construção dos projetos de trabalho pelaaprendizagem colaborativa fundamenta-se naecopedagogia freireana – integrando os sabe-res escolares e os saberes comunitários, cons-truindo novas relações entre os professores eo meio físico-geográfico em seu contextosociocultural, desvelando os problemas tema-tizados em suas pesquisas e descobrindo osvalores culturais, por meio de seus produtose produtores – personalidades da história, mi-tos e anônimos artesãos de redes culturais –tão expressivamente apresentados nos vídeosque introduziram o tema gerador.

Pernambuco: és a fonte davida e da históriaO resgate da subjetividade e da estética da

sensibilidade promovida pela “leitura da imagem”e texto do vídeo Leão do Norte representa a sínte-se identitária e a pluralidade cultural do povopernambucano, construída pelos professores:

Sou coração do folclore nordestino / SouMateus e Bastião do Boi-Bumbá / Sou um bo-neco do Mestre Vitalino / Dançano uma ciran-da em Itamaracá / Sou um verso de CarlosPena Filho / Num frevo de Capiba ao som daOrquestra Armorial / Sou Capibaribe num li-vro de João Cabral [...] / Eu sou mameluco soude Casa Forte / Sou de Pernambuco eu sou Leãodo Norte [...]

Traduzindo a dimensão cultural dos pro-

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Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoPAINEL 7

jetos de trabalho e a promoção pessoal detantas “Vidas Severinas”, animadas pelos ver-sos de João Cabral de Melo Neto e de CarlosPena Filho, pelo Movimento Armorial de Ari-ano Suassuna, pela dança do Toré dos povosindígenas (alunos do curso), pela Ciranda deLia de Itamaracá e, ainda, pelo Auto Pastorildo Bumba-Meu-Boi, representado nas figu-ras de barro do Mestre Vitalino de Caruaru,que tematizaram algumas das pesquisas eproduções de conhecimento desenvolvidaspelos professores cursistas, tutores e profes-sores/formadores do coletivo do Proforma-ção de Pernambuco. A esse coletivo vamoshomenagear, outorgando a Comenda MéritoEducacional Paulo Freire, do Conselho Esta-dual de Educação de Pernambuco, já oferta-da à professora Mindé Badauy de Menezes,então Coordenadora Nacional desse Progra-ma junto à SEED/MEC, ato que neste mo-mento compartilho com todos aqueles eaquelas a quem Paulo Freire chamou de pro-fetas: “por prever o amanhã que mais do queadivinham, realizam…”, por sonhar e seme-ar sonhos possíveis de serem concretizadosporque encharcados do suor, do cheiro daterra e gente brasileira, deste homem novo edesta mulher nova, nova geração de ser, pen-sar, sentir e agir e de produzir o saber, comotão bem expressa o professor Vicente, aindasem titulação, em sua poética reflexão, ver-sando com autonomia sobre a Escola da es-perança, missão de seu dia-a-dia.

Precisamos da escolaIgualmente o próprio pãoMas se vier distorcidaSó vicia o cidadãoEscola tem à vontadeMas não é nem a metadeDa palavra educação

—Para o povo do sertãoFoi difícil aprenderPois pensava que a escolaNada tinha o que saberSó visava o empreguismoPois é, e o capitalismoO que nos tem a dizer?

—Mas agora vai haverO que o povo tanto queriaEscola a partir da baseFormando a cidadaniaO povo aponta o defeitoAinda cobra o direitoSeguro e com garantia

—A escola todo diaTerá uma nova missãoEscutará atentamenteDo povo a opiniãoE levando o conhecerA todos, compreenderA vida e a libertação.

Prof. Vicente de Paula F. Leite

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Resumo – HistóricoQuando fui convidada para coordenar o

Proformação, em Araguaína/TO, tive um certo re-

ceio, pois estava diante de uma nova situação no

universo educacional. Porém, logo procurei co-

nhecer toda sua operacionalização e fiquei encan-

tada com o desenho do Programa em toda sua es-

trutura, principalmente com o trabalho voltado ao

professor cursista.

Aceito o cargo, procurei formar uma equipe

que fizesse a diferença. Desde os primeiros mo-

mentos de atuação no Programa, a equipe tem tra-

balhado com o mesmo objetivo: concretizar a qua-

lidade no ensino-aprendizagem no Proformação.

Logo na primeira fase presencial, reunimo-nos

para planejar minuciosamente todas as atividades

a serem desenvolvidas durante o encontro. Esse

procedimento é adotado em todas as fases.

As áreas temáticas são trabalhadas com ofici-

nas e dinâmicas que facilitem a aprendizagem. O

resultado é surpreendente.

Além das oficinas, procuramos também ori-

entar e subsidiar o tutor para ter uma atuação mais

efetiva junto ao professor cursista. A Agência For-

madora (AGF) não pára por aí: é constante o acom-

panhamento do desempenho dos cursistas e do

trabalho dos tutores, por meio de visitas a reuni-

ões quinzenais, práticas pedagógicas e

processamento dos dados de desempenho nas

avaliações.

A Agência Formadora de Araguaína, desde aimplantação do Proformação no município, temdesenvolvido um trabalho em equipe, daí o por-quê dos resultados bem-sucedidos que a AGFtem vivenciado.

O material oferecido pelo Programa é riquís-simo, oferece oportunidade para o professorcursista desenvolver tanto o lado intelectualquanto o profissional. No entanto, se não hou-

ver uma orientação e um acompanhamentoefetivos, os resultados podem não sersatisfatórios. Por isso, a AGF de Araguaína pro-cura sempre orientar tutores e professorescursistas nessa caminhada, pois acreditamosque os esforços valem a pena.

Mesmo sendo uma AGF com um grandenúmero de professores cursistas, procura-mos acompanhar o crescimento de cadaum, pelo desempenho nas provas, do regis-tro do memorial, da atuação na prática pe-dagógica e do envolvimento com as ques-tões educacionais no seu município. Aquis e r ã o re l a t a d o s a l g u n s p ro c e d i m e n t o sadotados pela AGF nos instrumentos que seseguem.

Fase presencialA execução da fase presencial na AGF de

Araguaína/TO é um momento de integraçãoentre os cursistas dos municípios aderidos.Conhecedora do contexto que envolve ocursista: o trabalho cansativo na zona rural,as adversidades que enfrentam e a duração dafase presencial, a AGF viu a necessidade detrabalhar as áreas temáticas com oficinas e di-nâmicas, dramatizações, envolvimento do tra-balho em grupo e atividades em que o profes-sor cursista possa ter participação ativa. Taisprocedimentos têm tido excelentes resulta-dos, pois os procedimentos adotados tornamas atividades prazerosas e a fase menos can-sativa, além de fornecer subsídios auxiliaresda prática pedagógica do professor cursista.

É interessante o crescimento gradual nosencontros modulares. Na primeira fase, a mai-oria dos cursistas não participava das ativida-des, preferia ficar escondida na sua timidez einsegurança.

Experiência do Proformaçãoem Araguaína

Jandira Medrado

Coordenadora do Proformação – Araguaína/TO

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Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoPAINEL 7

Nas fases seguintes, foi visível o cresci-mento. Os alunos mantiveram uma participa-ção ativa em todos os momentos. As ativida-des solicitadas pelos professores-formadoresforam realizadas com disponibilidade e dina-mismo, levando-nos a crer que os procedi-mentos didáticos influem na aprendizagem.Mesmo com um grau de dificuldade no con-teúdo, a ludicidade favorece uma aprendiza-gem concreta.

A fase presencial oferece aos professores/formadores e à AGF a oportunidade de tra-balhar, não só os conteúdos temáticos, mastambém o incentivo ao professor cursista,elevando sua auto-estima, fator importanteno crescimento pessoal e profissional docursista.

Reunião mensalAo falar em acompanhamento do profes-

sor cursista, temos de enfatizar a importân-cia do trabalho do tutor. Ele é a ponte entre aAGF e o cursista. Se o tutor não fizer um bomtrabalho, a qualidade dos trabalhos dos ou-tros pode ruir.

O tutor precisa de suporte, orientação cons-tante e acompanhamento de suas atividades.Com as reuniões mensais, a AGF pode acompa-nhar o trabalho desse tutor e os avanços doscursistas.

A AGF de Araguaína tem em sua agendade reunião o momento de troca de experiên-cias, a exposição das dificuldades, bem comoo crescimento dos cursistas. Além desseacompanhamento por intermédio do tutor,ao recolher os instrumentos de avaliação, aAGF procura processar os dados no SIP e ela-borar gráficos para detectar possíveis regres-sos e, posteriormente, procurar meios paracorrigi-los.

Outro ponto trabalhado nas reuniões men-sais diz respeito às sugestões que o tutor extrainas reuniões quinzenais para que estas sejamapresentadas em outros municípios. Esse inter-câmbio tem dado certo, mostrando que no tra-balho em equipe, com participação efetiva doscomponentes, só podemos colher resultadosbem-sucedidos.

Encontros quinzenaisA educação, ao longo dos anos, já implantou

muitos cursos voltados para a formação de pro-fessores, na modalidade a distância. Entretanto,os resultados não foram plenamente satisfatórios.

O Proformação não é mais um curso dessamodalidade. Desde a sua implantação, houve apreocupação do acompanhamento do profes-sor cursista. O discente do Proformação não ficaisolado. Além do acompanhamento periódicoem sala de aula, a cada quinze dias todo o seutrabalho é colhido para a verificação da apren-dizagem. Nos encontros, os cursistas tiram dú-vidas, trocam experiências de sala de aula e fa-lam de como têm atuado na comunidade. Nes-se momento, o tutor procura levar sugestõespara serem trabalhadas na quinzena seguinte,executa dinâmicas envolvendo os conteúdostemáticos e procura transformar essas oitoshoras em momentos agradáveis.

Nos primeiros encontros quinzenais, mes-mo tendo um número grande de cursistas, osprofessores/formadores e a coordenadora sem-pre estavam presentes. No segundo módulo, ostutores já tinham domínio da condução das reu-niões, bem como amadurecimento suficientepara conduzir com êxito essas reuniões, nãosendo necessária a presença constante da AGF.

Prática pedagógicaA prática pedagógica do professor cursista tem

sido um dos melhores instrumentos compro-batórios da qualidade do Proformação. Em depoi-mentos dos professores que estão inseridos no Pro-grama, é unânime a afirmação de que antes departiciparem do Proformação a atuação em salade aula era um ato sem sentido. Os conteúdos eramretirados dos livros e jogados aleatoriamente paraos alunos. Não passavam de meras informaçõessem qualquer objetivo. A partir da inserção no Pro-grama, especificamente na primeira fase presen-cial, o mundo educacional passou a ser visto soboutro ângulo, afirmam os cursistas.

Para os professores/formadores e a coordena-ção da AGF, nada é mais gratificante do que ratifi-car as mudanças que estão ocorrendo na práticapedagógica dos cursistas. A AGF reconhece a pre-

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ciosidade das sugestões para a sala de aula do pro-fessor cursista, porém sem um acompanhamen-to e incentivo, as sugestões não sairiam dos gui-as. O trabalho da AGF, nesse sentido, é constante,desde o primeiro momento de implantação doPrograma no município. Mesmo com algumasdificuldades de aquisição de material de apoio emalgumas escolas na zona rural, o professor cursistajá tem o pleno domínio de buscar alternativaspara uma atuação pedagógica eficiente.

Em visita a práticas pedagógicas, a AGFpôde comprovar mudanças expressivas nasmetodologias dos cursistas.

Para uma execução satisfatória de qualqueratividade é necessário um planejamento quecorresponda à realidade dos envolvidos. Pen-sando nisso, a AGF esquematizou um plano deaula que favorecesse aulas vivas. Daí surgiu umplano em que a contextualização e a interdisci-plinaridade são pontos primordiais na avalia-ção desse instrumento. Inicialmente, por cau-sa do costume com um plano tradicional, per-cebemos algumas dificuldades em sua elabora-ção, mas com o trabalho contínuo junto aosprofessores cursistas e o esforço que eles fazempara crescer profissionalmente, todas as dificul-dades foram superadas e o resultado são aulasdinâmicas, atraentes, com articulação entre asdisciplinas, contextualização dos conteúdos,além de outros procedimentos norteadores daqualidade no ensino-aprendizagem.

O plano de aula, instrumento vinculado àprática pedagógica, contempla: conteúdos, ob-jetivos, recursos didáticos, organização do am-biente, metodologia, tempo previsto, atividadesa serem executadas, contextualização, suges-tões do trabalho interdisciplinar, modo de ava-liação e bibliografia utilizada. Com essas com-petências a serem observadas no plano de aula,as orientações dos guias e as sugestões que aAGF está sempre levando aos cursistas, os re-sultados têm sido positivos.

MemorialO memorial funciona como raios X do pro-

fessor cursista nesse processo, cuja engrenagemnão pode apresentar qualquer falha, senão osresultados chegarão a um ponto não almejado.

A princípio, o memorial foi visto com mui-to receio pelos cursistas. Isso ocorreu em razãodo pouco hábito de leitura e de escrita cultiva-do por eles, dificultando muito a redação desseinstrumento avaliativo.

Os diversos tipos de leituras que o progra-ma oferece e as atividades que o professorcursista tem de desenvolver oferecem materialsuficiente para um texto. Mesmo que os ele-mentos ali registrados não estejam bem elabo-rados, o professor cursista tem uma grandequantidade de informações para registrar. É cla-ro que, de um momento para o outro, a pessoanão passa a escrever bem, mas fazendo umaanálise dos textos produzidos no início do pro-grama e os que estão sendo feitos atualmente,percebemos um grande avanço na produçãotextual. Mesmo porque, na prática pedagógicahá muitos procedimentos e resultados que osprofessores cursistas fazem questão que os ou-tros membros do Proformação saibam. Comisso, o registro no memorial é uma constante.

ProjetosA princípio, os projetos representavam o des-

conhecido, um desafio ao novo, uma propostade trabalho, que aos poucos foi se desvendando,partindo da realidade conhecida de cada profes-sor cursista e avançando rumo a um estudo sis-tematizado de temas que abordam problemas e/ou dificuldades em suas comunidades.

No módulo I, o projeto esteve voltado paradetectar problemas, delimitação de temas, pla-nejamento do cronograma e elaboração da pro-posta do trabalho.

Nos módulos II e III, o envolvimento girouem torno do relatório parcial, compreendendo:relatos do módulo I, elaboração de questioná-rios para pesquisa de campo, construção de grá-ficos, pesquisa sobre o tema, relato dos traba-lhos em sala de aula utilizando o projeto e exe-cução do mesmo.

O IV módulo se deterá no relatório final, noqual serão relatados todos os passos do proje-to, acompanhados de conclusão, auto-avaliaçãoe bibliografia.

O projeto vem sendo motivo de crescimen-to, de aprendizagem significativa, pois possibi-

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Formação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoFormação do professor no ProformaçãoPAINEL 7

lita a efetiva participação dos professorescursistas na vida da comunidade, por meio deeventos como: feira cultural, seminários, pales-tras, feiras de ciências, entre outros, levando àconscientização e a ações em prol da qualida-de de vida.

A AGF, na qualidade de orientadora, forne-ce suporte a tutores e professores cursistas paraque desenvolvam seus estudos. Nas reuniõesmensais, os professores/formadores atuamcomo mediadores, repassando conteúdos e lei-turas sobre os temas, orientando na estrutu-ração do projeto, buscando apoio material emórgãos que tratam de assuntos ambientais e desaúde, tais como Naturatins, Naturativa, Ibama,HDT, Posto de Saúde.

O projeto de trabalho vai além de um ins-trumento de avaliação, pois abrange a sociali-zação, na medida em que possibilita a atuaçãodo professor cursista como sujeito no processode desenvolvimento das comunidades dasquais ele participa.

GráficosPara o melhor acompanhamento dos resul-

tados obtidos nas provas bimestrais, CVAs,memoriais, práticas pedagógicas e planos deaula, a AGF processa os dados e esboça gráficosque mostram o percentual obtido por áreatemática e por cursista, em cada instrumentode avaliação. Por esses resultados é possívelcomparar os percentuais e melhorar o monito-ramento.

EventosNão há dúvida quanto à qualidade do

Proformação, e isso é visível em todos os muni-cípios que integram a AGF de Araguaína. Os pro-fessores cursistas têm mostrado um grandeavanço profissional. Além de terem uma práti-ca pedagógica satisfatória, os professorescursistas não medem esforços para participarde eventos educacionais no município em queatuam, bem como para promoverem feiras, se-minários, exposições de trabalhos relacionadosaos projetos, com envolvimento de seus alunos.

Em depoimento de uma cursista que atua

na zona rural, foi relatado que antes de entrarno Proformação, feira, para ela, era um lugaronde se ia fazer compras de gêneros alimentí-cios. Hoje, essa mesma cursista já realizou umafeira maravilhosa, expondo trabalhos realizadoscom os alunos, com participação da comuni-dade. Todos os trabalhos estavam relacionadosao projeto do trabalho que a professora cursistaestá desenvolvendo.

Esse não é o único caso. A AGF já participoude vários eventos similares, e a qualidade daexposição tem sido motivo de alegria para aAGF. Verifica-se com isso que o Proformaçãooferece um leque de possibilidades para que oprofessor cursista possa mostrar quão grande éseu desempenho.

ReforçoO reforço tem sido um fio condutor do su-

cesso nas provas bimestrais. No bimestre, ocursista se envolve com muitas atividades alémdos estudos dos conteúdos, acumulando mui-tas informações, e a expectativa da realizaçãode uma prova é diferente das atividades que elerealiza com consulta. O próprio vocábulo “pro-va” já provoca uma ansiedade na cabeça docursista, desencadeando algum esquecimentodos conteúdos.

Quando realizamos o reforço, procuramostrabalhar conteúdos que serão cobrados na pro-va bimestral; além disso, o emocional docursista deve estar em equilíbrio. Com isso, pro-curamos também incentivar e acalmar a tensãovivida por ele antes das avaliações.

Além do reforço, a equipe da AGF de Ara-guaína não mede esforços ao desenvolver todae qualquer atividade norteadora da qualidadeno ensino-aprendizagem.

DepoimentosPara avaliar a qualidade do ensino-apren-

dizagem não basta aplicar métodos e técnicas,processar dados e elaborar gráficos. Quandosofremos mudanças positivas, temos prazer emcomentar os nossos avanços. No Proformação,há um momento reservado para os relatos deexperiências, tanto na fase presencial, quanto

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nas reuniões mensais e encontros quinzenais.A AGF de Araguaína tem presenciado depoi-

mentos emocionantes dos cursistas e tutores.Abaixo temos um fragmento do depoimento deJosimar Pereira da Silva, professor cursista deSanta Fé, e de Ilzi Maria da Silva, tutora deWanderlândia:

Depoimento do professor cursista JosimarRibeiro da Silva

Antes de ser um professor, minha vida era

muito sofrida, morava na roça, estudava commuita dificuldade. Minha família, pobre, não tinhacomo melhorar meu grau de estudo.

O início da minha carreira como professor foiuma coisa não planejada. Certo dia, fui convidadopara substituir um professor em uma escola na

zona rural. Fiquei apavorado. Não tinha experiên-cia e, para falar a verdade, tinha medo de tudo.Além do mais, desconhecia aquela profissão que

me esperava. Tinha dificuldades em tudo: diários,plano de aula, ficava perdido nas explicações doconteúdo, totalmente inseguro. Eu ficava tão ner-

voso, que não conseguia falar. Era muito difícil,mas a situação financeira me obrigava a ficar.

Quando, de repente, apareceu o Profor-

mação. Descobri que ali estava a minha chance

de mudar o meu jeito de ser e melhorar minha

atuação profissional. Foi exatamente o que acon-teceu. Hoje, já tenho segurança em minhas au-las, sei como trabalhar a interdisciplinaridade e

contextualização e, acima de tudo, tenho consci-ência do valor da minha profissão.

Graças ao Proformação consegui superar

muitas dificuldades e elevar minha auto-estima.

Depoimento da tutora Ilzi Maria da Silva

O Proformação mudou a minha vida. Apesarde ser otimista, me sentia uma pessoa vazia esolitária. Primeiro pela idade. Eu pensava: “Meu

Deus, as minhas colegas na sala de aula são, namaioria, jovens e, apesar de eu ser uma pessoarespeitada por todos, me sinto insegura em rela-

ção ao meu futuro. Tudo era vazio. Não tinha so-nhos nem perspectivas. Mesmo terminando oMagistério, a história continuou a mesma.

No entanto, a partir do momento que entreino Proformação, minha vida mudou. Hoje, estoucheia de expectativas, conhecimentos e, o mais

importante, de realizações. Sinto-me realizada,e, como um beija-flor que sai de flor em flor, as-sim é o meu trabalho como tutora, cuidando de

suas ‘flores’ para que sejam frondosas e radian-tes. As cursistas estão crescendo e eu também.Esse é o meu maior prêmio.

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PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 88888

ARTICULAÇÃO ENTRE AFORMAÇÃO INICIAL ECONTINUADA DE PROFESSORES –EDUCAÇÃO INFANTIL

Fátima Regina Teixeira de Salles Dias

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ApresentaçãoEste relato pretende apresentar o Programa

Emergencial de Habilitação Profissional em Ní-vel Médio – Modalidade Normal – do Professorde Educação Infantil em Exercício. Trata-se deproposta articulada entre a Universidade Fede-ral de Minas Gerais (UFMG) e outras oito insti-tuições de ensino superior integrantes do Pro-grama Minas – Universidade Presente,1 a Secre-taria de Estado da Educação de Minas Gerais –SEE/MG, a Secretaria de Estado do Trabalho, daAssistência Social, da Criança e do Adolescente(SETASCAD/MG) e Prefeituras Municipais, quevisa à habilitação do professor leigo em exercí-cio nas creches e pré-escolas do Estado. O prin-cipal objetivo que uniu esses parceiros foi oempenho na busca de ações que pudessem re-verter na melhoria da qualidade do trabalho daEducação Infantil em Minas Gerais.

Respondeu essa parceria, por sua vez, ao apeloe às orientações do Conselho Nacional de Educa-ção expressas no Parecer CNE/CEB nº 04/00, so-bre as Diretrizes Operacionais para a EducaçãoInfantil, ou seja, “para fazer frente a [essas] exi-gências legais para a profissionalização docentedos professores para a educação infantil, incluin-do aqueles que, no momento, são leigos, deveráhaver intensa mobilização das Universidades Pú-blicas ou Privadas, Institutos Superiores de Edu-cação, Escolas Normais de nível médio, Secreta-

Habilitando-se professor:experiência concreta devalorização do profissional deeducação infantil em exercício nascreches e nas pré-escolas de Minas

Fátima Regina Teixeira de Salles Dias

UFMG/MG

rias, Conselhos e Fóruns de Educação na criaçãode estratégias de colaboração, entre os vários sis-temas, possibilitando a habilitação dos profissi-onais, dentro dos parâmetros legais”.

O programa foi aprovado pelo Conselho Es-tadual de Educação e tem duração prevista até2007. É viabilizado por meio de cursos minis-trados pelas instituições de ensino superior ecertificados por escolas normais integrantes doSistema Estadual de Ensino.

JustificativaA Educação Infantil, a partir de uma histó-

ria de lutas e reivindicações de diferentes gru-pos da sociedade civil organizada, foi incluídano capítulo da Educação da Constituição Fede-ral, em 1988, e reconhecida como primeira eta-pa da Educação Básica pela Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional – LDB, em 1996.

A definição da Educação Infantil como umnível de ensino, oferecido em creches e pré-es-colas, exigiu da Lei outras determinações rela-tivas à formação de seus profissionais. Assim, aLDB define o profissional da Educação Infantilcomo professor, estabelecendo que sua forma-ção “far-se-á em nível superior […] admitidacomo formação mínima para o exercício deMagistério na educação infantil e nas quatroprimeiras séries a oferecida em nível médio, namodalidade Normal” (art. 62).

1 Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Universidade Federal de Viçosa (UFV); Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); Fundaçãode Ensino Superior de São João del Rei (Funrei); Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG); Universidade Estadual de MontesClaros (Unimontes); Centro Universitário do Leste de Minas (Unileste); Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Pucminas).

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Articulação entre a formação inicial e continuada – Educação InfantilPAINEL 8

O Conselho Nacional de Educação – CNE,em 29 de janeiro de 1999, definiu as DiretrizesCurriculares Nacionais (Resolução no 1 CEB/CNE) que deverão orientar os currículos dasescolas que desenvolverão os Cursos Normais,apontando para a possibilidade de esses cur-sos prepararem docentes especificamente paraatuar na Educação Infantil.

Essas determinações inegavelmente reve-lam avanços da legislação em relação a essaárea: define-se a identidade do profissional daEducação Infantil, caracterizando-o como pro-fessor e evidenciando a importância de umaformação mínima para que esse profissionaldesenvolva um trabalho educacional de quali-dade em creches e pré-escolas. Entretanto, asdefinições legais se defrontam com uma reali-dade que impõe desafios à sua concretização.Assim, embora os dados sejam ainda precários,as estatísticas apontam para a existência degrande porcentagem de educadores que traba-lham com crianças na faixa de 0 a 6 anos, emcreches, pré-escolas e similares que, mesmocomprometidos com o seu trabalho, não pos-suem o nível mínimo de formação exigido porlei, estando sob o risco iminente de perda deemprego. Nessa categoria incluem-se tanto osformados em nível médio em outra modalida-de que não a Normal, quanto aqueles que nãotêm o ensino médio ou nem mesmo o EnsinoFundamental completo.

Essa situação se agrava quando constata-mos a escassez de oferta de formação diantedessa nova demanda que se configura. Defron-tamo-nos com o fato de não existir historica-mente em Minas e nem mesmo no Brasil habi-litação específica de formação desse profissio-nal, em nível médio, que enfoque em seus cur-rículos a indissociabilidade das ações de cui-dar de/educar crianças de 0 a 6 anos, princi-palmente no que se refere ao trabalho com cri-anças pequenas em instituições que as acolhemem tempo integral. Os próprios professores/formadores que atuam nessas Escolas Normais,em sua maioria, não têm acúmulo teórico e prá-tico nessa área. O mesmo se pode afirmar emrelação aos quadros técnicos das instâncias es-taduais e municipais responsabilizadas, muitasvezes, pela formação em serviço dos profissio-

nais que trabalham nas instituições de Educa-ção Infantil.

Os professores que atuam em creches e pré-escolas não tiveram, portanto, ao longo de suahistória, acesso a instituições formais que seocupassem de sua formação. Vêm, na verdade,forjando seu saber fazer no cotidiano, constru-indo, dessa forma, sua própria identidade, bemcomo a identidade da Educação Infantil. Têm,assim, um saber a ser considerado, mas queprecisa ser organizado, ampliado e, sobretudo,certificado por instituições formais para que seprofissionalizem, exerçam seu direito à escola-rização obrigatória e façam frente às novas exi-gências legais. Soma-se a isso, a necessidade dese considerar o fato de que, como várias pes-quisas nacionais e internacionais vêm apontan-do, a formação dos profissionais tem sido ava-liada como fator de maior impacto na melhoriada qualidade do atendimento. Desse modo,além de criar oportunidades para a valorizaçãodos educadores infantis, os investimentos nes-sa ação fortalecem as políticas já existentes,otimizam os recursos já investidos na área e cri-am condições para que os educadores elaboreme implementem propostas pedagógicas maiscoerentes, conseqüentes e que se pautem pelaintencionalidade, possibilitando uma práticaeducativa de melhor qualidade.

O quadro, determinado pelo confronto en-tre o novo ordenamento legal, a realidade daformação dos profissionais da Educação Infan-til em Minas Gerais e as evidências quanto àimportância dessa formação, aponta-nos paraa necessidade de, num período de transição,marcado pelo que estabelece a LDB quando ins-titui a Década da Educação a vencer em 2007,serem criadas e implementadas, ou mesmo ade-quadas ao pré-existente, estratégias emergen-ciais de formação, devidamente regulamenta-das pelo Conselho Estadual de Educação, queviabilizem a habilitação mínima exigida paraesses educadores que estão em serviço, assegu-rando-se a qualidade da formação.

Em contrapartida, não se desconhece quãofundamental e urgente é a formação do corpodocente das Escolas Normais para que, progres-sivamente, o Curso Normal possa se configurarde acordo com o que preconizam as Diretrizes

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Curriculares Nacionais para essa modalidade deEnsino Médio.

Essa preocupação é compartilhada pelosmovimentos sociais e por diferentes instânciasgovernamentais e não-governamentais. Sobessa perspectiva, o Fórum Mineiro de Educa-ção Infantil, em seu boletim EI!, destaca:

Embora indubitavelmente desejável a for-

mação em nível superior, o quadro da realidade

aponta a formação em nível médio na modali-

dade Normal como a meta prioritária na educa-

ção infantil, por se reconhecer que nem esse ní-

vel de ensino está garantido e que o mesmo é

pré-requisito para nível superior.

Sérios e urgentes esforços para garantir a

oferta, revalorização e reformulação estrutural

dos Cursos Normais em nível médio devem ser

articulados entre o Governo Federal/MEC e os

Governos Estaduais/Secretários da Educação/

Consed […] visando à formação mínima exigida

para os professores da educação infantil (EI! ano

1, nº 2, 1999).

Na mesma direção, o documento Programade Qualificação do Educador Infantil – Termo deReferência, do MPAS (2000), que se conceitua“[...] como um conjunto de ações articuladaspara elevar a escolaridade e melhorar as compe-tências dos educadores infantis que trabalhamem creches públicas e privadas, prioritariamen-te voltado para pessoas que estão sob risco dedesemprego, por não terem requisitos mínimosde escolaridade exigidos em lei”, apresenta pos-síveis caminhos para concretização da formaçãomínima necessária nessa conjuntura.

Evidencia-se, nesse contexto, o papel a serdesempenhado pelas universidades, por meiode suas atividades de ensino, pesquisa e exten-são, papel esse que ganha maior expressão di-ante da possibilidade de essas instituições atu-arem numa perspectiva interdisciplinar. Dessemodo, é possível integrar todas as áreas de co-nhecimento envolvidas na especificidade dotrabalho da Educação Infantil: a Pedagogia, aPsicologia, a Sociologia, a Antropologia, a Filo-sofia, a Saúde, a Arte, a Música, o Teatro, a Edu-cação Física, a Assistência Social, as Letras, en-tre outras.

Em Minas, a importância quanto a esse pa-pel das universidades já havia sido reconheci-da quando se buscou articulá-las, desde 1997,por meio do Programa Minas Universidade Pre-sente, atualmente coordenado pela UFMG, como objetivo de mobilizar os recursos humanos,técnicos e científicos dessas instituições para,em parceria com o poder público e com as co-munidades, implantar ações de caráter educa-tivo que estimulem o desenvolvimento de to-das as regiões do Estado. No que concerne es-pecificamente à Educação Infantil, vêm sendodesenvolvidas, por meio desse programa, pro-postas de Formação de Educadores Infantis.Muitas dessas propostas têm se caracterizadopor cursos pontuais, isolados, que, embora te-nham favorecido o aprimoramento do trabalho,não têm contribuído efetivamente para acertificação formal desses educadores, o que setorna essencial diante do novo ordenamentolegal que coloca em risco o contrato de empre-go dos profissionais não-habilitados. Apesar de,em 1998, terem sido envidados esforços nessesentido, a certificação desses educadores nãofoi viabilizada por falta de uma maior articula-ção entre a coordenação do programa à época,os setores governamentais envolvidos (Setas-cad, SEE/MG) e o Conselho Estadual de Educa-ção (CEE).

Assim, a necessidade de habilitação doseducadores infantis exige esforços articuladosentre as instituições formadoras, os setores go-vernamentais responsáveis pela formação des-ses profissionais e pela legislação pertinente eos setores públicos e privados historicamenteresponsáveis pelo atendimento às crianças de0 a 6 anos.

Para tanto, considera-se que estratégias de-vem ser buscadas e regulamentadas, segundopropostas que se pautem nos princípios daqualidade, flexibilidade e exeqüibilidade. Ouseja, que resguardando parâmetros legais bá-sicos e diretrizes gerais, garantam autonomiaaos estabelecimentos ou sistemas de ensinopara executarem suas propostas curriculares,visando à certificação de professores em exer-cício, os quais, trabalhando segundo jornadasque variam de seis a doze horas diárias, devemter oportunidades efetivas para estudar e se

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Articulação entre a formação inicial e continuada – Educação InfantilPAINEL 8

habilitar, sendo incluídos também nos siste-mas de ensino.

Foi nesse contexto que se articulou o Pro-grama Emergencial para Habilitação Profissio-nal em Nível Médio – Modalidade Normal, doProfessor de Educação Infantil, em exercício,aprovado pelo Conselho Estadual de Educação,em novembro de 2000, com duração previstaaté 2007.

Objetivos geraisHabilitar na modalidade Normal, em cará-

ter emergencial, por prazo determinado (até2007), os professores leigos de creches e pré-escolas em exercício, oferecendo-lhes partedessa habilitação por meio de aproveitamentoe complementação de estudos em EducaçãoInfantil, tendo em vista garantir os contratos deemprego desses profissionais e a construção desua cidadania.

Objetivos específicos• Complementar a escolaridade básica dos pro-

fessores de Educação Infantil, de modo queatinjam o nível mínimo exigido pela LDB.

• Propiciar o desenvolvimento de conhecimen-tos, valores, habilidades e competências bási-cas, específicas e de gestão, exigidas pelo novoconceito de Educação Infantil, de creche e dacriança como cidadã.

• Melhorar a qualidade dos serviços prestadospor creches, pré-escolas e similares, de modoque cumpram sua função de cuidar de crian-ças de 0 a 6 anos e educá-las.

ClientelaSão considerados incluídos nessa proposta

aqueles professores que estejam atuando dire-tamente no atendimento educacional a crian-ças de 0 a 6 anos, em creches e pré-escolas eque possuam, no mínimo, o Ensino Fundamen-tal completo, mas que necessitam (em caráteremergencial, por já se encontrarem no exercí-cio da docência) iniciar, completar ou comple-mentar formação de nível médio, na modalida-de Normal.

OrganizaçãoEsse programa é viabilizado por meio dos

cursos ministrados pelas Instituições de Ensi-no Superior e certificados por Escolas Normaisintegrantes do Sistema Estadual de Ensino.Cada curso tem carga horária de 1.600 horas,assim distribuídas:

• Aspectos teóricos: 400 horas.

• Prática de Ensino Orientada: 540 horas (even-tos presenciais e estratégias de trabalhosemipresenciais).

• Prática de Ensino Comprovada: 660 horas(aproveitamento de experiência no trabalho).

O curso está organizado em módulos, a se-rem desenvolvidos num período de dois anos emeio e, neles, são abordados os seguintes con-teúdos:

• Aspectos sociais, históricos, políticos da Edu-cação Infantil.

• O professor de Educação Infantil.

• Um olhar sobre a infância.

• Múltiplas linguagens – formas de interaçãocom a natureza e com a cultura.

• Organização e gestão do trabalho de cuidar/educar crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-escolas.

• Prática de Ensino Orientada.

Fundamentosda proposta curricularEsse curso de habilitação do professor de

Educação Infantil tem como pressupostosnorteadores:

• Considerar os professores/alunos do cursocomo sujeitos históricos, criadores de cultu-ra, que têm direito à ampliação de seu univer-so cultural, bem como de se apropriarem dosinstrumentos básicos que lhes permitam a ha-bilitação profissional. Estão inseridos numespaço geográfico, social, cultural, profissio-nal que lhes confere identidade própria. Cons-truíram um saber fazer próprio no cotidianodas creches e/ou pré-escolas, onde vêm de-senvolvendo sua prática de cuidar de criançasde 0 a 6 anos e educá-las, que deve ser levadoem conta nas propostas de sua formação.

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• Superar a dicotomia entre teoria e prática emtrês perspectivas: buscar coerência entre osdiscursos dos docentes do curso e sua própriaprática pedagógica; considerar a complexida-de e a riqueza dos conhecimentos produzidosna dinâmica da prática cotidiana dos educa-dores/discentes, tomando-a como ponto departida para a reflexão crítica e a busca de no-vos conhecimentos, que possibilitem ressig-nificá-la e transformá-la; e buscar o conheci-mento acumulado das diversas ciências comosubsídio para conhecer, analisar e interpretaro contexto histórico, político e cultural em quese situa a prática educativa dos diversos pro-fessores.

Norteado por esses pressupostos, o curso sedesenvolve em torno de dois eixos básicos:

• Um deles privilegia o educador como cidadão,sujeito social e cultural, discutindo, por umlado, sua identidade profissional e, por outro,possibilitando-lhe vivenciar, ter acesso e am-pliar seus conhecimentos relativos às diversasformas de expressão na cultura (teatro, músi-ca, dança, cinema, pintura, desenho, lingua-gem virtual etc.).

• O outro eixo busca incidir sobre valores, co-nhecimentos e competências do professor,tanto para compreender o contexto em que sedá sua prática, quanto para nela atuar de for-ma eficiente e crítica.

A prática de ensino permeia todo o desen-volvimento do curso, sendo, ao mesmo tempo,elemento para reflexão e possibilidade de avan-ço e transformação da prática educativa.

MetodologiaEsse curso prevê a articulação contínua en-

tre as experiências do aluno, sua prática peda-gógica e o conhecimento científico a respeitodo atendimento à infância.

Nesse sentido, ao longo dos conteúdos e

tópicos trabalhados, são discutidas e analisadascom os alunos suas representações, interaçõese apropriações a respeito de diferentes aspec-tos do seu trabalho: a infância, a Educação In-fantil, o lúdico, as linguagens, o próprio traba-lho e a cultura.

Sob essa perspectiva, em que se torna fun-damental privilegiar o professor de educaçãocomo sujeito sociocultural, são desenvolvidasestratégias de formação alicerçadas em vivên-cias culturais e experimentadas em espaços so-ciais diversos, como parques, praças, teatros,museus, cinemas, clubes, associações etc.

O diálogo com as práticas cotidianas nascreches e pré-escolas em que as professoras atu-am tem lugar de destaque nesse processoformativo, na medida em que, articulando-secom a fundamentação teórica, estimula análi-ses críticas do próprio fazer e contribui paraavanços na qualidade do atendimento em Edu-cação Infantil.

Para isso, são privilegiadas estratégias comoseminários, relatos, painéis, discussões, confe-rências, pesquisas e projetos de intervenção,além de recursos como vídeos, fotos, jornais,relatórios, livros e textos, entre outros, diversi-dade essa favorável às múltiplas compreensõese expressões das práticas e seus desafios.

AbrangênciaEm 2001, foram iniciados 27 cursos em 15

pólos que congregam educadores de 75 municí-pios das diversas regiões do Estado. Estão sendofinanciados com recursos do Fundo de Amparoao Trabalhador (FAT), contando com a parceriado Serviço de Voluntários de Assistência Social(Servas), de Minas Gerais e das Prefeituras Mu-nicipais. Para sua continuidade e ampliação nosanos subseqüentes, os parceiros estão se articu-lando na busca de fontes de financiamento.

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PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 99999

AVALIAÇÃO DASAPRENDIZAGENS DOS ALUNOS EA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Almira Albuquerque Santos

Lucia Lins Browne Rego

Maria Nilene Badeja

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ResumoA formação continuada no município de Bata-

lha/AL despertou em nossos professores o sentimen-

to de auto-estima e, a partir daí, ninguém mais con-

seguiria parar o processo de avanço e transforma-

ção em nossa rede de ensino escolar. A exemplo do

que está sendo feito, baixou o número de repetência,

aumentando o índice de aprovação de 40% para 85%,

no ano de 1999.

Com a formação continuada, que vem sendo

oferecida aos professores, pode se contar, atualmen-

te, com a reconstrução da Rede Municipal de Ensi-

no, como instituição, na qual o professor se encon-

tra num processo contínuo de formação, passando a

ter um comprometimento maior com o seu aluno

na condição de sujeito, e não de objeto, e, conseqüen-

temente, alternando a lógica social, um dos maiores

problemas a serem enfrentados nesse processo de

formação.

Em conseqüência disso, o avaliar mudou. Nesse

aspecto, a visão do professor vem contribuindo sig-

nificativamente para minimizar a reprovação. Vale

ressaltar que avaliar a aprendizagem do aluno é tam-

bém avaliar a intervenção do professor, já que o en-

sino deve ser planejado e replanejado tendo em vis-

ta as aprendizagens, ou não.

Para tanto, os índices alertaram-nos que a op-

ção pelo processo de formação continuada começa

a chegar onde está o nosso alvo central: a sala de aula.

Iniciamos a reflexão sobre a formação conti-nuada de professores da rede de ensino munici-pal de Batalha caracterizando os aspectos soci-ais, políticos e econômicos da cidade, que influ-enciam a situação educacional.

Segundo dados da Secretaria Municipal deAgricultura de Batalha (1997), o município situa-se no sertão alagoano, a 197 quilômetros de dis-

Avaliação das aprendizagensdos alunos e a formação deprofessores

Almira Albuquerque Santos

SME – Batalha/AL

tância de Maceió, e foi governado por “coronéis”que defendiam seus interesses, excluindo a clas-se trabalhadora das vantagens dos sistemas, nocaso específico do nosso relato: a educação.

A cidade em referência tem uma popula-ção estimada em 14.785 habitantes, sendo7.256 homens e 7.539 mulheres. Sua extensãoterritorial é de 322,5 km2, com uma taxa decrescimento populacional de 2,08% ao ano eum grau de urbanização de 43,86%. Sua vege-tação tem característica tipicamente sertane-ja, como caatinga, cactos, xiquexique e fachei-ras, que se espalham pelas diversas comuni-dades que formam o município.

Banhada pelo rio Ipanema, mantém fron-teiras com Jacaré dos Homens, Belo Monte,Traipú, Jaramataia e Major Isidoro. É conside-rado pólo centralizador da chamada Bacia Lei-teira, e na base da sua economia predomina orebanho bovino de corte, quase todo formadopela raça nelore.

Na agricultura, são consideráveis a produçãode milho, feijão e algodão. O plantio em larga es-cala da palma forrageira garante a produtividadepecuária, mesmo durante a estiagem, que chegaa durar meses.

Quanto ao comércio, é bastante desenvolvi-do. O turismo é pobre, quase inexiste. As mani-festações folclóricas são folguedos, danças carna-valescas, juninas e natalinas.

A população que demanda por escolas darede municipal em Batalha, no horário diurno,que só atendem de 1ª a 4ª séries, a partir de 1997(de acordo com os registros da Secretaria Muni-cipal de Educação de Batalha), é composta decrianças, jovens e adultos de baixa renda, situan-do-se na faixa etária de 7 anos e acima de 17 anos.Há, portanto, um grande número no processo dedistorção idade/série. Outro dado é que, até 1995,

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AAAAAvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresPAINEL 9

o fracasso escolar (repetência e evasão) era bas-tante significativo e vinha se perpetuando na his-tória da nossa comunidade, além do fato de a Se-cretaria de Educação do Estado de Alagoas ter re-gistrado como nulo o ano letivo de 1996.

As escolas existentes são, em sua maioria, depequeno porte, com duas salas, e uma mais am-pla que dispõe de sete salas de aula. Com essaestrutura, o atendimento é de 3.602 alunos, paraum quadro de 172 professores, sendo 6 com cur-so superior, 12 leigos (em processo de formação)e 154 com o 2º grau em Magistério.

Em relação aos professores, anteriormente àatual gestão, eles não eram concursados, erammal pagos e não tinham um Plano de Cargos eCarreira por meio do qual vislumbrassem algu-ma perspectiva de melhoria. Possuíam uma for-mação inicial precária e participavam de cursosgeralmente centrados em conteúdos de progra-mação descontínua. Não tinham orientação pe-dagógica nem acompanhamento da prática desala de aula.

A partir de 1997, com as eleições municipais,assume o poder em Batalha um grupo políticomais comprometido com a população de baixarenda, que tenta, inicialmente, uma reforma es-trutural das Secretarias Municipais, entre elas ade Educação. Por meio de concurso público, re-nova o quadro de professores e cria o quadro decoordenador pedagógico, cabendo aos profissio-nais que assumissem esse cargo a responsabili-dade de repensar a educação local, juntamentecom os professores.

Os coordenadores pedagógicos1 – inicialmen-te eram três profissionais com licenciatura plenae habilitação em orientação educacional e super-visão escolar – tinham clareza quanto ao fato deque a educação não era suficiente para a cons-trução de uma nova realidade social, econômica,política e cultural, mas, como bem enfatizaGadotti (1992):

[...] é o ponto de partida, isso significa, ainda que

a sua luta deve ir além dos muros da escola não

deve limitar-se ao seu campus, o que a ideologia

dominante entendeu por muito tempo, querendo

limitar o conflito aos muros dos campi.

A partir de então, o grupo pôde analisar as idase vindas dos alunos nas escolas, constatando que,devido à pobreza em que suas famílias se encon-tram, eles têm de parar de estudar para trabalharprecocemente na agricultura, uma das principaisfontes de renda da região, interrompendo infini-tas vezes o processo de escolarização. Mesmoretornando após um afastamento de um mês oumais, não conseguem acompanhar o ritmo dasaulas, sendo conseqüentemente reprovados nofinal do ano. E isso se tornou um círculo vicioso.

Estava posto um grande desafio para a equi-pe pedagógica, que pretendia melhorar a quali-dade da formação escolar do aluno, reconhecen-do ser a escola, para ele, a instância onde vai su-perar sua visão parcial e confusa, adquirindo cla-reza da sociedade onde se insere.

A idéia do grupo era encontrar uma parceriapara desenvolver um projeto com o objetivo detornar o professor um sujeito ativo, capaz de re-fletir sobre as contradições sociais, econômicas,políticas e culturais da realidade onde se encon-tra e sobre sua prática pedagógica. Para tanto, aopção foi fazer um investimento na formação pro-fissional continuada, considerando as variáveisinerentes à natureza da atuação do professor, aorganização curricular dos programas de forma-ção, as competências e os conhecimentos profis-sionais, a metodologia da formação e a avaliação.Sobre esse assunto, Nóvoa (1995: 17) afirma quea formação é uma mudança e não uma espéciede condição prévia da mudança. E completa: “Aformação não se faz antes da mudança, faz-sedurante [...]”.

Em 1998, lançamos o embrião da formaçãocontinuada desejada, com recursos próprios, noentanto sem muito sucesso. O acompanhamentona sala de aula, junto aos professores, mostravaque os cursos ministrados não correspondiam àsexpectativas do professor e do alunado. O grupoda educação sentia que o trabalho estava vindode fora para dentro, sem a construção coletiva do

1 Os coordenadores pedagógicos formam a equipe técnica da Secretaria Municipal de Batalha, sendo cada um responsável pelo trabalhopedagógico de várias escolas. Têm formação em Pedagogia, com habilitação em Orientação Educacional e Supervisão, mas atuam natentativa de superar a fragmentação da formação inicial que tiveram.

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pessoal envolvido. Os cursos estavam sendo mi-nistrados por via externa2 e apesar de anunciaruma proposta aparentemente avançada, traziapara os cursistas “pacotes pedagógicos”.

A primeira parceria de fato só surgiu em 1998,e durou até o ano de 2000, por meio de funcioná-rios da Editora Abril S/A, que garantiu recursosfinanceiros para o pagamento de um grupo deformadores3 da cidade de Salvador, sob a coor-denação das professoras dras. Telma Weisz e Ma-ria Ester Soub. O projeto dessa formação passoua ser pensado e discutido com os coordenadorese professores, com a perspectiva de que a Secre-taria Municipal de Educação de Batalha, por meiodos seus coordenadores pedagógicos, assumisse,a médio e longo prazos, a formação.

O trabalho que se iniciava foi marcado pelaresistência dos professores em enfrentar o novo eem desafiar as suas “certezas”, disponibilidade detempo para os estudos e planejamento, aberturapara o acompanhamento em salas de aula e aquebra da acomodação do uso do livro didático,como a única leitura autorizada para o aluno.

Tudo isso envolvia novos instrumentos deação para a observação de práticas no contextode sala de aula, utilizando gravação de vídeos,reuniões para elaboração de planos de ensino erecursos didáticos, produção de projetos didáti-cos, atividades de classe e planos de aula, análisede documentos da prática como relatórios,vídeos, diários de classe e produções dos alunos.

A preocupação inicial de todos os envolvidosfoi com a 1ª série do Ensino Fundamental, a quala maioria dos alunos não chegava a terminar. Se-gundo os dados apresentados pela Secretaria, aevasão e a repetência apresentavam índices altosde 15% e 35%, respectivamente. A cultura do fra-casso escolar permanecia, porque, no entendi-mento do grupo de coordenadores, a formaçãocontinuada realizada até aquele momento nãoatendia às expectativas.

Segundo Weisz (2000), se o aluno aprende aler e escrever nos dois primeiros anos, ou é pro-movido, ou vai ficar retido ali, ano após ano, até

desistir da escola. Se mesmo sem aprender é pro-movido, vai engrossar o número dos que, cada vezmais, chegam à 4ª série precariamente alfabeti-zados, sem nenhuma competência para compre-ender textos mais complexos.

Como conseqüência, e citando ainda Weisz(op. cit.), classes inteiras de 4as séries vão iniciar osegmento da 5ª à 8ª, para fracassar diante da ne-cessidade de aprender por meio da leitura. Osprofessores, por sua vez, têm dificuldade para re-conhecer quando seus alunos aprenderam e seestão ou não em condições de serem aprovados.

A proposta da formação continuada dos pro-fessores municipais de Batalha contou com a as-sessoria de Telma Weisz e foi alicerçada tambémem seus estudos sobre a psicogênese da língua es-crita (1999), que destaca que há um processo deaquisição no qual a criança vai construindo hipó-teses, testando-as, destacando umas e reconstru-indo outras. Para ela, o modelo de ensino relacio-nado ao construtivismo chama-se “aprendizagempela resolução do problema” e pressupõe uma in-tervenção pedagógica de natureza própria.

Durante o processo de realização do diagnós-tico, foi observado que os professores tinham umaenorme dificuldade de verificar o que os alunosjá sabiam e o que eles não sabiam.

Ao analisarmos os dados, verificamos que, seconsiderarmos os alunos que produzem escritassilábico-alfabéticas e alfabéticas na 1ª série, no iní-cio do ano – 414 alunos, 32,44% dos alunos da 1ªsérie –, e que poderiam perfeitamente acompanharuma 2ª série, concluímos que eles ficaram retidosporque os professores não foram capazes de avaliá-los adequadamente e acabaram utilizando indica-dores como “letra bonita” ou “caderno bem feito”para decidir o destino escolar deles.

Notamos que, quando o professor trabalhacom esse tipo de indicador, até avanços na apren-dizagem acabam prejudicando o aluno. Por exem-plo, quando o aluno aprende a ler, é comum queele comece a “errar” na cópia, isto é, deixa de co-piar letra por letra e começa a ler e a escrever gran-des blocos de palavras, em geral unidades de sen-

2 Fundação Teotônio Vilela.

3 Os formadores fazem parte também do Projeto Axé, uma organização não-governamental em que os coordenadores de Batalhativeram oportunidade de conhecer os projetos nela desenvolvidos.

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AAAAAvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresPAINEL 9

tido, o que faz com que cometa “erros” de orto-grafia ou escreva palavras segmentadas. Isso queé, na realidade, indicador de progresso, acaba sen-do interpretado como regressão, pois o professornão percebe claramente a diferença entre copiare escrever.

Outro dado que merece nossa atenção, aindacomentando os dados, é a presença de 51 alunosnão-leitores (6,97%) na 2ª série. Esses alunos fo-ram promovidos porque eram bons copistas e issoparece ter impedido o professor de perceber quenão sabiam ler e escrever.

Para Ferreiro (1992: 48), esses professores sãoprodutos de más concepções de alfabetização,sendo necessário, na formação continuada, a in-clusão de se “realfabetizar” os professores eestimulá-los a descobrir, junto com seus alunos,o que não tiveram ocasião de descobrir quandoeles mesmos eram alunos.

Diante da realidade constatada, a formaçãocontinuada em Batalha priorizou o acompanha-mento pedagógico em sala de aula, reuniões deestudo e de planejamento. Essas ações sistemáti-cas que permitiram a reflexão conjunta sobre osdados observados, tanto por meio de gravação defita de vídeo como pelos registros dos própriosprofessores, possibilitaram, a partir de então, apedagogia de projetos. O professor, nesse proces-so metodológico, segundo Weisz (1999), é ummediador do processo de ensino-aprendizagem.O conhecimento não é concebido como uma có-pia do real, incorporado diretamente pelo sujei-to; pressupõe uma atividade de quem aprende,organiza e integra os novos conhecimentos aos jáexistentes. Para ela, isso vale tanto para o alunoquanto para o professor.

No final de 1999, os resultados apresentaramíndices animadores, como 12,7% em relação àrepetência e 18,2% no tocante à evasão; registran-do 63,7% de aprovação e apresentando uma dife-rença positiva de 6,2%, comparativamente aoexercício anterior. Tais indicadores alertaram-nospara o fato de que a opção pelo processo de for-mação continuada começa a chegar onde está onosso alvo central: a sala de aula.

A partir dos meados de 2000, iniciamos umtrabalho com os Parâmetros Curriculares Nacio-nais – PCN, por proposta do Ministério da Edu-cação – MEC, sendo Batalha o pólo aglutinador.

Os coordenadores pedagógicos, em face da expe-riência já acumulada, passaram a atuar como for-madores do formador, das cidades alagoanas deJaramataia, Belo Monte, Jacaré dos Homens,Monteirópolis, Major Isidoro e Olho D’água.

Assumimos o trabalho com os PCN, com aclareza de que podíamos ampliar a discussão,mas provocar nos participantes a necessidadede buscar outras alternativas de estudos. Eledeu um suporte sistematizando o processo deformação já existente. Um ponto positivo é quenos permitiu conhecer a realidade das cidadescircunvizinhas e estabelecer um processo detroca de experiências.

Os PCN passaram a ser vistos pelos professo-res como um programa que os sensibiliza para aimpotência da criação e realização de práticas quedão suporte para o desenvolvimento das compe-tências de alfabetizar, assegurando ao aluno o di-reito de aprender a ler e escrever com eficácia. Oprograma trouxe contribuições valiosas para oprofessorado da rede municipal, melhorando onível de ensino e aprendizagem, oferecendo sub-sídios significativos no processo de construção doconhecimento, possibilitando a participação doindivíduo como cidadão de uma sociedade emconstante transformação científica e tecnológica.

Atualmente, os professores têm um novoolhar para as crianças, proporcionando as mes-mas competências e habilidades necessárias paracompreender o aluno como sujeito portador decultura e identidade próprias.

Nesse contexto, avaliar a aprendizagem do alu-no mudou. O professor passou a usá-la para, qua-litativamente, produzir avanços significativoscomo meio para que os alunos consigam um maiorgrau de competências, conforme suas possibilida-des reais, de forma que essa ação avaliativa obser-ve simultaneamente os processos individuais egrupais, como enfatiza Zabala (1998). Referimo-nos também tanto aos processos de aprendizagemcomo aos de ensino, já que, a partir uma perspec-tiva profissional, o conhecimento de como os me-ninos e meninas aprendem é, em primeiro lugar,um meio para ajudá-los no seu crescimento e, emsegundo lugar, é um instrumento que nos permi-tiu melhorar a atuação do professor em sala deaula, criando, assim, condições para que o alunopossa exercer ações de aprender participando de

102

situações que favorecem o seu processo de cons-trução do saber (Weisz, 2000).

Além da responsabilidade assumida comopólo, o que dobrou as nossas tarefas, permanece-mos realizando a formação continuada dos pro-fessores da rede de ensino municipal de Batalhaque, no final do exercício, apresentou dadoscompensadores em relação ao esforço qualitati-vo, ou seja 86,4% de aprovação.

Uma proposta de trabalho tão inovadora eousada transforma o professor e sua prática pe-dagógica. O que na escola se chamaria anterior-

mente de materiais “supérfluos”, por só se adotaro livro didático como única alternativa de traba-lho, atualmente são instrumentos indispensáveisno aprendizado do aluno e do professor. Estamosnos referindo aos materiais pedagógicos utiliza-dos e, hoje, já incorporados à prática pedagógi-ca, como fitas de vídeo, fitas cassete, papéis, lá-pis, xérox, biblioteca com acervo tanto para o alu-no quanto para o professor, gravadores, televisão,vídeo, entre outros que fazem parte da metodo-logia utilizada na pedagogia de projetos implan-tada pelo município.

1ªsérie

2ªsérie

Assíduos

1.225100%

602100%

219100%

130100%

2.176100%

Aprovados

55545,3%

43271,8%

17278,5%

12696,9%

1.28559,1%

Reprovados

67054,7%

17028,2%

4721,5%

043,1%

89140,9%

Assíduos

902100%

650100%

456100%

202100%

2.210100%

Aprovados

68075,4%

58790,3%

42693,4%

19395,5%

1.88685,3%

Assíduos

902100%

650100%

456100%

202100%

2.210100%

Aprovados

76985,3%

58790,3%

42693,4%

19395,5%

1.97589,4%

Reprovados

13314,7%

639,7%

306,6%

094,5%

23510,6%

Estimativa em outubro de 1999 19991998

Reprovados

22224,6%

639,7%

306,6%

094,5%

32414,7%Total

4ªsérie

3ªsérie

Quadro comparativo do desempenho escolar dos alunos assíduos em 1998 e 1999

103

AAAAAvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresPAINEL 9

A partir da nova Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional e das Diretrizes Curricu-lares da Educação Básica formalizou-se, paraos gestores dos sistemas de ensino no Brasil, ogrande desafio de construir um paradigma dequalidade, segundo o qual a boa escola é a queconsegue lidar com as diferenças individuais,fazendo que o maior número possível de alu-nos desenvolva as competências e habilidadesbásicas para o exercício pleno da cidadania.

A construção desse novo paradigma de qua-lidade só será viável quando os professores daeducação básica, os principais atores dessa mu-dança, conseguirem incorporar à sua práticapedagógica as novas orientações curriculares.

A concretização dessas inovações curricu-lares demanda um professor com um perfil di-ferenciado, um profissional capaz de lidarcom as diferenças individuais e culturais deseus alunos, assegurando-lhes as aprendiza-gens necessárias ao exercício da cidadania eparticipando de forma criativa e eficaz na ges-tão pedagógica e administrativa da escola.

O Programa de Qualidade do Ensino, cujoponto de partida foi a institucionalização do Sis-tema de Avaliação Educacional de Pernambuco(Saepe), é uma das estratégias criadas pela Se-cretaria de Educação do Estado de Pernambucopara viabilizar essas mudanças.

Esse programa tem como um de seus prin-cipais objetivos oferecer a cada escola um di-agnóstico da aprendizagem escolar de seusalunos nas dimensões curriculares avaliadas,estimulando, por meio de um processo exter-no de avaliação, um amplo debate acerca daprática pedagógica da escola e dos resultadosde aprendizagem dos seus alunos.

A avaliação educacionale o desenvolvimentoprofissional dos docentes

Lucia Lins Browne Rego

Secretaria de Educação de Pernambuco

Um eixo fundamental dessa proposta foia elaboração das Matrizes Curriculares deReferência para o Estado de Pernambuco. Oobjetivo dessas matrizes não é elencar con-teúdos, mas sim descrever as competênciasbásicas esperadas para os alunos, em deter-minadas etapas da escolaridade. Esses docu-mentos foram elaborados por professores es-pecialistas da rede pública com a assessoriade professores especialistas das universida-des locais, tomando-se como referência asDiretrizes, os Parâmetros Curriculares Nacio-nais e os descritores do Saeb. Tais documen-tos, além de servirem de base para a elabo-ração dos itens nas avaliações do Saepe, fun-cionam também como um dos subsídios paraa elaboração das propostas pedagógicas dasescolas.

As Matrizes Curriculares de Referência, queservem de base à elaboração das provas aplica-das aos alunos nas avaliações do Saepe, descre-vem as expectativas de aprendizagem para as 2ª,4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e para a 3ªsérie do Ensino Médio, em áreas básicas do cur-rículo. O que se objetiva, em termos de expecta-tiva de aprendizagem, é diferenciar de formasubstancial o que tradicionalmente tem sidoconsiderado como prioritário em várias áreascurriculares. Nas duas últimas décadas do sécu-lo XX, por exemplo, muitos estudos demonstra-ram que o ensino da língua materna, focado namemorização de correspondências som–grafia ede regras de gramática, tem se mostrado poucoeficaz para formar usuários competentes de Lín-gua Portuguesa, isto é, pessoas que saibam se co-municar oralmente e por escrito de forma ade-quada e eficaz.

