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0 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Psicologia PADRES E BISPOS EMÉRITOS: Um Estudo Sobre os Processos da Aposentadoria e da Velhice Paula Vieira Pires Belo Horizonte 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

PADRES E BISPOS EMÉRITOS: Um Estudo Sobre os Processos da

Aposentadoria e da Velhice

Paula Vieira Pires

Belo Horizonte

2010

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Paula Vieira Pires

PADRES E BISPOS EMÉRITOS: Um Estudo Sobre os Processos da

Aposentadoria e da Velhice

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Psicologia.

Orientador: Drº. José Newton Garcia de Araújo

Belo Horizonte

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Pires, Paula Vieira P667p Padres e bispos eméritos: um estudo sobre os processos da

aposentadoria e da velhice / Paula Vieira Pires. Belo Horizonte, 2010.

93f. : il. Orientador: José Newton Garcia de Araújo Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. 1. Sacerdotes - Aposentadoria. 2. Trabalho. 3. Velhice. I.

Araújo, José Newton Garcia de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.

CDU: 331.25:262.14

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Paula Vieira Pires

PADRES E BISPOS EMÉRITOS: Um Estudo Sobre os Processos da

Aposentadoria e da Velhice

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Psicologia.

José Newton Garcia de Araújo (Orientador) – PUC Minas

Rosângela Dutra de Moraes - UFAM

Willian Cesar Castilho Pereira - PUC Minas

João Leite Ferreira Neto– PUC Minas

Belo Horizonte, 02 de Julho de 2010

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“A maior recompensa do nosso trabalho não é o que nos pagam por ele, mas aquilo em

que ele nos transforma.”

(John Ruskin)

“Para além das perdas, a velhice adquire muito mais que a famosa aptidão à serenidade

e à lucidez; ela permite que se chegue a uma plenitude mais acabada” (Lou Salomé)

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AGRADECIMENTOS

Esta dissertação é uma conquista sonhada e compartilhada como muitas pessoas, às

quais, de forma especial, gostaria de agradecer imensamente o apoio, a ajuda e o incentivo.

Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida e do entendimento que nos capacita

na construção de trabalhos como esse e na missão de buscar a cada dia um mundo melhor, por

me mostrar cada vez mais que a Fé e a Razão são duas asas que nos elevam ao Céu.

Agradeço a todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da

PUC – Minas, a generosidade em compartilhar conosco seus conhecimentos e nos ajudarem a

trilhar os caminhos da produção acadêmica.

De forma especial agradeço a todos os Padres e Bispos que participaram desse estudo,

foi uma experiência única ouvir e aprender com cada um dos senhores, minha pesquisa, sem a

riqueza de suas experiências, não faria o menor sentido.

Agradeço também à Coordenação e aos colegas do curso de Psicologia da UNEC –

Centro Universitário de Caratinga – o apoio e incentivo constantes. Aos amigos do Seminário

Diocesano Nossa Senhora do Rosário em Caratinga, agradeço a acolhida e por terem, por

vezes, diretamente, participado desta pesquisa. Em especial agradeço ao Monsenhor Levi que

infelizmente faleceu há alguns meses e não pôde ver a versão final de um trabalho que ele

acompanhou de perto. Sou grata ao senhor, que deixou saudades!!!!

Em especial agradeço ao meu querido orientador Professor José Newton, que com sua

generosidade, sabedoria e gentileza soube me acompanhar nesta jornada, respeitando meu

tempo e me ajudando a assumir o meu jeito de ser pesquisadora. Obrigada, o senhor foi uma

ótima companhia nesse tempo. Também aos professores Willian Castilho e João Leite pelas

contribuições que enriqueceram e foram imprescindíveis para a construção deste estudo.

Ao Kleider, meu amor e companheiro de todas as horas, que me acompanhou em todas

as entrevistas que realizei, e que com toda a paciência soube me ajudar e estimular quando

estava desanimada e sem inspiração. Essa vitória não é só minha, e sim nossa. Te amo!! À

minha família agradeço o amor incondicional, o respeito a minhas necessidades e a

compreensão de minhas ausências. Mãe, Pai e irmão, amos vocês.

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RESUMO

A investigação trata do estudo sobre os processos psicossociais advindos da entrada de Padres

e Bispos na emeritude, a partir de um corpus teórico ligado aos conceitos de trabalho,

atividade, aposentadoria, emeritude e velhice, além de uma pesquisa de campo. A emeritude

pode ser entendida como o processo de aposentadoria de Padres e Bispos Diocesanos após

completarem 75 anos de idade. A partir desse momento, eles ficam desabrigados de suas

funções enquanto Pároco e Bispo Diocesano. Os processos psicossociais envolvidos aqui

seguem uma lógica singularizada, uma vez que cada clérigo, a partir da maneira como entende

seu exercício sacerdotal, os novos projetos de vida possíveis após a emeritude, bem como os

desdobramentos advindos do seu processo de envelhecimento, constrói uma forma particular

de viver essa nova fase da vida. Diante disso, nota-se que alguns clérigos conseguiram

construir um significado social, afetivo e laboral mais satisfatório para a emeritude, enquanto

outros o fizeram de uma forma menos favorável. Discutem-se, ao longo dessa investigação, os

conceitos de trabalho e atividade segundo autores como Marx (1980), Clot (2006) e Viegas

(1989). A discussão sobre os processos de envelhecimento, aposentadoria e emeritude

norteou-se por autores como Santos (1990), Beauvouir (1990) e Bosi (2004). A pesquisa de

campo baseou-se na abordagem qualitativa com a utilização de uma entrevista semi-

estruturada. Participaram da pesquisa seis Padres e três Bispos. Os dados obtidos foram

trabalhados à luz da análise de conteúdo, metodologia mais favorável à discussão e

compreensão dos processos ligados à emeritude. Julgamos que os dados obtidos foram

essenciais para a compreensão dos processos psicossociais que envolvem a emeritude. Os

entrevistados demonstraram uma visão heterogênea do exercício das atividades ligadas ao

sacerdócio, bem como daquelas não-ligadas ao ministério as quais passam a ser mais

frequentes após se tornarem eméritos. A percepção do próprio processo de envelhecimento é

vivenciada de maneira particularizada. Muitas vezes, o outro aponta a velhice alheia, e esse

apontamento influencia o processo de construção do significado pessoal de ser velho e de

como ser visto na velhice. Por fim, aparecem também questões relacionadas ao

reconhecimento do trabalho e às novas possibilidades, para os clérigos, de após a emeritude

encontrarem possibilidade de atividades mais ligadas ao desejo e à realização.

Palavras-chaves: Clérigo, Trabalho, Emeritude e Velhice.

