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220 ,. FRON r EIRAS D;\ JUSI IA

plesrn um passo adiante, ao rejeitar a ordem lexical sob o ar gumento de que essas questes so muito interdependentes para que no seja seno um equivoco sugerir que liberdades e oportu nidades possam ser estabelecidas antes dos assuntos econmicos. No entanto, minha posio assume algo da separao que Rawls sugere, ao insistir que alguns direitos devem ser distribudos sob a base de estrita igualdade, enquanto em outros (de natureza mais estreitamente econmicos) buscamos a adequao. As minhas razes para insistir na estrita igualdade de liberdade religiosa, li berdade de expresso e liberdade poltica so de natureza rawlsia na, relacionadas com consideraes de respeito e reciprocidade.No fim, ento, o esprito dos princpios sobrevive, apesar das grandes mudanas introduzidas no ponto de partida e em deta lhes de sua fox" 1"ipos e nveis de dignidade: a norn1a da espcieO enfoque das capacidades opera com uma mesma lista para todos os cidados, e usa a noo de um nivel mnimo para cada urn das capacidades, isto , um mnimo abaixo do qual no h uma vida decentemente digna para os cidados Segundo minha con cepo filosfi do enfoque das capacidades, este especifica um nvel mnimo apenas de modo geral e aproximado, tanto porque considero que o nvel mnimo possa variar ao longo do tempo, como porque considero que o nvel mnimo de urn capacidade possa ser estipulado de maneiras diferentes por diferentes socie dades, de acordo com suas histrias e circunstncias Assim, um direito livre expresso que parea apropriado para a Alemanha (que permita a proibio de discurso antissemtico e de organiza o poltica antissemtica) seria muito restritivo no clima diferente dos Estados Unidos: ambas as naes parecem ter feito escolhas razoveis nesta rea, luz de suas histrias. De modo semelhante,

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exatamente at onde o limite deve ir com relao ao nvel de edu cao que deve ser fornecido gratuitamente pelo Estado pode de alguma maneira variar de acordo com o tipo de economia e de mercado de trabalho de cada pais, ainda que o nvel no devesse variar tanto como de fato ocorre. Assim, dada a estrutura de opor tunidades de emprego e os pr-requisitos de atividade poltica no mundo contemporneo, cabe discutir, por exemplo, se a idade apropriada de deixar a escola aos dezessete ou aos dezenove anos, n1as no se deveria ser aos doze anos, Em tais casos, o enfo que considera que o melhor modo de tomar uma especificao mais precisa e apropriada incrementando-a; o legislativo, os tri bunais e as agncias administrativas desempenharo os papis que parecerem mais apropriados a cada pais luz do carter espe cfico das suas instituies e de suas competncias institucionaisPor que afinal o enfoque delimita uma nica lista de capaci dades e um nico nvel mnimo? preciso abordar esta questoagora, porque ela obviamente crucial para o tratamento do as sunto das capacidades de pessoas com impedimentos mentais.. O enfoque das capacidades parte de uma concepo poltica do ser humano, e da noo de uma vida de acordo com a dignidade do ser humano. Uma concepo das espcies e das atividades carac tersticas de cada espcie, portanto, o permeia. Mas devemos ter cuidado e dizer o que o uso de urn ideia da natureza humana permite e o que no permite, porque existem outras abordagens no pensamento tico e poltico que se utilizam da ideia de natu reza humana de modo bem diferente17.Antes de mais nada, a noo de natureza humana em minha teoria explicitamente, e desde o comeo, ava/iattia e, em parti cular, etican1ente avaliatria: entre as muitas caractersticas concre-

