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DOUTORAMENTO MESTRADO & ESTUDOS SÉRIE D 3 FERNANDO DE PAULA BATISTA MELLO NOTAS SOBRE O CONTRATO DE AGÊNCIA ELEMENTOS ESSENCIAIS, DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E CAUSAS DE CESSAÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL

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DOUTORAMENTO

MESTRADO&ES

TUDO

S

SÉRI

E D

3

FERNANDO DE PAULA BATISTA MELLO

NOTAS SOBRE O CONTRATO DE AGÊNCIA ELEMENTOS ESSENCIAIS, DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E

CAUSAS DE CESSAÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL

página deixada propositadamente em branco

EDIÇÃOInstituto Jurídico

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

COORDENAÇÃO EDITORIALInst ituto Jur ídico

Faculdade de Direi to Univers idade de C oimbra

CONCEPÇÃO GRÁFICA | INFOGRAFIAAna Paula Silva

[email protected]

www.fd.uc.pt/ institutojuridicoPátio da Universidade | 3004-545 Coimbra

ISBN978-989-98886-8-5

© JULHO 2014

INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FERNANDO DE PAULA BATISTA MELLO

NOTAS SOBRE O CONTRATO DE AGÊNCIA ELEMENTOS ESSENCIAIS, DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS

E CAUSAS DE CESSAÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL

Doutoramento

Mestrado

E S T U D O S

&

SÉRIE D | 3

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Notas sobre o CoNtrato de agêNCia elemeNtos esseNCiais, divergêNCias doutriNárias

e Causas de Cessação do víNCulo CoNtratual

Fernando de Paula Batista Mello

Resumo: O presente artigo pretende revitalizar as discussões e polêmicas acerca do contrato de agência, a partir de um estudo específico e aprofundado dos pontos concernentes à existência e cessação deste contrato. O contrato de agência, nos tempos atu-ais, constitui um instrumento fundamental para a circulação de ri-queza, o que acentua a necessidade de um constante estudo em torno de sua natureza jurídica. Pretende-se, para a consecução deste fim, analisar os seus elementos tipificadores (distinguindo-o dos contratos afins), destacando o seu regime jurídico nas princi-pais legislações estrangeiras, sem, contudo, deixar de ressaltar as principais questões presentes no Decreto-lei 178/86 (modificado pelo Decreto-Lei n.º 118/93).

Palavras-chave: contrato de agência; representante comercial; contratos duradouros.

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Abstract: This article aims to revitalize the discussions and con-troversies about the agency agreement, from a specific and tho-rough study concerning the existence and termination of this contract. The agency contract is, nowadays a fundamental ins-trument for the circulation of wealth, one that requires constant study of its legal nature. To this purpose, the A. analyzes its cons-tituent elements (by distinguishing it from related contracts) and highlights the legal status in major foreign laws while emphasizing the main issues dealt with in Decree-Law 178 / 86 (amended by Decree-Law 118/93).

Keywords: agency agreement; trade representative; long-term contracts.

Notas sobre o Contrato de Agência

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NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

É cediço que o sistema econômico impõe a circulação de produtos no tráfego comercial, realizando o fenômeno natural, que, na verdade, se sustenta pelo binômio produção/consumo. Conse-quência lógica desse desencadeamento econômico é, num primeiro estágio, a utilização do contrato de compra e venda como o instru-mento jurídico básico para o escoamento dos produtos1. Deve, no entanto, ater-se para o fato de que, em uma escala mais desenvolvi-da, o produtor não tem condições de explorar individualmente o seu negócio, situação na qual se vê obrigado a recorrer a terceiros que, sob o seu comando, lhe prestem serviços, seja na criação ou na ven-da dos seus produtos2.

É diante desse breve raciocínio que se verifica o processo econômico de distribuição mercantil que, por via dos contratos de distribuição, tem por finalidade diminuir o distanciamento físico e temporal habitualmente existente entre o produtor e o consumidor3.

1 Humberto Theodoro Júnior. «Do contrato de agência e distribuição no novo código civil». “Num estágio primário da exploração do mercado, o arte-são cria o produto, expõe-no à venda e, ele mesmo o vende ao consumidor”. Ibid.

2 Humberto Theodoro Júnior. «Do contrato de agência e distribuição no novo código civil».

3 José V. Soria Ferrando. El agente de comercio. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, 11. Em termos históricos, a construção desses contratos se deu paulatina-mente com as alterações do modo de produção. Inicialmente, durante o século XIII, a sociedade presenciou uma era marcada pela homogeneidade no sistema de produção e distribuição de bens, uma vez que este era, em sua maioria, arte-sanal, formado por uma diminuta clientela, sem ensejar uma independência ou autonomia de uma fase sobre a outra, já que a produção e a distribuição se encon-

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Todavia, ao se falar em contrato de distribuição, se quer disciplinar as relações entre o produtor (ou importador) e o distribuidor, e não os contratos com os consumidores4 (que se perfazem, normalmen-te, em contratos de compra e venda5). Portanto, numa definição ge-ral, pode-se dizer que os contratos de distribuição “são todos aque-les que visam interligar as fases do processo de comercialização de um bem ou serviço disponibilizado no mercado por determinada pessoa, por intermédio da atuação, formalmente independente, de um terceiro”6.

Em termos atuais, é possível inferir que as políticas comer-ciais adotadas impõem a uma determinada empresa a conclusão do maior número possível de contratos, tendo, com isto, o menor cus-to. Para o cumprimento deste escopo, é essencial a utilização de meios eficientes de escoamento da produção (ou seja, distribuição de produtos), como forma de alcançar os mais variados consumido-

travam a cargo da mesma pessoa – os contratos de distribuição eram basicamente relegados ao limbo. Somente com a Revolução Industrial, marcada pela produção em massa, se verificou uma radical transformação no processo de produção que, consequentemente, modificou o processo de distribuição, na medida em que a larga produção intensificou a necessidade de se escoar o excedente. Foi neste mo-mento que se viu a substituição do termo “comércio” pelo termo “distribuição”. Roberto PardoleSi. I contratti di distribuzione. Napoli: Jovene, 1979, 1-11.

4 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Co-mercial. Coimbra: Almedina, 2009, 35.

5 O ilustre Professor Pinto Monteiro destaca, ressalvando, porém, que suas palavras devam ser entendidas de forma ampla e imprópria, que o contrato de compra e venda também é designadamente um contrato de distribuição, “pois através dele […] que os bens se transmitem, ´distribuem’, hoc sensu” (grifos no ori-ginal). Note-se que diante desta concepção diversos outros contratos, que fossem utilizados na distribuição, poderiam ser taxados como contratos de distribuição – v. g. depósito, locação, transportes. Por isso, desde logo, o renomado autor afasta esta sua afirmação inicial, conforme se observa do trecho a seguir: “[n]ão é este o sentido em que se fala dos contratos de distribuição: interessa, para o efeito, não o acto final da transmissão do bem ao consumidor, antes a actividade desenvolvida a montante, de intermediação, instrumental e preparatória daquela transmissão; numa palavra, não são as relações com o consumidor, antes as relações com o produtor que pertencem ao direito da distribuição” (grifos no original). Ibid., 35.

6 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 23.

Notas sobre o Contrato de Agência

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res7. Daí, verifica-se, no plano doutrinário, uma recorrente adoção de dois modos de conceber a organização estrutural do processo distributivo, a saber: um sistema direto e outro indireto8.

A distribuição indireta concentra-se na ideia de divisão do trabalho e na concepção de especialização, na qual o produtor se concentra na produção, dispensando a um terceiro – distribuidor – a responsabilidade pela distribuição de bens ou serviços disponibiliza-dos pelo produtor –, e.g., contrato de concessão, de franquia9 10. Já a distribuição direta, a contrario sensu, indica que as funções concernen-tes à distribuição estarão a cargo do produtor, embora ele se utilize de um terceiro, que atuará como um intermediário. Logo, estará ele, o produtor, vinculado diretamente à conclusão do contrato e adim-plemento da obrigação – e. g., um viajante ou pracista (empregado), agente ou comissionário11 12.

Cumpre destacar que parte da doutrina entende que os con-tratos de distribuição somente se perfazem através da distribuição in-direta, hipótese em que, obrigatoriamente, se transfere a proprieda-de do bem a ser distribuído no mercado aos intermediários. Assim, os contratos de distribuição direta, por permanecer a propriedade na esfera do produtor, e não na dos intermediários, são taxados como

7 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 25.

8 Roberto PardoleSi. I contratti di distribuzione, 12.9 Ver: Roberto PardoleSi. I contratti di distribuzione, 12; Alicia Garcia

herrera. La duración del contrato de distribución exclusiva, 110; e Paula A. ForGioni, Contrato de distribuição, 44-45.

10 “O fabricante faz chegar determinado bem ao mercado, por intermé-dio de um terceiro que, atuando por sua conta e em nome próprio, adquire o bem pelo primeiro disponibilizado e posteriormente o revende ao consumidor final, assumindo os riscos da atividade”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 26.

11 Ver: Roberto PardoleSi, I contratti di distribuzione, 13; Alicia Garcia herrera, La duración del contrato de distribución exclusiva, 119; e Paula A. ForGioni, Contrato de distribuição, 44.

12 “[O]correrá a distribuição direta quando a conclusão e o adimplemen-to do contrato se derem na sede do distribuidor ou quando esse distribuidor se utilizar da constituição ou de uma filial ou de um auxiliar dependente”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 26.

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contratos para a promoção de negócios. Nessa senda, dispunha o pro-fessor Pinto Monteiro: “[é] certo que a actividade distribuidora en-volve uma fase promocional e que esta, por outro lado, se faz tendo em vista o escoamento de bens. Promoção e distribuição surgem, pois, como actividades interligadas. Mas o que pretende salientar--se, com aquela classificação [o contrato de agência, bem como a mediação, seriam contratos para a promoção, a concessão e a fran-quia (franchising) seriam contratos de distribuição], é que há contra-tos, cuja finalidade típica e essencial é a promoção de negócios, ao lado de outros cuja ratio e escopo reside na distribuição de bens. Aquilo que nuns aparece como nota decisiva é, nos outros, em suma, apenas uma nota secundária, instrumental em relação à concretização da finalida-de típica respectiva”13.

No entanto, atualmente, entende a melhor doutrina14 que quer os contratos de distribuição indireta, quer os contratos de distri-buição direta devem ser considerados, em sentido amplo, como con-tratos de distribuição comercial, já que “embora o fim, de que com-partilham, se mostre susceptível de ser prosseguido por meios diferen-tes, […] comunga[m] de um conjunto essencial de notas comuns que permitem enquadrá-los numa mesma categoria”15.

Dessa forma, é dos contratos de distribuição que se extrai a natureza jurídica do contrato de agência, uma vez que se caracte-riza por ser um contrato de distribuição direta, o que, desde já, im-põe dizer que o poder de controle de conclusão e adimplemento do contrato é do agenciado. Por outro lado, o proponente não irá co-mandar o processo, pois o agente é um representante que organiza o seu próprio trabalho e o dirige, sem a interferência da outra parte. O agente faz da intermediação do negócio a sua própria profissão, prestando o serviço tendente a promover a compra e venda, que

13 (Grifos no original). António Pinto MonTeiro, Contratos de agência, de concessão e de franquia [“Franchising”], 8.

14 Assim já preleciona o próprio Professor António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 27.

15 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Co-mercial, 27.

Notas sobre o Contrato de Agência

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será concluída pela contraparte16. Por isso, usualmente, é designado como representante comercial autônomo17.

O Contrato de agência ou de representação comercial18 é a convenção pela qual uma das partes (o agente)19 assume, em caráter não eventual (estável) e sem vínculos de dependência (autônomo), a obrigação de promover à conta da outra20 parte (agenciado, proponen-te, principal, comitente, empresário ou mandante21) a celebração de

16 Há quem fale no chamado “agente de compras”. Deve-se ter em mente que os contratos de agência são habitualmente contratos pelos quais o agenciado irá vender os seus bens ou prestar serviços que fornece, o que faz destes contratos de distribuição. No entanto, a jurisprudência e a doutrina vêm alargando o seu âmbito de abrangência, não impedindo que a promoção de contratos, a cargo do agente, seja destinada à aquisição de bens ou serviços para o proponente (agen-ciado ou proponente). António Pinto MonTeiro, Contrato de agência. Anotações ao Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2010, 53. Ver: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de Maio de 2010. Rel. Des. Jorge Arcanjo. Processo, n.º 2509/05.OTBA VR.C1 (Disponível em: <http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/daf2ad048f6a28a880257749004e858f ?OpenDocument>. Acesso em 24 de jun. 2013).

17 Humberto Theodoro Júnior, «Do contrato de agência e distribuição no novo código civil».

18 Designação que, atualmente, não é utilizada por grande parte da dou-trina e nem pelos diversos diplomas legais acerca da matéria, uma vez que o agen-te, habitualmente, não detém poderes de representação.

19 A designação “agente” caracteriza-se por ser um termo pacífico na doutrina para denominar aquela parte à qual incube o dever contratual de angariar clientes, bem como o de manter tal clientela em favor da outra parte.

20 Deve-se, desde logo, realizar uma distinção entre o alcance da expres-são “à conta de outrem” da expressão “em nome de outrem”. No contrato de agência, habitualmente, o agente somente atua à conta de outrem, já que promove a conclu-são de negócios em favor da outra parte. Isso quer dizer “que os efeitos decorren-tes dos atos realizados pelo agente se projetam na esfera jurídica do agenciado”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 61-62. A simples existência do contrato de agência não legitima o agente a agir em nome do agenciado, salvo se lhe forem outorgados poderes de representação (ver: Karl larenz, Derecho civil: parte general, 766). Em posicionamento contrário, defendendo que o agente sempre age em conta e em nome do agenciado, o que lhe faz ter uma representatividade irredutível, ver: Francisco Mercadal Vidal, El contrato de agencia mercantil, 520-521.