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ABSTRACT

The research deals with the study of the psychosocial processes arising from the entry of

priests and bishops in emeritude, from a theoretical corpus on the concepts of work, activity,

retirement, emeritude and old age, and a survey. The emeritude can be understood as the

process of retirement of Priests and Bishops Diocesan after completing 75 years old.

Thereafter, they become homeless in their duties as parish priest and diocesan bishop. The

psychosocial processes involved here follow a logical singularized, since each cleric, from the

way we understand their exercise priestly, new life projects possible after emeritude as well as

the developments arising out of your aging process, build a form Personal live this new life

stage. Therefore, it is noted that some clerics were able to build a meaningful social,

emotional and work more satisfying for emeritude, while others did so in a manner less

favorable. Are discussed along this research, the concepts of work and activity according to

authors such as Marx (1980), Clot (2006) and Viegas (1989). The discussion about the

processes of aging, retirement and emeritude was guided by authors such as Santos (1990),

Beauvouir (1990) and Bosi (2004). The field research was based on a qualitative approach to

the use of a semi-structured interview. Participated in the survey six priests and three bishops.

The data obtained was the light of the content analysis methodology that is conducive to

discussion and understanding of the processes related to emeritude. We believe that the data

were essential for the understanding of psychosocial processes that involve emeritude.

Respondents showed a heterogeneous view of the pursuit of activities related to the

priesthood, and those from non-related to the ministry which will then be more frequent after

becoming emeritus. The perception of the aging process itself is experienced individualized.

Often, the other points the age of others, and this influences the appointment process of

constructing personal meaning of being old and how to be seen in old age. Finally, questions

also appear to recognize the work and new opportunities for the clergy, after emeritude the

possibility of finding more activities linked to the desire and fulfillment.

Keywords: Cleric, Work, Emeritude and old age.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9

2. METODOLOGIA........................................................................................................... 13

2.1 Participantes da pesquisa....................................................................................... 14

2.2 Procedimento de coleta dos dados das entrevistas .............................................. 18

2.3 Descrição do instrumento ...................................................................................... 19

2.4 Metodologia de análise e interpretação dos dados .............................................. 20

3. TRABALHO E APOSENTADORIA............................................................................ 22

3.1 Discussão da categoria trabalho............................................................................ 24

3.2 O trabalho do clérigo como produção .................................................................. 27

3.3 A função psicológica do trabalho .......................................................................... 37

3.4 O padre e o bispo emérito: Aposentadoria ou renúncia ao trabalho?............... 47

4. VELHICE E EMÉRITOS.............................................................................................. 61

4.1 O cenário do envelhecimento na contemporaneidade......................................... 61

4.2 O cenário do envelhecimento na igreja católica .................................................. 65

4.3 Processos psicossociais da velhice ......................................................................... 69

4.4 Velhice e emeritude ................................................................................................ 79

5. CONCLUSÃO................................................................................................................. 85

6. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 90

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1. INTRODUÇÃO

O tema do presente estudo são os processos psicossociais desencadeados pela entrada

dos clérigos seculares ou diocesanos na emeritude e na velhice. Esse tema foi lapidado

durante um bom tempo, já que, antes mesmo de pensar em pesquisá-lo como uma proposta

acadêmica, eu já havia trabalhado com um grupo com esse perfil. O meu interesse pelo

assunto uniu dois temas sempre recorrentes na minha vida acadêmica e pessoal, vou tentar

explicar.

Quando ainda estava na graduação de psicologia, em Juiz de Fora, participava de um

grupo de oração dentro da faculdade, Grupo de Oração Universitário (GOU), que faz parte da

Igreja Católica diretamente ligada ao movimento da Renovação Carismática. Participar do

GOU durante os cinco anos da graduação me colocou sempre em contato direto com o clero

da igreja, padre e bispos. Um bispo em especial, arcebispo auxiliar em Juiz de Fora na época,

e homem muito ligado a questões educacionais, sempre nos estimulou a pensar a fé unida à

razão. Nesta mesma época, tive os primeiros contatos com o lar sacerdotal, lugar que abriga

padres e bispos idosos, necessitados de auxílio, e me vi envolvida com a primeira questão:

quando um padre envelhece, o que acontece com ele dentro da igreja? Sabia que casas como

aquela eram poucas, então ficava me questionando sobre onde estariam os outros.

Na faculdade, eu era bolsista do CNPq em uma pesquisa que traçava o perfil do

envelhecimento saudável na cidade de Juiz de Fora. Nossa amostra era grande, mais de 900

idosos, já que se tratava de uma pesquisa Survey, e eu aplicava os questionários que, em

média, duravam uma hora e meia com cada idoso. Conversei com cerca de 200 idosos, ao

longo de dois anos, e, realmente, fiquei muito interessada pela discussão sobre velhice, idosos

e envelhecimento.

Assim, acabei unindo as duas coisas neste estudo, que reflete, então, sobre as questões

relacionadas com a velhice dentro da igreja católica. Para tanto, restringi minha discussão aos

clérigos eméritos, ou seja, padres e bispos com mais de 75 anos que, perante a igreja, são

desobrigadas das funções de pároco e bispo diocesano. Ademais, decidi discutir a velhice e

seus desdobramentos após a entrada na emeritude, uma espécie de aposentadoria que será

explicitada mais adiante.

Discutir a velhice é assunto em voga há algum tempo no meio científico. Por isso,

cada vez mais, o tema tem se tornado pauta nas discussões e projetos de políticas públicas, na

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saúde e em vários outros segmentos da sociedade, tendo em vista o crescente e acelerado

processo de envelhecimento da população. A Igreja também é um desses segmentos e se vê

desafiada pela perspectiva de futuro de seus clérigos idosos. Assim como a sociedade em

geral, esta instituição não está totalmente preparada para receber o contingente de idosos da

atualidade.

Além disso, a igreja, por seu formato institucional e por seu modo particular de lidar

com as questões contemporâneas, está carente de estudos sobre o assunto, haja vista a

dificuldade em achar publicações sobre a temática, não sobre a velhice em si, mas

especificamente sobre a velhice dos clérigos.

Oficialmente, somente aos 75 anos, padres e bispos diocesanos são desobrigados das

funções que exercem dentro da diocese, enquanto párocos ou bispos, ou seja, muito tempo

depois do previsto em uma aposentadoria pela Previdência Social. Inclusive, muitos padres já

se aposentam pelo INSS quando completam 65 anos, caso, evidentemnte, tenham recolhido

sua contribuição ao logo do tempo previsto pela Previdência. Porém, continuam a exercer

normalmente suas atividades dentro da diocese. Somente na emeritude os mesmos têm

autorização para deixar de exercê-las, autorização que precisa vir do bispo, no caso dos

padres, ou do papa, no caso dos bispos.

