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1 Título: Corpo, Folclore e Identidade. Relações de poder na Lunda colonial, Angola, 1944-1975. Autora: Cristina Sá Valentim 1 [email protected] Painel: n.40 Cuerpo, cultura y africanidad: identidades, transformaciones y resistências Resumo: Vendo o corpo enquanto mediador de excelência entre indivíduo e sociedade – uma prática discursiva que reflecte a estrutura social e age intencionalmente sobre ela –, nesta comunicação interessará reflectir no lugar que o corpo poderá ter ocupado no contexto colonial da Lunda, Angola. O caso empírico reporta-se à criação e manutenção das Festas Folclóricas animadas pelos Grupos Folclóricos privativos do Museu do Dundo sob a responsabilidade da Diamang, a Companhia de Diamantes de Angola, instalada na Lunda entre 1917 e 1975. Avançando os resultados de uma investigação em curso, sugere-se que o interesse colonial pelas expressões culturais nativas – música, dança, rituais, literatura oral e vestuário – integrou um processo de folclorização, originando não só um espaço de controlo rigoroso da diferença como também um espaço possibilitador de uma autonomia de acção por parte dos nativos. Palavras-chave: Corpo, Folclore, Identidade, Diamang. 0. Introdução 2 O processo dos colonialismos europeus, mais propriamente nas sociedades de colonização (settler colonialism), implicou mecanismos de resignificação entre espaços, tempos, corpos e conhecimentos alicerçados em relações de conquista, dominação e negociação. Neste sentido, 1 Doutoranda em Pós-Colonialismos e Cidadania Global no Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal. É licenciada e mestre em Antropologia e, actualmente, investigadora colaboradora no CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia. 2 A presente investigação resulta da pesquisa de arquivo no espólio da Diamang. Este espólio consiste em arquivos documentais, audiovisuais e fotográficos presentes na Universidade de Coimbra desde 1987. Parte desses materiais já se encontram disponíveis através do projecto Diamang Digital (www.diamangdigital.net), onde colaborei. Ao longo do texto estão indicadas siglas que correspondem aos seguintes materiais: RAMD, Relatório Anual do Museu do Dundo e RMMD, Relatório Mensal do Museu do Dundo.

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Título: Corpo, Folclore e Identidade. Relações de poder na Lunda colonial, Angola, 1944-1975.

Autora: Cristina Sá Valentim 1

[email protected]

Painel: n.40

Cuerpo, cultura y africanidad: identidades, transformaciones y resistências

Resumo:

Vendo o corpo enquanto mediador de excelência entre indivíduo e sociedade – uma prática

discursiva que reflecte a estrutura social e age intencionalmente sobre ela –, nesta

comunicação interessará reflectir no lugar que o corpo poderá ter ocupado no contexto

colonial da Lunda, Angola. O caso empírico reporta-se à criação e manutenção das Festas

Folclóricas animadas pelos Grupos Folclóricos privativos do Museu do Dundo sob a

responsabilidade da Diamang, a Companhia de Diamantes de Angola, instalada na Lunda entre

1917 e 1975. Avançando os resultados de uma investigação em curso, sugere-se que o

interesse colonial pelas expressões culturais nativas – música, dança, rituais, literatura oral e

vestuário – integrou um processo de folclorização, originando não só um espaço de controlo

rigoroso da diferença como também um espaço possibilitador de uma autonomia de acção por

parte dos nativos.

Palavras-chave: Corpo, Folclore, Identidade, Diamang.

0. Introdução2

O processo dos colonialismos europeus, mais propriamente nas sociedades de colonização

(settler colonialism), implicou mecanismos de resignificação entre espaços, tempos, corpos e

conhecimentos alicerçados em relações de conquista, dominação e negociação. Neste sentido,

1 Doutoranda em Pós-Colonialismos e Cidadania Global no Centro de Estudos Sociais, Faculdade de

Economia da Universidade de Coimbra, Portugal. É licenciada e mestre em Antropologia e, actualmente, investigadora colaboradora no CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia. 2 A presente investigação resulta da pesquisa de arquivo no espólio da Diamang. Este espólio consiste

em arquivos documentais, audiovisuais e fotográficos presentes na Universidade de Coimbra desde 1987. Parte desses materiais já se encontram disponíveis através do projecto Diamang Digital (www.diamangdigital.net), onde colaborei. Ao longo do texto estão indicadas siglas que correspondem aos seguintes materiais: RAMD, Relatório Anual do Museu do Dundo e RMMD, Relatório Mensal do Museu do Dundo.

2

a presença colonial significou a produção continuada de fronteiras vincadas entre um Centro e

uma Margem, ou seja, de diferença cultural.

A construção da diferença colonial, além de implicar a relação identitária entre o Eu e

o Outro, passou pela apropriação do corpo do Outro para, com e a partir dele, se naturalizar a

diferença como desigualdade e, assim, legitimar a dominação de uns sobre outros. A cor e a

forma do nosso corpo, assim como o que colocamos para o vestir foram, como ainda são,

materialidades que tornam visíveis experiências de exclusão social enraizadas na sociedade,

como tão bem expressou Frantz Fanon (2008 [1952]). Sendo o corpo um espaço de inscrição e

veículo de expressão de significados, diferenças, fronteiras, identidades e, no fundo, de cultura

e poder, a corporalidade e a performatividade foram instrumentos coloniais que tanto

serviram propósitos de dominação como de emancipação, estes últimos revistos por exemplo

no movimento da Negritude (Mudimbe, 1988). As lutas pelo poder passaram pelas políticas do

corpo, até porque, e como refere Foucault, “de facto, nada é mais material, físico e corporal do

que o exercício do poder” (1980: 57-58).

O corpo tornou-se numa figura central da crítica pós-colonial (ver Ashcroft, Griffiths e

Tiffin, 2003 [1995]) ao trazer para o debate a possibilidade em conceptualizar o colonialismo

enquanto uma dimensão complexa e por vezes contraditória alicerçada na experiência e na

subjectividade (Dirks, 1995 [1992]; Young, 1996 [1995]). Nesta perspectiva, o corpo é visto

como uma ferramenta de poder simbólico que, enquanto lugar onde o individual e o social se

entrelaçam, tanto reflecte e reproduz os discursos estruturantes da sociedade que incorpora

como também, ao experienciá-los, age sobre eles com um potencial transformador dos

mesmos, na forma de um habitus (Bourdieu, 2002 [2000])3. A sociedade e a cultura

constroem-se através do corpo, isto é, pela realidade experienciada pela prática (idem).

O corpo tanto é natureza como cultura, material e imaterial, singular e múltiplo,

tangível e intangível, concreto e metafórico e reside, talvez por significar identidade, no centro

dos conflitos políticos (cf. Turner, 1984: 8). Por outras palavras, se o corpo colonial é signo

visível da opressão e inferioridade, o mesmo corpo pode significar um contradiscurso ao tornar

a dominação em algo não hegemónico e a resistência numa possibilidade. É esta hipótese que

3 Para Bourdieu, o habitus é um sistema de disposições, modos de perceber, de sentir, de fazer, de

pensar, que resultam da apreensão empírica de comportamentos estruturados e regulares num contexto particular, e que permitem agir sem pensar, quase uma “segunda natureza” (idem: 200). No entanto, estas “disposições duradouras” dos indivíduos não são mecânicas mas antes plásticas, flexíveis e potenciadoras da mudança social na medida em que, ao resultarem da experiencia vivida, capacitam os sujeitos com respostas criativas perante novos condicionamentos, o que produz novas práticas (cf. idem: 167).