104

As práticas de leitura e escrita de textos so-cialmente relevantes e o ensino das estraté-gias de leitura e de produção textual, desde oinício da escolaridade, são parte essencialdessa formação. Em outras áreas do conheci-mento, como na matemática, as pesquisas naárea da psicologia cognitiva e da educaçãomatemática são contundentes. A memori-zação de fórmulas pelo treinamento exausti-vo não garante o conhecimento e o raciocí-nio matemático necessários aos alunos na re-solução de problemas.

Partindo-se de uma contextualização dosconhecimentos matemáticos é preciso que sepossibilite ao aluno desenvolver as competên-cias necessárias à resolução de novos proble-mas, à abstração e à formalização do conheci-mento, viabilizando as habilidades de estrutu-rar logicamente o pensamento, de generalizare de resolver problemas matemáticos.

No final de 2000, foi avaliada de formacensitária a aprendizagem escolar dos alunosde 2ª, 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e3ª série do Ensino Médio, nas áreas de LínguaPortuguesa e Matemática. Essa avaliação re-velou a distância entre o currículo real e o cur-rículo desejável. A competência leitora dosalunos e sua capacidade de raciocinar mate-maticamente são pouco trabalhadas nas nos-sas escolas, uma vez que, na maior parte de-las, o currículo efetivado em sala de aula ain-da permanece bastante conservador.

Os resultados das avaliações do Saepe fo-ram devolvidos para cada escola, sob a formade relatórios sintéticos e analíticos. No rela-tório analítico, os professores podiam obser-var os resultados obtidos pelos alunos emcada uma das competências avaliadas.

O significado desses resultados foi discu-tido pelo coletivo dos professores das escolasavaliadas e estes foram estimulados e apoia-dos para construir propostas de capacitaçãoem serviço, que tinham como foco central oredirecionamento do processo de ensino-

aprendizagem nas áreas curriculares avalia-das e uma articulação entre teoria e prática.

As Matrizes Curriculares de Referência eas Avaliações do Saepe funcionam, portanto,como mecanismos indutores de uma moder-nização dos currículos escolares, contribuin-do para viabilizar as reformas educacionaisque visam à construção do novo paradigmade qualidade para a educação básica.

A atual política de formação continuadade professores delineada para o Estado dePernambuco tem como locus privilegiadodessa formação a própria escola e as deman-das emanadas das necessidades de melhoriado processo de ensino-aprendizagem.

A distância entre os cursos oferecidos aosprofessores e a aprendizagem escolar dos alu-nos é apontada, em vários estudos, como umadas principais causas da ineficácia de muitosprogramas de capacitação de docentes. Paraque esses programas passem a ter um impactosobre o que acontece de fato na sala de aula, énecessário que eles tenham como tema os pro-blemas de aprendizagem apresentados pelosalunos e que permitam uma participação ati-va dos professores na construção e discussãode novas alternativas pedagógicas. Essa discus-são precisa ser iniciada na própria escola.

A Secretaria de Educação do Estado dePernambuco tem como eixo norteador de suapolítica de formação continuada a articulaçãoentre desenvolvimento profissional e apren-dizagem escolar. Como parte dessa políticaestá sendo desenvolvido um conjunto de me-didas que visam tornar a escola um local deconstrução do conhecimento, não só por par-te dos alunos, como também do seu corpodocente, tornando cada professor autor desua própria prática e gestor de sua formaçãoprofissional.

Espera-se, com a implantação dessa polí-tica de formação continuada, induzir mudan-ças na prática educativa, elevando a qualida-de do ensino nas escolas do Estado.

105

AAAAAvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresPAINEL 9

ResumoA Rede Municipal de Ensino de Campo

Grande (Reme), com 69.694 alunos matricu-

lados no ensino básico, possui 83 escolas,

sendo 75 urbanas e oito rurais; destas últi-

mas, quatro pólos com quinze extensões.

A Secretar ia Municipal de E ducação

(Semed) tem procurado estabelecer padrões

educacionais de desempenho que evidenci-

em o aprendizado dos alunos da Reme e, para

tanto, implantou o Sistema Municipal de Ava-

liação Educacional, com o objetivo de:

• verificar a eficácia do Sistema Municipal

de Ensino de Campo Grande;

• estabelecer uma cultura avaliativa na

Semed e nas escolas;

• verificar o desempenho dos alunos das

4as e 8as séries do Ensino Fundamental,

visando apontar para as escolas suas di-

ficuldades e seus ganhos, indicando-lhes

a q u e l e s c o n t e ú d o s q u e e x i g e m m a i s

atenção;

• identificar o perfil dos alunos matricula-

dos na Reme;

• verificar o desempenho dos profissionais

da educação e os serviços prestados pela

Semed.

Avaliação externade desempenho escolar –Rede Municipal de Ensinode Campo Grande/MS

Maria Nilene Badeja

SME – Campo Grande/MS

Assim, essa Secretaria vem desenvolven-

do a Avaliação Externa de Desempenho Esco-

lar, envolvendo as 4as e 8as séries do Ensino

Fundamental.

Os resultados das avaliações são utiliza-

dos pelos gestores do Sistema Municipal de

Ensino, pelas equipes técnicas da Semed e

equipes escolares. Em síntese, esses resulta-

dos evidenciam que:

• houve destaque na média por escola na

zona rural;

• o número de alunos em sala de aula não

inter feriu no desempenho escolar da

turma;

• os anexos, ou extensões, registraram de-

sempenho melhor do que o da escola-

sede, em excelente estado de conserva-

ção;

• a rotatividade de professores, em algumas

turmas, influenciou o resultado.

Os resultados possibil itaram à Semed

nortear as ações de capacitação, o acompa-

nhamento dos professores e a elaboração de

plano de trabalho com as escolas que apre-

sentaram piores desempenhos.

Em 2001, serão avaliadas as 4as e 7as séries,

sendo que o enfoque dado à 7ª série possibi-

litará um atendimento mais efetivo aos alu-

nos que apresentarem maiores dificuldades,

no próximo ano letivo, quando estarão na 8ªsérie.

No de escolas envolvidas No de alunos avaliados

População atendida com avaliação na Reme

4a série

80

83

8a série

70

4a série

6.016

6.607

8a série

5.521

Ano

1999

2000

106

Contexto da rede municipalde ensinoO município de Campo Grande localiza-se

na Região Centro-Oeste do Estado de MatoGrosso do Sul, e apresenta uma população de663.621 habitantes (Censo IBGE/2000).

Parte da população escolarizável de CampoGrande é atendida em 83 escolas municipais,sendo 76 na zona urbana e oito na zona rural;destas últimas, quatro possuem direção própriae quatro (com 13 extensões), direção centrali-zada na Secretaria Municipal de Educação.

A Rede Municipal de Ensino teve uma ex-pansão de 47,37% de 1996 a 2001 em relaçãoao número de alunos atendidos na Pré-Esco-la, Ensino Fundamental e Educação de Jovense Adultos, conforme se observa no quadroabaixo.

Quando da elaboração do PlanejamentoEstratégico da Secretaria Municipal de Educa-ção (Semed), constatou-se a necessidade de cri-ar, implantar e implementar o Sistema Munici-pal de Avaliação Educacional (Sima), visandoverificar a eficácia do ensino ministrado naReme.

Esse Sistema é composto de quatro progra-mas específicos:

1. Programa Municipal de Avaliação do Desem-penho dos Alunos da Rede Municipal de En-sino – Promover.

2. Programa Municipal de Avaliação do Desem-penho dos Profissionais da Educação – Proa.

3. Programa Municipal de Avaliação das Esco-las Municipais – Proame.

4. Programa Municipal de Avaliação dos Servi-ços Prestados pela Semed.

O presente documento relata a experiênciada Semed, com a implementação do ProgramaMunicipal de Avaliação do Desempenho dosAlunos da Rede Municipal de Ensino – Promo-ver, em seus três anos de existência.

Em todas as atividades humanas a avaliaçãoé um momento em que se reflete sobre os resul-tados obtidos no exercício de uma atividade, e,então, tomar medidas para corrigir os desvios ereduzir as causas dos problemas detectados, an-tecipando inclusive necessidades futuras.

Na educação, como em qualquer outra área,necessita-se, geralmente, de padrões de exce-lência. E, nesse sentido, o Programa Municipaltem como principais objetivos:

• verificar os níveis de aprendizagem que osalunos da Reme dominam, em relação àproposta curricular estabelecida pela Secre-taria Municipal de Educação em cada com-

ponente avaliado;

• criar uma cultura avaliativa nas unidadesescolares, bem como, nos diversos setoresda Secretaria Municipal de Educação;

• verificar o desempenho dos alunos das4ª e 7ª séries do Ensino Fundamental;

• identificar o perfil dos alunos matricula-dos na Reme.

O resultado do desempenho dos alu-nos tem fornecido ao Sistema Municipal deEnsino informações que subsidiem:

• a capacitação dos recursos humanos que atu-am nas escolas;

• as escolas, sobre o desempenho de seus pró-prios alunos, apontando suas dificuldades eseus ganhos, indicando-lhes aqueles conteú-dos que exigem mais atenção;

• possibilitar às unidades escolares, por meiode estudos sobre a avaliação, o aumento dopoder de análise e a superação de problemasfundamentados nos dados estatísticos, produ-tos da avaliação.

Produtos da avaliaçãoAté o momento, a Secretaria Municipal de

Educação realizou, por três anos consecuti-vos, a avaliação de rendimento escolar. Essa

2.176

4.983

5.815

167,23%

43.972

61.981

63.583

44,60%

1.142

4.533

150

47.290

71.497

69.694

47,37%

Pré-escola EnsinoFundamental EJA Total

de alunos

1996

2000

2001

Expansão (%)(1996/2001)

Ano

107

AAAAAvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresvaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professoresPAINEL 9

Secretaria desenvolveu uma parceria com oInep, que forneceu as questões, e a Universi-dade Federal de Mato Grosso do Sul, que apli-cou as provas nas escolas em um único dia,corrigiu e forneceu os resultados para a Se-cretaria e as escolas, com todas as informa-ções solicitadas.

O Programa teve início em novembro de1999, com a realização da primeira avaliaçãodos alunos das 4as séries do Ensino Fundamen-tal. Naquele momento, foram avaliados 6.016alunos das 97 escolas e extensões da Rede Mu-nicipal de Ensino, incluindo as zonas urbana erural, nos componentes curriculares de LínguaPortuguesa e Matemática.

A média de pontos exigida na Rede Munici-pal de Ensino é de 6,0 (seis). Nessas avaliações,74,67% dos alunos alcançaram média superiora 6,0 em Língua Portuguesa e 63,61% em Mate-mática.

Na avaliação de 1999 – 4ª série, as provasenvolveram as seguintes habilidades:

Língua Portuguesa• leitura e interpretação de textos;

• identificação das intenções do enunciador;

• comparação e sistematização de informações;

• reconhecimento dos elementos morfossintá-ticos e semânticos;

• apoio em seus conhecimentos prévios sobregêneros poéticos, instrucionais de divulgaçãocientífica e publicitária;

• conhecimento prévio do universo temático erecursos gráficos.

Matemática• resolução de situações-problema envol-

vendo contagem e sistema de numeraçãodecimal;

• significado de operações aritméticas,grandezas e medidas, com capacidade deinvestigação e de criação de estratégias decálculo;

• localização espacial de objetos e pessoas;

• reconhecimento de formas geométricas;

• interpretação de gráficos e tabelas.

A análise dos resultadosOs resultados foram analisados, e permiti-

ram à Secretaria Municipal de Educaçãonortear as ações de capacitação e de acompa-nhamento das escolas e professores, cujas tur-mas apresentaram resultados insatisfatórios,bem como, efetuar o cruzamento do resultadoda avaliação com o resultado final de ano decada unidade escolar.

Esses resultados permitiram também que asunidades escolares efetuassem, junto ao seu qua-dro de professores e especialistas em educação(superiores, escolares e orientadores), uma re-flexão sobre o trabalho desenvolvido na escola,junto ao educando. Permitiram, ainda, que fos-se elaborado um plano de ação a ser desenvolvi-do com alunos que apresentaram baixo desem-penho e foram promovidos para a 5ª série, semdominarem as habilidades mínimas exigidas.

Efetuou-se também a aplicação de questio-nários socioeconômicos, que permitiram àSemed obter informações mais próximas à rea-lidade do aluno, tais como: idade, sexo, grau deinstrução do pai e da mãe, deslocamento, for-ma de estudar, com quem reside, tempo de per-manência na série etc.

Três fatores chamaram a atenção nessasavaliações:

• a quantidade de alunos por sala não influen-ciou no desempenho da turma, pois as esco-las que apresentaram melhor desempenho ti-nham em média quarenta alunos por turma;

• o desempenho das escolas rurais foi superiorao das escolas urbanas;

• os anexos, ou extensões, registraram desem-penho muitas vezes melhor do que o da esco-la sede, em excelente estado de conservação.

Em 2000, as avaliações foram realizadas comos alunos das 4as e 8as séries de toda a rede mu-nicipal (zona urbana e zona rural), nos compo-nentes curriculares de Língua Portuguesa eMatemática. A avaliação da 8ª série foi realiza-da em abril, com conteúdos da 7ª série. Foramavaliados 5.521 alunos de 70 escolas.

Os resultados dessas avaliações revelaramque os alunos da 8ª série, de um modo geral,em matemática, apresentam dificuldades emquestões que:

108

• tinham conteúdos que não relacionavam situ-ações práticas com sua aplicabilidade diária;

• envolviam soluções de problemas;

• relacionavam os conteúdos abordados comsituações-problema;

• exigiam conhecimentos aritméticos, desdeque não envolvessem frações;

• exigiam leitura e interpretação de tabelas egráficos.

Em Língua Portuguesa, de um modo geral,apresentaram dificuldades nas questões queexigiam:

• capacidade de interpretação e reconhecimen-to das intenções do enunciador (figura de pen-samento);

• identificação de esquema temporal básico(presente e passado);

• reconhecimento dos níveis de registros (for-mal e informal);

• capacidade para comparar opiniões de doistextos sobre o mesmo tema.

Esses alunos apresentaram facilidades nasquestões que exigiam linguagem oral mais fre-qüente, valores e atitudes da prática de lin-guagem.

A avaliação da 4ª série ocorreu no mês de no-vembro de 2000, e foram avaliados 6.607 alunosde 94 escolas. Tanto na avaliação da 4ª série quan-to na da 8ª série, observou-se mais uma vez queas escolas da zona rural obtiveram um desempe-nho superior a muitas escolas da zona urbana.

Com a avaliação da 4ª série, a SecretariaMunicipal de Educação pôde estabelecer umgrau de comparação entre as avaliações reali-zadas em 1999 e 2000, além de verificar aperformance das escolas em relação ao desem-penho dos alunos no ano anterior; analisar, pos-

teriormente, com as unidades escolares os da-dos obtidos; buscar alternativas para a melho-ria da qualidade do ensino da Reme.

Várias medidas estão sendo tomadas pelaSemed no sentido de minimizar as distorçõesapresentadas pelos alunos, tais como: visitas àsescolas com menor desempenho para análisedos resultados da escola, junto à direção esco-lar, à equipe pedagógica e aos professores.

As avaliações realizadas até então evidenci-aram a importância da avaliação educacionalenquanto instrumento orientador para as to-madas de decisões, que visassem à melhoria daqualidade do ensino oferecido pelas escolas, ea busca de eficiência e eficácia dos serviços quea Secretaria Municipal de Educação presta àsUnidades Escolares.

A continuação desse processo resultará naverificação da qualidade de cada instituiçãoeducacional, auxiliando-as também a estabele-cer fatores explicativos para as diferentes situ-ações encontradas nos dados obtidos, por meiodos cruzamentos realizados entre a média ob-tida pela escola/aluno versus questionáriossocioeconômicos aplicados a alunos, pais, pro-fessores e direção escolar.

No exercício de 2001, no final do 2º semes-tre, a avaliação acontecerá nas 4as e 7as séries noscomponentes curriculares de Matemática, Co-nhecimentos Gerais (Geografia, História e Ci-ências) e Língua Portuguesa, incluindo-se aprodução de textos.

Optamos por avaliar alunos das 7as séries, enão mais das 8as, pois, sabendo, após a avalia-ção das habilidades, que os alunos apresentammais dificuldades, a escola poderá recuperá-loscom atendimentos pedagógicos diferenciadosna 8ª, preparando-os melhor para ingresso noEnsino Médio.

109

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1010101010

ESCOLAS MULTISSERIADASFernando Ferreira Pizza

Francisca das Chagas Souza

110

Classes multisseriadasHistoricamente, as classes multisseriadas

são consideradas como ensino de segunda ca-tegoria e, o que é pior, sem alternativa de me-lhoria. Partindo desse ponto de vista, muitoseducadores e gestores optaram por esquecê-las,esperando que desaparecessem, talvez comoconseqüência natural de um processo de de-senvolvimento econômico que deslocou paraas cidades, nas últimas décadas, enorme con-tingente da população rural.

Escola AtivaFernando Ferreira Pizza

Escola Ativa – MEC

Consideradas um mal sem remédio, tentou-se a alternativa de nucleação – que consiste noagrupamento das pequenas escolas unidocen-tes e multisseriadas em uma escola de maiorporte –, tendo como conseqüência natural anecessidade de deslocamento dos alunos. Essaalternativa tem se mostrado teoricamente po-sitiva, mas de operacionalização difícil e queimplica altos custos.

As classes multisseriadas estão muito pre-sentes na realidade da educação brasileira, con-forme alguns dados do Censo Escolar 2000.

Número de estabelecimentosde 1a a 4a série, por localização

(Brasil – 2000)

ENSINO FUNDAMENTAL

Matrícula de 1a a 4a série,por localização

(Brasil – 2000)

Número de estabelecimentospor tamanho(Brasil – 1999)

Rural5.314.853

26%

Urbana14.896.653

74%

Urbana31.861

24%

Rural100.897

76%

Estabelecimentos com 1 sala69.475

32%

Estabelecimentoscom mais de 1 sala

147.937

68%

Fonte: Inep/MEC – Censo Escolar 2000

111

Escolas multisseriadasPAINEL 10

92.062

18.372

2.013

1.215

3.347

407

9.530

228

1.632

51.212

8.979

5.107

5.461

1.790

4.092

5.928

1.848

1.054

16.953

11.089

6.341

2.014

1.290

1.444

8.292

2.163

2.071

4.058

3.097

112

1.425

1.493

67

3

3

2

1

5.379

1.520

23

502

4

362

392

134

103

828

86

70

5

236

332

5

40

39

15

2.082

392

738

230

722

853

18

151

684

96

1

5

23

67

86.559

16.849

1.990

713

3.342

45

9.137

93

1.529

50.291

8.885

5.036

5.450

1.553

3.756

5.881

1.790

1.015

16.925

8.992

5.944

1.274

1.054

720

7.428

2.143

1.917

3.368

2.999

111

1.420

1.468

121

3

1

1

1

90

8

1

6

1

4

40

18

12

15

5

2

6

2

11

2

3

6

2

2

TotalFederal Estadual Municipal Particular

Unidadeda Federação

Dependência administrativa

Número de escolas rurais com turmas multisseriadas (Brasil – 2000)

Fonte: Inep/MEC – Seec

BRASIL

NORTE

Rondônia

Acre

Amazonas

Roraima

Pará

Amapá

Tocantins

NORDESTE

Maranhão

Piauí

Ceará

Rio Grande do Norte

Paraíba

Pernambuco

Alagoas

Sergipe

Bahia

SUDESTE

Minas Gerais

Espírito Santo

Rio de Janeiro

São Paulo

SUL

Paraná

Santa Catarina

Rio Grande do Sul

CENTRO-OESTE

Mato Grosso do Sul

Mato Grosso

Goiás

Distrito Federal

112

Alternativas paraa qualidadeHá o desafio de se pensar em alternativas

que conferem qualidade às classes multisseria-das, tornando o ensino nelas desenvolvido, deigual ou melhor qualidade do que o das classesseriadas – desafio pretensioso, mas possível.

Em 1998, o MEC – Projeto Nordeste iniciou,em parceria com estados e municípios do Nor-deste, a implantação da proposta pedagógicaEscola Ativa. Posteriormente, com o ProgramaFundescola, a experiência se ampliou para osdez estados das Regiões Norte e Centro-Oes-te. Atualmente, está sendo implantada em 19estados, 264 municípios e 2.084 escolas, alémdaquelas escolas nas quais os municípios es-tão implantando a Escola Ativa por iniciativaprópria e com recursos próprios.

A Escola AtivaA Escola Ativa é uma proposta metodológica

voltada para classes multisseriadas, que combi-na, na sala de aula, uma série de elementos e deinstrumentos de caráter pedagógico-administra-tivo, e cuja implementação objetiva aumentar aqualidade do ensino oferecido naquelas classes.

As concepções que fundamentam a EscolaAtiva são baseadas na compreensão de que,para se obter mudanças no ensino tradicional,para melhorar a prática dos docentes e, con-seqüentemente, a aprendizagem dos alunosnessas classes, deve-se levar em conta:

• a aprendizagem ativa e centrada no aluno;• a aprendizagem cooperativa;• a avaliação contínua e no processo;• a recuperação paralela;• a promoção flexível.Partindo dessas concepções, a proposta Es-

cola Ativa é estruturada para levar em contaestratégias vivenciais que objetivam a apren-dizagem, a participação, estimulando hábitosde colaboração, companheirismo, solidarieda-de, participação dos alunos na gestão da esco-la e melhoria da atuação dos professores emsala. Essas estratégias são chamadas de ele-mentos, que são:

Guias de aprendizagem. Livros didáticos es-

pecíficos para utilização na Escola Ativa, ela-borados de forma modular e auto-instrucio-nal, permitindo a cada aluno caminhar no seupróprio ritmo.

Trabalho em grupo. Alunos organizados empequenos grupos, trabalhando em conjun-to ou com o professor, de maneira autôno-ma, assumindo a responsabilidade por suaaprendizagem, pesquisando e buscando in-formações em outros materiais instrucio-nais e na vida real, orientados pelo profes-sor, pelos colegas e pelos guias de aprendi-zagem.

Cantinhos de aprendizagem. Espaços mon-tados por alunos, professores e comunidade,com pequeno acervo de livros, algumas plan-tas e poucos objetos ou animais, relaciona-dos a cada área do conhecimento: Língua Por-tuguesa, Ciências, Matemática, História e Ge-ografia, disponíveis na sala de aula.

Governo estudantil. Constituído pelo proces-so eletivo, que inclui o voto, viabiliza e legiti-ma a participação ativa e democrática dosalunos na gestão da escola, quer na parte ad-ministrativa, quer na pedagógica.

Participação da comunidade. Estimula epromove a inserção e a atuação da comuni-dade na escola e vice-versa.

Capacitação de professores. Promove melho-ria na prática pedagógica do professor, desen-volvendo seus conhecimentos em oficinas decapacitação, em microcentros e por meio dasupervisão pedagógica sistemática. O objeti-vo é promover a mudança de foco na trans-missão de informações para a compreensãoe a valorização da construção do conheci-mento, assumindo, assim, uma nova funçãoem sala: orientadora e facilitadora da apren-dizagem dos alunos.

Embora ainda em fase de consolidação,onde a Escola Ativa foi implantada com res-ponsabilidade e compromisso, são observadosresultados altamente positivos:

• elevação substancial do percentual de pro-moção;

• diminuição significativa da evasão;

• aperfeiçoamento da prática pedagógica dosprofessores;

• maior atuação e participação da comunida-

113

Escolas multisseriadasPAINEL 10

de na gestão da escola.

A principal condição para o sucesso da Es-cola Ativa é o envolvimento e o comprometimen-to em todos os níveis – Secretarias de Educação,

professores, alunos e pais – para que, num esfor-ço conjunto, dêem sustentabilidade à proposta.

A qualidade nas escolas multisseriadas é possí-vel. Existem caminhos. A Escola Ativa é um deles.

ResumoO presente painel tem como objetivo apresen-

tar, de maneira sintética, a trajetória do ensino ofe-

recido no meio rural, ou para os povos da floresta

no estado do Acre.

Iniciamos com um breve histórico, caracteri-

zando a população residente na floresta, eviden-

ciando os números educacionais no meio rural e

a atual política educacional estadual, e concluímos

com a apresentação das ações planejadas e desen-

volvidas pelo governo em exercício.

HistóricoO Acre é o estado mais ocidental do Brasil.

Situado no extremo sudoeste da Amazônia bra-sileira, faz fronteira internacional com o Perue a Bolívia, e nacional, com os estados deRondônia e do Amazonas.

Possui superfície territorial de 153.149,9 km2.Sua vegetação natural compõe-se basicamentede dois tipos de florestas: tropical densa e tro-pical aberta. Tem clima equatorial quente eúmido. A hidrografia, complexa, é formada pe-las bacias do rio Juruá e do rio Purus, afluentesdo rio Solimões. A população do Estado soma557.337 habitantes, sendo 280.647 homens e276.690 mulheres. Na capital, Rio Branco, háuma população de 252.800 pessoas. Do total dehabitantes, 369.796 moram em áreas urbanas e,

Escola na floresta:educação rural no Acre

Francisca das Chagas S. da Silva

Escola da Floresta – SEE/AC

187.541, na zona rural. A População Economica-mente Ativa conta com 178.123 pessoas.

No meio rural, a população constitui-se de se-ringueiros, agricultores e índios (cerca de 10 mil),que vivem do extrativismo da castanha, do látexpara a borracha e de outros produtos florestais.

Sabe-se que a Região Amazônica é vistamundialmente como “o pulmão do planeta”, emuito se tem escrito sobre ela: a questãofundiária, a floresta e suas riquezas, a pecuária,a biodiversidade, grileiros, posseiros, capitalis-tas, madeireiros e índios, as reservas indígenas,enfim, todo um universo econômico, social edemográfico que configura a Amazônia. Entre-tanto, pouco se tem falado sobre aquele que seconstitui no fiel escudeiro da Amazônia – o se-ringueiro –, não por acaso denominado de “sol-dado da borracha”.

A história nos conta que, no início do sécu-lo passado, o Acre era uma enorme frente debatalha e de trabalho. A população era consti-tuída de um grande exército de homens, e qua-se não havia famílias. Os seringueiros, em suamaioria oriundos dos sertões nordestinos, vi-viam isolados, meses a fio, no meio da floresta.Estavam proibidos de plantar, para que pudes-sem dedicar todo o seu tempo à extração dolátex para a fabricação da borracha.

Comprado pela indústria da Europa, era o“ouro negro”, que atraía milhares de brasileirosdo Nordeste para os afluentes do Amazonas.Subindo o rio Purus, eles entravam em territó-

114

rio boliviano e viviam um conflito econômico,diplomático e militar que só terminou em 1903,com a anexação da região ao Brasil.

No curso desse processo, instalou-se umtipo de exploração econômica, que teve porbase a ocupação de grandes áreas de terra e,como unidade de produção, o seringal. E foi noseringal que se instalou o perverso sistema deexploração e dependência, engendrado pelo sis-tema de aviamento, baseado na exploração dotrabalho semicompulsório e condicionado pelocrescente endividamento do trabalhador e seuisolamento na floresta. Assim, a educação dotrabalhador seringueiro nasceu das ações degrupos sociais organizados, juntamente comsindicatos e partidos, apoiados pelo Movimen-to Pastoral da Igreja Católica, com o objetivo deconscientizar o trabalhador para que se contra-pusesse à exploração. A Igreja apoiava movi-mentos de reação em defesa dos interesses dasclasses oprimidas. Entre eles, os movimentos deeducação popular.

A partir das organizações sindicais dos serin-gueiros, por volta de 1981, e diante das dificulda-des ainda encontradas por esses trabalhadorespara negociar livremente sua própria produção,nasceu o Projeto Seringueiro. Como alternativa,foi também criada a primeira cooperativa agro-extrativista, a partir da qual surgiu a primeira ex-periência de educação popular nos seringais – aprincípio, destinada especificamente a adultos –,com vistas a promover a alfabetização do traba-lhador seringueiro e, assim, capacitá-lo a geren-ciar sua própria produção e buscar alternativaspara a melhoria de sua qualidade de vida.

Iniciado em 1981, o Projeto Seringueiro –uma experiência pioneira no campo de asses-soria ao movimento popular e sindical – incor-porava escolas e cooperativas. A cooperativapossibilitava aos seringueiros serem seus pró-prios intermediários, ou seja, em vez de leva-rem o látex para o barracão do seringal ou ven-derem-no para um marreteiro, os seringueirospassaram a levá-lo ao armazém da cooperati-va. Lá, o látex poderia ser trocado por manti-mentos oferecidos a preços justos, e nãoinflacionados, como os do sistema antigo.Quando ocorria de o produto ser vendido noatacado, parte dos lucros retornava aos coope-

radores, sendo distribuídos entre eles, de acor-do com sua produtividade.

Para que uma cooperativa assim organiza-da pudesse ser viável a longo prazo, eventual-mente teria ela de ser administrada por serin-gueiros, sem a ajuda de conselheiros. Para tan-to, era-lhes imprescindível adquirir o domínioda lecto-escrita e da matemática, necessidadeque acabou por gerar a decisão de elaborar umprojeto de alfabetização, o Projeto Seringueiro,implantado em vários pontos da floresta, e quese baseava nas propostas de Paulo Freire.

Durante todo o período que antecedeu aorganização dos trabalhadores – seringueiros erurais em sindicatos e cooperativas – as experi-ências de acesso à educação de que se tem re-gistro foram informais e personalizadas.

A partir das pressões sociais, os governosestaduais e municipais começaram a dar res-postas às populações, de maneira aleatória, aprincípio, sem critério, ou sem nenhuma polí-tica sistematizada. A construção das escolasobedecia a critérios baseados no clientelismoou no favoritismo. Assim, o número de EscolasRurais no Estado do Acre, em menos de duasdécadas, cresceu de maneira desordenada e as-sustadora, gerando um grande descompassoentre a quantidade e a qualidade.

A partir de 1999, com o objetivo de garantira excelência na educação básica, utilizandocomo estratégia o combate ao fracasso escolar,o atual governo do estado traçou como políticapara o meio rural e florestal a organização darede de ensino, a partir da localização geográfi-ca de cada uma das escolas, utilizando o GPSpara a correta localização das escolas, algumasno território amazonense e boliviano.

Posteriormente, foi possível definir todas asações na área rural, como o Programa de Forma-ção para professores (nível médio e superior), oPrograma de Formação Continuada, específicopara salas multisseriadas, os Programas de Cons-trução/Adequação de Prédios Escolares etc.

Os desafios e os númerosNo surgimento das duas primeiras escolas na

floresta, o número de alunos atendidos não ultra-passava 50 (em sua maioria, adultos). Hoje, a oferta

115

Escolas multisseriadasPAINEL 10

chega a 24 mil, somente no Ensino Fundamental.Atualmente, de acordo com a Coordenado-

ria de Estatística Educacional da Secretaria deEstado de Educação do Acre – Censo 2001, ototal de estabelecimentos da Rede EstadualRural é de 584 escolas. A matrícula total é de31.093 alunos em toda a rede, distribuída destaforma, por nível de ensino:

• Pré-Escolar: 1.158 alunos

• Ensino Fundamental: 24.030 alunos

– 1ª a 4ª séries: 19.357 alunos

– 5ª a 8ª séries: 4.673 alunos

• Ensino Médio: 751 alunos

• Ensino Supletivo: 5.154 alunos

Para o corpo docente da Rede Estadual, con-tamos com o total de 1.628 professores, distribu-ídos da forma que se segue, por nível de ensino:

• Educação Infantil: 65 professores

– 1ª a 4ª séries: 978 professores

– 5ª a 8ª séries: 322 professores

• Ensino Médio: 35 professores

• Ensino Supletivo: 228 professores

Dos 1.628 professores em exercício nas esco-las rurais, ou em área de floresta, 1.057 partici-pam do curso de formação inicial – Proformação,buscando assegurar a formação mínima exigidapor lei para o exercício do Magistério. Uma pe-quena parcela – aproximadamente 90 professo-res – detém formação em nível superior, estandoos demais situados no quadro de formação emnível médio, ainda que a grande maioria exerçasuas atividades pedagógicas nas turmas de 5a a 8a

séries do Ensino Fundamental.O desafio de garantir a formação aos pro-

fessores que se propõem a entrar na floresta ounos Projetos de Assentamento rurais é tão gran-de quanto a tentativa de universalizar o ensinopara as populações tradicionais, localizadas emáreas muitas vezes inacessíveis, em razão de suadispersão geográfica, característica da região.

Fazer educação com qualidade é associá-lafundamentalmente à formação daqueles queparticipam diretamente da construção do pro-cesso educativo. Assim, além de assegurar a to-dos os professores leigos das escolas rurais o cur-so Proformação, buscou-se oferecer aos demais,

que já detinham formação básica, o Programade Formação Continuada – Parâmetros em Ação,proporcionando ainda aos que desenvolvem ati-vidades pedagógicas em escolas de fácil acesso(próximo aos centros urbanos) o acesso à uni-versidade, como conseqüência de uma parceriafirmada entre o governo do estado e a Universi-dade Federal do Acre. O objetivo disso consisteem garantir curso superior a todos os professo-res do quadro efetivo da Secretaria de Educação,que carecem dessa formação.

O Programa Escola Ativa/Fundescola, comoestratégia de ensino para as salas multisseriadas,foi implantado em parceria com o Fundescolaem 128 escolas rurais e, posteriormente, em par-ceria com Estado e municípios, em mais 122,com o objetivo de melhorar a qualidade do en-sino de 1ª a 4ª série nas escolas rurais e, conse-qüentemente, elevar o rendimento dos alunos.

Porém, não basta apenas somar esforçosgarantindo formação aos professores e buscan-do novas formas de ensinar e aprender. Por essarazão, investir na melhoria das condições físi-cas das escolas rurais, proporcionando melhorambiente de aprendizagem, tem sido uma dasmetas perseguidas por nossa administração. Éuma conseqüência da primeira ação executadano início de 1999 – atividade inédita na educa-ção rural no Acre –, o Censo para a localizaçãodas escolas rurais de todo o estado – 1999, quedetectou, por intermédio da localização via GPSe diagnóstico in loco, a realidade das EscolasRurais, desencadeando o projeto que visa cons-truir, reformar e/ou ampliar 259 escolas ruraisem todo o estado, até dezembro de 2002.

Seguindo o curso natural da administraçãopopular, que o atual governo vem desenvolven-do, a educação rural passou pelas fases de loca-lização e mapeamento, diagnóstico físico e hu-mano e redirecionamento das ações pedagógi-cas, estando presente em todas as ações da Se-cretaria de Estado de Educação, como uma dasmetas prioritárias para a melhoria do ensino nazona rural do estado, beneficiando diretamen-te as populações tradicionais.

Além do esforço conjunto da equipe coor-denadora do Ensino Rural, o corpo de gestoresdas escolas, os professores e alunos têm se iden-tificado com o programa pensado pela Secreta-

116

ria de Educação, de modo que não se poderiater chegado aos resultados atuais sem a sua par-ticipação efetiva.

As conclusões óbvias diante do salto quantita-tivo podem ser equiparadas à qualidade que o atualgoverno vem implantando nas escolas rurais.

As parcerias que vimos mantendo com ór-gãos federais, municipais e, sobretudo, com acomunidade, a partir das Associações de Produ-tores, demonstram a sinergia de propósitos eações práticas, que só podem ter como resulta-do a melhoria da escolarização e da educação noestado, e no caso em questão, na zona rural.

BibliografiaGOVERNO DO ESTADO DO ACRE. Planejamento Estraté-

gico da Secretaria de Estado de Educação: 1999 – 2002.

Rio Branco, 1999.

. Programa Estadual de Zoneamento Ecoló-

gico-Econômico. Rio Branco: Sectma, 2000. v. 1.

. Censo 2001. Rio Branco: Coordenadoria de

Estatística Educacional da Secretaria de Estado de

Educação do Acre.

SILVA, Francisca das Chagas Souza da. Uma escola na

floresta: o lugar da tecnologia educacional na proposta

pedagógica do CTA. João Pessoa, 1998. Dissertação

de mestrado.

Número de escolas estaduais por município(Censo 2001)

Acrelândia

Assis Brasil

Brasiléia

Bujari

Capixaba

Cruzeiro do Sul

Epitaciolândia

Feijó

Jordão

Mâncio Lima

Manoel Urbano

Marechal Taumaturgo

Plácido de Castro

Porto Acre

Porto Walter

Rio Branco

Rodrigues Alves

Santa Rosa do Purus

Sena Madureira

Senador Guiomard

Tarauacá

Xapuri

Total geral

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20

21

22

3

18

30

19

42

3

41

7

18

3

6

42

23

7

109

13

10

87

35

30

38

584

2

2

6

1

1

31

3

7

1

8

3

1

3

1

1

79

2

8

5

8

5

178

5

20

36

20

1

73

6

48

8

26

6

7

45

24

8

188

15

10

95

40

38

43

762

Número de escolas estaduais

TotalUrbanasRuraisMunicípioNo

800

700

600

500

400

300

200

100

0

me

ro d

e e

sco

las

est

ad

ua

is

584

178

762

Total

Escolas urbanas

Escolas rurais

Total de escolas estaduais – por zona

117

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1111111111

ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃOINICIAL E CONTINUADA –EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Emanuela Oliveira Carvalho Dourado

Ana Socorro Braga

Stela C. Bertholo Piconez

Leôncio José Gomes Soares e Daniela de Carvalho Lemos

118

A idéia de formação continuada é nova paraa maioria dos professores. A experiência, pou-ca ou nenhuma, que têm com relação à práticade formação, após a inicial, se restringe a even-tos pontuais, geralmente no início ou no finaldo ano ou do semestre letivos.

Esses eventos são, quase na totalidade, cur-sos, seminários, oficinas, que ora priorizam odiscurso teórico, ora são exclusivamente prá-ticos. A produção é geralmente desvinculadados fundamentos teóricos que a embasam, oque ocasiona o desatrelamento entre a teoriae a prática.

O Programa Parâmetros em Ação temcomo pressuposto teórico os conceitos deensino e aprendizagem explicitados nosParâmetros, na Proposta e nos ReferenciaisCurriculares (MEC, 1998-1999), que definemhomologamente, para alunos e professores, ascondições que permitem a construção de co-nhecimentos ou processos contínuos deaprendizagens significativas no interior dasescolas (PCN em Ação, MEC, 2000).

Grande parte do sucesso, da crença e doempenho dos professores nesse programa atri-buímos à possibilidade de preencher uma lacu-na provocada pela ansiedade e pela solidão nodesenvolvimento das atividades pedagógicas.

Encontra-se nele a possibilidade de dividiras angústias, receber apoio, pensar coletiva-mente, trocar experiências. Mesmo sem nuncater pensado sobre essa questão, os participan-tes fazem questão de explicitar que era isso queestava faltando.

É emocionante ver o brilho nos olhos e aalegria, quando o programa vai sendo apresen-

A articulação entre formaçãoinicial e continuada

Emanuela Oliveira Carvalho Dourado*

SME – Irecê/BA

tado aos coordenadores de grupo por ocasiãoda primeira fase, ou aos professores que parti-ciparão dos grupos de estudo (o que chama-mos momento de segunda fase).

O medo da responsabilidade vai se trans-formando, pouco a pouco, na vontade de mu-dar o contexto atual com as possibilidades queo programa traz, por meio da organização degrupos de estudo regulares e permanentes.

À medida que as atividades são desenvol-vidas, vai se concretizando a idéia de que épossível fazer diferente a formação dos profes-sores. As estratégias metodológicas utilizadaspreconizam uma nova concepção, baseada nascondições que possibilitam aprendizagens sig-nificativas a partir da construção de conheci-mentos de forma sistematizada e sucessiva.

As contribuições que os participantes tra-zem com suas experiências pessoais possibi-litam o debate e a reflexão, na medida em quesão confrontadas ou relacionadas às concep-ções contidas nos documentos oficiais cur-riculares.

É comum encontrarmos práticas condizen-tes com os referenciais teóricos que os Parâ-metros, a Proposta e os Referenciais Curricu-lares trazem, na sua maioria por intuição dosprofessores. Reconhecê-las à luz dos referen-ciais teóricos é uma experiência emocionantepara o professor e para quem está mediando aaprendizagem, como também é freqüente oreconhecimento, ou não, pelo professor deuma prática não-favorável à aprendizagem dosalunos, nos momentos de observação–avalia-ção–reflexão em parceria, na tematização daprática.

* Coordenadora-geral dos Parâmetros em Ação, Pólo Irecê, e formadora eventual da Rede Nacional de Formadores/BA.

119

Articulação entre formação inicial e continuada – EJAPAINEL 11

A organização dos encontros de formacompartilhada, que possibilita apresentar oplanejamento e reajustá-lo ou elaborá-lo apartir das sugestões e das necessidades dogrupo, favorece o bom desempenho e a fun-cionalidade das atividades desenvolvidas. Apromoção da metacognição e do bom uso dotempo disponível, além de ser uma excelenteestratégia metodológica de formação, torna-se um bom modelo a ser seguido, gerandotransposições didáticas na atuação dos pro-fessores em sala de aula.

Nos momentos de avaliação, os professorese os coordenadores têm dado ênfase à possibi-lidade de monitorar as aprendizagens no cum-primento dos objetivos dos encontros, promo-vendo a reflexão sobre a necessidade de termosclaro o que pretendemos e quais os caminhosa seguir. Isso favorece a compreensão sobre afuncionalidade do planejamento, até então vis-to como obrigação burocrática por grande partedos participantes. Um dos aspectos mais posi-tivos e significativos do estudo compartilhadona formação continuada é esse exercício paraa autonomia.

A avaliação também é compreendida comoessencial, porém em um caráter novo para amaioria. Os professores passam a entendê-la, defato, como processual, em que tanto ensino quan-to aprendizagem devem ser levados em conside-ração, bem como as situações em que esses pro-cessos ocorrerem e seus condicionantes.

Nesse novo modelo, o professor assume umlugar diferente, passando da posição de deten-tor do saber e do poder na sala de aula para ode guia e mediador de aprendizagens e toma-das de decisões.

O coordenador de grupo, como formadordo professor, tem a grande missão de assumire difundir esse novo modelo. Falar das experi-ências pessoais como aluno, professor e forma-dor, relatando passagens de sua história, de er-ros e acertos, tem sido uma excelente estraté-gia metodológica para atingir esse objetivo. Taldemonstração tem contribuído muito para aaproximação do grupo, para que os participan-tes não tenham medo de errar, de expor e deassumir os não-saberes. Compreender que secolocar como aprendiz é o caminho para o cres-

cimento pessoal e profissional tem sido o gran-de segredo do sucesso dos grupos de estudo.

Embora planejada e intencional, essa atitu-de torna-se pouco a pouco internalizada. O gru-po é unânime em ressaltar esse aspecto comomuito positivo e determinante no envolvimen-to da maioria dos participantes.

As reações dos participantes dos grupos deestudos estão intimamente relacionadas àsações que planejamos e desenvolvemos, embo-ra seja comum nos grupos de estudo, por me-lhor que elaboremos os planejamentos, mo-mentos que trazem um certo cansaço para osparticipantes. Destaco este exemplo:

Quando sintetizávamos as discussões acerca das

análises propostas no módulo Memórias e Con-

cepções de Ensino e Aprendizagem, que trazem

as contribuições de Paulo Freire e Emília Ferrei-

ro, senti um certo cansaço no grupo. Atribuo

essa reação por ter desrespeitado o princípio de

agir na zona de desenvolvimento proximal do

sujeito aprendiz (no caso, os professores). Eles

não tinham conhecimentos prévios para aquela

discussão que eu estava propondo. Por algum

tempo, debati apenas com duas coordenadoras.

Fui sensibilizada somente quando uma profes-

sora sugeriu que eu fizesse uma “dinâmica”, se-

não eles iriam dormir… (Dourado, 2001: 6).

Por acreditar nas concepções trazidas peloprograma, não perco a oportunidade de fazerum paralelo entre elas e as de outros programasde formação ao longo da história, procurandoidentificar com eles qual o motivo de aquelemomento estar desinteressante.

A ocorrência desses episódios não é pro-posital, pois ainda temos resquícios dos mo-delos de ensino que vivenciamos ao longo daescolaridade e, depois, como profissionais.Distanciarmo-nos deles e agirmos de acordocom os princípios nos quais acreditamos é umexercício que demanda tempo e deve ser con-teúdo da nossa formação continuada comoformadores.

Quando é possível, elaboro o planejamen-to, exclusivamente para aprofundar o estudosobre essa questão. A tematização da práticapermite transformar a nossa ação em objeto de

120

estudo. Essa atividade reflexiva promove a apro-priação do conhecimento e a sua transposiçãodidática no desenvolvimento das atividadesescolares e fora da escola.

Abrindo espaço para falar das “dinâmicas degrupo”, introduzo a discussão sobre outros as-pectos que julgo importantes para a compre-ensão dessa nova proposta de formação conti-nuada de professores, enfatizando as questõesrelativas à motivação.

Ruan Delval1 considera que somos “umamaravilhosa máquina de aprender” e pontua:

O contato com a realidade produz desequilíbrios

e conflitos que se tenta compensar agindo no-

vamente. Assim, o sujeito resolve um problema

e cria novos esquemas que lhe permitirão resol-

ver novos problemas, em um processo indefini-

do. A motivação do sujeito para agir e, portanto,

para aprender, é intrínseca, encontrando-se nele

próprio e nos resultados alcançados com ela. Se

o conhecimento o satisfaz e responde às pergun-

tas que se colocou, continuará sua busca e con-

tinuará aprendendo; do contrário se deterá

(Delval, 1998: 154).

Em momentos oportunos, sempre provocoo debate para promover o desequilíbrio cog-nitivo dos participantes. Seu envolvimento nasdiscussões sobre o assunto contribui sobrema-neira para o entendimento das concepções te-óricas que trago. O próprio processo desen-cadeado e vivenciado naquele momento tornamais claras as concepções que embasam os ar-gumentos que apresento.

Progressivamente, são os participantes quetrazem contribuições e questionamentos acer-ca desse assunto para outros debates. Esse exer-cício ratifica cada vez mais as convicções quetenho sobre os processos de ensino e de apren-dizagem. Estou cada vez mais convicta de quea motivação dos participantes depende dametodologia utilizada e do respeito do forma-dor pelos princípios que devem nortear a prá-tica pedagógica.

Quanto às “dinâmicas de grupo”, emboramuito utilizadas como principal recurso paramotivar os participantes, questiono o seu usonos eventos de formação por duvidar que elastragam contribuições para a formação do sujei-to aprendiz.

Quando questionados sobre os motivos queos levam a aprovar as “dinâmicas”, os professo-res justificam com respostas sempre ligadas aosmomentos de prazer e lazer e à “harmonia” dogrupo que elas proporcionam. Palavras comodescontração, relaxamento, alegria, reflexãosobre atitudes, amizade, são sempre citadas.

A partir das descrições das “dinâmicas” edos efeitos que elas proporcionam, segundo odepoimento dos professores e da minha expe-riência pessoal, tenho tentado classificá-las. Atéo momento, consegui distinguir três tipos, quedescrevo a seguir.

1. O número mais citado corresponde a técni-cas que têm como objetivo desencadear ou-tras atividades, geralmente de leitura, análi-se, debate ou produção. Como exemplo, pos-so citar as estratégias de divisão de gruposvia sorteios, do tipo daqueles que distribuemfichinhas dobradas com nomes de animaispara que os participantes procurem seus par-ceiros a partir das mímicas que fazem ou dossons que emitem, correspondentes ao que foisorteado. Com os grupos já formados, é horade dividir as tarefas a serem desenvolvidas,muitas vezes também a partir de sorteios. Écomum a premiação para o grupo que con-cluir primeiro ou obtiver melhores resulta-dos, segundo a óptica do próprio grupo oudo coordenador da atividade, comumentedenominado facilitador.

2. Outro tipo de atividade é referendado pelofilme Sociedade dos poetas mortos.2 Há o de-senvolvimento de uma atividade como estra-tégia para favorecer a compreensão de umou mais aspectos escolhidos. O objetivo prin-cipal é proporcionar a vivência de uma situa-ção como pretexto para provocar uma trans-posição didática, a partir da discussão

1 Diretor do Instituto de Ciencias de la Educación da Universidad Autónoma de Madrid.

2 No período entre 63 e 65 minutos.

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Articulação entre formação inicial e continuada – EJAPAINEL 11

desencadeada com a realização da atividadeproblematizada pelo coordenador do grupo,também chamado orientador. Geralmente,esse tipo pode se dar de duas maneiras dis-tintas. A primeira tem por objetivo discutirprocedimentos, e a outra se destina a anali-sar atitudes. Como exemplo da primeira for-ma, cito o desafio popular “Travessia”, o qualsugere que transportemos em um mesmobarco em um rio imaginário três elementos,sendo eles: milho, galo e raposa. O “desafio”seria levá-los em apenas três viagens, consi-derando que todos são de uma mesma ca-deia alimentar. A atividade é proposta comopretexto para desencadear a discussão acer-ca da importância do planejamento, em quesão traçadas estratégias considerando todosos condicionantes de uma dada situação, nocaso a sala de aula, as dificuldades dos alu-nos, os materiais disponíveis etc. A análisede atitude é geralmente realizada para evi-denciar, amenizar ou resolver os problemasde convivência do grupo ou para promovero entrosamento quando os participantes nãotêm muita proximidade ou não se conhecem.Mas também é recurso muito usado de for-ma implícita, como meio para envolver e ma-nipular o grupo. Geralmente, utiliza-se a es-tratégia de sensibilização para induzir os par-ticipantes. Como exemplo de técnicas quepromovem a análise de atitudes individuaise coletivas, cito a atividade de coleta de au-tógrafos: solicita-se aos participantes que, apartir do sinal dado, eles colham o maior nú-mero possível de autógrafos, até o tempo li-mite estipulado. Após esse momento, inicia-se a sessão de exposição dos colegas e julga-mentos, do tipo: “Fulano de Tal é egoísta, nãoconsegui que me desse um único autógrafo,só queria receber…” “É por isso que não con-seguimos ser um grupo unido. Ficou eviden-te que vocês não pensam no coletivo…”

3. Um terceiro tipo de “dinâmica” diz respeitoàs brincadeiras. Elas não fazem relação como que vem depois, apenas têm por objetivo olazer e a descontração, sendo utilizadas comorecurso para afastar, momentaneamente, osono ou o cansaço. Como exemplo desse ter-ceiro tipo, estão as brincadeiras de pagarprenda, as pegadinhas e alguns jogos e com-petições, utilizados geralmente no turno ves-pertino.

No entanto, em determinadas oportunida-des, quando provocados nessa discussão, al-guns professores citam uma estratégiametodológica dos PCN em Ação – o uso dasmemórias como recurso para desencadear aanálise da Educação de Jovens e Adultos, ao lon-go da história, e os reflexos da sua escolarida-de, no momento atual – como sendo a mesmacoisa das descritas anteriormente. Consideroque esse tipo de estratégia não é um pretexto. Amemória, nesse caso, é um recurso real de aná-lise, uma vez que reflete o que está sendo obje-to de estudo. Ela se torna, assim, uma fonte his-tórica imprescindível para a construção dasaprendizagens pretendidas.

É possível que algumas atividades plane-jadas no programa utilizem realmente os pre-textos. Como já foi dito, não estamos totalmen-te desprovidos das influências da formaçãoque recebemos ao longo do tempo. O impor-tante é não perdermos a dimensão de que umensino que favoreça a autonomia e o desen-volvimento dos envolvidos se opõe em muitosaspectos não somente aos programas tradici-onais, mas também a algumas práticas consi-deradas modernas.

[…] Uma escola que tenta estimular o desenvol-

vimento e a autonomia dos alunos, ao invés de

incutir valores e fabricar indivíduos submissos,

precisa ter características muito diferentes da

escola tradicional que existe atualmente […]

[…] É uma escola que vai se diferenciar da tra-

dicional sobretudo na sua orientação geral. Nela,

o trabalho tentará estimular a atividade do pró-

prio sujeito, que é o fator fundamental na cons-

trução do conhecimento. Para tanto, deve-se

partir dos problemas do próprio ambiente para

que o sujeito veja que o conhecimento não é

apenas algo que aparece nos livros, mas que ser-

ve, principalmente, para resolver problemas e

explicar coisas do seu interesse. Essa é a forma

de motivar o sujeito para a aprendizagem, des-

pertando seu interesse por aquilo que aprende,

e não por meio de prêmios ou estímulos exter-

nos […] (Delval, 1998: 147).

Pelos motivos apresentados, as “dinâmicasde grupo” não se apresentam como uma boaestratégia metodológica de ensino. Elas podem

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comprometer a autonomia moral e intelectualdos sujeitos, além de consumirem, em suamaioria, um tempo excessivo, deixando às ou-tras atividades um tempo restrito.

[…] Numa visão exterior, percebemos que os

professores se sentem coagidos e vergonhosos

por suas ações na realização das “dinâmicas de

grupo”. Elas fazem com que eles se exponham,

cabendo a todos, principalmente aos coordena-

dores, julgar suas atitudes. Alguns demonstram

sentimentos de culpa, incapacidade e inferiori-

dade, causando assim uma indisposição na par-

ticipação dos encontros.

Em outros casos, percebemos que os professo-

res durante a execução das dinâmicas tentam

adivinhar o “fundo moral” da atividade para che-

gar aos resultados, comprometendo a autono-

mia moral, uma vez que os condiciona a agra-

dar sempre, a dissimular…

Além disso, essa atividade causa dependência

intelectual, promovendo a incapacidade do

conflito cognitivo espontâneo, atividade intrín-

seca ao sujeito que proporciona a busca de res-

postas e a resolução de problemas. A reflexão,

nesse caso, passa a ser uma resposta ao estí-

mulo externo – dinâmicas de grupo […] (Dou-

rado, 2000: 5).

Em contraponto à utilização de pretextospara ler, estudar, produzir textos, discutir osproblemas de convivência de grupo e as práti-cas expositivas de transmissão de informações,os Parâmetros em Ação trazem o estudo com-partilhado, liderado por coordenadores locais.

As estratégias metodológicas da formaçãocontinuada, tal como estão presentes no pro-grama, possibilitam a participação ativa dosintegrantes, a criação de uma cultura de deba-te e reflexão pedagógica e a construção de al-gumas competências mínimas que estão nabase da profissionalização. São elas relativas ao

trabalho em equipe, à administração da própriaformação, somadas às competências de leiturae de escrita compartilhadas.

Esse trabalho coletivo no interior das esco-las possibilita encontrar caminhos e fontes paraenfrentar os problemas de natureza cognitiva,atitudinal e didática.

À medida que vamos nos familiarizandocom o novo modelo de formação, a partir darealização dos encontros e da compreensão dosseus pressupostos, vamos identificando melhoras necessidades e os interesses do grupo e nosarriscando a elaborar ou a adaptar planejamen-tos que atinjam, cada vez mais, a participaçãodo grupo e as aprendizagens significativas dosenvolvidos.

Os mesmos princípios que regem os proces-sos de ensino e aprendizagem dos alunos, pre-sentes nos documentos oficiais, também devempermear esses dois processos na formação dosprofessores. Pouco a pouco, os envolvidos vãose apropriando dos conhecimentos, com refle-xos na prática docente e em todo o contextoescolar. E isso só é possível porque os partici-pantes estão vivenciando situações reais deaprendizagens significativas, preconizadas peloPrograma Parâmetros em Ação.

BibliografiaDELVAL, Juan. Crescer e pensar: a construção do conheci-

mento na escola. Porto Alegre: Artmed, 1998.

DOURADO, Emanuela O. C. Relatório das atividades dos

Parâmetros em Ação de EJA, no município de Irecê-

BA, 2000.

. Relatório da 1ª fase dos Parâmetros em Ação

de EJA, no município de Xique-Xique-BA, 2001.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. A dimensão pedagógica dos

Parâmetros em Ação. Brasília: Programa Parâmetros em

Ação, 15 p. (mimeo), 2000.

WEIR, Peter. Sociedade dos poetas mortos. Touchstone

Home Video, 1999. 129 min.

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Articulação entre formação inicial e continuada – EJAPAINEL 11

A experiência na modalidade Educação deJovens e Adultos (EJA) iniciou-se em 1999, quan-do a Secretaria Municipal de Educação (Semed)introduziu, em regime experimental, dez turmaspara atender a uma demanda acima de 14 anosque, por algum motivo, deixou a escola ou nãoteve acesso à Educação Fundamental na idadeapropriada. As primeiras turmas atenderam a370 alunos da sede.

De início, foram implementadas algumasações, entre elas:

• levantamento dos alunos com distorção de ida-de/série ou daqueles que não ingressaram emnenhuma modalidade de ensino e poderiamestudar à noite;

• levantamento dos professores interessadosem se qualificar para trabalhar com jovens eadultos;

• elaboração e encaminhamento ao Ministérioda Educação de um projeto para a qualifica-ção de professores e a aquisição de materialadequado;

• elaboração e encaminhamento ao Conselho deEducação de uma proposta curricular.

A proposta curricular da EJA teve aprovaçãoimediata, assim como a aprovação pelo MEC doCurso de Qualificação Docente em 120 horas.

Essas ações foram fundamentais para o fun-cionamento das primeiras turmas e para a con-tinuidade e a ampliação da demanda no ano se-guinte, atendendo também aos alunos egressos

Articulação entre formação iniciale continuada na Educação deJovens e Adultos no municípiode Vargem Grande/MA

Ana Socorro Braga*

SME – Vargem Grande/MA

da Alfabetização Solidária, cujas turmas inici-ais começaram no segundo semestre de 1998.1

Em 2001, a Semed, por intermédio da Co-ordenação de Jovens e Adultos, atendeu 2.827alunos em 92 turmas (24 turmas na sede e 66na zona rural), com atuação de 96 professores.Com exceção de uma turma de idosos, que fun-ciona no período vespertino na sede, as demaisfuncionam no período noturno.

A Coordenação de Jovens e Adultos, ins-talada em prédio próprio, é composta poruma equipe de três coordenadores, que sesubdividem nas funções de coordenador pe-dagógico, acompanhamento das turmas, pla-nejamento, instalações físicas e distribuiçãode material e formação de turmas. Para fazero acompanhamento das turmas na zona ur-bana e na zona rural, a Coordenação dispõede uma motocicleta.

Os coordenadores também exercem a fun-ção de formadores nos grupos de estudo dosPCN. A articulação entre a função de coorde-nador de grupo de estudo e de modalidade deensino permite não só um olhar mais abran-gente, mas também a possibilidade de proporações adequadas às reais dificuldades do coti-diano de sala de aula. Daí, nas reuniões men-sais de planejamento, serem propostas trocasde experiências positivas e negativas, confor-me exemplifica o coordenador pedagógico emrelatório:

* Mestre em Políticas Públicas e coordenadora de Programas e Projetos para Formação de Professores da Secretaria Municipal de Educa-ção de Vargem Grande/MA.

1 Do segundo semestre de 1998 ao primeiro semestre de 2001, o Programa Alfabetização Solidária atendeu 3 mil alunos, em dez turmas porsemestre.

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Num determinado momento, percebemos que

nos encontros de planejamento mensal ficávamosmuito presos às questões metodológicas e de con-teúdo, e que a grande dificuldade do professor era

o “como fazer”, isto é, as reais dificuldades em si-tuações práticas de sala de aula. A partir dessareflexão, propusemos aos professores que falas-

sem sobre as suas dificuldades, sobre os pontosque eles avaliavam que não estavam indo bem.Tentamos mostrar que não tínhamos soluções

prontas e que a nossa maior contribuição era tro-car experiências, pensar juntos.