21 A nomenclatura dada ao figurante que busca aumentar a sua clientela, ou seja, seu número de negócios (contratos), não é pacífica na doutrina. A legis-lação alemã o designou de empresário; a legislação italiana e brasileira de proponente;

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contratos, numa zona determinada (ou, ainda, em um determinado círculo de clientes), mediante retribuição22.

Fica claro que o contrato de agência nasceu para substituir o empregado subordinado (pracista ou viajante) que onerava os cus-tos do negócio, não só por conta de suas viagens, mas, também, pelo pagamento de remuneração fixa, independentemente da sua produ-tividade23. Com o processo de agenciamento, o produtor transfere

a ordem jurídica suíça e francesa lhe reservou o nome de mandante; a Diretiva da C.E.E (Comunidade Econômica Europeia) de 1989 apelidou-o de comitente; e o direito da Common Law utiliza a designação principal. A doutrina portuguesa aplica em larga escala a designação principal, posicionamento este que influenciou o pró-prio legislador português a adotar, timidamente, a referida expressão – somente se utiliza da expressão “principal” em dois artigos do Decreto-lei n.º 178/86 (arts. 19.º e 23.º), preferindo, nos demais momentos, utilizar expressões como “outra parte”.

É bem verdade que nenhuma das nomenclaturas é isenta de críticas, conforme se extrai dos comentários de Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 31-32) e, também, António Pinto MonTeiro, “Contrato de Agência (anteprojecto)”. Boletim do Ministério da Justiça. N.º 360. Novembro, 1986. p. 61, mas algumas devem ser evitadas, como: empresário, já que, como se verificará, não obrigatoriamente a contraparte do agente deverá ser empresário; mandante, uma vez que remete ao contrato de mandato, que não se confunde com o contrato de agência – o mesmo raciocínio se aplica ao termo comitente. Enfim, atento a esta flutuação terminológica, o presente trabalho utilizará a designação agenciado, do mesmo modo que era empregado pelo digníssimo jurista Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, 29-30.

22 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 33. O contrato de agência é um contrato: a) bilateral, por criar obrigações para ambas as partes; b) oneroso, porque o representante fará jus a uma remuneração a depender dos servi-ços prestados; c) comutativo, uma vez que as mútuas vantagens são equivalentes e conhecidas desde a celebração do ato negocial – ainda que o agente não consiga promover nenhum contrato em favor do agenciado, este contrato não deixará de ser comutativo, já que são circunstâncias independentes do contrato; d) intuitu per-sonae, por ser personalíssimo, portanto, intransferível; e) não-solene (ou consensual), já que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, não se coloca uma exigência es-pecial de forma, podendo constituir-se oralmente ou por escrito. Porém, a forma escrita é a mais comum. Maria Helena diniz, Curso de direito civil, 418.

23 “O contrato de agência nasceu para que fossem atendidos os anseios dos comerciantes de verem vencidas as dificuldades impostas pelo tráfico para organizar, da melhor forma, a atividade comercial distributiva e de exploração dos mercados”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 29.

Notas sobre o Contrato de Agência

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alguns custos e riscos para o intermediário, vendo-se ainda livre da obrigação de uma remuneração fixa, na medida em que o agente será remunerado a partir dos resultados obtidos em favor do indus-trial para o qual está trabalhando24.

As vantagens supracitadas culminaram na consolidação prá-tica deste contrato, o que não representou uma rápida tipificação, pois a sua semelhança com outros tipos contratuais retardou a sua configuração como um modelo jurídico-legal25.

Sob essa nova realidade legislativa, o presente trabalho tem por finalidade analisar o contrato de agência observando as suas principais características e distinguindo-as dos contratos afins, apontando, ainda, as principais divergências doutrinárias e legislati-vas, para ao final apontar as causas de extinção e denúncia do refe-rido contrato.

PARTE I

I. ANÁLISE CRÍTICA DAS CARACTERÍSTICAS ELEMENTARES DO CONTRATO DE AGÊNCIA

O contrato de agência se caracteriza por ser formado pela mutação de vários elementos de outros contratos – v. g., contrato de comissão, mediação, dentre outros –, o que implica dizer que a não concretização de um de seus elementos essenciais não dará ense-jo ao tipo contratual estudado, mas, sim, a outra espécie contratual, seja típica ou atípica.

Portanto, o estudo em torno dos elementos essenciais do

24 “A agência busca a sua génese na relação de comenda. Por esta, o co-merciante (commendator) entregava as suas mercadorias a um tractator que ficava encarregado de as vender no estrangeiro, mediante uma participação nos lucros derivados dos negócios por si realizados”. Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 13.

25 A Alemanha, em 1857, foi o primeiro país a apresentar um regime jurídico ao contrato de agência.

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contrato de agência se justifica não só para caracterizar o contra-to em tela, mas também para o afastar do regime jurídico de outros contratos afins. Nesse sentido, será de extrema valia a análise dos mais diversos regimes jurídicos os quais contemplam essa forma de convenção – Alemanha, Portugal, Espanha, Itália, França e Brasil –, bem como o exame de seus precedentes judicias e obras doutriná-rias, uma vez que se trata de um contrato que demorou a ser reco-nhecido pelo legislador26.

1. A delimitação subjetiva: A (in)existência da obrigatorie-dade da condição de empresário (ou comerciante) para os figurantes do contrato de agência

A delimitação subjetiva do contrato de agência faz alusão às pessoas que desempenham o papel de agente e agenciado. É nes-te diapasão que se indaga, preliminarmente, qual espécie de pessoa (física ou jurídica) pode ser sujeito ativo ou passivo do supracitado contrato.

Cumpre destacar que esta não desprestigiada discussão ga-nha relevo nos ordenamentos jurídicos italiano27, português28 e bra-sileiro29 – nesses sistemas o legislador não mencionou o tipo de pes-soa que deverá figurar nos polos do contrato em apreço –, já em

26 Enquadra-se, aqui, a exemplo, o caso português onde a Lei regula-mentou as notas económico-social que a doutrina e a jurisprudência já haviam confi-gurado em solo nacional. António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 78.

27 Articolo 1742 do Codice Civile: Col contratto di agenzia una parte assume stabil-mente l’incarico di promuovere, per conto dell’altra, verso retribuzione, la conclusione di contratti in una zona determinata.

28 Artigo 1.º (Decreto-lei 178/1989): Agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição.

29 Artigo 710 do Código Civil. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

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países como Espanha30 e França31 essa lacuna é de pronto afastada, pois estas legislações, de modo expresso, delimitaram a possibilida-de de ser tanto pessoa física como jurídica.

De plano, quanto ao agenciado, a questão não suscita maio-res problemas. A doutrina dos ordenamentos estudados é uníssona em admitir a possibilidade de poder o agenciado ser pessoa física ou jurídica. Da mesma forma, não se deve aceitar o reconhecimento de situação diversa para os agentes, uma vez que tanto pessoas físicas como jurídicas podem promover negócios à conta de outrem, fina-lidade fundamental do contrato de agência. Daí cumpre reconhecer que a qualidade de pessoa, descrita nas legislações lacunosas, deve ser interpretada como fato jurídico lato sensu, ou seja, assume a con-dição de pessoa aquele que nascer com vida ou a partir do registro do devido ato constitutivo no órgão competente32. Logo, não há que se admitir os argumentos daqueles que defendem a obrigatoriedade de ser o agente uma pessoa física33, pois não persiste uma impossibi-lidade prática, nem legal, para que as pessoas jurídicas exerçam essa atividade de promoção.

O nó górdio da delimitação subjetiva está na necessidade de o agenciado ou do agente ter a qualidade de empresário (ou comer-ciante) para fins de configuração do contrato de agência.

30 Articulo 1.(Ley 12/1992): Por el contrato de agencia una persona natural o jurídica, denominada agente, se obliga frente a otra de manera continuada o estable a cambio de una remuneración, a promover actos u operaciones de comercio por cuenta ajena, o a promoverlos y concluirlos por cuenta y en nombre ajenos, como intermediario independiente, sin asumir, salvo pacto en contrario, el riesgo y ventura de tales operaciones. (grifou-se).

31 Article 1. (Loi n.º 91-593/1991): L’agent commercial [*définition*] est un man-dataire qui, à titre de profession indépendante, sans être lié par un contrat de louage de services, est chargé, de façon permanente, de négocier et, éventuellement, de conclure des contrats de vente, d’achat, de location ou de prestation de services, au nom et pour le compte de producteurs, d’industriels, de commerçants ou d’autres agents commerciaux. Il peut être une personne phy-sique ou une personne morale (grifou-se).

32 Este posicionamento, no caso português, poderá ser confirmado a par-tir da interpretação do artigo 26, alínea c), do Decreto-lei n.º 178/86.

33 Rubens Edmundo requião, Nova regulamentação da representação comercial autônoma, 20 e 43. Rubens Requião, no direito brasileiro, assenta seu argumento no artigo 719 do Código Civil, uma vez que o presente dispositivo apenas se refere ao direito dos herdeiros de buscar os créditos do agente falecido.

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Inicialmente, quanto ao agenciado (ou principal), embora haja, em pequena escala, posicionamento em contrário, considera--se que ele tanto pode ser empresário (ou comerciante) como não34. Se uma associação – pessoa coletiva de direito privado não empresa-rial – contrata uma determinada pessoa para angariar novos sócios, em caráter duradouro, em determinada zona e mediante remunera-ção pelos contratos concluídos, realiza com tal indivíduo contrato de agência; da mesma forma, um renomado artista poderá incum-bir certa pessoa, em caráter não eventual, da obrigação de promover a conclusão de contratos de empreitadas de execução musical, em determinado lugar e mediante remuneração pelos contratos que fo-rem concluídos, efetuando com ela, pois, um contrato de agência35.

Já quanto à figura central do contrato, o agente, a obrigato-riedade de ser ou não empresário é motivo de tamanha divergência pela doutrina. Caso ele seja uma pessoa coletiva não resta dúvida quanto ao caráter empresarial da atividade exercida pelo agente em forma societária, uma vez que essa atividade será exercida de for-ma profissional e organizada36. No entanto, a dúvida está em saber

34 Dessa forma posicionou o legislador português no preâmbulo do De-creto-lei n.º 178/86, “Mas é a empresa – rectius, o principal, pois contraparte do agente pode não ser empresário –”. Nesse sentido, ver: Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 31; António Pinto MonTeiro, “Contrato de Agência (anteprojecto)”, 61.

35 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos ju-rídicos, 48. Cumpre verificar que a doutrina não é unânime, por vezes, em delimitar se certas figuras (como agentes desportivos, artísticos, de publicidade, de viagens, etc.) serão ou não considerados como agentes. António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 53. A título de exemplo, tem-se entendido que o contrato entre o agente FIFA e o atleta não será regulado por um contrato de agência, nem, tampouco, por outro contrato civil (v.g. mandato, corretagem, prestação de serviço). Trata-se de um contrato bilateral, atípico – porém, regulamentado pela FIFA –, oneroso, intuito persona e por prazo determinado. Sua semelhança com outros institutos do direito civil advém da complexidade das funções exercidas pelo agente FIFA, o que não implica que ele prescinda de “características próprias que o desassemelha dos demais contratos”. Felipe Legrazie ezaBella, O agente FIFA à luz do direito civil brasileiro.

36 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 40.

Notas sobre o Contrato de Agência

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como a questão se resolve no caso de o agente ser pessoa física. A resposta para esta querela está intimamente relacionada

com o conceito de empresário (ou comerciante), pois as funções do agente, a depender do modo que são realizadas, poderão ser enqua-dradas na atividade empresarial ou nos chamados atos de comércio. “Empresário” (ordenamento jurídico brasileiro) ou “comerciante” (ordenamento jurídico português) é aquele que exerce com profissio-nalidade e organização a atividade econômica para a produção ou cir-culação de bens37.

A organização empresarial do agente pode ser constatada quan-do ao exercer sua atividade ele se valha de um escritório, depósito de mercadorias, caminhões para entrega, bem como a inclusão de em-pregados e subagentes. Todavia, a aplicação de métodos simplifica-dos para a realização da atividade – sem a utilização de um comple-xo de bens ou do trabalho de terceiros – não descaracteriza o con-trato de agente, mas afasta a qualidade de empresário38.

Já a profissionalidade, para alguns autores, estaria inserida na atividade do agente, pois ele a exerce em caráter não eventual, ou seja, de modo contínuo, estável e sistemático. Porém, cumpre veri-ficar que o aspecto duradouro do contrato de agência encontra-se vinculado ao quantum indefinido de promoções, as quais o agente tem por obrigação realizar, na busca de conclusões de negócios em favor do agenciado. Logo, esta característica nada tem que ver com a profissionalidade – elemento de caráter objetivo a ser verificado na atividade do sujeito – que se caracteriza pela habitualidade, ou seja, por uma constante e usual prática de determinada atividade39. “Deve o agente exercer a sua atividade com finalidade de sua vida ativa e com habitualidade, para que seja profissional”40.

37 Ver artigo 966 do Código Civil brasileiro e artigos 13.º c/c 230 do Código Comercial português.

38 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 47.

39 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 42.

40 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos

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Assim, exemplificadamente, um engenheiro agrônomo que, ocasionalmente, no período da plantação de café, é contratado para, em determinada zona, promover, junto aos produtores rurais, o au-mento da conclusão de contratos de compra e venda de determina-do agrotóxico, embora realize atividade de agente, não deverá ser considerado como um empresário (ou comerciante)41.