3

vai ser problematizada no contexto colonial português da Lunda, nordeste de Angola, um

território administrado pela Companhia de Diamantes de Angola, a Diamang, de 1917 a 1975.

1. Os usos coloniais das culturas nativas

No contexto colonial da Lunda, a demarcação do Outro como diferente conjugou a produção

de quadros legislativos com conteúdos culturais. Neste processo, o corpo do nativo assumiu

uma importante plataforma para a execução das políticas de dominação coloniais.

1.1. A Lunda da Diamang

A presença colonial no Nordeste de Angola – na Lunda – data do final do século XIX,

precisamente aquando das campanhas militares de ocupação de 1884-86 a cargo do

comandante Henrique Dias de Carvalho (RAMD, 1943; Neto, 2000). Este território era, desde

os finais do século XIX, maioritariamente Cokwe. A Diamang, instalada em 1917 e com um

contrato celebrado em 1921, passa a explorar as jazidas diamantíferas de toda a província da

Lunda (atuais Lunda Norte e Sul), como também a administrar as terras e as pessoas deste

território ultramarino. Dotada pelo Estado de poderes majestáticos, esta empresa detinha

privilégios comerciais e administrativos de forma a colmatar esforços difíceis de suportar por

uma metrópole financeira e politicamente débil (Alexandre, 2000).4 Mas é a partir de 1926 que

o colonialismo moderno português se instala definitivamente sob um contexto de ocupação

militar e de resistência, fruto de uma investida militar feita em parceria com o governo belga

(cf. Porto, 2009: 8).

Até à afirmação da República Popular de Angola a 11 de Novembro de 1975, a

Diamang estrutura-se administrativamente no Dundo, na Lunda, tendo sede social em Lisboa e

escritórios em Bruxelas, Londres e Nova Iorque. Visando garantir uma boa rentabilidade do

trabalho nas minas, torna-se necessário desenvolver uma acção de cariz assistencial, auto-

suficiente e orientada por uma preparação científica e cultural. A Companhia organiza-se em

4 Num contexto de forte instabilidade política, motivado pelo Ultimato britânico de 1890, pela queda da

Monarquia e implantação da República em 1910, pela Grande Guerra e pela pressão internacional oriunda da Sociedade das Nações, que exigia o desenvolvimento e modernização da economia dos territórios ultramarinos, a eficácia de uma política de revitalismo económico do Estado-nação passaria necessariamente por uma política colonial centralizada (Alexandre, 2000) e delegadora de poderes a empresas. Como exemplo das companhias majestáticas portuguesas, destaca-se em Moçambique a Companhia de Moçambique, em 1891, e a Companhia do Niassa, em 1893; em Angola, a Companhia dos Caminhos de Ferro de Benguela em 1902, e a Companhia de Diamantes de Angola, a Diamang, em 1917 (cf. Alexandre, 2000: 21). A Diamang, fundada a Outubro de 1917 com capitais portugueses, belgas, franceses e dos E.U.A, sucedeu à PEMA (Pesquisas Mineiras de Angola) (Porto, 2009).

4

vários serviços: os Serviços de Saúde, de Educação, de Agro-Pecuária, de Mão-de-obra

Indígena, de Urbanismo, de Representação, de Propaganda e Assistência à Mão de Obra

Indígena, os Serviços Culturais, etc. (cf. Porto, 2009: 171). Enquadrado neste último, surge em

1936 o Museu do Dundo, um museu de índole etnográfica que, paralelamente à recolha de

cultura material nativa para estudo e exibição no Museu, patrocina a formação de Grupos

Folclóricos e de Festas Folclóricas para exibição na Aldeia Nativa do Museu, campanhas de

recolha de folclore musical, de espécimes biológicos, de arqueologia e pré-história da Lunda,

como também estudos arqueológicos, geológicos, etnológicos, de botânica, zoológicos,

médicos, musicológicos, entre outros.

Esta colonização científica-cultural pressupunha, assim, a redução do sujeito angolano

a objecto (Alexandre, 1995). Alegando motivos de preservação da ‘tradição nativa’ – que iria

desaparecer pela presença da ‘civilização’ – e tendo como epicentro o Museu do Dundo, as

populações nativas da Lunda são transformadas em objecto de estudo que é necessário

conhecer para controlar e tornar rentável a acção capitalista colonial (Porto, 2009: 153). Isto é,

o colonialismo da Diamang assume um cariz cultural e científico e é formulado tendo em conta

um público-alvo muito específico: os indivíduos com o estatuto de indígenas da Lunda, ou seja,

toda a comunidade negra, trabalhadora na Zona de Explorações, residente nos aldeamentos

das minas ou habitante na região da Lunda, à qual era negado o usufruto dos direitos de

cidadania portuguesa por não apresentarem hábitos culturais europeus.

1.2. A construção colonial da diferença

A partir do fim do século XIX com a crise política instaurada pelo Ultimatum de 1890 e

agravada pela crise económica internacional de 1893, a viragem colonial para África (já

impulsionada pela independência do Brasil) faz com que os angolanos nativos se tornem numa

peça central na maquinaria capitalista do colonialismo moderno português, útil à autonomia

política e financeira de Lisboa (Rosas, 1995). Para isso, e num plano ideológico, epistemológico

e ontológico, a viabilidade da soberania nacional implicou um ‘darwinismo social’ na colónia

(cf. Alexandre, 2000: 21) pelo qual a inferiorização racial e civilizacional já não justificava a

escravatura e sim, a par do trabalho contratado (ou forçado), o estudo científico e cultural

legitimador da presença colonial (cf. Alexandre, 1995: 44), naturalizando ao mesmo tempo a

superioridade racial branca. Trata-se de um jogo de espelhos e, segundo Boaventura de Sousa

Santos,

5

É verdadeiramente nesse momento que surge o indígena primitivo e, em

contraponto, o português colonizador, representante ou metáfora do Estado colonial. O

processo que faz descer o indígena ao estatuto que justifica a sua colonização é o mesmo que

faz subir o português ao estatuto de colonizador europeu. *…+ O português branco e o

indígena primitivo surgem, simultaneamente, divididos e unidos por dois poderosos

instrumentos da racionalidade ocidental: o Estado e o racismo (2006 [2002]: 248)

O Outro – que até ao fim do século XIX comercializava com portugueses bens como

marfim, café, borracha, cera e mão-de-obra escrava (Dias, 2000) – passou, na primeira metade

do século XX, a ter de ser considerado legalmente indígena. A viabilidade da soberania

nacional na colónia passou pela construção de fronteiras numa base racial, que diferencia o

indivíduo negro, através do reforço identitário do indivíduo nacional, o colono, o branco

europeu. Em 1926, pela primeira versão do Estatuto do Indigenato intitulado de “Estatuto

político, social e criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique”5, o indigenato passa a

significar que a diferenciação social se estabelece a partir de um critério cultural veiculado pelo

corpo, ou seja, institucionaliza a construção de fronteiras simbólicas visíveis a partir de um

corpo que expressa, ao se expressar, uma categoria sócio-jurídica. Este Estatuto veio também

permitir o acesso à cidadania portuguesa aos indígenas que, quando maiores de idade,

comprovassem ter autonomia financeira, hábitos europeus e competências verbais ao nível da

língua portuguesa, que os constituiu com a categoria de assimilados, ou “indígenas civilizados”