A aposentadoria é entendida, comumente, como um dos marcadores sociais de entrada

na velhice. Muitas vezes, ouve-se dizerem: “Estou me aposentando, já estou muito velho para

continuar trabalhando”. Portanto, nesse estudo, escolhemos os clérigos eméritos para discutir

e articular os conceitos de velhice, trabalho e aposentadoria.

O objetivo aqui é discutir, por meio do relato dos clérigos eméritos, os processos

psicossociais ligados e desencadeados pela entrada e vivência dos mesmos na emeritude e na

velhice e, dessa forma, contribuir para um melhor entendimento acerca destes mesmos

processos dentro da igreja católica.

Para isso, a pesquisa configura-se por uma revisão teórica e uma pesquisa de campo,

orientada por questões do tipo: como os clérigos se veem na emeritude e na velhice? Qual o

significado dessas palavras para cada um deles?

A revisão teórica parte de autores ligados a disciplinas como gerontologia, sociologia,

filosofia, psicossociologia, direito e teologia, tomadas como referências para as análises dos

dados coletados na pesquisa de campo.

Na pesquisa de campo, realizaram-se, como instrumento de coleta de dados,

entrevistas semi-estruturadas com cinco padres eméritos e dois bispos eméritos, e optou-se

pela análise de conteúdo, como método de análise e interpretação dos dados.

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A maioria dos padres é da Diocese de Caratinga - MG e reside na mesma região. Um

dos bispos é emérito da diocese de Caratinga, porém reside em Juiz de Fora. Um padre e o

outro bispo são eméritos na Diocese de Coronel Fabriciano, cidade situada a 100 km de

Caratinga, também no leste de Minas Gerais.

A estrutura da dissertação está dividida em capítulos, sendo que o primeiro

corresponde a esta introdução e o segundo está dedicado à discussão dos procedimentos

metodológicos da pesquisa. Optou-se por usar a entrevista semi-estruturada já que ela fornece

um direcionamento, mas, ao mesmo tempo, por abrir espaço para que os entrevistados possam

expressar-se livremente sobre os assuntos discutidos.

A metodologia de análise escolhida para tratamento dos dados coletados é a análise de

conteúdo, para a qual selecionamos as seguintes categorias: Envelhecimento, Emeritude,

Aposentadoria, Trabalho e “Não-Trabalho”, Relação Trabalho e Vida, Atividades Pastorais e

Atividades periféricas, Atividade Pastoral antes e depois do Concílio Vaticano II. A

discussão dessas categorias de análise não será colocada em um capítulo à parte, pois estará

sendo explicitada ao longo da dissertação, dentro da estrutura dos capítulos, ou seja,

apresenta-se o referencial teórico mesclado aos conteúdos das entrevistas, acompanhados das

devidas considerações e reflexões que se fazem necessárias. O terceiro capítulo se dedica à

discussão dos conceitos relacionados ao trabalho, tais como atividade, vocação, aposentadoria

e emeritude. Autores como Marx (1980), Clot (2006) e Viegas (1989) foram de fundamental

importância na discussão sobre trabalho e atividade.

No quarto capítulo, encontra-se a discussão dos conceitos em torno da velhice, tais

como idoso e envelhecimento, além dos desdobramentos psicossociais associados a essa

vivência, dentro do processo de desenvolvimento humano, contextualizados no cenário

religioso e institucional da Igreja Católica.

Por fim, no quinto capítulo, encontram-se as conclusões e considerações finais da

dissertação.

Sabe-se que a velhice é um tema rico e, por mais que esteja sendo amplamente

discutido, está longe de ser esgotado. Dentro do cenário religioso, percebe-se que apenas

recentemente começa a ser discutido. Associado especificamente à emeritude, pode-se até

dizer que vem sendo timidamente discutido. Ressalta-se, então, que, diante da escassez de

produção científica sobre a temática proposta nesta dissertação, o tema já se faz relevante,

principalmente para a igreja e, em particular, seus clérigos eméritos. Espera-se que este estudo

possa ajudar na implementação das políticas e planos de ações desenvolvidos para esse grupo

em particular, dentro da igreja católica. Além da igreja, esta pesquisa pode, ainda, trazer

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contribuições para a sociedade em geral, visto que, por mais que existam diferenças na

vivência da velhice e da aposentadoria por emeritude dos clérigos, em relação aos leigos,

existem aí muitas semelhanças que podem enriquecer a discussão de futuros estudos.

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2. METODOLOGIA

A metodologia é um instrumento a serviço da pesquisa. Nela, toda questão técnica

implica uma discussão teórica. No presente estudo, ela é entendida como o conhecimento

crítico dos caminhos do processo científico, indagando e questionando acerca de seus limites

e possibilidades. Segundo Minayo (1993), a pesquisa é entendida da seguinte forma:

Atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados. (Minayo 1993, p.23).

De forma particular, o presente estudo faz uma tentativa na busca de sentido e

entendimento acerca da vivência dos processos psicossociais inerentes à emeritude de padres

e bispos da igreja católica, dentro da abordagem de pesquisa qualitativa.

A pesquisa qualitativa favorece um discurso aberto e livre. Da Matta (1991)

apresenta uma análise, na perspectiva da hermenêutica, da relação sujeito/objeto, que

considero interessante apresentar aqui. Segundo esse antropólogo, temos que considerar a

“interação complexa entre o investigador e o sujeito investigado” que compartilham, mesmo

que muitas vezes não se comuniquem, “de um mesmo universo de experiências humanas”. Já

o método de pesquisa quantitativo é um interessante instrumento de investigação, porém

limitado, quando se está na busca de conteúdos particularizados e subjetivos e a relação

sujeito e objeto normalmente ficam engessados, (Da Matta, 1991, p. 23).

O que permite superar nossos preconceitos em relação ao “outro”, ao diferente, é a

possibilidade de dialogar com o sujeito investigado. É nessa possibilidade de diálogo que

reside a principal diferença com os modelos de pesquisa experimental. Na pesquisa

qualitativa, o sujeito tem o seu ponto de vista, as suas interpretações muitas vezes refutam a

posição do pesquisador.

Por conseqüência, a variedade de material obtido qualitativamente exige do

pesquisador uma capacidade integrativa e analítica que, por sua vez, depende do

desenvolvimento de uma capacidade criadora e intuitiva.

A pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzida em números. A interpretação dos fenômenos e

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a atribuição de significados são básicas, no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem. (Silva, 2001, p.21)

Obviamente, não se pretende aqui afirmar que uma metodologia é superior a outra.