Constata-se, portanto, que, normalmente, o agente será con-siderado um empresário, já que desenvolverá de modo organizado atividade econômica, de promoção para a conclusão de negócios, à conta e no interesse de outrem, com ânimo profissional. No entan-to, esta máxima não pode ganhar contornos absolutos42, uma vez

jurídicos, 42.“Desse modo, a habitualidade, em princípio, decorre da estabilidade da obrigação do agente, mas dela, imperiosamente, não advém. Serve para caracteri-zar a profissionalidade de determinada atividade. Em sendo a atividade ocasional ou esporádica, não há como tornar quem a exerça profissional”. Ibid., 43.

41 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 43. “Embora a secundariedade no exercício da promoção à conclusão de negócios em conta e no interesse de outrem possa afastar o caráter profissional do agente, essa assertiva não deve ser considerada em termos absolutos. Em muitos casos, mesmo a atividade de agente sendo secundária, a atividade principal, como no exemplo em tela, pode não vir a descaracterizar a profissionalidade. A atuação exclusiva do agente no exercício da sua atividade não é requisito para a profis-sionalidade. [... O] agente pode vir a ser profissional, exercendo essa atividade de modo secundário e periódico”. Ibid. p. 43-44.

42 Em Portugal a discussão deve, inicialmente, ser realizada sob o ponto de vista legislativo. Isso porque o Decreto-Lei 339/85, especificadamente no seu artigo 1.º, n.º 5, previa a condição de empresário (comerciante) para a realização da atividade do agente, já que dispunha a organização comercial e a profissionalidade como pressupostos para essa função. O agente, segundo o dispositivo, seria ne-cessariamente qualificado como comerciante, uma vez que a sua atividade era enquadrada como um ato de comércio (Decreto-Lei 339/85, artigo 1.º, n.º 5. “[e]ntende-se que exerce a actividade de agente de comércio toda a pessoa física ou colectiva que, não se integrando em qualquer das categorias anteriormente definidas mas possuindo organização comercial, pratica, a título habitual e profissional, actos de comércio”). Nesse sentido, ainda, destaca-se o Decreto-Lei n.º 144/83 que em seu artigo 3.º, alínea d), dispõe que “[s]ão considerados empresários em nome individual os agentes que desenvolvam uma actividade económica intermédia entre a produção e o consumo, organiza-da com fim lucrativo, sem vínculo de subordinação jurídica”. Portanto, por um longo tempo – durante o período no qual o contrato de agência era um contrato atípico inominado –, a qualidade de comerciante foi condição sine qua non para o exercício da atividade de agente. No entanto, com o advento do Decreto-Lei

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n.º 178/86, que regulou o contrato de agência em solo português – passando a ser um contrato típico – não é devido vincular a obrigatoriedade da condição de empresário para o agente. A partir desse diploma, em especial da leitura do artigo 1.º, o legislador reconheceu a não obrigatoriedade da qualidade de empresário do agente. Nessa senda, foram revogados o Decreto-Lei 339/85 e o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 144/83, respectivamente, pelo Decreto-Lei n.º 48/2011 e pelo Decreto-Lei n.º 42/89. Assim, para ser o agente declarado um comerciante (ou empresário) será preciso: i) que ele exerça profissionalmente a agência; ii) que ele realize suas atividades de agente de forma organizada – não bastando qualquer organização; iii) que tenha escritório aberto ao público. Logo, caso os pressu-postos do contrato de agência, bem como os requisitos acima narrados sejam preenchidos, dir-se-á que o agente é um comerciante, aplicando-se, pois, o artigo 230, n.º 3 do Código Comercial. Manuel Januário GoMeS, Da qualidade de comer-ciante do agente comercial, 38 (ver também: Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 31; António Pinto MonTeiro, “Contrato de Agência (anteprojecto)”, 61). Esse também é o posicionamento dos tribunais, conforme acórdão do Supre-mo Tribunal de Justiça, Relator Fonseca Ramos, Processo n.º 39/2000.L1.S1 de 21/01/2012. Dispõe: “Finalmente, não menos relevante, é recordar que, diferentemente do agente, o concessionário é um comerciante profissional em nome próprio, que tem de assumir os riscos do comércio — não se lhe podendo aplicar as normas da mesma forma que se aplicam a um não comerciante” (grifou-se).

Em Itália, embora a doutrina reconheça que no tráfego, habitualmente, o agente seja um empresário, muito se discute quanto à obrigatoriedade dessa condição. Reconhece o agente como um empresário: Vincenzo ceraMi, «Agenzia (contratto di)», 876-877; Giorgio Ghezzi, Del contratto di agenzia, 17-20. Não re-conhece como empresário: Aldo ForMiGGini, Il contrato di agenzia, 18-29 e 35-38.

Em França, o tema também é divergente, uma vez que a doutrina de-fende que o agente deverá ser um comerciante, enquanto a jurisprudência, por entender ser este um contrato de natureza cível, não o considera um comerciante. Nasreddine el haGe, «La nouvelle réglementation du contrat d’ agence commer-ciale», 352-354.

No Brasil, desde a entrada em vigor do novo Código Civil, há uma uni-ficação do direito obrigacional, não cabendo, assim, a dicotomia entre obrigações de cunho cível e comercial. Logo, os contratos disciplinados, em princípio, tanto servem para as atividades cíveis como para as mercantis – o que impõe dizer que neste ordenamento não se coloca a dicotomia entre negócios mercantis e negócios cíveis. A doutrina majoritária afasta a aplicação do artigo 1.º da Lei 4.886/65, por ela prever a obrigação do agente promover a realização de negócios mercantis. Este dispositivo era a pedra de toque para aqueles que sustentavam a obrigatoriedade do agente ser empresário, visto que para eles o contrato de agente necessariamen-te se configuraria dentro das relações mercantis. Assim posicionou Humberto Theodoro Júnior, «Do contrato de agência e distribuição no novo código civil», 3: “[o] contrato de agência envolve: a) relação entre empresários, dentro da circulação mercadológica de bens e serviços” (grifou-se). No entanto, com a unificação do

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que os próprios atos do agente (angariação de clientela, prospeção do mercado, promoção do produto) de per si não devem ser conside-rados absolutamente comerciais43. Logo, “o agente comercial pode-rá ser tanto uma empresa, como também uma pessoa física”44.

Diante do exposto, não se pode conceber a obrigatorieda-de da qualidade de empresário, tanto do agente como do agenciado, pois, ainda que no tráfico a regra seja de que ambos apresentem a qualidade de empresários ou sociedades empresária, esta condição não importa para a existência do contrato de agência45.

2. A autonomia do agente como elemento fundamental para o fiel cumprimento da obrigação de promover a celebração de contratos

A obrigação primária do agente, em todo contrato de agên-cia, consiste em promover a celebração de contratos em favor do agenciado46. Trata-se de uma “complexa e multifacetada actividade direito obrigacional essa expressão, constante no suporte fático do artigo 1.º da Lei 4.886/65, caducará de eficácia jurídica. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 48-49. Cumpre verificar, ainda, que o con-ceito de empresário está disposto no artigo 966 do Código Civil – este dispositivo adota a teoria da empresa, em detrimento da teoria dos atos de comércio –, o qual disciplina que será empresário aquele que exercer profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Nessa linha, o agente será empresário se ele exercer as suas funções de promoção para a conclusão de negócios, à conta e no interesse de outrem, de modo profissional e organizado, situação em que, nos termos do artigo 967 do Código Civil, ele deverá se inscrever no Registro Público de Empresa e Atividade afins, regrado pela Lei 8.934/94. O agente, para este ordenamento, não será obrigatoriamente um em-presário, mas, caso o seja, será considerado, em razão da receita bruta auferida por ano, nos termos do artigo 3.º da Lei Complementar 123/06, microempresário, empresário de pequeno porte ou simplesmente empresário. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 47-48.

43 Manuel Januário GoMeS, Da qualidade de comerciante do agente comercial, 38. 44 “L’ agent commercial peut être une société aussi bien qu’une personne

physique”. (Tradução livre). Jean-Marie LelouP, Les agents commerciaux, 47. 45 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos

jurídicos, 48-49. 46 Sobre as obrigações do agente, ver: M.ª Rocío eiraS quinTánS, Las

obligaciones fundamentales del agente, 57-423.

Notas sobre o Contrato de Agência

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material, de prospecção do mercado, de angariação de clientes, de difusão dos produtos e serviços de negociação, etc., que antecede e prepara a conclusão dos contratos”47 a serem realizados pelo agen-ciado (principal)48. Assim, é cediço dizer que essa obrigação identifi-ca o contrato de agência, ao passo que a sua falta, indubitavelmente, descaracterizará a existência de tal contrato49.

47 António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 50. Junte-se a essa veda-ção outros atos, como: a mera atividade de recepção passiva de pedidos de clientes; a mera entrega de uma lista de clientes potenciais ao agenciado, etc.

48 “Sua obrigação está limitada a promover a captação da proposta do cliente e transmiti-la ao agenciado”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 110. É bem verdade que se admitira ao agen-te a possibilidade de “concluir negócios” (ver: artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-lei 178/86 e artigo 710, parágrafo único, do Código Civil brasileiro), entretanto essa obrigação deve ser entendida como secundária à obrigação principal (“promover”).

49 Importa saber, todavia, se a obrigação de promover corresponde a uma obrigação de meio ou de resultado. A obrigação do agente se circunscreve em uma complexidade de atos que visam despertar (promover) num terceiro o interesse de concluir contratos com o principal (agenciado). No entanto, para que o agente tenha benefícios (retribuição/remuneração) com esta relação, já que se trata de um contrato sinalagmático, é necessário que o contrato ofertado se conclua (salvo disposição em contrário). Daí que, tomando por base esse raciocínio, – ou seja, o direito à remuneração – não há como desvincular sua obrigação como de resultado. Por outro lado, constata-se que a partir do elemento nuclear do contrato, qual seja, promover, a obrigação do agente deva ser classificada como de meio, já que o agente agirá para que o resultado se dê, mas, entretanto, sem ser obrigado a atingi-lo. A verdade é que não há consenso na doutrina, embora, de uma maneira geral, se encontre mais autores sustentando que o agente executa uma obrigação de meio, mas que se volta para busca de um resultado: a conclusão do contrato (ver: Francisco Mercadal Vidal, El contrato de agencia mercantil, 456). Contudo, deve ser destacado o posicionamento de Haical, pois o supracitado autor conclui que os atos do agente poderão dar ensejo a obrigações de meio, como também de resultado, como base nos seguintes argumentos: “[as] particularidades apresentadas pelo contrato de agência, decorrentes da sua estrutura complexa, não permitem que se tome, de modo rígido, a posição de ser a obrigação do agente exclusivamente de resultado ou de meio. O ponto nodal para não se permitir asseverar ser exclu-sivamente de meio ou de resultado a obrigação do agente está assentado no fato de que, entre o cumprimento da obrigação de promover do agente e a conclusão do contrato pelo agenciado com o cliente, há um fracionamento, podendo se dar a intervenção de fatores externos, independentes da vontade e da previsão das partes contratantes. Ademais, entre a complexa gama de obrigações que possui o agente, em sua esfera jurídica, pode-se tomar por análise para essa classificação não somente a obrigação de promover, mas também as obrigações secundárias

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Note-se que não se concebe que a promoção realizada pelo agente se reduza a uma simples atividade publicitária50, pois caberá a ele “atuar de modo a ‘realizar o possível’, para que clientes antigos [ma-nutenção da clientela] e novos [angariação de clientes] venham con-cluir contratos com agenciado”51. É notório que dados econômicos ou históricos poderão influenciar seu ato de promoção – v.g., a con-juntura econômica (ou condições de mercado) impeça a manuten-ção do mesmo número de contratos concluídos; o agenciado já pos-sua clientela na zona, ou seja, em determinadas circunstâncias, pode ser inconcebível um aumento significativo de clientes – porém, in-dependentemente de tais eventos, devem ser constatados, na condu-ta do agente, efetivos atos que levem “à criação, à manutenção ou ao aumento da clientela e do volume de negócios concluídos”52.

Por estes motivos, é concedido ao agente uma carga de inde-pendência em virtude da qual se permite afirmar ser ele autônomo em relação ao agenciado – ao contrário do trabalhador que, através do contrato de trabalho, se encontra juridicamente subordinado à enti-dade patronal. O agente não é subordinado às ordens do principal, o que não significa que ele seja absolutamente autônomo, pois, ao me-nos, caber-lhe-á seguir as instruções do agenciado, conformando-se com as orientações recebidas, adequando-se à política económica da

e laterais. Isso nos leva a observar que muitas obrigações analisadas sob uma perspectiva estática são de meio, mas no âmbito da estrutura complexa da rela-ção contratual de agência consistem em obrigações de resultado. Tal fato implica a possibilidade de estar caracterizado o inadimplemento de uma obrigação, em tese de meio, pela ausência de resultado. Nesse sentido, levando-se em conta a complexidade apresentada pela obrigação do agente, numa perspectiva dinâmica, ela apresenta, no transcorrer do processo obrigacional, tanto obrigações de meio como de resultado”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipifica-dores e efeitos jurídicos, 125-126. Porém, o agente que assume, v.g., a obrigação de concluir um número mínimo de contratos, atuará com vista ao cumprimento de uma obrigação de resultado. Ibid., 126.

50 António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 50. 51 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos

jurídicos, 112.52 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos

jurídicos, 112.

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empresa e, ainda, prestando regularmente contas da sua atividade53. Cumpre, no entanto, observar que “estas e outras obrigações não devem prejudicar, no essencial, a sua autonomia”54.

Diante do exposto, cabe ressaltar que o agente tem liberdade para organizar o desenvolvimento de sua atividade e o modo median-te o qual a cumprirá, o que significa dizer que, v.g., poderá ele constituir escritório ou depósito de mercadorias, adquirir bens que facilitem a en-trega, contratar empregados ou, até mesmo, se utilizar de subagentes55.