(Porto, 2009: 520) e, no fundo, ainda como não-cidadãos (Meneses, 2010). 6

Como refere Omar Ribeiro Thomaz, a política do indigenato significou a tarefa de

inserção gradativa dos guineenses, são-tomenses, moçambicanos, angolanos e timorenses na

cultura europeia através da retórica da assimilação, justificada pela retórica da civilização. Isso

implicou um mapeamento dos “usos e costumes” de cada grupo étnico de forma a afirmar a

força política e tutelar do Estado português (2001: 61) que, na ausência de uma população

5 Reformulado em 1929 pelo nome de “Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas das colónias

portuguesas de África”, este estatuto excluía da sua abrangência os habitantes de Cabo Verde, Macau e do Estado da Índia (cf. Meneses, 2010: 84). Este estatuto serve a partir 1927 a Guiné-Bissau e em 1946 São Tomé e Príncipe e de Timor, e é abolido oficialmente em 1961 (cf. Thomaz, 2001: 61).

6 Em 1952, uma nova categoria surge, a de “diferenciados”, que resulta do “grau de civilização e

evolução” dos assimilados (Porto, 2009: 512). Toda esta diferenciação social feita através de instrumentos legais foi materializada na Diamang ao nível laboral e social, onde os empregados eram na sua maioria “europeus”, ou seja, os brancos – os “cidadãos portugueses” – como também os designados assimilados e os “diferenciados”, numa minoria significativa. Os trabalhadores, que em 1967 se contabilizavam em cerca de 29.000, eram todos os designados indígenas (idem: 670) oriundos da Lunda ou de outras províncias e que, mediante os trabalhos especializados e o estatuto remuneratório que possuíssem, poderiam integrar a categoria de “indígenas especializados” (idem: 194).

6

designada como inferior e existente em grande número, não encontraria legitimidade para a

dominação colonial. Ou seja, a construção da categoria legal de indígena tanto sublinha os

objectivos morais e políticos protagonizados pela missão civilizadora do Estado que, em teoria,

possibilitaria a ascensão do indígena a assimilado mas nunca a cidadão, como também o

mantém refém da sua própria condição de ‘primitivo’.

Este processo de diferenciação social passou não só pela incorporação do valor do

trabalho como elemento marcante da missão moderna civilizadora e de salvação

protagonizada pelo colonialismo português (Jerónimo, 2010), mas também pela idealização

das culturas nativas como ‘tradicionais’. Na Lunda, a política colonial passou por disciplinar o

corpo do indígena não pela assimilação nem pela indiferença, mas pela preservação da sua

‘tradição autêntica’. Dito de outra forma, a cultura do império7 usou a cultura nativa enquanto

“tecnologia cultural” de dominação (Dirks, 1995 [1992]: 3), controlando a população através

da disciplina dos seus corpos (Foucault 1980).

2. A prática colonial do Folclore

O folclore não «é» apenas; o folclore também se faz, e faz-se, precisamente,

naquelas áreas que menos têm a ver com a tradição viva pela qual se interessam

(Josep Martí, 1996: 57).

O estudo e a recolha de folclore, práticas emergentes na Alemanha oitocentista,

significaram a procura romântica pelo popular em contraposição ao erudito, opondo e

sustentando os valores do paradigma da modernidade pelo enaltecimento da tradição

‘autêntica’ e ‘genuína’ (Bendix, 1997). Para isso foi necessário preservar o que ainda era puro,

particular, tradicional, isto é, pré-moderno, da sua inevitável destruição e alienação,

distinguindo o campo da cidade, o camponês do erudito. Ao mesmo tempo, tratou-se de

discurso importante na construção dos nacionalismos modernos europeus (idem).

7 Entendo aqui a ideia de “cultura do império” tal como a concebe Omar Ribeiro Thomaz: “(...) produto

de uma determinada ideologia e de uma tradição do poder colonial português, procurava traduzir o que o império deveria ser e de que forma deveria atuar nas suas terras, interferir na vida dos nativos ou condicionar a mentalidade e as ações do colono português” (1999: 60).

7

No contexto do Estado-Nação português, o folclore serviu a ideologia estadonovista,

construindo-se uma forte retórica nacionalista pela celebração e afirmação do ‘Povo

Português’ e das especificidades regionais e locais revistas na cultura popular ‘autêntica’ e

‘genuína’ (Castelo-Branco e Branco, 2003). Este processo, consolidado nas décadas de 1930 a

1950, participou na construção política de um consenso nacional que visava mascarar conflitos

sociais e estabelecer uma aparente noção de ordem, harmonia e estabilidade política a partir

do mapeamento das tradições (idem). 8

A relação social que se estabeleceu com o conceito ocidental de folclore remete para o

seu uso enquanto ferramenta política e ideológica o que, segundo Josep Martí, transforma a

tradição em folclore ou folclorismo (cf. 1996: 11; 29; 70) ou em folclorização, quando se

institucionalizam as práticas performativas ditas de tradicionais (Castelo-Branco e Branco,

2003). O processo do folclorismo pressupõe, assim, intencionalidade e descontinuidade no

sentido de equacionar duas realidades paralelas (o passado e o presente) e o resgate de uma

realidade que se crê perdida, podendo manifestar-se ao nível de valores e ideias, objectos e

performances, e dos propósitos a que serve (cf. Martí, 1996: 25-26).

Na situação colonial, e também nas mesmas décadas, um processo similar ao da

metrópole acontecia na Lunda, Angola, pelo qual se enalteceu não a cultura do camponês mas

antes a do indígena, habitante do meio rural. Este processo, assente nas retóricas do exotismo

e primitivismo (Ranger, (1992) [1983]), levou a recolhas de cariz etnográfico de ‘tradições

nativas’ das designadas sociedades ‘primitivas’. A partir da categoria colonial de folclore, a

Companhia desenvolveu um processo de folclorização9 das culturas nativas da Lunda que, ao

tornar visível a segregação racial, tornava não só eficaz o discurso colonial como também a

negociação com esse discurso. A análise vai centrar-se nas Festas Folclóricas animadas pelos

Grupos Folclóricos Indígenas privativos do Museu.

8 Destaco a criação de vários ranchos folclóricos e em 1938 do Concurso da Aldeia Mais Portuguesa de

Portugal. Em 1948 é inaugurado o Museu de Arte Popular em Lisboa e que celebra a diversidade regional e local enquanto elementos que não enalteciam as suas diferentes identidades mas antes a totalidade una que é a Pátria, a síntese de seis regiões: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beiras, Estremadura e Alentejo, e Algarve (cf. Alves, 2007: 91). 9 Deste processo consta a própria criação do próprio Museu do Dundo em 1936, as comemorações da

Grande Festa Anual Indígena realizadas na Lunda de 1950 a 1963 e que se repartiam pela Festa Desportiva Indígena, pela Festa da Melhor Aldeia e pela Festa Grande, como também a Missão de Recolha de Folclore Musical de 1950 a 1967, e que resultou na recolha de literatura oral nas aldeias, na gravação e transcrição de centenas de músicas e na sua divulgação e estudo a nível internacional.

