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SÍLVIA SOUTO CUNHA

O silêncio, dizia ele, fascinava- -o. Seriam raras as vezes em que lhe conheceria o sabor, abraçado pelas rui-dosas ruas do Porto, que o adoptou como «seu» poeta. O silêncio, ele buscava-o em

contracorrente. Não espanta que tenha definido a sua obra, longa de 50 anos, como esparsa, ilhada no meio do imenso espaço branco das páginas. Contabi-lizem-se os 55 títulos traduzidos, nas cerca de 20 línguas em que ressoam os seus poemas. Como soará, em chinês, o acto poético, essa «luta corpo a corpo em

O SILÊNCIO

DE EUGÉNIO

AZUL A cor da herança de um poeta luminoso: Eugénio de Andrade

Poeta maior das Vertentes do Olhar, morreu aos 82 anos. Calou-se a voz de Eugénio de Andrade, sempre sussurrada, sobrevivem-lhe as palavras – Matéria Solar trabalhada por Ofício de Paciência e Ostinato Rigore. Por estas páginas, espalhámos os seus versos

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O SILÊNCIO

DE EUGÉNIOque o ser se joga inteiro»? E em russo? O Sal da Língua derramou-se em poemas e prosas, traduções também, e estórias para crianças. Mas outro silêncio che-gou por fim. Eugénio de Andrade, que morreu aos 82 anos na madrugada de 13 de Junho, dia enevoado e triste – Branco sobre Branco, para lhe roubar mais um título feliz – viveu os últimos anos entre uma doença degenerativa e a vontade da escrita cintilante, entre o sofrimento e o eterno ofício. Um dos seus últimos poe-mas terá sido uma pequena quadra cha-mada Maçãs. Fruto simples, primordial, redondo e reluzente, símbolo do prazer. Eugénio era o trovador do mundo táctil,

do manifesto vital, do esplendor de to-das as coisas. «Mas a terra brilha/como quem não conhece a morte», escrevera nas entrelinhas de Despedida, em Ofi-cio de Paciência – nós, os que ficamos ainda deste lado, consolamo-nos com a afirmação solar.

Os seus poemas incendiavam-se com a «luz limpa do Sul», o branco «irmão do silêncio», os gatos companheiros (tendo organizado, por ocasião do seu octogé-simo aniversário, a antologia de poe-mas Os Dóceis Animais, Edições Asa, 2003), as mãos dos amantes, os frutos – amoras e romãs e laranjas... –, pássa-ros de todos os pontos cardeais, a ma-

téria solar, os lugares do lume, o desejo. O poeta ardia numa carpintaria ob-sessiva, a rigorosa busca da linguagem exacta, uma consumição que não sos-segava até encontrar os lugares certos das vírgulas, a respiração natural do poema, a celebrada pureza, sobre a qual diz, numa entrevista de 2001, ser «sim-plesmente paixão, paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente e, no entanto, não consumada».

Senhor de leituras várias, admirava as palavras de Pessoa, os excessos de Rimbaud, o arroubo de Whitman. Cla-mava, também, a luz da cultura grega e mediterrânica, assim como os jogos do

DÁRIO GONÇALVES

FRENTE A FRENTENada podeis contra o amor.Contra a cor da folhagem, contra a carícia da espuma,contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte, a mais vil, isso podeis– e é tão pouco.(1956)

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Oriente. «A poesia, tal como a concebo, rente ao dizer, foi sempre para mim a maneira de falar com um amigo», afir-mou várias vezes.