3. O contrato de agência como uma obrigação duradoura

Um outro elemento essencial do contrato de agência é a esta-bilidade56 (ou não eventualidade57) do vínculo58. A sua importância não só permite identificar o contrato de agência, como também dife-renciá-lo de outras figuras afins59. O agente realiza sua atividade de forma estável, visando um número indefinido de operações, não se limitando à prática de apenas um ato60. Assim, por exemplo, não se

53 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Co-mercial, 95.

54 António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 56. Nesse sentido, ver artigo 7.º do Decreto-lei n.º 178/86 (rol exemplificativo).

55 A subagência (prevista no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 178/86) é um elemento fundamental para se ressaltar a autonomia do agente. Trata-se de situação em que o agente contratará um outro agente para auxiliá-lo na promoção, ou seja, o subagente não estará vinculado ao principal. Serão aplicadas à relação de subagência, desde que possível, as normas que se aplicam para o contrato de agência (artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 178/86).

56 Termo utilizado pelo legislador português no artigo 1.º do Decreto-Lei 178/86.

57 Expressão utilizada pelo artigo 710 do Código Civil brasileiro.58 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 42. 59 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos

jurídicos, 49. 60 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Co-

mercial, 96. “A estabilidade no desenvolvimento da relação contratual exige que o agente realize tantos atos quantos forem necessários à conclusão de um número indefinido de contratos. O agente tem o dever de promover a conclusão de negó-cios de modo específico. Este é o fim a alcançar. Para isso, entretanto, deverá reali-zar ampla gama de atos. A atividade do agente não se pode limitar à prática de um

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esgota a atividade do agente pelo mero fato de ter captado uma pro-posta de um cliente61.

Note-se que somente com a estabilidade é que o dever do agente de promover a conclusão de negócios permitirá ao agenciado alcançar o fim econômico pretendido – ver aumentada a sua cliente-la na zona onde atua o agente. Tal objetivo, inevitavelmente, não se-ria cumprido caso o ato de promover fosse realizado uma única vez. Nesse sentido, ressalta Pinto Monteiro: “ponto é que a actividade do agente não se limite à prática de um acto isolado, devendo tratar-se de uma actividade com continuidade, dentro do período de tempo por que o contrato foi celebrado”62.

Cumpre ressaltar que o fato da atuação do agente ser neces-sariamente estável não colide com a durabilidade do contrato, que naturalmente poderá ser de prazo indeterminado ou determinado63. Dessa forma, não será descaracterizado o contrato de agência, na hipótese em que um sujeito é contratado para promover numa feira ou exposição a conclusão de um número indefinido de contratos em

ato isolado, pois tem de ser exercida com estabilidade enquanto vige o contrato”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 50.

61 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 50.

62 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Co-mercial, 96.

63 Dispõe o artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86 que na ausência de acordo das partes, haverá presunção de que o contrato de agência vigorará por tempo indeterminado. Esta presunção deve ser entendida como juris tantum, uma vez que poderá ser ilidida mediante prova em contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Códi-go Civil português). Carlos Lacerda BaraTa, Anotações ao novo regime do contrato de agência, 68. Quanto à possibilidade do contrato ser por tempo determinado, a primeira parte do supracitado dispositivo (artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86) prevê a possibilidade da existência de um prazo convencional para a duração dos efeitos do contrato. No entanto, na prática, essa situação não será comum. Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 81. Cumpre verificar que a regra do n.º 2 do supracitado artigo convola um contrato de agência por prazo determinado em indeterminado, desde que o contrato continue a ser exercido. No entanto, essa disposição não será aplicada para o caso das partes convencionarem que o “contrato se prorrogará por um outro período, de igual ou de diferente duração”. António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 135.

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favor de outrem (agenciado ou principal)64. Diz-se, portanto, que o contrato de agência é de obrigação du-

radoura, uma vez que as prestações – continuas e reiteradas – reali-zadas por uma das partes (o agente)65 correspondem à constituição da própria obrigação66. A obrigação duradoura é mais do que uma característica do presente contrato, trata-se da sua própria natureza jurídica67.

4. Delimitação territorial ou subjetiva da zona de atuação do agente: a agência e a exclusividade

Frisa-se, desde já, que a essencialidade da delimitação terri-torial ou subjetiva da zoa ed atuação do agente é motivo de debate pela doutrina. Num sentido tradicional, amparado no ordenamen-to jurídico italiano68, concebe-se que tal requisito deva figurar como elemento fundamental (essencial) do contrato em questão. Todavia, esta assertiva ganha contornos relativos quando confrontada com

64 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 50.

65 “A prestação de facere material, conteúdo da obrigação do agente, é uma prestação continuada, consistindo numa conduta que se prolonga por um espaço de tempo relativamente longo”. Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 42.

66 Na verdade o que faz diferir os contratos de execução fracionada dos de execução duradoura é a ideia de renovação dos direitos e obrigações. Nos contratos de execução fracionada as frações correspondem apenas à data de vencimento das obrigações (condição de exigibilidade das prestações); no caso dos contratos duradouros, as frações correspondem à constituição da própria obrigação (ex.: só depois de viver no mês de janeiro em determinada residência é que surgirá, para o locatário, o dever de pagar a renda daquele mês) – portanto, para os contratos duradouros, o tempo no qual a prestação se dá não se refere apenas à data de vencimento da obrigação, mas também à sua própria constituição (condição de exigibilidade das prestações e de constituição da obrigação). Comentários do pro-fessor Doutor Francisco Manuel Brito Pereira Coelho, no curso de doutoramento da Faculdade de Direito de Coimbra, sobre o tema: contratos duradouros, realizado no dia 08/03/2013.

67 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 49.

68 Roberto Baldi, Il contrato di agenzia, la concessione di vendita il franchising, 63.

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o diploma legal português (artigo 1.º, n.º 1, in fine, do Decreto-lei n.º 178/86). Segundo os comentários de António Pinto Monteiro “a atribuição ao agente de uma zona ou círculo de clientes deixou de ser elemento essencial do contrato [nova redação introduzida pelo Decreto-lei n.º 118/939] ”, ressaltando, ao final, que esta mudança “não suscita especiais reparos ou dificuldades”69.

Contudo, é importante notar que a não delimitação terri-torial ou subjetiva da zona de atuação de um determinado agente, obriga a que ele desempenhe suas atividades apenas e exclusivamente em favor do agenciado e/ou faz com que o principal se veja impe-dido de contratar outro agente para desempenhar atividades de pro-moção do seu produto ou serviço, criando uma espécie de exclusivi-dade absoluta tácita70 em favor de um dos sujeitos (agente/agenciado) ou em favor de ambos71.

No caso português, portanto, o que se vê, tendo em vista que não depende de acordo escrito das partes (artigo 4.º do Decreto- -lei nº 178/86) para que haja exclusividade em favor do agenciado, é que com a ausência da delimitação territorial ou subjetiva, salvo dis-posição expressa em contrário, se amplia a exclusividade em favor do agenciado para toda e qualquer zona ou círculo de clientes (exclu-sividade absoluta tácita unilateral). É dizer: este agente somente exerce-rá atividades para um único agenciado, independentemente da zona ou círculo de clientes72.

69 António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 59. “A alteração deve-se à Directiva, que não inclui esse requisito entre os elementos essenciais da agência, apesar de recorrer a ele para a resolução de certos problemas (cfr. artigos 7.º, n.º 2 e 20, n.º 2, al. b), da Directiva)”.

70 A exclusividade absoluta, em todos os ordenamentos consultados, é vista como exceção à regra geral de exclusividade – esta que se cinge na circunferência da delimitação territorial ou subjetiva. Assim, será ela aplicada desde que haja convenção formulada por escrito admitindo-a.

71 Frisa-se que a exclusividade absoluta tácita – diretamente vinculada a (in)dispensabilidade da delimitação territorial ou subjetiva – em favor de um, agente ou agenciado, ou em favor de ambos, dependerá da regra de exclusividade (recíproca ou unilateral) aplicada pelo ordenamento jurídico em análise.

72 No caso dos ordenamentos que adotam exclusividades recíprocas, ou seja, contemplam, em regra, também, a exclusividade em favor do agente, o agenciado

Notas sobre o Contrato de Agência

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Daí que o presente trabalho, afiliando-se à doutrina tradi-cional e compreendendo que a demarcação da esfera de atuação do agente é um elemento caracterizador da existência do contrato de agência (tal importância é constatada ao se ter em conta que a sua determinação, ou não, influenciará diretamente no exercício do di-reito de exclusividade e do direito à retribuição), defende que a delimita-ção subjetiva ou territorial deva ser considerada como um elemento essencial do contrato de agência (enquanto a exclusividade é um ele-mento natural – naturalia negotii73 –, pois se alinha ao plano de eficá-cia do contrato), por compreender que se trata de um elemento ca-racterizador da existência do contrato74.

Logo, deste pressuposto podem-se retirar duas consequên-cias fundamentais: i) a individualização do campo no qual o agente atuará no interesse do agenciado; ii) a demarcação de um limite para que o agenciado não coloque, na mesma zona, outro agente.

A zona de atuação do agente é o espaço geográfico onde o agente desenvolverá os atos para cumprir o seu dever principal – e. g., bairro, cidade, país, continente, etc. É o local que o agente terá de captar a clientela, a fim de que o agenciado possa com ela con-cluir seus contratos. “É, pois, o lugar do adimplemento do contrato de agência por parte do agente”75.

Cumpre verificar que o critério territorial (objetivo) – “que permite determinar o espaço geográfico em que o agente exerce sua atividade”76 – não seja o único a ser utilizado pelas partes, já que elas poderão acordar outro critério de ordem subjetiva, que delimitará a atividade do agente tendo em conta o grupo de clientes com o qual o agente irá manter a atividade de promoção – por exemplo, a de-

estará impedido de contratar outro agente para desempenhar atividades de pro-moção do seu produto ou serviço.

73 Aldo ForMiGGini, Il contrato di agenzia, 66.74 No entanto, esta condição de essencialidade deverá ser verificada de

acordo com o diploma legal de cada ordenamento jurídico. No sentido defendido, ver art. 710.º do Código Civil Brasileiro.

75 Ibid. p. 51. 76 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 39.

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limitação de clientes a serem angariados em uma grande empresa77. Note-se que, segundo Carlos Lacerda Barata, em decorrên-

cia do princípio da liberdade contratual, nada impedirá que as partes compactuem a conjugação dos dois critérios para delimitar a zona de atuação do agente78. Porém, essa determinação deve ser efetua-da – ainda que de modo implícito –, já que exercerá influência fun-damental nos aspectos atinentes ao direito de exclusividade e ao direito à retribuição79.

77 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos ju-rídicos, 52. No direito italiano o legislador não foi tão minucioso, uma vez que não previu o critério subjetivo. No entanto, essa omissão não impediu que a doutrina italiana reconhecesse essa possibilidade. Ver: Roberto Baldi, Il contrato di agenzia, la concessione di vendita il franchising, 66-68.

78 “Não se pode afirmar, contudo, que a zona delimitada pelo critério objetivo incorpore o critério subjetivo, como o faz Fábio Ulhoa Coelho. Tal afir-mação seria excessiva. O critério subjetivo é um plus, o qual possibilita ao agencia-do atribuir a outro agente a atuação, no mesmo espaço geográfico, de um agente anteriormente contratado, sem que venha a realizar ato ilícito relativo decorrente do descumprimento do dever de exclusividade de zona. Pode ocorrer que, por meio do critério de delimitação da zona pela clientela, venha a ser incorporado o critério de ordem espacial. Nada impede que a zona venha a ser demarcada pela fixação dos dois critérios. O principal objetivo desse critério é dar oportunidade ao intérprete do negócio jurídico de revelar a zona onde o agente atua”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 52.