No município, o perfil do professor da EJA nãoestá diferenciado do do professor do Ensino Fun-damental regular. Do ponto de vista da formaçãoinicial e continuada, o quadro é o seguinte:

• nenhum professor possui graduação superior;

• oito cursam Licenciatura em Matemática –Cefet/MA;

• dez professores cursam o Programa de Forma-ção de Professores em Exercício (Proformação);

• setenta e seis possuem Ensino Médio-Magis-tério;

• centro e trinta fazem formação continuada;

• sessenta e dois cursam o Programa de Profes-sores Alfabetizadores (PROFA).

Os dados demonstram que, na prática, osprofessores estão em formação continuada semterem cursado a formação inicial. Assim, o mai-or anseio dos professores é ter acesso à gradua-ção e, sobretudo, que esta esteja relacionada àespecificidade da sua atuação profissional, nocaso, com jovens e adultos, num reconhecimen-to de que os dois aspectos da formação são im-prescindíveis.

Nessa experiência, os principais desafios (esão muitos no decorrer da trajetória) podem sersumarizados em:

• de ordem material – proporcionar as condiçõesmínimas para o funcionamento das turmas;

• de ordem pedagógica – garantir a formaçãocontinuada e inicial dos professores;

• de ordem prática – superar os altos índices deevasão.

Embora não seja o foco deste painel, é im-portante não passar ao largo da inter-relaçãoentre esses três fatores como condição necessá-

ria para o atendimento de jovens e adultos nomesmo patamar de qualidade do ensino regu-lar. E não só isso, mas garantir efetivamente asuperação da reprodução do fracasso em suces-sivas evasões e, por conseguinte, o fortalecimen-to da auto-estima de alunos e professores.

Para tratar da articulação entre formação ini-cial e continuada na formação de jovens e adul-tos no município, é necessário retomar a trajetó-ria das ações de formação desencadeada pelaSemed a partir de 1998, que culminou em maiode 2001 com a implantação do Programa de For-mação e de Desenvolvimento Continuado de Pro-fessores – PCN em Ação, cujo pólo reuniu dezmunicípios: Belágua, Cantanhede, Itapecuru-Mi-rim, Mata Roma, Matões do Norte, Nina Ro-drigues, Presidente Vargas, São Benedito do RioPreto, Urbano Santos e Vargem Grande (sede).

Em 1998, quando a implementação do Fundode Desenvolvimento e Valorização Profissional(Fundef) parecia-nos uma possibilidade, iniciamosum projeto de formação e valorização do trabalhodocente por meio da organização de um seminá-rio denominado Seminário Participativo da Edu-cação. O objetivo do evento era possibilitar umareflexão acerca da identidade do professor e daamplitude de conhecimentos prático-teóricos ne-cessários ao exercício profissional do seu trabalho.Os objetivos foram elaborados a partir da obser-vação prática de que, geralmente, os professoresnão exerciam o hábito da leitura e da escrita emseu cotidiano e centravam a sua ação pedagógicanos conteúdos dos livros didáticos. Em contra-partida, a posição profissional era determinada, emordem decrescente, de acordo com a seguinte clas-sificação: professores do estado, do município, dazona rural e leigos. Essa mesma ordem determi-nava as relações e o tratamento dispensado pelopoder público e pela sociedade, os salários, o aces-so às condições adequadas de trabalho e aos trei-namentos e às capacitações.

Após a primeira experiência, o SeminárioParticipativo passou a ser aguardado com ansie-dade pelos professores, indicando que estáva-mos processando mudanças no pensamento enas práticas docentes e construindo um rico es-paço de troca de experiências e de diálogo en-tre professores, diretores, supervisores e demaisagentes da escola.

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Articulação entre formação inicial e continuada – EJAPAINEL 11

A avaliação dos seminários de 1998 a 2000revelou os avanços e as limitações. Por um lado,contribuiu para despertar os professores paraaspectos do seu trabalho cujo desempenho re-quer a construção de um hábito de estudo e in-formação, além de estudar e aprender com aspróprias experiências e compartilhá-las. Por ou-tro lado, por ser um evento pontual no início doano, as limitações eram grandes no sentido deoferecer possibilidades de mudanças consisten-tes nas inúmeras situações no cotidiano escolar,ao longo do ano e na prática pedagógica concre-ta dos professores.

De todo modo, as iniciativas da Semed per-mitiram empatia e empolgação, refletidas naadesão dos professores à proposta de grupo deestudo com a implantação do Programa PCN.Isso é o que denominamos de campo fértil, ouseja, o programa chegou em boa hora porqueveio ao encontro das expectativas dos professo-res e em apoio à Semed para dar continuidadeàs ações de formação.

Desde então, na perspectiva da formação con-tinuada, a exemplo do IV Seminário Participativo,foram articuladas as diferentes ações de forma-ção de professores, dentre aquelas que se encon-travam implantadas no município, o Programa deFormação de Professores em Exercício (Profor-mação) e a Licenciatura em Matemática, de ma-neira que a sistemática de estudo em VargemGrande e os resultados obtidos a curto e a médioprazo estão diretamente relacionados aos fatoresmencionados anteriormente. Os encontros deestudo em grupo são semanais, quatro horas emhorário contrário ao da jornada de trabalho ou aossábados. No total, são dois grupos de EducaçãoInfantil, sete grupos de 1ª a 4ª; três grupos de 5ª a8ª e três grupos de EJA.

O que diferencia o município dos demaisparceiros do pólo é a periodicidade dos encon-tros semanais, as iniciativas dos próprios profes-sores em organizar cursos, a mostra de trabalhos,os seminários e o fórum, cabendo à Semed e àrede de formadores SEF/MEC o papel de apoioaos projetos apresentados, além de parceria. Umexemplo do exercício da autonomia foi a reali-zação, no período de 18 a 20 de maio de 2001, doI Seminário de Educação de Jovens e Adultos,que conseguiu mobilizar representantes de 29

municípios e teve como característica a iniciati-va de planejamento e organização de inteira res-ponsabilidade da coordenação de EJA.

Cabe ressaltar o pioneirismo do pólo. A ini-ciativa constituiu um marco, não só porque opólo Vargem Grande foi o primeiro do Estado doMaranhão, mas, sobretudo, porque foi uma pri-meira experiência conjunta de articulação entreas administrações municipais, seguida de outrasexperiências de formação, entre elas o Profor-mação, que atende 161 professores em cincomunicípios, e, mais recentemente, o Programade Professores Alfabetizadores (PROFA), comnove municípios.

No tocante às prefeituras, é fundamentallembrar que a municipalização das políticas pú-blicas é uma experiência em fase de construção.Por isso, é necessário retomar a história políticados municípios, a utilização dos recursos públi-cos, a escolha dos secretários de Educação e acomposição das equipes nas secretarias paraentender que as ações de formação não se dãode maneira natural e uniforme em todos os mu-nicípios parceiros, mas requerem um trabalho dearticulação que também deve ser continuado,sobretudo em função do tempo administrativodos prefeitos municipais.

No pólo Vargem Grande, a articulação entreos municípios ocorre por meio de um calendá-rio de encontros mensais entre os coordenado-res-gerais, os coordenadores de modalidade e degrupo e, quando necessário, com os secretáriosde Educação e os prefeitos, ainda, em apoio aosmunicípios que têm dificuldades em efetivar oudar continuidade aos encontros de grupo.

Todos os municípios do pólo desenvolvem aformação continuada nas três modalidades: Edu-cação Infantil, Ensino Fundamental (1ª a 4ª e 5ª a8ª) e Educação de Jovens e Adultos. Os encontrostêm periodicidade consoante o plano de ação dasrespectivas secretarias e são semanais, mensais ouquinzenais, com duração de quatro ou oito horas.À exceção de Vargem Grande, que realiza encon-tros semanais de quatro horas, os demais municí-pios realizam encontros mensais ou quinzenais.

Da mesma forma, todos os municípios têmpelo menos uma experiência em formação ini-cial. No entanto, as iniciativas têm dado contade patamar inferior a 30% da demanda.

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Contudo, uma característica comum aosmunicípios é o interesse dos prefeitos em ofere-cer cursos de formação inicial para seus profes-sores, tanto aqueles que já instalaram uma tur-ma e querem ampliar as vagas, como aqueles queassumiram em janeiro de 2001 e herdaram dívi-das da administração anterior. Iniciativas prece-dentes de convênio com universidades e centrosde formação tecnológica demonstraram que trêsfatores constituem entraves para a formação denovas parcerias:

• o reduzido número de instituições formadoraspara atender à demanda (apenas três) – a Uni-versidade Federal, a Estadual e o Centro de For-mação Tecnológica (Cefet);

• o custo mensal das turmas;

• a formação fragmentada nos períodos de fé-rias escolares.

Teoricamente, as instituições públicas de for-mação superior dispunham de condições exce-lentes de parcerias: recursos humanos qualifica-dos, autonomia de trabalho para a constituiçãode parcerias, potencialidade de diálogo e traba-lho interdisciplinar. Na prática, a fragmentação doconhecimento, refletida na estrutura curriculardos cursos oferecidos, além da própria organiza-ção fragmentada do trabalho acadêmico, não vem

oferecendo possibilidades de diálogo, que carac-terizam as verdadeiras parcerias. A experiênciatem se concentrado no interesse individual dealguns professores, com os quais estabelecemospreciosas e caras parcerias, mas raramente con-seguimos o envolvimento e a sensibilização se-quer dos departamentos. Não se trata de desco-nhecer a contribuição social dessas instituiçõescomo fonte de produção de pesquisa e de conhe-cimento, mas de contribuir para a discussão, cujocerne é a parcela de responsabilidade e compro-misso dessas instituições.

Partindo das experiências já constituídaspara a formação das primeiras turmas de Licen-ciatura e demais programas de formação docen-te, o movimento, atualmente, é de articulaçãopara a constituição de pólos para garantir a for-mação inicial e o aumento do número de vagas,considerando que a formação inicial, delegadaao poder público municipal, por meio dos recur-sos do Fundef, deve estar de acordo com as ex-pectativas e os anseios dos professores e os pro-jetos de formação docente dos municípios. Re-quer, em contrapartida, a participação dos de-mais entes da Federação, sob pena de não con-seguir superar sozinho uma dívida histórica coma educação das futuras gerações.

A formação de professores emprojetos vivenciados na dinâmica dasrelações entre teoria e realidade

Stela C. Bertholo Piconez

Faculdade de Educação – USP

Este é o relato de uma experiência de camposobre formação de professores, que se caracteri-za por preocupações relacionadas ao desenvol-vimento das competências necessárias à organi-zação do trabalho pedagógico1 com alunos das

1 Com abordagem diferenciada ou “andragógica”.

Licenciaturas e da Educação de Jovens e Adultos.O projeto teve início em 1987, na Universida-

de de São Paulo, sob forma de campo de estágiospara alunos das Licenciaturas interessados emvivenciar situações reais com o processo de alfa-

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Articulação entre formação inicial e continuada – EJAPAINEL 11

betização dos funcionários do campus. Iniciandocom uma sala de quarenta alunos, atualmenteconta com oitocentos funcionários que cursam oEnsino Fundamental e o Ensino Médio.2 Os pro-fessores são alunos-estagiários das Licenciaturasque, na Faculdade de Educação, freqüentam oNúcleo de Estudos de Educação de Jovens e Adul-tos (NEA) e a Formação Permanente de Professo-res (ensino presencial e educação a distância).

A formação continuada e em serviço, abor-dada em termos da complexidade de suas rela-ções, seus sistemas de valores e suas leituras di-ferentes, sobre o que deve ser desenvolvido comocompetência profissional de um professor, temapresentado aspectos prospectivos. Os resultadosconfiguram-se como reflexões obtidas na apro-ximação da sala de aula, não para obter dados emfunção dos interesses dos professores-estagiáriose de seus projetos de estágio (muitas vezes, ape-nas para cumprimento de carga horária legal),mas para a formação de professores, entendidacomo um progressivo processo de pesquisa.

A diversidade de valores e leituras da realida-de escolar na sala de aula possibilita confrontaros múltiplos estudos teóricos dos cursos de for-mação de professores, grande parte das vezesconduzidos por caminhos de homogeneização ede fragmentação. E a educação escolar é um pro-cesso global e multidimensional que, ao mesmotempo, exige tratamento transdisciplinar.

Assumimos a postura de vivenciar as articu-lações efetivadas no movimento dinâmico dateoria e da prática da educação escolar, cuja se-qüência metodológica posta em prática foi sen-do realizada à medida que a construção do pro-blema era efetivada. Este procura compreendera educação escolar como um todo e seu signifi-

cado para o desenvolvimento dos adultos pou-co escolarizados. Em segundo lugar, procura re-fletir sobre as possibilidades efetivas de um aten-dimento com qualidade, dado o conhecimentoque se tem das especificidades da demanda e desuas articulações com um projeto “político-andragógico” que atenda aos objetivos previstos.

O percurso foi se organizando a partir da re-alidade definida por todos os participantes doprojeto. As vozes diferentes de todos os partici-pantes (alunos, professores, coordenadores) fo-ram sendo ouvidas, e o objeto de nosso estudopassou a ser a descoberta de uma maneira demostrá-las, evidenciá-las. Muitas perspectivas deinterpretação foram abrindo caminho para asnecessidades de transformação e/ou de supera-ção das avaliações realizadas. Assim, fomos de-finindo o perfil de atendimento mais adequadopara a parcela da população que retorna à esco-la, construindo um projeto conseqüente.

Os funcionários freqüentam atualmente umcurso a distância de Ensino Médio; são avalia-dos pelo Exame Nacional do Ensino Médio(Enem), e muitos seguem estudos em cursos deEducação Superior.

O projeto, atualmente Programa de Educa-ção de Adultos da Feusp, fixou seu interesse nastrês dimensões da universidade, ou seja: pesqui-sa–ensino–extensão. Em cada uma delas foramrealizados estudos:

Pesquisa – formação inicial de professores e osignificado dos estágios curriculares.3

Ensino – a organização de uma educação esco-lar para jovens e adultos, geradora de reflexões eações sobre a prática profissional do Magistério(planejamento, elaboração de materiais didáti-cos, estudos de diretrizes curriculares, avaliação).

2 Ensino Fundamental e Curso a Distância de Ensino Médio aprovados pelo Conselho Estadual de Educação – Pareceres CEE 1947/91 eCEE 643/99.

3 Pesquisas: Stela C. Bertholo Piconez, A reconstrução de conhecimentos na Educação de Jovens e Adultos e a organização do trabalhopedagógico. Série Documental Relatos de Pesquisa, Brasília: Inep/MEC, 1995. Stela C. Bertholo Piconez, Educação escolar de adultos:possibilidades de reconstrução de conhecimentos no desenvolvimento do trabalho pedagógico e suas implicações na formação de profes-sores. 1995. Tese (Doutorado) – Feusp. Stela C. Bertholo Piconez, Extensão universitária: o compromisso social entre ensino e pesquisa.1999. Tese (Livre-Docência) – Feusp. Adriana Beatriz Alves Botto Vianna, O papel do coordenador pedagógico na formação continuada deprofessores de Educação de Jovens e Adultos. Das possibilidades e limites em diferentes contextos. 2000 (Mestrado) – Feusp. SandraMurakami Medrano. Situações didáticas e intervenções pedagógicas na produção de texto dos alunos adultos. 2000 (Mestrado) – Feusp.Maria de Fátima Ayres Arruda Camargo. O trabalho do educador como transposição didática da formação continuada: desejo ou possibili-dade. 2000 (Mestrado) – Feusp. Stela C. Bertholo Piconez. Alfabetização de Jovens e Adultos através do Sistema Transversal de EnsinoAprendizagem. 2000 (Pós-Doutorado) – Feusp.

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Extensão – proposta de alfabetização e conti-nuidade de estudos (elevação progressiva atéos níveis do Ensino Fundamental e Ensino Mé-dio) para jovens e adultos, e elaboração, desen-volvimento e acompanhamento de projetos naárea do ensino presencial e a distância de co-munidades diferenciadas.4

A partir desse múltiplo percurso, fomos per-cebendo que nossa intenção nunca foi realizaruma avaliação global do sistema de ensino ex-tensiva a um mero rol de críticas e caça aos cul-pados. O estudo histórico das evoluções do en-sino em nosso país não nos autoriza a desconsi-derar cada passo dado. Aproximar-se da comple-xidade da educação escolar, de forma global,parece a melhor forma de compreender a repre-sentação dos valores, das relações e das concep-ções na prática diária de todos os que se relacio-nam nesse contexto.

O objetivo principal dessa experiência nãofoi, portanto, realizar uma avaliação da Educa-ção de Jovens e Adultos e, sim, criar conhecimen-tos novos sobre uma situação conhecida quepermita aos participantes elaborar e adotar de-cisões para melhorá-la.

Fundamentos do projetoA história deste projeto, como toda história,

é uma fusão de grandes idéias vinculadas àsquestões ideológicas, sociais e econômicas daconjuntura sobre educação escolar, formação deprofessores e cidadania. Nesse percurso, foi pos-sível observar que os fundamentos de maior in-cidência tiveram origem no estudo das obras dePaulo Freire, pois eram suas idéias as que atri-buíam sentido às respostas alternativas para asnecessidades da escola, da sociedade brasileirae das mudanças internacionais de comunicaçãoe de informação.

No final da década de 1980 e início da década

de 1990, o discurso pedagógico clamava por ino-vações educacionais, denunciando os anos da di-tadura militar e defrontando-se com os proble-mas sociais brasileiros, entre eles o analfabetis-mo. De lá para cá, as reformas educacionaisadvindas da Lei de Diretrizes e Bases tentam co-locar a necessidade de uma instrução científicatanto para alunos como para professores diantedas enormes adaptações impostas pelas mudan-ças em uma sociedade tecnológica. As grandesconferências de educação5 organizadas peloUnicef, pela Unesco e pelo Banco Mundial parapromover a qualificação da educação mundial eo atendimento às necessidades básicas de apren-dizagem dos alunos mais desfavorecidos, paralhes assegurar a igualdade de oportunidades naeducação escolar, desencadearam um processode reformas curriculares e de inovações.

Contudo, a Educação de Jovens e Adultos fi-cou ainda relegada a segundo plano, mesmo ten-do sido contemplada nos artigos de nossa legis-lação educacional. Deparamos com estudos so-bre Educação de Jovens e Adultos muito restri-tos às questões ideológicas e políticas. Não ha-via muitos estudos sobre a área, e os preconcei-tos para publicá-los ou para pesquisar essa áreaeram grandes, ficando esses estudos reduzidosa relatos de experiências. Quanto à formação deprofessores, embora os alunos das Licenciaturastenham recebido formação em suas áreas espe-cíficas e para a prática do Magistério, a maiorianão se apresenta capacitada a enfrentar os de-safios da educação escolar como professores quepossam facilitar o desenvolvimento de seus alu-nos para uma sociedade “tecnificada”, que, noBrasil, conta com índices alarmantes de pessoassem escolarização.

Como conseqüência de nossas preocupa-ções, aliada ao grande afluxo de alunos estagiá-rios das Licenciaturas, foi criado um núcleo deestudos conhecido como NEA-Feusp, cujas pes-

4 Extensão: Participação em projetos de extensão internos (Programa de Educação de Adultos da Feusp para funcionários do campus emEnsino Fundamental e Ensino Médio) e externos (Programa Alfabetização Solidária em quatro estados brasileiros e na Grande São Paulo;cursos de extensão para professores municipais e estaduais de Jovens e Adultos; Projeto de Educação Fundamental para a Nestlé doBrasil, a Eletropaulo, a Prodesp, ONGs, entidades assistenciais etc); palestras, fóruns e minicursos sobre Educação Escolar de Jovens eAdultos etc.

5 Educação para Todos, Jomtien, Tailândia, 1990. V Conferência Mundial sobre Educação de Adultos, Hamburgo, 1998.

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Articulação entre formação inicial e continuada – EJAPAINEL 11

quisas devem fazer jus à complexidade do pro-blema educacional brasileiro, da educação esco-lar, da educação escolar de jovens e adultos e daformação de professores, além de adotar umavisão mais detalhada e interdisciplinar de suaoperacionalização que possa construir conheci-mentos de forma distinta da que ocorre nas es-colas, ou seja, de cima para baixo.

Não poderia ser ignorada uma série de ques-tões fundamentais para que uma noção de pro-cesso de construção e de mudança pudesse servivenciada com resultados prospectivos. Os pro-fessores desempenham papel relevante nesseprocesso de construção e precisam ser ouvidos,assim como os alunos. Inicialmente, o que pos-suíamos de material para a educação escolar dejovens e adultos era adaptado de propostas deeducação escolar regular ou com objetivos es-pecíficos, tais como os da Fundação Escolar oudo Telecurso 2000. A idéia de considerar a parti-cipação do professor na elaboração do planeja-mento escolar tomou corpo nesse projeto e re-flete a opinião de Fullan (1982), quando assinalaque “a mudança em educação depende do queos professores fazem e pensam. É tão simples ecomplexo como isto”.

O projeto apresenta-se como formação continu-ada e em serviço, e resulta de múltiplas aproxi-mações cotidianas reais a um sentido “socioan-dragógico” da educação escolar para jovens eadultos e da formação de professores. Como ino-vação, pode ser caracterizado como uma tenta-tiva deliberada de refletir e construir, na práti-ca, determinados objetivos de perspectivatecnológica, política e sociocultural, tanto dasmudanças de uma sociedade em rede quanto doseu significado para a educação e a formação

dos professores.

Quanto à primeira perspectiva, o projeto li-gou-se às mudanças que estavam acontecen-do na década de 1990, acreditando que o pro-gresso tecnológico produziria melhoria de en-sino e de formação de professores. A segundaperspectiva, a política, foi cercada de desafios,compromissos e conflitos e deu-nos a verdadesobre o resultado do compromisso com umaeducação escolar que considera o desenvolvi-mento da cidadania dos alunos e os desencon-

tros da formação de professores inicial e danossa política educacional.

Sob a perspectiva sociocultural, trabalharcom a pluralidade de conhecimentos de distin-tas culturas e com os seus conflitos de valoresproporcionou significados diferentes em relaçãoà realidade. O projeto acolheu a necessidade deconstrução de mudanças do que se conhecia atéentão, tanto pelos estudos de formação comopelas vivências de escolaridade anterior, muitofortes na atuação dos professores em sala deaula. Desse modo, foram estudados e questio-nados os conteúdos dos currículos do EnsinoFundamental e do Ensino Médio, em sua sele-ção, seqüenciação e nos materiais utilizados; aorganização formal e a estrutura física da edu-cação escolar; a complexidade das funções e dasrelações dos participantes envolvidos no proje-to e o conhecimento e a compreensão da funda-mentação, dos valores, dos objetivos e das estra-tégias colocadas em prática.

Surgiu, a partir dessas questões, o estudo dasexperiências vividas sobre a possível utilizaçãode novos materiais e tecnologias curriculares,sobre o uso de novos enfoques de ensino e deaprendizagem e, sobre o mais difícil, a alteraçãode crenças ou pressupostos pedagógicos para a“andragogia” subjacente às mudanças cons-truídas no projeto. Foram introduzidos no cur-rículo o uso dos computadores e da Internet,assim como a elaboração de uma sistemática deplanejamento com práticas alternativas de en-sino-aprendizagem (educação para economia,relações humanas, valorização da arte, da éticae do convívio social cidadão). Daí vieram os Pa-râmetros Curriculares e a necessidade de avaliara efetividade de suas inovações, paralelamenteàs exigências dos poderes públicos sobre as ini-ciativas de avaliação do ensino, muitas delas fi-nanciadas pelo Banco Mundial.

No desenvolvimento do processo de avalia-ção, o projeto procura envolver os professores naparticipação da sistemática de planejamentoconstruída, em vez de impô-la. Todos os envol-vidos podem analisar, conceitualizar e avaliar asmudanças produzidas, ou não, depois de devi-damente esclarecidos sobre os objetivos, os ele-mentos e os fatores que propiciam perspectivasdistintas vivenciadas num mesmo processo de

130

planejar. Os alunos-estagiários, professores emexercício nesse projeto, têm compreendido quenão bastam as prescrições e o financiamento dasinovações, tanto na educação escolar quanto naformação de professores. Parece muito claro que,dada a complexidade de seus desafios, sem co-nexões com construções conceituais e com omodo de os professores atuarem na prática, semprojeto político-pedagógico com decisões prá-ticas adequadas e vivenciadas, os objetivos dequalquer mudança ou reforma acabam perden-do seu sentido.

Dessa forma, os cursos que formam profes-sores precisam acertar os ponteiros. Um dadocomum observado por nós nesse projeto é quehá uma crescente necessidade de se aceitar aidéia de que a análise da própria prática pelosprofessores, tanto na formação inicial quanto naformação em serviço, se torna um preciosoreferencial para novos estudos ou reflexões. So-mente a observação de fundo de sala de aula, deoutros professores, em diferentes escolas supõecerta dose de cautela por causa da tendência degeneralizações que o futuro professor possa re-alizar, para algo que pode ser considerado ape-nas como hipóteses de trabalho ou de atuaçãopedagógica, num determinado contexto.

O que foi dito até agora nos dá base para quepossamos definir que esse projeto, sempre emconstrução, tem contribuído para constatar anecessidade de investigação e pesquisa educa-tiva para a compreensão, pelos professores, dodesenvolvimento da aprendizagem dos alunos,da melhoria de sua atuação profissional, para adescoberta de seu RG profissional, para a maioreficácia no uso de recursos, para a compreen-são das mudanças ou inovações curricularescomo hipóteses provisórias a serem aprovadas,na prática, dentro de um contexto de respon-sabilidade conjunta pela totalidade dos envol-vidos no projeto.

Encontramos no espaço dedicado aos está-gios curriculares o eixo necessário para evitar aseparação entre a teoria e a prática educativas.O que nos continua movendo é a necessidade deconhecer não apenas a educação escolar em seudesenvolvimento pleno, ligado à prática e às ca-racterísticas de atuação dos professores, e sim oconhecimento que diferentes vozes que partici-

pam de uma formação continuada produzem emtorno dela. O papel do professor é, então, deter-minado durante sua formação por uma meto-dologia de trabalho que pretende produzir no-vos conhecimentos, interpretando, analisando,organizando a educação escolar para entenderas complexas interações que são geradas entreas argumentações, os planejamentos e a evidên-cia empírica vivenciada numa sala de aula, emsituações de ensino e de aprendizagem. É preci-so fazer da pesquisa sobre ensino e formação deprofessores uma pesquisa a partir do ensino eda própria formação.

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131

Articulação entre formação inicial e continuada – EJAPAINEL 11

Nos últimos anos, o sistema educacionalbrasileiro tem passado por uma série de refor-mas, desde o que se refere à gestão dos recur-sos, à definição de prioridades, à organizaçãocurricular e disciplinar até o que diz respeito acritérios de formação das turmas no interior daescola, passando pela definição de estratégiaspara a formação docente.

Essas reformas não surgiram por acaso, aindaque visem à melhoria da oferta da educação, seuseixos principais convergem para duas lógicas, as-sim definidas por Feldfeber e Thisted (1998: 69):

[…] uma orientada para a reestruturação do

Estado e a utilização de políticas de ajustes, com

vistas à redução do gasto público; outra que,

partindo da valorização do conhecimento como

fator central da competitividade das nações na

aldeia global, tenta colocar o sistema educacio-

nal à altura de tal desafio, ao mesmo tempo em

que se constitui num elemento importante de

legitimação da nova ordem.

O investimento na educação tem, na maio-ria das vezes, atendido aos interesses do mer-cado de trabalho, a fim de otimizar os recur-sos, qualificar mão-de-obra especializada, for-mar sujeitos produtivos em detrimento de ci-dadãos críticos, conscientes de seus direitos edeveres, capazes de se desenvolver em todosos seus aspectos: físico, político, econômico,cultural e psicossocial. A formação docente,área em que se insere nosso objeto de pesqui-sa, acaba muitas vezes se sujeitando tambéma essa lógica. Mas existem outros aspectos que,por não se relacionarem aos de ordem econô-mica, acabam também definindo a natureza da

A formação continuada deeducadores de jovens e adultos*

Leôncio José Gomes Soares e Daniela de Carvalho Lemos**

UFMG/MG

formação docente contínua e a natureza dosconhecimentos que estão em jogo. São algunsdesses aspectos que queremos discutir nesseprimeiro momento de nosso trabalho.

Para ilustrar o que é a formação contínua(ou em serviço) de professores, podemos utili-zar a definição dada por Barilli (1998: 43):

De forma geral, trata-se de um processo contí-

nuo e dinâmico, envolvendo cooperação peda-

gógica entre professores-orientadores, professo-

res e demais profissionais do ensino, com asses-

soria permanente (presencial ou a distância) das

agências formadoras, com vistas a uma aplicação

prático-social, elevando o nível de atuação pro-

fissional bem como o nível do ensino escolar.

É uma atividade de extrema importância nãoapenas para contribuir para a melhoria do ensi-no ofertado, mas, sobretudo, para garantir aosprofessores um espaço de diálogo, de troca deexperiências e também de construção e recons-trução de suas identidades, suas histórias – devida e profissional. O fazer pedagógico é um pro-cesso histórico e inacabado que necessita de in-vestimentos – estruturais e financeiros. A quali-ficação e a requalificação profissionais têm seconfigurado numa exigência do próprio merca-do de trabalho e pela dinâmica social.

Além disso, em se tratando dos sistemas deensino, a evasão e a repetência são também ele-mentos detonadores de uma nova política deformação. Diante do fracasso escolar diagnos-ticado entre as diversas turmas de alunos, umadas primeiras providências tomadas pelas ins-tituições de ensino, públicas ou privadas, ouainda pelos órgãos governamentais, é a

* A pesquisa recebeu apoio da Fapemig, por meio da concessão de Bolsa de Iniciação Científica.

** Leôncio José Gomes Soares: Professor da FaE – UFMG. Daniela de Carvalho Lemos: Bolsista de Iniciação Científica.

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“reciclagem” dos conhecimentos e da práticapedagógica dos professores.

Embora o espaço de formação em serviço sejauma importante conquista dos profissionais daeducação, é preciso estar atento à relação que esseprocesso mantém com as deliberações de orga-nismos internacionais, como o Banco Mundial.

Como as análises do Banco Mundial privile-

giam as relações de custo–benefício, a qualifi-

cação do professor é pensada em termos da me-

lhor forma de se produzir um profissional com-

petente tecnicamente. [...]

O investimento no conhecimento prático,

em detrimento do saber teórico, certamente irá

levar à formação de um profissional capaz de se-

guir diretrizes curriculares, desenvolver propos-

tas que lhe são apresentadas, mas com menor

possibilidade de criar projetos, tomar decisões

e políticas educacionais (Santos, 1998: 8).

Ou seja, é importante que se crie um espaçode reflexão e análise sobre os eventos de forma-ção docente promovidos principalmente pelasinstâncias governamentais. Um espaço no qualse possa detectar se essa estratégia tem, de fato,promovido mudanças positivas na atuação do-cente e também no contexto escolar como umtodo ou se apenas está atendendo aos interessesde uma política neoliberal, pautada no princí-pio de se produzir mais e melhor, em menos tem-po. Uma política de formação séria deve ser ela-borada em parceria com os sujeitos envolvidos,e não apenas tratá-los como meros executores.

Mazzeu (1998: 63) propõe três eixos básicospara a formação docente contínua:

• o domínio do saber acumulado, no que se refere

ao conteúdo escolar e às formas de ensiná-lo;

• o domínio da concepção dialética, como meio

de desenvolver uma ação e uma reflexão autô-

nomas e críticas;

• a formação de uma postura ético-política guiada

por sentimentos e valores que possibilitem ao pro-

fessor utilizar esse saber acumulado, como meio

para o desenvolvimento pleno do aluno e para seu

próprio desenvolvimento como ser humano.

Esses eixos, quando bem desenvolvidos,dariam à formação dos professores um perfildemocrático e comprometido com as deman-das culturais, políticas e históricas que perpas-sam as relações sociais no interior da escola.

Collares, Moysés e Geraldi (1999: 216)alertam para o perigo de se promover uma for-mação em serviço, que, na realidade, estejamergulhada em uma política de descontinuida-de, de um eterno recomeço, que desconsideraa história e a trajetória já vividas pelos profissio-nais da educação:

[…] como a “educação continuada” atende a pla-

nos de governo e não a políticas assumidas pelos

profissionais do ensino, cada mudança de gover-

no representa um recomeçar do “zero”, negando-

se a história que, no entanto, está lá – na escola,

na sala de aula, nos saberes do professor. O es-

sencial dessa descontinuidade é o eterno reco-

meçar, como se o passado pudesse ser anulado;

repetição constante do “novo” para manter a eter-

nidade das relações – de poder – atuais.

É preciso que as três instâncias governa-mentais (federal, estadual e municipal) não re-duzam os programas de formação docente àmera vaidade política ou à ideologia partidária,utilizadas para homogeneizar e dominar a cons-trução da aprendizagem e para definir priori-dades dentro dos diferentes níveis de ensino.

A formação docente não é apenas dotada deum saber técnico, de uma didática ou de umametodologia específica. Muito além de saberquais os temas e os cursos oferecidos, é necessá-rio saber como os docentes aprendem, de queforma aplicam o que lhes foi passado nos cursos,nas palestras, nos debates e nos seminários.1

É importante que a formação contínua e, emparticular, a formação dos educadores de jovense adultos, sejam vistas em parceria com a for-mação inicial dos professores. De nada ou pou-co adianta investir em cursos de capacitação,se os cursos de Magistério, de Pedagogia e asLicenciaturas não se comprometem em ofere-cer a seus alunos subsídios que lhes permitamdesenvolver, em sala de aula, uma ponte entre

1 Hernández (1998) discute essa questão, trazendo para o debate algumas observações de sua experiência como formador.

133

Articulação entre formação inicial e continuada – EJAPAINEL 11

os saberes da educação dita universal e os sa-beres presentes nas esferas regionais, nacionaise até mesmo nas esferas de experiências e dehistórias de vida de cada educando. A forma-ção dos professores deve considerar o contextosociocultural em que vivem seus alunos. É pre-ciso lutar contra a pretensa homogeneidade.

A formação em serviço não deve ser conce-bida, pelos sujeitos que dela fazem parte, comoum mecanismo de desprezo pela prática docen-te até então adotada e muito menos como umaestratégia “milagrosa”, que solucionará todos osproblemas enfrentados no cotidiano da sala deaula. Deve ser concebida e apropriada como umimportante espaço de reflexão, de diálogo, depercepção de si mesmo, do outro e do mundo,de uma forma mais consciente, amadurecida eaberta às mudanças necessárias. Só assim osprofessores estarão de fato construindo um sig-nificado para essa formação e também para suaatuação profissional.

A simples indicação de novas perspectivas para

o trabalho docente é capaz de provocar a inquie-

tação necessária, para que outros caminhos se-

jam ao menos considerados por aqueles que se

mostram reticentes, em relação a diretrizes con-

sideradas oficiais. Os caminhos serão trilha-

dos diferentemente pelos profissionais envolvi-

dos, sem dúvida. A busca de respostas para os

problemas que surgirão no percurso dependerá

de uma série de circunstâncias: salários, condi-

ções de trabalho (jornada e infra-estrutura), for-

mação profissional e oferta de formação conti-

nuada, além de interesses subjetivos relaciona-

dos à história de vida (Martins, 1996: 204).

A pesquisaÉ no contexto do quadro anteriormente de-

lineado que se insere a pesquisa “A formação emserviço dos educadores de jovens e adultos”,desenvolvida na FaE/UFMG, no período demarço de 1999 a fevereiro de 2001. Pudemosconstatar que a formação em serviço nas trêsredes municipais de ensino pesquisadas – BeloHorizonte, Betim e Contagem – vem amplian-do cada vez mais a abrangência de suas ativi-dades, bem como fortalecendo as discussões eos debates sobre os diversos elementos que

perpassam a atuação docente na sala de aula.Em Belo Horizonte, isso se refletiu em um

levantamento minucioso sobre as escolas, seusalunos e seus professores, bem como na siste-matização das diretrizes político-pedagógicasque orientam a EJA na rede municipal. Os dadosdesse levantamento foram coletados pela Secre-taria Municipal de Educação, por intermédio daCoordenação de Políticas Pedagógicas (CPP) e doCentro de Aperfeiçoamento dos Profissionais daEducação (Cape), e organizados em dois docu-mentos denominados Cadernos da Escola Plu-ral (Educação de jovens e adultos e EJA: a cons-trução de diretrizes político-pedagógicas para aRME/BH). Esse material, distribuído a todas asescolas da rede, é a síntese da trajetória da EJAno município: a especificidade de seus projetose de seu público, a organização dos tempos e dosespaços escolares, o perfil de seus profissionais,o relato de experiências interessantes desenvol-vidas pelas escolas. O objetivo primordial des-ses cadernos é oferecer subsídios para que a EJAnas escolas municipais de Belo Horizonte tenha,de fato, condições de viabilizar seu projeto polí-tico-pedagógico, conhecer a realidade na qual seinsere, desenvolver um trabalho que verdadei-ramente se comprometa com a educação e a for-mação dos alunos jovens e adultos, em sua maio-ria trabalhadores.

Além disso, pudemos perceber um salto im-portante no que se refere à formação em serviçodos profissionais da EJA. Em 1999, aconteceramfóruns regionalizados, momentos de formaçãodesenvolvidos na Regional Leste, e nos meses deoutubro e novembro, o Seminário Interno de EJAe reuniões com a Comissão de Trabalho instituídanesse evento, para discutir a elaboração de umapolítica educacional de EJA. Já em 2000, mesmocom a greve dos professores no início do primeirosemestre letivo, a rede conseguiu viabilizar umevento de formação mais amplo, envolvendo deforma mais global os professores das regionais.

Em Betim, os educadores, não apenas aque-les que atuam com jovens e adultos, mas tam-bém os que atuam na rede como um todo, fo-ram contemplados com um momento de for-mação muito significativo: o 1o Encontro Nacio-nal da Escola Democrática. Esse evento tevecomo objetivos primordiais a criação de um

134

espaço de reflexão e o debate sobre o papel for-mador da escola, além da possibilidade de so-cialização de experiências transformadoras nocontexto da educação.

No município de Contagem, um importantepasso dado pela Secretaria Municipal de Educa-ção foi a sistematização dos princípios, dos obje-tivos e das estratégias do projeto Escola Dinâmi-ca, por meio da publicação do caderno EscolaDinâmica – construindo uma trajetória para o sé-culo XXI, em junho de 2000. Esse material foi re-passado para todas as escolas da rede municipal.

A metodologiaOs dados da pesquisa foram coletados por

meio de diversas estratégias. Inicialmente, realiza-mos um levantamento sobre os diferentes proces-sos de formação em curso nas redes de ensinoinvestigadas. Após a identificação de alguns sujei-tos envolvidos nesses processos e consideradosrelevantes para o problema proposto (professorese responsáveis pela formação em serviço dos edu-cadores de jovens e adultos das secretarias), reali-zamos entrevistas semi-estruturadas, que foramtranscritas e analisadas. Além disso, participamosde algumas instâncias formadoras, a exemplo dosfóruns mineiros de EJA, de algumas aulas do 3o.Módulo do Curso para Educadores de Jovens eAdultos, promovido pela SMED/BH, por intermé-dio do Cape, da “Rede de Trocas”, também promo-vida pelo Cape, e do Seminário Final do Curso paraEducadores de Jovens e Adultos, em Belo Horizon-te. Participamos também do “Relato de Experiên-cias” de cinco escolas de Belo Horizonte e fizemos

algumas visitas às Secretarias Municipais de Edu-cação de Belo Horizonte e Betim.

A seguir, destacaremos alguns dados sobrecada uma das três redes que consideramos signi-ficativos para a pesquisa. Por se tratar da maiordas redes pesquisadas, acabamos obtendo maisinformações sobre a EJA em Belo Horizonte.

Belo HorizonteDe maio a novembro de 2000, a Secretaria

Municipal de Educação, por intermédio do Cape,desenvolveu um curso de formação para educa-dores de jovens e adultos, financiado pelo FundoNacional para o Desenvolvimento da Educação(FNDE). Esse curso destinou-se a 180 professoresque atuam no Ensino Fundamental da EJA, dis-tribuídos em seis turmas regionalizadas, com trin-ta participantes cada uma. A programação do cur-so, divulgada inicialmente, foi a seguinte:

1º Módulo: Diagnósticos e tendências da EJA noBrasil.

2º Módulo: Processos cognitivos e contextos deaprendizagem dos jovens e adultos.

3º Módulo: Construindo um currículo para EJA.

As aulas aconteceram durante quatro sema-nas, sempre nas noites de quarta-feira. O ele-mento detonador do processo foi um levanta-mento feito na turma sobre o que havia sido maissignificativo nos módulos anteriores do curso,bem como as expectativas dos professores emrelação ao 3º Módulo. Consideramos ser impor-tante trazer em nosso relatório uma síntese dasopiniões apresentadas pelos professores:

• Discussão do conceito de EJA• Abordagem sobre letramento• Relatos das escolas• Oficina de sexualidade• Palestra – professor Luís Alberto• Construção da EJA como um processo contínuo• Diagnóstico da rede• Troca de experiências/Convivência com os colegas

Aspectos significativos abordadosnos módulos anteriores Expectativas e considerações sobre o 3o Módulo

• De que forma construir um currículo que atenda ao público da EJA• Desmitificação do currículo• Participação da comunidade escolar na elaboração do currículo• Como elaborar um currículo que não seja considerado inferior• Abrangência maior do currículo• O tempo do adulto contemplado no currículo• Conteúdo/trabalho com os livros didáticos• Um currículo viável/possível• Construção do conhecimento

135

Articulação entre formação inicial e continuada – EJAPAINEL 11

Em 11 de novembro de 2000, foi realizadona sede do Cape o seminário final para todosos participantes do curso. O principal objetivodesse seminário era criar um espaço no qual osprofessores pudessem debater e refletir sobreos conhecimentos adquiridos fora da escola.Estavam presentes, para relatar suas histórias:dona Valdete – líder comunitária no Alto VeraCruz; dona Nelcina – educadora de creche; eHudson – integrante da Rádio Favela.

Durante o ano de 2000, a rede promoveu tam-bém um evento denominado “Rede de Trocas”,que consistia em um relato mensal de experiên-cias interessantes desenvolvidas em alguma es-cola. O relato acontecia no auditório do Cape, nohorário de 13h30 a 17h30. No que se refere à EJA,participaram desse evento as seguintes escolasmunicipais: Aurélio Pires, de Ensino Especial deVenda Nova, Hélio Pellegrino, Nossa Senhora doAmparo, Sebastião Guilherme de Oliveira, PauloMendes Campos, Governador Ozanam Coelho,Hugo Werneck e União Comunitária (PET).

Outro espaço significativo de formação emserviço dos professores da EJA durante o anode 2000 foi o Fórum Mineiro de Educação deJovens e Adultos. Com realização periódica, oFórum proporcionou a professores de Belo Ho-rizonte e região um espaço de socialização deexperiências e também de informações relevan-tes sobre a política e os encaminhamentos da-dos à EJA no Estado de Minas Gerais e tambémno Brasil. Os debates eram norteados por ques-tões como: organização dos tempos escolares;legislação vigente; movimentos populares, im-portância da formação docente; reintegração einclusão do aluno jovem ou adulto na escola;EJA como um direito; perfil do público atendi-do pela EJA; parcerias; valores e atitudes trans-mitidos na escola e currículo.

BetimNo período de 28 de junho a 1º de julho de

2000, ocorreu no município o 1º Encontro Nacio-nal da Escola Democrática: Formação Humana,Currículo e Diversidade Cultural. Esse eventoteve como objetivo atender aos profissionais darede como um todo e também a profissionais eestudantes interessados pela educação. A pro-

gramação constava de conferência, sessõestemáticas coordenadas, minicursos e oficinas.

Além desses cursos e oficinas, a rede muni-cipal de Betim realizou durante o ano de 2000oito reuniões do grupo de professores que com-põem o Movimento de Organização Curricular(MOC). Esse grupo foi constituído a partir deoutubro de 1999, tendo como principal objeti-vo agregar um grupo representativo de educa-dores das 33 escolas do ensino noturno da rede.

ContagemComo já dissemos, a rede municipal de en-

sino de Contagem sistematizou e implantouoficialmente, no mês de junho de 2000, o seuprojeto político-pedagógico, denominado Esco-la Dinâmica. Destacaremos a seguir alguns dosprincipais elementos que constituem essa pro-posta. A matriz da Escola Dinâmica baseia-senos quatro pilares do conhecimento, definidosem um relatório da Unesco em 1995. São eles:aprender a conhecer, aprender a fazer, apren-der a conviver e aprender a ser.

Partindo da releitura desses pilares, o pro-jeto Escola Dinâmica

[...] traz em sua base o pressuposto de que apren-der e ensinar são práticas sociocognitivas que nãose caracterizam por um início e por um fim, mascaracterizam-se, sobretudo, por um continuumque vai se dimensionando e se redimensionandopara e pelas próprias demandas que se impõeme se propõem, organizadas no contexto escolar,sejam outras realidades das quais os sujeitos par-

ticipam (Contagem, 2000: 5).

Algumas consideraçõesA pesquisa possibilitou o contato com dife-

rentes experiências desenvolvidas na área, epossibilitou também aprimorar o exercício doouvir o outro, dar importância às histórias devida que se entrelaçam à prática pedagógica,compreender que a Educação de Jovens e Adul-tos é um processo muito dinâmico, cheio decontrastes, falhas, tropeços, mas também deacertos, ressignificações e partilhas.

O conjunto de todo o material que coleta-mos, durante os anos de 1999 e 2000, nas redes

136

pesquisadas acabou configurando-se não ape-nas em um subsídio para o desenvolvimento denosso trabalho, mas também em um banco dedados para futuras pesquisas e consultas sobreo tema. A quantidade e a diversidade de textos,relatórios e documentos que nos foram passa-das constitui um importante suporte para a re-flexão e a análise da natureza da formação do-cente desenvolvida nos três municípios.

As Secretarias Municipais de Educação deBetim, Belo Horizonte e Contagem estão de fatopreocupadas em oferecer aos profissionais da EJAum espaço que realmente amplie as reflexões e astrocas de experiência sobre as demandas apresen-tadas pelos alunos jovens e adultos. E o que é maisimportante: um espaço no qual os professores têmvoz e vez, tornando-se co-autores das diretrizesque norteiam o trabalho nas escolas onde atuam.

Se compararmos os dados referentes a 1999 ea 2000, poderemos constatar que a formação emserviço nos três municípios trouxe alguns avan-ços importantes. Gostaríamos de destacar o quese refere ao intercâmbio, à parceria com as outrasmodalidades de ensino. Ainda que tenham cons-ciência das especificidades da EJA, as redes têmbuscado alternativas para que os momentos deformação sejam permeados pelo debate e pelareflexão da escola, como um todo, podendo as-sim desenvolver um trabalho menos fragmenta-do e mais significativo para a viabilização de cadauma de suas propostas político-pedagógicas: Es-cola Plural (BH), Escola Democrática (Betim) eEscola Dinâmica (Contagem).

Não podemos desconsiderar que alguns pro-blemas ainda se fazem presentes no cotidianodocente da EJA: baixos salários, fazendo com quemuitos professores tenham jornada dupla de tra-balho; recursos que possibilitem a participaçãoem eventos externos às redes; falta de um com-prometimento maior por parte de alguns educa-dores; forte presença da violência e do tráfico dedrogas nos bairros onde estão localizadas muitasescolas, o que acaba comprometendo a qualida-de e até mesmo a realização de muitas atividadesde formação em serviço. As palestras, as reuni-ões, as oficinas e os cursos oferecidos pelas redes,seja por intermédio da Secretaria de Educação,das Regionais ou da própria escola, ainda enfren-tam problemas básicos de organização, partici-

pação e também de aplicação no cotidiano da salade aula. É preciso que estejamos atentos a isso,para não corrermos o risco de esvaziar e mistifi-car a avaliação dessas atividades.

Mas, sem dúvida alguma, Belo Horizonte,Betim e Contagem têm conseguido concretizarde forma abrangente, e até mesmo ousada einovadora, as prioridades que definiram para aformação em serviço de seus professores. Têmconseguido até mesmo reconstruir a identida-de profissional dessas pessoas, oferecendo-lhesa oportunidade de revisão de valores e concei-tos, de construção coletiva da aprendizagem ede uma nova percepção, talvez mais humana eautêntica, de seus alunos jovens e adultos.

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PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1212121212

AVALIAÇÃO DASAPRENDIZAGENS E FORMAÇÃODE PROFESSORES – EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

Cláudia Lemos Vóvio

Maria Amábile Mansutti

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O presente artigo tem como objetivo discu-tir a relevância e as diferentes dimensões doprocesso de avaliação diagnóstica na Educaçãode Jovens e Adultos. Deu-se especial atençãoaos usos que o educador pode fazer de indica-dores coletados no processo de avaliação e àsistematização dessas informações para guiaro planejamento e as escolhas didáticas para essamodalidade educativa.

Nas sociedades ocidentais, urbanas e burocra-tizadas, a escola tem como função a transmissãode uma parte da cultura historicamente cons-truída, preparando os indivíduos para o com-partilhamento de práticas sociais valorizadas. Alinguagem escrita, os conhecimentos científicose o modo como são produzidos são os conteúdosmais relevantes de que se ocupa a escola, promo-vendo, dessa forma, o acesso dos indivíduos àcultura da qual fazem parte. Pode-se afirmar quea escolarização e o conseqüente domínio da lin-guagem escrita, além de serem elementos centraisna socialização dos indivíduos, promovem a aqui-sição de um conjunto de conhecimentos, de ins-trumentos e de habilidades de pensamento quecondicionam a participação plena na sociedadee o exercício da cidadania.

Muitos pesquisadores1 se dedicaram ao es-tudo comparativo entre sociedades letradas enão-letradas, investigando o funcionamentocognitivo de pessoas em diferentes culturas,

Diagnosticar o que sabemos jovens e os adultos:ponto de partida para aaprendizagem*

Cláudia Lemos Vóvio

Ação Educativa/SP

buscando explicações e generalizações sobre asdiferenças interculturais nos processos de pen-samento. Um consenso entre esses investigado-res é que a escolarização, mais que qualqueroutro fator, promove transformações no pensa-mento, gerando diferenças na maneira de en-frentar as tarefas propostas nas investigações(Tulviste, 1991).

Uma pergunta subjacente a essas pesquisasé a de como sujeitos pouco ou não escolarizadospertencentes a sociedades letradas operamcognitivamente, já que convivem, em socieda-des letradas, com situações nas quais a lingua-gem escrita é central. Nesse convívio, esses su-jeitos tomam a linguagem escrita como objeto,refletindo sobre suas características e funciona-mento, criam representações sobre sua funçãosocial e elaboram estratégias e respostas às de-mandas que essas práticas propõem.

No caso do Brasil, 15,57% da população com15 anos ou mais são considerados analfabetos(IBGE, 1996), e 32,24% freqüentaram menos dequatro anos de escola (IBGE, 1997). De modogeral, pode-se afirmar que essa parcela substan-cial da população não teve acesso aos modosde operar tipicamente letrados, por não com-partilhar de práticas culturais próprias da soci-edade da qual faz parte e, em conseqüência, deprocedimentos, de modalidades de operaçãocognitiva e de conhecimentos característicos

* Relato de Experiência. Tema: Avaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores.

1 Ver Luria (1990) que realizou, na década de 1930, uma pesquisa empírica com camponeses da Ásia Central. A constatação, origináriadessa e de outras investigações, de que a alfabetização e a escolarização são responsáveis pelo desenvolvimento de processos cognitivosabriu um campo estimulante para o estudo da mente humana. Ver também os trabalhos de Goody e Watt (1968), Goody (1987), Ong (apudRibeiro, 1998), Olson (1995), Street (1984), Scribner e Cole (apud Werstch, 1988).

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Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJAPAINEL 12

das sociedades modernas. Como conseqüência,jovens e adultos pouco ou não escolarizados,mesmo se encontrando imersos em situaçõesnas quais a linguagem escrita é central, esta-riam alijados dessas práticas culturais, diferen-temente daqueles que passaram pelo processode escolarização.

Pesquisas realizadas por Oliveira (1995 e1998) têm trazido importantes insumos para acompreensão das diferenças no modo de ope-ração cognitiva de sujeitos não ou poucoescolarizados, pertencentes a sociedades letra-das. A autora afirma que jovens e adultos ex-cluídos do processo de escolarização, portantodo compartilhamento de práticas culturais so-cialmente valorizadas, apresentariam diferen-ças na maneira como realizam operaçõescognitivas quando comparados aos modos ti-picamente letrados de pensamento. Oliveira(1995) aponta para a dificuldade de esses su-jeitos operarem com categorias genéricas e comproblemas cujas informações fogem ao contex-to concreto e à experiência pessoal (pensamen-to descontextualizado); tomarem consciênciasobre os próprios processos e ações intelectu-ais (procedimentos metacognitivos) e contro-larem a produção cognitiva no que tange à ca-pacidade de seguir instruções e controlar asetapas envolvidas num processo. Indica tam-bém que, para além da escola, outras ativida-des desenvolvidas pelas pessoas poderiam con-tribuir para o desenvolvimento de habilidadescognitivas: o trabalho, a participação políticaem movimentos sociais e sindicais ou, ainda,atividades que se desvinculam da experiênciaconcreta das pessoas, que promovam a refle-xão e o distanciamento de rotinas.

Sob essa perspectiva, a análise de comopessoas não ou pouco escolarizadas operamcognitivamente e participam de situações co-municativas pode oferecer importantes infor-mações para que se possa compreender e ex-plicar as estratégias e os procedimentos queelas usam, distintos daqueles mecanismos uti-lizados por pessoas que passaram pelo proces-so de escolarização e, conseqüentemente, do-minam a escrita e dela fazem uso. No caso daEducação de Jovens e Adultos, é o ponto departida para estabelecer diretrizes curriculares,

delinear objetivos, selecionar conteúdos e es-tabelecer formas do fazer docente adequadasàs especificidades dessa modalidade de ensinoe público atendido.

Os jovens e os adultos, antes mesmo de in-gressarem na escola, possuem uma série de co-nhecimentos, pontos de vista, procedimentos,crenças e valores, que se relacionam tanto di-retamente como indiretamente ao que apren-derão na escola. A consideração de que jovense adultos são portadores de cultura e dominamuma série de conhecimentos, habilidades, pro-cedimentos e representações sobre a lingua-gem escrita e outros domínios do conhecimen-to não é nova para muitos professores e pes-quisadores, mas suas implicações para as prá-ticas que se estabelecem em salas de aula sãoainda pouco sistematizadas. A razão para co-nhecer o que eles já sabem se deve à consta-tação de que as pessoas quando deparam comdeterminada situação mobilizam aquilo que jásabem para enfrentá-la. Quando uma pessoaenfrenta uma nova aprendizagem, arma-se deuma série de conceitos, representações, valo-res, procedimentos e conhecimentos adquiri-dos ao longo de sua existência em experiên-cias anteriores. São essas chaves de leitura einterpretação que permitem uma primeiraaproximação ao novo e condicionam, inicial-mente, o que utilizar e como fazer para apren-der. Além de permitir esse contato inicial comum novo conteúdo, esses conhecimentos pré-vios são os fundamentos destinados à constru-ção de novos significados e sentidos para o quese aprende.

Há muito por descobrir sobre como essesconhecimentos prévios são construídos, quetipos de relações os educandos estabelecem aoaprender algo novo e como tomá-los como re-ferência para a elaboração de currículos e pla-nos de ensino. Esforços devem ser empreendi-dos no sentido de explicar como jovens e adul-tos adquirem conhecimentos, como formulamsuas teorias e crenças em diferentes campos doconhecimento. Para o professor, esse é um cam-po investigativo novo, no qual há muito por sefazer, referindo-se basicamente a uma etapa doprocesso de avaliação: a avaliação diagnósticaou inicial.

140

Avaliação diagnósticaou inicial: o que é e paraque serve?Durante muito tempo, a avaliação restringiu-

se ao levantamento de informações sobre os re-sultados de aprendizagem obtidos pelos alunos,que eram tidos como únicos responsáveis pelosucesso ou pelo fracasso escolar. Hoje, sabe-seque o ato de avaliar pode servir a outros fins quenão se restringem apenas a saber se o aluno al-cançou ou não certos objetivos de aprendiza-gem. A avaliação engloba diferentes sujeitos eobjetos e possui diversas funções, especialmen-te quando é concebida como um elemento doplanejamento e como uma prática que integra oprocesso de ensino e aprendizagem.

As práticas pedagógicas englobam sempremais que um sujeito: os educandos e os educa-dores. Assim, devemos considerar que a avalia-ção tem de focalizar tanto o processo de apren-dizagem quanto o tipo de ensino que se pro-move. Quando focalizada no aluno, a avaliaçãose torna instrumento de análise do processo deaprendizagem e verifica o desenvolvimento decompetências (capacidades, habilidades e ati-tudes, a aquisição de conhecimentos e sua ca-pacidade de aplicá-los em diferentes situações).Quando focalizada no educador, a avaliação setorna instrumento de análise do processo deensino planejado e executado, de suas expec-tativas em relação ao grupo ou a cada aluno, daadequação dos conteúdos e das estratégias di-dáticas. Nessa perspectiva, a avaliação se pres-ta ao acompanhamento do processo de apren-dizagem de cada aluno e do grupo de alunos e,ao mesmo tempo, à regulação do planejamen-to e à verificação de sua adequação às necessi-dades de aprendizagem.

Outro equívoco freqüente relativo à avalia-ção é a visão de que é algo que deve ser realiza-do apenas no final de alguma etapa do proces-so de ensino e aprendizagem. Na realidade, aavaliação só terá um valor educativo para o alu-no e para o educador se for encarada como pro-cessual, que integra a prática educativa do iní-cio ao fim. O ponto de partida para a aprendi-zagem dos alunos implica investigar pelo me-

nos três domínios: a disposição dos alunos paraaprender, os instrumentos e as habilidades deque dispõem e sua bagagem de conhecimentosprévios. Uma avaliação diagnóstica ou inicial éessencial para que se tome conhecimento doque os alunos já sabem, quais procedimentosdominam, que atitudes os predispõem ou in-dispõem para realizar a aprendizagem do con-teúdo em pauta. Tendo essas informações, oeducador pode ajustar seu plano de interven-ção pedagógica, adequando-o às condições emque seus alunos se encontram.

A disposição dos educandospara aprenderOs jovens e os adultos apresentam uma de-

terminada disposição para realizar as aprendi-zagens escolares. Essa disposição ou modocomo abordam a situação de aprendizagem é,em muitos casos, previsível e pode ser explicadapor inúmeros fatores de tipo pessoal e social. Aauto-imagem e a auto-estima, suas experiênciasanteriores de aprendizagem, sua capacidade deassumir riscos, sua persistência diante de de-safios, sua capacidade de pedir, receber e ofe-recer ajuda, são alguns aspectos do tipo pessoal,aspectos subjetivos que influem no desempe-nho deles diante da aprendizagem.

Relacionados aos fatores de ordem pessoal,temos fatores sociais, tão importantes de seremidentificados como os anteriores. Reconheceras condições de vida e sociabilidade doseducandos nos dá pistas para planejar situaçõesde aprendizagem. A idade, as característicassocioculturais, a inserção ou não no mundo dotrabalho, o local de moradia, a relação com olazer e a produção cultural, entre outros, sãoelementos que variam de modo significativo epodem ser decisivos na seleção do que e comoensinar.

Além desses, outros elementos, como a re-presentação inicial dos alunos sobre seu pro-fessor e seus colegas, sobre o conteúdo e a ta-refa propostos (e seu interesse por ela) tambéminfluem diretamente no modo como se posicio-nam diante da aprendizagem e no sentido quelhe atribuirão.

141

Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJAPAINEL 12

Para levantar informações desse tipo, é pre-ciso saber dialogar, ouvir e observar os educan-dos – pressupõe uma postura investigativa porparte do professor. É preciso se deixar levar pelacuriosidade de saber quem são, de ouvir suashistórias de vida, de identificar os desafios queenfrentam cotidianamente, e prestar atenção aoque dizem, de observar como e por que se mo-bilizam. Entrevistas individuais e em grupos,dinâmicas de apresentação, fichas de apresen-tação feitas pelos alunos, produções de textospodem ser bons instrumentos para identificaras condições de vida e a disposição para apren-der dos educandos.