Poeta solar«No prato da balança um verso basta

/para pesar no outro a minha vida», es-creveu Eugénio, sempre consciente de que vida e poesia eram uma rima coxa que nele coincidia. Os fios biográficos que sejam desemaranhados pelos outros – os amigos, os afectos, os que sobre ele escreveram. Óscar Lopes disse-o caso raríssimo, o de um poeta que foge ao lirismo do «não», criando uma «poesia do sim». Sophia recordava-o como «um jovem bonito, inteligente, divertido e algo narcísico». Sim, olha-se para as fo-tografias de Eugénio enquanto jovem e surpreende a luz dessas imagens, o rosto ainda livre do franzir de sobrolho, dos olhos cáusticos da idade madura. Agustina Bessa-Luís recorda-o, parceiro de viagens à Grécia e a Maiorca, nas páginas da revista de poesia Relâmpago dedicada ao poeta (nº 15, 2004): «Eu vejo o Eugénio mais depressa contem-porâneo de Byron e Shelley do que do Lorca que lhe atribuíam. Imagino-o indo morrer à Grécia por desencanto, enfado e convulsão de várias tristezas. É uma pessoa errante e não sedentária numa vidinha retalhada e esculpida ao gosto burguês.»

Conhece-se o seu amor pela pintura

O seu sangue era também o da «gente que trabalhava a pedra e a terra», cam-poneses, proprietários rurais e mestres de obras da Póvoa da Atalaia, pequena aldeia da Beira Baixa, onde o poeta nas-ceu, no dia 19 de Janeiro de 1923. Eu-génio já nem respondia pelo seu nome de baptismo: José Fontinhas, filho de Maria dos Anjos e Alexandre, casados muito depois de Eugénio nascer. Seria matrimónio de pouca duração: ficaria uma eterna devoção à mãe, figura tute-lar, inclusive na sua poesia, e uma cen-sura voluntária ao pai a quem chamou, certa vez e com fina ironia, «o senhorito do Monte da Ribeira da Orca». Quando o pai quer perfilhá-lo, Eugénio de An-drade recusa.

Porto de abrigoÉ ainda nessa entrevista dada ao

jornal espanhol que o poeta confessa, a propósito da figura materna, que «a

4O Silêncio de Eugénio

DEDICATÓRIA Com a «admiração e um abraço» de Jorge Pinheiro

QUARTO COM VISTA O jacarandá favorito de Eugénio de Andrade, junto à cooperativa Árvore e visto das janelas do Hospital de Santo António onde o poeta esteve, várias vezes, internado

Não colecciones dejectos o teu destino és tu.Despe-tenão há outro caminho.

SOBRE O CAMINHO, 1973

de Cézanne, Klee e Morand, as suas preferências pela música de câmara, de J.S. Bach a Bartók, do seu labor apaixonado em verter para por-tuguês as obras de Safo, Yannis Ritsos, Pierre Reverdy, René Char, Garcia Lorca, ou Luis Cernuda e ainda as suas ami-zades epistolares com nomes grandes da literatura, como era o caso de Vicente Aleixan-dre ou Marguerite Yourcenar, confessa admiradora.

Eugénio não faleceu sob o claro sol grego; extinguiu-se de morte anunciada, no Porto, onde vivia «como quem vive na ilha do Corvo», dizia, desde 1954. Abrigado da vida social e mundana que detestava, mas suspirando pelo Sul. Em silêncio e em versos. Em entrevista ao jornal El Pais, em 2001, condescende em dizer: «Toda a minha vida foi feita sem ênfase, sem ruído.» Sinal de um homem que se dizia mais próximo dos campesinos do que dos aristocratas.

CULTURA A pureza dos poemas, dizia, era simplesmente paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente

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sua imagem é tão forte que ainda hoje, tantos anos passados sobre a sua morte, só consigo aproximar-me das mulhe-res que se parecem com ela». Maria dos Anjos levou-o pela mão, tinha ele 7 anos, primeiro para Castelo Branco e depois para Lisboa. Uma breve passa-gem por Coimbra, e ei-lo regressado a Lisboa. Aos 16 anos, devora as tardes na Biblioteca Nacional, copiando poemas de Fernando Pessoa, com um «cantil de aguardente a espreitar-lhe do bolso». A vidinha apanha-o, ingressando nos quadros dos serviços médico-sociais, do Ministério da Saúde, um detalhe kafkiano na biografia do poeta: durante 35 anos, desempenha a profissão de ins-pector-administrativo por sempre se ter

ENQUANTO JOVEM Com 17 anos, no Portinho da Arrábida (em cima, à esquerda), na cal branca de Torremolinos, em 1972 (em cima) e, no Porto, aos 38 anos

recusado a fazer concursos de promo-ção. «Eugénio não se rendeu nunca aos medíocres, era uma coisa que acendia a sua cólera», escreveria Agustina, nas páginas da Relâmpago.