79 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 40. A remuneração (ou retribuição) é o elemento que garante ao contrato de agência a característica da one-rosidade do vínculo. Trata-se de requisito elementar para que exista o contrato de agência, uma vez que não será admitido um contrato de agência gratuito – situa-ção comum a todas as legislações. No ordenamento jurídico português, esse direi-to encontra-se previsto nos artigo 15.º a 18.º, podendo assumir a forma variável, sob a forma de comissão ou percentagem sobre o valor dos negócios efetuados, ou até mesmo o pagamento de uma importância fixa, previamente acordada entre as partes, a qual será paga juntamente com a comissão. António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 98. Sobre o direito de remuneração, ver: Montiano MonTeaGudo, La remuneracion del agente 28-233. O direito à comissão está previsto no 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei 178/86, onde se estabelece que o agente terá direito à comissão pelos contratos que promoveu, bem como pelos contratos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do fim do contrato de agência (essa norma tem o escopo de delimitar “quais os contratos que conferem ao agen-te direito à comissão” – não se confundindo com a norma do art. 18.º do mesmo diploma que dispõe o momento em que se adquire esse direito. António Pinto Mon-Teiro, Contrato de agência, 99-100). Contudo, cumpre destacar que o n.º 3 do artigo

Notas sobre o Contrato de Agência

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Nessa senda, torna-se evidente a estrita vinculação existente entre a delimitação territorial ou subjetiva e a exclusividade. Somen-te com a delimitação da zona e, consequentemente, com a exclusi-vidade, será possível evitar a concorrência e intensificar os laços co-operativos entre o agente e o agenciado. Logo, a exclusividade gera uma obrigação de não fazer, como forma de evitar que o agente e o

em análise estende esse direito para os contratos que foram celebrados após a cessação da agência, “desde que tenham sido negociados pelo agente ou sua for-mação resulte, principalmente, da sua actuação”. Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 45. No entanto, o legislador, sabiamente, estabeleceu outro limite temporal – no n.º 1 do art. 16.º já havia delimitado tais condições ao “termo da re-lação de agência” –, qual seja, o de que a constituição dos contratos, em qualquer das hipóteses dispostas no n.º 3, deva ocorrer dentro de um prazo razoável após a cessação. Veja-se que ao agente caberá o dever de provar que a conclusão de tais contratos se verificou pela prática de suas atividades posteriores ao término da agência. António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 103. Deve, ainda, ser ressaltado que a ausência de convenção das partes sobre a retribuição do agente será calculada com base nos “usos” (costumes) ou, não sendo possível, de acordo com a equidade (art. 15.º do Decreto-Lei n.º 178/86). Em termos gerais, o direito à comissão será adquirido pelo agente a partir do cumprimento do contrato, seja pelo agenciado (principal), seja pelo terceiro (cliente) – art. 18.º do Decreto-Lei n.º 178/86. Não há dúvida que essa solução legislativa detém como escopo a proteção do principal contra atuações ardilosas do agente na escolha da clientela – e. g. promover contratos com pessoas insolventes ou “perante um eventual desinte-resse daquele após a celebração do contrato”. António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 106-107. Note-se que se o contrato for parcialmente cumprido pelo cliente, poderá haver uma redução da comissão (“o próprio elemento literal, que vem já da redacção anterior, surge em apoio desta solução: ‘logo e na medida em que’”). Ibid., 107. Porém, a lei também prevê algumas situações que beneficiam o agente. A primeira delas está vinculada ao fato do agente adquirir de imediato o direito à comissão se o agenciado cumprir o contrato ou, podendo adimplir a convenção pactuada com o cliente, deixa de a cumprir – admite-se acordo em contrário. A outra se extrai da regra que veda a convenção em contrário, acerca da aquisição do direito à comissão, nas hipóteses em que o cliente cumprir o contrato ou quando ele deixar de o cumprir, mas o agenciado (principal) já tenha adimplido a sua obrigação (n.º 2 do art. 18.º). Cumpre, por fim, ressaltar que a falta de cumpri-mento (art. 19.º) por parte do cliente, em virtude de causa imputável ao agenciado (principal), não afasta o direito do agente poder exigir comissão. “O principal que, nestas condições, viesse escudar-se no não cumprimento do cliente, pretendendo furtar-se ao pagamento da comissão, poderia mesmo incorrer, em certos casos, num venire contra factum proprium. Portanto, esta cláusula não se admite convenção em contrário”. Ibid., 109.

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agenciado incorporem condutas que possam abalar o vínculo con-tratual80. É dizer: essa regra, que na verdade corresponde a um direi-to, deve ser analisada diante de uma dupla faceta, em favor do agente e em favor do agenciado81.

A exclusividade em favor do agente representa uma garantia de que o agenciando irá remunerá-lo pelos contratos que forem con-cluídos em sua zona – mesmo que por atuação direta do principal82

80 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 54.

81 Assim decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso Cí-vel n.º 7100522714. 2.ª Turma Recursal Cível. Relator Luiz Antônio Alves Capra. Em 25/08/2004. “A exclusividade pode ser vista sob dois ângulos”.

82 Essa regra pode ser extraída do n.º 2, do artigo 16.º, do Decreto-Lei n.º 178/86 (antes da reforma de 93, estava consagrado no artigo 17.º). Tal norma garante o direito à comissão ao agente exclusivo, mesmo se os contratos tiverem sido concluídos por negócios nos quais ele não participou, uma vez que foram realizados com pessoas pertencentes à zona ou ao círculo de clientes reservado ao agente. Note-se que, embora, implicitamente, a Lei tenha contemplado a pos-sibilidade do agenciado celebrar contratos na zona reservada ao agente, ou com clientes pertencentes ao seu círculo predeterminado, entende a doutrina que, para esta conduta não ser considerada ilícita, estes contratos deverão ser pontuais, es-porádicos, pois, ao contrário, perderia o sentido da exclusividade – essa norma admite disposição em contrário. António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 100-101. Ressalta-se que esta disposição em nada se confunde com o n.º 1 do artigo em análise (ver nota de rodapé 79), uma vez que “se o principal concluir contratos com clientes angariados pelo agente, este pode ter direito à comissão, nos termos do artigo 16, n.º1, mesmo sem gozar do direito de exclusividade”, enquanto no n.º 2, não há a dependência da necessidade dos contratos serem concluídos com clientes atraídos pelo agente. Ibid. p. 102. Conclui-se, das dispo-sições normativas que, independentemente da exclusividade em favor do agente, não deve o agenciado inserir-se, por sua própria conduta ou de terceiros, de modo rotineiro, para a conclusão de negócios diretos, a ponto de perturbar o exercício da atividade do agente, uma vez que “agindo desse modo, o agenciado exerce, de modo disfuncional, o seu direito de concluir negócios jurídicos diretos, por atuar contrariamente à boa-fé e ao fim econômico do contrato realizando, por isso, ato-fato ilícito”, ensejador de justa causa para denúncia do contrato.

No Brasil, a jurisprudência tem entendido que essa situação não será verificada quando as partes afastem a exclusividade em favor do agente e ele se tenha demonstrado pouco eficiente na captação de propostas. Neste caso, não será considerada contrária à boa-fé ou ao fim econômico do contrato a atuação direta do agenciado junto aos clientes angariados pelo agente em sua zona de atuação. (grifou-se) Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores

Notas sobre o Contrato de Agência

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–, gerando, pois, um dever de não nomear outrem para desenvolver a mesma atividade. Por outro lado, a exclusividade em favor do agencian-do, para alguns uma verdadeira cláusula de não concorrência entre as par-tes83, serve como forma de garantir que o agente atuará com intensi-dade nas suas atividades de promoção dos interesses do principal84. Portanto, a depender do sistema jurídico ou da vontade das partes, a exclusividade poderá ser recíproca 85, situação na qual vigorará um

e efeitos jurídicos, 58, 59 e 60. Nesses termos, explica Gustavo Haical : “[e] g., se, em vez de apenas atender às ofertas ou enviar prospectos e propagandas para que o agente venha a captar as ofertas, o agenciado passar, de modo sistemático, a fazer visitas, com o escopo de ele próprio angariar as ofertas, viola o direito de exclu-sividade do agente. Contudo, tomando por base as circunstancias do caso, se a intervenção do agenciado apresentar o propósito de não se perder a oportunidade de concluir um ótimo contrato ou tal oportunidade advier de proposta direta do próprio cliente, tem de ser considerada ocasional, não havendo, com isso, ato-fato ilícito a dar ensejo à existência de justa causa ao exercício do direito de denúncia por parte do agente”.

83 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 59. (grifos no original)84 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos

jurídicos, 54. 85 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 59. Essa regra en-

contra-se disciplinada, expressamente, no art. 711.º do Código Civil brasileiro e no art. 1743.º do Código Civil italiano. No ordenamento jurídico português, essa regra se fez presente no texto inicial do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 178/86, mas foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 118/93. Com a alteração, o dispositivo pas-sou a prever uma exclusividade unilateral, já que o cumprimento desse direito, em caso de silêncio, somente poderá ser exigível ao agente. Nesse sentido, explica o Doutor Pinto Monteiro: “O sentido da alteração resume-se ao seguinte. Presen-temente, no silêncio do contrato, o principal não está impedido de utilizar, ainda que dentro da mesma zona ou círculo de clientes, outros agentes para o exercício de actividades concorrentes. Tal limitação só existirá se o principal nela consentir por escrito, ao contrário do que sucedia anteriormente, uma vez que, sendo o contrato omisso, o agente beneficiário do direito de exclusivo. Já pelo que respeita o agente, contudo, este continua a estar impedido, no silêncio do contrato, de exercer, por conta própria ou por conta de outrem, actividades concorrentes. A lei não o diz expressamente, ao contrário do que sucedia na sua redacção primitiva, mas é o sentido que dela se extrai, desde logo, por argumento ‘a contrario sensu’: o direito de exclusivo a favor do principal – rectius, o direito deste a que o seu agente não exerça actividades concorrentes – não está dependente de qualquer acordo, pelo que o agente carece, para efeito, do consentimento prévio da outra parte. É esta, além disso, e sobretudo, a posição que melhor se harmoniza com o disposto no artigo 6.º, visto que o princípio da boa fé e a obrigação de o agente

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direito de exclusividade em favor de ambas as partes, ou unilateral86, hipótese em que se favorecerá somente uma das partes.

Em termos práticos, a quebra da exclusividade terá que ser analisada de acordo com o caso concreto, na medida em que não há violação do direito de exclusividade no caso do agente ou do agen-ciado praticarem atos em zona diversa à pactuada. Nessa senda, não há dúvida que o elemento “zona” será essencial para a demarcação do critério de exclusividade, mas este não será o único. Além desse elemento, deve o operador do direito verificar outros critérios como o da “idêntica incumbência” (“stesso ramo di attività”) e “negócios do mesmo gênero” 87 (“stesso ramo”88).

Por idêntica incumbência entende-se que o agenciado não pode ter, nos limites reservados para o agente, atuação de outro agente ou de outro sujeito – prepostos, viajantes, pracistas, ou um concessio-nário –, como forma de impedir as atividades do agente, bem como o seu lucro89. Segundo Gustavo Haical, essa restrição também se es-tende ao agente, já que, “de igual modo, este não pode atuar para ou-

ter de ‘zelar pelos interesses da outra parte’ dificilmente tolerariam que aquele pudesse exercer actividades concorrentes sem o consentimento prévio do principal (é este, igualmente, o resultado a que chegam a doutrina e a jurisprudência alemãs, com base, precisamente, no § 86 do Código Comercial, equivalente ao nosso artigo 6.º, uma vez que aquele Código não dispõe de qualquer norma relativa à exclusividade do agente na vigência do contrato – trata apenas, no § 90 a, da cláusula de não concorrência após a cessação do contrato [… )]” (grifos no original). António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 75-76.

86 É caso dos ordenamentos jurídicos português e alemão. Em ambos os casos, salvo disposição em contrário, somente o agenciado irá se favorecer da exclusividade.

87 Expressões presentes no art. 711.º do Código Civil brasileiro. 88 Termos empregados pelo legislador italiano. Vide art. 1743.º do Có-

digo Civil. 89 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Civil

n.º 70011759057. 16.ª Câmara Cível. Data 13/07/2005. Relator Helena Ruppen-thal Cunha: “ 8) Quebra da exclusividade. […B]urla da ré ao contrato, visto que não poderia ter na mesma área, concomitantemente, a demandante, como repre-sentante exclusiva, e distribuidores dos seus produtos; Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Civil n.º 71000522714. 2.ª Turma Recursal Cível. Data 25/08/2004. Relator Luiz Antônio Alves Capra: “[t]ambém a venda feita a distri-buidores conduz à quebra da exclusividade”.

Notas sobre o Contrato de Agência

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trem na zona na qual opera no interesse à conta do agenciado, seja como agente, seja como viajante ou pracista, mediador, distribuidor, etc. Não pode, da mesma forma, ser sócio de sociedade de respon-sabilidade limitada que atue na zona a ele designada e em concorrên-cia ao agenciado ou colocar o seu filho para atuar como agente para um concorrente, disponibilizando-lhe a sua lista de clientes e a sua estrutura de atuação, sem informar ao agenciado90.

Em ambos os casos, se o agenciado realizar contrato de agência com outro agente para atuar na zona do primeiro agente ou se o agente trabalhar em favor de outro agenciado na mesma ativi-dade de distribuição que realiza para o primeiro, a parte prejudicada, em virtude da conduta ilícita da outra, se valerá do direito de resol-ver o contrato91.

Já o termo negócios do mesmo gênero visa delimitar a exclusivida-de, vinculando o agente e o agenciado a um bem ou serviço disponi-bilizado no mercado pelo segundo. A contrario sensu, diz-se, pois, que não haverá óbice para que se tenha, na mesma zona, dois agentes contratados pelo mesmo agenciado, desde que seja respeitada a dis-tinção de objetivo, pela espécie ou pelo gênero. No mesmo sentido, po-derá o mesmo agente ser contratado por dois distintos agenciados para prestar suas atividades na mesma zona, desde que, nesta hipó-tese, os objetos de cada contrato se diferenciem quanto ao gênero.

Cumpre notar, por fim, que a distinção de espécie ou gênero, para a jurisprudência brasileira, só será aceita para afastar a exclusividade em favor do agenciado – v. g. “se a empresa agenciada fabrica roupas íntimas masculinas e femininas e trabalha com um agente para cada tipo de roupa, ela não dá ensejo à existência de ato ilícito relativo por

90 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efei-tos jurídicos, 53-54. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Civil n.º 585030901. 6.ª Câmara Cível. Data 10/09/1985. Relator Luiz Fernando Koch: “justa causa para a rescisão caracterizada pelo fato de o sócio gerente da represen-tante ser também sócio de empresa concorrente da representada”.

91 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 58. Nos termos do artigo 30.º, alínea a), do Decreto-lei 178/86.

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violação do direito de exclusividade”92. Enquanto nos casos em que a exclusividade se destina ao agente, por tentar a Lei combater a con-corrência entre empresas, deve ser excluída somente nos casos que seja identificada a distinção de gênero dos objetos93 – o agente agenciará um e outro, desde que no primeiro contrato promova a conclusão de contratos de compra e venda de relógio e, no outro, a compra e venda de joias94. Em qualquer das hipóteses, caso a parte viole a exclusivi-dade em favor da outra, haverá um ilícito passivo de resolução do contrato.

PARTE II

I. A DISTINÇÃO DO CONTRATO DE AGÊNCIA COM OUTRAS FIGURAS AFINS

Conforme já se destacou, o contrato de agência é formado pela mutação de vários elementos presentes em outros contratos, o que faz com que seja natural a necessidade de se traçarem as carac-terísticas que o distinguem de outras figuras afins, como: i) o contrato

92 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 57.

