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A questão assume uma forma mais simples no caso do método que propõe a felicidade universal como fim último e padrão supremo.1 Aqui temos apenas de perguntar em que medida um exame sistemático das relações sociais num grupo idealmente feliz de seres humanos é susceptível de nos orientar no esforço de promover a felicidade humana aqui e agora. Não vou negar agora que esta tarefa pode ser incluída proveitosamente num estudo exaustivo deste método. Contudo, pode mostrar-se facilmente que ela está sujeita a sérias dificuldades. Afinal, nas deliberações comuns precisamos de pensar no que é melhor sob certas condições da vida humana, internas ou externas, e temos de fazer o mesmo quando reflectimos na sociedade ideal. Precisamos de reflectir não tanto no fim que se pretende atingir (que é simplesmente o estado de consciência mais aprazível que se pode conceber, persistindo tão longa e ininterruptamente quanto possível), mas num método de o concretizar quando adoptado por seres humanos - além disso, para que possamos pelo menos esforçar-nos por imitá-los, temos de imaginar que esses se- res humanos existem em condições não muito distantes das nossas. E, para este efeito, temos de saber em que medida as nossas circunstâncias presentes são modificáveis, o que é uma questão muito difícil, como nos mostram as concepções que efectivamente se fizeram dessas sociedades ideais. Por exemplo, A República parece suficientemente divergente da realidade em muitos aspectos, mas Platão entende a guerra como um facto permanente e inalterável a atender no Estado ideal - e, na realidade, atender-lhe parece ser o objectivo predominante da sua concepção. Contudo, a utopia moderna mais sóbria incluiría seguramente a supressão da guerra. 1 Omito, por agora, o exame do método que faz da perfeição um fim último, já que, como se observou, dificilmente será possível discuti-lo de forma satisfatória, no que respeita à presente questão, até o distinguirmos um pouco mais claramente do método intuicionista comum.

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A questo assume uma forma mais simples no caso do mtodo que prope a felicidade universal como fim ltimo e padro supremo.1Aqui temos apenas de perguntar em que medida umexamesistemtico das relaessociais num grupo idealmente feliz de seres humanos susceptvel de nos orientar no esforo de promover a felicidade humana aquie agora.No vou negar agora que estatarefa pode ser includa proveitosamente num estudo exaustivo deste mtodo. Contudo, pode mostrar-se facilmente que ela est sujeita a srias dificuldades.Afinal, nas deliberaes comuns precisamos de pensar noquemelhorsob certascondiesda vidahumana, internas ou externas, etemos de fazer o mesmo quando reflectimos na sociedade ideal. Precisamos de reflectir no tanto no fim que se pretende atingir (que simplesmente o estado de conscincia mais aprazvel que se pode conceber, persistindo to longa e ininterruptamente quanto possvel), masnum mtododeoconcretizar quando adoptado por seres humanos -alm disso, para que possamos pelo menos esforar-nos por imit-los, temos de imaginar que esses seres humanos existem em condies no muito distantes das nossas.E, para este efeito, temos de saber em que medida as nossas circunstncias presentes so modificveis, o que uma questo muito difcil, como nos mostram as concepes que efectivamente se fizeram dessas sociedades ideais. Por exemplo, ARepblica parece suficientemente divergente da realidade em muitos aspectos, mas Plato entende a guerra como um facto permanente e inaltervel a atender no Estado ideal-e,na realidade, atender-lhe pareceser o objectivo predominante da sua concepo. Contudo, a utopia moderna mais sbria incluira seguramente a supressoda guerra.1Omito, por agora, o exame do mtodo que faz da perfeio um fim ltimo, j que, como se observou, dificilmente ser possvel discuti-lo de forma satisfatria, no que respeita presente questo, at o distinguirmos um pouco mais claramente do mtodo intuicionista comum.Na verdade, o ideal parecer divergir muitas vezes do real em direces diametralmente opostas, consoante a linha da mudana imaginada que adoptarmos quando fizermos um voo visionrio a partir dos males presentes.Por exemplo, os casamentos permanentes causam agora alguma infelicidade, dado que o afecto conjugal nem sempre permanente. Porm, consideramo-los necessrios, em parte para proteger os homens e as mulheres de caprichos da paixo que lhes so perniciosos, mas sobretudo para que as crianas sejam criadas em melhores condies.Ora, pode parecer a alguns que, num estado idealda sociedade, poderiamos confiar mais nos afectos parentais e no precisar de controlar tanto os jogos emotivos naturais entre os sexos, pelo que o amor livre seria oideal. Contudo, outros podem sustentar que a permanncia no afecto conjugal natural e normal, e que temos de supor que quaisquer excepes a esta regra desaparecero medida que nos aproximarmos do ideal. Consideremos outro exemplo. A distribuio desigual dos meios para a felicidade, bem como a diviso dos seres humanos em ricos e pobres, parecem reduzir muito a felicidade fruda na nossa sociedade actual. Todavia, podemos conceber duas maneiras bastante diferentes de remover este mal:com uma maior disposio dos ricos para redistribuir o que possuem, ou com estruturas sociais que permitissem queospobresconseguissemobter mais para simesmos. Noprimeirocaso,o idealimplica uma grandeextenso e sistematizao da caridade arbitrria e casual que agora se pratica; no outro caso, implica a sua extino.Emsuma, parece que, quando abandonamos o solo firmedasociedade real, ficamos cercados por um ilimitvel espao nebulosoem que podemos construir toda uma variedade de estados modelo, mas nenhum ideal definido ao qualorealseaproximeinegavelmente,domesmomodo que aslinhas rectas e os crculos do mundo fsico real se aproximam dos da geometria cientfica.