Um cientista social não se forma enquanto tal, se não souber lidar tanto com o instrumental

qualitativo quanto com o quantitativo. O uso de uma metodologia ou de outra dependerá

muito do tipo de problema colocado e dos objetivos da pesquisa.

A questão básica desta dissertação se desenrola junto aos participantes da pesquisa,

padres e bispos eméritos da igreja católica, ela é pensada dentro do ponto de vista e da visão

particularizada de cada entrevistado, na tentativa de construir um entendimento acerca da

experiência da emeritude e da velhice. Neste sentido, a escolha pela investigação dentro da

abordagem qualitativa faz-se mais apropriada.

A Análise do Conteúdo é um tipo de metodologia privilegiada dentro das pesquisas

qualitativas, ela entende a linguagem como a representação de uma realidade a priori, como

um veículo de transmissão de uma mensagem subjacente, sendo o seu conteúdo aquilo a que

se pretende alcançar. Ou seja, encontrar o saber que está por trás da superfície de um texto

construído pelos nossos entrevistados. O pesquisador precisa desvendar o sentido escondido,

como um leitor privilegiado, por dispor de técnicas apropriadas para isso, entendendo que o

texto como aquilo que esconde o significado, a intenção do entrevistado, autor do texto.

2.1 Participantes da pesquisa

Os participantes da pesquisa são padres e bispos da igreja católica com idade acima de

75 anos e do sexo masculino, na emeritude, ou seja, padres e bispos eméritos. O título de

emérito é dado somente aos clérigos seculares ou diocesanos. Dentro da estrutura da Igreja

católica, existem os padres denominados diocesanos ou seculares, e os padres religiosos que

em algumas congregações são chamados frei.

As diferenças entre um padre diocesano e um padre religioso são várias e podem ser

abordadas sob diversos pontos de vista. Nesta primeira parte, serão abordadas algumas

diferenças sob esses pontos de vista resumidamente.

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O padre diocesano, ordinariamente, serve à igreja dentro de uma área bem definida, a

diocese. Ele trabalha como padre da paróquia e pode também envolver-se em outras formas de

ministério, denominadas “atividades periféricas”, para efeito da seleção das categorias de

análise: ensino, capelão em hospitais, presídios, universidades, etc. O padre religioso, por sua

vez, é um membro de uma comunidade (congregação) que não se limita geograficamente a

uma diocese. A seguinte citação mostra como a igreja coloca a questão quando fala tanto dos

clérigos diocesanos quanto dos religiosos,

Can. 573 §2. Os fiéis cristão que livremente adotaram esta forma de vida nos institutos de vida consagrada, canonicamente estabelecidas pela autoridade competente da Igreja, os fiéis que, através de votos ou outros vínculos sagrados, segundo as leis dos seus próprios institutos, professam os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência e, pela caridade que eles levam participar de uma forma especial para a Igreja e seu mistério. (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.206).

Antes de ser padre, o religioso é um membro de uma comunidade religiosa

(congregação), por exemplo, redentorista, carmelita, franciscano. Os irmãos religiosos, como

são comumente chamados, normalmente são padres e vivem sua vida em uma comunidade.

Porém, é importante ressaltar que existe a categoria “irmão” para quem não é padre, ou seja, o

termo é usado também para os que têm uma formação inferior e executam trabalhos “não

ministeriais”; ajudantes enfim.

Assim, os padres religiosos vivem em comunidade. Já os padres diocesanos

administram uma paróquia normalmente de forma solitária. Um padre diocesano (chamado de

“secular”) está ligado mais diretamente à autoridade de um bispo local e trabalha dentro de

um território específico, a diocese. Um padre religioso (chamado de “regular”, por seguir uma

regra religiosa) está sob a autoridade de um superior e sua atuação não se restringe a uma

diocese particular: ele trabalha nos lugares onde a comunidade religiosa – Ordem,

Congregação, etc – marca presença, seja nas cidades ou em áreas de missões.

Embora um padre religioso não pertença a uma diocese em particular, onde ele

estiver, estará exercendo suas funções ministeriais sob a jurisdição do bispo da diocese.

Porém, ele tem uma relação mais distanciada do bispo diocesano e mais estreita com o

superior da sua congregação, que, às vezes, pode estar a quilômetros de distância. É possível

para os padres diocesanos viver em comunidade, residindo fisicamente em uma mesma casa,

mas tal fato é antes uma escolha, uma opção. Em muitas dioceses, o padre diocesano mora

sozinho. Para os padres religiosos, morar sozinho não é uma possibilidade inerente à sua

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inserção institucional, já que, segundo eles, são “chamados” a viver e trabalhar na

comunidade.

Em poucas palavras, são três as principais referências presentes no ministério e na vida

do padre diocesano. O primeiro é a Igreja particular ou Diocese, o segundo é o Bispo

diocesano e a terceira é o presbitério. Estas definem a missão, a razão de ser do padre

diocesano, segundo a igreja.

Todos os clérigos desta pesquisa são diocesanos, ou seja, eram párocos ou bispos

diocesanos e esta seleção dos sujeitos foi intencionalmente planejada para que se pudesse

estudar uma realidade específica, ficando para futuros estudos as possíveis investigações da

velhice para os clérigos religiosos, bem como as possíveis comparações.

O critério de idade determinado nesta pesquisa segue o mesmo critério adotado pela

igreja, ao estabelecer que, aos 75 anos, o pároco e o bispo diocesano renunciam às respectivas

funções e, mediante a aceitação do bispo e do papa, respectivamente, ficam desobrigados das

mesmas. No capítulo III, esse processo será mais extensamente descrito e discutido.

Os participantes aceitaram participar da pesquisa e concordaram com a gravação das

entrevistas. Para manter o sigilo de suas identidades, utilizaram-se números para cada um na

reprodução das entrevistas. Abaixo, segue uma tabela com alguns dados dos mesmos,

sabendo-se que houve dois clérigos que, apesar de convidados, não aceitaram participar do

presente estudo, sendo um padre e outro bispo. Ambos alegaram não gostar de falar do

assunto.

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CLÉRIGO

EMÉRITO

Idade Diocese Tipo de

residência

Condição social de

moradia

Atualizações

Padre I 78 anos Caratinga Seminário

Diocesano

Mora sozinho em

um quarto do

seminário

Padre II 82 anos Caratinga Casa particular na

última paróquia

que trabalhou

Mora com a irmã

(também idosa)

Padre III 82 anos Coronel Fabriciano

e Itabira

Casa particular na

última paróquia

que trabalhou

Mora sozinho,

porém tem uma

ajudante que mora

com ele.

Padre IV 77 anos Caratinga Casa particular na

última paróquia

que trabalhou

Mora sozinho com

uma ajudante que

fica durante o dia, à

noite ele dorme

sozinho.