93 “O agente que, por exemplo, tem de atuar com exclusividade para um agenciado e, após comprar estabelecimento empresarial, passa a atuar na mesma zona onde deve realizar os seus atos, promovendo a conclusão de negócios com coisas do mesmo gênero (alimentício) do objeto mediato do contrato de que promove a conclusão, dá justo motivo ao exercício do direito de denúncia do con-trato de agência por parte do agenciado”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 57 e 58. Ver: Tribunal de Justiça do Distri-to Federal. Apelação Cível 19980710074408. 3.ª Turma Cível. Data 15/06/2000. Relator Wellington Medeiros.

94 Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 57. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Civil n.º 70012398749. 15.ª Câmara Cível. Data 31/08/2005. Relator Vicente Barrôco de Vasconcellos: “Ação de indenização de rescisão imotivada de contrato cumu-lada com danos morais. Contrato de representação. Caso concreto. Matéria de fato. Infração contratual. Representação de empresa do mesmo ramo. Não há infração contratual por parte daquele que representa empresas de ramos negociais diversos”.

Notas sobre o Contrato de Agência

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de mandato; ii) o contrato de comissão; iii) o contrato de mediação; iv) o contra-to de trabalho; v) o contrato de concessão comercial e vi) o contrato de franquia (franchising).

1. O contrato de mandato

O contrato de mandato não se confunde com o contrato de agência, uma vez que o mandatário, ao contrário do agente, está obrigado a realizar atos jurídicos95. “O agente pratica fundamental-mente actos materiais, enquanto que ao mandatário compete a prá-tica de actos jurídicos”96. Ainda nesse sentido, cumpre ressaltar que o agente, por via de regra, atua “à conta de outrem” enquanto o manda-tário age “em nome de outrem97.

É cediço que haverá hipóteses nas quais o agente estará au-torizado a celebrar contratos, realizando, assim, atos jurídicos98 99.

95 Art. 1157.º do Código Civil português. 96 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Co-

mercial, 100. 97 Ver nota de rodapé 19.98 Para isso acontecer o agenciando deverá realizar uma procuração com

o fim de outorgar poderes para que o agente aja em seu nome. Este instrumento (procuração) não se confunde com a autorização, que se caracteriza por ser um negó-cio jurídico unilateral destinado a “conferir ao agente poder para concretizar seus atos à conta do agenciado”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 62.

99 Art. 2.º do Decreto-Lei n.º 178/86. O Contrato de agência, por si só, não confere poderes de representação ao agente. Portanto, é imprescindível que o agenciado outorgue, por escrito, poderes para o agente agir em seu nome. A doutrina entende que o ato de decisão final de conclusão do contrato fica, por via de regra, subordinado ao principal, o que poderá ser mudado caso o agenciado tenha con-cedido maiores poderes ao agente. Note-se que a representação será uma função acessória e complementar ao contrato de agência, já que a obrigação principal é a da promoção de bens ou serviços – por este motivo o legislador preferiu utilizar o termo “contrato de agência” em detrimento da expressão “representante comer-cial”. O legislador, ainda no n.º 2 e 3 do artigo supracitado, dispensa a necessidade de representação para apresentar reclamações (e. g. denúncia de vícios ou defeitos da coisa adquirida) ou declarações sobre o negócio, bem como medidas cautelares que destinam a proteção (conservação) ao direito do principal (e. g. procedimentos cautelares para assegurar a conservação de determinado meio de prova) – trata--se de uma restrita legitimidade processual. António Pinto MonTeiro, Contrato de

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Porém, essa similitude não induz a uma aproximação dos institu-tos100, já que a atividade de representação realizada pelo agente será vista como acessória à sua “obrigação principal de promover a celebra-ção de negócios”101. Ainda nessa linha, para além destas diferenças es-senciais, outras se podem ainda apontar, como: i) o fato do agente, em regra, não ser remunerado pelas despesas do exercício normal das suas atividades102, ao revés do que ocorre com o mandatário103; ii) o mandatário – no mandato comercial –, ao contrário do que roti-neiramente ocorre com o agente, é remunerado independentemente do resultado do seu trabalho104; e iii) a exclusividade, que constitui a regra do contrato de agência, só em casos especiais será observada no contrato de mandato105.

2. O contrato de comissão

O contrato de comissão é aquele em que o comissionário pra-tica seus atos no interesse do mandante, mas em seu nome106 – é o

agência, 60-62 e 72-73. 100 O artigo 1.º da Lei n.º 91-593/1991 francesa dispõe que o agente é

um mandatário. Logo, o contrato de agência é visto como um contrato de man-dato. Para boa parte da doutrina, a agência é um mandato de interesse comum. Manuel Januário GoMeS, Da qualidade de comerciante do agente comercial, 23. Esse também é o posicionamento dos tribunais, conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justi-ça, Relator Fonseca Ramos, Processo n.º 39/2000.L1.S1 de 21/01/2012.

101 (grifou-se) António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 100. “O que revela é actividade típica, preponderante, de cada um; logo, mesmo nos casos em que o agente esteja obrigado a celebrar contratos, a sua qualificação como mandatário não será correcta, já que essa obri-gação terá um carácter de acessoriedade em relação à prestação de facere material, cerne de sua actividade”. Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 105.

102 Ver artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 178/86. 103 António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 100. Ver artigo 1167.º,

c), do Código Civil português. 104 Ibid., artigo 232.º do Código Comercial português. 105 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 107. 106 “É a concessão um contrato-quadro (‘Rahmenvertrag’/ ‘contrat cadre’),

que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força do qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obri-

Notas sobre o Contrato de Agência

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chamado mandato sem representação. Daí já se constata a principal dife-rença entre ele e o contrato de agência, uma vez que, embora ambos celebrem atos no interesse e por conta de terceiros (agenciado ou comitente), o comissário realiza as suas atividades em nome próprio. Além disso, nos termos do que foi exposto para o mandato, o agente, rotineiramente, realizará somente atos materiais, ao contrário do co-missário que obrigatoriamente realizará atos jurídicos107.

Destaca-se, ainda, que o comissário atua de forma não está-vel, suas atividades são ocasionais, diferenciando-se, assim, do con-trato de agência que, além de ser estável, possui natureza de obriga-ção duradoura108. Note-se que essa diferença foi fundamental para que o contrato de agência passasse a ser mais utilizado do que o contrato de comissão109.

gações (mormente no que diz respeito à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes) e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente. Como contrato-quadro, o contrato de concessão comercial funda uma relação de colaboração estável, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente fixa-dos, os bens que este se obrigou a distribuir”. António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 64.

107 Nesses termos, pode-se destacar, ainda, que para o ordenamento ju-rídico português o comissário necessariamente será um comerciante. Isso porque a Lei (art. 266.º do Código Comercial) vincula o comissário à figura do mandatá-rio mercantil (art. 231 do Código Comercial), que é aquele que o mandante está encarregado de praticar um ou mais atos de comércio por mandado de outrem – con-quanto essas figuras se diferenciem, já que o comissário agirá em nome próprio (mandato sem representação). Assim também se posicionou Manuel Januário GoMeS, Da qualidade de comerciante do agente comercial, 13: «[é] o comissionário comerciante? É um problema resolvido afirmativamente pela maioria dos tratadistas de direito comercial».

108 “Uma hipótese interessante, muito em voga na Alemanha – que nada obsta naturalmente, a que surja também entre nós –, é a do chamado Kommissionsagent, que reúne características do comissário e do agente. Tal como o comissário, trata-se de alguém que está encarregado de celebrar contratos por conta de outrem, mas em seu próprio nome; todavia, tal como o agente, esse encargo é assumido com estabilidade, no âmbito de uma relação duradoura com o comitente”. António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 102.

109 Dentro do processo de distribuição dos produtos empresariais, é no-tável a importância histórica do contrato de comissão. Porém, já naquele tempo,

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3. Do contrato de mediação

O contrato de mediação se assemelha ao contrato de agência pelo fato “de em ambos alguém atuar como intermediário, procuran-do que determinado negócio venha a concretizar-se e preparando a sua conclusão”110. No entanto, as diferenças são facilmente identifi-cadas aquando da análise da função e dos direitos do mediador.

A obrigação fundamental do mediador é a de conseguir in-teressados para a realização de determinado negócio e, em conse-quência, aproximá-los da contraparte111. Visa com seu ato facilitar a celebração do contrato. O mediador, como ocorre com outros in-termediários comerciais, não estará obrigado a uma prestação dura-doura, mas à prática de atos ocasionais – será solicitado para a atu-ação em casos pontuais112. Além de todas essas diferenças, o media-dor age com imparcialidade (ao contrário do agente, que está ligado ao agenciado por uma relação de colaboração), já que atua no interesse de ambos os contratantes113, por este motivo, a sua remuneração – que será independente do cumprimento do contrato – pode ser de-vida por um ou por ambos114.

tornou-se um contrato ultrapassado pelo fato da atuação do comissário ser de cunho ocasional. “Tal característica não permite ao comitente ter elevado poder de controle sobre a atividade do comissário, nem uma penetração eficaz no mer-cado. A ocasionalidade não possibilita ao comitente estreitar os laços de confiança da clientela junto ao produtor e ao bem por ele disponibilizado, pois, no novo mercado explorador não há como ser instaurada uma relação estável e direita com os clientes”. Gustavo haical, O contrato de Agência. Seus elementos tipificadores e efeitos jurídicos, 27. Nesses termos, ressalta Pinto Monteiro: “[e]ste último [, a comissão,] é um contrato cuja importância histórica tem diminuído progressivamente, graças, sobretudo, à difusão da agência”. António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 63.

110 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 103.

111 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 110. 112 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 110. 113 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição

Comercial, 104. 114 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 110-111. “São os

casos dos caixeiros-viajantes ou pracista, ou qualquer outro empregado subordi-

Notas sobre o Contrato de Agência

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4. Do contrato de trabalho

O contrato de trabalho e o contrato de agência apresentam al-gumas afinidades consideráveis. A principal, certamente, concentra--se no vínculo de estabilidade presente em ambos os contratos, mas não se desconsidera, também, o fato de tanto o trabalhador como o agente defenderem os interesses da outra parte, bem como, em cer-tos casos, a semelhança do tipo de atividade desenvolvida pelos per-sonagens principais destes contratos – promoção negocial 115.

No entanto, o contrato de trabalho encontra-se diretamen-te vinculado aos elementos da relação de emprego, o que significa dizer que a ausência de algum desses pressupostos descaracterizará o contrato em apreço. Daí que não se possa dizer que o agente se enquadra nas diretrizes do contrato de trabalho, uma vez que ele é juridicamente independente (autônomo) do agenciado116 – em con-traposição à subordinação jurídica, típica do contrato de trabalho117. O agente realiza as suas funções com autonomia, assumindo o risco de suas atividades118.

O contrato de agência, ao contrário do de trabalho, “gera

nado que desempenhe atividade de promoção de bens ou serviços. Não são […] agentes certas pessoas que, apesar do título que ostentam (‘agentes’), não passam, em regra, e no fundamental, de simples empregados, ligados por contrato de trabalho, ainda que possam gozar de uma relativa autonomia e exerçam de modo estável uma actividade de promoção negocial”. António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 105.

115 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 105. Assim decidiu o Supremo Tribunal de Justiça português. Processo n.º 02B1429. Relator: Diogo Fernandes. Data: 06/11/2002. “E, não avultando tal traço definidor, não pode ter-se o contrato em causa como contrato individual de trabalho, havendo sim, que reconhecer que ele se aproxima do contrato de agência, o qual se distingue do contrato de trabalho pela circunstância de este supor uma subor-dinação do trabalho à entidade patronal, enquanto naquele o agente é um auxiliar independente do comerciante” (grifou-se).

116 Ibid., 105. 117 Carlos Lacerda MonTeiro, Sobre o contrato de agência, 108. 118 Ver Adriano Vaz Serra, “Anotações ao Acórdão de 26 de Maio de

1969”, 153-156.

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uma relação de serviço autónomo, assumindo o agente o risco da sua actividade, suportando as despesas da mesma, não auferindo uma remuneração fixa, e apresentando-se, amiúde, sob a forma empresarial”119.

5. Do contrato de concessão comercial e do contrato de franquia

É inegável a contribuição desses contratos (concessão e fran-quia) para o direito empresarial moderno, uma vez que as participa-ções destes intermediários (concessionário e franquiado) são fun-damentais para atender à crescente evolução do comércio e da in-dústria, avultando, neste contexto, a eficácia e independência do processo de distribuição de produtos.120 É certo também que es-ses contratos muito se assemelham, caracterizando-se o contrato de franquia por ser um desenvolvimento do contrato de concessão121. Portanto, as diferenças que se fazem do concessionário para o agen-

119 Adriano Vaz Serra, “Anotações ao Acórdão de 26 de Maio de 1969”, 109. Não se falará em contrato de trabalho naquelas hipóteses em que o agente for pessoa jurídica, nos termos do que foi discutido no tópico 1, , pois a pessoalida-de do empregado é um elemento identificador da relação de emprego.

120 Para maiores informações, ver António Pinto MonTeiro, Contratos de agência, de concessão e de franquia [“Franchising”], 18-27.