8

2.1.O corpo-museu: os Grupos Folclóricos e a Aldeia do Museu

Fig. 1. “Festa dos Circuncidados”, ano 1944

A 3 de Abril de 1944, por decreto do administrador-delegado da Diamang, Ernesto de

Vilhena, são criadas oficialmente as Festas Folclóricas animadas pelos Grupos Folclóricos

privativos do Museu (cf. RMMD, 1944). As performances de festividades ou de danças rituais,

tal como as referentes aos rituais de iniciação feminina ou masculina, tinham lugar na

designada Aldeia do Museu (ou Sanzala Folclórica), mais concretamente no Terreiro de

Folclore (ou de Festas) a ela adjacente (fig. 1). Os Grupos Folclóricos eram grupos criados e

organizados pelos empregados (a população branca) do Museu em colaboração com os sobas,

as autoridades locais, que angariavam nas aldeias indígenas tocadores, bailarinas e solistas,

resultando em Grupos Folclóricos correspondentes a cada grupo étnico.

Concluída em 1944, a Aldeia destinava-se à preservação e exibição da cultura nativa

tradicional (cf. RAMD, 1944: 20). Em 1959, a Aldeia é reconstruída noutro local, no Dundo,

designando-se como a Nova Aldeia do Museu. Foi para esse dispositivo museológico vivo que

foram viver algumas famílias; artesãos ou artistas que, em tempo real, produziam objectos

‘tradicionais’ por encomenda (fig. 2); o soba do Museu que tinha a seu cargo receber os

“visitantes indígenas”; os músicos e as bailarinas dos Grupos Folclóricos do Museu e, por fim,

encenados os ambientes da ‘vida indígena’ da Lunda pela construção de habitações ‘típicas’.

Todos os Sábados de cada mês, os Grupos Folclóricos ensaiavam na Aldeia e no fim do

ano, todos os participantes, incluindo os sobas e os encarregados de cada Grupo, eram

9

recompensados pela sua colaboração e assiduidade nas Festas Folclóricas, aos quais se

distribuía dinheiro, tecidos, roupa, tabaco e alguns géneros alimentares, tais como peixe seco,

arroz, amendoim, sal, farinha, óleo de palma, vinho e sabão (RMMD, 1955, 1956, 1964).10 As

exibições folclóricas tinham como objectivo receber visitas de Estado, investigadores ou

representar a Companhia em inaugurações, comemorações e em exposições do Museu fora do

centro urbano do Dundo. No fundo, os Grupos Folclóricos assumiam uma função protocolar e

institucional (fig. 3).

Fig. 2. s/legenda [escultores privativos do Museu do Dundo habitantes da Aldeia do Museu], ano 1956

10 No ano de 1958, em virtude de reclamações por parte dos Grupos Folclóricos pelo tardar do

pagamento, os procedimentos da designada “Remuneração e prémios aos Grupos Folclóricos” foram alterados, passando a ser efectuada logo de imediato à colaboração na respectiva festa (RMMD, 1958).

10

Fig. 3. “Visita de Sua Excelência o Embaixador de Inglaterra”, ano 1958

No fundo, esses momentos festivos exibiam o trabalho civilizacional na colónia,

mostrando para isso uma África ingénua, tradicional e natural – uma cultura transformada em

curiosidade etnográfica (Clifford, 1988). E são precisamente estas festas que oficializam uma

imagem caracterizada pela convivialidade com o indígena, expressando o essencialismo e o

culturalismo próprio de um discurso lusotropicalista, útil na legitimação da presença colonial

portuguesa em África (Neto, 1997). A 10 de Julho de 1945 realizou-se uma das primeiras Festas

Folclóricas à qual assistiu o então Ministro das Colónias, Marcelo Caetano. Nas suas palavras,

Presenciei, entre encantado e surpreso, a deslumbrante festa gentílica, encantado pelo

verdadeiro sentido artístico dos números apresentados, tão profundamente característicos e

tão criteriosamente seleccionados, surpreso pela forma consciente e amiga por que os

indígenas se prestaram a exibir as mais íntimas criações do seu secular folclore, numa

colaboração tocante com os dirigentes brancos (RAMD, 1945: 5).

A Aldeia do Museu era o espaço da cultura nativa ‘autêntica’ museologizada e

compartimentada em etnias (‘tribalizada’) e que tornava visível o esforço da Companhia em

salvaguardar o que seria destruído pela presença da ‘civilização’ (Porto, 2009). Era nesse

espaço idealizado como ‘tradicional’ que se excluía da contemporaneidade o corpo do Outro. É

o que monstra o discurso que iniciou a Festa Folclórica em honra dos Oficiais e dos tripulantes

do Barco de Guerra Bartolomeu Dias, na noite de 24 de Janeiro de 1951,

11

Vai dar-se início à festa folclórica. As figurações que vão seguir-se são quadros

etnográficos da vida indígena, desempenhados por indivíduos das tribos kioka e baluba. Os

primeiros fazem parte do Grupo Lunda-Kioko e do ciclo cultural Zambeze Angola. Os segundos

são povos de origem congolesa, e da circunscrição cultural ou etnográfica Congo-Sul. Os

motivos são, a bem dizer, pedaços da sua vida de todos os dias. Vida um tanto ignorada mas

intensa, cheia de costumes interessantes (RMMD, Fevereiro, 1951: 3-4).

Nas palavras de Johannes Fabian, “selvagens, primitivos, povos tribais e afins foram

disfarçados como sendo os outros [ou disfarces para os Outros+” (2006: 140). Ou seja, a

manipulação dos efeitos da presença colonial criou novos sujeitos coloniais longe das

contingências que os iam produzindo, desembocando num Outro de “estatuto purificado”

(Porto, 1999: 590) em oposição a um Mesmo moderno e ‘evoluído’. Nos antípodas do estádio

da civilização moderna estaria a cultura ‘primitiva’ do Outro exótico, tribal, museologizado,

ahistórico e imutável, de qualidades estáticas e estereotipadas passíveis de serem

coleccionadas, interpretadas e exibíveis.11 E como reforça Mudimbe, “o Africano tornou-se não

apenas o Outro que é tudo excepto Eu, mas antes a chave que, nas suas imensas diferenças,

especifica a identidade do Mesmo” (1988: 12). A produção de estereotipia sobre o Outro

através da exotização foi uma ferramenta de enaltecimento do Mesmo que teve como veículo

a apresentação social do corpo (fig. 4).

11 Destaco a Exposição Universal de Paris, a primeira exposição colonial que, em 1889, exibiu pessoas ‘autênticas’ enquanto figuras de espectáculo.

12

Fig. 4. “*Mukixi (mascarado) a dançar durante a + Visita do Sr. Dr. Banha da Silva – no Terreiro Folclórico”,

ano 1954.