Os instrumentos, asestratégias e as habilidadespara aprenderOs jovens e os adultos dispõem de determi-

nadas capacidades, instrumentos, estratégias ehabilidades gerais, que colocam em jogo dian-te de situações de aprendizagem. As capacida-des cognitivas são ferramentas do pensamen-to, como a capacidade de abstrair, generalizar,pensar sobre o próprio pensamento, planejaretapas para desenvolver determinada ativida-de, controlar e avaliar o próprio processo depensamento.

Além dessas capacidades, contam aindacom instrumentos, como a linguagem escrita ea representação numérica, e com habilidades,geralmente aprendidas no trabalho e em expe-riências anteriores na escola, como tomar me-didas, prever e planejar ações, tomar notas, su-blinhar, resumir, ter estratégias para pesquisar,entre outras.

Descobrir quais capacidades, instrumentose habilidades possuem é também um fator de-cisivo para a organização de situações de apren-dizagem. Trata-se de saber se dispõem das fer-ramentas necessárias para enfrentar a ativida-de planejada. Os próprios alunos são fontes fun-damentais para identificar os recursos de quedispõem e aqueles que o professor precisa de-senvolver para que realizem determinada tare-fa. No caso de esses educandos terem passadopor outras turmas ou séries do processo de es-

colarização, pode-se consultar documentoscomo:

• os Referenciais Curriculares dos ciclosanteriores, verificando quais competênciasestavam previstas para serem desenvolvidaspelos alunos;

• os planos de ensino e os registros de ativida-des dos professores que acompanharam seugrupo numa série anterior;

• os resultados de determinadas atividades ela-boradas pelos alunos, como relatórios de pes-quisa, produções textuais, trabalhos de finalde curso, provas finais, entre outros materiais;

• os dossiês de alunos, relatórios ou boletins,nos quais se possa identificar seu desempe-nho diante de situações de aprendizagem;

• os livros didáticos utilizados em séries ante-riores.

Os conhecimentos préviosOs jovens e os adultos, antes mesmo de in-

gressarem na escola, possuem uma série de co-nhecimentos, pontos de vista, crenças e valo-res, que se relacionam tanto direta como indi-retamente ao que aprenderão na escola. Essesconhecimentos são construídos nas experiên-cias de vida e de trabalho, sendo gerados comorespostas a necessidades e a problemas. Funcio-nam para o contexto em que foram desenvolvi-dos, mas não são generalizáveis e, muitas ve-zes, não são representados segundo normas econvenções disseminadas pela escola.

Além de permitir o contato inicial com umnovo conteúdo, esses conhecimentos préviossão os fundamentos da construção de novos sig-nificados e sentidos para o que se aprende. Umaaprendizagem é tanto mais significativa quan-to mais relações o aluno for capaz de estabele-cer entre o que já conhece e o novo conteúdoque lhe é apresentado como objeto de aprendi-zagem.

O ponto de partida para novas aprendiza-gens consiste nos conhecimentos prévios dosalunos. Sempre que se inicia uma nova apren-dizagem, é preciso saber o que os alunos já sa-bem e partir dessas constatações para regularas etapas, rever a seleção do que se pretende

142

ensinar, prever o que deve ser enfatizado oudiminuído, que recursos poderão colaborarpara a aprendizagem (textos, imagens, gráficos,filmes etc.), entre outras ações.

O professor pode adotar dois critérios bási-cos para identificar os conhecimentos préviosdos educandos:

• as competências que se quer desenvolver e osconteúdos a serem aprendidos, ou seja, o queos alunos precisam para poder entrar em con-tato, desenvolver e atribuir significado inicialao que se pretende que eles aprendam;

• os objetivos da aprendizagem, isto é, o que sequer que os alunos aprendam sobre esses con-teúdos.

Conhecer os educandos demanda do pro-fessor uma atividade que se realiza pelo menosem três dimensões. Implica construir instru-mentos, delinear estratégias e criar mecanismosde registros mediante os quais se identifiquema disposição dos educandos para aprender; ascapacidades, os instrumentos, as estratégias eas habilidades que possuem para aprender, e osconhecimentos, as informações e os fatos ad-quiridos por eles nas atividades sociais de queparticipam. Enfim, radiografar e compreendero que se passa dentro de suas cabeças, o quesabem, o que desejam, o que os motiva paraaprender é uma estratégia privilegiada paraadequar o ensino às suas necessidades e expec-tativas de aprendizagem.

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143

Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJAPAINEL 12

ResumoEste texto pretende trazer alguma contribuição

para os educadores que atuam na Educação de Jo-

vens e Adultos e estão preocupados com a questão

da avaliação, reconhecendo que as práticas rotinei-

ras muitas vezes são utilizadas como atos de uso e

abuso de poder e, de modo geral, contribuem para

que o fracasso escolar seja encarado como fracas-

so pessoal do aluno.

Ele apresenta idéias sobre a construção de uma

avaliação democrática, que respeita o direito de os

alunos serem informados sobre seus processos de

aprendizagem e critérios utilizados para avaliá-los

e de serem orientados e ajudados em suas dificul-

dades. Sem informação não é possível promover

participação, reflexão, compreensão de erros e êxi-

tos e, também, não é possível garantir que os alu-

nos assumam responsabilidades perante a própria

aprendizagem e se sintam estimulados para pro-

gredir.

Mais que isso, o texto aponta a necessidade de

que os alunos participem efetivamente dos proces-

sos de avaliação, por meio de negociações e acor-

dos estabelecidos com o professor, nos quais se

definem objetivamente as finalidades, as ações, as

condições de realização, as responsabilidades e a

colaboração na tomada de decisões.

IntroduçãoAs análises e as considerações sobre avalia-

ção tratadas neste texto pressupõem que se to-mem como eixo central dois aspectos a partirdos quais elas foram construídas.

Avaliação: aspecto curricularque garante mudanças naprática educativa dosprofessores e êxito nasaprendizagens dos alunos

Maria Amábile Mansutti

PCN em Ação – SEF/MEC

1. A perspectiva atual que tem orientado a cons-trução dos currículos escolares. Nas últimasdécadas, os currículos estão voltados para odesenvolvimento de capacidades e compe-tências fundamentais para o exercício da ci-dadania e colocam em relevância o contextosocial em que se produz a aprendizagem dosalunos. É essa perspectiva que tem orienta-do a elaboração dos documentos curricula-res recentemente produzidos pelo MEC.

2. O reconhecimento de um distinto e singularperfil da clientela da Educação de Jovens eAdultos. Essa clientela caracteriza-se pela he-terogeneidade de experiências, demandas,necessidades e motivações, pelo domínio deum amplo e diversificado rol de conhecimen-tos, construídos a partir da experiência do co-tidiano, e por peculiares disponibilidadespara novas aprendizagens.

A avaliação como elemento constituinte docurrículo e a tomada de decisões direcionadaspara o aprimoramento das aprendizagens dosalunos são questões-chave para quem ensina nosegmento de jovens e adultos.

Se, por um lado, somos conscientes de quemudanças na definição de objetivos, na manei-ra de conceber a aprendizagem, na interpreta-ção e na abordagem dos conteúdos implicamrepensar as finalidades da avaliação, por outrolado, também sabemos que é por meio da ava-liação praticada que revelamos nossas incoe-rências pedagógicas.

Por mais que compactuemos com as idéiasinovadoras sobre currículo e afirmemos queelas orientam nosso trabalho em sala de aula, aforma como avaliamos os alunos é que mostra

144

o quanto nosso desejo está sendo concretiza-do. A avaliação põe a descoberto o chamadocurrículo oculto dos professores, e é por ele quese reconhecem facilmente os objetivos implí-citos, que seguramente foram promovidos deforma significativa e os alunos perceberamcomo mais importantes.

Portanto, a prática pedagógica efetivamenteexercida e a avaliação praticada são atividadesinseparáveis, que se condicionam mutuamente.Infelizmente, também sabemos que, de modogeral, a avaliação é o aspecto do trabalho docenteque menos tem motivado o professor e talvezmais o aborreça, enquanto para os alunos é aatividade mais temida e menos gratificante.

Se for legítimo o desejo de aprimorar a prá-tica pedagógica, no sentido de que ela contri-bua significativamente para a aprendizagemdos alunos, temos de começar a construir essecaminho revendo a avaliação.

O caminho percorridoAos poucos, estamos abandonando a idéia

de avaliar como prática para medir resultados,em prol de outra idéia que a considera comoprática de análise do processo e identificaçãode obstáculos à aprendizagem.

Isso se deve à forte influência da perspecti-va construtivista, que preconiza a aprendiza-gem como uma construção do sujeito, para aqual concorrem, em igual nível de importância,as idéias prévias sobre o que se está aprenden-do, a compreensão da proposta apresentada eas estratégias mobilizadas para resolvê-la.

No interior dessas novas idéias, surge umanova concepção de avaliação. Avaliação comoprocesso ou avaliação formativa, termo intro-duzido em 1967 por M. Scriven para se referiraos procedimentos utilizados pelos professorescom a finalidade de adequar seu trabalho aosprogressos e às necessidades de aprendizagemdos alunos.

Embora ainda não seja amplamente prati-cada, a avaliação formativa não é uma novida-de para os professores, e podemos afirmar que,no plano das representações, há um certo con-senso em relação à sua relevância e à compre-ensão de seus aspectos mais importantes:

• Considerar a aprendizagem um amplo proces-so em que o aluno vai reestruturando seu co-nhecimento por meio das atividades que lhessão propostas.

• Buscar estratégias e seqüências didáticas ade-quadas às condições de aprendizagem dosalunos.

• Ampliar os conhecimentos do professor so-bre os aspectos cognitivos dos alunos. Com-preender como o aluno aprende, identificarsuas representações mentais e as estratégiasque utiliza para resolver uma situação deaprendizagem.

• Interpretar os erros não como deficiênciaspessoais, mas como manifestação de um pro-cesso de construção. A construção do conhe-cimento supõe a superação dos erros por umprocesso sucessivo de revisões críticas. Con-siderar os erros como objetos de estudo, umavez que eles revelam as representações e asestratégias dos alunos.

• Diagnosticar as dificuldades dos alunos eajudá-los a superá-las.

• Evidenciar aspectos de êxito nas aprendi-zagens.

Influenciados por essas idéias, os profes-sores têm tentado, ainda que em tímidas ex-periências, modificar suas práticas de avalia-ção. Assim, procuram identificar os conheci-mentos iniciais dos alunos sem recorrer a pro-vas e testes; buscam com mais freqüênciaadaptar as programações em função de resul-tados de diagnósticos iniciais; detectam errose dificuldades, reforçam êxitos nas aprendiza-gens. Enfim, procuram observar não só os re-sultados, mas também os processos de apren-dizagem de seus alunos.

Porém, essas experiências também têm co-locado dificuldades de ordens diversas e bas-tante complexas para os professores, como, porexemplo: identificar as causas que provocamerros na aprendizagem, decidir sobre a inter-venção adequada para superar determinadasdificuldades dos alunos, realizar a avaliaçãoformativa em classes numerosas ou, quando oprofessor atua em várias turmas, dispor de tem-po e instrumentos apropriados para recolherinformações etc.

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Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJAPAINEL 12

Para avançar, no sentido de encontrar res-postas para essas questões, é preciso inicial-mente considerar que a avaliação não pode serum processo de responsabilidade única do pro-fessor, uma vez que ela implica uma grandequantidade de decisões a serem tomadas, emdistintas singularidades de cada situação didá-tica que se avalia e em supor os contextos hete-rogêneos em que ocorrem as aprendizagens. Épreciso, portanto, incorporar outros aspectosque permitam ao professor compartilhar a ava-liação e poder praticá-la com a função de regu-lar o processo de ensino e aprendizagem. Issoimplica buscar informações para compreendercomo cada aluno atua diante das tarefas pro-postas e possibilitar os meios de formação querespondam adequadamente às característicasparticulares desses alunos.

Aspectos que precisam serincorporados pelo professor parapensar a avaliação como funçãoreguladora da aprendizagem

• A aprendizagem se concebe como uma cons-trução pessoal do sujeito que aprende, influen-ciada tanto pelas características pessoais – es-quemas de pensamento, idéias prévias, moti-vação, experiências anteriores etc. – como pelocontexto social em que ela se desenvolve.

• O êxito na aprendizagem também é garantidopelas mediações que se produzem entre o alu-no e o professor, entre o aluno e os demais. Emfunção de esquemas de conhecimentos diver-sos e de contextos culturais diferentes, os alu-nos nem sempre percebem, da mesma manei-ra, as demandas do professor. Por isso, é neces-sário promover processos de negociação quepossibilitem aos alunos compartilhar as mesmasidéias sobre os objetivos a serem atingidos.

• A aprendizagem pode ser favorecida se osalunos se apropriarem progressivamente,por meio de situações didáticas adequadas,dos instrumentos e dos critérios de avalia-ção do professor.

• A autonomia dos alunos é promovida quan-do o professor compartilha com eles o con-trole e a responsabilidade sobre suas apren-dizagens, mediante estratégias e instrumen-

tos de auto-avaliação que propiciem a cons-trução de um sistema pessoal para regularseus processos de aprendizagem.

Esses novos aspectos imprimem um cará-ter comunicativo e abrem novas perspectivaspara a avaliação, uma vez que propõem ainteração e a gestão social da aula e possibili-tam compartilhar responsabilidades sobre aaprendizagem. Eles direcionam o professor abuscar estratégias didáticas alternativas queauxiliem o aluno a aprender a aprender.

Estratégias propostas pelo professorque podem promover o processo deauto-regulação da aprendizagem

Comunicar objetivos e comprovar asrepresentações construídas pelos alunos

Experiências realizadas em sala de aula evi-denciam que os alunos aprendem de maneiramais significativa quando conseguem reconhe-cer o que o professor quer lhes ensinar e de quemaneira ele pensa fazê-lo. Os estudantes preci-sam ser informados sobre o que vão aprender epor que determinadas atividades estão sendopropostas. É preciso fazer que eles construamuma representação do produto final que se es-pera de cada atividade e dos resultados que sepretende alcançar.

Para tanto, é preciso formular os objetivos,de modo que possam ser compreendidos pelosalunos. Certamente não basta enumerá-los talqual estão formulados no currículo. É precisoplanejar atividades que facilitem, para os alu-nos, o reconhecimento das intenções do pro-fessor. As atividades podem ser simples, masprecisam estar voltadas para os interesses dosalunos, de modo que eles se sintam envolvidosna sua realização.

Essa estratégia tem dupla função: situar paraos alunos o que se pretende que eles aprendam,os conteúdos pelos quais se inicia o estudo, epermitir a cada um deles construir uma primei-ra representação do que se quer atingir com aseqüência didática proposta. Desse modo, ocaráter unidimensional e estático dos objetivos,que são formulados pelo professor, torna-se

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multidimensional. Cada estudante percebe osobjetivos de maneira pessoal e evolutiva, umavez que suas percepções irão se modificandodurante a aprendizagem e incorporando novoselementos. Esse processo, que tem por base acomunicação, é conduzido por negociaçõesconstantes entre professor e alunos e acordosque visam ao aprimoramento da aprendizagem.

Favorecer aos alunos o exercício daantecipação e planificação das ações

A antecipação é uma espécie de prediçãosobre resultados esperados em razão de açõese caminhos previstos para chegar aos objetivospropostos. A planificação é a concepção de umplano de trabalho que poderá ser modificadoem função dos resultados que forem sendo ob-tidos no decorrer de seu desenvolvimento.

Planificar implica combinar três elementos:os objetivos, ou finalidades, as ações e as con-dições de realização. Na planificação, revela-seo conhecimento disponível nos alunos e os co-nhecimentos a serem construídos por eles.

O aluno que sabe antecipar e planificar é ca-paz de representar mentalmente as ações que vairealizar para ter êxito na resolução das tarefas.

Na realidade das salas de aula, constata-se,com freqüência, que os alunos não têm o do-mínio dessas capacidades, que são decisivaspara se obter êxito nas aprendizagens. Eles pre-cisam que o professor lhes ofereça situaçõesdidáticas que facilitem o desenvolvimento des-sas capacidades.

Ao planejar essas situações, é preciso que oprofessor esteja atento ao fato de que a lógicade quem está aprendendo é diferente da lógicada disciplina ou do especialista. Quem apren-de precisa construir uma representação da açãoa ser executada, incluindo todas as ações inter-mediárias necessárias para alcançar o resulta-do pretendido. Muitas vezes o professor jáinteriorizou as ações intermediárias e não pro-picia aos alunos a oportunidade de identificá-las, o que pode constituir um obstáculo para osalunos atingirem os objetivos, uma vez que nãoconseguem, sozinhos, preencher essas lacunas.A capacidade de antecipar e planificar ajuda aminimizar essa dificuldade.

Possibilitar aos alunos a apropriação doscritérios e dos instrumentos de avaliação

Não é comum que os professores explicitempara os alunos os instrumentos e os critériosque utilizam para saber quem aprendeu deter-minado conteúdo. De modo geral, parece queos professores interiorizam esses critérios deforma intuitiva e não sentem necessidade deobjetivá-los. Na prática, essa atitude pode fa-zer que, numa situação de avaliação, se avaliemconteúdos que não são representativos dasaprendizagens promovidas em sala de aula ouque se modifiquem os critérios de correção di-ante dos procedimentos utilizados pelos alunos.

Portanto, parece adequado explicitar paraos alunos os critérios que serão consideradospara decidir sobre o entendimento de um con-ceito, de um procedimento ou de uma atitudeesperada na realização de um trabalho. É pre-ciso ensinar aos alunos como identificar as in-tenções do professor e as exigências dele. Alémde comunicá-las, o professor precisa prever si-tuações que propiciem a legitimação dos crité-rios e dos instrumentos de avaliação pelos alu-nos, o que pode ser feito por meio de auto-ava-liação, da avaliação mútua e da avaliação com-partilhada pelo aluno e pelo professor.

Para que os alunos aprendam a auto-regu-lar suas aprendizagens, é preciso criar disposi-tivos pedagógicos facilitadores, como, porexemplo, propor unidades didáticas estru-turadas e seqüenciadas em etapas de aprendi-zagem, que possibilitem: um bom domínio dosconteúdos envolvidos; construir uma represen-tação adequada dos objetivos e dos critérios deavaliação; realizar com segurança a antecipa-ção e a planificação das ações. Isso supõe umplanejamento prévio pelo professor, que depoisserá apresentado e negociado com os alunos.Nesse processo, sobressaem-se o diálogo e asverbalizações, que facilitam a explicitação e aanálise das representações dos alunos e seuconseqüente aprimoramento.

Com a incorporação dos aspectos comunica-tivos, completa-se o quadro que permite indicaras duas dimensões primordiais da avaliação:

• A dimensão social, que é a de fornecer aos alu-nos informações sobre o desenvolvimento das

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Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJAPAINEL 12

capacidades e das competências exigidas so-cialmente e auxiliar os professores a identifi-car os objetivos atingidos, com vistas a reco-nhecer as capacidades e as competências dosalunos que favorecem a inserção deles no mer-cado de trabalho e possibilita maior partici-pação na vida sociocultural.

• A dimensão pedagógica, que é a de forneceraos professores e aos alunos informações so-bre como está ocorrendo a aprendizagem, so-bre os conhecimentos prévios e os conheci-mentos adquiridos, sobre os raciocínios de-senvolvidos e as representações construídas,sobre valores e hábitos dos alunos. A partirdessas constatações, será negociada a realiza-ção das revisões e das reelaborações de con-ceitos e procedimentos ainda parcialmenteconsolidados.

Estratégias e instrumentosque podem ser utilizados paraavaliar as aprendizagens

Contrato didático. Texto no qual se registramas negociações e os acordos realizados entreprofessor e alunos, indicando objetivos a se-rem atingidos, conteúdos a serem estudados,tarefas a serem realizadas, responsabilidadesa serem cumpridas. O contrato didático tam-bém pode conter acordos sobre organização,comportamentos e atitudes, tempo e outrosaspectos importantes para a realização do tra-balho. A avaliação consiste na análise do cum-primento desses acordos e na tomada de de-cisões sobre as ações necessárias para corrigirerros e melhorar o rendimento.

Observação do professor. Registros abertos defatos, acontecimentos, conversas, comentá-rios, e registros estruturados com pautas deobservação de aspectos predeterminados.

Testes e provas. Rotineiros, desafiadores, pro-va em grupo seguida de prova individual, tes-tes-relâmpago, testes cumulativos.

Questões ou situações-problema. Tradicionais,desafiadoras, abertas, elaboradas pelos alunos.

Atividades que exigem justificativas escritasorais. Questionários, entrevistas informais eestruturadas.

Mapas conceituais. Para realizar diagnósticos,para explorar e aprofundar conteúdos, paraorientar a sistematização de conhecimentos,para verificar aprendizagens.

Atividades que utilizam linguagem escrita ouoral. Memórias, diários, redação de cartas,poesias, crônicas, músicas e jogos, diálogos,histórias em quadrinho.

Atividades de culminância de uma unidadedidática. Projetos, campeonatos, olimpíadas,seminários, exposições, portfólios.

O portfólio como estratégiade avaliaçãoO portfólio pode ser visto como um recurso

para processar informações por meio da expres-são oral e escrita, ferramentas indispensáveispara a aprendizagem. Trata-se de uma coleçãode trabalhos realizados pelo aluno, no decorrerde uma unidade didática, que evidenciem seusacertos, habilidades, criatividade, interesses,esforços, áreas fortes e vulneráveis, melhoresidéias etc.

Para orientar a organização do portfólio,inicialmente, o professor precisa pensar em al-gumas questões.

• O que os alunos vão aprender?

• Que atividades são importantes e necessáriasque eles realizem?

• As tarefas propostas são uma mostra válida desuas capacidades? São representativas dosprocessos e dos produtos desenvolvidos nodecorrer do trabalho?

• Como vou avaliar o progresso dos alunos?

• Que oportunidades serão oferecidas para queos alunos possam fazer perguntas, revisar erefinar estratégias e procedimentos?

• Minhas expectativas quanto às aprendizagensdos alunos são adequadas? Quais critérios meservem de modelo?

O portfólio pode conter: diários, cadernos, co-mentários sobre trabalhos, reflexões pessoais e degrupo, expressões de sentimento, idéias sobre pro-jetos, investigações, gravações, vídeos, fotografias,disquetes, evidências do esforço dos alunos para

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cumprirem as tarefas, exercícios, provas, testes, tra-balhos de grupo, rascunhos e trabalhos revisados.

A análise de portfólios pode ser um recur-so de avaliação para o professor, na medida emque permite observar como os alunos escre-vem em diferentes condições e circunstâncias,para vários destinatários e com diferentes pro-pósitos; obter informações sobre o processo eos produtos desenvolvidos pelo aluno no de-correr do trabalho. Para os alunos, sua cons-trução possibilita realizar a planificação doprocesso de aprendizagem, desenvolver acriatividade, a auto-estima e o compromissoda auto-avaliação.

ConclusãoEm torno da avaliação gira todo o trabalho

escolar. Ela condiciona o que, quando e comose ensina, e todos os ajustes que se devem in-troduzir para atender à diversidade de necessi-dades geradas em aula.

Mudar pontos de vista sobre a avaliaçãoimplica mudar radicalmente muitas das percep-ções que se tem sobre como ensinar para con-seguir que os alunos aprendam. Pensar na ava-liação como ponto central do currículo, e nãocomo atividade secundária, não é habitual, po-rém é um dos caminhos que mais favorece mu-danças na prática educativa dos professores eno êxito das aprendizagens dos alunos.

Para iniciar essa reflexão, permitamo-nosresponder:

• Por que não...

... compreender a avaliação totalmente inte-grada no processo de aprendizagem e evitarconfundi-la com momentos particulares emque se aplicam testes, provas, exames?

... considerar que avaliar, antes de atribuiruma nota, é conhecer a estratégia utilizadapelo aluno na solução de uma tarefa e, des-sa forma, identificar as causas de suas difi-culdades?

... deixar de crer que as provas com perguntasde respostas fechadas são mais objetivas queas de respostas abertas?

... romper com a idéia de que as provas indi-cam os alunos que fracassam e os que têm êxi-to na aprendizagem? Em muitos casos, nãoserão os próprios procedimentos de avaliaçãoresponsáveis pelo fracasso dos alunos?

... pensar que os próprios alunos podem ser ca-pazes de reconhecer seus êxitos e dificulda-des e deixar de crer que a avaliação é somentede responsabilidade do professor?

... acreditar que todos os alunos, ou a maioriadeles, são capazes de realizar aprendizagenssignificativas e mudar a idéia de que em todaclasse sempre há um percentual de alunos for-tes, fracos e médios?

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PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1313131313

O LIVRO ESCOLAR NO CONTEXTODA POLÍTICA EDUCACIONAL

Jean Hebrard

Ralph Levinson

Luz Philippi

Nabiha Gebrim

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ResumoO livro didático tem atravessado numerosas

evoluções desde que se transformou num dos ins-

trumentos obrigatórios da escolarização de massas.

Ele permitiu assegurar uma real eficácia às políti-

cas educativas que, desde o século XIX, têm tenta-

do erradicar o analfabetismo com professores de

baixa qualificação. Quando, a partir dos anos 1970/

1980, o nível de recrutamento e de formação dos

professores cresceu fortemente (mesmo que de ma-

neira desigual), os novos formadores (freqüen-

temente, universitários) têm contribuído para ten-

tar fazer do livro didático um dos representantes

do arcaísmo pedagógico. O sucesso das políticas

educativas em curso (completar o Ensino Funda-

mental de massas, fazer que cada aluno do Ensino

Fundamental, sem exceção, tenha uma formação

qualificativa) implica, certamente, que se reconsi-

dere o lugar do livro didático na prática pedagógi-

ca e, portanto, na formação.

As grandes etapas daevolução do livro didáticoO livro didático da escola de nível funda-

mental, tal como o conhecemos hoje, é um ins-trumento relativamente recente na história daeducação. Durante muito tempo, os livros utili-zados nas escolas tiveram outras funções.

Em outros tempos, o livro podia servir dematerial para o aprendizado da leitura (que sefazia, então, apenas via soletração). Nesse caso,tratava-se de livros comuns e desarmônicos (li-teratura de cordel, livros de orações e, até mes-mo, registros de cartórios), que os alunos trazi-am com eles nas escolas e decifravam na frentedo professor. O livro também podia conter osconhecimentos que deviam ser memorizados,e se transformava, assim, numa espécie de livro

O livro didáticode ontem ao amanhã

Jean Hebrard

Ministério da Educação Nacional – EHESS – Paris/França

do professor, que era lido por ele em voz altaaté ser aprendido de cor pelos alunos. Era ocaso do catecismo, que, durante muito tem-po, só serviu de suporte para um ensino total-mente oral. No século XVIII, quando, sob a in-fluência do Iluminismo, o ensino começa a seabrir para conhecimentos mais enciclopédi-cos, é sob a forma de catecismos que se impri-mem os primeiros livros escolares especia-lizados (História, Geografia, Ciências, Gramá-tica), que passam a ser utilizados apenas nasescolas destinadas aos filhos das elites da bur-guesia e da aristocracia urbana, ou por seuspreceptores.

Na maioria dos países, a verdadeira mo-dernização do livro escolar se produz quan-do, sob a influência das congregações queensinavam (em particular, os frades das Es-colas Confessionais), surgem os primeiros li-vros de exercícios. Eles são a conseqüência deuma verdadeira revolução da pedagogia. Pelaprimeira vez, nas pequenas escolas, juntocom o ensino da leitura e do catecismo, o en-sino da escrita começa a ir além da capacida-de de delinear letras e de copiar palavras. Elese abre para dois savoir-faire difíceis, que su-põem um longo treinamento: a aritmética(aqui entendida como a arte de calcular porescrito) e a gramática (entendida como a artede ortografar corretamente um texto já nãocopiado, mas escrito sob um ditado ou redi-gido pelo aluno).

Assim, durante todo o século XIX, pode-seencontrar dois livros para a gramática: um li-vro destinado a transmitir uma descrição dalíngua, que é freqüentemente aprendido de cor(é o caso da gramática de Lhomond, por exem-plo, para a língua francesa), e um livro de exer-cícios, que permite conduzir o aluno pela difí-cil ortografia das concordâncias de gênero e

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O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

de número, bem como à ortografia léxica (es-ses livros são normalmente chamados de“cacografias”, pois se apresentam como textoscheios de erros que o aluno tem de corrigir).

Em contrapartida, durante muito tempo,não houve outro livro de aritmética senão ascoletâneas de exercícios: com maior freqüên-cia, são extensas listas de operações colocadasem linha junto com os seus resultados (o quecomprova que elas não eram trabalhadas pe-los alunos, mas utilizadas pelos professorespara dar exercícios que seriam resolvidos noquadro-negro. Pode-se notar que, na medidaem que o livro escolar é caro, as congregaçõesque ensinam preferem utilizar cartazes a livrospara colocar à disposição dos alunos os conhe-cimentos que eles devem aprender: o abece-dário, o silabário, a coletânea de regras de gra-mática e até mesmo os preceitos da moral po-dem, assim, ser lidos coletivamente em vozalta, a partir de grandes cartazes colocados nasparedes da sala de aula, e mostrados pelo pro-fessor por meio de sua varinha.

Desde então, o livro didático tornou-se umobjeto complexo, como suporte para duas ati-vidades principais que estão interligadas:

Livro de leitura, que permite a leitura em aulade alguns textos portadores de conhecimen-tos (História, Geografia, Ciências, Religião) oude valores (moral, literatura), que são primei-ro lidos em voz alta (um aluno lê; os outrosacompanham em silêncio) e depois explica-dos sob a direção do professor (as perguntascolocadas ao final do texto conduzem o pro-cesso de explicação que, com maior freqüên-cia, se desenvolve oralmente).

Livro de exercícios, que oferece ao aluno ba-terias de exercícios ordenados numa progres-são que permite um treinamento para os doissavoir-faire e, portanto, implica um trabalhoindividual no caderno de rascunhos (na Euro-pa, utiliza-se muito a lousa individual).

De forma progressiva, essas atividades ins-critas em livros separados são reagrupadas numúnico livro, que se transforma, ao mesmo tem-po, em livro de leitura e livro de exercícios. É ocaso da aritmética, quando as páginas de exer-cícios são completadas por pequenos repertórios

de regras que explicitam os procedimentos deresolução de problemas ou o sentido das opera-ções. É o caso da gramática, quando a lição quetem de ser aprendida de cor se encontra seguidade exercícios, que permitem transformar o sa-ber gramatical num savoir-faire ortográfico.

A inventividade daqueles que elaboram osmanuais lhes permite criar diversas situaçõesde trabalho que são, assim, acrescentadas à li-ção: exercícios de transformação (preenchercom algumas palavras ou colocar uma frase noplural, no singular, mudar o tempo dos verbosou a pessoa etc.); exercícios de análise gramati-cal (dizer, para cada palavra de uma frase, a quecategoria do discurso ela pertence e qual é suafunção na frase); exercícios de definição (dar osentido de uma palavra, dar um sinônimo, ocontrário etc.). No caso, ainda, do livro deaprendizagem da leitura, ali já não se encon-tram separadas a aprendizagem da leitura e aaprendizagem da escrita.

A partir daí, palavras ou textos para seremlidos encadeiam-se com palavras ou textos paraserem escritos, numa articulação acertadamen-te ritmada de exercícios de leitura e de exercí-cios de escritura.

É na pedagogia da língua materna que o li-vro escolar se torna crescentemente complexocom o decorrer dos anos e onde se organiza umaprimeira metodologia integrada para o domí-nio da língua. Ela concatena um texto para serlido, algumas perguntas de compreensão do lé-xico daquele texto, algumas perguntas de com-preensão da sintaxe, pequenos exercícios queservem para fixar as regras de vocabulário ouda gramática e, bem no fim, alguns exercíciosde redação de textos semelhantes àqueles queforam lidos no início da seqüência. Esse mode-lo, muito em voga nos anos 1920–1950, consti-tui com certeza a culminação de um longo tra-balho de concepção de manuais escolares, quesão cada vez mais marcados por preocupaçõesdidáticas.

Entretanto, esse modelo, muito aperfeiçoa-do, que se encontra na base da formação de pro-fessores nas Escolas Normais, muda nos anos1970 sob o impacto da transformação dos pro-cedimentos de formação e da conquista, pelauniversidade, do campo da pedagogia.

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Com efeito, mesmo que uma grande parteda formação permaneça fora da universidade(tanto na França quanto no Brasil), é esta últi-ma que assume a responsabilidade pela pes-quisa, pela inovação e pelo acervo intelectualde tudo aquilo que se refere à educação. Nessesentido, é interessante ressaltar como a tenta-tiva de articulação entre Escolas Normais eensino universitário, no Brasil, nos anos 1920e 1930, se revela, no final das contas, um fra-casso (a USP, apesar de Azevedo, considerarásempre seu Instituto de Pedagogia como umenxerto ilegítimo).

A crise do livro didático(anos 1970–1990)O que caracteriza a década de 1970, na mai-

oria dos países, é o rápido descrédito de umapedagogia considerada como a arte de aplicarinteligentemente métodos já comprovados,cujos livros escolares fornecem um modo deutilização seguro. Certamente, existem antece-dentes para essa atitude. Ela tem sido freqüen-temente a dos inovadores: Célestin Freinet, naFrança, se expressa de forma muito dura ao sereferir a instrumentos que considera como osmelhores representantes dos arcaísmos peda-gógicos, mas cria, por sua vez, outros instru-mentos que os substituem. O que acontece nosanos 1970 é certamente diferente, e resulta, tal-vez em primeiro lugar, da conquista do campoda formação por novos atores. Diante das Es-colas Normais, nas quais existia, a partir de qua-se um século antes, uma forte articulação entreprofessores modelos (os professores das esco-las de aplicação), formadores (os diretores e osprofessores das Escolas Normais) e diretores decoleções nas editoras escolares (geralmente osmesmos), os Departamentos de Educação dasuniversidades não tinham outra saída senãoadotar uma posição crítica. Inventando novosmodelos de transmissão dos saberes e lançan-do mão de uma autonomia tão grande por par-te dos professores que só poderia ser adquiridanuma formação de alto nível, tais departamen-tos ridicularizavam todos os modelos que, des-de o início dos tempos, basearam a instrução

em dispositivos simples e repetitivos, fazendofuncionar, no essencial, a memória. A partir daí,na opinião deles, nenhum outro manual pode-ria ser aceito.

O sucesso das múltiplas formas do cons-trutivismo nos anos 1980-1990 é característi-co desse movimento. Além dos aspectos polí-ticos não desprezíveis que fazem dele o mo-delo educativo da democracia, reencontradapor diversos países da América Latina, o cons-trutivismo (que, em suas versões mais popu-lares ultrapassa largamente os modelos teóri-cos piagetianos utilizados por Emília Ferreiropara fundamentá-lo) incorpora a idéia de queo professor pode apenas ajudar a criança aconstruir seus conhecimentos, num encami-nhamento que é sempre singular. Pela mesmavia, ele nega a possibilidade de basear-se numlivro escolar na sua forma tradicional (o quenunca foi a posição de Freinet, por exemplo,abrindo um espaço importante para a auto-matização dos savoir-faire, numa perspectivaherdada das máquinas que ensinam, do beha-viorismo clássico).

Se examinarmos a produção didática des-ses anos, particularmente rica em invençõesfreqüentemente concebidas de maneira apli-cativa, a partir das disciplinas universitárias (te-oria da transposição didática), encontraremos,de forma muito regular, capítulos inteiros de-dicados à análise crítica dos manuais mais uti-lizados. Isso é especialmente verdadeiro no do-mínio da didática da leitura (apoiando-se sejana fonologia, na gramática dos textos ou na crí-tica literária), no da matemática (apoiando-senas teorias dos conjuntos), na gramática (emque a lingüística se torna a disciplina de refe-rência). Mas podemos encontrar essa situaçãotambém em ciências (em que o método experi-mental é reivindicado para denegrir a lição decoisas), em história (na qual a Escola dos Anaisserve de apoio para criticar toda históriaexpositiva em benefício de uma crítica do do-cumento) etc. Em cada um desses casos,transparece que a única maneira inovadora detrabalhar consiste em colocar a criança diantede situações-problema concretas (que, portan-to, não podem ser representadas nas páginasdos livros), permitindo-lhe explicitar suas re-

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O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

presentações espontâneas (portanto, que nãopodem ser previstas por um manual) e ajudan-do-a a construir uma representação mais ajus-tada do conceito em questão ou, ainda, as su-cessivas etapas de um procedimento eficaz.Nem a lição tradicional (como momento de ex-posição do saber), nem o exercício (como mo-mento de automatização de um procedimen-to) terão espaço nessa nova concepção da açãodidática, que vem eliminar o direito de utiliza-ção de um manual escolar.

Porém, é fácil constatar que a atitude críti-ca dos novos formadores dos anos 1970–1980evolui muito rapidamente. A resistência dosprofessores permanece intensa. Eles sabem,pela experiência, que uma atitude constru-tivista (qualquer que seja o nome assumido porela) não pode ser adotada ao longo de toda umajornada letiva. A criança, tanto quanto o mes-tre, tem necessidade de alternar momentos in-tensos de reflexão e momentos mais rotineiros,nos quais se continua a trabalhar, porém maispara reforçar os saberes ou os savoir-faire jáencontrados do que para construir novos deles.

Assim sendo, as editoras, atingidas pela cri-se dos livros didáticos, encontrariam uma res-posta. Elas inventaram os arquivos, que são co-letâneas de exercícios pré-impressas, nas quaisos alunos fazem exercícios no meio de doismomentos de descoberta (em alguns casos, ali-ás, eles chegam a fazer só esses exercícios). Porsua vez, as editoras iriam recorrer a novos for-madores suscetíveis de repensar os livros didá-ticos e de conceder suas grifes para produtosque apareceriam como mais “modernos”. E nu-merosos universitários deixaram-se tentar (tan-to assim que, nas Faculdades de Educação, en-contramos hoje professores que começaram suacarreira nas salas de aula ou em instituições deformação não-universitária e, portanto, possu-em uma boa cultura da velha pedagogia).

Sua produção, que começa em meados dosanos 1970, tanto na Europa quanto na AméricaLatina, atinge o apogeu nos anos 1990. Os no-vos livros didáticos que eles escrevem caracte-rizam-se pelo fato de se dirigirem aos profes-sores mais do que aos alunos, sendo, freqüen-temente, pequenos tratados didáticos que en-cadeiam seqüências de atividades mais do que

exposições de conhecimentos e baterias deexercícios.

Na realidade, esses manuais exemplificamum procedimento, orientam o mestre mostran-do-lhe como ele pode instaurar na aula uma si-tuação de descoberta, em seguida explorá-la e,por último, construir a noção em questão. Namedida em que a colocação por escrito de uma“progressão didática”, isto é, do encadeamentode três ou quatro seqüências distribuídas numasemana que visam construir um novo conceitoou um novo procedimento, tornou-se o exercí-cio mais importante da formação inicial, o li-vro didático também se transformou numa co-letânea de “progressões”. Por esse motivo,reintroduziu-se uma forte homogeneidade en-tre formação inicial e produção de instrumen-tos didáticos. Os formadores, assim, reconquis-taram seu terreno.

É interessante notar que assim que a for-mação continuada é fortemente institucio-nalizada (por exemplo, pelo viés das funda-ções, no Brasil) ela produz o mesmo tipo deevolução. Contudo, quando ela se torna maisligada à vida associativa (com o constru-tivismo, por exemplo) ou ao funcionamentoordinário da vida escolar (formação a distân-cia ou formação dentro da própria escola), elase situa mais demoradamente numa posiçãocrítica radical (como acontece na França, nocaso das animações pedagógicas organizadassob a direção dos inspetores, ou como acon-tece no Brasil, no caso dos dispositivos de for-mação a distância).

O uso desses novos manuais torna-se parti-cularmente delicado. Eles se encontram, mui-tas vezes, fora do alcance dos alunos, pois o dis-curso didático tem tendência a eliminar a liçãoe o exercício. Na França, onde o movimento al-cançou seu paroxismo, os livros didáticos trans-formaram-se em simples livros do mestre (oprofessor dispõe de três ou quatro manuais di-ferentes, nos quais ele seleciona uma seqüên-cia por aqui, outra por ali), ou ainda em fichá-rios que são fotocopiados e distribuídos para osalunos. Os manuais desaparecem, então, daspastas escolares e dão lugar aos classificadores/fichários, nos quais se amontoam, bem ou mal,as fichas mal fotocopiadas.

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É possível uma renovaçãodo manual escolar?Numerosas razões nos levam a pensar que

a crise do livro didático não é nem legítima nemnecessária. Se existe um objetivo importantenas lutas que continuam a confrontar as dife-rentes categorias de formadores, pela conquis-ta de sua posição no campo da formação, exis-te também um produto editorial, cujo merca-do envolve grandes grupos financeiros, queconsideram o livro didático como um produtocentral de sua produção, não estando, portan-to, dispostos a concordar com seu desapareci-mento. Enfim, começa a surgir, de forma cadavez mais clara, quais são os modelos pedagógi-cos (ou didáticos) sugeridos, e a escola não po-deria deixar de funcionar sem instrumentosdesse tipo. O professor polivalente da EscolaFundamental nunca será um especialista emtudo o que se deve ensinar, e não é desejável,para os alunos mais jovens, que ele seja substi-tuído por uma equipe de professores especia-lizados. Portanto, sempre haverá necessidadedo apoio de instrumentos confiáveis. Se quiser-mos que o aluno do Ensino Fundamental con-quiste sua autonomia na aprendizagem, ele pre-cisa ser confrontado tanto com as informaçõesescritas como com as informações orais que oprofessor lhe oferece. Finalmente, o status deprofessor (e as aprendizagens) conhece certa-mente uma nova evolução, que faz do adulto omediador entre a criança e os conhecimentos,mais que o dispensador de saberes (pedagogiatradicional) ou mesmo o organizador da mise-en-scène da didática (pedagogia renovada). As-sim, o manual pode (e deve) reencontrar suasnovas funções. Ele pode (e deve), ao mesmotempo, reencontrar seu lugar na formação.

Em contrapartida, é interessante notar queos editores, de alguma maneira, anteciparamessa evolução, inventando, nos anos 1980, nosmomentos mais agudos de queda de suas ven-das, um novo produto que não destinaram àsescolas e aos professores, mas diretamente aospais dos alunos (quer dizer, aos mais susceptí-veis, dentre eles, de fazer esses investimentos,que no Brasil sabemos que representam as fa-mílias que confiam seus filhos mais às escolas

particulares do que às escolas públicas). Essaspublicações, que na França são chamadas de“para-escolares” e, a princípio, foram inventa-das para a preparação para os grandes exames(baccalauréat, vestibular etc.), são constituídasde pequenos manuais previstos para um usoautônomo, sem a presença do professor. Sãopublicações que oferecem o que há de essen-cial, em termos de conhecimentos que devemser aceitos, mais alguns modelos de exercícios,acompanhados de suas correções, capazes dereconstruir um savoir- faire que poderia ter sidoesquecido. Um autodidata pode utilizá-las semnenhuma dificuldade. Os modelos pedagógicosaos quais obedecem são estritamente tradicio-nais: oferecem resumos a serem aprendidos, li-ções expositivas e exercícios de aplicação e ter-minam por um treinamento direto para os exa-mes. De fato, por trás de sua característica ar-caica (visando à conquista de um público depais), escondem-se grandes qualidades, e são,muitas vezes, produzidos por excelentes espe-cialistas da didática atual. Atualmente, os livros“para-escolares” são pontos de referência im-portantes para se repensar as funções dos ma-nuais escolares.

Estes últimos devem ser, certamente, conce-bidos de formas diferentes, segundo seu desti-no: crianças na fase de alfabetização (1a e 2a sé-ries no Brasil, 2o ciclo na França) ou crianças jáalfabetizadas (3a e 4a séries no Brasil, 3o ciclo naFrança). Para os primeiros, o manual não podeser utilizado de maneira autônoma, pois os alu-nos ainda não são leitores (ou bons leitores),portanto deve ser uma coletânea de materiaispara aprendizagem. O procedimento didáticopertence inteiramente ao professor, que deve teraprendido, na sua formação, a dominar todas assutilezas. Para o ensino da leitura, por exemplo,seria prudente separar, claramente, o que resul-ta da construção do princípio alfabético, e por-tanto, segundo E. Ferreiro, um trabalho de es-critura próximo da resolução de problemas, da-quilo que resulta da compreensão de textos, que,nessa etapa, se faz melhor oralmente (leitura detextos em voz alta, pelo professor, reformulaçãopelo aluno, debate sobre a interpretação em gru-po etc.). Um manual não é necessário no primei-ro caso. Álbuns de literatura de juventude são

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O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

mais adequados, no segundo caso, do que osmanuais. Se, definitivamente, o manual aindapode ser útil, uma vez construído o princípio al-fabético, é para fornecer baterias de exercíciossuscetíveis de conduzir o reconhecimento daspalavras e de automatizá-lo (sabemos que issosupõe um material organizado em função da re-gularidade da representação fônica, da freqüên-cia das palavras etc.). Ainda não dispomos dessetipo de material.

Para os alunos maiores, que começam a sa-ber ler de maneira autônoma, a relação com aescrita é diferente. Eles podem começar, util-mente, a descobrir que a escrita pode guiar aação (numa seqüência de aprendizagem autô-noma feita sobre uma ficha) ou, ainda, contro-lar a informação (seguida de uma seqüência dedescobertas). Não se pode esquecer que, assimque estiverem na escola média, deverão, comfreqüência, realizar trabalhos sozinhos, comseus instrumentos de trabalho, e muitos delesnão terão aprendido.

Isso certamente supõe uma dupla evoluçãoda engenharia pedagógica. De um lado, ela deveaprender a fornecer ao aluno informaçãoestruturada e organizada, suscetível de respon-der às questões que ele se coloca cada vez queestá realizando um procedimento de pesquisa.Nesse sentido, é urgente sair da ilusão de que acriança inventa conhecimentos. Se ela os cons-trói, o que é diferente, é apoiando-se sobre ossaberes que nossas culturas constituíram. Emsíntese, a escola atualmente tem necessidadede livros didáticos que sejam pequenas enciclo-pédias de conhecimento dos programas, nãocomo no passado, para aprendê-los de cor, maspara verificar, cada vez que for necessário, o quese acredita ter compreendido e aprendido. Épreciso, sobretudo, não acreditar que os recur-sos da web poderão ser suficientes. É precisa-mente sua dispersão que dificulta a consulta naperspectiva de uma verificação. Se, por exem-plo, em história, se deseja informações sobre aInconfidência, é importante que se possa en-contrar, em algumas páginas antes, no mesmodocumento, os elementos econômicos e políti-cos no âmbito dos quais esse acontecimento seproduziu, e em algumas páginas depois as con-seqüências desses mesmos fenômenos sobre o

acontecimento considerado. Aqui, a continui-dade é a regra. Nenhuma ligação de hipertextopermite reconstituí-la. O livro escolar, pelo seudidatismo, é insubstituível. Constatamos quesão pouco numerosos os editores que aceitamessa perspectiva.

Um segundo aspecto do debate é o que serefere à seqüência didática. Ela deve se apoiarno livro didático ou deve refletir a arte e a habi-lidade do professor? Por muito tempo, pensou-se que a qualidade de um professor estava di-retamente ligada à sua capacidade de construirseqüências didáticas particularmente sutis.Atualmente, sabemos que esse modelo foi her-dado da pedagogia expositiva utilizada no se-gundo grau e contribui para reforçar o ensinofrontal: fazer encadear as etapas sucessivas doprocedimento dificulta, em grande parte, a di-ferenciação que seria capaz de recuperar o alu-no em dificuldade. Na França, considera-se queesse tipo de pedagogia funciona sob a condi-ção de se deixar de lado de 15% a 20% de umaturma (aqueles alunos que não construíram oque o procedimento lhes teria permitido cons-truir, a cada etapa). A preocupação em condu-zir bem o processo domina sempre a preocu-pação de não deixar nenhum aluno na beira docaminho.

Desde então, são numerosos os pedagogosque começam a pensar que a sutileza da pro-gressão permite, certamente, levar muito maislonge os melhores alunos, mas contribui paraaprofundar o fosso entre estes e aqueles queapresentam mais dificuldades. Na perspectivaa que se referem seguidamente os modelos deVygotsky, se desejamos aumentar as interaçõesde aprendizagem é importante liberar mais oprofessor das tarefas de condução de seqüên-cia a fim de que conserve toda a liberdade ne-cessária para acompanhar individualmente, nastarefas em curso, os alunos que mais necessi-tam dele. Talvez seja conveniente substituir ouso, sempre um pouco vergonhoso, do manualpelo apoio decidido a tais alunos. Isso equivalea conceder ao aluno, dentro de um espírito deuma autodidaxia inteligente, a responsabilida-de pela condução da seqüência e a reservar parao professor o monitoramento e o apoio de quea criança necessita. Assim sendo, podemos ver

156

aqui que, ao contrário da função enciclopédi-ca, a função propriamente didática do manualpoderia ser assumida pelas máquinas (tal comoela já o fez em numerosas seqüências não esco-lares de aprendizagem que se apóiam na simu-lação de situações-problema): o texto escritoem papel já não serve como o melhor apoio.

A formação deveria rapidamente extrair dascolocações anteriores todas as conseqüências,desenvolvendo, muito mais do que ela o faz hojeem dia, as capacidades de interação dos pro-fessores (análise do erro, condução do diálogodidático entre o adulto e a criança, construçãodialogada das representações asseguradas etc.).

O destaque concedido ao oral (e, portanto, aodiálogo didático) talvez nada mais seja do quea tomada de consciência sobre essa questão.Todavia, restará ainda um problema delicado aser solucionado: evitar a possível disjunção en-tre aqueles que elaboram as seqüências didáti-cas (que poderiam vir a ser parte do pessoal quetrabalha em editoras de publicações impressasou on-line) e os especialistas em interação (ospróprios professores). Esse é certamente o de-safio ao qual as políticas educativas se arriscama confrontar nos próximos anos. O livro didáti-co, ou seus substitutos numéricos, será certa-mente um dos fatores em jogo em tal desafio.

ResumoO presente documento destaca os problemas

associados ao livro didático de Ciências e a rela-

ção entre o livro didático e o conhecimento cien-

tífico. Os livros didáticos promovem um modelo

de ciência empírico-indutivo, contrário aos pro-

cedimentos que seriam adotados por uma abor-

dagem histórico-filosófica. Novos modelos para o

ensino de Ciências são apresentados, em conjun-

to com as implicações para a relação entre o livro

didático, ao aluno e ao professor.

IntroduçãoDesde que freqüentei a escola, há mais de

trinta anos, ocorreram mudanças surpreen-

O professor, o aluno e o livrodidático oficial de Ciências:será que deveríamos renunciarao livro didático?

Ralph Levinson

Instituto de Educação – Universidade de Londres – Inglaterra

dentes nos livros didáticos de Ciências. Os li-vros didáticos modernos utilizam três coresem vez de preto-e-branco; há mais quebras notexto e uma série de atividades; há fotografiascoloridas modernas com jovens e breves le-gendas explicativas com perguntas, enquantoos antigos livros didáticos mostravam homensem casacos brancos por meio de um aparatocomplicado; há fotos de meninas e de moçasno livro didático moderno; antes só havia fo-tos de homens – e isso quando mostravampessoas; o livro didático moderno utiliza dia-gramas coloridos e uma série de imagens parailustrar um conceito ou um fato; o livro didá-tico antigo utilizava predominantemente tex-tos; o livro didático moderno utiliza imagense problemas contemporâneos; o livro didáti-

157

O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

co antigo era muito mais abstrato; a linguagemdo livro didático moderno é muito mais ami-gável para o leitor mais jovem.

No entanto, os livros didáticos modernosnão são populares para George Nelson, dire-tor do projeto AAAS 2061. “Nossos alunos es-tão arrastando para casa textos pesados reple-tos de fatos desconexos, que não os educamnem os motivam.”

Os livros didáticos de Ciências para crian-ças das séries intermediárias foram conside-rados inadequados e crivados de erros. Essefato provocou furor na imprensa dos EstadosUnidos, no que se refere à educação científicade gerações futuras. Além de conterem concei-tos errôneos e imprecisões, os livros estavamcheios de estratégias diversivas, tais como umabarra lateral em profissões referentes à confec-ção de jóias em um capítulo sobre metais, oque desviava a atenção das idéias centrais e erairrelevante. Os exercícios pediam às criançaspara fazer coisas impossíveis ou que não ti-nham nenhuma ligação com o conteúdo damatéria (Raloff, 2001). A fonte do problemaestá localizada no currículo e nos roteiros deledecorrentes. As exigências dos roteiros eramexpressas em termos de “fatos”, e os livros di-dáticos improvisavam para atender a esses fa-tos, por meio de uma abordagem transmissiva,carregada de conteúdo. As preocupações deNelson encontram eco nas de outros educado-res norte-americanos:

Os livros didáticos, de um jeito ou de outro, do-

minam o que os alunos aprendem. Eles definem

o currículo e freqüentemente os fatos aprendi-

dos, na maioria das matérias... e os professo-

res valem-se deles para organizar aulas e

estruturar a matéria. Mas o sistema atual de

adoção do livro didático tem enchido nossas

escolas de cavalos de Tróia – blocos de papel

com capas brilhantes, cujas palavras emergem

para entorpecer as mentes dos jovens de nossa

nação e torná-los inimigos da aprendizagem

(Graham Down, A. 1988).

Embora haja alguns bons livros didáticos no

mercado, os editores são praticamente compe-

lidos por políticas e práticas públicas a criar li-

vros didáticos que confundem os alunos com

falsas ilações que os desorientam e desinfor-

mam, além de entediá-los profundamente com

textos áridos e inúteis (Tyson-Bernstein, 1988).

O professor moderno utiliza o livro didáti-co como um mecanismo para a instrução emsala de aula. Nos Estados Unidos e na EuropaOcidental, entre 75% e 90% do tempo em salade aula envolvem algum tipo de atividade comlivro didático (Woodward, Elliot e outros, 1988).

A forma pela qual os livros didáticos são uti-lizados bem como o grau de autonomia de es-colas e professores para escolhê-los variam deum país para outro. Nos Países Baixos, porexemplo, os livros didáticos de Matemática sãoproduzidos comercialmente, e as escolas têmliberdade para selecioná-los, enquanto nos pa-íses da Orla do Pacífico a produção de livros di-dáticos é centralizada e está sujeita à aprova-ção do Ministro da Educação. Na Suíça, os tex-tos oficiais devem ser empregados no primeiroe no segundo graus (Foxman, 1999). Indepen-dentemente do grau de controle político queorienta a produção e o emprego de livros didá-ticos, a tendência é a de que aumente o predo-mínio de livros didáticos nas salas de aula.

Na Inglaterra e no País de Gales, há um altograu de colaboração entre as bancas examina-doras e as editoras para a produção de livrosdidáticos “oficiais”, que seguem os roteirosprescritos. Esses livros contêm mensagens im-plícitas sobre a natureza da matéria e o quepode ou não pode ser considerado correto(Jenkins, 1999). Nessas circunstâncias, o livrodidático orienta o que é ensinado e a forma deensinar (Yager, 1992). A despeito de todos osesforços técnicos e comerciais envolvidos emsua produção, como argumenta Yager, em Ci-ências o alto grau de utilização de livros didá-ticos não parece haver produzido bacharéiscientífica e tecnologicamente instruídos(Yager, 1983), conclusão endossada quase vin-te anos mais tarde pelo Projeto 2061. Se o livrodidático dirige a cobertura do conteúdo, essefato contradiz o que se conhece da teoriaconstrutivista, ou seja, que o conhecimentosobre o mundo é ativamente construído pelacriança (Driver, 1983). Embora pesquisas te-nham caracterizado os livros didáticos de Ci-

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ências em termos de concepções errôneas(Cox, 1996), análises de gênero (Kearsey eTurner, 1999), apelo visual (Holliday, 1990), fa-cilidade de leitura (Chiang-Soong e Yager,1993) e representação de gênero (Bazler eSimonis, 1991), meu objetivo no presente ar-tigo é demonstrar que:

1. a utilização excessiva de livros didáticos“desprofissionaliza” e desabilita o professor;

2. o trabalho com textos deve ser abordado nateoria e na prática em treinamentos que an-tecedem a profissionalização do professore em seu desenvolvimento profissional;

3. os livros didáticos devem ser criados de for-ma a interagir com as idéias das crianças.

O livro didático comoconhecimento organizadoEmbora alguns livros didáticos sejam ofici-

ais e seus autores sejam freqüentemente sinôni-mo de um corpo específico de conhecimento, ostextos não são simplesmente sistemas de expo-sição de fatos. Esse conhecimento é seleciona-do e legitimado por autoridades e grupos de po-der, e os livros didáticos participam do conheci-mento organizado da sociedade (Apple eChristian-Smith, 1991). Os livros didáticos deCiências envolvem três grupos com dimensõesdistintas de conhecimento – conhecimento ci-entífico, conhecimento científico adquirido naescola e conhecimento da vida/do mundo ouidéias das crianças (Koulaidis e Tsatsaroni, 1996).

Um modelo tradicional de transmissão deconhecimento veria o conhecimento comodifuso e filtrante a partir da área dos especia-listas, que é a comunidade de cientistas, dosprofessores para os alunos. Nesse modelo, olivro didático simplifica o conhecimento cien-tífico autêntico, de forma que os alunos pos-sam recebê-lo adequadamente.

Se, por um lado, os livros didáticos podemser publicados de acordo com esse modelo, poroutro, há fatores problemáticos: a natureza dacomunidade científica, a relação entre conhe-cimento científico e conhecimento escolar e asidéias dos alunos. A comunidade científica nãoé uma entidade monolítica. Algumas áreas de

conhecimento podem ser tidas como aceitas,como, por exemplo, a teoria da seleção natu-ral, a primeira e a segunda leis da termodi-nâmica ou a teoria atômica. Mas há discor-dâncias entre cientistas sobre outros aspectosdo conhecimento, a exemplo de debates entrebiólogos sobre a primazia da genética e sobrequal tipo de conhecimento deve ser priorizado.

Os livros didáticos são seletivos. A ciênciaescolar não é um processo de simplificação doconhecimento científico, mas, sim, como ar-gumentam Koulaidis e Tsatsaroni, uma “rees-truturação da área correspondente de conhe-cimento científico por meio de processos dere-contextualização” (Koulaidis e Tsatsaroni,1996). A ciência escolar se diferencia do conhe-cimento científico e geralmente tem pouca re-lação com os procedimentos e as informaçõesutilizados pelos cientistas.

Modelos de ciênciaUm problema do modelo de ciência cor-

rente que predomina nos livros didáticos é apromoção de um modelo de ciência empírico-indutiva, ou seja, as teorias surgem natural-mente por meio da análise de dados. Matthewscritica, de forma mordaz, a maneira pela quallivros didáticos de Física, reconhecidos e am-plamente utilizados, explicam a forma comoGalileu criou as leis do movimento do pêndu-lo observando passivamente o movimento deum candelabro na igreja de Pisa.

Se a descoberta do movimento isocrônico do

pêndulo foi tão simples quanto relata a histó-

ria do livro didático, teremos problemas para

explicar por que Oresme, Leonardo, Buridan,

Benedetti e todos os demais estudiosos e ob-

servadores de pêndulos em movimento nos

mundos ocidental e não-ocidental não perce-

beram o que se alega haver sido percebido por

Galileu (Matthews, 1994).

A matemática, o experimento orientadopela matemática, a filosofia e a história cons-tituíam aspectos interativos das conclusões aque Galileu chegou naquele lugar e naquelemomento específicos.

159

O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

Uma análise de 31 livros didáticos univer-sitários de Química sobre o experimento deMillikan com a gota de óleo, na descoberta daunidade básica de carga elétrica, mostrou queaqueles livros não abordavam os aspectos his-tóricos e filosóficos do experimento (Niaz,2000). Nenhum dos livros didáticos relata acontrovérsia entre Millikan e Ehrenhaft, naqual este levantou argumentos contra os da-dos de Millikan e sugeriu que a quantidade realde carga seria bem menor. Millikan ganhou odia. Mas um estudo das anotações de Millikanmostrou que ele era, de fato, seletivo em rela-ção aos dados que empregava. A teoria deMillikan foi comprovada e forneceu uma basecrucial para trabalhos posteriores nessa área.A questão é que a teoria de Millikan se basea-va amplamente na tradição de pesquisa que ocientista adotava, de modo que ele selecionoua evidência que melhor corroborava sua teo-ria. A teoria direcionou os dados. Os livros di-dáticos, entretanto, apresentam uma visão dométodo científico segundo a qual a teoria sur-ge naturalmente dos dados (Wilkinson, 1999).