FALECEU em

Janeiro de 2010

Motivo:

Problemas

cárdio-

vasculares

Padre V 88 anos Caratinga Casa particular na

última paróquia

que trabalhou

Mora com um

sobrinho

Bispo I 94 Caratinga Casa paroquial

junto ao pároco e

outro padre

emérito

Mora com dois

outros padres,

sendo um deles

também emérito

FALECEU em

fevereiro de

2010. Motivo:

Problemas

respiratórios

Bispo II 78 Coronel Fabriciano

e Itabira

Convento

redentorista

Mora em um quarto

dentro do convento

Padre VI

(Recusou

participar)

82 Coronel Fabriciano

e Itabira

Casa particular na

última paróquia

onde trabalhou

Mora sozinho

Bispo III

(Recusou

participar)

75 Caratinga Ainda não

definida, no

momento, Palácio

do Bispo.

Quadro 1 : Perfil dos Entrevistados

Fonte: Dados da Pesquisa

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2.2 Procedimento de coleta dos dados das entrevistas

No primeiro momento da coleta de dados desta pesquisa, buscou-se encontrar os

participantes dentro do perfil desejado, ou seja, padre e bispos eméritos. Para tanto, o banco

de dados da Cúria da Diocese de Caratinga foi consultado e identificaram-se todos os clérigos

diocesanos eméritos da mesma, encontrando quatro padres e dois bispos.

No segundo momento, fez-se contato, por telefone, com todos esses sujeitos, para uma

primeira apresentação da pesquisa e o convite à participação. Em seguida, realizou-se o

agendamento das entrevistas.

Naquele momento, quatro padres e um bispo aceitaram participar da entrevista e o

outro bispo não quis participar. São eles os Padres I, III, IV e V, além do Bispo I e III (vide

tabela I), respectivamente. A partir do início das entrevistas com os padres da diocese de

Caratinga, obteve-se a indicação de outros dois padres e um bispo que fazem parte da diocese

de Coronel Fabriciano e Itabira. Os Padres II e VI e o Bispo II foram convidados a participar.

O padre II e o bispo II aceitaram, já o padre VI preferiu não participar da pesquisa. Portanto,

ao final, totalizaram-se, nos participantes, seis padres e dois bispos eméritos, além de duas

recusas – um padre e um bispo.

A partir do agendamento das entrevistas, as mesmas foram sendo realizadas, sempre

nos locais indicados pelos participantes. Todos preferiram ser entrevistados em suas

respectivas residências atuais, o que foi um bom momento para fazer observações sobre como

vivem atualmente e onde moram. No momento do agendamento da entrevista, foi dito aos

participantes que o local da entrevista precisaria ser favorável à privacidade, que fosse um

ambiente tranqüilo, no qual não houvesse interrupções.

Durante a entrevista, fez-se uma breve descrição dos objetivos e motivações da

pesquisa. Em seguida, explicou-se o procedimento da mesma, com a solicitação de permissão

para a gravação em áudio da entrevista. Ademais, comunicaram-se o sigilo e o anonimato no

manuseio dos dados obtidos, o que garantiu o caráter confidencial das informações.

Explicada a necessidade do Termo de Consentimento Livre e esclarecido, submetido e

aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC - Minas, conforme documentação

CAAE - 0057.0.213.000-09, seguia-se a leitura e assinatura do mesmo. Na sequência, a

entrevista era iniciada.

No final da coleta, os gravadores eram desligados e agradecia-se a participação. Todos

os entrevistados mostraram-se satisfeitos e receptivos a novos contatos, todos parabenizaram a

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iniciativa e se sentiram gratos pelo interesse em abordar o presente tema de pesquisa. Alguns

fizeram questão de mostrar a casa em que moravam e algumas atividades que realizavam, tais

como pintura, textos produzidos e até músicas.

2.3 Descrição do instrumento

O instrumento utilizado na coleta de dados foi uma entrevista semi-estruturada,

realizada individualmente, baseada em 11 (onze) perguntas abertas pré-estabelecidas. As

questões foram construídas de forma a possibilitar a todos os entrevistados discorrer

livremente sobre o assunto, sem respostas ou condições pré-fixadas

A principal função do roteiro de entrevista é auxiliar o pesquisador a conduzir a

mesma para o objetivo pretendido, além de ter outras funções, tais como auxiliar o

pesquisador a se organizar, antes e no momento da entrevista, e auxiliar indiretamente o

entrevistado a fornecer as informações de forma mais precisa e com maior facilidade.

A entrevista tem relativa flexibilidade. As questões não precisam seguir a ordem prevista no guia e poderão ser formuladas novas questões no decorrer da entrevista. Mas, em geral, a entrevista seguirá o que se encontra planejado. (MATTOS e LINCOLN, 2005, p. 824)

Desse modo, a entrevista semi-estruturada valoriza não somente a presença do

investigador, como também oferece todas as perspectivas possíveis para que o entrevistado

alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, fato que enriquece a investigação.

As questões começaram por uma investigação acerca do processo de escolha do

sacerdócio, passando pela história de vida e pelo trabalho dos sujeitos como clérigos. Em

seguida, os entrevistados eram questionados acerca do conceito de trabalho, aposentadoria e

emeritude, finalizando-se com questões sobre a velhice e o processo de envelhecimento. A

última pergunta da entrevista indagava se o entrevistado gostaria de complementar a discussão

com algum comentário, se o mesmo achava que poderia acrescentar à discussão algum

conteúdo não questionado até então. Foi interessante notar que alguns deles desencadearam

falas muito significativas que serão discutidas posteriormente.

O roteiro da entrevista pode ser visto, na íntegra, no anexo I.

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2.4 Metodologia de análise e interpretação dos dados

A presente dissertação escolheu a Análise do Conteúdo como técnica de interpretação

dos dados obtidos a partir das entrevistas semi-estruturadas. A Análise do Conteúdo é definida

da seguinte forma:

A análise de conteúdo é uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação. (BARDIN, 1977, p.34)

Como os dados coletados da pesquisa empírica foram, na realidade, conteúdos de

mensagens, optou-se, nessa etapa, pela utilização de “uma técnica sensível à interpretação de

conteúdos de mensagens e às manifestações lingüísticas”, como propõe a análise de conteúdo

para tratamento dos dados (BARDIN, 1977, p.37).