121 Se diferenciam em virtude das seguintes notas: a) a ingerência do fran-quiador na atividade do franquiado – “na sua organização, nos planos de fabrico e métodos de venda, na política de ‘marketing’, etc”. – é muito mais aguda do que aquela realizada pelo concedente na concessão (António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 124); b) o franquiado, obriga-toriamente, comercializa seus produtos com a utilização da marca e outros sinais distintivos de comércio pertencentes ao franqueador, enquanto na concessão o concessionário atua “sob o nome e insígnias próprias e utilizando métodos de comercialização seus, pese embora tenha de adequar-se à política comercial do concedente” (ibid., 124); c) “a licença de utilização destes sinais é necessariamente acompanhada do fornecimento de ‘know-how’, de assistência, de métodos e planos de mercados, de conhecimentos tecnológicos, de directrizes sobre a política de ‘marketing’ e dos meios publicitários a utilizar, etc.” (ibid., 125). d) é habitual o pa-gamento de royalties como forma de uma “entrada” inicial financeira, em virtude dos benefícios resultantes da utilização da marca, bem como dos conhecimentos e assistência recebida. Ibid., 124-125.

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te, devem também ser estendidas para o franquiado.O contrato de concessão comercial 122 e o contrato de franquia123, pre-

liminarmente, já divergem do contrato de agência por apresentarem uma natureza jurídica distinta. Enquanto os primeiros são “verda-. Enquanto os primeiros são “verda- são “verda-deiramente” contratos que compõem a modalidade dos contratos de distribuição (indireta), o segundo (contrato de agência) destina-se à promoção de negócios (é o contrato de distribuição direta).

Nessa senda, mesmo que se pesem as várias semelhanças entre os institutos e o contrato de agência – sobretudo no que con-cerne à relação de estabilidade e colaboração entre as partes124 –, a ver-dade é que eles não se confundem, já que apresentam as seguin-tes diferenças fundamentais: a) o concessionário e o franquiado, ao contrário do agente, agem em seu nome e por conta própria; b) o agente não adquire a mercadoria, diversamente, em regra, ela será adquirida pelo concessionário e franquiado; c) ao agente não cabe a obrigatoriedade de ser comerciante, enquanto ao concessionário e ao franquiado essa obrigação se impõe – compra para a revenda; d) o concessionário e o franquiado assumem o risco do negócio, po-

122 “Temos compreendido a concessão como um contrato-quadro (‘Rah-menvertrag’/ ‘contrat-cadre’) que faz surgir entre as partes uma relação obriga-cional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações – mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes – e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente. Como contrato-quadro, o contrato de concessão co-mercial funda uma relação de colaboração estável, duradoura, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as par-tes, pelos quias o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos pre-viamente estabelecidos, os bens que este se obrigou a distribuir” (grifos no original). António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 110.

123 “Nesta Linha, isto é, como contrato de distribuição, podemos apre-sentar o ‘franchising’ como o contrato mediante o qual o produtor de bens e /ou serviços concede a outrem, mediante contrapartidas, a comercialização dos seus bens, através da utilização da marca e demais sinais distintivos do primeiro e em conformidade com o plano, método e directrizes prescritas por este, que lhe fornece conhecimentos e regular assistência”. António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 122.

124 António Pinto MonTeiro, Contratos de agência, de concessão e de franquia [“Franchising”], 19.

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dendo o prejuízo ser aumentado, em caso de não conseguirem ven-der os bens adquiridos125; e) o concessionário ou o franquiado, em rigor, não recebem remuneração, mas, sim, o lucro que se aufere da diferença obtida entre o preço de compra e de revenda; f) o direito a exclusividade que no contrato de agência é a regra, na comissão e na franquia será acidental126.

PARTE III

III. DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE AGÊNCIA

Neste momento, o presente trabalho se reserva a apresen-tar, detalhadamente, as causas de extinção previstas no artigo 24.º do Decreto-lei 178/86, adotando o ordenamento jurídico portu-guês, bem como o supracitado diploma, como base para as futuras deliberações doutrinárias.

Diante do exposto, desde logo, verifica-se que a cessação do contrato de agência se dará pelos modos de extinção das relações obrigacionais complexas, ou seja, mútuo acordo (ou revogação), caduci-dade, denúncia e resolução127.

125 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 114.

126 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 112. “Beneficiando, normalmente, do direito de exclusivo, o concessionário [ou o franquiado] detém o monopólio da venda desses bens em certo território (razão por que se designa, por vezes, de ‘distribuidor’), o que tem suscitado, em alguns casos, problemas delicados, no âmbito comunitário (por força do art. 81.º do Tratado de Roma)”. António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 114.

127 É o que dispõe o art. 24.º do Decreto-lei 178/86. Este dispositivo serve de apoio para outras espécies atípicas de contratos de distribuição (conces-são comercial, franquia, etc.), como também para os contratos duradouros. António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 132.

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1. Mútuo acordo (ou revogação)

Nos termos do que pré-determinam os princípios gerais aplicáveis à relação contratual, as partes têm o direito de consensual-mente revogar o vínculo contratual que as une. Trata-se de um acor-do pelo qual os contratantes colocam termo à relação contratual.

Este acordo deverá respeitar os termos gerais e os requisitos de validade do negócio jurídico. Ele poderá ser realizado tanto no contrato de agência por prazo determinado – situação em que colo-cará termo ao contrato antes do prazo acordado – como nos con-tratos de agência por prazo indeterminado – a qualquer momento e com efeitos imediatos, dispensando, por haver mútuo acordo, a ne-cessidade de aviso prévio por alguma das partes128.

O legislador português, no art. 25.º do Decreto-lei 178/86, trouxe esta previsão realizando, no entanto, um acréscimo à previ-são geral do Código Civil (art. 405.º e 406.º, n.º 1), ao determinar que a revogação seja realizada de forma escrita. Portanto, embora o contrato de agência seja um contrato não-solene para o respecti-vo distrate, caracteriza-se por ser um contrato formal – formalidade justificada por razões de segurança129.

2. Caducidade

Cumpre, inicialmente, destacar que a caducidade é uma causa de extinção que ocorre nos contratos de duração por tempo determi-nado, enquanto a denúncia é exclusiva dos contratos de duração por tempo indeterminado130.

Entende-se por caducidade a cessação do contrato sem a manifestação de vontade de qualquer das partes. Deste modo, logo

128 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 133.

129 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 84.130 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição

Comercial, 135.

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que ocorra a verificação de um evento (um fato jurídico stricto sensu), o contrato chega ao seu fim – é o caso dos contratos de agência por prazo determinado131.

A caducidade está regulamenta no art. 26.º do Decreto-Lei 178/86 e prevê três casos em que o contrato poderá caducar: a) quando se atinja o prazo estipulado (caducidade em sentido estrito); b) se verifi-que a condição resolutiva, ou se torne certo que não se verificará a condição sus-pensiva132; c) ocorra a morte do agente ou a extinção da pessoa coletiva133 – as duas últimas hipóteses são enquadráveis na caducidade em sentido amplo134.

Note-se que, acertadamente, o legislador não quis enumerar todos os eventos que determinam a caducidade do contrato de agên-cia, o que pode ser verificado na própria letra da lei (“especialmente”)135. Assim, embora não prescrita, a interdição do agente (pelo fato do contrato de agência ser intuitu personae) deve ser tomada como causa de caducidade do contrato136. No entanto, para M. Januário C. Go-mes, “[o] legislador foi […], neste ponto, demasiado parco, não ten-do tomado posição, quando devia tê-lo feito, em relação aos casos de interdição e inabilitação quer do principal que do agente, casos esses que, em sede de mandato, conhecem regulamentação (art.ºs

131 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 135

132 Correspondente ao regime geral, previsto no art. 270.º do Código Civil.

133 A morte do agente como causa de caducidade ressalta o caráter intuitu personae do contrato de agência. António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 121.

134 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 84. 135 “Os eventos que, de modo especial, levam à caducidade do contrato de

agência, constam do art. 26.º. Trata-se de um elenco meramente exemplificativo. Entre outras situações que, ope legis, determinam a caducidade do contrato, figura a declaração de falência do agente ou do principal (art. 168.º do Código dos Proces-sos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência). António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 136. O art. 168.º prescreve: “[o] contrato de agência extingue-se com a declaração de falência de qualquer dos contratantes”.

136 “Estranhamente, o legislador não equiparou, para efeitos de caduci-dade do contrato, a interdição do agente à sua morte, facto que não impedirá que se aplique ao caso a mesma estatuição”. Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 84-85.

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1174.º a 1177.º)”137 Diante do exposto, com a caducidade o contrato, automati-

camente, deixa de produzir os seus efeitos, não sendo necessária uma manifestação dirigida a tornar eficaz o rompimento do vínculo138.

3. Denúncia

Trata-se de um modo de cessação típico das relações contratuais duradouras por tempo indeterminado. “Qualquer das partes, livre e discricionariamente – ad libitum ou ad nutum –, através de uma decla-ração unilateral receptícia dirigida à outra parte, pode fazer cessar [, ex nunc139,] o contrato. É um direito potestativo de que goza”140, ou seja, segundo Capelo de Sousa, é um “poder atribuído pela ordem jurídica de, em princípio, livremente, por um acto voluntário, só de per si ou integrado por uma decisão judicial, produzir efeitos jurídi-cos inelutáveis na esfera jurídica do sujeito passivo”141. Esta possi-bilidade encontra fundamento na rejeição das hipóteses de vincula-ções perpétuas (princípio da proibição da vinculação perpétua)142.

Dessa forma, a denúncia será exercida sem que a parte que dela se socorre tenha que apresentar qualquer motivo ou justifica-ção. No entanto, esse exercício encontra-se circunscrito a algumas limitações: i) destina-se somente ao contrato de agência por prazo indetermina-

137 Manuel Januário GoMeS, «Apontamentos sobre o contrato de agência», 29.

138 Manuel Januário GoMeS, «Apontamentos sobre o contrato de agên-cia», 29.

139 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Outubro de 1993 (in CJ, ano XVIII, tomo IV, 1993, 240-243). Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 2003 (in www.dgsi.pt, processo n.º 03B2244. Relator Juiz Conselheiro Salvador da Costa).

140 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 136.

141 Rabindranath Capelo de SouSa,. Teoria geral do direito civil. vol. I, 184.142 “Não existe, neste domínio dos contratos de distribuição, um interes-

se social tão elevado que justifique as fortes limitações à regra da livre denúncia com que se depara em matéria de contrato de trabalho e do contrato de arrenda-mento”. Rabindranath Capelo de SouSa, Teoria geral do direito civil. vol. I, 137.

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do; ii) necessariamente deverá ser realizado sob a forma escrita; iii) observará, com base na boa-fé, prazos mínimos de antecedência.

Deve-se notar que o primeiro requisito, para a doutrina do-minante, é indissociável dos contratos por tempo indeterminado. Esse posicionamento também é apontado pela jurisprudência143. No entanto, há quem discorde dessa “exclusividade”, destacando a hipótese em que um contrato por tempo determinado, desde que continue a ser executado pelas partes, se renova (“transforma-se”144) num contrato por tempo indeterminado (v.g. art. 27.º, n.º 2 do De-creto-lei 178/86)145. Nesta situação, o contrato que era, inicialmente, de prazo determinado, passará a admitir a denúncia. Cumpre, po-rém, observar que o contrato por prazo determinado cessa por de-curso do prazo (caducidade), sendo que o fato das partes continu-arem a executar as suas obrigações, gera a substituição por um novo contrato e este, sim, será passível de denúncia, o que pode descaracte-rizar o problema supracitado146 147.

Quanto à forma escrita, discute-se se ela deverá ser conside-rada uma formalidade ad probationem (efeitos serão produzidos inde-pendentemente de seu cumprimento) ou ad substantiam (não sendo respeitada o ato não alcançará efeitos)148. Em apertada síntese, da

143 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1995 (in CJ – Acs. STJ, ano III, tomo I, 1995, pp. 95). Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Maio de 2005 (in www.dgsi.pt, processo n.º 0531984, relator Juiz Desembargador Ataíde da Neves).

144 Nomenclatura dada pela nova redação do art. 27.º, n.º 2, do Decreto--Lei 178/86.

145 Liliana Maria Ferreira Pacheco,. A denúncia do contrato de agência, 21. 146 António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 124. 147 No entanto, há quem defenda que não haveria a existência de um novo

contrato, mas, sim, a mera conversão do contrato por tempo determinado num contrato por tempo indeterminado. Este é o entendimento do art. 4.º, n.º 3, do Código Civil belga (“um contrato por tempo determinado, que continue a ser exe-cutado depois do vencimento do seu termo, é considerado, desde a sua conclusão, um contrato por tempo indeterminado”).

148 Na Itália não é aplicável ao contrato de agência a formalidade escrita para a denúncia, seguindo a aplicação do princípio da liberdade de formas (art. 1334.º e 1335.º do Código Civil italiano). Marino PeraSSi, “Il contrato di agenzia”. 403. Conferir, ainda, Roberto Baldi, Il contrato di agenzia, la concessione di vendita il fran-

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leitura do art. 28.º, n.º 1, do Decreto-lei 178/86, compreende-se que quis o legislador, por motivos de segurança jurídica, dar à forma es-crita uma qualidade de formalidade ad substantiam149.

A última exigência concentra-se na concepção de que a par-te denunciante deverá comunicar à outra parte, com determinada antecedência, o desejo de realizar tal ato. O pré-aviso de denúncia pretende evitar rupturas bruscas e, consequentemente, prejuízos ao outro contratante. Daí, se quer com este mecanismo a manuten-ção da boa-fé contratual, uma vez que a outra parte será comunicada “com uma antecedência razoável, conforme a importância e dura-ção do contrato”.

O pré-aviso se encontra disposto no art. 28.º, n.º 1, alínea a), b) e c), do Decreto-Lei 178/86; neste dispositivo o legislador es-tabeleceu três critérios fixos: para os contratos que durarem menos de um ano, o tempo de pré-aviso será de um mês; para os contratos que já tiverem iniciado o segundo ano de vigência, dois meses, e será de três meses o pré-aviso para os demais casos150.

chising, 252-253. 149 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Maio de 2005 (in

<www.dgsi.pt>. Processo n.º 0531984. Relator Juiz Desembargador Ataíde das Neves).