Outros estudos demonstram a forma pelaqual os livros didáticos apresentam um relatohistoricamente idealista da ciência e sua rela-ção com a tecnologia. Quando há evidênciaconsiderável para mostrar que a tecnologia éhistórica e ontologicamente anterior à ciência,os livros didáticos assumem uma visão segun-do a qual as teorias geradas por cientistas for-necem, de forma não problemática, uma basepara os produtos tecnológicos (Gardner, 1999).Os relatos de descobertas científicas não levamem conta a heurística pessoal dos cientistas,suas suposições, e o contexto social, político ehistórico no qual surgem as idéias.

Uma objeção a essa abordagem é o fato deque o envolvimento com o processo da desco-berta científica é um fardo muito pesado paraas crianças. Não podemos recriar todas as des-cobertas científicas em sala de aula e testar aprática e as teorias de cientistas altamente ex-perientes. Conforme argumenta Millar, háprincípios básicos na ciência que agora sãoaceitos, e seria inútil considerá-los inconsis-tentes (Millar, 1997). Mas há uma diferençaentre apresentar a ciência como uma “retórica

de conclusões” (Yager, 1983) – na qual o alunotem pouco ou nenhum envolvimento intelec-tual, contrariamente a um entendimento dodesenvolvimento e da luta de idéias – e a na-tureza complexa e tentativa da ciência.

Enquanto escrevo este artigo, numa sexta-feira, 13 de julho, o rádio noticia a descobertade um gene, o Apo-E, que aumenta o risco dedoenças coronarianas em fumantes do sexomasculino. Nesse caso, o risco implica umainteração entre genes e o meio ambiente. Vocêpode ser portador de genes que indicam umasuscetibilidade acima do normal a uma doen-ça, mas isso não quer dizer que você contrairáessa doença. Palavras como “risco” e “susce-tibilidade” são cruciais, hoje, para o entendi-mento de debates sobre saúde pública e polí-ticas científicas. Ainda assim, abra qualquerlivro didático de Biologia e você verá diagra-mas e explicações que indicam uma relaçãodireta entre os genes de uma doença, tal comofibrose cística, e a aquisição da doença. A re-lação entre gene e doença não é direta e podeser mediada por outros genes e por uma sériede fatores ambientais. Até mesmo um consi-derado livro didático do Reino Unido, que pre-tende “ampliar o entendimento dos alunos afim de ajudá-los a desenvolver uma visão maisharmoniosa e madura de […] importantes ex-plicações científicas”, continua a apresentaressa relação direta entre gene e doença comoalgo não-problemático (Hunt e Millar, 2000).Se os currículos avaliarem os alunos em ter-mos de fatos facilmente marcados, as escolasadquirirão aqueles livros didáticos que maisfacilmente apoiarem essa finalidade. Não cau-sa surpresa, portanto, o fato de que os livrosdidáticos raramente refletem questões con-temporâneas ou modelos de como a ciênciafunciona.

Precisamos de mais evidências empíricassobre o efeito dos livros didáticos nas imagensque as crianças fazem de um determinado as-sunto. Se os livros didáticos apresentarem umaimagem distorcida e enganosa da ciência e deoutras matérias, será necessário explorar o pa-pel do professor em relação ao livro didático. Emum primeiro momento, o papel do professordeve ser desacoplado daquele do livro didático,

160

e o aluno deverá ser reconceitualizado como umconstrutor ativo de conhecimento, em vez de umreceptor de informações transmitidas.

Novas relações entre oprofessor e o livro didáticoUm começo seria transformar as aulas, par-

ticularmente as aulas de Ciências. O aluno pas-saria a ser o intérprete de idéias e não o recep-tor de informações.

A solução é deixar de considerar as aulas de Ci-

ências como o estudo da natureza. A ciência em

si pode ser um estudo da natureza, mas as aulas

de Ciências deveriam ser o estudo do que as pes-

soas disseram e pensaram sobre a natureza. O

principal objeto da atividade interpretativa de-

veria ser não o circuito em si, mas o que alguém

falou sobre o circuito; não os eventos no tubo de

ensaio apenas, mas a forma pela qual alguém fala

sobre esses eventos… As aulas de Ciências deve-

riam ser o estudo de significados criados por se-

res humanos (Sutton, 1992: 72).

Nesse cenário, os alunos interpretam e ava-liam idéias, mas não se pode esperar que re-criem ou elaborem teorias por si sós, um dosproblemas heurísticos na inovadora CiênciaNuffield da década de 1960. Em vez de proces-sar fatos para fins de avaliação, os alunos setornam intérpretes do fato e se envolvem coma narrativa independentemente da fonte – querescrita ou oral, em palavras ou imagens – ecomparam essa narrativa à sua própria versãoda realidade.

O trabalho prático poderá pedir aos alunosque testem as discrepâncias entre interpreta-ções, tal como o relato original e interessantede Boyle sobre a compressibilidade dos gases,e relacionar esse relato com as explicações dospróprios alunos sobre a compressão de umaseringa de ar e o teste da Lei de Boyle (Sutton,1992). Um outro exercício poderá pedir aosalunos que reescrevam uma brochura expli-cando as vantagens e os riscos de um trata-mento com raios X para pacientes hospitaliza-dos. O papel do professor é criar o cenário danarrativa e utilizá-lo para estabelecer uma

ponte – ou mesmo levantar problemas – entreas concepções do aluno e as concepções daciência.

O livro didático torna-se um recurso paraque o professor contextualize – e não lidere –o tópico, e pode ser utilizado para apresentaruma versão condensada e oficial dos “fatos”,mais ou menos nos moldes dos livros didáti-cos tradicionais. O livro didático seria comple-mentado por material de fonte – como, porexemplo, breves relatos de cientistas comoFaraday, Millikan, Darwin; notícias de jornal;trechos de vídeos; notícias de rádio; extratosde grupos de campanha; e até mesmo relató-rios científicos – nos quais os alunos pudes-sem colocar perguntas, como: “O que diz o re-latório? Qual a conclusão? Qual a evidência daconclusão?” Recursos como o Satis (Reino Uni-do), o Plon (Países Baixos) e o Ciência eTecnologia para Todos (Israel) possuem esseselementos básicos.

Os livros didáticos, obviamente, podemconstituir material de fonte para que os alu-nos sejam encorajados a avaliar qualquer livrodidático da forma como avaliam qualquer ou-tro material de fonte. Na realidade, os profes-sores deveriam avaliar os livros didáticos damesma forma.

Stinner identificou três tipos de conheci-mento que os livros didáticos não abordam: aspré-concepções dos alunos, a imagem con-temporânea da natureza da ciência e as dife-rentes conexões entre ciência, tecnologia e so-ciedade (Stinner, 1995). Ao defender um novopapel para o livro didático, Stinner propõe umaforma coerente com um modelo que concebeupara professores em formação. Nesse modelo,o professor deve auxiliar o aluno a estabelecerconexões entre três planos de atividadecognitiva: os planos da lógica, da evidência eda psicologia (LEP). O plano da lógica compõe-se de leis, princípios, modelos, teorias e fatos;o plano da evidência é a evidência ou o racio-cínio que apóia o plano da lógica; e, finalmen-te, temos o plano da psicologia, que implica aação sobre o conhecimento anterior dos alu-nos, a apresentação do conceito de tal formaque satisfaça as condições necessárias deinteligibilidade, plausibilidade e utilidade.

161

O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

Sugere-se que os livros didáticos corrobo-rem o modelo LEP, no sentido de que a histó-ria do texto associe conceitos à evidência mos-trada na história e na filosofia da ciência, deforma fluida e natural. O formato e o estilo dolivro didático tornam-se uma história em lu-gar da subdivisão em discretos capítulos(Stinner, 1995).

Outra abordagem, coerente com os doisexemplos anteriores, seria fornecer um textoque auxiliasse as crianças a entender o mundonatural e material por meio de tarefas simples,porém envolventes, que as encorajem a asso-ciar a evidência às explicações adjacentes. Oscritérios para esse tipo de texto incluem a ex-posição para o professor, em linguagem sim-ples e clara, das metas de cada unidade, dasconcepções errôneas que os alunos provavel-mente trarão para o tópico, da forma pela qualessas concepções errôneas devem ser sistema-ticamente abordadas, além do fornecimentode exemplos de fenômenos cotidianos que fa-çam parte da vida das crianças – o que aconte-ce com o ar que é bombeado no pneu de umabicicleta e para onde vai a água quando as rou-pas molhadas são colocadas para secar em umvaral (Budiansky, 2001). O problema dos exem-plos citados é que o professor, e não o livrodidático, é imprescindível para expor as evi-dências e orientar os alunos na conquista dosobjetivos.

ConclusãoAté o momento, o que se viu foi um qua-

dro bastante pessimista do papel do livro di-dático: impreciso, irrealista, transmissivo, au-toritário, capcioso. Mas não seria correto re-nunciar a ele e sugerir que esse quadro sejauniversal ou, ainda, que essas característicassejam comuns a todos os livros didáticos. Pro-fessores e alunos ainda necessitam de umafonte de informações prontamente disponívele portátil.

Se, por um lado, há excelentes livros didá-ticos para alunos, por outro, o problema é a uti-lização excessiva desses livros pelos professo-res. Uma solução para corrigir as concepçõeserrôneas e as imprecisões contidas nos livros

didáticos seria atribuir um papel de maior re-levância aos cientistas na redação desses livros(Raloff, 2001). O livro didático poderia, assim,tornar-se uma fonte confiável de informações,utilizado pelo professor para seus próprios ob-jetivos pedagógicos. Cientistas e professorespoderiam trabalhar em conjunto na redação detextos, combinando conhecimento científicocontemporâneo e precisão com o discerni-mento dos métodos de ensino atuais. Haveriainevitavelmente tensões, mas ambas as partespoderiam começar a aprender uma com a ou-tra, fato que, por si só, poderia transformar aautoria de futuros livros didáticos e a nature-za do currículo escolar.

Os dois primeiros modelos apresentadosno presente artigo – os alunos como intérpre-tes e o LEP – têm como objetivo aprimorar opensamento crítico do aluno, enquanto o ter-ceiro modelo assegura ao aluno, por meio deexperiências apropriadas, a orientação de queele necessita para extrair algum sentido dosconceitos científicos dominantes. No primei-ro modelo, o papel do livro didático seria for-necer os antecedentes científicos, e é nesseponto que o insumo de cientistas profissionaispoderia ser importante. O livro didático tor-na-se uma referência e não um guia. Meu pro-blema em considerar o livro didático um com-plemento do modelo LEP reside no fato de queessa abordagem é um convite para que o livrodidático desempenhe um papel mais domi-nante, levando, assim, os professores a utilizá-lo excessivamente. O terceiro modelo poderiaser interpretado como um guia do professor,uma fonte de idéias, e não algo para ser colo-cado na frente dos alunos como um texto ofi-cial e definitivo.

É interessante observar que o Projeto 2061não detectou tantos problemas no que se re-fere aos livros didáticos para alunos acima de16 anos. A necessidade de volumes mais con-cisos nessa etapa, com informações maisfactuais, é questionável. Para crianças na faixaetária de 12 a 16 anos, entretanto, poderia ha-ver mais ênfase sobre o pensamento científi-co, o entendimento da natureza da ciência,suas limitações, a formação da base paradecisores potenciais, bem como para aqueles

162

alunos que pretendem se especializar na áreacientífica. Um exemplo recente e excelentedessa abordagem é o livro “Ciência para enten-dimento pelo público” (Science for publicunderstanding, de Hunt e Millar, 2000), umavez que define as questões sociais e fornece aciência substantiva para informar os debates.

O treinamento na fase de formação dos pro-fessores e o desenvolvimento profissional con-tinuado devem corroborar uma relação detransformação entre o professor e o livro didá-tico, na qual o professor assumiria um papelmais autônomo. O professor, entretanto, aindanecessita de material de apoio e deve atenderàs exigências da escola, dos alunos e da comu-nidade, de forma que há uma oportunidadepara que professores e cientistas comecem aproduzir esse material para atender às necessi-dades locais e às preferências de aprendizagem.O ambiente local, por exemplo, é um recursocientífico importante, e o conhecimento sobreo mesmo poderia ser integrado a novos textos.A diversidade de livros didáticos constitui umaopção e permite às escolas selecionar aquelesque melhor atendam às suas necessidades.

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O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

Um dispositivo de mudança nas práticas pe-dagógicas, um tradutor das propostas curricu-lares ( Johnsen, 1996).

Um transformador da relação pedagógica,permitindo independência do estudante emrelação ao professor. Uma perspectiva alterna-tiva para se ter acesso aos conteúdos curricu-lares (uma interpretação e seleção dos autores)(Apple, 1990; Bernstain, 1985).

Um “[...] instrumento de poder. Orientadospara espíritos jovens ainda manipuláveis e ne-cessariamente pouco críticos […] garantem emrelação à palavra do professor [...] poderosasferramentas de unificação – e até de uniformi-zação – nacional, lingüística, cultural e ideoló-gica” (Chopin, 1994).

Um “[...] instrumento barato e mais ampla-mente acessível para a transferência de conheci-mentos e competências. Fator-chave no melho-ramento da aprendizagem […]” (Unesco, 1995).

Um material que não apenas concentra osplanos de estudo vigentes, mas também con-segue, muitas vezes, melhorar a qualidade dasaulas, graças à sua didática e à estrutura de or-dem escolhida pelos autores (Bamberger eBoyer, 1998).

É, necessariamente, seleção e interpretaçãodos autores de temas determinados.

Quando os textos escolaresse tornaram necessários?Breve visão histórica

Pré-HistóriaNa Pré-História, a educação, como a enten-

demos hoje, provavelmente ocorria por imita-ção direta, pela manipulação de utensílios, peloexercício ou pelo costume. Ela estava muito re-lacionada à sobrevivência e a ações cotidianasnecessárias. Dela, provavelmente participavam

O que é um livro didático hoje?Luz Philippi

Fundación Chile – Santiago – Chile

crianças, jovens e adultos segundo a necessida-de ou o que precisava ser feito.

Idade AntigaNa Idade Antiga, a educação continuou, por

um lado, ocorrendo como vinha ocorrendo ha-via anos: por imitação, experiência e exercitação,até que se inventou a escrita. Qualquer forma deescrita inventada reflete a necessidade de se re-gistrar a história oral. Para tanto, foram utiliza-dos diversas formas e vários suportes (pedras,pergaminhos, madeira, barro, peles). Podemospensar que essa necessidade surgiu da consci-ência da morte que a espécie humana possui e,diante desse fato inevitável, a necessidade deregistrar, transmitir, ensinar, educar é uma for-ma garantida de criar a continuidade cultural(Sünkel, 1981). Um exemplo disso foi a enormeBiblioteca de Alexandria.

Os primeiros “livros didáticos” foram criadospara recolher e registrar os ensinamentos dosgrandes professores e passá-los aos estudantes,que hoje seriam os universitários (Venegas,1993). Essa é a função que diferencia um textoqualquer de um livro didático. Seu objetivo im-plícito e explícito é o de ensinar e não apenasregistrar, e tudo o que se escreve e desenha neletem o mesmo objetivo (naquele tempo, eramquase sempre exemplares únicos). Só os gran-des professores tinham acesso a esses textos, esomente uma pequena elite de estudantes tinhaacesso à educação.

Mais tarde, Sócrates introduziu uma noçãode ensino por meio do intercâmbio de idéias, queobrigou os estudantes a refletir e questionar, enão apenas escutar, aceitar e repetir.

Idade MédiaNa Idade Média, os mosteiros ficaram encar-

regados de recompilar e reescrever os conheci-mentos adquiridos pelos homens, até então, para

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conservá-los e transmiti-los à humanidade. Nofinal desse período, os professores das emergen-tes universidades utilizavam esses textos comobase para seus cursos, e os estudantes tomavamnotas em pergaminhos que passavam a ser seus“livros”. “Leitura, repetição e discussão” era o lemadas universidades desse período (Venegas, 1993).

Nas associações, por sua vez, os professoresensinavam ofícios a seus discípulos pela imita-ção, pela exercitação e pela repetição, até que osorientandos desenvolvessem a experiência ne-cessária. As crianças só recebiam a educação quesuas famílias lhes pudessem passar. Um filho decavalheiro aprendia as artes da cavalaria, e umfilho de camponês aprendia a semear e a colher.

RenascimentoNo século XV, começaram a surgir as primei-

ras escolas para meninos e meninas, sob a formade instituições privadas dirigidas pela Igreja, cujoprincipal objetivo era formar bons cristãos. O la-tim era a língua dessa educação reservada a umaelite que, já um pouco maior, se reunia nas por-tas das igrejas ou em praças públicas para escu-tar, dialogar e aprender (Brunner, 2000).

Persistia o sistema de educação metódicacentrada na memorização e no método da repe-tição e do diálogo. O professor era o principal in-formante. Ele “sabia”, tinha acesso ao conheci-mento disponível nos textos antigos e em ban-cos de dados de registros. A palavra oral impera-va como principal transmissora do conhecimen-to. Existia uma “comunicação linear” da mentedo professor até a do estudante. Os textos aindaeram objetos de luxo, aos quais pouquíssimostinham acesso.

No final do Renascimento, a educação seaproximou do conhecimento a partir da experi-ência sensorial, sem abrir mão da prática damemorização.

Revolução IndustrialA invenção da imprensa (1453) e seu rápido

desenvolvimento desencadearam uma “culturado impresso”. O acesso ao “conhecimento” demo-cratizou-se. As palavras fixadas no papel geraramrespeito e uma certa objetividade, dando maistempo para a reflexão e a interpretação, permi-

tindo que se tomasse distância em relação ao es-critor (o escrito é mais duradouro que o oral).

A exclusividade do latim cedeu espaço ao usode idiomas locais, permitindo a instalação de umprocesso de ensino padronizado. Como não po-dia deixar de ser, as metodologias de ensinomudaram. O ensino para a elite versus o ensinopara as massas. A multiplicação de exemplaresde textos idênticos, ao alcance dos estudantes,foi uma verdadeira revolução.

O objetivo principal foi a alfabetização e o en-sino de conteúdos específicos. Não se premiava acriatividade ou a iniciativa pessoal (como aindaacontece hoje em dia em muitos casos), e sim aexatidão. Atividades próprias dos postos de traba-lho de professores começaram a ser exercitadas.Edifícios especiais foram construídos para esse fim,coordenados por autoridades centrais. Os “profes-sores” formaram um corpo profissional de docen-tes, de funcionários públicos (Brunner, 2000).

O conhecimento era considerado limitado erelativamente estável, e seus principais supor-tes eram a palavra magistral e o texto escrito empreto-e-branco (que plasmava as “verdades” e ainformação existente, ou parte dela). As escolaseram o lugar onde se tinha acesso ao conheci-mento, e sua eficácia de educar era aferida pormeio de exames (o conhecimento era um corpohierarquizado de conceitos, e a avaliação era fei-ta por meio de provas padronizadas). A educa-ção era o meio principal para se ter acesso a tra-balhos remunerados.

Em meados do século XVII, Juan AmosComenio, didata checo, escreveu e projetou oprimeiro livro didático em latim, 100% conce-bido para ser utilizado na sala de aula: o OrbisPictus. O texto baseava-se em imagens, comuma espécie de alfabeto para cada elementoilustrado. A idéia era promover uma instruçãoviva do latim. A introdução das imagens cons-tituía uma novidade, mas não era a primeira vezque elas eram usadas. Quase sempre, os regis-tros da história eram acompanhados de ilustra-ções de algum tipo, ainda que isoladas, princi-palmente se o texto fosse didático.

Até o século XIX, foram usadas lousas em vezde cadernos, e os textos escolares eram lidos erelidos até que seu conteúdo fosse memoriza-do. O número de atividades era muito limitado.

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O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

Século XX

Década de 1980

O fortalecimento da educação baseou-se nacompreensão da leitura. O que, quem e quandoforam perguntas centrais no ensino. A memó-ria ainda era muito importante, mas existiamoutras didáticas e meios que acompanhavam oensino e a aprendizagem. Nos textos escolares,o desenho, o projeto gráfico, as ilustrações e ascores tornaram-se mais importantes. Seus edi-tores procuravam torná-los atraentes e bonitos.As ilustrações, o projeto gráfico e as fotografiasreproduziam ou apoiavam a informação escri-ta ou, em alguns casos, substituíam-na. Presu-mia-se que o estudante podia raciocinar e re-fletir sobre seu próprio processo de pensamen-to. Houve preocupação com a interpretação e oentendimento dos estudantes (Philippi eMuñoz, 2000).

Décadas de 1990/2000

Atribuiu-se prioridade ao desenvolvimentodos processos cognitivos e ao envolvimentoafetivo dos estudantes na aprendizagem. Partiu-se para o desenvolvimento de habilidades dopensamento superior. O por quê e o como cres-ceram em importância e foram plasmados emnovos materiais didáticos, nos quais o “visual”se tornou cada vez mais importante, bem comoa interação com o estudante e dele com os co-nhecimentos, as descobertas e os processoscognitivos. A metodologia de ensino e os textosmudaram. Eles deveriam refletir uma intera-tividade (relativa), oferecer atividades de refor-ço ao estudante e meios para ele exercitar o queaprendeu e, na maior medida possível, questio-nar, para obrigá-lo a raciocinar por conta pró-pria etc. No final da década, fala-se de inteligên-cias múltiplas: o conhecimento é um produtocultural que pode ser aprendido a partir de dife-rentes inteligências, o que incide no tipo demetodologia escolhida para transmiti-lo e pro-porciona possibilidades de aproximação do co-nhecimento a um número maior de estudantes.

O livro didático, a biblioteca, o laboratório e,em menor medida, os meios tecnológicos pas-sam a ser os pilares centrais da educação.

As novas tecnologias da informação e da co-municação do século XXI apresentam-se como“processos a serem desenvolvidos” (o usuáriopode assumir o controle e produzir novos bens,serviços educacionais e aplicativos) e não como“ferramentas para serem aplicadas”. Isso acon-tece num contexto de globalização que reorga-niza o espaço e acelera a circulação e a comu-nicação de bens e serviços, pessoas, investi-mentos, idéias, valores e tecnologias, o quepressupõe uma maior compenetração inter-cultural e um mercado global e permanente demensagens apoiadas em meios audiovisuais(Brunner, 2000).

O conhecimento existente atualmente é ili-mitado e instável – expande-se, renova-se e es-pecializa-se diariamente. São fluxos de infor-mações que aumentam a cada hora. É neces-sário dedicar mais tempo para processar infor-mações do que para obtê-las. Essas novas con-dições mudam as formas de produzir e utili-zar os conhecimentos, que se tornaram aces-síveis a um número crescente de pessoas, cri-ando-se, assim, uma gama impensada de di-versidades e combinações. Trata-se uma cul-tura plástica, em constante transformação.Supera-se o espaço e comprime-se o tempo(Castells). Tanto a escola como os locais de tra-balho precisam aprender e ensinar num ambi-ente caracterizado pelo fluxo constante,ininterrupto, de informações.

A escola perde sua primazia como único ca-nal de contato com o conhecimento e a infor-mação. Essa primazia passa a ser compartilhadacom muitos outros meios. A informação e aaprendizagem estão distribuídas. O contexto eonde encontrá-las se tornam mais importante doque obtê-las. Os textos não são os únicos a man-ter o objetivo do ensino. Surgem novos suportescom o mesmo fim.

Para que os jovens de hoje se desenvolvamcompetitivamente na sociedade que lhes cabe-rá construir, eles deverão aprender a viver namudança, a administrar a incerteza, a pensar emsistemas, a experimentar, a desenvolver-se comautonomia, a trabalhar em bases colaborativas,a usar seus próprios critérios em decisões rápi-das, a desenvolver e a aplicar seus valores. Elesestão imersos em mundos de códigos de inter-

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câmbio de informações que diferem substanti-vamente dos da geração anterior. Grandes volu-mes de mensagens são transmitidos por video-clipes, grafites, Internet (hipertexto, chat, correioeletrônico), tevê a cabo, telefonia móvel, video-conferências, pôsteres, histórias em quadrinhosetc. Palavra e imagem combinam-se fortemen-te. O zapping (navegação rápida) é a forma maisfreqüente de leitura atualmente, em diferentessuportes, e a formação de redes ou comunida-des virtuais, para os que têm acesso à tecnologianecessária, é uma forma cada vez mais comumde agrupamento.

Os indivíduos devem se preparar para ummundo que lhes obriga a usar suas habilida-des e seus produtos (bens e serviços) univer-salmente. No mundo atual, precisamos estarpreparados para ser permanentemente com-parados com nossos pares e cotejados contrapadrões internacionais, para responder comagilidade e solvência às demandas do merca-do, para nos manter atualizados, para compre-ender as inter-relações com outros elementos,para criar novas competências etc. (Hojman ePhilippi, 2000).

Como se ensina nessecontexto?A escola deve ensinar novas competências

e habilidades e conectar-se ao mundo tec-nológico de nossos dias e às novas exigênciasdo mundo do trabalho. Para tanto, e para for-mar estudantes que construam ativamenteuma compreensão do mundo que os rodeia,são necessários grupos docentes que aceitemuma mudança do papel de “entregadores” (ouadministradores) da informação para o defacilitadores e guias para o conhecimento. Osprofessores devem ser articuladores das habi-lidades e dos conhecimentos que os estudan-tes têm de desenvolver. Devem suscitar a cu-riosidade e estimular a capacidade de pesqui-sa, valorizando diferenças individuais. Issoimplica a necessidade de atualização perma-nente e ensinos mais flexíveis, apoiados emmateriais didáticos impressos, digitais ou vir-tuais, com novas características.

Como devem ser os textosescolares hoje, pensando noamanhã?Apesar da informação assinalada na seção

anterior, nossos países latino-americanos aca-bam de lançar novas reformas educacionais,que levam em consideração as novas tec-nologias a serviço da Educação. No entanto,esses meios repetem ou acentuam as diferen-ças econômicas e de estratos sociais, embora oacesso às informações na Internet seja maisbarato e democrático quando se dispõe dosequipamentos adequados!

Estamos, sem dúvida alguma, diante de umaforte transição entre o que os mercados nacio-nais e internacionais exigem para incorporar for-ças de trabalho e nossos tradicionais métodos deensino, nos quais o docente continua sendo a fi-gura principal, a figura que tem o acesso ao co-nhecimento, que entrega gradualmente a seusestudantes. Se somarmos a isso o fato de queexistem diferentes idiomas dentro dos mesmospaíses, e muitas vezes problemas de acessibili-dade, devemos pensar em termos de materiaisque possibilitem nossa adaptação a períodos detransição. (No que se refere aos textos escolares,deveríamos traçar uma distinção entre o que énecessário nos primeiros quatro anos da educa-ção básica e no restante dos anos escolares. Osargumentos apresentados adiante deixam delado esses quatro primeiros anos.)

Os textos ou os materiais didáticos para es-ses períodos de transição poderiam considerar,pelo menos, os seguintes aspectos:

• Ter flexibilidade suficiente para serem úteis àsrealidades de diferentes regiões e às diferentesrealidades observadas no interior das salas deaula (estudantes superdotados, por exemplo).

• Ater-se ao currículo nacional, mas tendo pre-sente o currículo oculto da região destinatária.

• Apresentar, na maior medida possível, os con-teúdos aplicados às realidades concretas dosdestinatários.

• Caracterizar-se pela amabilidade, para gerarreceptividade, e não rejeição.

• Servir de apoio para uma aprendizagem autô-noma dos estudantes.

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O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

• Ser instrumento de trabalho e consulta, conside-rando a falta de bibliotecas públicas atualizadas,laboratórios, textos nos lares, bibliotecas escola-res com suficiente número de exemplares etc.

• Ter uma estrutura e uma proposta gráfica a ser-viço do pedagógico e referências para uma rá-pida e adequada localização de trechos especí-ficos dentro do texto.

• Apresentar atividades diferenciadas por grau dedificuldade e por trabalho individual ou grupal.

• Oferecer diferentes tipos de auto-avaliação.

• Não ser fechados, e sim servir de plataforma paraa abertura de portas para outros conhecimen-tos ou para o aprofundamento dos conhecimen-tos que apresentam (deveriam apresentar bibli-ografias impressas e digitais, por exemplo).

• Velar pela qualidade e pela atualidade dos co-nhecimentos apresentados e pela profundida-de de seu tratamento, não pela quantidade.

• Ter um texto, ou manual do professor, commaterial complementar, aprofundamento teó-rico, diferentes metodologias, bibliografias etc.Material para autocapacitação e atualizaçãopermanentes.

Sabe-se, principalmente em cursos superio-res nas escolas, que os livros didáticos entreguespelo Estado ou comprados no mercado não sa-tisfazem plenamente a cada professor em sua for-ma de apresentar as matérias e na seleção feitapelo autor, razão pela qual são subutilizados emateriais valiosos são perdidos. Os livros didáti-cos devem dar espaço para que os docentes in-corporem sua valiosa experiência, materiais es-colhidos e já testados, adequações às diferentesrealidades de cada turma etc. Ainda não se podepensar em textos absolutamente auto-suficientespara os estudantes, que dispensem a orientação,pelo menos de vez em quando, do docente.

Talvez uma das formas mais adequadas paraalcançarmos os objetivos assinalados anterior-mente seja pensarmos em textos “modulares”, tex-tos que tenham uma coluna vertebral sólida e maistradicional nos conhecimentos apresentados (queaté podem ser capítulos separados), e vários “fas-cículos” que abordem diversos temas a partir deoutras perspectivas e com diferentes alternativasmetodológicas, de maneira que o docente possaescolher quais delas mais se adaptariam à sua si-

tuação de trabalho. Dessa maneira, o docente te-ria a oportunidade de fazer uma seleção que nãoesteja necessariamente correlacionada à ordemescolhida pelo autor e possa ser facilmentecomplementada por outros materiais elaboradosou escolhidos por ele, sejam materiais impressosou digitais. Um texto não pode, por si só, satisfazera toda a demanda existente.

Como alcançar essesobjetivos?

Políticas internacionaispara livros didáticos

Segundo Chopin, podemos distinguir pelomenos quatro modalidades de políticas interna-cionais para a aquisição de livros didáticos:

Edição do Estado: implica uma censura a priorida produção de livros didáticos, já que o únicolivro permitido para uso por docentes é o livro“oficial”. O Estado exerce um monopólio sobrea concepção, a redação e, às vezes, a edição, aimpressão e a distribuição dos materiais.

Produção privada com “autorização” estatal:o setor privado produz os livros, mas o poderpolítico se reserva a prerrogativa de só permi-tir sua utilização nas escolas mediante autori-zação prévia.

Produção livre: o mercado produz livros didá-ticos livremente e os apresenta aos docentespara que eles escolham. Os professores rece-bem uma subvenção do Estado para comprá-los. O Estado, no entanto, aplica alguns meca-nismos prévios de controle e avaliação e impõenormas mínimas. A possibilidade de comer-cialização depende dessas avaliações e, por essarazão, as empresas se adaptam a elas. Esse me-canismo exige docentes com graus de forma-ção e atualização adequados para a aplicaçãode critérios consistentes no momento da sele-ção, sem reproduzir velhos esquemas.

Sistemas híbridos de produção: o mercado e oEstado produzem livros didáticos que oferecemaos docentes. No entanto, todos passam pordeterminada avaliação estatal que os classificae torna explícita a avaliação. Os encarregadospela escolha conhecem a qualidade e o níveldo material que estão escolhendo.

168

O Estado é responsável pela qualidade epela eqüidade da educação, principalmenteem nossos países. Seu dever, então, é velarpela qualidade, pela adequação e pelo usodo que chega às mãos de docentes e estu-dantes, sobretudo, como já mencionado, seo livro em questão for o único material deapoio que o docente, o estudante e as famí-lias de ambos terão em suas mãos (ainda quepor um período de transição). Para conse-guir que isso seja feito adequadamente e porse tratar de um tema sensível e importante,propomos a continuação de uma série deperguntas que o Estado se deveria fazer, umavez que decida adquirir livros didáticos. Asrespostas para essas perguntas serão anali-sadas durante a apresentação a ser feita noCongresso.

PropostaAquisição. Decisões políticas e econômicas. Oque se adquire? / Para quem? / Característicasdo produto / Tipo de licitação

Seleção. Avaliação. Como se avalia? / Quem ava-lia? / O que se avalia? / Quantas vezes se avalia?

Compra. Como se adquire o produto?

Distribuição. Como se distribui? / Com que fre-qüência se distribui? / Quem recebe?

Instalação. Como se transporta? / Como se in-centiva e garante o uso? / Como montar um sis-tema de acompanhamento e avaliação?

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A política do livro didático do Ministério daEducação vem se desenvolvendo de forma contí-nua, desde 1938, quando foi institucionalizada.Consolidando-se, ao longo do tempo, a partir demudanças na concepção, na gestão dos programase na forma de sua execução, a política do livro di-dático estabeleceu-se como uma política de Esta-do. Este texto tem por objetivo situar o desenvol-vimento da política do livro didático no Brasil, ex-plorando, nos seus aspectos históricos, políticos eoperacionais, os principais avanços e limitações.

Já o primeiro programa ministerial de livrosdidáticos deliberava sobre a liberdade de escolhapor parte dos diretores das escolas primárias doslivros didáticos usados nas escolas, quer públicasou particulares, desde que constassem da “rela-ção oficial das obras de uso autorizado”. Nessemomento, a política do livro didático não se refe-ria à aquisição e à distribuição dos livros por par-te do governo federal, como se concebe hoje essapolítica. Foi apenas a partir da década de 1960que, progressivamente, a política passou a con-ceber a idéia da distribuição maciça – ainda quenão universalizada – de livros para os alunos.

Em 1985, com o retorno do país ao sistemademocrático, foi criado o Programa Nacional doLivro Didático (PNLD), que estabelecia parte desuas bases atuais e adotava como principais di-retrizes: a escolha do livro pela escola, com aparticipação dos professores do ensino de pri-meiro grau mediante análise, seleção e indica-ção dos títulos; a universalização do atendimen-to a todos os alunos do Ensino Fundamental; e aadoção de livros reutilizáveis. Apesar dessesavanços alcançados pelo PNLD, cerca de umadécada após sua criação o programa ainda en-frentava algumas dificuldades, seja no campo dadistribuição do livro didático, seja, sobretudo, nocampo da qualidade, notadamente relacionadaao conteúdo das obras. No que se refere à avalia-ção dessa qualidade, em 1993, foi instituído umGrupo de Trabalho encarregado de analisar osconteúdos e os aspectos metodológicos de livrosadequados para as séries iniciais do Ensino Fun-damental. Por esse grupo foram analisados ostítulos mais solicitados pelos professores no anode 1991, nas áreas de Português, Matemática,Estudos Sociais e Ciências, livros esses que

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correspondiam a 94% das aquisições do gover-no federal naquele ano.

O resultado das análises constituiu um mar-co na política do livro didático, já que a partirdaí a questão passou a ter uma relevância socialsuficiente para demandar uma atuação mais efe-tiva do Estado, não mais apenas sobre sua aces-sibilidade e disponibilidade, mas também sobresua qualidade material, de conteúdo conceituale pertinência social. Com base nesse trabalho,foi possível sistematizar os indicadores qualita-tivos para subsidiar o início do intenso proces-so de avaliação do livro didático, que se realiza-ria nessa gestão, a partir de 1995.

No que diz respeito a essa gestão e à evolu-ção mais recente do PNLD, há que se destacar aampliação do atendimento, a pontualidade naentrega dos livros no início do ano escolar e a in-corporação de outras duas etapas, de caráter pe-dagógico, ao programa: o processo de avaliaçãodos livros e, mais recentemente, a orientação dosprofessores para sua escolha e uso. É importantesalientar que, até então, a execução do PNLD, emâmbito federal, se limitava a duas etapas: a com-pra e a distribuição de livros.

Nosso modelo de avaliação teve início coma publicação de um edital de convocação quedisciplinava a inscrição das obras. Os livros di-dáticos de 1ª a 8ª séries e os dicioná-rios distribuídos pelo MEC são inscri-tos no PNLD por meio dos detento-res do direito autoral, cabendo ao Mi-nistério coordenar, periodicamente, oprocesso de avaliação. As etapas daavaliação até a confecção do Guia deEscolha, que contém as resenhas doslivros considerados recomendados,consistem em triagem e avaliação pe-dagógica. Uma vez aprovados na tria-gem, etapa em que se avaliam asobras quanto a seus aspectos físicose à adequação às normas do edital, oslivros são submetidos a uma rigorosaanálise pedagógica. Os livros são en-tregues aos avaliadores totalmentedescaracterizados, ou seja, sem nomedo autor, sem nome da editora, ouqualquer outra indicação que possaidentificá-los.

Os critérios estabelecidos para a avaliaçãotêm por objetivo oferecer, para escolha dos pro-fessores, obras isentas de erros conceituais, in-consistência metodológica e de abordagens pre-judiciais ao exercício da cidadania. Além dessescritérios gerais, cada uma das áreas, de acordocom suas particularidades, possui critérios es-pecíficos. Atendendo ainda a uma antiga reivin-dicação dos professores, o MEC estabeleceu aobrigatoriedade da inscrição de coleções com-pletas para cada uma das áreas. Esse critério visamanter uma coerência teórica e metodológica nodesenvolvimento dos conteúdos, evitando rup-turas e descontinuidades. Também a inscriçãodo Manual do Professor, como parte integranteda coleção, passou a ser obrigatória, devendoconstituir um instrumento de auxílio em sala deaula, sugerindo ao docente atividades comple-mentares, indicando leituras suplementares ediscutindo os procedimentos de avaliação doconteúdo ministrado. A seguir, são apresentados,em linhas gerais, os critérios adotados pelo Mi-nistério nesse processo:

Tendo em vista o constante aperfeiçoamen-to do material inscrito, a cada processo de ava-liação, os critérios estabelecidos em edital sãodiscutidos, reformulados e refinados, evitando,assim, a aquisição de obras desatualizadas ou

CRITÉRIOS COMUNS

CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS

Incorreção dos conceitosInformações desatualizadas

Incorreção e inconsistênciametodológicas

Prejuízo à construçãoda cidadania

Estrutura editorial

Aspectos gráfico-editoriais

Aspectos visuais

Textos

Ilustrações

PreconceitoDiscriminaçãoDoutrinação religiosa

LIVRO DO PROFESSOR

Orientação ao professor Explicitação dospressupostostos teóricos

Coerência com o livrodo aluno

171

O livro escolar no contexto da política educacionalPAINEL 13

incompatíveis com os objetivos do ensi-no das disciplinas. O Ministério da Edu-cação, ao aprimorar, refinar e tornar maisrigorosos os critérios a cada nova avalia-ção, busca também permitir e encorajareditores e autores na reformulação e nareapresentação de obras já avaliadas,além da inscrição de novas obras. Umavez avaliados os livros, a escolha dos pro-fessores somente terá vigência até a rea-lização de um novo processo avaliativo,disciplinado por novos critérios publica-dos em edital, que deverão orientar novaavaliação, escolha e distribuição.

Uma vez realizada a avaliação, é elabo-rado o Guia da Escolha dos Livros. EsseGuia é disponibilizado não apenas para asescolas públicas, como também para asparticulares. Respeitando a autonomia dosprofessores, o MEC oferece, por meio des-se Guia, uma vasta lista de títulos para es-colha, classificando as obras aprovadas emRD (Recomendadas com Distinção), REC(Recomendadas) e RR (Recomendadas com Res-salvas). São consideradas obras REC aquelas que,conceitual e metodologicamente, preenchem oscritérios de qualidade estabelecidos. En-quadram-se na categoria RD as obras nasquais se percebe um caráter inovador emrelação às demais obras apresentadas,além de atenderem aos critérios de quali-dade. Já as obras consideradas RR sãoaquelas que vão exigir do professor maisatenção para preencher lacunas.

Até o momento, foram realizadas cin-co avaliações, tendo como resultados osGuias de Livros Didáticos de 1ª a 4ª sériesdos anos de 1997, 1998 e 2001, e os Guiasde Livros Didáticos de 5ª a 8ª séries dosanos de 1999 e 2002. Encontra-se atual-mente em curso a avaliação dos livros di-dáticos de 1ª a 4ª séries para o ano de 2004.

Como avanços alcançados, a partir de1995, podemos citar a melhoria da qua-lidade dos livros, observada ao longo dosprocessos de avaliação pedagógica, pormeio do gradativo decréscimo no núme-ro de livros excluídos, conforme pode-mos perceber nas tabelas a seguir:

Nota-se, ainda, pelos gráficos a seguir, umadiminuição das obras excluídas e o conseqüen-te aumento das obras recomendadas:

Quadro comparativo das obras avaliadas,por menção, em cada PNLD – 1a a 4a série

PNLD/1997

PNLD/1998

PNLD/2001

PNLD/2004

TotalLivros inscritos Recomendados

Não-recomendadosExcluídos

Avaliação em curso

105 (22,53%)

167 (38,46%)

321 (54,41%)

466

454

569

361 (77,47%)

287 (61,54%)

248 (43,59%)

PNLD

Fonte: Comdipe/SEF/MEC

Quadro comparativo das obras avaliadas,

por menção, em cada PNLD – 5a a 8a série

TotalLivros inscritos Recomendados Não-recomendados

Excluídos

218 (49,77%)

260 (62,50%)

438

414

220 (50,23%)

154 (37,50%)

PNLD

Fonte: Comdipe/SEF/MEC

PNLD/1999

PNLD/2002

Distribuição das obras avaliadas em cada PNLD –1a a 4a série

Fonte: Comdipe/SEF/MEC

Recomendados

Não recomendados excluídos

400

350

300

250

200

150

100

50

0

105

361

167

287

321

248

PNLD/1997 PNLD/1998 PNLD/2001

172

Pode-se, por um lado, concluir que, comoresultado dessa política do MEC, o país contahoje com uma nova geração de livros didáti-cos que guardam pouca semelhança comaquela existente no início do processo de ava-liação. Pelos quadros apresentados, é possívelverificar a melhoria progressiva das obras ins-critas para avaliação.

A avaliação de livros didáticos, por outrolado, permitiu aumentar a participação dosprofessores no processo de escolha dos livros,uma vez que as informações contidas no Guiado Livro Didático favoreceram a discussão so-bre os livros a serem adotados, com base naresenha elaborada por especialistas e nas ne-cessidades reais dos alunos e dos docentes. OGuia, como instrumento de auxílio ao profes-sor, propiciou a reflexão e a discussão sobre oprocesso educativo e, mais especificamente,sobre o material didático a ser utilizado emsala de aula. Visando estimular ainda mais essadiscussão, foram ainda desenvolvidas ações deformação docente voltadas para a orientaçãodos professores na escolha e no uso do livrodidático, em uma ação conjunta entre o Minis-tério e as Secretarias de Estaduais e Munici-pais de Educação.

Complementar à ação voltada especifica-mente para os livros didáticos, um outro pro-grama do Ministério, o Programa Nacional da

Biblioteca da Escola (PNBE), vem sendodesenvolvido de forma articulada com oPNLD, visando ampliar a oferta de materi-ais de leitura aos alunos do Ensino Funda-mental.

Em razão dos avanços constatados, en-quanto perspectiva política, um dos desa-fios do PNLD é consolidar a avaliação doslivros, o que constitui uma incontestávelconquista no campo da qualidade da edu-cação. Para isso, é fundamental a aprova-ção, no Congresso Nacional, do projeto delei em tramitação, que estabelece as novasbases da política do livro escolar.

Uma outra vertente de atuação, tendoem vista o aprimoramento do programa,diz respeito ao desenvolvimento, no âm-bito das universidades, de estudos e pes-quisas que fornecerão subsídios constan-

tes para a melhoria dos livros e da própriapolítica do livro didático. Atualmente, en-contra-se em fase de execução uma pesqui-sa sobre a escolha dos livros didáticos pelosprofessores, encomendada pelo Ministério,com cujos resultados se espera poder conhe-cer melhor os mecanismos que pautam asescolhas docentes para o aprimoramento decritérios da avaliação e da apresentação dosresultados da avaliação, buscando o estabe-lecimento de padrões de entendimento co-mum do que seja o livro didático de quali-dade, tanto para o Ministério quanto para osprofessores.

Outra perspectiva relevante dessa políticaque não pode ser desconsiderada é o fortale-cimento das ações permanentes de formaçãodocente, tendo por eixo a escolha e o uso doslivros didáticos, estabelecendo, a partir daí,novos padrões para a relação com o mercadoeditorial, como forma de neutralizar o assédio,por vezes intenso, do setor a escolas e profes-sores, o que induz muitas vezes à escolha deobras menos qualificadas.

Sem dúvida, a política adotada em relaçãoao livro didático, nos últimos anos, tem con-tribuído para a melhoria da qualidade do En-sino Fundamental brasileiro e para a constru-ção da ética e da cidadania necessárias ao con-vívio social democrático.

Distribuição das obras avaliadas em cada PNLD

Fonte: Comdipe/SEF/MEC

Recomendados

Excluídos

300

250

200

150

100

50

0

218 220

260

154

PNLD/1999 PNLD/2002

173

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1414141414

O REFLEXO DA AÇÃOFORMADORA NO PROJETOPEDAGÓGICO DA INSTITUIÇÃO –EDUCAÇÃO INFANTIL

Sueli A. Campos Silva e Valéria P. Cortez Corrêa

Ana Maria Mello

Stefânia Padilha Costa

Olga Regina Siqueira e Silva

174

Associação Obra do BerçoFundada em dezembro de 1938, a Associação

Obra do Berço tinha a finalidade de confeccionarenxovais e distribuí-los a recém-nascidos caren-tes. Em março de 1981, recebeu da Prefeitura doMunicípio de São Paulo um terreno onde, comajuda de vários doadores, conseguiu construir asede atual, que ficou pronta em 1984, quandoforam criados os clubes de mães, de gestantes,de crianças e o consultório odontológico.

Em razão da disponibilidade de espaço e dagrande procura, inauguramos, em 1987, a Pré-Escola, que se transformou em creche em 1992.

Desde 1993, a entidade vem atendendo a cri-anças de 3 meses a 6 anos, em regime de creche,considerando a grande demanda dessa faixaetária e a sua proposta de trabalho.

Além do atendimento a crianças (creche) egestantes, a entidade possui também atendimen-to a jovens (Pró-Jovem) e adolescentes (Escritó-rio-Escola).

IntroduçãoEsse relato tem como objetivo compartilhar

com outros profissionais o percurso e o processode formação dos coordenadores e educadores.Durante três anos, todos os profissionais das cre-ches nas quais atuamos passaram por um pro-cesso de formação em serviço, desenvolvido peloCrecheplan – Instituto Avisa lá. Atualmente, po-demos observar uma prática mais consciente e,conseqüentemente, mais significativa em relaçãotanto às aprendizagens das crianças como à for-mação dos educadores.

Incorporação de estratégias formativasna prática da Educação Infantil

Valéria P. Cortez Corrêa e Sueli A. Campos Silva*

Creche – Associação Obra do Berço/SP

Quanto à aprendizagem das crianças, as mu-danças foram desde concepções de criança, atéas ligadas ao desenvolvimento, ao ensino e àaprendizagem. Temos como base para a atuaçãocom as crianças o Referencial Curricular Nacio-nal de Educação Infantil.

Em relação à formação dos educadores, com-partilhamos a visão de uma atuação reflexiva comtematização da prática apoiada por conhecimen-tos teóricos. Nossos objetivos com os educadorestêm sido:

• formar educadores autores de suas práticas ecapazes de elaborar seus próprios planejamen-tos de trabalho;

• auxiliar o desenvolvimento de competências doseducadores que lhes possibilitem uma atitudecrítica, reflexiva, avaliando os resultados do seutrabalho no cotidiano da creche e as conse-qüências desse trabalho no desenvolvimento ena aprendizagem das crianças;

• estimular o uso consciente de instrumentosmetodológicos: observação, registro diário, refle-xão, planejamento e avaliação;

• auxiliar na criação de expectativas positivas emrelação às crianças, acreditando que todas po-dem ser bem-sucedidas, e transmitir essa con-vicção aos educadores;

• construir uma relação de respeito, confiança, co-laboração e entusiasmo na equipe de trabalho.

Estratégias de formaçãoSão muitas e diversificadas as ações que de-

senvolvemos no dia-a-dia para possibilitar a

* Coordenadoras das creches da Associação Obra do Berço/São Paulo.

174

O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação InfantilPAINEL 14

continuidade da formação em serviço. Estas sãoas principais estratégias utilizadas:

Autoformação dos coordenadoresReunião de supervisão com consultores. Temcomo objetivo ampliar o conhecimento doscoordenadores dentro de sua prática, orien-tando-os e assessorando-os nas interven-ções com a equipe de educadores.

Reunião de gerenciamento. Seu objetivo é a tro-ca de experiências entre os profissionais degerenciamento e coordenação. Nessas reuniões,elaboramos estratégias de atuação com a equi-pe, buscando a estruturação e a reestruturaçãodo trabalho de forma integrada.

Reunião de coordenadores. Visa ao inter-câmbio entre as coordenadoras das três uni-dades, garantindo a troca de experiências, aelaboração e a organização de temas parareuniões de estudo e intervenção nos gru-pos.

Estágios em escolas particulares. A finalida-de do estágio é possibilitar ao coordenadorpedagógico ampliar suas estratégias de atu-ação por meio da observação. Essa práticapermite a construção de novas intervençõescom os educadores e colabora também paraque a organização dos conteúdos das reuni-ões pedagógicas atenda melhor às necessi-dades do educador e colabore decisivamen-te nas aprendizagens das crianças.

Exposição, reflexão e construção da práticado coordenador pedagógico. Esse recursotem como finalidade, por meio de exposiçãoe relatos sobre estratégias formativas, levaros profissionais da área a refletir sobre suasações, buscando novas atitudes e práticas eestabelecendo relações de suas experiênciascom as de outros profissionais.

Estratégia de formaçãocom os educadores

Reunião de planejamento. Seu objetivo con-siste em organizar estratégias de trabalhoenfocando as diferentes áreas do conheci-mento, ou seja, os conteúdos que serão de-senvolvidos com as crianças. É um momen-

to de orientação e planejamento de ativida-des dos projetos ou seqüências didáticas.

Observação em sala. Trata-se de instrumen-to de exercício permanente para o aprendi-zado significativo, em que o coordenadorobserva o educador e também o grupo decrianças, para uma atuação mais direta naprática. São realizadas reuniões posteriorespara que os educadores troquem informa-ções sobre a observação.

Colaboração nos registros. O registro é umaforma de trabalhar a memória e a história in-dividual da atuação pedagógica. Nele trans-parecem as prioridades, os observáveis, asdúvidas e as angústias do educador. É umaforma de comunicação, em que se podem do-cumentar as informações e, assim, possibili-tar sua divulgação e troca entre as pessoas. Ocoordenador, ao ler, pode intervir, colaborarna busca de soluções, na reorganização da ro-tina e, assim, melhorar a qualidade do aten-dimento às crianças e suas famílias.

Atuação do coordenador pedagógico emsala. A idéia é que o formador desenvolvaatividades nas salas das crianças para seremobservadas pelas educadoras e discutidasem reuniões. O formador pode ser tambémum bom modelo na atuação direta com ascrianças e, para o educador, é interessanteter outras referências: como desenvolver di-ferentes atividades, como se organizar parauma roda de conversa, como contar histó-rias etc.

Reunião de pais. Uma das estratégias deaproximação das famílias com os educado-res consiste em organizar reuniões para com-partilhar perspectivas quanto à melhor qua-lidade de ensino, saúde e administração dainstituição educacional. Isso possibilita àsfamílias e aos educadores buscarem, em con-junto, caminhos melhores para as crianças.

Estágio para educadores em escolas parti-culares. Esse estágio proporciona ao educa-dor a possibilidade de comparar, discutir,avaliar e reformular sua prática. A partir dosestágios, os educadores se tornam mais ca-pazes de elaborar ações estruturantes parao trabalho, como autores de suas práticas, epodem colaborar com seus pares, tornando-se membros atuantes da equipe.

176

Integração de membros da equipeem diferentes espaços de formação

Projeto. Quintal da integração. Esse projetoconsiste em encontros de estudos planejadospela equipe de coordenadoras e gerentes de ins-tituições de educação: creche, Emei e Emef,com propostas do interesse da equipe de pro-fissionais, fundamentando a prática, buscan-do, por meio da reflexão e avaliação dos temasespecíficos, estratégias comuns para as diferen-tes organizações.

Passeios culturais. Os passeios culturais possibi-litam a ampliação do universo cultural e o conhe-cimento do patrimônio da nossa e de outras cul-

turas. É uma forma de alimentação da práticapedagógica, que extrapola os muros da creche.

Reunião de estudos. Esse tipo de reunião cons-titui espaço garantido para os diferentes pro-fissionais da creche trabalharem temas especí-ficos ligados à sua profissão. Teoria e práticadevem permear suas atuações vinculadas àstrocas de experiências da equipe, ampliando eaprofundando o conhecimento de todos.

Participação em seminários, mostras de traba-lho, cursos. As oportunidades de exposição dostrabalhos efetuados são muito importantes. Sãomomentos de sistematização da prática de ex-plicar aos pares o que, como e por que fizeram.

A discussão sobre creches na Universidadede São Paulo (USP) iniciou-se em 1965, semmuita repercussão. Em 1974, foi inaugurada aprimeira creche da USP, em Piracicaba. Só em1975, houve uma retomada das discussões, quereorganizou a reivindicação por creches em ou-tros campi. Marcada pela famosa “passeata dosbebês”, em frente ao prédio da Reitoria, em SãoPaulo, o movimento foi reativado, ocupou es-paços importantes na imprensa interna e exter-na à USP e tornou-se o marco fundamental paraacelerar o processo de construção de creches nauniversidade.

O ápice das discussões tanto no campus deSão Paulo, como nos campi de São Carlos e Ri-beirão Preto, data de 1979/1980. Várias comis-sões foram montadas com representantes dasentidades de classes e especialistas, que orga-nizaram projetos, com análise de custos, pla-nilhas de recursos, como também reflexões so-bre concepções de creche.

Os fazeres na Educação InfantilCreche Carochinha – Coseas/USPRibeirão Preto/SP

Ana Maria Mello

Creche Carochinha – USP/SP

A Creche Carochinha foi fundada em 1985e está vinculada a uma coordenadoria da uni-versidade, a Coseas, com outras três creches dacapital de São Paulo. Em Ribeirão Preto, há ape-nas a nossa creche. Porém, desde 1987, traba-lhamos em conjunto com docentes da Facul-dade de Filosofia, Ciências e Letras e do Depar-tamento de Psicologia, onde posteriormente,em 1991, fundamos o Centro Brasileiro de In-vestigações sobre Desenvolvimento e EducaçãoInfantil (Cindedi).

A Creche Carochinha e o Cindedi têm traba-lhado, nos últimos anos, construindo projetospara o cuidado e a educação dos pequenos, co-laborando em pesquisas e assessorando outrasredes públicas de creches e pré-escolas, de for-ma a responder, pelo menos em parte, a esse tipode demanda.

A Creche Carochinha atende 150 crianças de4 meses a 7 anos, filhas de funcionários, docen-tes e alunos do campus de Ribeirão Preto. Todas

176

O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação InfantilPAINEL 14

as famílias estão inseridas em mercado de tra-balho estável. Setenta por cento vivem em casaprópria, nos conjuntos habitacionais da zonaperiférica da cidade. O restante – docentes e alu-nos – vive em áreas centrais da cidade.

Quanto à formação de educadores que tra-balham na creche, há diferentes níveis de forma-ção prévia, como também há diferentes módulosde formação continuada. Depois de 1989, a USPorganizou a carreira desses educadores, exigin-do o 2o Grau completo e definindo piso salarial ecarga horária. Após a edição da Lei de Diretrizese Bases, em 1996, a universidade não traçou ne-nhuma política para aqueles funcionários sem aqualificação exigida pela lei. No caso de Ribei-rão Preto, dos 26 educadores, 14 têm Magistérioe/ou Pedagogia e 12 têm o 2o Grau completo.Recentemente, em parceria com a Secretaria deEducação do Município, 10 educadores partici-param, formalmente, de um curso técnico quehabilita educadores em serviço.

Para os educadores da Creche Carochinha,desde de 1994 há um programa de formação con-tinuada, que se configurou da seguinte forma:

1. Encontros bimestrais (6h): oficinas de produ-ção e apresentação pelos educadores de trêstrabalhos relacionados com crianças de 4meses a 1 ano e 6 meses; de 1 ano e 7 meses a3 anos; e de 3 anos a 7 anos, e um trabalho –painel – apresentado pela equipe técnica(supervisores dos projetos). Os melhores tra-balhos são publicados no jornal semestralBatata Quente ou em folhetos educativos.

2. Encontros semestrais (18h): especialistas sãoconvidados para trabalhar em cursos ou darpalestras sobre diversos temas referentes aocuidado e à educação infantil coletiva; pas-seios pedagógicos (cinemas, museus etc.); or-ganização do planejamento, espaços e obje-tos para o semestre seguinte e avaliações dosprojetos e das concepções.

3. Supervisão: exercida pela equipe técnica dacreche (pedagogo, psicólogo, auxiliar de en-fermagem e nutrição), quinzenalmente, paraduplas de educadores.

4. Grupos de estudos: reúnem-se uma vez pormês. Por semestre, foram organizados trêsgrupos de estudos com temas referentes aostrês módulos.

5. Uma vez por ano há um encontro dos edu-cadores e pesquisadores no Cindedi, emque todos têm oportunidade de apresen-tar painéis e comunicações. Desde 1995,também a Divisão de Creches da USP –Coseas organiza seminários das quatro cre-ches ligadas a ela.

6. Trinta por cento dos funcionários já ministramcursos e organizam oficinas para diversas re-des públicas. Quarenta por cento participa-ram, nos últimos quatro anos, de reuniões daSPB e Copedi. Em 1995, organizou-se um Cen-tro de Referência de Criação do Educador(Crece), cuja função principal é catalogar to-das as idéias dos educadores para servir de re-ferência. O Crece funciona em uma sala daCreche Carochinha.

Esse programa é desenvolvido predominan-temente no espaço da creche. Em algumas situa-ções utilizam-se salas de aulas da universidade.

Quanto ao trabalho de extensão à comuni-dade e às demais instituições públicas, há qua-tro frentes de trabalho:

• visitas das terças;

• orientações a técnicos e/ou coordenadores;

• palestras, cursos e assessorias;

• elaboração de artigos, folhetos, vídeos educa-tivos e do jornal Batata Quente, coordenadospelo Cindedi, por meio de projetos financiadospela Fapesp e pelo CNPq.

Visitas das terças. Semanalmente, a creche re-cebe a visita de técnicos e educadores de cre-ches e pré-escolas de redes públicas de váriosmunicípios do Brasil. Nessa oportunidade, acreche apresenta a estruturação e organizaçãodo seu espaço físico (que é ocupado por inú-meros objetos construídos pelos educadores,com aproveitamento de material reciclado –ver vídeo Fazendo arte na creche) e tambémorienta quanto à concepção que define as di-retrizes do trabalho, ao conteúdo dos proje-tos, à organização da rotina, à formação depessoal etc. A Creche Carochinha, desde 1995,fundou o Crece.

Orientações a técnicos e/ou coordenadores.Dada a inexistência de um currículo sistemá-tico e de curso específico para a formação deeducadores que trabalhem com crianças, prin-

178

cipalmente menores de 3 anos, a creche temsido freqüentemente procurada por profissio-nais da área, no sentido de responder a essademanda. Assim, as orientações realizadastêm sido no sentido de compartilhar as expe-riências, no que se refere tanto ao trabalho de-senvolvido diretamente com as crianças, comotambém ao trabalho de formação dos funcio-nários. Os temas trabalhados envolvem as di-versas áreas de atuação das creches e pré-es-colas, em relação tanto ao cuidado quanto àeducação das crianças.