A Aldeia do Museu mostra que a presença colonial portuguesa implicou não só uma

representação da violência como também uma violência da representação. Trata-se de uma

violência simbólica e epistémica que ultrapassou a ocupação territorial com base na conquista

e no castigo corporal para dar lugar à domesticação de espaços, tempos, corpos e mentes, isto

é, de subjectividades, a partir da imposição de discursos (Mudimbe, 1988; Johnston e Lawson,

2005). É essa colonialidade, na acepção de Mudimbe (1988), que no contexto da África

Subsariana se expressou pela combinação de três discursos complementares entre si: a

representação exótica, a hierarquização de civilizações e a procura pelo primitivismo (cf. idem:

69).

Uma das grandes exibições que assinalo aconteceu no Carnaval de 1954 e evidencia a

metamorfoseação entre o Museu e o corpo do indígena. No dia 24 de Fevereiro, a Casa do

Pessoal do centro urbano de Andrada, um organismo da Diamang responsável pela organização

de actividades recreativas e culturais destinadas à comunidade branca residente nos centros

urbanos, organizou um cortejo de Carnaval e solicitou ao Museu do Dundo um carro alegórico

que o representasse. Foi decidido, pelo Museu, que a Secção que escolheriam era a de

Folclore, ou melhor, o corpo do indígena. Nessa viagem a Andrada também foram os sobas,

devidamente autorizados pelo Director Geral da Companhia, que quiseram acompanhar o

“Carro do Folclore da Lunda”. Como é referido, “o carro (uma camioneta de 8 toneladas) foi

vestido com panos, como pessoa indígena, e transportou um pequeno grupo de raparigas

balubas e de mascarados. A escolha do assunto teve, entre outros objectivos, o da propaganda

ao folclore *…+” (RMMD, Fevereiro, 1954: 4).

2.2. O corpo dócil: a padronização das exibições folclóricas

Não obstante o desejo de retratar a Aldeia do Museu enquanto espaço de uma cultura

nativa transparente, a exibição de performances folclóricas começaram a obedecer, desde

1946, a uma forte regulação ao nível do tempo de actuação e, mais tarde, ao nível dos

conteúdos programáticos. O que esteve na origem desta necessidade foi a desarticulação que

estas performances nativas iam produzindo à autoridade colonial, motivada pelo alongar no

tempo de exibição e pela imprevisibilidade destas festas ao nível dos comportamentos dos

Grupos e da audiência.

13

Na sua origem poderão estar várias razões. Para José Redinha, o então conservador do

Museu, trata-se de um conjunto de actuações que obedecem a um universo ritual e festivo

próprio, originando actuações na Aldeia do Museu que, obviamente, não ‘encaixavam’ na

agenda cultural do Museu. Isto obrigou à concepção de um programa de índole educativa do

‘bom selvagem’. Como refere Redinha,

A êstes conjuntos tem se exigido especialmente redução de tempo e sequência

rápida dos seus números, sabido como é, que entre êles o tempo não conta, e números há

que deixando-os à vontade tanto poderiam demorar uma hora como um dia. Alguns mesmo

ocupam entre êles, por vezes, o espaço duma semana.

Por êstes últimos motivos torna-se necessário regular o decurso dêstes espectaculos

folclóricos. O assunto é tanto mais delicado quanto é certo que a disposição das massas

indígenas é variável de festa para festa, com todos os caprichos comuns às multidões. Por

estas razões difícil se torna submete-los a uma regra fixa. A condução da acção em muitas

particularidades depende do golpe de vista do momento, embora as suas linhas gerais

dependam dum programa estabelecido (RAMD, 1945: 6-7).

A estilização das culturas nativas, através da qual o nativo se transformou em objecto

folclórico e de corpo dócil (Foucault, 1980) exigiu a domesticação não só do tempo como

também de todo o espaço envolvente, incluindo os protagonistas e assistência. A partir do ano

de 1946 foram afixados os programas que padronizaram as festas “de pequeno e médio

espectáculo” (RMMD, 1946, Junho). Fica aqui um exemplo de um programa de folclore de

pequeno espectáculo:

Antecedência mínima de 24 horas

Local: a um canto da Sanzala

Luz eléctrica: um foco único, pequeno, geral.

Luz natural: uma fogueira

-Figurantes-

1) – Música: O grupo de músicos da Sanzala em toque e canto (vestidos cuidadosamente) 2) – Grupo coral: 10 mulheres balubas escolhidas.

Obs.: Ausência completa, na assistência visível, de indivíduos vestidos à europeia.

14

Nota: A fogueira deve ser colocada em lugar conveniente, tendo em atenção a direcção do vento e o melhor efeito de luz (idem).

2.3. O vestuário: os Mucambos e os Panos

A temática da apresentação social do corpo, revista nos usos coloniais do vestuário,

tem vindo a ser amplamente estudada como uma ferramenta colonial de poder crucial nas

dinâmicas sociais e identitárias dos processos coloniais (cf. Allman, 2004).

No contexto da Lunda, a exibição do nativo ruralizado pressupunha igualmente uma

permanente vigilância em relação à intimidade do seu quotidiano, nomeadamente a certos

comportamentos que, de certa forma, vêm desafiar a ordem estabelecida e imposta por quem

regula. Trata-se de certos hábitos culturais que a Companhia critica e que se prendem com o

uso de liamba (ou cannabis), com o jogo de cartas a dinheiro e com as danças de influência

europeia designadas de ‘rebitas’ ou ‘maringa’. Como refere José Redinha,

Foi sempre mais fácil prevenir que remediar. A boa lógica recomenda que se ponham

obstáculos ao desenvolvimento dêstes modos de distracção, tanto mais que os indígenas

possuem uma riqueza de folclore natural suficiente para se divertirem. (...) A autoridade

administrativa procederia com oportunidade exigindo por êstes espectáculos uma taxa

convenientemente pesada, que os obrigasse à desistência (RAMD, 1945: 28).

Para contornar os perigos de dissidência, o corpo do indígena, ou seja, do negro, teria

de tornar visível o seu estatuto social, de forma a monitorizar a sua vida e manter a ordem

social (saber quem é e onde está). Até porque um indígena vestido ‘à europeia’ era entendido

quer como um perigo para a ordem pública, quer como uma ‘má imitação’ daquilo que nunca

poderia ser (um cidadão) porque o seu corpo, negro, nunca poderia ser branco. Nas palavras

de José Redinha,

É vulgar aparecerem no Museu diversos sobas trajando os seus “Mucambos”. Sem dúvida

nenhuma teem um ar de decência, que contrasta extraordináriamente com o seu habitual

enroupamento europeu tão inestético como ridículo, no corpo de quem como êles o não sabe

vestir (RMMD Dezembro, 1945: sn).

Como refere Johannes Fabian, “a modernidade era para ser trazida para África, e não

alcançada lá; o truque das ‘políticas nativas’ era controlar e, se necessário, reter a

modernidade sempre que os africanos actuais modernos sentissem a sua presença” (1998: 24).

15

Ao nativo, ao ser-lhe negado o Bilhete de Identidade e a roupa à europeia, foi também negada

qualquer co-existência com o ocidental, sendo apenas seu simultâneo e nunca seu

contemporâneo (Santos, 2007). O entendimento que o colonizador tinha da modernidade do

nativo estava restringido à ideia de ‘imitação’, resultando na possível ‘evolução’ ou

‘assimilação’ (cf. idem), mas sempre num registo incompatível com o estatuto de cidadão.