E foi por razões profissionais que, num acidente de percurso, o cidadão Fontinhas desaguou no Porto, em 1950. Primeiro fascinado pela imagem das árvores portentosas, apanha, depois, uma desilusão com a linguagem gros-seira, «própria de quartéis ou de pátio de recreio das escolas», a sujidade, a face negra de uma Invicta que acabaria por o acolher como poeta seu. Escrevendo sobre terras brancas e solares, rendeu-se aos afectos portuenses que, por vezes, lhe batiam à porta oferecendo flores.

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A pureza dos poemas, dizia, era simplesmente paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente

Não se aprende grande coisa com a idade.Talvez a ser mais simples, a escrever com menos adjectivos.NÃO SE APRENDE, 1995

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Chamava-se Adolescente o primeiro livro depois do primeiro poema, Nar-ciso. Escreveu, ainda, Pureza, em 1945. Escritos que Eugénio de Andrade re-nega, transformando-os numa selecção chamada Primeiros Poemas (editada em 1977). Um volume entre os muitos publicados, material hoje rededitado, traduzido, testemunhado no espólio guardado na Fundação Eugénio de Andrade, onde o poeta morreu, sem os carinhos habituais da sua última gata persa, Micki: a sua fragilidade não per-mitia carinhos mais afiados. Antes de morar neste primeiro andar, a sua pri-meira casa era um exíguo ninho para livros e quadros e solidão, com três ou quatro móveis. Eugénio dizia-se her-deiro de «um desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas formas é sempre uma degradação». Asceta, subiu, durante 44 anos as três dezenas de degraus que o conduziam ao modesto segundo andar da Rua Duque de Palmela, 111. Foram os amigos que lhe levaram consolação, com a ideia de ser o Porto a oferecer-lhe um regaço, para os seus afectos e quadros e para uma fundação com o

seu nome, criada em vida. Branca como o mais branco dos seus poemas, a Fun-dação Eugénio de Andrade, virada para o Passeio Alegre, na Foz, funcionava na cave e rés-do-chão. Sob a condição de não ser administrador da instituição, o poeta habitava, resguardado, no pri-meiro andar. A sua família escolhida vive no segundo: o afilhado Miguel (hoje

com 25 anos, que o chamava de Papi), a quem o poeta dedicou poemas de Aquela Nuvem e Outras, e os pais deste: Gil, que Eugénio conheceu no ateliê de José Rodrigues, actualmente um perito de seguros, casado com Ana Maria, dedi-cada vigilante dos últimos tempos.

O poeta descobriu que, da sua janela, ouvia o rumor do mar, antes de este ser afogado pela maré citadina. Por vezes, sonhava com uma casinha e campos de trigo a perder de vista. Mas o seu tempo é passado a ler, a escutar música e a escrever. «Agora faço aquilo de que realmente gosto, porque como diz Mel-ville, sou o imperador da minha alma»,

referia. A sua fotobiografia,

O Amigo mais Ín-timo do Sol (Campo das Letras/Fundação Eugénio de Andrade, 222 págs., 1998), orga-nizada por José Cruz dos Santos, com textos de Luis Miguel Nava e Angel Crespo, mostra muitos momentos de um poeta maior da língua portuguesa.

É um dos muitos louvores públicos a que teve direito, antes do último suspiro. Honrarias não lhe faltaram: traduções, edições sucessivas, prémios a que nunca se candidatou e que temia ter de agra-decer, como foi o caso dos prémios da Associação Internacional dos críticos

DÁRIO GONÇALVES

PORTO (DE ABRIGO) A sua cidade, desde que aí chegou em 1950. Nela, encontrava tanta segurança como na obrigatória companhia dos seus gatos

Já estiveras na morte muita vez e sempre regressaras. Para a conheceresbastava-te afinal ser português,a morte é o nosso aprendizado.