Palestras, cursos e assessorias. Os membrosda equipe técnica, como alguns educadores,têm cumprido o importante papel de divul-gar conhecimentos técnicos-práticos pormeio de cursos, palestras e assessorias parainstituições da rede pública que trabalhamcom crianças de 0 a 7 anos. Alguns técnicostambém têm participado, como assessores,de discussões sobre políticas para a Educa-ção Infantil, em conselhos, secretarias muni-cipais e ministérios.

Elaboração de artigos, folhetos, vídeos e do jor-nal Batata Quente

Folhetos:a. Série Carochinha: Mordidas: agressividade

ou aprendizagem?; Adaptação; Arroz, feijão,batata e macarrão…; Controle de esfíncter;Vamos pra caminha: sono nas creches; Se-xualidade na primeira infância; Bolinha desabão… O banho na creche.

b. Série Comunidade em Ação: Como mamarsem ocasionar cáries.

Jornal Batata Quente:É um órgão semestral elaborado por técni-cos, educadores e funcionários da creche,fundado em 1992.

Os folhetos e alguns artigos do jornal foramreescritos para o nosso livro Os fazeres naEducação Infantil, publicado, em 1998, pelaEditora Cortez.

Vídeos:Vida em grupo na Creche Carochinha; Quan-do a criança começa a freqüentar a creche;Letramento na creche; O fazer do bebê; O con-to que as caixas contam; O lobo que virou bolo– práticas educativas alimentares na creche;Fazendo arte na creche.

Esse material é o resultado da sistematiza-ção da formação dos educadores da creche,como também dos estudantes de graduação epós-graduação ligados ao Cindedi – FFCL/RP.

O vídeo Fazendo arte na creche é a nossa pro-dução mais recente e ilustra a participação doseducadores e técnicos como protagonistas e co-autores do processo de construção de conheci-mento na creche. Esse trabalho apresenta a pro-dução dos educadores na organização dos ambi-entes. Destaca a cultura da infância. Os arranjosespaciais e o seu uso pelas crianças são apresen-tados por um jornalista excêntrico, que utiliza anarrativa para contar histórias desse projeto.

No livro Os fazeres na Educação Infantil(1998), o artigo “A formação nossa de cada dia”também conta, com mais detalhes, como a cons-trução da proposta pedagógica fez parte da for-mação dos educadores dessa creche. A propostapedagógica é apresentada por nós como algo quemuda conforme as possibilidades da instituição,o momento histórico, a população atendida e adinâmica das relações que ali ocorrem. A forma-ção que defendemos, portanto, acontece pormeio de planejamento, ação, avaliação e replane-jamento.

Atualmente, sabemos que não basta ter umaestrutura de formação, organizada com reuniõese estratégias. Essa estrutura é necessária paraconstruir hábitos em relação ao estudo e refle-xão sistemática sobre Educação Infantil. Porém,nossa experiência tem demonstrado que conse-guimos resultados de qualidade nos programasde capacitação, quando nos preocupamos coma formação do cidadão e quando consideramoso contexto ideológico, histórico e cultural espe-cífico em que o educador está inserido.

Ana Paula Soares (Cindedi, 2001), em artigorecente, apresentou nossa concepção sobre o tema:

Temos assumido que o desenvolvimento humano

só se dá por meio da apropriação da cultura, por-

tanto, a pessoa torna-se humana a partir de sua

imersão em um mundo simbólico e de um pro-

cesso de contínua significação e ressignificação do

mundo, dos seus parceiros de interação e de si

mesma. A natureza humana é essencialmente his-

tórica e cultural e, daí, tanto os pensamentos como

as atitudes e sentimentos de uma pessoa têm uma

178

O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação InfantilPAINEL 14

origem social. Assim, as questões relacionadas ao

humano, à sua constituição, ao seu desenvolvi-

mento e à sua profissionalização devem ser lidas

em relação às vivências do indivíduo e ao seu mo-

mento de vida, dentro da realidade concreta em

que está inserido.

Assim, ao organizarmos programas duranteesses dezesseis anos na Creche Carochinha, ou-vimos, discutimos diferenças, enfrentamos di-vergências e oposições e, muitas vezes, altera-mos percursos que acreditávamos construídos.Assim, vivemos intensamente nossas frustra-ções, diante de dilemas muitas vezes não solu-cionados naquele “dia de formação”. Enfim,

construímos nosso “jeitinho de fazer”, que sem-pre teve, tem e terá falhas, faltas, buracos, con-forme descreve Adriano Gosuen, em seu artigobem humorado “Só que…”, o qual conclui nossolivro Os fazeres na Educação Infantil (1998: 187).

BibliografiaBRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Diá-

rio Oficial. Poder Executivo, Brasília/DF, 23 dez. 1996.

OLIVEIRA, M.R. Zilma et al. Creche: crianças, faz de conta e

cia. Petrópolis: Vozes, 1993.

ROSSETTI-FERREIRA et al. (Orgs.). Os fazeres na Educa-

ção Infantil. São Paulo: Cortez, 1998.

Sendo uma professora que está, no dia-a-dia,em uma sala de aula com 20 crianças e sentindoo peso da responsabilidade de cuidar da forma-ção delas, inicio dizendo da minha alegria emparticipar deste congresso. Alegria por entendê-lo como oportunidade de diálogo sobre um gran-de desafio da educação deste país – a formaçãodos professores –, que nos toca tão direta e pro-fundamente. Assim, estar aqui, sendo considera-da interlocutora, nesse “pensar junto” a respeitoda minha formação, parece óbvio, mas sabemos,todos, que é novidade.

Nesse sentido, pensei muito sobre o que pri-vilegiar neste raro momento. Poderia tentar re-petir aqui as discussões mais atuais sobre forma-ção. Isso seria importante para minha defesa deque também temos um saber que precisa ser con-siderado, mas não foi essa a minha opção. Con-

Relato de experiência:o reflexo da ação formadorano projeto pedagógicoda instituiçãode Educação Infantil

Stefânia Padilha Costa

Escola Maria Salles Ferreira – SME – Belo Horizonte/MG

siderei fundamental trazer aqui a voz da profes-sora. Não das milhares deste Brasil, porque nãopoderia. Cada uma é uma, com uma históriamuito singular, e esse é mais um princípio a serpensado nas políticas de formação: não somosuma massa homogênea. Como elemento dessecoletivo, dessa categoria, fiz a opção por perso-nificar ao máximo, contando uma experiênciamuito particular, mesmo correndo todos os ris-cos de inadequação e/ou pobreza na exposição.

Tentarei desenhar, na cabeça de vocês, umaStefânia professora. E, assim, discutir por que epor onde passam o meu sonho e as minhas ne-cessidades relativas à formação continuada. Sãoinúmeras as marcas e os aspectos que precisa-vam ser trazidos à tona para desenhar a pessoa/professora que sou, mas tive de fazer opções eprivilegiar alguns aspectos. Aliás, essa tarefa per-

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manente de fazer opções, escolhendo, num con-junto de importâncias, o que, no momento, é omais importante é o maior desafio da profissão.

Pretendo dividir minha abordagem em trêsaspectos:

1. A percepção que tenho da trajetória da minhaprofissão e quais traços dessa trajetória iden-tifico como constituindo a professora que sou.

2. O meu ponto de vista sobre a articulação en-tre a velha discussão – compromisso políticoversus competência técnica – e a nova discus-são – o professor como sujeito sociocultural,responsável por seu processo de formação, ea formação como direito.

3. O cotidiano da pessoa Stefânia no papel deprofessora e a relação entre essa realidade eos limites e as necessidades de um processode formação.

A opção de personificar minha abordagem napessoa que sou pretende realçar minha crençaem políticas de formação que nos considerecomo sujeitos concretos, temporais. No entan-to, existe de minha parte a clareza de que somoshabitados pelo outro. O outro de um tempo di-ferente, o outro idealizado, o outro que a con-venção aconselha, o outro com o qual convivo,o outro que pesquisa e escreve sobre meu fazer,o outro e o outro. Parece, mesmo, que somos umindivíduo habitado por um conjunto de outros.

Nesse primeiro ponto, quero remontar à tra-jetória da minha profissão, mesmo que de ma-neira bem recortada e superficial, para identifi-car o que penso permanecer em mim dessesoutros distantes no tempo. Do professor dos pri-meiros tempos, cuja origem esteve ligada às de-mandas particulares das famílias poderosas,pouco sei e não poderia identificar traços deidentidade.

Do professor já com um projeto de educa-ção mais coletiva, relacionado com a Igreja, dan-do à nossa profissão características de dom, vo-cação, sacerdócio, penso que trago uma certavivência idealizada da profissão e, vira e mexe,muita culpa. Culpa pela criança não atingir ostais padrões desejados, culpa por uma interven-ção desajeitada, culpa pelo tempo não render,culpa por não ter todas as soluções nas minhasmãos, culpa por fazer greve, culpa pela criançasair da escola. Com todo esse sofrimento, há uma

certeza: “É isso que quero para a minha vida”, ouseja, em tudo há um ar de “vocação”.

A professora mais próxima do nosso tempo,minhas irmãs viveram: Dona Yara, Dona Sara,Dona Iraci. Penso que tinham um pouco mistu-radas as características dos dois professores an-teriores. Elas ainda contaram com status e reco-nhecimento social e foram a “segunda mãe” demuitas crianças. Esse tempo, mesmo com seuslimites e equívocos, marcou, na minha opinião,um período em que o nosso papel era carregadode respeito, que nos dava orgulho e compromis-so. Penso ser fundamental resgatar esse respeito,esse orgulho e esse compromisso pela profissão.Lembro que minhas irmãs levavam seus alunospara passear na nossa casa e no sítio do meu pai.Eu também visitava suas salas de aula e, nas duassituações, pude testemunhar uma relação deafetividade e de severidade. Tanto a disciplinacomo a aprendizagem de cada um dos alunoseram levadas muito a sério, mas o mais visível erao orgulho que se tinha da turma e da profissão.

Essa experiência familiar foi marcante e estápresente na professora que sou. Quero chamar aatenção para o fato de que minhas irmãs, duran-te o exercício da profissão, não tiveram treina-mentos, atualizações, nem o tempo pedagógico.A formação inicial era considerada suficientepara 25 anos de serviço. No entanto, minhas ir-mãs, pelo menos, que eram três na mesma casa,viviam conversando sobre o trabalho, planejan-do e corrigindo atividades de maneira comenta-da, o que certamente devia possibilitar reflexõese trocas entre elas. Quero destacar também que,por vivenciar tudo isso e até ajudar nas corre-ções das atividades, a minha formação profissio-nal iniciou-se aos 8 ou 9 anos de idade.

Agora considero que nossa profissão vivepelo menos três faces de uma mesma moeda.Somos “as tias”, com todo o desprestígio socialdesse título, aquela boazinha que faz as vonta-des, que pode ser útil para várias tarefas, mas é amãe quem decide as questões importantes.Aquela que, não sendo a dona, a grande respon-sável pela formação/educação da criança, nãodefine nada, mas ganha a recompensa da “flexi-bilidade”. Não precisa de muito preparo, não pre-cisa ser muito competente e ganha um título quecarrega doses de afetividade. As “tias” são boazi-

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nhas, como se o título desse, a priori e de graça,uma relação afetiva que deveria ser construídano dia-a-dia. Mas, junto com essa realidade, exis-te outra. Mãe é uma só e “tias” podem ser mui-tas, e passamos a ser entendidas no plural.

Talvez, como instinto de sobrevivência, hojesomos plural, tias ou mercenárias; somos plu-ral, somos categoria, organizamo-nos em sindi-catos e tentamos fazer ouvir a nossa voz, os nos-sos direitos. Somos também objeto de pesquisae estudos de nós mesmas e de outros, preocu-pados com nossa identidade, e nos percebendocomo sujeitos sociais políticos. Um sujeito cons-tituído na relação com outros, fazendo e se fa-zendo na cultura.

Neste tempo em que vivo, a professora que soutenta negar o papel de tia nas ações e atitudes in-dividuais, mas sei que a carrego comigo, principal-mente no olhar do outro sobre minha profissão.Com relação ao sujeito sociopolítico pertencentea uma categoria, tento me colocar a serviço daconstrução dessa identidade numa constante edoída articulação entre o individual e o coletivo.

Mas, com toda a certeza, participar da aber-tura política de nosso país em 1979, ir para asruas abrindo a caixa-preta da educação e presen-ciar o surgimento de uma nova concepção desindicato, mesmo ainda sendo uma aluna doNormal, foi e é uma marca determinante na pro-fessora que sou. Penso que nos anos de 1980,escorregamos por uma etapa da história, e asmudanças ocorreram a mercê das ideologias elegislações. Começamos a nos descobrir comosujeitos da história e das mudanças, negandoantigas imagens.

Vou passar rapidamente pelo segundo aspec-to só para pontuar que toda aquela discussão dadécada de 1980, sobre competência técnica ecompromisso político, também influenciou mi-nha formação. Penso que a importância maiorfoi o fato de, pela primeira vez na minha vida, euestar diante de um debate, diante de pontos devista diferentes, e me sentir tentada a fazer, pelaprimeira vez, a pergunta que não me abandonoumais: “E você, Stefânia, o que pensa sobre isso?Qual a sua opinião/posição?”. Lembro queGuiomar Namo Mello defendia que a competên-cia técnica levaria ao compromisso político ePaolo Nosella defendia que competência técni-

ca carregava significados diferenciados, em di-ferentes concepções de cultura e, nesse sentido,o compromisso político é que deveria ser odetonador de uma determinada competênciatécnica e o seu horizonte. Depois veio o Der-meval Saviani, elegendo-se para fazer a síntesedesse debate. Talvez não fosse bem isso o que osautores diziam, e com certeza eles diziam mui-tas outras coisas, mas não é meu objetivo deter-me nesse debate. Só pretendo chamar a atençãopara o fato de que, naquele momento, tomei aprimeira posição com relação à minha profissãoe defendia, apaixonadamente, que primeiro vi-nha o compromisso político e, em nome dele, doresto a gente corria atrás.

Hoje, revisitando esse momento, à luz dasdiscussões atuais sobre formação, principalmen-te as de autoria do professor António Nóvoa,percebo que nem era um posicionamento bemfundamentado, era quase visceral. Vivendo todoaquele fervilhamento das greves de professoresnas ruas, tive de jogar fora a imagem cor-de-rosaconstruída sobre o Magistério, perdida no jogodas diferentes imagens que nos eram impostas:missão sublime; professora como um ser delica-do, frágil; espera-marido; opção segura paramoça de família por ser tarefa fácil, de meio pe-ríodo, possibilitando a dedicação ao lar. Nas ruas,eu via companheiras fortes, determinadas, quecorriam por três turnos de trabalho, em sala deaula. Eu não estava achando nada fácil ser pro-fessora. Alguma coisa estava errada comigo?

Mas, surpreendentemente, diante da clare-za de que a minha formação inicial era insufici-ente para os desafios que enfrentava, de que aimagem que tinha da profissão era irreal, não mesenti sem chão debaixo dos pés, porque, juntocom esse movimento de desconstrução, haviatambém a construção de uma visão de mundo e,aí, de um compromisso político que me fariacorrer atrás do que me faltava.

Assim, a posição de que o compromisso po-lítico era impulsionador para a competência téc-nica foi a verdade do meu percurso pessoal. Erauma identificação, mais que uma posição. Hoje,poderia citar uma colega que, na minha opinião,percorreu um caminho inverso ao meu, mas aconclusão é a mesma da década de 1980: o fun-damental é que compromisso político e compe-

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tência técnica estejam presentes em cada açãodo professor. É nesse sentido que hoje me iden-tifico, me posiciono em defesa e me transformocom as contribuições de António Nóvoa e InêsTeixeira:

Os professores exercem sua atividade e se

constituem, como tal, em contextos sociais e his-

tóricos, dimensionados em estruturas, institui-

ções e processos resultantes das escolhas e con-

tingências da ação humana [...]

Sujeitos socioculturais são, finalmente, seres

de ação, realizando-se como seres livres e de vida

ativa, inseridos no mundo por suas palavras e

atos que são comunicação e revelação (Inês

Teixeira, 1996).

Esta profissão precisa de se dizer e de se con-

tar: é uma maneira de a compreender em toda a

sua complexidade humana e científica. É que ser

professor obriga a opções constantes, que cruzam

a nossa maneira de ser com a nossa maneira de en-

sinar, e que desvendam na nossa maneira de ensi-

nar a nossa maneira de ser (António Nóvoa, 1992).

Aceitei, entusiasmada, esse convite do Nóvoae passo para o terceiro ponto da minha aborda-gem, descrevendo algumas características mi-nhas que têm influência na minha atuação, o quetento fazer num exercício de articulação com aformação que se dá na escola.

Começo com a opção por uma profissão quese pauta na relação de gente com gente. Tarefacomplicadíssima! Basta pensar nas relações ma-rido/esposa e nas relações pais/filhos. Só que paraessa relação familiar ninguém estudou, ou apos-tou num retorno. Nosso caso é ainda mais com-plicado, porque essa relação se dá num lugar comuma função específica: educar/formar, e temosuma “formação” que presumiria uma aposta e,daí, uma responsabilidade em “acertar mais”. Essaquestão já nos coloca, nesse lugar, com o descon-forto do peso dessa responsabilidade.

Então, vamos dizer desse corpo que carregaessa responsabilidade. O meu corpo e a minhaestatura são facilitadores da tarefa de professorade Educação Infantil (talvez fosse complicado narelação com os “grandões”). Meu tamanho meaproxima das crianças e elas adoram dizer queestão quase me pegando.

Mas vocês já imaginaram o quanto o nossocorpo fica exposto, nessa profissão? Sabem o quesignifica pegar piolho, custar a acabar com elese, no outro dia, aceitar aquele abraço, agarrado,grudado no pescoço, da Aninha e até sentir a“transfusão” de piolhos? Qual formação, aindamais a distância, daria conta do controle quedevo ter quando ganho aquele pisão na unha?Nas minhas reflexões, é dilema, é sofrimentopensar: “Efetivamente, eu os estou formandopara a iniciativa, para a independência, para aautonomia, quando organizo com eles todo oespaço da sala e a dinâmica do trabalho? Ouquando, ao reorganizar as mesas para uma ati-vidade, uma criança cheia de iniciativa, queren-do ajudar, empurra a mesa e esmaga os meusdedos e, com dor, recrimino: ‘Vê se não me aju-da, se eu não pedir!’?”

Por isso, vira e mexe, nas reflexões coletivasda escola, o desafio é especificar o que cada umade nós entende como autonomia e como postu-ras coerentes com tais concepções. Já, nas refle-xões individuais, fiquei, por muito tempo, angus-tiada, pensando que, como professora, vamosficando competentes em muitas coisas, mas atolerância, com certeza, vai diminuindo. Até queresolvi que nada é dado e acabado, e estoupriorizando e policiando o meu grau de tolerân-cia, na relação com as crianças, e a meta é per-correr o caminho inverso. Ainda, na questão datolerância, existe um outro aspecto: como forta-lecer uma relação de encantamento com o dife-rente, com o novo, se o que é padrão e o que nãotraz estranhamento é tão cômodo e, aí, sedutor?Como construir e manter uma postura dealteridade? Outra grande contribuição do cole-tivo de uma escola pública é que é preciso sem-pre conviver e negociar nossas diferenças.

O tempo passa e envelhecemos. Vamos paraa idade. Tenho 40 anos e minha relação é comcrianças de 5 anos. Talvez, aqui, o Papai do Céutenha falhado. Não guardamos, na memória, onosso ser criança e a experiência vivida não con-segue nos ajudar na relação com as crianças. Ali-ás, acho que elas são muito mais compreensi-vas, que têm uma fase que ainda não viveram,do que nós, que já fomos crianças. Na EducaçãoInfantil, é fundamental perceber a perspectiva dacriança, para ajudá-la no seu processo. Então, nas

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reflexões do coletivo da escola, também é umaluta definir até onde a interminável “contação”de caso das crianças nos ajuda a entendê-las,como lidar com o tempo, sempre insuficientepara tantas prioridades, e onde buscar os funda-mentos teóricos que ajudariam a entender aque-la atitude, tão específica da minha aluna.

Outro conflito que vivo é que a minha pes-soa é autoritária, mas sofro ao pensar que a pro-fessora o seja. Convenhamos, posso não ser au-toritária como professora se a pessoa que sou é?!Fico me enganando, pensando que, com as cri-anças, construo uma relação mais democráticaou, pelo menos, autêntica.

Ser mulher também marca muito minha re-lação com as crianças, é claro, mas tenho umacolega cuja imparcialidade é flagrante demaispara com as meninas, e isso acaba por me aju-dar nas reflexões internas.

No papel de informadora, tenho dificuldadesporque é bastante frágil a minha própria forma-ção, tenho defasagens grandes em várias áreasdo conhecimento, mas sou muito esforçada, cor-ro atrás o tempo todo e penso que acabo cum-prindo o papel de sistematizadora do conheci-mento universal. Nisso também sou ajudadapelo coletivo da escola, pois essa questão é sem-pre discutida e valorizada por todos.

Com relação à estética e à tecnologia, souanalfabeta, mas a consciência disso me fez orga-nizar o trabalho deste ano, para investir nessa di-ficuldade, e têm sido satisfatórias as possibilida-des que venho oferecendo às crianças na questãoartística. Na escola, também têm sido muito pau-tadas as dimensões estética e ecológica no nossotrabalho, o que tem sido importante para mim.

E, só para não ficar um perfil muito ruim,encerro dizendo que tenho um dinamismo euma habilidade de leitura das crianças e umacapacidade de devolução com intervenções di-ferenciadas, que são interessantes. Isso faz comque a minha auto-estima como professora sejapositiva – o que é fundamental para eu me aven-turar, como dona do meu percurso, tanto ao fa-zer como ao refletir e transformar esse fazer.

No coletivo da escola, cada uma de minhascolegas, ao se colocarem, também trazem a mar-ca de suas histórias de vida, seus percursos pro-fissionais, suas características pessoais, o que

implica constantes trocas, negociações e cons-trução de acordos possíveis. Assim, o projetopolítico-pedagógico vai se constituindo e o seuregistro vai tendo o lugar do vivido, e tambémdas metas desejadas, dos acordos vislumbrados.

Como podem perceber, são muitos os fato-res que constituem o meu fazer, o fazer político-pedagógico de cada escola. A tarefa de auto-conhecimento, ao construir identidades, reco-nhecer e desafiar limites, é muito complexa, mascada professor é quem deve assumi-la. Para pen-sar qualquer processo de formação que consi-derasse a professora que sou, de início precisa-ria entender o significado do sacrifício dos meuspais, para garantir o diploma de professora paratodas as suas oito filhas, e como esse fato e a ex-celência do trabalho dessas minhas irmãs deter-minam o valor que dou à minha profissão. As-sim, por maior que seja o compromisso políticoe a competência técnica dos elaboradores depolíticas de formação, acho impossível alcançartodas as nuances colocadas no fazer político-pedagógico de um professor.

Nesse sentido, depois de aceitar o convite deNóvoa, também faço o meu convite, principal-mente aos senhores, que têm o poder e a respon-sabilidade de elaborar políticas de formação,para que também o aceitem.

Os professores têm de ser protagonistas ati-

vos nas diversas fases dos processos de forma-

ção: na concepção e no acompanhamento, na

regulação e na avaliação. [...]

Toda ação encerra um projeto de ação. E de

transformação. E não há projetos sem opções. As

minhas passam pela valorização das pessoas e

dos grupos que têm lutado pela inovação no in-

terior das escolas e do sistema educativo (António

Nóvoa, 1992).

Minha identificação é tão grande, e pensoque nada mais precisa ser dito. É hora de açõesque concretizem a formação dentro dessa con-cepção, que pressuponham o professor comosujeito de seu processo de formação e a escolacomo espaço privilegiado dessa formação.

Nesse ponto, é importante contar do meuprocesso de formação continuada. Nos movi-mentos sociais e nas campanhas da minha cate-

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goria, aprendi muito, mas vou dizer do meu pro-cesso de formação como ação da Secretaria Mu-nicipal de Educação de Belo Horizonte.

Com certeza, a minha experiência tem sidomuito positiva. Foram muitas as oportunidades decursos, palestras, e seminários, promovidos peloCentro de Aperfeiçoamento dos Profissionais daEducação (Cape), que se constituíram em momen-tos ricos de aprofundamento ou de desequilíbrio.No entanto, considero muito mais efetivas as dis-cussões realizadas na escola. Considero um privi-légio a oportunidade de contar com a contribui-ção de vários profissionais, como Vitória Faria, Fá-tima Sales, Inês Teixeira e outros, na discussão con-creta, palpável, de nossas dificuldades e descober-tas. Digo privilégio porque, contar com essas con-tribuições, foi busca e conquista da minha escolae não de uma política da SMED, apesar de já terconhecimento de algumas iniciativas, lá, nesse sen-tido, o que é fundamental, porque, se é verdadeque a escola é o espaço privilegiado de formação,também é preciso reconhecer o quanto podem ser“deformadores” o cotidiano e a estrutura de umaescola. Não porque somos bruxas malvadas, mal-intencionadas ou incompetentes, mas porque avontade de acertar não garante o acerto. Nesse sen-tido, nossas reflexões devem ser acompanhadas,problematizadas e enriquecidas pelo olhar e pelosaber do outro, compartilhando a responsabilida-de e a alegria de construir práticas mais significati-vas e humanizadoras.

Aqui sou obrigada a abrir um parêntese parafalar do Projeto Político-Pedagógico Escola Plu-ral. Digo obrigada, porque inegavelmente temsido uma experiência doída. Muitos discordam,mas, de fato, na minha opinião, esse projeto temsido, claro que aliado a várias outras questões dasnossas condições de trabalho, motivo de adoeci-mento dos professores.

Por quê? Esse projeto é ruim? Não, muito pelocontrário. Lendo suas diretrizes, a adesão e mes-mo o entusiasmo são imediatos. Ele é todo bemconstruído e articulado, mas dar conta de toda asua aposta, na prática, é muito difícil. Talvez esseseja o motivo do adoecimento: “Quero tanto, porque não dou conta?” Por maiores que tenham sidoos investimentos na capacitação do professor, fal-tou, na minha opinião, o principal: uma relação,de fato, dialógica com o processo de construção/

formação do professor e da escola. Houve muitaangústia e muito choro nesse processo e faltouuma leitura mais precisa dos diversos choros, eos rótulos resistência e desejo de receita prontanão contribuíram em nada. O sentimento queacabou se instaurando foi o da solidão.

Nesse processo, a formação precisava ganhara centralidade, mas não qualquer formação, e, sim,a defendida por António Nóvoa e Inês Teixeira. Seos esforços foram muitos, infelizmente ainda fo-ram insuficientes. Apesar dessa constatação, escla-reço que também fui responsável pela formaçãodos professores, já que estava no Departamentode Educação na época da implantação. Tambémdestaco que fui e sou defensora dos princípios daEscola Plural, mas continuo precisando de ajudapara construí-los na prática.

Por fim, para terminar o que pretendia ser umacontribuição, insisto: não podemos mais partici-par das discussões ou ações de formação comopobre em festa de rico nem como um penduricalhopara compor um modismo politicamente correto.É no nosso hábitat que as discussões têm contex-to, cheiro, cor, sabor e até dor. Fora de lá é sempreum “estar se expondo com recortes”, podendoocorrer constrangimentos, mal-entendidos, super-ficialidade, além de sentirmos nossa contribuiçãocomo o prato menor do banquete.

Gostaria muito que essa questão do menorvalor não fosse entendida como queixa, ou comobaixa estima, ou algo nessa linha. O que gostariade dizer é que seria desnecessária a nossa presen-ça nesta mesa, neste congresso, se todas as ou-tras falas já fossem impregnadas das angústias,dos desafios e da caminhada das Stefânias, dasMarias. Relatos não supostamente imaginados,nem pesquisados pontualmente, esporadicamen-te e por amostragens. Ou seja, para mim, hoje, oprato principal, no banquete da formação conti-nuada de professores, é a caminhada da profes-sora Ana e de seus companheiros, naquela esco-la, lá nos cafundós do Amazonas. Como estãoconstruindo suas identidades de professores deEducação Infantil do Amazonas? Como vem seconstituindo, no dia-a-dia, sua relação com seualuno, ao cuidar de sua formação? E aí, mais quegrandes banquetes esporádicos, haverá uma per-manente refeição de qualidade, com as delícias ea adequação da comida caseira.

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O programa de formaçãocontinuada de Educação Infantil:Parâmetros em Ação

Olga Regina Siqueira e Silva

Escola Municipal Professora Emília Ramos – SME – Natal/RN

Espero ter sido compreendida nas discussõesque trouxe, pois não gostaria, de maneira algu-ma, de parecer deselegante, mas reforço a mi-nha alegria de ser considerada nesse diálogo, e,justamente, querendo legitimar esse convite,considerei ser minha contribuição dizer que, seé consenso uma nova visão de formação conti-nuada, é preciso alterar a ordem das coisas. Es-pero estar dizendo com respeito e com cuidado,mas é preciso dizer: chega de conversa, meusSenhores. É urgente que haja uma inversão realnas ações formadoras, considerando o nosso sere o nosso saber, justamente para que ele não seja,eternamente, um saber frágil, menor.

BibliografiaSe me fosse permitido, gostaria de transgredir

nesta bibliografia. Peço licença, primeiro, porque nada

do que está dito no texto é originariamente meu. São

muitos “outros” dizendo por intermédio de mim. Se-

gundo, porque as contribuições dos teóricos nesse

meu pensar são frutos de palestras e/ou apostilas,

dificultando a maneira convencional de se registrar

uma referência bibliográfica. Assim, só informo que o

texto é habitado por Guiomar Namo Mello, Paolo

Nosella, Dermeval Saviani, Paulo Freire, Miguel

Arroyo, Sônia Kramer, Vitória Líbia Faria, Fátima

Sales, Inês Teixeira, António Nóvoa et al. Também é

habitado por muitos “outros” ilustres desconhecidos,

que foram igualmente importantes.

Conforme consta no documento Parâme-tros em Ação de Educação Infantil, o programase destina a “apoiar o desenvolvimento de pro-postas pedagógicas de qualidade, na perspec-tiva de uma educação para a cidadania. Essameta exige impulsionar o desenvolvimentoprofissional dos professores no âmbito das Se-cretarias Municipais e Estaduais de Educação”(Brasil, 1999: 7).

Pela afirmação anterior, entendemos que oprocesso de formação continuada dos profes-sores constitui-se em necessidade emergenteno atual contexto sociopolítico-educacional.Nesse sentido, a iniciativa de construção de umprograma dessa natureza configura-se comoreferência a ser utilizada como apoio às discus-sões do fazer pedagógico, dentro das institui-ções escolares da rede pública. Embora enten-dendo que o programa, por si só, não assegura

mudanças na prática docente, defendemos asua relevância, uma vez que possibilita a refle-xão na ação pedagógica e sobre ela.

Convém ressaltar que a aceitação do pro-grama Parâmetros em Ação não se constitui emobrigatoriedade, mas adesão voluntária, o queimplica a questão da vontade política de cadaSecretaria de Educação em comprometer-secom a formação de profissionais competentese com a busca da eficácia no ensino.

Dentre as finalidades apresentadas peloprograma, destacaremos três, as quais estãomais diretamente relacionadas à temática aquidiscutida, ou seja:

• contribuir para o debate e a reflexão sobre opapel da escola e do professor, na perspectivado desenvolvimento de uma prática de trans-formação da ação pedagógica;

• criar espaços de aprendizagem coletiva, in-

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centivando a prática de encontros, para estu-dar e trocar experiências, e o trabalho coletivonas escolas;

• identificar as idéias nucleares presentes nosreferenciais curriculares e fazer as adaptaçõeslocais necessárias, atendendo às demandasidentificadas no âmbito do estado/municípioou da própria escola.

As finalidades anteriormente citadas com-plementaram e/ou sedimentaram as açõesformativas, que já vinham, de certa forma, sen-do desenvolvidas no âmbito da Escola Munici-pal Professora Emília Ramos.

Antes de nos determos na descrição do “Re-flexo da ação formadora no projeto pedagógicoda instituição de Educação Infantil”, situaremoso contexto em que se deu a realização do Pro-grama de Formação Continuada para os profes-sores de Educação Infantil.

O contexto do programaO programa Parâmetros em Ação sediado no

município de Natal teve início em 1999 e en-volveu a participação de 32 municípios no re-ferido pólo. A realização do Programa de For-mação Continuada “Parâmetros em Ação deEducação Infantil” foi possível por meio daformalização de parcerias estabelecidas entreas Secretarias de Educação Municipais, o Sesi eo MEC, sob a coordenação da ProfessoraCristina Leandro.

Inicialmente, o programa contou com umaturma de aproximadamente 50 professoras, quetinha o desafio de desenvolver competências deformadoras. O grupo tinha encontros mensaispor módulos de estudo dos temas abordados,nos Referenciais de Educação Infantil, com aduração de quatro dias seguidos. Nos dois pri-meiros, a formação se dava por meio de um es-pecialista local e, nos dois últimos, com a parti-cipação de formadores da rede nacional do MEC.

Uma característica singular do nosso grupode estudo era contar com a participação de 24especialistas/formadores, que suscitavam a dis-cussão teórica, colocando em evidência os co-nhecimentos do grupo sobre o tema a ser tra-balhado, de modo que, quando as formadorasda rede nacional assumiam a coordenação dos

estudos, já encontravam o campo fértil para amobilização do pensamento acerca da práticareflexiva e da busca de autoformação.

A realização do trabalho citado, com a par-ticipação das professoras de Educação Infantil,teve início em 2000, cujo processo de imple-mentação deu-se após a espera da contrataçãodas novas professoras concursadas para atuarnesse segmento, pois de nada adiantaria darinício a um processo de formação continuadasem quadro permanente de professores.

Dessa forma, o início do Parâmetros emAção ocorreu no momento da Semana Pedagó-gica, ao iniciar o ano letivo (fevereiro de 2000),evento promovido regularmente pela SME, emque foram abordados os módulos Artes e Brin-car. Desde o princípio, o programa conseguiuconquistar e envolver as professoras, pois a sis-temática desenvolvida pelas formadoras tratoude aproximar e enfatizar a relação teoria-práti-ca, enfocando não apenas a organização de ati-vidades no espaço escolar, mas também a re-flexão sobre os objetivos que as norteiam.

Os eixos norteadoresda formaçãoA formação de professores dá-se, normal-

mente, em duas frentes: a formação inicial,que qualifica o professor para atuar nas fun-ções docentes; e a formação continuada, quepotencializa a atualização/construção de co-nhecimentos, de novas abordagens e novosparadigmas (Perrenoud, 2000). O programaParâmetros em Ação situa-se na segunda ca-tegoria de formação, uma vez que não temcomo objeto específico a qualificação para adocência, mas o redimensionamento da açãopedagógica.

Do ponto de vista da formação que estáva-mos iniciando, encaminhamos com êxito osobjetivos propostos pelo Parâmetros em Ação,dos quais destacamos:

1. O investimento pessoal das professoras emsua própria formação, uma vez que conse-guimos conquistar o grupo e ganhar a confi-ança, a credibilidade, ou melhor, estabelece-mos um vínculo recíproco a partir do mo-mento em que elas se sentiram valorizadas

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e, tendo respeitado os seus saberes profis-sionais, buscaram a ampliação desse repertó-rio de saberes (Gauthier, 1998), que poderiatorná-las profissionais mais competentes.

2. A valorização e a necessidade de um traba-lho coletivo entre as professoras e demaissegmentos no espaço escolar, mais nota-damente nas situações de planejamento parao desenvolvimento de uma proposta peda-gógica que contemplasse as especificidadesda Educação Infantil e da criança pequenaem sua cultura local.

3. A tematização da prática, que se iniciou a par-tir das atividades desenvolvidas e das trocasde experiências favorecidas pelos relatos quesurgiam no grupo. A partir desses relatos e dis-cussões, as professoras externavam suas con-cepções, conceitos, práticas etc. e, assim, con-frontavam-nos com o que estava sendo pro-posto nas atividades (a cada encontro os pro-fessores avaliavam o produto do seu trabalhode modo positivo).

Até o momento, o Parâmetros em Ação deEducação Infantil vem atendendo a, aproxima-damente, 130 professoras de 40 escolas muni-cipais, que se mantêm desenvolvendo a forma-ção continuada por meio da participação nosencontros periódicos de estudos e no própriolocal de trabalho.

O Parâmetros em Açãona Escola MunicipalProfessora Emília RamosCabe destacar, no desenrolar da formação

promovida pelo Parâmetros em Ação, a histó-ria da Escola Municipal Professora Emília Ra-mos, situada na Avenida Central, S/N, no bair-ro Cidade Nova, Zona Oeste da cidade de Na-tal/RN.

O bairro ao qual nos referimos é formadopor pessoas de poder aquisitivo baixo. Uma boaparte delas sobrevive de biscates, serviços do-mésticos, construção civil e como operários,enquanto a outra parte se encontra fora domercado de trabalho. O bairro é caracterizadocomo violento, pelas próprias condições exis-tenciais daquela comunidade.

A escola, fundada em outubro de 1988, ini-cialmente recebeu o nome de Centro Munici-pal de Educação Infantil Professora Emília Ra-mos (Cemeiper) por atender, exclusivamente,a Pré-Escola (termo usado na época). Sua pro-posta pedagógica foi construída com a partici-pação de pais, professores e técnicos da Secre-taria Municipal de Educação, e seguiu a umaorientação teórica baseada nas idéias constru-tivistas de Emília Ferreiro e Teberosky.

No início da década de 1990, o Cemeiperpassou a atender as séries iniciais do 1º Grau,uma vez que os pais, acostumados com a parti-cipação efetiva nas decisões escolares, começa-ram a reivindicar a continuidade dos estudosde seus filhos numa escola que acreditava nopotencial deles, respeitava o ritmo e a constru-ção do conhecimento do alunado, de acordocom a abordagem construtivista, fundamenta-da nos seguintes princípios norteadores da prá-tica pedagógica:

1. Que a escola seja o lugar de vida e alegria paratodos que a freqüentam e que brincadeiras,festas, passeios, recreações, enfim outras for-mas de expressão e linguagem – não só a es-crita – façam parte da rotina de nossa pro-posta pedagógica.

2. Que a Pré-Escola seja entendida como ambi-ente alfabetizador e facilitador da escolari-zação efetiva das crianças das camadas po-pulares.

3. Que o respeito às crianças, jovens e adultosse constitua em base do nosso trabalho, le-vando em conta os conhecimentos por elestrazidos para a escola, seus interesses, suasformas e seus ritmos de aprendizagem.

4. Que o eixo da proposta pedagógica propicieà criança uma manipulação com escritas eleituras funcionais, que possibilite o enten-dimento da linguagem escrita, por meio deatividades, como leitura e produção de tex-tos; leituras e escritas de nomes; estímulo àconsciência dos sons e desenhos livres.

5. Que a avaliação seja entendida como um ele-mento integrado entre a aprendizagem doaluno e a atuação do professor no processode construção do conhecimento.

6. Que a avaliação não seja apenas uma instân-cia de julgamento de sucessos e fracassos do

188

aluno, do professor e da escola, mas compre-endida como um conjunto de atuações quetêm função de alimentar, sustentar, orientare ajustar a intervenção pedagógica e verifi-car o grau de aprendizagem que foi atingidopelo aluno, isto é, o quanto este se aproximaou não da expectativa da aprendizagem quese tem em determinados momentos da es-colaridade.

7. Que o professor e a equipe técnica que fa-zem a mediação entre o não-domínio dasferramentas culturais e o processo do seudomínio pelos alunos não possam prescin-dir da competência técnica (aqui entendi-da em seu sentido amplo, tanto na sua di-mensão teórica, domínio de conhecimen-tos, como técnica, domínio das formas detransmissão e assimilação dos conheci-mentos).

8. Que os educadores tenham a clareza deque a competência se constrói e que, por-tanto, é provisória e deve ser sempre re-feita, pois deve estar constantemente de-safiada pela prática do ensino e pela ne-cessidade de aprimorá-la sistematicamen-te, aprofundando o domínio dos conteú-dos relativos a cada área do conhecimen-to e das formas de seu encaminhamentometodológico no ensino.

9. Que a valorização dos educadores passe pelabusca da competência e que se dê conteúdoàs lutas dos profissionais da educação pormelhores condições de trabalho e pelo apri-moramento profissional contínuo.

10. Que o estabelecimento de “vínculos afeti-vos” positivos entre professor/aluno possibi-lite o exercício da auto-estima, como aspec-to fundamental para o sucesso escolar.

11. Que a gestão democrática seja uma lutaconstante e compartilhada por todos ossegmentos da escola, por meio da eleiçãodireta dos dirigentes escolares, da dina-mização do Conselho e da participaçãoativa dos pais e das comunidades nos des-tinos da escola.

12. Que o Conselho da escola constitua-se emfórum de debates, encaminhamentos e deli-berações das questões pedagógicas, adminis-trativas e financeiras da escola, de forma acolaborar na assistência e formação do edu-

cando, por meio da aproximação entre pais,alunos e professores, e a promover a integra-ção entre poder público, comunidade, esco-la e família.

Ao longo dos anos, a escola absorveu, entresuas ações, a prática do planejamento e do es-tudo sistemático. Esse estudo propicia a ampli-ação do conhecimento dos educadores, bemcomo permite a troca de saberes, fator prepon-derante para uma prática que visa à formaçãode sujeitos autônomos e conscientes de sua ci-dadania.

A premissa básica dos estudos do grupo es-tava relacionada à aquisição da leitura e da es-crita, muito embora fizessem parte dessa siste-mática outros temas, como a Matemática, osconhecimentos das Ciências Naturais e Sociais.

A partir da participação dos estudos prove-nientes do Parâmetros em Ação, houve um im-pacto no âmbito das discussões outrora reali-zadas, que levou o grupo a repensar suas açõesreferentes aos temas educar e cuidar, brincar,movimento, artes e da própria concepçãosubjacente ao ensino da Matemática. Entretan-to, o grande salto qualitativo ocorreu nas formasde intervenção realizadas pelos professores noprocesso ensino-aprendizagem, tendo em vistapotencializar os avanços na aprendizagem dosalunos com relação à leitura e à escrita (antes osprofessores só faziam identificar e, conseqüen-temente, classificar as crianças por níveis de re-presentação da escrita).

Percebemos, ainda, que outro ponto pre-cisava ser tratado como dinamizador do pro-cesso de rever a prática, tematizando-a de for-ma mais estruturada: a nova abordagem so-bre o registro, o qual era visto na escola ape-nas como documento que favorecia a avalia-ção dos alunos, portanto não contemplava adevida reflexão do professor sobre o seu fa-zer e sobre os modos de intervenção em salade aula, para atender às necessidades deaprendizagem do aluno.

Os aspectos citados passaram a ter umaoutra dimensão na proposta da instituição, ouseja, o registro atualmente apresenta-se comoexcelente recurso didático tanto para avaliar,quanto para promover a reflexão e, especial-

188

O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação InfantilPAINEL 14

mente, para desenvolver a competência de“escritor”.

Atualmente, o grupo de professores procu-ra consolidar o hábito de estudo a partir datematização da sua prática e toma as suas fra-gilidades como instrumentos para minimizaçãode suas necessidades educativas.

Pelo exposto, consideramos relevante o Pro-grama Parâmetros em Ação para a melhoria daqualidade do ensino, pelo fato de que ele vempossibilitando a revisão dos conhecimentos per-tinentes ao trabalho docente e potencializandoo desenvolvimento de competências necessáriasao ensino (Perrenoud, 1999, 2000a, 2000b).

BibliografiaBRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação

Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil. Brasília, 1998.

. Programa de desenvolvimento profissional

continuado: Educação Infantil. Brasília, 1999.

GAUTHIER, Clermont. Por uma teoria da Pedagogia: pes-

quisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí:

Unijuí, 1998.

PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde

a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.

. 10 novas competências para ensinar. Porto

Alegre: Artmed, 2000.

. Pedagogia diferenciada: das intenções à

ação. Porto Alegre: Artmed, 2000.

191

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1515151515

EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃONA AMAZÔNIA LEGAL

Francisca Bezerra da Silva

192

ResumoA apresentação do Programa de Desenvolvi-

mento Profissional Continuado – Parâmetros em

Ação, do Estado do Acre, contempla um pequeno

histórico, que informa sobre a implantação e a exe-

cução do programa; a avaliação que a Secretaria

de Estado de Educação do Acre (SEE) faz do referi-

do programa, abordando as causas do envolvimen-

to dos professores no programa e as suas contri-

buições para o sistema público de ensino; os nú-

meros de professores participantes do programa;

a experiência das turmas multidisciplinares e as

prioridades de continuidade referentes à forma-

ção continuada de professores.

HistóricoO Programa de Desenvolvimento Profissio-

nal Continuado – Parâmetros em Ação, do Es-tado do Acre, iniciou suas atividades em agos-to de 1999, na capital, Rio Branco, e nos seguin-tes municípios próximos: Acrelândia, Bujari,Capixaba, Plácido de Castro, Porto Acre e Se-nador Guiomard. Em março do 2000, estendeu-se aos demais municípios: Brasiléia, Assis Bra-sil, Epitaciolândia, Xapuri, Sena Madureira,Manuel Urbano, Santa Rosa, Cruzeiro do Sul,Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Tarauacá, Feijóe Porto Walter.

Durante a execução dos dez módulos doprograma, ocorreu oscilação quanto à partici-pação dos professores, especialmente do seg-mento de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamen-tal. Ao todo, participaram 4.835 professores.Destes, 3.761 eram da 1ª à 8ª séries do EnsinoFundamental.

Programa de DesenvolvimentoProfissional Continuado –Parâmetros em Ação

Francisca Bezerra da Silva

SEE/AC

Avaliação da SEE sobreo programa

Fatores que influenciaram a participaçãodos professores no programa

• Havia cerca de 15 anos que a rede de ensinopública do Acre não contava com um progra-ma de formação de professores que contives-se uma proposta clara e definida, exceto açõesisoladas e pontuais. No caso desse programa,trata-se de ações continuadas e sistemáticasde grande alcance, que atinge até os municí-pios mais longínquos.

• O Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS)vigente desde 1999 contempla a avaliação, naqual se incluiu o item formação continuada.

• A proposta do programa reflete e questiona aatualidade educacional, bem como expressaas angústias e as perguntas que os profissio-nais vêm colocando, de diferentes maneiras,sobre o que é ensinar e aprender, qual é o pa-pel da escola e do professor e sobre o mundoatual, com as estabilidades e instabilidadesque marcam este início de milênio. O espaçodo programa é formado, também, para am-pliar as opções culturais do professor. Comoexemplo, citamos o momento em que assisti-mos ao filme O auto da compadecida, de GuelArraes, com os professores do interior, que seconstituiu em objeto de reflexão, entreteni-mento e descoberta (parte dos participantesnunca tinha entrado num cinema).

Contribuições do programapara a rede de ensino

O programa contribui da seguinte formapara o ensino da rede pública:

193

Experiência de formação na Amazônia LegalPAINEL 15

• promove a discussão coletiva, sensibiliza parao prazer de estudar e de refletir sobre a práticapedagógica cotidiana;

• amplia a visão e o compromisso dos professores;

• ajuda a vencer resistências quanto à postura peda-gógica e à concepção de mundo e da Educação;

• questiona a falta de coerência entre discursoe prática;

• permite a constituição de um grupo de pro-fessores, coordenadores pedagógicos e direto-res, formadores compromissados com a for-mação continuada e com a gestão escolar;

• estimula o uso das novas tecnologias para aspráticas educativas;

• possibilita a ressignificação do planejamentoe da avaliação da aprendizagem;

• favorece o órgão gestor do sistema, a Secreta-ria de Estado de Educação (SEE), na práticade um feedback constante, por meio do con-tato com os professores, levantando questões,dúvidas e demandas.

os coordenadores de grupo utilizarem juntocom os volumes I e II, próprios do programa.

Módulos multidisciplinares:I Módulo. Escola, adolescência e juventude: o

estabelecimento de uma relação mais har-moniosa e significativa – 12 horas (conformeproposto nos Parâmetros em Ação).

II Módulo. Ética: raiz e fruto da vida social – 16 horas(conforme proposto nos Parâmetros em Ação).

III Módulo. Novos desafios para ensinar eaprender cada área nas séries finais do Ensi-no Fundamental – 16 horas (o III e o Vmódulos transformaram-se em um curso de40 horas por área).

IV Módulo. Tratando de questões sociais emcada área, abordando conteúdo de forma sig-nificativa para o jovem – 16 horas (específi-co, que se tornou multidisciplinar).

V Módulo. O que, por que e como ensinamos eaprendemos em cada área – 24 horas (o III eo V módulos transformaram-se em um cur-so de 40 horas por área).

VI Módulo. Que coisas nossos alunos já sabem:evitando rupturas e dando continuidade aoprocesso de ensino e aprendizagem de cadaárea nas séries finais do Ensino Fundamen-tal –12 horas (específico que se tornoumultidisciplinar).

VII Módulo. Passou a ser contemplado nos de-mais módulos.

VIII Módulo. Como avaliamos em nossa escolae nas áreas das séries finais do Ensino Fun-damental:

• Avaliação em cada área – 8 horas (confor-me proposto nos Parâmetros em Ação)

• Como avaliamos em nossa escola – 8 horas(específico, que se tornou multidisciplinar)

IX Módulo. Projetos de trabalho: dando vida aosconteúdos das áreas finais do Ensino Funda-mental – 16 horas (específico que se tornoumultidisciplinar).

X Módulo. Enfim: escola para quê e quais ca-pacidades esperamos que os alunos desen-volvam? – 16 horas (conforme proposto nosParâmetros em Ação).

TOTAL: 142 horas

PCN em Ação:experiência multidisciplinarO modelo de organização proposto pelo

PCN em Ação para professores de 5ª a 8ª sériedo Ensino Fundamental adequou-se à realida-de da capital, Rio Branco, e do município deCruzeiro do Sul. Nos municípios menores, oprograma foi reorganizado para turmas multi-disciplinares, pois esses municípios têm insu-ficiência de professores para a formação de tur-mas por disciplinas.

O trabalho com as referidas turmas exigiureorganização, também, do material. Para isso,a Secretaria elaborou um pequeno manual para

Segmento

1ª a 8ª série do Ensino Fundamental

Educação Infantil

Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Total geral

Total

3.761

860

214

4.835

Número de professores participantes do programa

194

Formação continuada:o que fazer após os módulosdo PCN em Ação?Durante o desenvolvimento dos módulos do

PCN em Ação, ficaram ressaltadas as principaisdificuldades e resistências da maioria dos pro-fessores. A partir de então, definiu-se a conti-nuidade da formação continuada com as se-guintes ações:

• Potencialização do espaço da formação ini-cial. A SEE, em convênio com a UniversidadeFederal do Acre e em parceria com municípios,está promovendo cursos superiores para 4.658professores. As reflexões pedagógicas, comosão entendidas nos Parâmetros CurricularesNacionais, deverão se fazer presentes no inte-rior desses cursos.

• Execução do Programa de Formação de Pro-fessores Alfabetizadores (PROFA). O PROFAestá inserido nas turmas de Pedagogia e contacom 2.700 professores, distribuídos em 55 tur-mas no estado. Fora do curso de Pedagogia,funcionam quatro turmas com professores de1a a 4a séries do Ensino Fundamental, de Edu-cação Infantil, coordenadores pedagógicos euma turma com professores de zona rural.

• Execução do Parâmetros em Ação – Meio Ambi-

ente na Escola. Esse programa é uma priorida-de que se justifica em função das especificidadesda região. É comum as escolas promoveremações de prevenção ao desmatamento, às quei-madas, levantar questões a respeito do uso daágua, da poluição ambiental, do destino do lixo,entre outros. É o momento para subsidiar as re-feridas ações. Também, esse programa está sen-do inserido nas licenciaturas que fazem partedo convênio: Matemática, Letras, Geografia,História, Biologia e Educação Física, no total de1.854 participantes.

• Aprofundamento da reflexão de avaliação.

• Aprofundamento dos estudos de Língua Por-tuguesa, Matemática e temas transversais.

• Execução do Programa Ética e Cidadania noConvívio Escolar. A SEE entende que é a oca-sião oportuna para a escola refletir sobre a co-erência do seu discurso com as práticas e ro-tinas presentes no dia-a-dia escolar e criar es-paços para reflexões que ajudem a gerenciare mediar conflitos.

• Execução do Programa PNLD em Ação.

• Elaboração e/ou reelaboração das propostascurriculares de 5ª a 8ª séries do Ensino Fun-damental (Português, Matemática, História,Língua Estrangeira, Geografia, Ciência, Edu-cação Física e Arte).

195

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1616161616

PROJETO PEDAGÓGICO:POR QUÊ, QUANDO E COMO –EDUCAÇÃO INFANTIL

Cristina Mara da Silva Corrêa e Delba Rejania Santos

Alessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib

Sônia Regina da Silva Souza

196

A partir da segunda metade do século XX, foipreciso repensar o atendimento institucional àscrianças de 0 a 6 anos, em razão de alguns fatos,tais como: a incorporação das mulheres de clas-se média no mercado de trabalho, o crescimen-to rápido e desordenado das grandes cidades ea falta de espaço para brincadeiras de criançasnesses grandes centros. No Brasil, após o regi-me militar, o atendimento às crianças pequenasé pensado como uma necessidade para crian-ças carentes, numa atitude especialmente com-pensatória. A partir dessa concepção, ganharamincentivo do governo as entidades filantrópicasque atendiam as crianças em regime basicamen-te assistencialista.

Na década de 1970, as teorias de privaçãocultural contribuíram para explicações sim-plistas da marginalidade das camadas sociaismais pobres, reforçando, assim, o caráterassistencialista e compensatório das propos-tas de atendimento às crianças pequenas,oriundas de camadas sociais desfavorecidas.

Por causa desse contexto, as propostas detrabalho, tanto para as crianças em creche,como para as em pré-escolas públicas, cen-travam-se basicamente nos cuidados higiêni-cos e alimentares. Paralelamente a isso, hou-ve alguma ampliação do atendimento pré-es-colar privado não baseado nas mesmas con-cepções daquelas orientadoras das institui-ções públicas. Assim, as propostas de umaeducação voltada para a criatividade, a socia-lização e o desenvolvimento infantil orienta-vam quase que exclusivamente as condutaspara o atendimento das crianças de classessociais favorecidas. E eram propostas que sepautavam por estudos e pesquisas da psicolo-gia do desenvolvimento, bem como por novasestratégias pedagógicas.

Considerações sobre a organizaçãodo Projeto Educacionalna Creche Central da USP

Cristina Mara da Silva Corrêa e Delba Rejania Santos

Creche USP/SP

Também, durante esse período, os movimen-tos populares ganharam expressão como meca-nismos de pressão política. Uma das reivindica-ções presentes nesses movimentos referia-se àcreche como um direito do trabalhador. Foi nes-se cenário que o movimento de luta por crechesganhou força dentro da Universidade de São Pau-lo, iniciado por um grupo de mães funcionárias.Em 1982, foi inaugurada a primeira das quatrocreches existentes hoje na universidade. Desdea sua criação, a creche teve como pressuposto otrabalho centrado na criança e nas relações fa-mília/creche, criança/criança, adultos/crianças.

Com o objetivo de promover o desenvolvi-mento afetivo, físico e intelectual das crianças,a creche da USP foi planejada como espaço deinteração e respeito à criança e à família, con-siderando os direitos destas à atenção de qua-lidade, que conjugava o cuidado e a Educação.O espaço físico foi construído e organizadopara atender às necessidades das crianças, numambiente agradável e aconchegante. Outra ca-racterística dessa creche sempre foi a hetero-geneidade da população, com vagas destinadasa funcionários, docentes e alunos da universi-dade. Além disso, sempre foi função da crecheacolher investigações de pesquisa de alunosmatriculados nos cursos de graduação e pós-graduação das diversas faculdades.

Um aspecto igualmente importante, desdea implantação da primeira creche, foi a defesado livre acesso dos pais ao ambiente da insti-tuição, o que se evidencia na proposta de aco-lhimento/inserção da criança, feita semprecom a presença dos pais ou de adultos signifi-cativos para os pequenos. No que diz respeitoà formação da equipe de trabalho, atuam des-de o início, dentro das creches, profissionaisde Saúde, Nutrição, Psicologia e Pedagogia.

196

Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação InfantilPAINEL 16

Mesmo tendo sido organizada dessa manei-ra, nos primeiros anos de atuação, notava-se queo trabalho acabava por acontecer de forma que oatendimento às necessidades das crianças, prin-cipalmente os cuidados, eram os que orientavama rotina na creche, sendo que os trabalhos desti-nados às atividades pedagógicas ocorriam, namaioria das vezes, sem intencionalidade. As for-mações do grupo de funcionários aconteciam es-poradicamente e participavam delas somente aseducadoras, na época denominadas recrea-cionistas, segundo a carreira da universidade. Emgeral, as discussões se concentravam nas relaçõescom as crianças, em casos individuais ou nas ca-racterísticas de uma determinada faixa etária.

Apesar de não existir um espaço para pla-nejar e registrar o trabalho desenvolvido comas crianças, alguns educadores, por iniciativaprópria, cultivavam o hábito de trocar expe-riências e informações a respeito do trabalhoe da rotina do grupo ao qual pertenciam,usando para isso os momentos de sono dascrianças ou mesmo momentos fora de seuhorário de trabalho.

Com a ampliação da creche e o início doatendimento a crianças maiores de três anos,sentiu-se a necessidade de organizar o traba-lho. Muitas dúvidas foram surgindo, e, comelas, veio a necessidade de um projeto edu-cacional que pudesse interligar as diferentesáreas que atuavam na creche, bem como dadefinição de uma política de formação de to-dos os sujeitos implicados na educação dascrianças. Além disso, parecia necessária umaorganização equilibrada da rotina, que tradu-zisse melhor a concepção de criança, Educa-ção e família já presente na creche.

No momento em que se deu a estruturaçãodo projeto educacional, levaram-se em conta ocompromisso da instituição com a formação in-tegral da criança de 0 a 6 anos, o número de ho-ras que elas passam na instituição e quantosanos ficariam ali. A partir dessas considerações,foi necessário algo que organizasse o tempo, oespaço, as necessidades quanto aos cuidadosdas crianças e as ações que identificavam a cre-che como espaço educativo.

O atendimento em horário integral impli-ca a responsabilidade pelo desenvolvimento

dos cuidados e da aprendizagem, integrando-se, assim, as áreas de Saúde e Nutrição. Tor-nou-se também necessária a seleção dos con-teúdos a serem trabalhados com o objetivo degarantir experiências diversificadas a todas ascrianças que freqüentam a instituição. A for-ma como foi estruturada a rotina reflete a con-cepção que se tem da criança, como ser capaze competente, e do educador, como profissio-nal capacitado para intermediar as relaçõesentre as crianças e destas com o conhecimen-to. Além disso, garantia-se o direito de acessoao conhecimento. A rotina tem como objetivooferecer às crianças um equilíbrio entre ativi-dades dirigidas, brincadeiras, higiene, alimen-tação e tem como intenção garantir a interaçãodas crianças do grande grupo (todas as crian-ças do módulo) no pequeno grupo (cada umdos quatro grupos de um módulo) e a integra-ção de faixas etárias diferentes.

Várias ações deram formato ao projetoeducacional. Uma delas foi a implementaçãodo que se chamou Estudo da Realidade (ER),que, na época, compreendia discussões a res-peito das necessidades identificadas no coti-diano do trabalho, no que dizia respeito tan-to às suas organizações práticas, como àsinterfaces entre os diversos grupos da insti-tuição. Durante o tempo em que foi realiza-do, o Estudo da Realidade permitiu identifi-car essas necessidades e propor encaminha-mentos, garantindo a participação coletiva naorganização do trabalho. A partir de então, oentendimento sobre o trabalho com criançaspequenas ficou mais claro para todos os seg-mentos da creche.