Desta forma, a “negação da coevidade” (Fabian, 2006: 143)12 foi uma estratégia útil na

preservação e legitimação do domínio colonial português, acabando por significar poder

simbólico e político. Neste processo, o corpo do nativo assume-se como o barómetro da

eficácia da política colonial, o espaço de identificação de problemas e de possíveis soluções.

A obrigatoriedade do uso de vestuário europeu promulgada pelo Governo-geral de

Angola na portaria nº 5629 de 14 de Agosto de 1946, vista pelo administrador-delegado da

Companhia, Ernesto de Vilhena, como “mais uma manifestação de incompetência governativa

colonial” (RAMD, 1946: 30), veio a ser contornada pela Companhia de forma a tornar eficaz

uma política controladora agilizada não pela diluição mas antes pela reprodução da

racialização e visibilização da diferença.

Por exemplo, o vestuário tradicional dos sobas assumia uma importância crucial na

auto-regulação e reprodução das formas locais de poder tradicional, facilitando o trabalho de

vigilância permanente da Companhia ao tornar os sobas seus intermediários no controlo da

sua população (uma espécie de ‘indirect rule’). Nas palavras de José Redinha,

O traje tradicional é um factor social de todos os tempos. Neste caso porém, o traje dos

chefes negros não é apenas tradicional como também profissional ou distintivo e impõe-se

aos olhos dos naturais, como a farda impõe o oficial ao soldado, e as vestes talares aos

sacerdotes não obstante tratar-se, neste caso, de povos cultos. Nos primitivos muito mais

sensível se torna a influência de apresentação, e nela toma parte preponderante o traje assim

como a insígnia (RAMD, 1945: 25).

Nós sabemos que a mais fácil e especulativa forma de “civilização” consiste em recomendar

aos indígenas um par de calças e dizer em lugar visível que o preto é cidadão. É assim que se

começa: depois vem o direito de voto, a propaganda clandestina, as greves, as desordens, as

repressões, a anarquia. Assim aconteceu em muitos países coloniais que tiveram mais tarde

de queimar com pólvora os fatos e factos que levianamente concederam ou permitiram.

(RAMD, 1946: 32).

12

Resgato esta noção ao autor que a formulou tendo em conta o distanciamento cultural inerente à produção de conhecimento pela antropologia cultural. Este processo implica a manipulação do tempo, tanto no momento do trabalho de campo como no da escrita, o que permite construir um conhecimento sobre o Outro através, paradoxalmente, da distância temporal e espacial em relação a ele.

16

Não se coloniza com boas intenções mas sim com boas medidas. O traje dos chefes indígenas,

repetimos, é um elemento nitidamente colaborante na disciplina tribal. Proceda-se à sua

propaganda. Permiti-lo apenas é pouco. Abstraí-lo é um êrro. Combate-lo é um crime. [...]

Erram, os que alteram os costumes, e consequentemente a ordem, com infundadas teorias

de progresso. Erram os que supõem acelerar a evolução do indígena ora entrouxando-os em

pares de calças, ora pintando-os com vernizes superficiais de culturas europeias e outras

especulações, as quais, muitas vezes visam, também, segundos fins e não o bem do

manequim: o negro (idem: 34).

Fig. 5. “Sobeta Muaquece *vestido com um ‘mucambo’+, ano 1946.

O traje indígena que ia sendo colocado no corpo do “manequim” (que é o negro)

integrava um processo de reforma corporal que actuava pelo idioma do corpo e da raça,

articulando a ordem colonial com a ordem tribal (cf. Porto, 2009: 298). Em 1945 distribuíram-

se pelos sobas mantos tradicionais designados Mucambos (fig. 5) oriundos da metrópole

(RAMD 1945: 23) e em 1951 foram importados da Inglaterra tecidos estampados da marca

17

‘African Prints’, designados Panos13, e oferecidos às solistas e bailarinas que pertenciam aos

Grupos Folclóricos (fig. 6), muitas delas recrutadas durante a recolha de folclore musical nas

aldeias (RAMD, 1951). Em 1957, esta prática foi designada pela Companhia como a “inclusão

do pano europeu” (RAMD, 1957: 46). Em 1965, Mário Fontinha e Acácio Videira, os

conservadores em funções no Museu, informam sobre a “(...) entrada de 73 PANOS DE COSTA,

tecido em cores vivas 1,50 x 1,25 m com franja, muito do agrado dos povos da Lunda, que

haviam sido pedidos pelo Museu” (RMMD, Fevereiro, 1963: 10).

Fig. 6. “Distribuição do tecido ‘African Prints’ aos Grupos Folclóricos do Museu”, ano 1951

Nesta perspectiva, a noção de tradição (re) inventada é útil em ajudar a entender um

“modelo de submissão” (Ranger, 2002 [1983]: 219) que actua pelo “idioma da corporalidade”

(Porto, 2009: 432). Através da codificação de traços culturais em prescrições rígidas,

salvaguardou-se o status quo da autoridade através da introdução ou do reavivar de valores e

convenções comportamentais (cf. Hobsbawm, 2002 [1983]: 16).

13

Marissa Moorman refere que o uso de ‘panos’ pelas mulheres no centro urbano de Luanda colonial era igualmente signo de diferenciação social e racial. Por um lado, o seu uso identificava imediatamente as mulheres com o estatuto de ‘indígenas’, estando por isso proibidas de entrar em transportes públicos (cf. 2004: 88). Quando o estatuto foi abolido em 1961, foram construídos transportes próprios, os designados munhungu para transportar os angolanos pobres e as “ex-indígenas” vestidas com trajes tradicionais, o que levou ao uso crescente de roupa europeia pelos nativos de forma a contornarem este tipo de segregação racial (idem). Por outro lado, o uso de panos também identificava as mulheres das elites urbanas pela forma como estavam colocados no corpo, distribuídos em quatro camadas no tronco e com uma pequena porção de pano na cabeça, sendo estes panos designados de bessanganas (idem).

18

2.4. O corpo contemporâneo: a exibição dos “ritmos modernos”

Em 1959, Acácio Videira, o então Conservador do Museu, refere:

O grupo folclórico privativo do Museu compõe-se de 9 elementos (7 luluas e 2

quiocos), profissionais, admitidos expressamente para tomar parte nas festas folclóricas e

manter as danças tradicionais o melhor possível, isentas da evolução ou influência dos ritmos

modernos. Trabalham no Museu, em serviços moderados, de acordo com as suas aptidões e

vivem na nova Aldeia do Museu, sob contínua vigilância e apertada disciplina (RAMD, 1959:4).

No entanto, e já a partir sensivelmente de 1955, o folclore ‘tradicional’ torna-se cada vez mais

difícil de organizar e exibir, exigindo à Companhia um trabalho mais incisivo para que o

indígena se mantivesse controlado e colaborante. Nesse ano, o Museu cria nos seus relatórios

anuais a Secção de Folclore e Amparo às Artes que descrimina as actividades realizadas neste

âmbito. Como comenta José Redinha,

Sem dúvida nenhuma, nestes povos influenciados pela acção da Diamang, vai passando

velozmente a época etnográfica, no significado social do termo.