Na verdade, a principal pretensão da Análise de Conteúdo é vislumbrada na

possibilidade de fornecer técnicas que sejam suficientes para garantir a descoberta do

significado. Nesse sentido, é importante reafirmar aqui a premissa de que haveria um sentido

a ser resgatado em algum lugar, e de que o texto seria seu esconderijo. Ao analista,

encaminhado pela ciência, caberia descobri-lo:

Embora a inovação da Análise de Conteúdo tenha consistido em contribuir com procedimentos "científicos" de legitimação de uma dada técnica de leitura, há algo que permaneceu ao longo do tempo: o objetivo de atingir uma "significação profunda" dos textos: "O que é passível de interpretação? Mensagens obscuras que exigem uma interpretação, mensagens com duplo sentido, cuja significação profunda (a que importa aqui) só pode surgir depois de uma observação cuidadosa. (ROCHA E DEUSDARÁ, 2005, p.307)

Entre as formas de interpretação da comunicação, Bardin (1977) apresenta seis

técnicas de análise de conteúdo: análise categorial, análise de avaliação, análise da

enunciação, análise da expressão, análise das relações e análise do discurso.

Nesta pesquisa, foi utilizada a técnica de Análise Categorial: a mais antiga das técnicas

e a mais utilizada. “Funciona por desmembramento do texto em unidades, em categorias

segundo reagrupamentos analógicos” (BARDIN, 1977, p. 153). Ou seja, na análise categorial,

o texto é desmembrado em unidades, que são as categorias, cada qual reunindo um grupo de

elementos com características em comum.

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O critério de categorização adotado nesta pesquisa foi o semântico – de categorias

temáticas, por exemplo, todos os temas relacionados à idade, velhice, tempo, foram agrupados

na categoria “processos de envelhecimento”. Pelo fato de que essa categorização não poderia

ser feita a priori, foi necessário ouvir e ler atentamente várias vezes a fala dos entrevistados e

fazer uma primeira interpretação para a escolha das categorias.

O sentido da categorização é fornecer uma representação simplificada dos dados

brutos para que, posteriormente, possam ser feitas as inferências finais, a partir do material

reconstruído. Na reconstrução do material, foram verificadas as relações entre as categorias e

suas interpretações, sempre com base nas falas dos sujeitos. Foi considerada também a

característica da diversidade encontrada no conjunto de entrevistas.

Na primeira etapa, as idéias foram organizadas e sistematizadas, os textos e alguns

documentos como o Código do Direito Canônico e as Encíclicas e revistas da igreja foram

analisados e selecionados, as hipóteses e os objetivos iniciais de pesquisa foram retomados

com base na revisão da literatura, as categorias foram definidas para que, por sua vez,

pudessem ser trabalhadas (ou testadas) na análise de conteúdo. Resumindo, a organização do

material decorreu de uma análise teórica prévia.

Num segundo momento, o processo de categorização empregado foi o procedimento

de análise temática. A análise temática consiste em aplicar uma teoria ao material coletado por

meio das entrevistas, e, na sequência, as categorias são agrupadas em famílias, conforme sua

identificação umas com as outras; é o que Bardin (1977) considera como “conjuntos

categoriais”. No caso desta pesquisa, as categorias foram definidas a partir das seguintes

dimensões.

CATEGORIAS DE ANÁLISE

Envelhecimento

Emeritude

Aposentadoria

Trabalho e “Não-trabalho”

Relação trabalho e vida

Atividade Pastoral e Atividades Periféricas

Atividade Pastoral antes e depois do Concílio Vaticano II

Quadro 2: Categorias de Análise

Fonte: Dados da Pesquisa

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3. TRABALHO E APOSENTADORIA

O conceito de trabalho foi sofrendo alterações ao longo do tempo, por vezes entendido

como um sinal de opressão, de desprezo, de inferioridade. Com a evolução das sociedades, os

conceitos se alteraram. O discurso de trabalho-tortura, maldição; deu lugar a um discurso de

dignificação do trabalho, o que colocou o mesmo como fonte de realização pessoal e social.

Assim, o trabalhador passava a vender sua força de trabalho na troca pelo capital, manejo

necessário à manutenção do capitalismo. Cabe aqui ressaltar que essa mudança ocorre a partir

do discurso econômico do capitalismo, já que o mesmo precisava de vasta mão de obra, o que

proporcionou uma nova moral social para convencer o homem a produzir, fazê-lo trabalhar. O

trabalho passa, no discurso capitalista, a ser colocado como fonte de dignificação do sujeito,

aqueles fora do trabalho passam a ser marginalizados, ou seja, não trabalhar é uma posição

pejorativa aos olhos do capitalismo. A citação abaixo ilustra essa visão sobre o sujeito fora do

trabalho como aquele que não é útil para a terra, assim como o não trabalhador não é útil para

o capitalismo.

Errantes são pessoas ociosas, que nada fazem, sem contrato, gente abandonada, sem domicílio, sem profissão e sem ocupação (...) gente que só serve como número (...) que é o peso inútil da terra” (GEREMEK apud JACOB, 1995, p. 175).

Começamos por apresentar alguns significados da palavra trabalho, de acordo com o

que é definido pelo dicionário Priberam da língua portuguesa. Trabalho significa: “exercício

de atividade humana, manual ou intelectual, produtiva”; “serviço”; “lida”; “produção”;

“labor”; “maneira como alguém trabalha”. Já na sua origem etimológica, significa

“tripalium”, instrumento de tortura composto de três paus ou varas cruzadas, ao qual se

prendia o animal.

Na tradição judaico-cristã, o trabalho associa-se à noção de punição, de maldição,

como está registrado no Antigo Testamento (punição do pecado original). Na Bíblia, o

trabalho é apresentado como uma necessidade que leva à fadiga e que resulta de uma

maldição: "Comerás o pão com o suor de teu rosto" (Gn. 3,19). A partir desse princípio

bíblico, pode-se pensar que embora a saída do paraíso seja vista como maldição, deve-se

lembrar que o trabalho marca uma entrada na condição humana, já que, diferentemente dos

outros animais, o homem é “condenado” a transformar a terra, por meio do seu labor e

também se transforma por meio do mesmo. Viegas (1989) coloca em sua conferência

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intitulada “Trabalho e Vida” que o homem de alguma maneira entra na humanidade por meio

do ato de trabalhar:

O que se assiste hoje é exatamente o contrário do que se vê no texto bíblico. Nesse texto, o que Deus, o Javé fazia com Adão era incorporar, colocar dentro da sua condição de existência, intrínseca à sua existência, o ato do trabalho. E o que a sociedade civil, a sociedade de pura ficção faz, é [capitalismo] separar o sujeito do trabalho, fazer com que ele e seu próprio trabalho sejam coisas distintas. E é exatamente nesse seccionamento que o trabalho se torna alguma coisa de fora que incide sobre a pessoa, ou seja, uma canga, um instrumento de tortura, uma coisa alheia, uma coisa em que a pessoa não se encontra. Ou, em suma, um trabalho alienado, alienante. (VIEGAS, 1989, p. 2).