Uma das conseqüências dessas discussõesfoi a organização de metas de trabalho ao lon-go dos anos, entre as quais está a formaçãode um espaço de conversa entre educadorese grupos de apoio. Surge, então, o projeto deOficinas, desenvolvido com os grupos de lim-peza, cozinha e lactário, que tinha como pro-posta não somente a confecção de materiaise brinquedos, mas um espaço para a forma-ção desses funcionários. Durante os traba-lhos, havia troca de experiências, discussõessobre o desenvolvimento infantil, bem comoo resgate da memória desse grupo em relação

198

às suas brincadeiras de infância, que podiamdepois ser transmitidas às crianças.

Assim, a construção do projeto educacio-nal foi um processo coletivo e o Estudo daRealidade, ou seja, o levantamento de dis-cussões com a comunidade da creche, paraelaborar, discutir e desenvolver esse proje-to, foi um grande aliado. O tempo para a for-mação dos educadores foi uma das condiçõesapontadas, tendo sido implementado ao lon-go dos anos.

Em razão do horário de atendimento àscrianças, existe troca de turnos de educado-res entre os períodos da manhã e da tarde, e oplanejamento das atividades é feito em con-junto entre as equipes desses dois turnos. Aformação dos educadores acontece durantereuniões semanais e mensais. Atualmente, arotina está organizada em momentos de co-letivo dirigido (ateliês) e de coletivo livre (pá-tio), pequenos grupos (atividades dirigidasem sala com a mesma faixa etária), alimenta-ção, sono e higiene. O eixo condutor dessarotina é a interação, garantindo o contato dascrianças entre diversas faixas etárias e da cre-che com as famílias.

Os ateliês são organizados com diferentespropostas, que acontecem nos horários de en-trada (manhã e início da tarde) e saída da cre-che. Seus objetivos são a interação, a coope-ração e a livre escolha das crianças. Além dis-so, favorecem a recepção das crianças, poissão propostas oferecidas pelo educador, masnão dirigidas por ele, o que permite que elefique atento à circulação das crianças e dis-ponível para a recepção das famílias, tanto nachegada quanto na finalização das atividades.No momento de coletivo livre, as crianças dediversas faixas etárias brincam no pátio. Du-rante esse período, há revezamento de lanchedas educadoras e a troca e higiene das crian-ças. A presença de um número mínimo deeducadores no pátio deve permitir que eles

possam interagir com as crianças, bem comoobservá-las em suas brincadeiras. Durante opequeno grupo, acontecem as atividadesdirigidas pelo educador e planejadas previa-mente para cada faixa etária. São desenvolvi-dos, aqui, os projetos e as atividades seqüen-ciadas, considerando as diversas áreas do co-nhecimento, bem como os objetivos de tra-balho para cada faixa etária.

Consideramos que a estruturação da roti-na foi um dos eixos importantes para o de-senvolvimento do projeto educacional na cre-che, pois trouxe equilíbrio entre as atividadespropostas e o entendimento de seus signifi-cados, considerando nossa concepção deEducação. Vale dizer que a forma como estáorganizada a rotina não é estática, está sem-pre em constante avaliação e sujeita a mudan-ças. Exemplo disso foi a alteração, há poucosanos, do momento de sono, que antes era ofe-recido a todas as crianças, sem opção de es-colha. Entendemos, ao longo de discussões,que o sono não era uma necessidade de todasas crianças, o que gerou a possibilidade deofertas diferentes. Atualmente, há na crecheo que chamamos de “descanso”, com espaçosorganizados para o sono ou para brincadei-ras tranqüilas.

O processo de estruturação do projetoeducacional ocorreu nos diferentes segmen-tos da creche, resultado de um trabalho cole-tivo. Agora, temos diferentes espaços organi-zados para diálogo, discussões, planejamen-to e construção desse trabalho.

BibliografiaDUTOIT, R. A. A formação do educador de creche na dinâ-

mica da construção do projeto educacional. 1995. Tese

(Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação,

Universidade de São Paulo, São Paulo.

OLIVEIRA, Z. M. R. Para o educador de creche. Ribeirão

Preto: USP/INEP/MEC, 1991.

198

Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação InfantilPAINEL 16

IntroduçãoFundada em 1972, a Escola Balão Vermelho

tem como marca o exercício da reflexão sobre asua prática, o que lhe proporciona um ganhomuito significativo na melhoria de seu ensino,na medida em que antigas certezas do fazer pe-dagógico podem ser flexibilizadas e dar lugar anovas formas. E é investindo na formação de seuseducadores, promovendo encontros e congres-sos de ação pedagógica e estabelecendo umconstante diálogo com outros “saberes”, tantoacadêmicos quanto de outras instâncias, que aescola vem conseguindo realizar esse processo.

Como parte desse trabalho reflexivo, a esco-la reuniu seus educadores, no início do ano de1994, para discutir a respeito da necessidade detornar seus alunos ainda mais participativos noprocesso de aprendizagem, desde o planejamen-to. Apoiados, naquele momento, nos estudos deJosette Jolibert, deu-se início ao que podemoschamar de “Pedagogia de Projetos”.

Após seis anos de prática e de reflexão apoia-da em discussões sustentadas por estudiosos,como Fernando Hernández, Sacristán, entre ou-tros, em 1998, o novo desafio que nos envolveufoi delimitar diretrizes curriculares para a escolae explicitá-las melhor aos alunos, pais e educa-dores. A necessidade veio da prática com proje-tos. Desde que a escola assumiu essa pedagogia,muitas mudanças e escolhas foram sendo feitas.Após quatro anos de percurso, já era possível to-mar distância e buscar os eixos que estavam ori-entando o trabalho naquele momento.

Atualmente, a escola vem prosseguindo seutrabalho com projetos, porém numa concepção

Do formal ao cultural:a experiência da Escola BalãoVermelho com os Projetos de Trabalho*

Alessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib

Escola Balão Vermelho/MG

cada vez mais ampla de seu significado. Enten-demos que, mais do que ensinar os conteúdosdas disciplinas, a escola é um espaço de culturaviva, que acolhe toda a diversidade de relaçõespresentes na realidade em que está inserida. As-sim, trabalhar por projetos, hoje, mais que umaopção metodológica, é uma postura assumida naforma de conceber e concretizar a Educação,numa nova possibilidade de organização do es-paço e do tempo escolares.

Com a intenção de promover essa nova or-ganização, reestruturamos a forma de agrupar ascrianças, de coordenar o trabalho pedagógico, defacilitar a formação dos educadores, bem comoa reflexão contínua sobre os eixos curricularesque nos orientam.

Dessa maneira, passamos a agrupar nossosalunos por ciclos de formação, cada um delescom dois anos de duração. Tomamos essa deci-são em 1996, por acreditarmos que o processode formação exige um tempo maior e mais flexí-vel que aquele induzido pela organização dosestudos por série.

Organizamos as atividades escolares pormeio dos projetos de trabalho coletivos, proje-tos individuais e módulos de aprendizagem. Essaorganização do trabalho tem garantido a possi-bilidade de abordagens globalizadas dos diferen-tes conteúdos e a participação ativa das crian-ças no seu processo de aprendizagem.

Para esse contexto, modificamos, também,nossa forma de organização do trabalho da equi-pe pedagógica, buscando torná-la ainda mais co-letiva. A experiência atual conta com a coordena-ção de ciclos, que atua juntamente com a direçãopedagógica da escola. Essa função é ocupada, a

* Texto elaborado por Alessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib, em agosto de 2001.

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cada seis meses, por um professor da escola, queé eleito por seus companheiros do ciclo. Assim,acreditamos atender melhor às necessidades deformação e de reflexão sobre o trabalho realiza-do. Estão previstos, ainda, assessorias e grupos detrabalho para atender às necessidades de forma-ção e de reflexão sobre o trabalho realizado.

Nossos atuais eixos curriculares buscamdefinir as dimensões de formação dos edu-candos que estamos priorizando. Esses eixoscurriculares se estendem da Educação Infantilà Educação Fundamental e são, também, refe-rências para a avaliação do processo e do ren-dimento do trabalho. Como tais, eles não sãoestáticos e podem ser reformulados a partir daexperiência vivida.

Os eixos curriculares são os seguintes:• tratamento da informação;

• diversidade cultural;

• inserção na vida da cidade;

• experiências culturais e artísticas;

• instrumentalização para o estudo.

Entre as muitas práticas realizadas nessaperspectiva, escolhemos relatar o “Projeto Lixo”– trabalho que envolveu toda a comunidade es-colar e seu entorno na busca da construção deuma nova atitude no que diz respeito ao trata-mento dado ao lixo. A partir da proposta peloseducadores de reflexões a esse respeito, as cri-anças puderam identificar a necessidade de en-tendimento da relação entre coleta seletiva ereciclagem/reaproveitamento de materiais. Vi-sando resolver o problema levantado, os educa-dores instrumentalizaram as crianças, organi-zando com elas estratégias de pesquisa e propos-tas de ação que poderiam mobilizar a comuni-dade para a necessidade de se atentar para essaimportante questão ambiental.

Esse projeto foi realizado no primeiro semes-tre do ano letivo de 2001, na escola Balão Ver-melho, pelas turmas da Educação Infantil, comcrianças entre 5 e 7 anos de idade. Ele será, aqui,relatado por meio de um recorte do trabalho

desenvolvido em uma das turmas, com 19 cri-anças entre 5 e 6 anos de idade.

É indiscutível, nos dias atuais, a necessidadede uma intervenção direta da escola na forma-ção de sujeitos capazes de se relacionarem como meio ambiente, buscando sempre “a aquisiçãode conhecimento, de valores, de atitude, de com-promisso e de habilidade necessários para a pro-teção e melhoria do meio ambiente; a criação denovos padrões de conduta orientados para a pre-servação e melhoria da qualidade do meio am-biente” (MEC, 1991: 7).

Por esse motivo, já há algum tempo a escolavinha investindo na colocação de lixeiras para acoleta seletiva e, mais recentemente, aderiu aoprojeto Circuito Ambiental, que é uma parceriada agência de promoção “Asas Produções” coma Associação dos Catadores de Papel, Papelão ede Material Reaproveitável (Asmare) .1

No entanto, o trabalho que vínhamos fazen-do em torno da conscientização da necessidadeda coleta seletiva não vinha sendo suficiente paraque, efetivamente, ocorresse a coleta. Foi a par-tir dessa constatação que o grupo de professo-ras decidiu realizar um projeto durante o 1o se-mestre de 2001, em que esse tema pudesse sertrabalhado.

Portanto, a intenção do nosso grupo era ini-ciar um processo de mudança de atitude com acomunidade escolar e seu entorno, no que dizrespeito ao tratamento dado ao lixo na escola enas residências. Pretendíamos que as crianças:

• conhecessem o que é o trabalho de coleta sele-tiva e reciclagem;

• estabelecessem a relação entre a coleta seleti-va e a reciclagem;

• desenvolvessem boas estratégias para viabilizara coleta seletiva, tanto na escola quanto em suasresidências;

• conectassem o “problema” do tratamento quetem sido dado ao “lixo” com uma esfera maisampla, relacionada à preservação do meio am-biente e a formas de sobrevivência;

• tivessem um papel de multiplicador, divulgando

1 O projeto conta com a participação de diversas escolas, que receberam, cada uma delas, um contêiner para a coleta seletiva de lixo. O lixoé enviado à Asmare, onde são feitas tanto a triagem e a posterior venda de material, quanto a reciclagem de uma parte dele. Estima-se quemais 200 famílias se beneficiaram com o trabalho gerado pelo aumento da quantidade de material coletado.

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Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação InfantilPAINEL 16

a necessidade da coleta seletiva e compartilhan-do o conhecimento adquirido durante o projetocom a comunidade escolar e extra-escolar.

A partir dessa decisão, cada professora de-senvolveu o trabalho com sua turma. Durantetodo o percurso, tivemos vários encontros emque foram discutidas as estratégias de interven-ção no processo de conscientização das crian-ças sobre o tratamento do lixo, oportunidadesem que cada uma de nós compartilhava o mate-rial utilizado no estudo e os avanços que a tur-ma havia realizado.

ProblematizaçãoO primeiro momento do projeto foi uma con-

versa com as crianças. Nessa conversa, fiz umasérie de perguntas às crianças a fim de saberquais informações elas tinham a respeito dotema (coleta seletiva e reciclagem do lixo).

Constatei que muitas delas tinham algumasinformações, principalmente no que diz respei-to à reciclagem, que, segundo elas, “é transfor-mar coisa velha em nova”. No entanto, quandoquestionadas sobre a coleta seletiva, todas re-velaram nunca a haver feito. Também, quandoperguntei sobre o objetivo daquele coletor quehavia na escola, todas disseram que era para se-parar o lixo, mas quando insisti perguntando“para que” separá-lo, nenhuma delas estabele-ceu conexão com a reciclagem.

Então, ao final dessa primeira conversa, in-formei às crianças que aquele lixo coletado naescola era destinado à Asmare e propus que es-tudássemos sobre o “lixo”, pois percebia que elaspoderiam compreender melhor por que se fazcoleta seletiva e o que é a reciclagem.

Organização do projetoNum segundo momento com as crianças,

retomei a conversa inicial e propus que, para re-alizarmos o nosso projeto, organizássemos umalista com tudo aquilo que não poderíamos es-quecer de fazer. Durante a confecção da lista,tanto eu quanto as crianças apresentamos suges-

tões e discutimos a importância de cada ação.A lista, que foi afixada no mural e serviu como

referência durante todo o percurso, tinha os se-guintes itens:

• estudar a reciclagem;

• marcar um dia para trazer lixo de casa;

• colocar duas lixeiras na sala;

• assistir ao filme da Asmare;

• visitar a Asmare;

• aprender a reciclar;

• contar o que aprendemos para outras pessoas.

O desenvolvimento do projetoA partir de agora, relatarei cada um dos itens

da lista como momentos importantes no decor-rer do projeto, fazendo uma abordagem das es-tratégias utilizadas para tratamento da questãocom as crianças e da relação delas com a pro-posta curricular da escola.

ReciclagemQuestionadas sobre “as coisas novas” nas

quais se transformavam as “velhas” na recicla-gem, as crianças informaram que viravam brin-quedos. Então, informei-lhes que diferentesmateriais, quando reciclados, eram matéria-pri-ma para diferentes produtos, e que alguns livroscontavam isso.

A essa altura, outra professora, com sua tur-ma, já havia solicitado à bibliotecária da escolaque separasse todo o material relativo a “lixo”disponível na biblioteca.2

De posse desse material, separei, com a par-ticipação das crianças, aqueles livros que trata-vam da reciclagem de diferentes materiais: plás-tico, papel, metal, vidro. Combinei com elas queleríamos cada um deles e anotaríamos as infor-mações relativas ao destino dos materiais, noprocesso de reciclagem.

As informações anotadas foram também afi-xadas no mural. Esse estudo, além de esclarecer odestino de cada material, informou às crianças adiferença entre reciclagem e reaproveitamento.

2 Esse material permaneceu disponível na biblioteca (separado em uma caixa) para todas as turmas envolvidas com o projeto.

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Instrumentalizar as crianças para o estudo eo tratamento dado às informações3 foram pon-tos abordados nesse momento do projeto, emque trabalhei, com as crianças, estratégias debusca e seleção de informação, bem como de seuarmazenamento para futuras recorrências.

Marcar dia para trazer lixo de casaFaz parte da cultura da escola a elaboração,

por turma, de um calendário semanal, em que sãoregistradas as principais atividades de cada dia.Um destes é o “dia do brinquedo” – dia escolhidopela turma e no qual cada criança pode levar paraa escola um brinquedo de casa. Estabelecendouma relação com esse dia, propus às crianças aescolha de um “dia para trazer lixo de casa”.

Para que os pais pudessem ajudar as crian-ças e compartilhassem da nossa empreitada,sugeri que lhes escrevêssemos um bilhete. Nele,além de falar sobre a importância da coleta sele-tiva, seria necessário informar o dia em que olixo deveria ser levado à escola.

Em conversa com outra professora envolvidano projeto, ela me informou sobre a estratégia desugerir aos pais que tivessem duas lixeiras emcasa: uma para os recicláveis (estes deveriam serlavados antes de colocados na lixeira)4 e outra paraos não-recicláveis. A sacola com os recicláveis se-ria levada para a escola, e as crianças se encarre-gariam de fazer a triagem para as respectivas par-tes do contêiner. Contei às crianças a idéia e es-crevemos essa sugestão em nosso bilhete aospais. E ressaltei para as crianças a importância douso de um instrumento adequado (no caso, o bi-lhete) para conseguirmos atingir o nosso objeti-vo: que os pais pudessem, de fato, ajudá-las.

Colocar duas lixeiras na salaSugeri que também levassem para o contêiner

o lixo produzido em nossa sala. Para isso, ele não

poderia estar todo misturado nem sujo. A primei-ra proposta foi de uma lixeira para plástico e outrapara papel, por serem os materiais mais utilizadospor nós. No entanto, ficamos sem ter onde colocaro não-reciclável. Após alguns dias de incômodo,fui até a sala de outra professora, que havia feitoda seguinte forma: uma lixeira para os recicláveise outra para os não-recicláveis (como na sugestãofeita aos pais). Levei as crianças até a outra sala paraverem a boa idéia que tiveram e fizemos o mesmoem nossa sala. Diariamente, ao final da aula, umacriança leva o lixo até o contêiner.

Assistir ao filme da AsmareAo organizarmos o roteiro com as principais

ações do projeto, contei às crianças sobre a pos-sibilidade de irmos até a Asmare, onde podería-mos ver o que, de fato, se fazia lá.

O filme, com uma matéria sobre a fundaçãoda associação e o trabalho realizado por ela, fa-zia parte da nossa caixa na biblioteca. Propus àscrianças que assistissem ao filme para conhece-rem o lugar aonde iriam e entenderem como elefuncionava, preparando-se para a visita. Ao pla-nejar a aula, assisti ao filme e programei saltos(das partes que continham longas entrevistas) eparadas (para chamar a atenção das criançassobre algum detalhe ou antecipar o que veriamna cena seguinte). Essa estratégia foi usada vi-sando à maior adequação daquele material parao uso com crianças.

Assistir a esse filme colocou as crianças di-ante de uma realidade muito diferente5 daquelana qual vivem e, além disso, explicitou, de umaforma contundente, o caráter solidário da açãode separar o lixo para que este, levado à Asmare,fosse fonte de trabalho para aquelas famílias li-gadas à associação.

A partir dessa constatação pelas crianças,procurei trabalhar com elas a importância dasatividades realizadas na Asmare para a preser-

3 Ambos os pontos são parte do currículo da escola, estruturado a partir de cinco eixos: experiências culturais e artísticas, instrumentalizaçãopara o estudo, diversidade cultural, tratamento da informação e relação cidade–escola.

4 Nos livros em que estudamos, as crianças obtiveram a informação de que todo material a ser reciclado ou reaproveitado deveria ser lavado,já que a sujeira poderia danificá-lo (mofo, ferrugem), inviabilizando seu aproveitamento.

5 Em nosso currículo, esse ponto tem relação com a diversidade cultural, em que procuramos trabalhar a construção de uma identidade tantoa partir do contraste com o diferente, quanto do reconhecimento desse diferente e do respeito a ele.

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Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação InfantilPAINEL 16

vação do meio ambiente. Portanto, não eramapenas elas que ajudavam a Asmare, mas o tra-balho feito lá ajudava a todos nós, na medida quedava um tratamento adequado ao lixo, evitandoseu acúmulo e o desperdício de matéria-prima.A esse respeito, havia lido para elas uma repor-tagem da “Folhinha” do jornal Folha de S.Paulo,afirmando que, a cada dia, produzíamos maislixo e o planeta continua do mesmo tamanho;portanto, se isso continuar assim, um dia o pla-neta estará completamente coberto de lixo.

Visita à AsmarePermanecemos por duas horas nas depen-

dências da Asmare. Nossa visita foi monitoradapor uma das pessoas que trabalhavam com a tri-agem do material coletado.

Mais do que ao assistir ao filme, as criançasse surpreenderam com aquelas pessoas traba-lhando em meio a montanhas de material.Janete, a monitora da visita, explicou todo o pro-cesso de triagem, além de mostrar a reciclagemdo papel, o reaproveitamento da madeira e a lojaonde a produção era vendida.

Enquanto nos mostrava o espaço e falavasobre o trabalho lá realizado, a monitora chama-va a atenção das crianças para o quanto era bompoder trabalhar ali, e contou-lhes sobre um“lixão” que havia visitado, onde as pessoas vi-viam catando lixo no meio da sujeira.

Registrei a visita com fotografias. No dia se-guinte, já com as fotos na mão, reconstruí, comas crianças, o percurso da visita e as informaçõesque tínhamos obtido lá.

O processo que utilizei foi o seguinte: mos-trava a fotografia, e as crianças se lembravam,com a minha ajuda (por meio de perguntas ecomentários do que eu própria me lembrava),do que tinha sido fotografado e do que a Janetehavia dito sobre aquele lugar ou aquela tarefaespecífica.

Esse registro (fotografias acompanhadas detexto) foi afixado na parede externa à sala para queoutras turmas pudessem conhecer o trabalho daAsmare. O texto também foi digitado e distribuí-do para as crianças, para que fosse guardado emuma pasta com outros registros do projeto.

É necessário ressaltar que esse momento do

projeto tem relação com outro eixo curricular: a“relação cidade–escola”, em que é revelada a nossaintenção de levar as crianças ao reconhecimentoda possibilidade de inter-relação entre a escola eoutras tantas instituições e espaços da cidade. Por-tanto, é importante, para nós, que as crianças te-nham oportunidade de aprender a reconheceroutros espaços, além da escola, como possíveisfontes para a construção do conhecimento.

Aprender a reciclarNa Asmare, ao conhecer o lugar onde era fei-

ta a reciclagem do papel, as crianças puderamobservar todo o processo de reciclagem e acom-panhar as explicações de uma das pessoas quelá trabalhavam.

Para o registro da explicação, foi feita uma es-crita no formato de receita, e esta foi anexada àpasta de cada criança. Ao propor que guardassemo registro, deixei claro que iríamos recorrer a elequando, no segundo semestre, fôssemos realizaruma oficina de reciclagem de papel na escola.

A busca de um formato adequado para a es-crita do que haviam memorizado sobre “comose recicla o papel” foi um importante momentode aprendizado. Nesse momento, o confronto dediferentes gêneros textuais proporcionou umaescolha consciente pelas crianças do texto tipo“receita” como o mais adequado para o registro.

Contar para outras pessoaso que aprenderam

A essa altura, as crianças já tinham muitasinformações sobre reciclagem e já conseguiamestabelecer uma relação entre ela e a coleta se-letiva. Portanto, voltando ao mural onde estavao roteiro do projeto, retomei a discussão sobre anecessidade de contarem para outras pessoas arespeito do que haviam aprendido.

O primeiro público-alvo da nossa divulgaçãoforam as crianças e professoras de outras turmasda escola. Para isso, dividi a turma em equipes,para que cada uma delas fosse até uma das salas.A tarefa seria falar sobre a importância de se fazera coleta seletiva, para que a reciclagem fosse pos-sível, e marcar um dia para que a turma trouxes-se o lixo de casa para a escola. Depois, já em nos-

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sa sala, construímos uma tabela em que estavammarcados os dias de cada turma trazer o lixo. Essatabela foi afixada no corredor da escola.

No entanto, já feita a divulgação interna, erapreciso cuidar da externa. As crianças, quandoquestionadas sobre a melhor maneira de divulgar-mos a necessidade da coleta seletiva, disseram quebastava que contássemos a nossa experiência paraas pessoas com as quais nos encontrássemos.

Então, eu lhes disse que “contar” não era sufi-ciente, pois as pessoas acabariam se esquecendo,já que era preciso memorizar muitos dados (como,por exemplo, a cor da lixeira destinada a cada ma-terial). Sugeri a confecção de um panfleto que, alémde propagar a importância da coleta seletiva, po-deria ajudá-las a ensinar como fazê-la.

Recolhi e analisei com as crianças uma sériede panfletos para que elas pudessem produzir oseu próprio. Durante a análise, chamei a aten-ção para os aspectos característicos do tipo delinguagem utilizada e como as informações eramorganizadas. Todas as observações feitas eramanotadas para que, ao produzirmos o panfletoreferente à coleta seletiva, pudéssemos recorrera elas. As características anotadas foram:

• uso de ilustração;

• uso de escrita com letras grandes e com letrasmenores;

• uso de muitas cores para as pessoas enxerga-rem melhor;

• uso de números para mostrar o endereço, o te-lefone e o preço;

• uso de mapa para indicar caminhos;

• uso de símbolos (logomarcas);

• uso de palavras para “mandar” nas pessoas:compre, venha, não perca, venha agora, coma,experimente;

• uso de textos afirmando que o produto ou oserviço seria o melhor, o que nem sempre é ver-dade, sendo apenas uma forma de induzir aspessoas a comprar;

• uso de asteristo (*), seta ( ◊ ) ou splash ( )

para mostrar coisas importantes.

A produção do panfleto foi coletiva, numasituação em que todas as crianças davam palpi-tes e eu, além de realizar o registro por escrito,fazia intervenções no sentido de aproximar a lin-

guagem utilizada àquela própria de um textopublicitário, naquele suporte específico.

Feitos os panfletos, iniciamos sua distribui-ção pelas ruas e prédios em torno da escola. Paraque essa tarefa fosse viável, contei com a ajudade uma funcionária da escola, que, a cada dia,permanecia com parte das crianças na escola,para que eu pudesse sair com um pequeno gru-po. Esse trabalho de panfletagem é feito até hoje,semanalmente.

Além do panfleto, produzimos um cartaz quefoi afixado numa feira de verduras e legumes quefica em frente da escola. Para a sua confecção,da mesma forma como foi feito o panfleto, leveipara a sala diferentes cartazes que, depois deanalisados, serviram de referência para a produ-ção do nosso próprio cartaz.

Portanto, aprender a fazer panfleto e cartaznão foi uma situação descontextualizada deaprendizagem. Pelo contrário, ocorreu em umcontexto real de uso, em que uma comunicaçãofazia-se necessária e, para que fosse de fato efi-caz, era preciso que as crianças o fizessem deforma adequada. Dar acesso às crianças a essesobjetos sociais de escrita faz parte do que acre-ditamos ser indispensável para a formação denossos alunos.

AvaliaçãoAo final do semestre, quando já cuidávamos

da divulgação da coleta seletiva e aquele proble-ma inicial de saber o que era reciclagem e qual asua relação com a coleta seletiva já havia sidoresolvido, conversei com as crianças sobre o fi-nal do projeto. Ressaltei que esse final não signi-ficaria o fim do nosso investimento na conscien-tização da importância da coleta seletiva, e que,por isso, continuaríamos com a panfletagem ecom o “dia de trazer lixo de casa”.

A avaliação final foi feita tanto em termoscoletivos quanto individuais. Primeiramente,houve uma conversa e um registro coletivos,momentos em que as crianças falaram sobre oque haviam aprendido, e, depois, uma entrevis-ta individual em que cada qual respondeu o queconsiderou mais importante no nosso projeto.

Além dessa avaliação final, o processo deavaliação esteve presente durante todo o per-

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Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação InfantilPAINEL 16

Projetos pedagógicosde linguagem oral e escritana Educação Infantil

Sonia Regina da Silva Souza*

Associação Verbo Divino/SP

curso. Exemplos: ao elaborarmos o panfleto, ascrianças avaliaram o que haviam aprendido àmedida que organizavam o conteúdo para sercontado a outras pessoas; quando colocamosduas lixeiras na sala, uma para plástico e outrapara papel, percebemos que o resultado nãoestava adequado à nossa necessidade e, apósuma avaliação, recorremos à solução encontra-da por outra turma. Portanto, avaliar é instru-mento necessário para a construção de sentidoe para a continuidade do processo, e não ape-nas uma situação estanque, localizada no finaldo processo.

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SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinarida-

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IntroduçãoDurante muito tempo, nosso trabalho es-

teve totalmente voltado para os cuidados fí-sicos e as práticas assistencialistas. Procurá-vamos fazer o que sabíamos em relação aoatendimento das crianças, mas não havia umaproposta pedagógica nem mesmo espaçoonde poderíamos pensar sobre isso. Sentía-mos falta de uma proposta mais consistente,que nos permitisse olhar as crianças de umaforma diferente.

Em 1994, surgiu a oportunidade de transfor-mar nosso cotidiano. Recebemos um convite paraparticipar do Programa Capacitar 1, organizadopela Cooperativa de Entidades (Cooperapic), fi-nanciado pelo Instituto C&A de Desenvolvimen-to Social e posto em prática pela ONG Creche-plan, hoje, Instituto Avisa Lá! Nesse programa,todos os profissionais da nossa instituição pas-saram a receber formação em serviço. A partir daí,as mudanças foram acontecendo.

A cada encontro de formação, descobría-mos a importância de se pensar na creche como

* Coordenadora pedagógica da Creche da Associação de Mães Unidas do Novo Osasco (Amuno) e formadora da Creche Verbo Divino,associada à Cooperapic/SP

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espaço educacional. Foi se criando um olhardiferente para todos aspectos que envolviamas crianças. Começamos a elaborar um proje-to institucional mais consistente, do qual par-ticiparam todos os funcionários da creche.Além de todas as mudanças que envolvia re-pensar a concepção de criança, desenvolvi-mento, aprendizagem e ensino, as práticas pe-dagógicas foram modificadas. Dentre elas, gos-taria de destacar a incorporação dos projetospedagógicos em nosso cotidiano. A experiên-cia com projetos trouxe mais significado aotrabalho e nos permitiu ter outra visão em re-lação ao trabalho com Educação Infantil.

Concepção de projetopedagógicoHistoricamente, o trabalho com projetos

tem atravessado vários momentos da históriada Educação e vem se transformando ao lon-go do tempo. A concepção que adotamos en-tende o projeto como um trabalho pedagógi-co o mais próximo possível das práticas soci-ais. O projeto é um conjunto de situações con-textualizadas, em que há um objetivo compar-tilhado com as crianças desde o início. As cri-anças são envolvidas em uma seqüência deatividades com vistas a produzir um evento ou,então, um ou mais objetos, que dão visibilida-de ao processo de aprendizagem. Há um fortevínculo com uma área de conhecimento, mas,dada a sua natureza, os projetos pedagógicosintegram sempre diferentes áreas que colabo-ram com o produto final.

As crianças podem ser engajadas em umaseqüência de atividades para produzir umbaile de carnaval, uma fita cassete com músi-cas escolhidas, um livro de receitas etc.

Por que o trabalhocom projetos?Para as crianças, há um grande ganho, pois

se sentem atraídas e motivadas a participardas atividades, quando compreendem sua fi-nalidade e podem relacioná-las com as coi-sas que já conhecem.

Compartilhar com os outros também éimportante para as crianças, pois eles sabemque o seu trabalho terá outros leitores e apre-ciadores. Para isso, colocam em jogo tudo oque sabem, tomando decisões e dividindo ta-refas. Enfim, o comprometimento é maior, oque garante que as aprendizagens sejam maisefetivas e o resultado, o melhor possível.

É grande o envolvimento do educador,pois geralmente ele é o responsável pela es-colha do tema. Precisa desenvolver um estu-do prévio e organizado, pois, o tempo todo,está se confrontando com questões e desafiosque as crianças vão trazendo. Seu papel é ode promover situações de aprendizagem deforma significativa. O projeto nos permiteuma organização seqüenciada dos conteúdosmais importantes para cada faixa etária. Aprincípio, ele requer mais tempo por parte doeducador, mas, a partir de sua implantação,o trabalho flui, facilitando nossa ação, permi-tindo uma visão melhor de quanto e como ascrianças aprendem.

Resumindo as vantagens, podemos dizerque a prática de trabalho com projetos pos-sibilita:

• a promoção de aprendizagens significativas;

• o desenvolvimento de uma atitude favorá-vel para o conhecimento;

• a garantia de uma seqüência organizada deconteúdos;

• o acompanhamento mais fácil do que as cri-anças estão aprendendo;

• o aprendizado da busca de informações pe-las crianças;

• avaliação constante;

• maior envolvimento de educadores e crianças.

Quando e quanto trabalharcom projetosProjetos didáticos são mais adequados

quando as crianças já entendem a relação en-tre as atividades e o produto final. A partir dos3 anos, é possível pensar em organizar um tra-balho como esse. Em geral, desenvolvemos umprojeto por grupo, a cada três ou quatro meses.

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Projeto pedagógico: por quê, quando e como – Educação InfantilPAINEL 16

A organização do tempo didático envolve,além dos projetos, as atividades permanen-tes e diferentes seqüências. Se, por exemplo,estamos desenvolvendo um projeto de recon-to de histórias conhecidas, teremos muitasações envolvendo tanto a linguagem oralquanto a escrita. Portanto é preciso pensar ematividades permanentes e seqüenciais queenvolvam outras áreas, como movimento, ar-tes visuais, música etc., para que, em outrosmomentos do dia, as crianças tenham expe-riências diferentes.

Conteúdos possíveisna Educação InfantilO mais importante é que, na Educação In-

fantil, podemos diversificar muito, pois nãohá um currículo rígido a seguir. Isso permiteboas escolhas em relação aos projetos. É im-portante lembrar que todo trabalho pedagó-gico envolve conteúdos conceituais, proce-dimentais e atitudinais. Assim, ao produziruma fita cassete de poesias para doar a umgrupo de crianças menores, por exemplo, es-taremos trabalhando não só a linguagemoral e escrita, mas também a auto-estima, avalorização da cultura, a socialização etc.

Com as crianças de 4 a 6 anos, podemos ou-sar um pouco mais. Há possibilidade de tra-balharmos com mais conteúdos, pois espera-mos que elas avancem no conhecimento docódigo alfabético e da linguagem escrita. As-sim, são inúmeros os produtos ligados a dife-rentes gêneros textuais, como a produção detextos informativos, folders, livro de adivinhasou rimas etc.

A concepção que adotamos entende o pro-jeto como um conjunto de situações contex-tualizadas. Há um objetivo final, que é com-partilhado com as crianças desde o início. Ascrianças são envolvidas em uma seqüência deatividades com vistas a produzir um eventoou um ou mais objetos, que dão visibilidadeao processo de aprendizagem. Há um fortevínculo com uma área de conhecimento, mas,dada a sua natureza, os projetos pedagógicosintegram sempre diferentes áreas que colabo-ram com o produto final.

Quando esperamos que as crianças avan-cem no conhecimento do código alfabético eda linguagem escrita, podemos pensar emprodutos ligados a diferentes gêneros textu-ais, como a produção de textos informativos,folders, livro de adivinhas ou rimas, fita cas-sete com músicas etc.

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PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1717171717

PROJETO PEDAGÓGICO:POR QUÊ, QUANDO E COMO –EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Rosângela Pereira

Elizabete Monteiro

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Por quêEsse trabalho foi realizado em uma sala de

aula de jovens e adultos da empresa MétodoEngenharia, em convênio com a FundaçãoKellog e o Centro de Estudos Escola da Vila. Ogrupo era constituído, em sua maioria, por ho-mens que desempenhavam diversas funções naconstrução civil.

Nosso projeto pedagógico na Educação deJovens e Adultos consiste em utilizar o textocomo unidade básica e sua diversidade no usosocial, pois os educandos jovens e adultos, em-bora não tenham freqüentado a escola, entramem contato diário com diversos tipos de texto.

Esse trabalho proporciona aos educandosmelhorarem sua competência comunicativa, poisamplia seu repertório no mundo letrado, tantolendo como produzindo textos para se comuni-carem por meio de mais de uma linguagem.

Nessa modalidade de trabalho, os educandoscomprometem-se com o conteúdo trabalhado,já que esse conteúdo parte de seus conhecimen-tos prévios, e, por meio do aprofundamento dosestudos, ampliam esses conhecimentos.

QuandoO primeiro projeto que desenvolvemos foi

o “Estudo da Migração”, pois era latente, naclasse, o sentimento de solidão do alunos porterem deixado suas famílias em outras cidadese estarem morando em São Paulo. Trouxemospara a sala de aula livros, revistas e artigos dejornal sobre o tema para trabalharmos em clas-se. Estabelecemos, como produto final desseprojeto, a confecção de um almanaque. A idéiadesse tipo de portador surgiu por ser um ma-terial muito comum em algumas regiões do

Projeto pedagógico:por quê, quando e como

Rosângela Pereira

Projeto Kellog/SP

Brasil e possibilitar a inclusão de diferentes ti-pos de texto no mesmo material.

Após produzirmos esse primeiro material,fizemos uma “noite de autógrafos” em que oseducandos declamaram poesias de sua auto-ria e contaram como foi a experiência de pro-duzir um almanaque.

Outro projeto foi sobre a Aids, pois era umapreocupação nossa e deles saber mais sobre oassunto e divulgar os conhecimentos aprimo-rados em sala de aula, o que é um dos objeti-vos do estudo por projetos: ter um produto fi-nal que possa transmitir os assuntos estudadosem sala de aula para a comunidade em que aescola ou os educandos estão inseridos, com afinalidade de debater o assunto e, se possível,até modificar os hábitos e as atitudes dos mo-radores, por meio do conhecimento.

Ao concluirmos esse material, demos con-tinuidade ao estudo da reprodução humana eproduzimos um atlas desenhado pelos próprioseducandos.

Como – A escolha do temaA partir das primeiras conversas com os

educandos, foi possível detectar temas que se-riam de interesse da classe e, também, incluiro estudo de diversas áreas do conhecimento.

Depois de escolhido o tema, utilizamos di-ferentes tipos de textos: jornalísticos, contos,receitas, poesias, cartas.

Leituras feitas pela professorapara apreciação da classe

O primeiro livro escolhido para ser lidopela classe foi Vidas secas, por se tratar dotema da migração e ser um texto bem escri-

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Projeto pedagógico: por quê, quando e como – EJAPAINEL 17

to, pois o trabalho com bons textos servecomo modelo e dá a possibi l idade aoseducandos de se apropriarem da organizaçãotextual e de uma linguagem diferente, na horade produzirem textos de autoria. Depois, le-mos os livros As mil e uma noites e Estrela so-litária.

Houve também a leitura de diferentes con-tos (sem que estivessem, necessariamente, li-gados ao tema), para que a classe pudesse seapropriar da estrutura narrativa e da caracteri-zação dos textos.

As notícias de jornal trazidas tinham maté-rias relacionadas ao tema do projeto. Às vezes,trabalhávamos com todo o jornal para estudar-mos sua organização (divisão por cadernos), ainferência sobre o assunto da notícia por meiodas fotos ou das manchetes. Depois organiza-mos um mural em que os educandos escolhi-am uma notícia e faziam um pequeno comen-tário sobre ela.

CartasEra um grande anseio deles escrever e man-

dar cartas, assim como poder ler as que recebi-am. Escrevemos algumas cartas em classe e per-cebemos que os modelos utilizados eram fixose nem sempre expressavam a mensagem queeles gostariam de enviar. Um dos educandoslevou para a classe um livreto com modelos decartas de amor. Percebemos, então, que pode-ria vir daí uma escrita muito parecida entre ascartas. Passamos, então, a reescrevê-las, indi-vidual e coletivamente. A correção individualtratava do sentido daquilo que queriam trans-mitir e a coletiva dizia respeito à ortografia econcordância.

Receitas e textos instrucionaisEsse tipo de texto é direto e objetivo e pos-

sibilita a inferência do resultado por meio dosmateriais ou ingredientes usados ou da descri-ção da execução do prato ou objeto. Lemos tex-tos instrucionais para confeccionar objetos; le-mos ingredientes de receitas para descobrirqual prato seria confeccionado, e, pelo estudodo texto “A sopa de pedras”, criamos a receita eo modo de fazer esse prato.

PoesiasEstudamos diferentes poesias, exploramos

sua finalidade (despertar sentimentos), decla-mamos e reescrevemos algumas delas, troca-mos ou completamos algumas rimas que foramsubtraídas das poesias e, para o almanaque,publicamos versões feitas pelos educandos dapoesia “Cidadezinha qualquer”.

Trabalho com os textosAo trabalhar os diferentes textos, utilizamos:Reescrita. Era feita a leitura de um texto váriasvezes, até que eles o tivessem na memória.Depois, era solicitado que o reescrevessem,trabalho que possibilita que os educandos sepreocupem somente com a organização dotexto e até com a ortografia, pois o texto elesjá têm na memória.

Revisão textual coletiva. Ao produzirmos tex-tos em sala (mesmo os reescritos), selecioná-vamos alguns e, com autorização do autor, re-visávamos o texto com a classe toda, avalian-do a ortografia e a concordância e fazendo asmodificações, quando necessário.

Revisão textual individual. Na produção de tex-tos utilizados nos produtos finais, os educandosescreviam e nós fazíamos as revisões, discutin-do com cada educando. Ou digitávamos os tex-tos na forma como eles haviam escrito e discu-tíamos se estavam bons. Eles, então, percebiamas palavras, as frases e as concordâncias que pre-cisavam ser corrigidas e, normalmente, alega-vam que os erros deviam ser da digitação, poisnão acreditavam tê-los cometido.

Roda de leitura. Semanalmente, deixávamosexpostos todos os livros da classe para que oseducandos escolhessem um e o levassem paracasa. Na semana seguinte, um dos estudantescomentava a história que tinha lido e indica-va, ou não, o livro para os colegas.

É importante ressaltar que as atividadeseram as mesmas para toda a classe, indepen-dente da hipótese que os educandos tinhamsobre a língua escrita. O que diferenciava o tra-balho era a intervenção feita pela educadoracom cada um dos educandos e o nível de exi-gência para cada um deles.

212

Contextualização

Um pouco da históriaA idéia de fazer uma escola para crianças

e adolescentes atendidos pelo Projeto Axé vi-nha sendo discutida há cinco anos. Nasceu deuma forte demanda dos educadores em razãoda observação e constatação das dificuldadespelas quais grande parte dessas crianças eadolescentes passava nas escolas públicasque freqüentavam.

Essa população costumava chegar ao Pro-jeto Axé com uma história de evasão e repe-tência escolar, história essa semelhante à demuitas crianças e jovens das comunidadespobres de Salvador.

A freqüência na escola é condição para par-ticipar das atividades do Projeto Axé, mas, comraras exceções, os educandos não ultrapassa-vam a 3ª série do 1° grau, ou estavam fora daescola. Esses dados, obtidos do relatório anualdo Projeto Axé (1998), revelam que grande par-te desses alunos, com defasagem de idade/sé-rie, passou por múltiplos fracassos na escola.Geralmente, esses alunos têm uma auto-esti-ma muito baixa e não acreditam que são capa-zes de aprender. Por causa disso, realizou-seuma parceria entre o Projeto e a Secretária Mu-nicipal de Educação e Cultura (SMEC), com oobjetivo de oferecer Educação formal do Ensi-no Fundamental de qualidade para as criançase adolescentes atendidos pelo Projeto Axé e dacomunidade na qual a escola estava inserida.

No início do ano letivo (abril de 1999), a es-cola funcionou em uma casa alugada pelo Pro-jeto Axé e, em razão de limitações das instala-

Projetos didáticos e aprática de letramento:experiência de uma escolapública de Salvador

Elizabete Monteiro

Projeto Axé/BA

ções, atendemos nove classes, sendo seis noturno matutino, com alunos que apresentavamgrande defasagem de idade/série, e três classes,no turno vespertino, de ensino regular.

Em 2000, ampliamos a capacidade de aten-dimento da escola para 29 turmas (dez pelamanhã, dez à tarde e nove à noite), com nú-mero de matrículas próximo a 800 alunos. Atu-almente, funciona num prédio bastante amplo,com instalações modernas e bem equipadas.

A escola hojeInserida num contexto socioeconômico pou-

co privilegiado, no bairro de São Cristóvão, queapresenta alto índice populacional, a escola estálocalizada, estrategicamente, na rua principal,que delimita duas áreas empobrecidas,marcadas pela miséria e pela marginalização.

Apesar desse contexto muito próximo darealidade das crianças e jovens atendidos peloProjeto Axé, percebem-se manifestações depreconceito e discriminação da comunidadeem relação aos alunos, meninos e meninas doProjeto Axé, que freqüentam a escola.

Tanto os alunos que vêm de outros bairrosda cidade quanto os da comunidade de SãoCristóvão estão expostos aos mesmos sintomasda patologia da nossa cidade (que coincidemcom os de outras metrópoles brasileiras): altastaxas de desemprego ou subemprego, moradiassem condições mínimas de habitabilidade e desuprimento dos serviços de água e luz, equilí-brio familiar fragilizado, convívio com a violên-cia e a miséria generalizada.

Um aspecto adicional que emerge das ori-gens históricas da cidade, importante tambémna construção da proposta pedagógica da Es-

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Projeto pedagógico: por quê, quando e como – EJAPAINEL 17

cola Municipal Barbosa Romeo, é a articulaçãoentre raça e pobreza como variáveis que defi-nem a participação precoce da criança no mer-cado de trabalho de Salvador. No interior des-sa conjuntura, os vínculos já frágeis dos nú-cleos familiares dificilmente resistem.

Nesse contexto, a definição da identidadedo Projeto IIê Ori, desenvolvido na Escola Mu-nicipal Barbosa Romeo, foi construída a partirda idéia da sociedade como uma totalidade naqual nossos alunos estão inseridos. Isso impli-cou pensar numa proposta pedagógica que pu-desse atender a essas crianças integralmente,não só no âmbito de conteúdos conceituais,mas, principalmente, em relação aos conteú-dos procedimentais e atitudinais, em que éti-ca, valores e estética estejam impregnandotoda a prática da escola.

Acreditamos que o movimento próprio doprocesso de construção do conhecimento devepermear a sala de aula, possibilitando ao alu-no aprender pensando.

O papel da teoria nesse processo é o de for-necer subsídios para que o professor observee reflita melhor sobre sua prática e perceba emquais pressupostos ela está respaldada. A in-tervenção do professor no processo educativoé fundamental, no sentido de orientar a buscade soluções, por meio da apresentação de no-vas informações e desafios a partir de estraté-gias pedagógicas.

Esse ponto de vista dá grande ênfase ao va-lor da atividade grupal, ressaltando-se a coope-ração em lugar da competição, como princípiobásico. A troca entre alunos é fator indispensá-vel para a construção do conhecimento. Den-tro dos grupos envolvidos em atividades signi-ficativas, há necessidade de expressar pontos devista, trocar idéias e discutir meios e modospara a resolução de problemas. Dessa forma, a“Pedagogia de Projeto”, opção metodológica daescola, atendeu a esses princípios.

Por que pedagogia de projetosNuma sociedade em constante transforma-

ção, o conhecimento é cada vez mais volátil e fle-xível. Como educadores deste novo milênio, pre-cisamos desenvolver uma pedagogia em que

professor e aluno possam dialogar problemati-zar e atualizar as questões e os desafios do co-nhecimento.

Segundo Fernando Hernandez:

A função do projeto é favorecer a criação de es-

tratégias de organização dos conhecimentos es-

colares em relação: 1. ao tratamento da informa-

ção; e 2. à relação entre os diferentes conteúdos

em torno de problemas ou hipóteses que facili-

tem aos alunos a construção de seus conheci-

mentos, a transformação da informação proce-

dente dos diferentes saberes disciplinares em

conhecimentos próprios (Hernández, 1998: 61).

Sendo assim, o trabalho com projetos cons-titui-se em excelente situação de uso social dosconteúdos, que são desenvolvidos de forma sig-nificativa.

Os projetos favorecem o necessário compro-

misso do aluno com sua aprendizagem. O fato

de o objetivo ser compartilhado desde o início

e de haver um produto final em torno do qual

o trabalho de todos se organiza, contribui mui-

to mais para o engajamento do aluno nas tare-

fas, como um todo (MEC, PCN, v. 2, 1997).

Optou-se pela organização do currículo pormeio de projetos didáticos por disciplina. Essaperspectiva de trabalho não pressupõe a fragmen-tação do conhecimento, muito pelo contrário.Está pautada na multirreferencialidade do currí-culo, que tem sua epistemologia na complexida-de e no movimento, defendida por Edgar Morin.Ela implica pensar complexo, dialogicamente,indo além da visão interdisciplinar, e entende asações didáticas como criação de instrumentospara a compreensão da realidade e do conheci-mento nas múltiplas relações.

A prática de letramentona escola públicaÉ possível desenvolver práticas de letra-

mento dentro da escola pública? E nas clas-ses de EJA, como essa proposta pode ser as-segurada?

As respostas a essas questões parecem ób-vias. No entanto, considerando os rumos que

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as práticas leitoras e escritoras tomaram den-tro da escola, fomos levados a refletir sobre anecessidade de repensarmos o nosso fazer pe-dagógico, no sentido de tornarmos o ensino daleitura e da escrita menos escolar, buscandonos aproximar das situações reais do uso dalíngua. Isso implica deixar de tratar o ensinoda língua da forma que só a escola o trata: me-canicamente, sem propósito comunicativo reale com interlocutores fictícios ou, na maioriadas vezes, inexistente.

Aqui relatamos dois dos vários projetos queforam desenvolvidos na Escola Municipal Bar-bosa Romeo, que tem como um de seus objeti-vos fazer com que crianças, jovens e adultos quepor ela passem sejam verdadeiros usuários dalíngua, leitores e escritores proficientes.

O primeiro projeto (Língua Portuguesa) foidesenvolvido em uma classe de Aceleração II(equivalente à 3a e 4a séries do Ensino Funda-mental). O segundo, cuja área de concentra-ção era a de Ciências, foi realizado em umaclasse de Alfabetização de Adultos (noturno).

O projeto “Era uma vez…” tinha como ob-jetivo geral: “Ler e escrever contos, garantin-do os elementos macroestruturais caracterís-ticos do gênero e o destinatário real das pro-duções” e foi aplicado numa classe com 25alunos, com idades variando entre 13 e 19anos, que chegaram à escola em 1999, em suamaioria com a hipótese de escrita silábica ousilábico-alfabética. No início de 2000, já alfa-béticos, apresentavam ainda grande dificul-dade de produção textual, sem fluência de lei-tura. Muitos escreviam sem a segmentaçãoconvencional das palavras e com muitas difi-culdades ortográficas.

O projeto teve como empreendimento fi-nal a produção de um livro de contos para serpresenteado às classes de Educação Infantil e1o ciclo.

Fica a pergunta: por que contos? O projetofoi pensado a partir da surpreendente consta-tação de que os alunos, apesar de terem idadeavançada, ficavam “embriagados” com a leitu-ra de contos infantis, especialmente os maistradicionais. Inicialmente, selecionamos paraa leitura contos menos infantis, partindo dopressuposto de que os alunos, já adolescentes,

teriam mais interesse por estes e não por aque-les. Grande engano! No levantamento dos co-nhecimentos prévios dos alunos, observamosque apenas um já ouvira falar da história de“Chapeuzinho vermelho”. Nenhum outro con-to era conhecido da turma!

Optaram pela leitura dos contos “O patinhofeio”, “Cinderela”, “João e Maria”, “Os trêsporquinhos”, “O gato de botas”.

Essa foi a nossa primeira aprendizagem:definir previamente o que ler, sem um pro-fundo conhecimento da turma, dos seus de-sejos latentes e das necessidades imbricadasna história de vida de cada criança, jovem ouadulto, pode comprometer um “grande pro-jeto de leitura”, elaborado com a melhor dasintenções!

As intervenções durante o desenvolvimen-to do projeto foram centradas nas estratégiasde leitura e em situações de leitura por prazer.Em relação às intervenções de leitura voltadaspara a escrita, enfatizamos os aspectos macro-estruturais característicos do gênero conto,especialmente aqueles que definimos comoindispensáveis para serem assegurados pelosalunos: marcadores cronológicos, seqüêncianarrativa, zonas de descrição com utilização deadjetivação.

Por fim chegamos à produção dos contos.Os alunos e a professora esperavam ansiosospor esse momento. A proposta de escrita – emduplas – possibilitou a escrita de textos ricos emrecursos lingüísticos, ambientação, trama e des-fecho bem definidos, seqüência narrativa bemarticulada, além do uso da intertextualidade,sem comprometer a autoria.

As escritas dos contos possibilitaram umespaço privilegiado de articulação das práticasde leitura, produção escrita e reflexão sobre alíngua: a revisão textual.

Foram desenvolvidos vários procedimen-tos de revisão até o ponto em que se decidiaque o texto estava suficientemente bem escri-to. Para isso eram feitos rascunhos, alteraçõesno conteúdo e na forma. A última etapa foi re-alizada com o apoio do computador, por meioda digitação dos textos e revisão ortográfica.

O mais surpreendente é que todos os alu-nos faziam, revisavam, refaziam os seus textos

214

Projeto pedagógico: por quê, quando e como – EJAPAINEL 17

sem queixas. Pelo contrário, permaneciam en-volvidos e extremamente motivados. Algunsobjetivos não só conceituais, como procedi-mentais e atitudinais, foram alçados e um as-pecto ficou assegurado: o entendimento deque, quando escrevemos para alguém, preci-samos escrever de forma que sejamos enten-didos e, em se tratando de um conto, que nos-so texto provoque o deleite. E os contos dosnossos alunos, com certeza, nos encantaram!Basta lê-los.

Quanto ao segundo projeto, “Tartarugas ma-rinhas”, foi desenvolvido nas classes de PEB I(Programa de Educação Básica – EJA – equiva-lente à 1a série) e tinha como objetivo geral:“Valorizar a vida em sua diversidade e a pre-servação dos ambientes, por meio do estudosobre as tartarugas marinhas – animal amea-çado de extinção”. Os alunos tinham idade quevariava entre 17 e 59 anos.

Por um lado, os estudantes possuíam umrepertório de representações proveniente deconhecimentos intuitivos, adquiridos pelavivência, pela cultura e pela história de vida decada um. Por outro lado, desenvolveu-se umtrabalho em que os alunos confrontaram seusconhecimentos prévios com os conhecimentoscientíficos que foram construídos ao longo doprojeto. Incentivados a expor suas idéias paraexplicar determinado fenômeno e confrontá-lascom outras explicações, os alunos puderamperceber a necessidade e a importância de vá-rias leituras que tiveram de realizar.

Esse processo, construído com interven-ções intencionais e sistemáticas dos professo-

res, que criavam situações interessantes e sig-nificativas e forneciam informações, permitiua reelaboração e a ampliação dos conhecimen-tos prévios dos alunos. Foram desenvolvidasleituras de textos das mais variadas fontes (jor-nais, revistas, folhetos, enciclopédia etc.) pes-quisas na Internet, excursões (incluindo o Pro-jeto Tamar).

Por fim, chegou o momento da sistemati-zação das informações, para socializar os co-nhecimentos construídos: alunos e professo-res optaram pela realização de um grande se-minário, aberto à comunidade, a todos os alu-nos e aos funcionários da escola.

Nesse ponto, quero salientar os conteúdosprocedimentais desenvolvidos por meio dessaatividade (seminário), como também a interdis-ciplinaridade naturalmente alcançada, na me-dida em que os alunos elaboraram um folder,convites, ofícios, usaram retroprojetor, apren-deram a usar o microfone, a falar em público, aouvir seus interlocutores, a responder pergun-tas, enfim, a fazer uso de todo um repertório deconhecimentos, de forma significativa.

Essa atividade de fechamento do projeto(empreendimento final) teve a intenção dereunir e organizar os dados, respondendo aoproblema proposto inicialmente.

Podemos concluir, portanto, que é possí-vel desenvolver práticas de letramento na es-cola pública, seja ela de Educação Infantil,Ensino Fundamental ou de Educação de Jo-vens e Adultos. Tudo depende, evidentemen-te, da concepção de ensino que está por trásdo que se faz.

217

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1818181818

PROJETO PEDAGÓGICO:POR QUÊ, QUANDO E COMO

Ivanete Carvalho e Andréa Guida Bisognin

Renata Sanches Silva e Maria Vânia Marques de Carvalho

Rosemere da Silva Vieira

218

As supervisões deacompanhamento dos projetosdidáticos realizados em aula

Ivanete Carvalho e Andréa Guida Bisognin

Programa Escola que Vale – Fundação Vale do Rio Doce – Cedac/SP

ResumoEste projeto está sendo desenvolvido no Cen-

tro de Educação Infantil Municipal (CEI) Profª

Honorina Pacheco Corrêa, no bairro Rio do Ouro,

em Caraguatatuba/SP. A Secretaria Municipal de

Caraguatatuba e a Fundação Orsa são parceiras na

gestão pedagógica desse CEI, que respeita a políti-

ResumoO Programa Escola que Vale tem como eixo do

processo de formação de professores a realização de

projetos didáticos em aula, e seu desenvolvimento

é acompanhado por meio de reuniões mensais e

semanais com as coordenações regional e local.

Esses projetos necessitam de planificação de-

talhada, avaliação permanente e reorientação das

ações, em razão dos propósitos didáticos e dos ob-

jetivos compartilhados com os alunos. É nesse con-

texto que as supervisões cumprem papel funda-

mental, pois criam situações de análise que são, ao

mesmo tempo, favoráveis às transformações nas

práticas usuais e à construção de conhecimentos,

a partir dos quais pode-se refletir sobre elas e fazê-

las avançar.

Em situações de planejamento e de análise e re-

flexão sobre a prática documentada, por meio de vídeos

e relatórios, os professores que participam do progra-

ma discutem coletivamente sobre suas dúvidas e difi-

culdades e sobre os propósitos que guiam suas tare-

fas, antecipam possíveis situações que podem ocor-

rer na salas de aula, decorrentes de decisões tomadas

pelo grupo, trocam informações sobre as aprendiza-

gens das crianças a partir da análise de suas produ-

ções e passam a construir gradativamente novos ob-

serváveis sobre a relação ensino–aprendizagem.

Neste relato, serão destacadas algumas mu-

danças provocadas por essas estratégias forma-

tivas: a produção e a reflexão coletivas, a formação

de equipes colaborativas de trabalho nas escolas

que participam do PEQV e as possibilidades de

apropriação dos planejamentos como instrumen-

tos metodológicos de formação, pelos técnicos da

Secretaria de Educação de Açailândia/MA.

ca de Educação Infantil do município por meio da

presença de um programa de formação continua-

da e do atendimento à demanda para a faixa etária

de 0 a 3 anos.

A proposta pedagógica que está sendo imple-

mentada no Centro de Educação Infantil tem, como

As linguagens expressivasno cotidiano das crianças de 0 a 3 anos

Renata Sanches Silva e Maria Vânia Marques de Carvalho

SME – Caraguatatuba/SP e Fundação Orsa

218

Projeto pegagógico: por quê, quando e comoPAINEL 18

referência, as diretrizes curriculares para o atendi-

mento às crianças e, como eixos norteadores, a cri-

ança de 0 a 3 anos, a família e a comunidade, a esco-

la e a família. Para o desenvolvimento do projeto

pedagógico, que tem como tema “Colorindo o nos-

so tempo – as crianças descobrindo cores, materi-

ais e o nosso espaço”, toda a equipe do CEI idealizou

e vem realizando planos de ação compostos por ati-

vidades de caráter interdisciplinar, que procuram

atender às necessidades, às expectativas e aos inte-

resses das crianças. Na concepção da criança como

cidadã, sujeito com direitos, a participação ativa é

um marco na seleção dos temas e das atividades pro-

postas. Descobrir, explorar, experienciar, perguntar,

interagir com o meio social e físico são atitudes pre-

sentes no cotidiano do CEI.

SituaçãoO Centro de Educação Infantil Municipal

Profª Honorina Pacheco Corrêa surgiu da par-ceria entre a Secretaria Municipal de Educaçãoe a Fundação Orsa, com 26 crianças. Esse nú-mero foi aumentando gradativamente e, atual-mente, o centro apresenta a seguinte situação:

Área geográfica atendida. Bairros: Rio doOuro, Jaraguazinho, Horto Florestal, PonteSeca, Caputera, Indaiá, Jardim Pimavera, Gai-votas, Estrela Dalva, Centro.

Clientela. Crianças de 3 meses a 3 anos e 11meses.

Proposta pedagógica. A proposta pedagó-gica irá se nortear pela concepção de cri-ança como ser humano completo, integran-do as dimensões afetiva, intelectual, física,moral e social, que, embora em processo dedesenvolvimento e, portanto, dependentedo adulto para sua sobrevivência e seu cres-cimento, deve ser ativo e capaz, para assimpoder ampliar seus conhecimentos e expe-riências e alcançar progressivos graus de

autonomia, frente às condições do meio,como um sujeito social e histórico. A pro-posta está de acordo com a política de Edu-cação Infantil do município, na qual estáinserida.