A MÁRIO BOTAS, COM UNSCRAVOS BRANCOS, 1983

Asceta, dizia desprezar o luxo que considerava uma decadênciaCULTURA

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DÁRIO GONÇALVES

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Literários (1986), Dom Dinis (Fundação Casa de Mateus, 1987), Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (em 1988, por O Outro Nome da Terra), Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (2000) e, fi-nalmente, o mais esperado: o Prémio

Camões, em 2001. As aparições públicas,

essas doseou-as sempre com alguma avareza: apenas se deveram a «essa debilidade do coração, que é a ami-zade».

Eugénio de Andrade manteve o espírito longe das teias da submissão à vaidade ou à institucio-nalização. «Não tenho, nem quero ter nenhuma relação com o poder, qualquer poder. As coisas munda-nas são-me cada vez mais insuportáveis. Não suporto ir a sítios onde se tem de falar por falar, fazer tricot de palavras. Continuo a fugir ao contacto com as coisas públicas, a entrevistas. Sinto-me mal diante de câmaras e microfones, tenho horror ao exibicionismo. Além da reserva natural, presentemente tenho pouca curiosidade pelo ser humano», dizia, em entrevista a José Carlos de Vasconcelos, nas páginas da VISÃO, em Novembro de 1998. No poema À Memó-ria de Ruy Belo, de 1978, não esconde a sua opinião sobre as costumeiras ho-menagens fúnebres aos poetas eleitos

pelo poder: «Consola-me ao menos a ideia de te haverem/deixado em paz na morte; ninguém na/assembleia/ da re-pública fingiu que te lera os versos,/ nin-guém, cheio de piedade por si próprio, / propôs funerais nacionais ou, a título póstumo,/ te quis fazer fazer visconde, cavaleiro, comendador». Fim de poema

Antes de a doença o derrubar, por vezes num mutismo de uma lucidez intermitente, Eugénio de Andrade co-sia-se à sombra das rotinas. Levantava-se cedo, alimentava a gata, bebericava um chá, folheava o jornal e, às 9 horas, começavava a trabalhar. Depois do

PRESENTE Apesar de avesso a festas, não pôde evitar o lançamento de Poesia: todos os poemas em edição da Fundação com o seu nome, no ano 2000

DESENHO Assinado por Dórdio Gomes em 1960

As coisas mundanas, o exibicionismo, os holofotes, eram-lhe insuportáveis

Animal solitário, às vezesirónico, às vezes amável, quase sempre paciente e sem piedade.A poesia adora andar descalça nas areias do verão.

A POESIA NÃO VAI, 1995

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I M A G E N S | J O Ã O M Á R I O G R I L O

É UMA GRANDE NOVIDADE para o mundo cinéfilo: os Cahiers du Cinéma preparam a sua entrada

no mundo online, alguns anos depois de uma primeira tentativa abortada, ainda antes da tomada de controlo da revista por parte do grupo Le Monde. Desta vez, porém, parece ser mesmo a sério. Quem consultar o endereço www.cahiersducinema.com, pode já ver uma amostra do que o site poderá vir a ser no futuro: para além da ób-via vitrina comercial (com as edições de números especiais, livros e DVDs), da agenda de iniciati-vas mensais e dos três fóruns de discussão previstos (um sobre as edições, os outros dois de natureza mais teó-rica e crítica), as duas grandes novidades são o acesso à fototeca dos Cahiers e, sobretudo, ao arquivo das várias dezenas de milhar de páginas – todos os números da revista –, uma operação prepa-rada em conjunto com a Bibliothèque du Film. O acesso ao arquivo será pago, mas a revista ofe-rece, para já, o acesso gratuito aos conteúdos dos números das contas «centenárias»: do mí-tico n.º 1, de Abril de 1951, ao 500, publicado em Março de 1996 e dedicado, em boa medida, a Martin Scorsese e ao lançamento de Casino. Os artigos estão fac-similados, em formato PDF, e está lá tudo: os textos, claro, mas também as imagens que, muitas vezes, na revista, fizeram toda a diferença.