17 Ver Nussbaun1 (1995b)

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tas de uma forma de vida humana tpica, selecionamos algumas que parecem to normativamente fuque uma vida sem nenhuma possibilidade de exercer alguma delas, em qualquer n vel, no pode ser considerada uma vida plenamente humana, uma vida de acordo com a dignidade humana, mesmo que as outras estejam presentes. Se for impossvel exercer uma quantidade sufi ciente dessas caractersticas (como no caso de uma pessoa em um estado vegetativo persistente), devemos talvezjulgar que estaj no mais uma vida humana. Ento, wna vez identificado esse limite (extremo), procuramos um limite mais alto, aquele acima do qual no apenas a mera vida, mas a boa vida torna-se possvelEm outras palavras, certos estados de um ser, por exemplo, um estado vegetativo permanente de um ser (que era antes) hu mano, nos leva a dizer simplesmente que esta no uma vida humana de alguma maneira significativa, uma vez que as possibi lidades de pensamento, percepo, relao e assim pordiante esto completa e irrevogavelmente ausentes (Notem que no diramos isso se apenas uma ou mais das modalidades perceptivas estives sem ausentes; mas somente se a integridade de um grupo de ca pacidades humanas bsicas estivesse inteira e irrevogavelmente au sente. Assim, h uma relao estreita entre este limite e a definio mdica da morte. Tampouco diramos isso se alguma capacidade aleatria estivesse ausente: teria de ser um gru suficientemente significante delas para constituir a morte de qualquer coisa com a forma caracteristicamente humana da vida. Dois exemplos se riam a pessoa em uma condio vegetativa persistente e a criana anencefi ca.)18 Procuramos, ento, intuitiva e aproximadamente, um ponto mais alto acima do qual uma boa vida est ao alcance

rn Assin1, modifiquei algumas afirrnaes feitas cm artigos dos anos i980 e dos anos i990, que foran1 lidos como sugerindo que se qualquer uma das capacidades est ausente., a vida no mais u1na vida humana

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de um ser humano, focalizando nas condies sociais dessa vida Tais condies tambm podem ser naturais, mas) uma vez que as pesquisas biolgicas ampliam nossas possibilidades mdicas, de vemos contar com a possibilidade de que algo que normalmente pertencia ao campo do acaso ou da natureza pode agora perten cer ao campo social, ou seja, ao campo regulado pela justia19 A tarefa de uma sociedade digna dar a todos os cidados as (con dies sociais das) capacidades, at um nvel mnimo apropriado. Nessa teoria, as noes do humano e das capacidades humanas centrais so, portanto, avaliativas e ticas. Algumas coisas que os seres humanos podem ser e fazer (crueldade, por exemplo) no aparecem na lista. A lista projetada para ser a base de umconsenso sobreposto em uma sociedade pluralista, por isso explicitamente no metafisica. projetada para evitar conceitos que pertenam a uma viso metaf ou epistemolgica ampla doser humano e no a outra, tal como os conceitos de alma, ou de teologia natural, ou de verdade autoevidente. O enfoque parte de uma ideia altamente geral da realizao humana e de suas possi bilidades, no de uma ideia nica de realizao, como na teoria normativa de Aristteles, mas, sim, de uma ideia de um espao para diversas possibilidades de realizao. A alegao que feita pelo uso de uma nica lista, ento, no a de que s h um nico tipo de florescimento para o ser humano, mas, sim, que os cida-

19 Sobre a sorte e justia, ver Buchanan ct ai (2000) Sobre o soda! e o natural, ver a discusso de Rawls sobre os bens primrios sociais e naturais em Nussbaum (2oooa), capitulo l. Da mcsn1n forma que Rawls define a justia cm termos da "base social de autorrcspeito", a qual pode, claro, ter outros detern1inantes, assin1 tambn1 defi a tarefa relevante nas reas de saUde, in1aginao e assin1 por dian te: prover as condies sociais dessas capacidades Entendo "social": entretanto, de alguma forma maisgeral do que Rawls, uma vez que incluo a estrutura familiarna descrio do que "social"' Assim, na medida em que os li1nites das capacidades derivem de algum aspecto da estrutura familiar e que seja possvel evitar isso me diante medidas legais, caber ao Estado promover uma estrutura mais adequada