150 Esses prazos, segundo a melhor doutrina, são excessivamente curtos, ainda mais se se pensar em contratos com longa duração (vinte, trinta anos). As-sim, posiciona Pinto Monteiro: “Achámos que era de aproveitar a possibilidade da directiva, por nos parecer excessivamente curto o prazo de três meses para livremente se poder denunciar um contrato que dure há vinte, trinta ou mais anos, por exemplo. Estranhamente, porém, o legislador nacional optou por fixar essa antecedência mínima em um, dois e três meses, quando podia tê-la alargado até seis meses. Foi essa, igualmente, é certo, a atitude do legislador francês (art. 11.º da Lei n.º 91-593, de 25 de junho de 1991). Mas já foi outra, porém, a posição dos legisladores italiano (art. 1750.º do ‘Codice Civile’), espanhol (art. 25.º, n.º 2 [,] da Lei 12/1992, de 27 de Maio) e germânico (§ 89, 1 do ‘Handelsgesetzbuch’), ao estenderem o pré-aviso mínimo até seis meses, tal como nós havíamos proposto para o direito português. E é particularmente significativa a atitude do legislador alemão, pois aí o pré-aviso não ia além de três meses (§ 89, 2 do Código Comer-cial), tendo essa norma sido alterada ao ser transposta a Directiva, alargando-se o pré-aviso para seis meses. O legislador português, pelo contrário, reduziu o pré--aviso (que podia ir até um ano: art. 28.º, n.º 1, al. c), na redação anterior) para três meses! Restará às partes – hoje mais do que nunca! – prevenirem-se contra a

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O respeito do prazo legal (ou mesmo do prazo convencio-nado – que não poderá ser menor do que aquele previsto pela lei) não impede que o outro contratante, nos termos dos princípios ge-rais, se possa socorrer, sendo o caso, do instituto do abuso do direito151. É evidente que a aplicação do abuso do direito só será possível caso se visualizem os seus pressupostos, como porventura, sucederia “se o principal, após incentivar o agente a fazer investimentos, viesse a denunciar o contrato com um pré-aviso que, respeitando embora o mínimo legal, se revelasse insuficiente para amortizar, ao menos, aqueles investimentos”152.

Note-se que nada impede que as partes fixem prazos maio-res, principalmente quando se tratar de altos investimentos, como forma de acautelar os seus interesses a partir de prazos de pré-aviso mais alongados do que aqueles que decorrem das alíneas do artigo 28.º153. Todavia, nesses casos, determina o n.º 3 do supracitado arti-go que “será ilícita a denúncia de um contrato, pelo principal, ainda que respeitando o pré-aviso convencionado, se o prazo fixado para o agente for inferior. Mas já nada obsta a que o agente denuncie o contrato mediante um pré-aviso inferior ao da outra parte desde que corresponda ao acordado entre eles”154. Trata-se de uma medida que visa privilegiar o agente.

eventual denúncia do contrato sem um pré-aviso adequado (ainda que no respeito pelo mínimo legal), estabelecendo, elas próprias, antecedência mínima (mais dilata-da) a observar”. António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 127. Assim também se posicionou Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 72.

151 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 139.

152 António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 128.153 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 73. O n.º 2 do

art. 28.º prevê a possibilidade do prazo ser dilatado, desde que o termo do pré--aviso (dispostos no n.º 1, a), b) e c)) não coincida com o último dia do mês – essa norma admite disposição em contrário. O n.º 4 do supracitado artigo consagra, ainda, que o prazo do contrato por tempo determinado, que continue a ser cum-prido (portanto, convolado em contrato por prazo indeterminado)– seja com-putado para se identificar o período de antecedência mínima (pré-aviso) que o denunciante terá que respeitar.

154 António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 131.

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A inobservância do pré-aviso – seja em situações de não avi-so, seja em hipóteses de desrespeito do prazo – dará ensejo à obriga-ção de indenizar a contraparte (tanto pelos danos emergentes como pelos lucros cessantes)155, uma vez que essa denúncia será tida como ilícita. Sublinha-se, pois, que os danos a ser ressarcidos são os que resultam da falta ou do insuficiente pré-aviso, e não dos danos que a cessação do contrato possa provocar, já que a denúncia é um direito potestativo de ambas as partes.

Por fim, entende a doutrina que a modificação unilateral de algum termo do contrato, caso a contraparte não anua com a refor-ma proposta, induz a uma declaração tácita de denúncia, ou seja, o con-trato irá se extinguir, exceto se a outra parte aceitar a sua modifica-ção. A essas hipóteses se dá o nome de denúncia-modificação, já que “uma das partes denuncia o contrato sob condição de a outra parte não aceitar (rejeitar) a modificação proposta”156.

4. Resolução

A resolução é uma declaração unilateral que, ao contrário da denúncia, necessita de ser motivada (fundamentada). Este insti-tuto poderá operar-se por declaração extrajudicial (igual a denúncia) à contraparte, escrita, nos termos do art. 31.º do Decreto-Lei e do art. 436.º, n.º 1, do Código Civil português, não gerando a cessação do vínculo de modo retroativo – contraria a regra disposta no artigo 434.º, n.º 1 e 2157.

Portanto, verificados os fundamentos dispostos no art. 30.º

155 Art. 29.º do Decreto-Lei 178/89. É cediço que nada impede que as partes, por mútuo acordo, decidam extinguir o contrato imediatamente, situação em que o pré-aviso será dispensado consensualmente. Um outro exemplo é o caso da morte do agente, trata-se de uma hipótese de cessação imediata. Ainda poderá ocorrer a situação em que a parte (principalmente aquela que recebe o pré-aviso) descuide da sua atividade, atuando de forma negligente, o que gerará a resolução do contrato com efeitos imediatos. António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 141.

156 António Pinto MonTeiro, Contrato de agência, 132. 157 Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 89.

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do Decreto-Lei, poderá a parte interessada resolver o contrato, seja ele de prazo determinado ou indeterminado, sem qualquer aviso prévio, desde que interposta a resolução no prazo de um mês após o conhecimento dos fatos que a justificam (artigo 31.º). “Se o facto que justifica a resolução do contrato for um facto ‘continuado’ ou ‘duradouro’ deve entender-se que o prazo de um mês, estabelecido pelo art. 31.º, se conta a partir da data em que o facto tiver cessado e não a partir da data do seu conhecimento inicial”158.

O legislador, no art. 30.º do Decreto-Lei 178/86, estabelece dois fundamentos para a resolução. O primeiro se concentra no não cumprimento, por qualquer das partes, das suas obrigações, quando, pela gravidade e reiteração, não seja exigível a subsistência do víncu-lo contratual. Da leitura do preceito, se torna clara a percepção que “não é qualquer incumprimento, tout court, de uma ou outra obriga-ção, que legitima a outra parte, ipso facto, a resolver o contrato”159. A lei prescreve que o não cumprimento seja grave, tenha uma relevada importância, “quer pela sua gravidade (em função da própria natureza da infração, das circunstâncias de que se rodeia ou da perda de con-fiança que justificadamente cria na contraparte, por exemplo), quer pelo seu carácter reiterado, sendo essencial que, por via disso, não seja de exigir à outra parte a subsistência do vínculo contratual”160.

O segundo fundamento, constante na alínea b) do art. 30.º, dispõe que qualquer contratante pode socorrer-se da resolução, quando se verificarem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual. Trata-se de um fundamento objetivo, que se baseia em circunstâncias respei-tantes ao próprio contratante que decide resolver o contrato (v. g.

158 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 150. Essa opinião é acompanhada por Carlos Lacerda BaraTa, Sobre o contrato de agência, 89.

159 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 145. Evidentemente, as situações que não dão ensejo a resolução do contrato poderão dar causa ao direito à indenização por eventuais danos causados (artigo 32. n.º 1 do Decreto-Lei). Ibid.,145-146.

160 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 147.

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“perda de mercado dos bens ou serviços que constituem objecto da agência, por razões alheias ao respeito, por qualquer das partes, das respectivas obrigações”161). Esta situação de justa causa não é imputa-da por força de nenhum dos deveres contratuais, mas, sim, em razão de circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes162.

A doutrina ainda discute o problema da resolução por falta de fundamento. Corresponde àquelas hipóteses em que, por decisão ju-dicial, a resolução é considerada infundada. Para resolver este pro-blema, duas soluções se perfilam: a) ou se declara que o contrato se mantém, tendo a parte lesada o direito de uma indenização pelos da-nos provenientes da suspensão do contrato; b) ou entende-se que o contrato se extinguiu ao ser recebida a declaração resolutiva, tendo a ação judicial efeito meramente declaratório.

Tem-se entendido, majoritariamente, em favor da posição b), ou seja, reconhecendo que o contrato se extinguiu, “traduzindo--se a falta de fundamento da resolução numa situação de não cumpri-mento”, com a consequente obrigação de indenizar”163. Logo, a reso-lução será equiparada à denúncia, evidentemente, sem a observância do pré-aviso, resultando na obrigação de indenizar (art. 29.º, n.º 1) – posição adotada pelo presente trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se observar, inicialmente, com o presente trabalho, que os contratos de distribuição têm por finalidade diminuir o distancia-mento físico e temporal habitualmente existente entre o produtor e o consumidor. Doutrinariamente, tem-se entendido que estes con-tratos, no que concerne à organização estrutural do processo dis-

161 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 148.

162 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 148. O art. 32, n.º 2, prevê uma indenização por equidade para a parte lesada.

163 António Pinto MonTeiro, Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 149.

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tributivo, poderão apresentar um sistema direto ou indireto. A dis-A dis-tribuição indireta concentra-se na ideia de divisão do trabalho e na concepção de especialização, cabendo a um terceiro (distribuidor) a responsabilidade pela distribuição de bens ou serviços disponibiliza-dos pelo produtor (e.g., contrato de concessão, de franquia). Já a dis-tribuição direta, por outro lado, indica que as funções concernentes à distribuição estarão a cargo do produtor, embora ele se utilize de um terceiro, que atuará como um intermediário (e g., um viajante ou pracista (empregado), agente ou comissionário).

Daí, afirma-se que é dos contratos de distribuição (direta) que se extrai a natureza jurídica do contrato de agência, na medi-da em que o agente assume, em caráter não eventual (estável) e sem vínculos de dependência (autônomo), a obrigação de promover à conta da outra parte (agenciado, proponente, principal, comitente, empresário ou mandante) a celebração de contratos, numa zona de-terminada (ou, ainda, em um determinado círculo de clientes), me-diante retribuição.

Não se pode olvidar que a semelhança do contrato de agên-cia com outros contratos impediu, por longo tempo, a sua efeti-vação em diversos países (v.g., Portugal, Espanha), tratando-se, as-sim, de um contrato que teve seus elementos criados e desenvolvi-dos pela jurisprudência (pressupostos essenciais, obrigações e de-veres do agente/agenciado) e, posteriormente, confirmado pela Lei – na Comunidade Europeia, principalmente, a partir da Diretiva da C.E.E., de 1989.

Portanto, em poucas palavras, diz-se que os elementos es-senciais deste contrato são: i) o ato do agente de promover, por conta do principal, a celebração de contratos (tanto o agente como o principal po-dem ser pessoas físicas ou jurídicas, bem como empresários – co-merciantes – ou não empresários) ii) autonomia (é o agente que or-ganiza, do modo que entender, a estratégia tendente à promoção da celebração de contratos); iii) estabilidade (o contrato de agência com-preende-se em uma relação jurídica duradoura, ainda que por tempo determinado); iv) existência de uma zona delimitada de atuação ou de um

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círculo de clientes pré-determinado (essencialidade, quanto a este elemen-to, variará de acordo com a legislação a ser consultada sobre o tema) e, por fim, v) a onerosidade (o direito à retribuição/remuneração é in-dispensável para a caracterização do contrato em tela).

Dessa forma, é a partir da análise aprofundada deste ele-mentos que se conclui que o contrato de agência não se confunde com o contrato de mandato, de comissão, de mediação, de trabalho, de concessão comercial, nem com o de franquia (franchising), pois, embora apresente traços que o aproximam dos supracitados contratos, de-nota um regime jurídico próprio que o afasta de qualquer identifi-cação conceitual ou funcional com outros contratos, sejam eles típi-cos, sejam eles atípicos.

Quanto às formas de cessação do contrato de agência, à luz do ordenamento jurídico português (Decreto-lei 178/86), consta-tou-se que esta poderá ocorrer quando houver: a) acordo entre as partes (revogação); b) caducidade; c) denúncia e d) resolução. As duas primeiras causas não apresentam maiores apontamentos, pois a primeira constitui uma manifestação do princípio da liberdade contratual e a segunda põe termo ao contrato por fim do prazo es-tipulado. Daí que, enquanto a caducidade é uma causa de extinção que ocorre nos contratos por tempo determinado, a denúncia – que é um ato unilateral, livre e discricionário (ad libitum ou ad nutum), atra-vés do qual a parte dirige-se à outra parte, para fazer cessar, ex nunc, o contrato – é exclusiva dos contratos por tempo indeterminado.

Por fim, ao contrário da denúncia, a resolução é uma decla-ração unilateral que necessita de ser motivada (fundamentada). O legislador, no art. 30.º do Decreto-Lei 178/86, estabeleceu dois fun-damentos de resolução, sendo que não é qualquer descumprimento, tout court, de uma ou outra obrigação, que legitima a outra parte, ipso facto, a resolver o contrato. A lei prescreve que o não cumprimen-to seja grave, quer pela sua gravidade, quer pelo seu carácter reiterado, sendo essencial que, por este motivo, não seja de exigir à outra parte a subsistência do vínculo contratual.

ESTUDOS | Doutoramento & Mestrado

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