A acção civilizadora da Companhia, o nível de vida das populações em relação com ela e

outras facilidades de feição evolutiva vão deixando para um domínio histórico os usos e

costumes tradicionais, sendo já necessário usar de propaganda e acção para se manterem

estas expressões costumeiras (RMMD, Agosto,1955: 3).

Em 1956, a acção de controlo implicou a organização de “concentrações de grupos folclóricos”

para a sua vigilância e disciplina, seleccionando-se os mais ‘tradicionais’ “*...+ com vista a

moderar o desenvolvimento de modas recentes, nem sempre interessantes” (RMMD,

Novembro, 1956: 10). Em 1961 Acácio Videira comenta: “Vai-se acentuando entre os nativos

da região, um certo desinteresse pelo folclore tradicional, impondo-se a este, as danças e

cantares de rítmos modernos” (RAMD, 1961: 4). À medida que os anos passam, e em 1966, a

constatação da modernização nos hábitos dos nativos é um facto,

Vão tendo enorme progresso entre os nativos, as danças de rítmos modernos que,

em todos os aspectos, absorvem o folclore tradicional, criando dificuldade nos grupos

formados por jóvens bailarinas de rítmos próprios à tribo que representam. Evidentemente

19

que a presença do exército, as missões, as escolas e, principalmente o cinema, contribuem

imenso para a perda total das danças tradicionais, melhor ainda, do folclore representado

pelos cantares e pela dança (RAMD, 1966: 4).

Como consequência, e por necessidades de representação institucional, o Museu passa

a integrar a exibição das danças e cantares de cariz ‘moderno’ (protagonizadas por jovens

mulheres) nos próprios conteúdos programáticos das actuações folclóricas na Aldeia do

Museu. Desde 1960 que os ‘ritmos modernos’ eram já uma prática comum nas Festas

Folclóricas, estando reservadas para o final de toda a actuação. No dia 15 de Junho de 1962, os

Grupos Folclóricos deslocaram-se a Henrique de Carvalho (Saurimo) para uma actuação

dedicada ao Sr. Secretário de Estado da Aeronáutica (fig. 7). O relato é o seguinte:

No final do programa e num feito espontâneo, os nativos (do folclore), em massa, exibiram-se

por cerca de uma hora, em variadas danças de ritmo moderno, mostrando assim, num

arrebatamento e à sua maneira a gratidão sentida pela forma afável e carinhosa como foram

apreciados e aplaudidos todos os números do seu programa. A seguir, a Brigada da TV filmou

o bailarino Cabongo, tendo como fundo uma assistência bem selecionada (RMMD, Junho,

1962: 12).

Fig. 7. “Uma exibição nativa no jardim da residência do governo em Saurimo”, ano 1962

Passados sete anos, em 1973, a liberdade de actuação do nativo tinha já transposto o

espartilho da programação de conteúdos ‘tradicionais’ e de duração cronometrada de outrora

20

(fig. 8). O discurso do Museu é notoriamente outro, cuja autoridade foi sendo negociada com a

autonomia de acção, apesar de relativa, do nativo. No 56º aniversário da Diamang, a 14 de

Outubro de 1973, ocorreu uma exibição folclórica organizada especialmente para o efeito:

Como remate do programa foi muito apreciada a dança moderna “Tshizeleka”, lulua,

ao ritmo do tambor e coros de um grupo de mulheres. Esta dança moderna e nitidamente

“sexy” rematou com uma estrondosa salva de palmas e intensos assobios, numa manifestação

de apreço que correspondeu ao esforço de todos os componentes do folclore, kiokos e

balubas, habitantes dos arredores do Dundo.

Animadas pelas manifestações entusiásticas da assistência e também para

expandirem a alegria contagiosa que sentiam na alma, quiseram as jovens bailarinas luluas

apresentar, extra programa, pela primeira vez em público, uma dança intitulada CATARINA,

que interpretaram magistralmente e magistralmente foi apreciada pelo numeroso público que

aplaudiu com entusiasmo. *…+

Em extra programa gastaram-se mais 20 minutos que o tempo previsto.

Participaram nesta exibição, Kiokos, balubas e luluas cerca de 270 componentes

(RMMD, Outubro, 1973: 12).

Fig. 8. “*…+ aspectos de danças regionais, do programa em honra de S. Exª Governador Geral da

Província”, ano 1973

2.5. A desagregação dos Grupos Folclóricos privativos do Museu

21

Não obstante a permissão da exibição de “ritmos modernos” nos programas das Festas

Folclóricas, a disponibilidade dos indígenas em integrarem os Grupos Folclóricos e Festas

respectivas do Museu vai sendo diminuta ao longo do tempo. Consequentemente, as Festas

Folclóricas decrescem de número a partir do ano de 1958, não correspondendo à média de seis

por ano que até aqui se tinha realizado. Um dado empírico importante refere-se igualmente à

diminuição dos trabalhadores do Museu (músicos e bailarinos/as dos Grupos Folclóricos) da

secção de “Folclore e Amparo às Artes” do Museu. Apesar da distribuição de gratificações aos

encarregados de cada Grupo Folclórico, a sua desintegração começava a ser uma evidência.

Para isto contribuiu a saída de um trabalhador em 1963 para a sua terra de origem (o

Congo Belga) (cf. RAMD, 1963) e o despedimento em 1966 de dois trabalhadores Baluba por se

terem recusado a integrar os Grupos aquando das Festas Comemorativas do 15º Aniversário da

Revolução Nacional do Distrito da Lunda (cf. RMMD, Junho, 1966: 8) realizadas em Henrique

de Carvalho (Saurimo). Estes são Conhi Pianga, tocador de quissanje, e Cabongo, bailarino (cf.

RMMD, Janeiro, 1966: 2).

A partir de Abril de 1967, a secção de Folclore do Museu passa a não integrar nenhum

elemento trabalhador (indígena) na área do Folclore (RMMD, Abril, 1967: 2). Daí em diante, o

que se descreve nos relatórios dessa secção são as festas episódicas que vão decorrendo na

Aldeia do Museu para alguns visitantes, para as quais o Museu recorre a Grupos Folclóricos

que se esforça (a partir de 1970) por manter e organizar no espaço das aldeias. E é nesse

espaço que decorrem a grande parte dos ensaios e algumas festas, e onde os elementos dos

Grupos passam a habitar. É também para aí que as visitas do Museu se dirigem para assistirem

a exibições e ensaios de fim de tarde dos Grupos existentes e cujo repertório aludia a um “(...)

ritmo moderno num ambiente africano” (RMMD, Julho, 1973: 15), fora de qualquer “recinto

fechado e construído para o efeito” (RAMD, 1974: 62).

A partir de Julho de 1974, e já terminada a Guerra Colonial ou Guerra de Libertação

com o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 em Lisboa, as ‘tradições’ da Lunda começaram a

ser usadas para acalmar as pessoas que reclamavam e reivindicavam os seus direitos perante

os acontecimentos (RMMD, Julho, 1974: 10). Em 1975, o contacto com as populações nativas

pretendia manter “os grupos folclóricos unidos” (RMMD, Julho, 1975: 10), sendo usado o valor

da tradição como elemento apaziguador. Como refere Acácio Videira,

Durante estas visitas, procuramos mentalizar os habitantes sobre o valor do Museu, a

importância que este desempenha na actual situação, e o dever que todos temos de o

preservar das pessoas mal intencionadas, conservando assim, a maior das heranças dos

antepassados “Twshokwe” *Cokwe+ ligada às gerações futuras (RMMD, Fevereiro, 1975: 8).