Este é, portanto, um bom momento para os Cahiers du Cinéma, uma re-vista que se mantém, apesar de todas as flutuações e irregularidades, como uma das publicações mais atentas e influentes sobre o que vai acontecendo na cena do cinema contemporâneo e, às vezes, também do clássico. É claro que tudo isto é apenas acessível a fran-

cófonos, mas, para os cinéfilos, talvez este seja um bom pretexto para reno-var as ligações com uma língua que o cinema sempre falou muito (segundo alguns, talvez em demasia). É que no cômputo geral todos reconheceremos que nas páginas dos Cahiers está al-gum do material mais interessante jamais escrito sobre o cinema na se-gunda metade da sua história. Como escreve Jean Renoir, num dos textos do número 200 (publicado no Maio vermelho de 1968): «Os Cahiers fi-zeram-me bem porque me tornaram

familiar a espectadores que precisavam de um dicioná-rio para compreender a mi-nha linguagem. Os Cahiers fizeram-me bem porque são os Cahiers. Amo-os porque amo o cinema e porque é difícil amar um sem amar o outro.»

Não ficam, porém, por aqui as (boas) novidades dos «Ca-dernos». Maio foi também o mês de aparecimento de mais um número (bilingue) da revista dedicado ao diag-nóstico do cinema que se faz mundo fora, através de um olhar sobre o estado de 35 cinematografias nacionais: da Argélia à Turquia, pas-sando pelos Estados Unidos e Portugal (um texto incisivo de Francisco Ferreira). É a edição de 2005 do Atlas do

Cinema, cujo foco é concentrado, este ano, num conjunto de análises sobre a diversidade dos sistemas de ajuda financeira. No momento em que se prepara a possível ratificação da importante Convenção da Unesco sobre a especificidade nacional dos bens culturais (um documento que poderá alterar significativamente as regras internacionais do mercado do cinema e do monopólio americano), este número «especial» (à venda um pouco por todo o lado) é um retrato importante do estado de coisas e, tam-bém, do muito cinema – monopólio oblige! – que continuamos a não poder ver em Portugal.

O momento dos ‘Cahiers’

Os Cahiers du Cinéma estreiam-se no mundo online

RIO

GO

ALV

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almoço esparso, um passeio a pé para tomar café na confeitaria da Cantareira ou no pavilhão do jardim, onde se dei-xava envolver pelo «desvario» do canto dos pássaros. Depois de um brevíssimo sono, jantava com a família e dormia cedo, pouco tolerante com a televisão. Dizem-no ganhador de alguma amar-gura de fim de vida, perante um mundo triunfante de feiura. «Passamos pelas coisas sem as ver/ gastos como animais envelhecidos;/ se alguém chama por nós não respondemos, /se alguém nos pede amor não estremecemos:/como frutos de sombra sem sabor/ vamos caindo ao chão apodrecidos», escrevia já no pio-neiro As Mãos e os Frutos.

«Depois do silêncio, o correr da água é a música mais bela que existe.» Esta máxima dos construtores do Alhambra, que lhe enviara um amigo, era uma me-lodia desejada. «Dou todo o meu reino por esse cano de água caindo no silêncio de um pátio do Sul», disse. Uma lágrima que tomba ou a leitura de um poema do livro final, Os Sulcos da Sede, será uma boa aproximação? «Estou onde/ sempre estive: à beira de ser água./En-velhecendo no rumor da bica/ por onde corre apenas o silêncio.» ■

O AZUL

O azul, o azul para cobrir o corpo,é a minha herança, o azul da cal.(1997)

CULTURA

FUTURO Dos poetas, sobrevivem as palavras

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