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dos razoveis podem concordar que essas capacidades so pr-requisitos importantes de concepes rade florescimento humano, na medida em que levem em considerao a concepo politica de pessoa como um animal poltico, tanto digno quanto necessitado; e, dessa forma, elas so boas bases para defi os direitos polticos bsicos em uma sociedade justaS h portanto uma lista, no porque as ideias dos cidados a respeito da sua prpria realizao sejam nicas, mas porque pare ce ser razovel para as pessoas concordar com um grupo de direi tos constitucionais fundamentais que forna base para mui tos modos diferentes de vida, direitos que parecem inerentes ideia de dignidade humana. Mas agora uma questo difcil deve ser confrontada. Imaginemos um cidado que na realidade noir usar uma das capacidades da lista: por exemplo, um cidadoAmish, que acredita que errado participar na politica sufi cientemente razovel esperar que essa pessoa possa ainda assimapoiar a incluso do direito de votar como um elemento na lista porque ela escolheu estar em uma sociedade democrtica, e pode acreditar que a possibilidade de votar , em geral, uma coisa va liosa de se ter em tal sociedade, mesmo que ela prpria no vote. Presume-se que membros de grupos religiosos que probam a seus membros o acesso imprensa e a outras mdias possam, ain da assim, apoiar a ideia de liberdade de imprensa como um valor importante para uma sociedade democrtica, ainda que no este ja relacionada com a sua prpria concepo de florescimento hu mano' De modo similar, ateus, agnsticos e mesmo pessoas que odeiam ou desdenham a religio podem ainda assim apoiar a ca-

20 A questo de saber se devemos permitir esta restrio informao com relao s crianas bastante proble1ntica, e a abordo em Nussbaum (2oooa), capitulo 4 Aqui discuto somente o caso deadultosque escolheram viver em tais comunidades, desde que ai estejampresentes o contexto de uma educao adequada e a existncia de possibilidades de evaso

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pacidade do livre exerccio religioso como parte importante da sociedade, porque podem constatar a partir do estudo da histria que a opresso religiosa representa um grande perigo para todas as sociedades, e que esse tipo de opresso prejudica muitas outras possibilidades humanas. Apoiaro com razo uma concepo da liberdade religiosa que inclua direitos iguais para atestas e agns ticos; n1as provavelmente favorecero essa capacidade, en1 vez do atesmo compulsrio, porque aceitaram as ideias centrais da dig nidade humana e do respeito mtuo por razes prticas.Agora a questo : qual papel exatamente as noes de ser hu mano e de dignidade humana desempenham com relao ao que se pede a esses cidados que aquiesam? Pedimos ao cidado Amish que concorde que o florescimento humano e uma vida compatvel com a dignidade humana no so possveis sem o direito ao voto?Pedimos ao cidado ultraortodoxo que concorde que o flmento humano e uma vida compatvel com a dignidade humana no so possveis sem a liberdade de imprensa, mas a sua religio pode muito bem negar isso? Pedimos ao ateista que afirme que o florescimento humano e a vida compativel com a dignidade huma na no so possveis sem a liberdade religiosa? Essas pessoas esto dispostas a concordar que bom para uma sociedade garantir esses direitos, porque reconhecem que outras pessoas os exercem, e elas respeitam tais pessoas. Mas elas podem no querer ser foradas pela concepo poltica a dizer que esses direitos esto implcitos na no o de dignidade humana e de realizao humana. Assim, pareceria que estamos pedindo-lhes que digam algo mais, e mais controverso, do que aquilo que lhes propusemos, e que, no fim, a noo do hu mano que est criando o problemaDeixe-me tentar responder do seguinte modo. Essas pessoas escolheram viver em uma democra pluralista e a respeitar os seus valores Devemos acreditar que no pensam que os valores