22

[...] medida muito oportuna, considerando o ambiente de nervosismo e insegurança que paira

sobre todas as localidades (RMMD, Julho, 1975: 10-11).

A última Festa Folclórica que se pretendeu organizar foi em honra de Agostinho Neto, então

dirigente do M.P.L.A. (Movimento Popular de Libertação de Angola) que visitou o Museu a 28

de Maio de 1975. No entanto, a festa “*...+ não se realizou por falta de tempo” (RMMD, Maio,

1975: 12).

3. Considerações Finais

O controlo político na Lunda colonial foi subtilmente praticado através da retórica da

performatividade assente na dicotomia tradição/modernidade. Por um lado, na medida em

que consistiu numa prática veiculada pelo corpo e, por outro, porque visou mascarar o próprio

objectivo que servia – a continuidade da dominação colonial e a neutralização da

conflituosidade e da dissidência social. O corpo foi objectificado para constituir o ‘indivíduo

disciplinar’ que expressa a eficácia do biopoder, isto é, um conjunto de técnicas usadas para

subjugar e controlar os corpos das populações e, consequentemente, as sociedades (Foucault,

1980). Porém, o que esta análise permite igualmente constatar é que através da

problematização dos processos de dominação coloniais é possível aceder aos sujeitos

endógenos participantes e agentes da situação colonial, e que foram estrategicamente

silenciados e produzidos como ausência (Santos, 2006 [2002]).

O espaço do folclore tanto significou um controlo político da diferença como também

um encontro com a mesma, permitindo processos de negociação com o poder, resultando na

expressão, mesmo que relativa, da autonomia cultural de quem foi subalternizado. Isto remete

para a necessidade de repensar conceitos como de cultura popular, resistência e dominação

colonial.

O conceito de cultura popular integra tanto o conceito de folclore como os processos

de folclorismo e folclorização, e consiste numa prática performativa que tanto pode ser de

cariz autoritário e opressivo como potencialmente transformadora de situações

experienciadas como sendo de subjugação, integrando processos de criação, apropriação e

experimentação (Fabian, 1998). Por isso, a cultura popular, tal como a noção Geerztiana de

cultura, não é uma entidade fixa, um conjunto de tradições, crenças e provérbios. A cultura

popular é uma prática, um articulado de interpretações e experiências agilizadas por

indivíduos que agem dentro de relações desiguais de poder (cf. Fabian, 1998: 3). Concordando

23

com Fabian, se quisermos averiguar fenómenos relacionados com “*...+ a noção de cultura

popular, devemo-nos concentrar naquilo que a faz aparecer e tornar-se conhecida, em vez de

agonizarmos com o adjectivo ‘popular’” (1998: 3).

Neste sentido, é necessário conceptualizar a resistência como um conjunto de acções

que podem não estar organizadas num projecto colectivo de luta e cuja acção individual – que

acontece de forma oportuna e muitas das vezes acomodada na estrutura da dominação – não

desemboca necessariamente em confrontações e revoluções manifestamente desafiadoras da

ordem social, apesar de potencialmente transformadoras dessa mesma ordem (Dirks

1995[1992]; Gledhill, 2000). Este conceito de resistência pode ser esclarecido neste contexto a

partir da forma como o designa Stoller no âmbito da sua pesquisa junto do movimento Hauka

da Nigéria colonial, e que chama “oposições incorporadas” (1995: 75), justamente para

contemplar a complexidade das relações coloniais onde as expressões de resistência

acontecem de forma subtil e sob variadíssimas formas através da performatividade. Trata-se

de acções que ocorrem em situações de acção política imediata, na prática do quotidiano,

dentro das estruturas do poder dominante numa “pequena escala de acção” (Scott, 1989: 35)

e que podem passar pela retórica do evitar o protesto (Dirks, 1995 [1992]).

No espaço do folclore, estes “microprocessos de resistência”14 (Rodgers, 2003: 136)

adquiriram várias formas: através do divertimento e do universo ritual (e da sátira, aqui como

uma possibilidade em aberto) no alongar das danças nas Festas Folclóricas e que exigiram

regulamentação pelo Museu, nas viagens a outras cidades, na expressão da sua

contemporaneidade pela incorporação dos ‘ritmos modernos’ nos programas das festas

dentro do espaço disciplinador e ‘tradicional’ da Aldeia do Museu, e na desagregação dos

Grupos Folclóricos privativos do Museu motivada pela ausência definitiva de trabalhadores na

secção de Folclore do Museu (a partir de 1967), culminando na passagem da grande parte das

exibições e ensaios para o espaço das aldeias, onde estes elementos passam a residir.

Simultaneamente, o folclorismo na Lunda significou uma redefinição das relações de

poder, implicando uma autoridade colonial não absoluta e que resulta de uma permanente

negociação entre diferentes agentes. A autoridade colonial teve de se ir adaptando a

comportamentos novos, reformulando a sua política em sintonia com a autonomia de acção

ou acção transgressora (pelo seu ponto de vista) dos indígenas (por exemplo, o reforço do uso

do traje dos sobas e a padronização das Festas Folclóricas). Quer isto dizer que a autoridade do

14

Esta antropóloga alerta para estes processos a partir da análise que efectuou no contexto colonial das Índias Orientais Holandesas (actual Indónesia), em Sumatra, a partir da literatura designada Angkola Batak.

24

colonizador não é hegemónica porque, além de não ser consensual, é mediada e resulta de um

permanente ajuste perante a contemporaneidade dos indígenas – sujeitos não passivos na

relação cultural e situados no mesmo tempo da situação colonial.

Se os estudos pós-coloniais problematizarem as sociedades coloniais ao nível não só

do plano macro estrutural mas também do plano intersubjectivo, tornar-se-á possível aceder a

processos de agency outrora silenciados (Almeida, 2002; Santos, 2006 [2002]). Para isso há

que atender em mecanismos de significação complexos onde as representações e as

identidades sociais de colonizador e colonizado se constituem mutuamente por práticas

específicas de negociação (Almeida, 2002). Aqui, o elemento do performativo assume um lugar

crucial nas análises dos processos de tradução cultural, o que permite desconstruir

essencialismos e reequacionar relações de poder dando visibilidade a outros pontos de vista

(Santos, 2006 [2002]).

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Fotografias do Arquivo Fotográfico e Documental dos Serviços Culturais do espólio da Diamang em depósito na Universidade de Coimbra

Fig. 1. Caixa “Folclore do Museu”, nº 12639/944

Fig. 2. Caixa “Artistas”, fotografia nº 13756/956

Fig. 3. Caixa “Visitas”, nº 18468/958

Fig. 4. Caixa “Visitas”, nº 14799/954

Fig. 5. Caixa “Sobas e Família”, nº 13752/946

Fig. 6. (RAMD, 1951: 53)

Fig. 7. Caixa “Folclore do Museu”, nº 21351/962

Fig. 8. (RAMD, 1973: 75)