CotidianoOs horários previstos para

as atividades de alimentação,higiene, descanso e brincadei-ras são organizados de acordocom as necessidades das cri-anças, estando previstos tam-bém períodos de atividadeslúdicas, de maior e menorconcentração, em grupos e in-dividuais. Existe flexibilidadeem relação aos horários ofere-cidos às famílias, garantindoformas adequadas de receberas crianças em seus grupos ede organizar a saída.

As crianças recebem quatro refeições diá-rias, seguindo cardápio elaborado pela nutri-cionista. O descanso varia de acordo com as ne-cessidades individuais. Assim, os que não dor-mem são envolvidos em atividade mais rela-xante, para a qual é utilizado um dos cantinhosexistentes nas salas.

Diariamente, desde que as condições climá-ticas o permitam, todos têm oportunidade debrincar em área livre, desfrutando do sol e decontato com água, areia e terra.

Projetos são desenvolvidos de forma aabranger todas as turmas, respeitando a espe-cificidade de cada faixa etária, e com atividadesdirigidas e semidirigidas.

Cantinho das Conchinhas

Estrelinha-Azul

Cavalo-Marinho

Peixinho Dourado

Golfinho

Aquário

3 a 11 meses

12 a 15 meses

16 a 23 meses

2 anos a 2 anos e 11meses

2 anos a 2 anos e 11 meses

3 anos a 3 anos e 11 meses

15

18

20

27

27

26

03

3

2

2

2

2

2

Turmas IdadeNo de

criançasNo de

adultosNo de

adultosvolantes

Centro de Educação Infantil Municipal Profª Honorina Pacheco Corrêa

220

A rotina é organizada em tempos de traba-lho, de recreio ao ar livre, de higiene, de refei-ção, de descanso, de pequenos grupos, granderoda, intercalados com o tempo de arrumar, pre-visto durante todo o dia, após cada atividade.

ReferenciaisUtilizamos, como referencial para o atendi-

mento às crianças, as diretrizes curriculares quetratam do educar e do cuidar engajados no de-senvolvimento do cidadão em potencial, sujei-to com direitos e digno de cuidados educacio-nais. A proposta se baseia nas diferentes formasde ver e compreender o mundo, unindo cuida-do, valores e conhecimento num ambiente emque as formas de expressão ocupem lugar pri-vilegiado, e crianças, famílias e educadores con-vivam prazerosa e criativamente da arte de cui-dar e educar.

A família tem atendimento individual, emque se procuram entender suas individualidades,seus anseios e suas necessidades, engajando-aprogressivamente no ambiente interno da esco-la e tornando-a cada vez mais parceira na artede educar, sem se esquecer de que o desenvolvi-mento é um processo integrado, que reúne di-versos aspectos da vida: biológico, motor, cultu-ral, emocional e social.

A comunidade também é envolvida no coti-diano do Centro de Educação Infantil, sendo in-formada dos principais acontecimentos e dasdicas de cuidados com as crianças de 0 a 3 anosem seus boletins bimestrais. Também buscamosna comunidade ajuda referente à participaçãovoluntária esporádica, por meio do “Amigos daEscola”, e à participação na confecção de mate-rial e brinquedos.

Objetivo geralEducação e cuidados básicos para o desen-

volvimento das crianças, respeitando suas in-dividualidades, entendendo a criança como umser total, completo, indivisível, e fornecendo-lhes os meios de desenvolver suas capacidadesfundamentais, ampliando-lhes as possibilida-des de acesso ao patrimônio cultural da socie-dade em que vivem.

Experiência em andamento:Projeto “Colorindo o nossotempo” (as criançasdescobrindo cores, materiais eo nosso espaço)Esse projeto está sendo desenvolvido no

Centro de Educação Infantil Municipal Profes-sora Honorina Pacheco Corrêa, Bairro Rio doOuro, Caraguatatuba/SP. A Secretaria Munici-pal de Caraguá e a Fundação Orsa são parceirasna gestão pedagógica deste CEI, que respeita apolítica de Educação Infantil do município pormeio da presença de um programa de forma-ção continuada e do atendimento à demandapara a faixa etária de 0 a 3 anos.

A proposta pedagógica que está sendoimplementada no Centro de Educação Infantiltem, como referência, as diretrizes curricularespara o atendimento às crianças, e, como eixosnorteadores, a criança de 0 a 3 anos, a família ea comunidade, escola e a família. Para o desen-volvimento do projeto pedagógico, que tem otema “Colorindo o nosso tempo – as criançasdescobrindo cores, materiais e o nosso espaço”,toda a equipe do CEI idealizou e realiza planosde ação compostos por atividades de caráter in-terdisciplinar, procurando atender às necessi-dades, às expectativas e aos interesses das cri-anças. Na concepção da criança como cidadã,sujeito de direitos, a participação ativa é ummarco na seleção dos temas e das atividadespropostas. Descobrir, explorar, experienciar,perguntar, interagir com o meio social e fisicosão atitudes presentes no cotidiano do CEI.

Quando acreditamos no potencial das cri-anças e deixamos que elas optem e criem am-bientes e formas de aprendizagem, respeitan-do o momento das crianças e propondo ativi-dades dirigidas e semidirigidas, deixamos li-vre o caminho para a criatividade.

Foi assim que se originou esse plano de açãodo projeto pedagógico intitulado “Colorindo onosso tempo – as crianças descobrindo cores,materiais e o nosso espaço”, já que buscamosnas ações propostas promover a aprendizagemativa das crianças, que nada mais é do que o ex-

220

Projeto pegagógico: por quê, quando e comoPAINEL 18

perimentar, direto e imediato, dos objetos, daspessoas e dos acontecimentos.

O CEI do bairro Rio do Ouro tem sua rotinadividida em tempos, e um deles é o da granderoda, em que as crianças conversam sobre as-suntos variados e compartilham experiências.

Nossa proposta para aquele dia eram as co-res do mundo, que inicialmente deixaram as cri-anças pensativas, mas logo desencadeou-se umasérie de observações a respeito dos objetos dasala, das roupas dos amigos, dos espaços exter-nos da escola e também da natureza. Nessa con-versa, as crianças concluíram que, em tudo nomundo, havia cores. Foi fascinante ver aquelesolhinhos, que, apesar de já conhecerem as co-res, nunca haviam parado para observá-las, paraobservar a sua organização e presença em nossomundo. Aqui utilizamos a música “Arco-íris”, daXuxa, que fala das cores presentes em nosso co-tidiano, incentivando as crianças para que acom-panhassem o ritmo com o material da bandinhae depois registrassem, por meio de desenhos, oque mais lhes chamou a atenção na música.

Mais uma vez, pudemos perceber a importân-cia e a relevância das cores no cotidiano de nossascrianças, o que nos conduziu a buscar em revistaso que mais lhes chamava atenção. Confecciona-mos um mural com todas as figuras escolhidaspelas crianças e recortadas pelas professoras, e ummundo de cores surgiu diante de nossos olhos.

Pedimos a colaboração dos pais para quemandassem uma fruta para o CEI, a fim de fa-zermos uma deliciosa salada. Como sempre,fomos atendidos, e as crianças empenharam-se em fazer uma enorme salada de frutas comas cores que estávamos observando.

Foi então que uma criança observou que nemtodas aquelas cores estavam presentes nas tintasusadas por elas em pinturas a guache. A profes-sora, então, conduziu-as para o espaço das artese questionou como elas poderiam ter mais cores,usando apenas aquelas que tinham no momen-to. Imediatamente, quase um coro, algumas cri-anças disseram: “Vamos misturar as tintas”. E foio que aconteceu. Experimentaram e descobriramas cores que faltavam e prepararam tintas paraque as outras turmas pudessem utilizá-las.

A alegria gerada pela descoberta não parou poraí. As crianças são como mágicos e sempre têm algo

mais para nos mostrar. Pensando nisso, resolvemosaguçar esse potencial, questionando sobre o arco-íris, se sabiam o que era, se já tinham visto. Perce-bemos que algumas demonstravam algum conhe-cimento. Resolvemos, em um dia ensolarado, nosdirigir ao pátio externo com uma mangueira namão, para que elas pudessem experimentar maisessa alegria de ver surgir um arco-íris.

O dia estava perfeito, ensolarado, e nossa ex-periência deu certo. E agora, o que fazer? “Nãopodemos nem devemos parar por aqui” – comen-tavam as professoras envolvidas. Surgiu, então, aidéia de confeccionar um arco-íris com as crian-ças. Resolvemos integrar, mais uma vez, a famíliae a escola. Enviamos um convite para os pais quequisessem participar de uma tarde com seus fi-lhos no CEI. Aproveitamos o momento para quea massa de modelar fosse elaborada com ajudadeles. Inicialmente foram feitas as massas nascores do arco-íris, utilizando-se uma receita ca-seira e os conhecimentos adquiridos anterior-mente na mistura das cores, para conseguiremtodas as tonalidades. Foi uma parceria e tanto. Ospais aproveitaram para aprender e ensinar, na re-lação com seus filhos, e desfrutar de mais ummomento de integração escola–família.

Essa história, nesse momento, não nos pare-cia ter fim. Para isso, novas idéias precisavam sur-gir. Recordamo-nos da música “Aquarela”, deToquinho e Vinícius de Morais, que foi mais umaalavanca para a nossa imaginação. Começamosescutando a música com as crianças e tentandoreconhecer o vocabulário desconhecido para sertrabalhado. Dividimos o grupo, que já contavacom 26 crianças, fora os adultos envolvidos, e nosdebruçamos sobre mais uma aventura. Um gru-po ficou responsável por dramatizar a música.Para isso deveríamos confeccionar o material aser utilizado; o outro acompanharia, durante aapresentação, com a bandinha da escola, o ritmoda música. Foi uma experiência e tanto!

Em outro dia, dirigimo-nos à nossa sala parao momento da conversa, que foi a respeito do mar,peixes, aquários, conchinhas. Esses nomes sãoutilizados em cada grupo como identificação dosespaços do CEI e foram escolhidos pelos alunosde cada grupo, por meio de votação. Nossa turmado GII, inicialmente assim denominada, perten-cia ao grupo do aquário. Pensamos na importân-

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cia do contato com a natureza e com os seres vi-vos e concluímos que deveríamos experimentara sensação de cuidar de um animalzinho – e nadamelhor do que um peixinho! Montamos um aquá-rio em nossa sala, aprendemos a cuidar de nossonovo “amiguinho” e a dividir as tarefas.

Posteriormente, criamos o dia da visita. Pen-samos que essa vivência deveria extrapolar o es-paço da escola e adentrar o espaço da família.Para isso enviamos um comunicado aos pais,explicando sobre nosso novo companheiro epedindo autorização para que o filho pudesselevá-lo para casa e ficar com ele por um dia. Fi-zemos um sorteio em sala e colocamos, em umgrande cartaz, o roteiro do peixinho, para que ascrianças pudessem tomar conhecimento e saberquando seria a vez de cada uma levá-lo para casa.

O dia em que a criança saia com ele da escolaera uma alegria só: peixe, comida, alegria, res-ponsabilidade, e todos ao caminho de casa!

Acreditávamos que ainda tínhamos muito porfazer com as cores e nos preparamos para a nossapróxima etapa, que envolveu um pintor famoso:Volpi. Por ele ter, em seus trabalhos, a presençadas cores e ser um artista brasileiro, consideramosconveniente um primeiro contato com suas obras.Fizemos a reprodução parcial da obra intitulada“As bandeirinhas”, que foi de fácil visualização paranossas crianças, já que fazem parte da cultura bra-sileira e puderam, assim, ser confeccionadas pornossos alunos. Nessa fase, pretendíamos – e nosfoi possível – contar também com a ajuda dos paisna criação de um ambiente apropriado para pin-tura, com cavaletes, avental etc.

ResumoO Projeto Gonzagão foi desenvolvido no Ensi-

no Fundamental (3ª e 4ª séries) pela Escola Muni-

cipal de Ensino Fundamental e Médio Miguel

Matias, vinculada aos Parâmetros em Ação, visan-

do resgatar e valorizar nossas tradições, assim como

promover a aquisição de conhecimentos sobre a

origem, as curiosidades, os cancioneiros, as dan-

ças típicas das festas nordestinas e ampliar o voca-

bulário dos envolvidos.

O trabalho foi direcionado para o desenvolvi-

mento da leitura, da escrita e da produção de texto

de maneira interdisciplinar, integrando conheci-

mentos nas diferentes áreas de ensino, numa visão

crítica ao preconceito social e lingüístico que

permeia o Nordeste brasileiro.

Com esse acervo cultural, objetiva-se divulgar

a arte e o saber do nosso povo, conciliando-o com

os trabalhos escolares e envolvendo a comunidade

e o poder público nessa realização.

Projeto Gonzagão –Experiência PCN em Ação

Rosemere da Silva Vieira

SME – Campo Alegre/AL

Relato da experiênciaCom sua sanfona, Luiz Gonzaga descobriu,

há décadas, um país diferente, com uma emo-ção enraizada em seus costumes e em seus mo-dos de vida. Uma paixão que era colocada parafora em forma de música, de versos de pé-que-brado e literatura de cordel. Em suas andanças,Luiz Gonzaga viu o futuro do Brasil em suasentranhas, com paisagens e povos que aindaestavam por ser descobertos.

No Nordeste, as pessoas que sofrem com aestiagem não têm recursos para investir em altatecnologia e, com isso, enfrentam o fenômenoda emigração, que causa sofrimento e angústianos que partem e nos que ficam. Junto com elesseguem a insegurança do desconhecido e a es-perança de um futuro melhor, como retrata tãobem o cantor e compositor brasileiro LuizGonzaga, conhecido como o “Rei do Baião”.

No ápice dessa contextura, essa região so-

222

Projeto pegagógico: por quê, quando e comoPAINEL 18

fre com o contínuo preconceito social e lin-güístico. Portanto, decidimos explorar esse uni-verso cultural, que divulga tão bem a vida donordestino, com suas dificuldades, seus senti-mentos e seus talentos, que comove todo o ter-ritório nacional.

Pretendemos, então, proporcionar aos nos-sos alunos, principalmente aos que não tiveramacesso ao cancioneiro de Luiz Gonzaga, a opor-tunidade de conhecer, perceber e resgatar ovalor cultural que ele representa para o Brasil,promovendo a aquisição de conhecimentos so-bre a origem, a linguagem, as curiosidades, ascanções e as danças típicas das festas nordes-tinas, ampliando o vocabulário e associando-o aos trabalhos escolares de maneira signifi-cativa e prazerosa.

Com esse acervo cultural, objetivamos es-pecificamente:

• explorar a biografia de Luiz Gonzaga e esti-mular a apreciação de seu cancioneiro;

• entender e respeitar o dialeto regional dosertão;

• discutir problemas sociais do Nordeste;

• estimular a consciência crítica e despertarpara a importância de preservar o meio am-biente;

• apreciar textos musicais, analisando-os apartir da aplicação real da gramática e pro-duzir novos textos;

• trabalhar a ortografia inserida nos textos;

• organizar um coral para interpretar os gran-des sucessos de Luiz Gonzaga;

• desenvolver um programa de caça-talentos;

• envolver a comunidade e o poder públicona realização dos trabalhos.

O projeto foi desenvolvido em etapas su-cessivas e obedeceu ao processo descrito a se-guir.

Inicialmente, foram detalhados os conhe-cimentos prévios dos alunos sobre o cantor ecompositor Luiz Gonzaga e as questões colo-cadas por ele sobre os problemas sociais en-frentados pelo nordestino. Os professores con-cluíram que esse conhecimento se limitava aalgumas músicas tocadas no mês de junho. Osalunos sabiam que o cantor e compositor era

sertanejo, mas não conheciam a sua história ea sua importância na cultura nordestina. Re-lataram que, em casa, tinham fitas cassete, masnão gostavam de ouvi-las, porque tinham pre-ferência por outros ritmos, como axé, pagodee reggae, que eram mais tocadas no momento.Em seguida, foi realizada uma reunião de paise professores para divulgar o tema do projeto,sua importância e a necessidade da ajuda dafamília com recortes de jornais, revistas, livros,CDs, vídeo etc.

Após esse contato, os professores selecio-naram material informativo como subsídio depesquisa para os alunos e lançaram as propos-tas de construção do conhecimento, por meiodas atividades solicitadas no decorrer do de-senvolvimento do projeto, ou seja, à medidaque eram solicitadas informações, os alunospesquisavam no banco de dados. Alguns tex-tos oferecidos foram retirados dos sites <http:/www.mpbnet.com.br/musicos/luiz.gonzaga/index.htm> e <http://www. bhnet.com.br/~expaco/oreiluizgonzaga.htm>, que informamtoda biografia do cantor e compositor, suas di-ficuldades e conquistas, até ser consagradocomo o “Rei do Baião”.

No site <http://www.tocasite.hpg.com.br/origem.htm>, conseguimos textos sobre a his-tória do forró e a mistura de ritmos, princi-palmente o baião, aliado ao xote, ao xaxado etambém ao coco. No site <http://www.vicepresidenciadarepublica.gov.br. português/ARTIGOS/luizgonzaga.htm>, oferecemos al-gumas publicações importantes de MarcoMaciel, vice-presidente da República, que re-lata a contribuição das composições de LuizGonzaga para a política e a cultura e destacaque foi na composição da música “Asa Bran-ca” que Luiz Gonzaga criou o hino do Nordes-te, o Nordeste na sua visão mais significati-vamente dramática, o Nordeste na aguda cri-se da seca.

Além desses textos, foi consultada a Enciclo-pédia Ilustrada do Conhecimento Essencial, 1998,by Reader’s Digest Brasil Ltda.; a revista NovaEscola, p. 34, 35 e 39, de abril de 2001, e dicioná-rios da Língua Portuguesa, na busca do signifi-cado de algumas palavras apresentadas. Com asinformações adquiridas, organizou-se uma ex-

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posição de gravuras, relatos e textos informati-vos no mural da escola. Partindo dos textos ofe-recidos, os alunos da 4ª série fizeram uma rees-crita individual da biografia de Luiz Gonzaga,que foi transformada em reescrita coletiva. Fo-ram expostos também trabalhos de produção ereescrita de textos sobre a seca no Nordeste, rit-mos, danças, entre outros, acervo cultural a quetodos que circulavam tinham acesso.

Além das apresentações e da entoaçãodas músicas cantadas e tocadas por ele e poroutros intérpretes, também foram apresen-tados instrumentos musicais utilizados nasdiferentes modalidades rítmicas, como forró,baião, xote e xaxado. Os instrumentos apre-sentados e explorados foram zabumba, san-fona e triângulo, sobre os quais, antecipada-mente, se fez pesquisa para saber o signifi-cado de suas denominações. Os alunos apre-ciaram e até mesmo treinaram o toque des-ses instrumentos.

Durante a exposição dos textos musicais,o trabalho com gramática e ortografia foi efe-tivado por meio de debates, reescrita e pro-dução de textos. Com a música “Asa branca” e“Triste partida”, os professores mostraram odialeto regional de Luiz Gonzaga, aproveitan-do para trabalhar a ortografia e a gramáticapor meio do texto lacunado. Os alunos, aospoucos, preencheram as lacunas obedecendoàs normas ortográficas da linguagem formal.

Com a letra da música “Assum preto”, fo-ram debatidos os crimes contra a flora e afauna e, nesse momento, as crianças relata-ram algumas maldades que presenciaram epraticaram. E quanto às que praticaram, pro-meteram não mais fazê-lo. Após esse traba-lho, foi feita a produção de texto sobre a mal-dade dos homens contra a natureza. Entre asmúsicas trabalhadas, a que mais comoveu foi“Fogo-apagou”, que conta a história do me-nino que matou uma rolinha para saciar a suafome e, assim, prolongar sua própria vida. Issogerou uma grande discussão. A música consi-derada de maior interesse pelos alunos foi “Oxote das meninas”, pelo ritmo e pela letra, queagradam as crianças e os adolescentes, vistoque ela fala da chegada da adolescência e dodespertar para o namoro.

Observamos que, durante a exposição dasmúsicas e as discussões sobre as letras, hou-ve sensibilização dos alunos. Eles se mostra-ram comovidos e solidários com os problemasque a miséria causa ao povo nordestino, quan-do ouviram, principalmente, a música “Tristepartida”, que conta a situação dos emigrantesda região, e quando alguns alunos expuserama situação de seus pais, que estão em outrasregiões, como Mato Grosso, São Paulo e Goiás,trabalhando para o sustento de sua família.Quanto a essa situação, uma criança disse:“Aqui não tem emprego para todos, estávamospassando fome e meu pai foi arranjar dinhei-ro em outro lugar”.

Consideramos que houve uma participa-ção ativa dos envolvidos, inclusive dos alunosque, nessa oportunidade, conheceram o Nor-deste, explorando-o de forma interdisciplinar,apresentando uma aprendizagem significati-va, que muito contribuiu para crescimentosocial, cultural e intelectual, questionandofatos e sugerindo alternativas de melhoria naqualidade de vida do povo nordestino.

O Projeto Gonzagão teve sua culminânciano dia 22 de junho e, como se tratava tambémdo estudo das tradições especificamente nor-destinas, nosso projeto destacou que, além dosproblemas que enfrentamos no dia-a-dia, te-mos também a alegria das festas juninas, comdesfile pelas principais ruas da cidade, mos-trando em alas a vida de Luiz Gonzaga, que éum exemplo vivo da vida do nordestino.

Os alunos e professores, caracterizados,carregavam faixas e cartazes que, além decontar a história, destacava também os pro-blemas sociais mais graves, como a fome, asede, a exploração do trabalho braçal, o pre-conceito e a tristeza da incerteza do amanhã.Após o desfile, já na escola, pais, professores,alunos e comunidade participaram da festa eapreciaram as danças, os pratos típicos, asvestimentas e os fogos que embelezam e atra-em multidões. Realizamos uma grande festacom a participação do sanfoneiro da cidade,que estava caracterizado a rigor.

Ao final do projeto, concluímos que nadaseria possível se não houvesse a participaçãocoletiva de diretores, professores, alunos,

224

Projeto pegagógico: por quê, quando e comoPAINEL 18

como também a participação da família, o en-volvimento da comunidade e até mesmo depessoas influentes na cidade, como o prefei-to, os vereadores, a secretário de Educação, ogerente do Banco do Brasil e os comerciantesque contribuíram financeiramente e se fize-ram presentes no encerramento do projeto.

Consideramos esse projeto como umgrande avanço na formação continuada dosprofessores, que vem mostrando, de formaclara e objetiva, a importância de um traba-lho sistemático e coletivo, gerando situaçõesde conhecimento, ao mesmo tempo, reais e

diversificadas, e proporcionando, assim, umaaprendizagem ativa, interessante, significati-va, real e atraente para os alunos.

Os professores envolvidos no estudo dos PCNem Ação já entendem que ninguém começa a teriniciativa e autonomia sem ter tido a oportuni-dade de escolher, opinar, criticar e dizer o quepensa e sente. E o projeto pedagógico oferece ocaminho mais curto para o saber, como destacaDewey, quando diz: “Todo conhecimento verda-deiro deriva de uma necessidade. A humanida-de desenvolveu-se tratando de obter conheci-mentos que satisfizessem às suas necessidades”.

227

PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 1919191919

LEITURA NA ALFABETIZAÇÃOJacinta de Fátima Camargo Barbieri e Luciana de Almeida Santos

Eliane Mingues

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ResumoO objetivo deste relato é apresentar o traba-

lho que vem sendo desenvolvido pelas professo-

ras da Educação Infantil e Ensino Fundamental de

1ª a 4ª séries, na rede municipal de ensino de

Itapetininga–SP, com o uso das práticas de leitura

na alfabetização.

Essas práticas de leitura são desenvolvidas em

atividades permanentes, asseguradas por um

organograma curricular semanal, com as seguin-

tes estratégias: “Roda da biblioteca”; “Reconto” (lei-

tura de conto infantil, de livre escolha do aluno, que

expõe à classe a sua compreensão do texto lido e

estudado em casa); “Momento da poesia”, que tem

por objetivo o prazer e o gosto pela poesia; “MPB”

– audição e leitura de repertório de compositores

brasileiros; “Hora da curiosidade”, que consiste na

leitura de textos científicos trazidos pelo professor

e pelos alunos; “Caderno de textos”, inicialmente,

com textos de memória, ao qual, no decorrer do

ano letivo, vão sendo agregados textos literários, ou

não, lidos com a ajuda do professor, que desper-

tam na criança o gosto pela leitura.

Além dessas, outras práticas vêm sendo desen-

volvidas pelos professores, contando, primeira-

mente, com a participação dos pais. Exemplo dis-

so é a “Leitura comunitária”: a criança leva o livro e

um caderno, no qual os pais relatam como foi o

momento de leitura feita para o filho. Depois, há a

participação da comunidade (radialistas, parentes,

professores, coordenadores, escritores regionais

etc.), que são convidados para a “Roda da leitura”.

Com o objetivo de despertar o gosto pela lei-

tura, o professor lê para seus alunos notícias e re-

portagens em evidência ou de interesse da classe,

de jornais e revistas, podendo ser, posteriormente,

comentadas pelo grupo. Esses suportes são colo-

cados no acervo da biblioteca da classe e lidos na

“Roda da biblioteca”.

Leitura, a alma da alfabetização:práticas de leitura nas escolas domunicípio de Itapetininga/SP

Jacinta de Fátima Camargo Barbieri e Luciana de Almeida Santos

SME – Itapetininga/SP

O objetivo deste relato é apresentar o trabalhoque vem sendo desenvolvido pelos professores daEducação Infantil, Ensino Fundamental de 1ª a 4ªsérie e da Educação de Jovens e Adultos, com ouso das práticas de leitura na alfabetização.

Não há a intenção de ensinar nada, apenasde confirmar que é possível ensinar a ler e alfa-betizar segundo alguns teóricos, que é possívelrealizar ações que pareciam utópicas.

Essas práticas de leitura são desenvolvidasem atividades permanentes, asseguradas por umorganograma curricular semanal, com as seguin-tes estratégias: “Roda da biblioteca”; “Reconto”;“Momento da poesia”; “MPB”; “Leitura de cader-no de textos”; “Leitura de jornais e/ou revistas”;“Curiosidades” e “Roda da leitura”.

Reunir-se para ouvir alguém ler nas escolasda rede municipal tornou-se uma prática co-mum e prazerosa. Como exemplo, a Escola Mu-nicipal de Educação Infantil (EMEIF) Professo-ra Nazira Iared, que vem conquistando a comu-nidade, tornando-a participativa e comprome-tida com o processo ensino-aprendizagem.

Toda a semana, na sala de aula da profes-sora Ana Maria, há a presença de pessoas quepertencem a diferentes segmentos da socieda-de, como jornalistas, radialistas, professores,escritores, pais, coordenadores, que são con-vidados para compartilhar um texto com ascrianças.

A grande conquista é a participação dospais. Eles vão à escola, escolhem livros, “estu-dam” e, no dia marcado com a classe, pedemdispensa do trabalho e fazem a leitura. Lêem àsua maneira. Muitos se emocionam junto comas crianças. O grupo, atento, ouve cada pala-vra. Após a leitura, alguns pais contam suas im-pressões espontaneamente e buscam ouvir oque as crianças acharam da história. A profes-

229

Leitura na alfabetizaçãoPAINEL 19

sora, nesse momento, também é uma ouvinteatenta e compartilha, juntamente com as crian-ças, a “Hora da história”.

Os alunos vivenciam leituras, testemu-nhando o leitor como autor, ouvem as palavrascom sons e gestos diferentes dos da professo-ra e de seus amigos.

O objetivo da professora Ana Maria, comseus alunos de 3a série, além de despertar o gos-to pela leitura, de promover a escuta atenta,ouvir diferentes pessoas da comunidade conhe-cidas ou desconhecidas das crianças, para queelas aprendam os diferentes modos de ler, tam-bém motiva as crianças com idade avançada aprosseguir em seus estudos para aprender a lere escrever de maneira diferente das que já fo-ram por elas vivenciadas.

Como justificativa, a professora diz que hádiferentes maneiras de ouvir ou ler um texto, ea escolha do livro a ser lido não é feita ao acaso:é socialmente aceitável, tanto para o leitor,como para o público. A compreensão da fun-ção social da escrita só pode ocorrer se a crian-ça tem múltiplas oportunidades de interagircom diversos tipos de suportes de textos, pro-duzidos em diferentes situações discursivas.

A partir do conceito formado, a professorade 2ª série, Fabíola, da EMEIF do bairro daVarginha, zona rural, investiu para conquistarsua turma, no intuito de alfabetizá-la. Apostouna leitura. Levou para sua sala revistas, jornais,livros. Entre os livros apresentados, o que maischamou a atenção das crianças foi Matilda, deRoad Dahl. A classe ouviu atentamente cadapalavra do livro. Empolgada com a turminhaque falava e escrevia sobre a história lida, a pro-fessora levou o filme de mesmo nome. As cri-anças puderam fazer um paralelo entre o textoescrito e o filme, relatando que nem tudo o queestava escrito passou no filme e vice-versa. De-ram opiniões a respeito do livro e do vídeo. Nomomento, o que mais marcou foi a fala de umaaluna: “Gostei muito do vídeo, mas gostei mes-mo foi de ouvir a professora lendo a história,porque, enquanto eu ouvia, parecia que eu es-tava dentro da história. Eu ‘senti’ a história”.

As crianças puderam falar e expressar-se livre-mente, escrever sobre o livro e o filme, porque a pro-fessora não ficou apenas cumprindo uma função

burocrática. Ela propôs um momento prazeroso esignificativo, em que seus alunos tiveram a oportu-nidade de testar as suas hipóteses, de começar aentender que a ação de ler e escrever segue ummesmo caminho, possibilitando-lhes, por um mo-mento, verem-se como escritores e leitores.

Sabe-se hoje que só é possível aprender aler, lendo, e a escrever, escrevendo. Portanto, alinguagem concebida como atividade e meio deinteração deverá ser considerada em uso emsituações concretas e significativas. E como elase manifesta sob a forma de textos (orais e es-critos), eles serão tomados como unidades doensino de língua, destacadas suas funções,especificidades, seus modos de construção, osportadores (ou suportes) em que aparecem etc.

Como uma criança aprende a ler? Ou é pos-sível ler sem saber ler? Muitos são os que fazemtais perguntas. Ainda há muita dúvida em rela-ção à segunda questão.

O trabalho que a professora Vera, da EMEIFValter Aliberti Júnior, faz com sua turma de Pré,não responde objetivamente às dúvidas, porém,faz a professora refletir sobre a sua prática, le-vando-a a acreditar, sim, e a provar que é pos-sível ler mesmo sem saber, trabalhando comfolheto de propaganda, por exemplo, de prefe-rência um que não seja do conhecimento dacriança, mas pertença ao seu mundo. A classe,usando das estratégias de leitura, além da boaintervenção da professora, vai identificando oconteúdo do suporte de texto. Os alunos vãoreconhecendo o valor dos números dentro docontexto social (telefone, endereço, peso, me-didas etc.); identificam as letras dos nomes e,aos poucos, os pequenos conseguem fazer aqui-lo que parecia impossível: a leitura.

O que há por trás da ação da professora é ofato de ela acreditar que é possível, sim, lermesmo sem saber e, que, avaliando, observan-do, com conhecimento é possível saber como acriança aprende a ler.

Conceber um ato de leitura em que são dadasas oportunidades de acionar as estratégias de lei-tura determina um acionar pedagógico particu-lar, que, por certo, não vai consistir em “ensinaras letras” e os sons correspondentes, mas, sim, emoferecer às crianças situações que estimulem aantecipar, inferir, decodificar e avaliar.

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Utilizando o folheto de propaganda, a pro-fessora deu oportunidade às crianças para quecoordenassem a informação da imagem com ascaracterísticas do texto, a fim de anteciparem oque estava escrito no papel. Elegeram letrascomo índice para antecipar o conteúdo do tex-to, questionaram-se e corrigiram dados que nãoconferiam com suas antecipações; coordena-ram os dados gráficos – letras e sua configura-ção – com outros elementos (gráficos ou não),de modo a obterem significados.

Sabemos que o modelo cumpre um papelfundamental no processo de aprendizagem egarante muitas possibilidades de ampliar o uni-verso cultural e de entrar em contato com omaior número de informações, tanto na lingua-gem oral, como na linguagem escrita.

Portanto, é muito importante que os profes-sores criem momentos e planejem situações emque a interação com a escrita, em processos deleitura e produção, possibilite a construção pelacriança da escrita, da linguagem escrita e desuas propriedades, o que significa garantir queas relações entre o conhecimento que a criançatem sobre a escrita (hipóteses) e a escrita comoela é sejam relevantes, e não arbitrárias.

É importante também saber que ler e escre-ver como atividade de linguagem são faces deum mesmo trabalho, ainda que sejam proces-sos diferentes.

Foi de fundamental importância para o nos-so trabalho de coordenação o envolvimento comos programas do MEC, PCN em Ação e PROFA,com a finalidade de apresentar alternativas deestudo, promovendo o debate e a reflexão sobreo papel da escola e o do professor na perspecti-va de uma prática de transformação da ação pe-dagógica, pois foi possível complementar o pro-cesso de formação que a Rede Municipal de Edu-cação de Itapetininga vem desenvolvendo, hámuito tempo, com os professores da EducaçãoInfantil e, hoje, se estende ao Ensino Fundamen-tal e à Educação de Jovens e Adultos.

Muitos professores já adotaram em sua prá-tica pedagógica o uso de textos para alfabetizare incorporaram a prática de leitura, tornando-se leitores. Entre tantas, além das já menciona-das, citamos aqui aquelas que contribuíram deuma forma ou de outra com nosso relato: Leni,Bete, Silvana, Giseli, Tereza e Vanessa, da EMEIFProfª Nazira Iared; Lucilene e Ana Joaquina, daEMEF do bairro do São Roque; Tereza, da EJA.

O que significa mesmo ser um sujeito alfa-betizado, nos dias de hoje?

Será que o trabalho de alfabetização, comjovens e adultos, pode ter como pano de fundoa variedade de textos que circulam socialmen-te para que estes pensem sobre a leitura e a es-crita? Como? De onde retirar essa diversidade?O que propor que façam com tais textos? Comonão transformá-los em cartilha, repetindo comesses escritos aqueles mesmos exercícios me-

Mostrando a língua – possibilidadesde trabalho com a escrita e a leituracom jovens e adultos

Eliane Mingues

PCN em Ação/MEC

cânicos e sem sentido, que pressupõem que osujeito nada sabe sobre esse objeto com o qualele interage, cotidianamente, por meio dos es-critos espalhados pelo mundo e tão na frentede seus olhos e ao alcance de suas mãos?

Mas o que podemos afirmar e pensar queesses indivíduos não sabem? Não sabem jun-tar as letras? Desenhá-las? Não sabem comoelas se chamam?

E se pensarmos no contrário, ou seja, na expe-

231

Leitura na alfabetizaçãoPAINEL 19

riência que eles têm com a escrita que está nomundo? O que podemos afirmar e pensar que sa-bem? Será que sabem o que é um jornal e o queencontrar nele? Será que sabem, só de olhar, se umescrito pode ser uma receita ou uma carta? Seráque conseguem ler nos grandes painéis, espalha-dos pela cidade onde vivem, o nome dos produtosque consomem? E o nome dos bancos onde po-dem ter conta, será que sabem identificar os dife-rentes estabelecimentos que existem lendo seusnomes, e entrar e resolver seus problemas na agên-cia certa? E as contas de consumo que costumamreceber em suas casas? O que será que podem re-tirar de informações dessas contas? Será que iden-tificam a escrita de seus nomes? São capazes depegar o ônibus certo para determinado lugar ondeprecisam ir? E comprar um disco do cantor quegostam? Será que podem fazê-lo sem errar, ou tro-cam todas as bolas, ou seja, todos os nomes?

Essas e outras questões costumam aparecercom freqüência, quando o assunto tratado diz res-peito ao como é possível alfabetizar com textos.

Pensar no conceito, ou seja, o que se enten-de por alfabetização, é determinante nesse con-texto. Se entendermos que, para aprender, o su-jeito deve pensar e ter bons problemas para re-solver, deve poder ter acesso a informações e aum bom modelo da língua que se lê e que se es-creve, e que o objeto a ser conhecido deve man-ter suas características de objeto social de conhe-cimento, faz todo sentido organizar situações etrazer para dentro da sala de aula os textos deverdade, aqueles retirados do cotidiano e quecostumamos usar para obter informações, co-municar, nos divertir, fazer pensar.

São os textos extraídos dos jornais, das le-gendas de fotos, os poemas, os textos informa-tivos, as piadas, as receitas, as regras de jogos,enfim, aqueles com os quais, mesmo sem sa-ber ler e escrever, os estudantes jovens e adul-tos têm contato, acesso e conhecimento prévio.

Se, por outro lado, o que ainda se acredita éque o sujeito nada sabe e precisa começar dozero, aprendendo primeiro o desenho de letras,o som que elas possuem e seus nomes, aí ficainviável pensar em situações de verdade, ou seja,situações em que os textos apareçam inteiros,carregados de significado, e com os quais já seconstruiu uma boa experiência durante a vida.

Por onde começar,ou possíveis conteúdos

A partir dessa concepção, algumas sugestões deconteúdos para esse trabalho são:

• Leitura diária, pelo professor e pelos alunos,dos textos de circulação social para aprecia-ção e diversão, para a busca de novas infor-mações, para aprender mais sobre um assun-to, para revisar os textos, para observar comoum autor resolve suas questões em relação àescrita etc.

• Escrita diária, do professor e dos alunos, dostextos de circulação social para saber escre-ver considerando a função e a estrutura dosdiferentes tipos de textos, para saber utili-zar a escrita como recurso no desempenhode suas funções, para aprender a resolverquestões impostas no ato da escrita (orto-grafia, pontuação, gramática etc.), para de-senvolver o papel de revisor, por meio doestudo de bons modelos de textos, da escri-ta em duplas, individual ou em grupos, darevisão coletiva, individual ou com o apoioda professora.

• Participação em eventos de oralidade paraaprender a ouvir e aprender a participar, ex-pressando opiniões de forma crítica.

Como avaliar nesse contexto?A avaliação, nesse processo de ensino e

de aprendizagem, torna-se constante a par-tir das produções dos alunos; da observaçãoem relação à participação, ao interesse e aodesempenho na realização das atividades; dapostura como membro de grupo, consideran-do-se sempre os avanços individuais e dogrupo.

Os instrumentos mais utilizados são: astabulações das aprendizagens ocorridas nasseqüências de atividades, feitas por meio de umquadro em que se pontua o que é mais signifi-cativo na produção de cada aluno; provas quesistematizam conteúdos aprendidos; bilhetesindividuais que apontam problemas a seremresolvidos ou salientam as boas soluções encon-tradas; observação e registro do desempenhodos alunos.

232

Traduzindo em miúdos…A partir de tudo que já foi dito, como, en-

tão, o trabalho pode ganhar forma, contorno,vida? É no dia-a-dia, encontro após encontro,nas atividades, discussões, leituras e produçõesque os alunos vão tendo problemas a resolver.

Pode-se estruturar uma rotina que compre-enda, em Língua Portuguesa:

• Atividade permanente: leitura compartilhadada obra de um autor consagrado, feita peloprofessor.

• Leitura individual: diversidade textual.

• Escrita individual ou em pequenos grupos:diversidade textual.

• Análise e reflexão sobre a língua: revisão textual.

Exemplo de trabalho com a leituraEm que situações, além daquelas vivenciadas

por leitores particulares, pode-se ouvir em vozalta e acompanhar o texto, numa situação de lei-tura compartilhada dos livros O conto da ilhadesconhecida, de José Saramago, prêmio Nobelde literatura; Alexandre e outros heróis, deGraciliano Ramos, conhecido autor regionalista;Morte e vida severina, do consagrado João Cabralde Melo Neto; As janelas do Paratii, escrito porAmyr Klink; O Xangô de Baker Street, de Jô Soa-res, entre outras histórias?

Com muita sorte, isso pode ocorrer em al-gum momento da escolaridade, quando, cons-cientes do papel da leitura de autores consagra-dos, professores, bibliotecários ou outros com-partilham com os alunos suas experiências lei-toras, fazendo “rodas” ou seções de leitura emvoz alta. Com jovens e adultos que retomaramseus estudos, essa oportunidade poderá serúnica; portanto, os responsáveis por esse tra-balho não deveriam deixar de fora a literatura.Aquela que o professor aprecia, gosta e que senão for pela voz dele, o professor, esses alunosjamais terão a oportunidade de conhecer, gos-tar e mergulhar no mundo das letras.

Dispor de bons livros na sala de aula, teracesso a eles e poder conhecer alguns clássicosé sem dúvida uma situação privilegiada de tran-sitar pelo mundo dos livros e aprender com eles.Os textos citados acima são apenas algumas

possibilidades de concretizar esse trabalho. Es-sas leituras, realizadas pelo professor, se diáriase de boa qualidade, podem comunicar aos alu-nos comportamentos leitores muito importan-tes, além de servir como matéria-prima paraproduções futuras. Um aluno que tem um mo-delo pobre de língua que se escreve, normal-mente tende a apresentar uma produção pobrecomo resultado do que vivenciou. Já um alunoque tem contato com o que há de melhor nomundo da escrita poderá, quando solicitado,produzir textos de melhor qualidade.

Sobre a escrita, que sugestões deatividades podem ser propostas?

A elaboração de murais para o refeitório daescola, seus corredores, sua porta de entrada, ou,ainda, de um mural ambulante, que coloca à dis-posição das outras pessoas que freqüentam a es-cola parte do que estão aprendendo, pesquisando,descobrindo, podem propiciar ótimas situaçõesde produção de escrita e de uso desta.

Organizar um caderno de receitas ou umacoletânea dos poemas mais apreciados pela tur-ma, elaborar um baralho com dicas culturais dacidade, um livro de “o que é, o que é” ou de pia-das, montar um jornal ou um álbum de família,entre outros, podem ser situações de uso daescrita bastante interessantes.

Os jogos, como as cruzadinhas, a forca, o caça-palavras, podem ser situações interessantes deaprendizagem para se pensar nas letras, em seussons e nas suas posições nas palavras, e não dei-xam de ser situações de verdade do uso da língua.

Mas como propor tudo isso, se esses jovensadultos não ainda não lêem e não escrevem? Opapel do professor, como aquele que vai aju-dando, colocando problemas, dando forma aoque os alunos pensam, é fundamental. Ele seráuma peça básica, pois dele dependerá, em mui-tas ocasiões, a escrita do que os alunos podemproduzir oralmente, a leitura que eles sozinhosainda não podem fazer, enfim, a organização detudo que for proposto.

O que não se pode perder de vista é que ocardápio que se vai oferecer não muda nunca,ou seja, vamos continuar a propor que os estu-dantes leiam, escrevam, copiem, façam ditado,

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Leitura na alfabetizaçãoPAINEL 19

interpretem o que estão lendo. O que vai mudaré a qualidade do que será proposto, ou seja, tex-tos bem escritos e de verdade, a interferênciaconstante do professor durante todo o proces-

so e a consciência de que se aprende a ler len-do, e a escrever escrevendo, tendo como panode fundo bons problemas para se resolver e boasquestões para pensar.

Anexos

Exemplos de produções escritas de umgrupo de jovens adultos estudantes

A produção de autobiografias inspiradas notexto “Auto-retrato” de Graciliano Ramos, rea-lizada pelo grupo, possibilitou uma brincadei-ra divertida com a língua escrita: a leitura dostextos para que se adivinhasse quem eram seusautores. Os alunos leram o texto original doautor várias vezes e puderam consultá-lo nahora da produção.

Os alunos que ainda não escreviam conven-cionalmente produziram uma primeira versãoditando o texto para a professora. Outros produ-ziram o texto oralmente e depois, com a ajuda deum gravador, o professor foi dando forma escritaa ele. Os que já escreviam produziram autono-mamente seu próprio texto. Uma outra propostafoi a de que aqueles que já escreviam irem ano-tando o que ditavam os que não escreviam. De-pois dessa etapa, os textos foram lidos em voz altapela professora, para que todos os alunos comen-tassem o seu conteúdo. Todos passaram a limpoo texto revisado, que só posteriormente ganhoua formatação digitada que foi para um livretointitulado Adivinhe quem é quem…

A seguir, trechos do livreto.

Se você acha que conhece todos os que es-tão nesta turma, teste seu conhecimento. Abai-

xo de cada auto-retrato, existe um espaço paraser preenchido com o nome do personagemautobiografado.

Se tiver dúvidas e não conseguir resolver oenigma, vá até o final da sessão e recorte os no-mes que estão na ordem correta de apresentação

dos textos no livro e cole-os no lugar indicado.Boa sorte, e aproveite para conhecer mais

detalhadamente quem se apresenta, então, a

seguir…

Auto-retrato aos 38 anos(texto produzido em parceria)

Nasceu em 1960, em Lagedão, BahiaCasado duas vezes, tem quatro filhosAltura: 1,68Sapato nº 40Pesa 58 quilosGosta de andarGosta de vizinhos, sendo cada um na sua casaGosta muito de rádio e televisãoDetesta quem fala altoUsa óculosGosta de comida mineiraAdora frutasGosta muito de música sertanejaAma muito seus filhosÉ católico não-praticantePrimeiro livro que leu: “O Xangô”, de Jô SoaresFuma cigarros “Free”Gosta muito de praia e de marGosta de pescarTem uma gastrite nervosa que o incomoda muitoEspera morrer quando Deus quiser.

Autor:

Auto-retrato aos 33, quase 34 anos(texto produzido autonomamente)

Nasceu em 1965, em São Carlos do Ivaí, ParanáCasado uma única vez, tem dois filhosAltura: 1,80Sapato nº 40Colarinho não sabeGosta da cor azulGosta de andarGosta de vizinhos a distânciaTem horror às pessoas que falam altoNão usa óculos, não é calvo, mas tem os cabe-

los bem grisalhosNão tem preferência por nenhum tipo de co-

midaGosta de frutas ácidasAdora saladas verdes

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Só come coisas doces em raras exceções

Gosta de todo tipo de música, principalmente

as sertanejas antigas

Gosta de ler e os livros que mais gostou foram

“O Pássaro Pintado”, mas não se lembra do

autor, e “Ilusões”, de Richard Bach

Romancistas brasileiros que mais lhe agradam:

Jorge Amado, Jorge Amado e Jorge Amado

Detesta palavrões escritos e falados

Deseja a morte da violência, da corrupção e

do ódio

Escreve poucas coisas à noite bebendo e ou-

vindo música mas somente quando se sente

sufocado

Fuma cigarros “Derby” ou de qualquer outra

marca

Já foi office-boy, militar do E.B., guarda de car-

ro-forte, ajudante de tecelão, porteiro e, atual-

mente, supervisor de produção

Apesar de o acharem pessimista, prefere dizer

que é realista

Está sempre na defensiva e é extremamente

desconfiado

Detesta se sentir enganado ou ver os outros se-

rem enganados

É altruísta, idealista e sonhador

Gosta de roupas sociais, mas ainda não tem ne-

nhuma

Lê e relê o que sempre escreve, buscando uma

perfeição que nunca consegue

Nunca esteve preso

Gosta de polícia na maior distância possível

Seus maiores amigos: Pai, Mãe, Irmãs, Irmãos,

Tios e Primos

Tem muitas dívidas, a maioria de gratidão

Não espera morrer, pois só pensa na vida

Seu maior prazer é pescar com seu maiores ami-

gos

Gosta de cutucar a onça com vara curta, para

se fortalecer

Gosta de falar através de frases feitas

Gosta de falar, mas conserva o medo de não

ser bem compreendido

Sabe o que quer e vem abrindo portas a vida

inteira à procura das portas certas

Encerra observando a esposa, porque na sua

mente já entra o forte do seu ser, que é o de

buscar respostas para tudo.

Autor:

Auto-retrato aos 41 anos(texto ditado para a professora)

Nasceu em 1957, em Indaiatuba, São PauloCasado, tem duas filhas lindasAltura: 1,74Peso: 79 quilosSapato nº 39Gosta de carroGosta do trabalho que executaGosta da famíliaNão gosta de muito barulho nas horas de lazerGostava muito de seu pai, falecido há pouco tempoGosta de música, desde que seja em volume

baixoGosta de futebol, mas só assiste quando é de-

cisão de final de campeonatoGosta de viver todos os momentos, pois acha

que a vida é curta.

Autor:

Outro importante trabalho com a leitura e aescrita consistiu em aprender a selecionar infor-mações relevantes de um texto, que se traduziue materializou em textos informativos em formade “você sabia”. Aqui, os alunos tiveram acesso amuitos textos sobre animais; cada um escolheuum bicho para saber mais e, a partir dos escri-tos, selecionaram as informações que acharammais importantes. Assim como no exemplo aci-ma, a produção foi marcada por uma variedadede procedimentos escritores, de acordo com acompetência de cada um (produção autônoma,produção ditada para a professora ou parceiromais experiente, gravada e posteriormente trans-crita, ou, ainda, cópia de trechos do texto origi-nal – todas seguidas de revisão).

Seguem amostras de algumas produções:

ExposiçãoAnimal

Você sabia que o tatu peba é um dos poucos ani-mais que continuam sendo caçados apesar da legis-lação que proíbe a matança dos animais silvestres?

Geciel Viera Cassiano

Você sabia que o gambá foi o primeiro bichoamericano conhecido na Europa?

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Leitura na alfabetizaçãoPAINEL 19

O navegante Vicente Pinzón levou uma fê-mea no navio, e ficou encantado com a bolsa queela tinha na barriga, onde apareciam as cabeçasdos gambazinhos curiosos.

Você sabia que o gambá mede 47 cm, mais37 cm de rabo?

Judivan

Você sabia que, pelo tamanho, o leão parti-lha com o tigre o primeiro lugar entre os grandesfelinos?

Um macho adulto pode medir até três metrosde comprimento do focinho à ponta do rabo, epesar mais de 230 quilos?

Cícero Fernandes

Você sabia que o veado mateiro é castanho?Vive na América do Sul?Pesa até 25 quilos?Mede 90 cm de altura?Come folha e capim?Tem uma gestação de 217 dias?O veado é castanho tendendo para cor fer-

rugem, mas quando filhote é todo pintadinho.Essas manchinhas brancas sobre o pêlo mar-rom ajudam o veadinho a se camuflar no meioda mata.

Você sabia que o veado mateiro perde o chi-fre a cada ano e cada vez que o chifre nasce eleé maior?

Nadi

Exemplo do trabalho com poemasque resultou num livro

Apresentação do trabalho feita pelaprofessora

É com muito orgulho que apresento o pro-duto final de escrita do nosso trabalho de Lín-gua Portuguesa.

Em síntese, ele é parte da história deste gru-po que, durante um ano, leu muitos poemas,devorou crônicas, apreciou romances e, portan-to, pôde se dedicar com afinco à tarefa, mais doque árdua, de produzir textos escritos.

Espero, realmente, que apreciem os poemasinventados!!!

Só tenho elogios a fazer a quem, com de-

dicação, freqüentou as aulas e pôde descobrirou redescobrir os prazeres de conhecer…

Foi um ano em que pudemos, além de es-crever, visitar outros mundos por intermédio daleitura, e tenho certeza que muitos adoraram eaproveitaram muito a viagem.

A companhia de Graciliano Ramos, JoãoCabral de Melo Neto, Carlos Drummond deAndrade, Luís Fernando Veríssimo, Jorge Ama-do, Jô Soares e tantos outros nos foi muitooportuna!

No entanto, esse tempo de trabalho foi sóo começo, e é preciso seguir avançando. E issosignifica continuar lendo, se preocupandocom a escrita correta das palavras, com a pon-tuação, com a apresentação final dos textos,observando, enfim, como escrevem nossosmestres para que se possa aprender aindamais com eles.

Agora, é hora de colher os frutos das con-quistas e uma delas é poder apreciar este livro.Espero que gostem do resultado, que sem dú-vida representa muito de tudo que foi concre-tizado.

Parabéns, alunos!

Poemas para apreciar…

Os poemas que vocês lerão a seguir foramfeitos a partir da leitura e análise deste lindopoema de Carlos Drummond de Andrade.

Cidadezinha qualquer

Carlos Drummond de Andrade

Casas entre bananeiras,Mulheres entre laranjeiras,Pomar, amor, cantar.

Um homem vai devagar.Um cachorro vai devagar.Um burro vai devagar.

Devagar… as janelas olham…– Êta vida besta, meu Deus!

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Exemplos dos poemas dos alunos:

GenteCléo

Gente sem trabalharGente sem estudarEstudar, trabalhar, avançar

Homem precisa trabalhar,Pois, sem trabalho, não temComo de sua família cuidar

Criança precisa estudarPois, sem estudo,Não tem como trabalhar

– Êta vida sofrida sem estudar!!!

Aves no meio das árvoresValdemir

Aves no meio das árvoresQue passam o tempo a cantarE que não precisam pensar

Um carro vai devagarLevando gente para passearSem beber e sem fumarE sempre a cantar

Devagar as pessoas olham e dizem:– Êta vida corrida, cansada e sofrida,Meu Deus!!!

Claro que as aprendizagens desses jovensadultos ou adultos jovens não se encerram aqui.Por trás da língua que lhes foi mostrada, elespuderam ampliar, e muito, seu conhecimentode mundo. Mudaram atitudes, aprenderam pro-cedimentos, mas, sobretudo, foram contamina-dos pelo gostar de ler e puderam navegar emmares de palavras nunca dantes navegados ou,melhor dizendo, nunca dantes enfrentados…

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PPPPP A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L A I N E L 2020202020

A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMASALTO PARA O FUTURONA FORMAÇÃO CONTINUADADE PROFESSORES

Rosa Helena Mendonça

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Interatividade é uma palavra que está emvoga. Há muitos sentidos para esse termo. Aqui,vamos nos apropriar da seguinte noção, expres-sa por Bartolomé Pina: “[...] se entende porinteratividade o fato de que ambos os extremosdo canal de comunicação participam, emitin-do mensagens que são recebidas e interpreta-das pelo outro extremo e que, de alguma ma-neira, influem no modo como o diálogo conti-nua a se desenvolver” (Bartolomé Pina, 1998).

É a partir dessa citação que queremos falardo programa Salto para o Futuro, da TV Esco-la. O Salto para o Futuro é mais do que um pro-grama de televisão: é um programa de forma-ção continuada a distância, que utiliza diferen-tes mídias, como material impresso, tevê,Internet, além de fax, telefone e correio eletrô-nico. A idéia é estabelecer um diálogo, que co-meça antes do programa de tevê e que consti-tui o debate, prolongando-se após a suaveiculação em cada telessala, em cada escola,em cada sala de aula.

Quais são os limites e as possibilidades deum programa de tevê educativo, que pretendeter como marca a interatividade, estabelecen-do um diálogo entre professores de todo o país?O que podemos destacar de um projeto de for-mação continuada de professores que se cons-titui como um processo dialógico? Como essaparticipação tem interferido na concepção dosprogramas? E de que forma a discussão queacontece ao longo dos programas se reflete naprática dos professores?

A experiência do programaSalto para o Futurona formação continuadade professores

Rosa Helena Mendonça*

Seed/MEC

Essa prática, não faz muito tempo, era pau-tada na transmissão de conteúdos, previamen-te definidos pelos sistemas de educação. Mui-tos professores foram assim “reprodutores” deum saber cristalizado, respaldado nos rígidosrituais da escola.

No entanto, sempre houve quem se insur-gisse contra essa ordem, quer do ponto de vis-ta da reflexão teórica, quer da prática. Freinet,Makarenko, Paulo Freire, para citar alguns no-mes, e muitos, anonimamente, nas suas es-colas e salas de aula, ousaram e ousam bus-car alternativas para uma aprendizagem ver-dadeira.

E a escola não é só um espaço de aprendi-zagem para o aluno. É o locus privilegiado paraa formação do professor.

O que hoje parece consenso no campo te-órico da educação, apontando para a constru-ção e para a autonomia, tanto do projeto es-colar, quanto de professores e alunos nos seusprocessos de aprendizagem, é fruto dessa his-tória longa, complexa e certamente mutável,que os professores, esses eternos aprendizes,vêm registrando com seus erros e acertos.

Há aprendizagens que se vêm mostrandoessenciais, na contemporaneidade, para oexercício permanente e crítico do Magistério:aprender a aprender e criar condições para queos alunos aprendam, ou seja, uma formaçãocontinuada que tem na escola e no trabalho emequipe as condições essenciais para o seu de-senvolvimento.

* Mestre em Educação pela PUC-Rio; professora das disciplinas Estratégias de Educação Continuada e Novas Tecnologias e Educação naFaculdade de Pedagogia da Unesa e Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro – TV Escola – Seed/MEC.

238

Salto para o Futuro na formação continuadaPAINEL 20

Orientar os alunos no sentido do cresci-mento e, portanto, do conhecimento é um de-safio que exige do professor competências es-pecíficas, que são desenvolvidas, sobretudo,no processo de formação continuada, a qualse dá ao longo do exercício profissional, em di-ferentes espaços. Na própria escola, nas tro-cas que nela acontecem, por meio de progra-mas específicos, na interação com a comuni-dade, no estabelecimento de parcerias e pormeio de projetos e programas voltados para aformação do professor.

O Salto para o Futuro, sendo ao vivo e comrecepção organizada, permite também umainterlocução com os outros programas do ca-nal e com outros projetos, tanto do próprioMEC quanto de outras instituições voltadaspara a educação.

Esse é um processo em permanente cons-trução. O Salto pretende ser uma contribuiçãonesse processo. Nas telessalas, em diferentesestados, são múltiplas as trocas que se estabe-lecem a cada dia e prolongam-se em outros es-paços de atuação do professor: a comunidade,a escola, a sala de aula…

Dessa forma, o Salto para o Futuro, ao lon-go de cada um desses dez anos, vem estabele-cendo esse diálogo com os professores de todopaís, buscando caminhos para discutir a edu-cação no Brasil. E esse diálogo com os profes-sores tem as mais diversas motivações.

O que deixam entrever as falas dos profes-sores? Questões de ordem meramente meto-dológica? Ou suas histórias profissionais, osconhecimentos de vida, as angústias e as ale-grias? O que os tem motivado na sua partici-pação ao longo de uma década? O que os pro-fessores esperam desse programa? O que suasdúvidas, suas inquietações, suas hesitações eseu desejo de obter respostas deixam perceber?O que os leva a participar de um projeto de for-mação continuada, por opção?

Podemos pensar em uma comunidade deprofessores, que trocam informações, experi-ências? Há também o desejo de ter voz e vez,por meio de questões que muitas vezes denun-ciam situações de trabalho que precisam sermelhoradas, como a falta de tempo para o es-tudo, a questão salarial, o número muitas ve-zes excessivo de alunos por turma. Há umaexpectativa permanente por respostas pontu-ais, que envolvem o cotidiano do professor.Existe, também, um freqüente entusiasmo defalar de experiências exitosas. Como pano defundo, percebe-se uma vontade de exercer odireito à formação profissional continuada,buscando uma sintonia com as tendênciasatuais da educação. Em busca de um entendi-mento desse processo, procurando conhecermelhor quem é o professor e como acontece otrabalho nas escolas, continuamos, a cada ano,a partir das avaliações e da análise dos progra-mas, a renovar esse diálogo. Investimos naconstituição de uma rede que vai sendo tecida,explicitando diferentes concepções de escola.As trocas, tão ricas quanto imprevisíveis, sãoos fios que tecem os discursos e deixam entre-ver as práticas.

BibliografiaBRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação

Fundamental. Referenciais para a formação de profes-

sores. Brasília, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz

e Terra, 1997.

MORAN, José Manuel et al. Novas tecnologias e media-

ção pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2000.

NÓVOA, António. Os professores e sua formação. Lisboa:

Dom Quixote, 1995.

PINA, Bartolomé. Sistemas multimídia. In: SACHO, Juana

M. (Org.). Para uma tecnologia educacional. Porto Ale-

gre: Artmed, 1998.

SANCHO, Juana M. Para uma tecnologia educacional. Por-

to Alegre: Artmed, 1998.

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