Como se pode notar, o ato de trabalhar é movimento intrínseco para a condição de

existência humana, de construção do ser. Por vezes, o que gera uma visão pejorativa sobre o

trabalho é o fato de que o capitalismo precisou separar o sujeito do seu trabalho, e este passou,

então, a ser visto como algo imposto, não-natural, localizado fora do trabalhador; como

mostra a autora no trecho acima citado. Esse processo de ruptura entre sujeito e trabalho foi

amplamente discutido por Karl Marx, principalmente no conceito de trabalho alienado, que

será retomado e discutido posteriormente nesta dissertação.

Sobre o tema da equiparação entre trabalho e sofrimento, é preciso colocar que esta

relação não se restringe ao simples cansaço; representa, também, uma condição social

(BUENO, 1988, p.25), notada antes mesmo do capitalismo. Os gregos utilizavam duas

palavras para designar trabalho: ponos, que faz referência a esforço e penalidade; e ergon, que

designa criação, obra de arte. Isso estabelece a diferença entre trabalhar, no sentido de penar –

ponein – e trabalhar no sentido de criar – ergazomai. Ao que tudo indica, a contradição

"trabalho-ponos" e "trabalho-ergon" permanece central na concepção moderna de trabalho.

Pode-se observar em diferentes línguas (grego, latim, francês, alemão, russo, português) que o

termo trabalho tem, em sua raiz, dois significados: esforço, fardo, sofrimento e criação, obra

de arte, recriação.

Na Antiguidade, distinguia-se trabalho de labor. Essas palavras têm etimologia

diferente para designar o que hoje se considera a mesma coisa. Porém, ambas conservam seu

sentido, a despeito de serem repetidamente usadas como sinônimos. O trabalho, além do labor

e da ação, é um dos elementos da vida ativa.

O “labor” é processo biológico necessário para a sobrevivência do indivíduo e da espécie humana. O “trabalho” é atividade de transformar coisas naturais em coisas artificias e a ação é a necessidade do homem em viver entre seus semelhantes, sua natureza é eminentemente social. (ALBORNOZ, 1988, p.23).

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Ao ampliar a discussão acerca do conceito de trabalho, outra palavra que ajuda a

pensá-lo de uma maneira mais positiva é cultura. A palavra labor está ligada, exatamente na

sua origem latina, às atividades agrícolas, à lavra, à laboração no campo; ou seja, trabalhar

significa cultivar. Cultivar é fazer cultura. A cultura é cultivada, é fruto de um processo de

enriquecimento, de um processo de transformação do mundo e de si mesmo. (VIEGAS,

1989).

Então, temos de um lado o sentido negativo, de tormento, de tortura mesmo, de imobilidade, de condenação. E, de outro lado, temos um sentido altamente positivo, que nos liga à palavra labor, lavra, elaboração, laborar, laborioso - um esforço laborioso. É uma palavra extremamente sugestiva e que nos convida a imagens de crescimento e não a imagens de degeneração ou exaustão. Temos então esses dois aspectos. (Viegas, 1989, p. 2).

Ao pensar esta dicotomia na realidade atual, pode-se inferir que os dois sentidos de

trabalho estão sendo vivenciados por aqueles que o exercem. Essa dualidade tem sido palco

das experiências de muitos trabalhadores. Ao se considerarem as premissas da sociedade

capitalista, é fácil observar que o trabalho é encarado como uma espécie de “mal necessário”,

como aquilo que torna limitados o lazer e o tempo, ou seja, que tem um sentido “anti-vida”.

Muitos trabalhadores, ao se aposentar, dizem frases do tipo: “agora posso aproveitar a vida,

não tenho mais que trabalhar.”

Para discutir melhor essa questão, é preciso passear pelo conceito de trabalho e

algumas de suas nuanças, a partir de orientação teórica de Karl Marx, Yves Clot e outros

autores.

3.1 Discussão da categoria trabalho

O termo trabalho se refere a uma atividade própria do homem. Também os animais

atuam dirigindo suas energias coordenadamente, mas o animal é determinado pelo instinto,

sua atividade não tem finalidade. Portanto, o trabalho propriamente dito, entendido como um

processo entre a natureza e o homem, é exclusivamente humano.

Nesse processo, o homem trabalha a natureza, nas palavras de Karl Marx, com a

matéria da natureza. A diferença entre a aranha que tece a sua teia e o homem é que este

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realiza o seu fim na matéria, ou seja, o homem concebe antes de executar. Ao final do

processo do trabalho humano, surge um resultado que já existia anteriormente na mente do

homem.

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de sua colméia. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo na cera. No fim do processo de trabalho, obtêm um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e, portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural o seu objetivo, que ele sabe que determina como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é exigida a vontade orientada a um fim/.../ como jogo de suas próprias forças físicas e espirituais. Os elementos simples do processo de trabalho são a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. (MARX, 1980, p. 202).

Trabalho, em sentido amplo, é toda a atividade humana que transforma a natureza, a

partir de certa matéria dada, ou seja, um exercício sobre uma matéria prima, geralmente com a

ajuda de instrumentos, com a finalidade de produzir bens e serviços. Em outras palavras, a

categoria trabalho, uma vez compreendida na sua historicidade material e dialética, permite

uma definição de homem como sendo aquele ente que, para ser, necessita produzir os seus

próprios meios de subsistência material. Mas por que não pensar nesta relação homem e

natureza mediada pelo trabalho como um meio de vida, uma maneira de significar a própria

existência?

O homem, que se difere dos outros animais, produz para além da necessidade atrelada

aos instintos. O homem se diferencia desse padrão universal da natureza, pois, por meio de

sua produção, gera e constroi objetos para sua própria assimilação e consumo. Importante

colocar que, nos animais, o conceito de trabalho não existe, porque o que abelha e a formiga

fazem, por exemplo, é ditado pelo instinto e, portanto, o seu ser não se acrescenta, não se

desdobra.

O animal identifica-se imediatamente com sua atividade vital. Não se distingue dela. Mas o homem faz da atividade vital, o objeto da vontade e da consciência. Possui uma atividade vital consciente. Ela não é uma determinação com a qual ele se confunde diretamente A atividade vital consciente distingue o homem da atividade vital dos animais. Só por esta razão é que ele é um ser genérico. Ou melhor, só é um ser consciente, quer dizer, a sua vida constitui para ele um objeto, precisamente porque é um ser genérico. Unicamente por isso é que a sua atividade surge como atividade livre. (MARX, 1980, p. 156).

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Estamos diante de uma primeira concepção de trabalho para Marx, que percebe o

mesmo na sua essência como aquilo que transforma o mundo e o próprio trabalhador. Porém,

o trabalho pode ser entendido sob outro ângulo, dentro do que Marx (1980) chamou de

trabalho alienado, explorado, o trabalho assalariado.

O trabalho alienado, no sentido “anti-vida”, foi amplamente discutido por Karl Marx

em sua crítica ao modo de produção capitalista, que fez do trabalho uma atividade

desvinculada da produção humana, tornando-se apenas reprodução, apenas força de trabalho.

Os processos de produção em massa acabaram levando o sujeito a um estado de total

desvinculação com o produto, fruto de seu trabalho. O capitalismo concretiza o conceito de

trabalho alienado. Ele despersonaliza o processo de produção, o qual passa a obedecer ao

movimento próprio do capital. É por isso que o máximo de trabalho só ocorre com a sua

máxima abstração, uma abstração fundamentalmente social. Gorender (1983), ao falar de

trabalho alienado, traz a seguinte definição:

Trabalho alienado é o processo por meio do qual a essência humana dos operários se objetivava nos produtos do seu trabalho e se contrapunha a eles por serem produtos alienados e convertidos em capital. (GORENDER, 1983, p. XI ).

Ainda pensando o conceito de trabalho alienado, Ranieri (2001) aponta a existência de

duas palavras alemãs usadas por Marx para expressar duas noções que, embora articuladas,

são distintas: a de alienação (Entäusserung) e a de estranhamento (Entfremdung). Numa

aproximação ainda inicial, o autor explica que:

Entäusserung tem o significado de remissão para fora, extrusão, passagem de um

estado a outro qualitativamente diferente, despojamento, realização de uma ação de transferência. Nesse sentido, Entäusserung carrega o significado de exteriorização, um dos momentos da objetivação do homem, que se realiza através do trabalho num produto de sua criação. Por outro lado, Entfremdung tem o significado de real objeção social à realização humana, na medida em que historicamente veio a determinar o conteúdo das exteriorizações (Entäusserunge) por meio tanto da apropriação do trabalho como da determinação desta apropriação pelo surgimento da propriedade privada (RANIERI, 2001, p. 24).

Já foi visto que a objetividade do ser humano, enquanto ser de consciência e vontade,

no direcionamento de sua atividade sobre a natureza, coloca o trabalho na posição de

atividade essencial e central da vida humana, uma produção da própria vida material, seja na

produção dos meios de subsistência, ou na produção de meios de alcance e realização de

vontades que extrapolam as necessidades biológicas. Retomando Marx,

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Os primeiros pressupostos de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder “fazer história”. Mas, para viver, é preciso comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos. (MARX, 1984, p. 39).

O trabalho é mediação entre o homem e a natureza, determinado conscientemente,

realizado concretamente, tendo por objetivo a produção de meios de vida, ou seja, o homem

conseguiu criar meios materiais para satisfazer as necessidades básicas, desde a pedra lascada,

o fogo, os instrumentos, até as novas tecnologias da atualidade. Assim, o homem transforma o

mundo que ele construiu em termos materiais e culturais.

3.2 O trabalho do clérigo como produção

A partir desse primeiro apontamento sobre o conceito de trabalho, a discussão será

deslocada para o mundo do trabalho dos padres e bispos seculares da igreja católica.

Uma primeira questão estaria ligada aos conceitos de trabalho transformador e

trabalho alienado. Sob esta perspectiva, podemos dizer que os clérigos não fazem distinção

específica entre o trabalho transformador e alienado, tendo em vista que o ministério

sacerdotal pode ser entendido de formas distintas por cada clérigo, às vezes como trabalho que

está transformando o mundo humano e transformando a si mesmo, outras vezes, como um

trabalho burocrático e enfadonho. Portanto, é importante entender que mesmo tendo

atividades pré-determinadas, cada clérigo o faz a sua maneira, o que pode realizálo, ou não,

enquanto sujeito.

Viegas (1989) argumenta que trabalho, no seu sentido antropológico, é vida. Nota-se

que muitos clérigos não fazem distinção entre fazem e o que eles são. Porém se em alguns

momentos a separação entre trabalho e vida parece ser desnecessária; em outros, essa

separação faz muito sentido, já que, se a atividade pastoral de um clérigo não tem sentido para

ele, estamos diante de uma via de exercício laboral realizada por pura obrigação, ligada ao

sacrifício, o que deixa de ser vida. Como Sônia Viegas coloca:

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Talvez a nossa cultura tenha se apropriado mais do sentido negativo da palavra. E que a gente tenha que resgatar, dentro de condições especiais, ou seja, com um esforço de sensibilidade, de reflexão especial, o sentido positivo. (Viegas, 1989, p.2)

Os sujeitos entrevistados nesta pesquisa possuem, em sua maioria, esta visão negativa

da palavra trabalho, pois eles a entendem somente no sentido de trabalho assalariado, o que

faz com que diferenciem suas tarefas do conceito de trabalho que possuem, como se não

pudessem dizer que o que fazem é trabalho.

O que faz um padre é um exercício de doação diária aos filhos, somos pastores, não se encara como trabalho, mas sim como caridade, nossa recompensa está no reino dos céus. Saber que tentei fazer o que devia segundo o meu chamado, não significa que sempre fiz o certo, errei muitas vezes, mas sempre fiz com amor. (Padre II)

Na introdução deste capítulo, já se falou acerca da origem da palavra trabalho e de

como ela ficou atrelada a uma versão “negativa”. Ao se entender o trabalho como uma

cetegoria que possui um sentido de vida e também de anti-vida, esta discussão se amplia,

principalmente dentro do cenário deste estudo.

O sacerdócio, em alguns casos, pode ser mais uma opção de vida do que uma escolha

profissional, se se entende que a oção de vida está relacionada a uma atividade ou trabalho

inerente ao exercício da vocação, no sentido de se fazer aquilo que se deseja fazer,

indiferentemente de se tratar de um trabalho ou uma atividade pastoral.

A limitação do tema trabalho a apenas o conceito de trabalho formal assalariado

empobrece os desdobramentos acerca do que se pode extrair do exercício ministerial de um

clérigo, pois a atividade pastoral é um trabalho e pode ser, às vezes, atividade que realiza o

sujeito.

Pode-se inferir, portanto, que a atividade do homem está ligada à consciência e à

vontade, ou seja, por meio da consciência de seu agir, o homem toma a sua vida como objeto

de sua vontade e consciência, e, neste caso, não se inclui o trabalho alienado. Diferentemente

dos outros animais, que produzem para si ou para sua cria o estritamente necessário para sua

existência, seguindo um padrão determinado biologicamente, o homem faz de seu trabalho um

meio para si, como objeto carregado de volição, como meio para satisfazer uma necessidade

gerada não mais por esse padrão, mas como um desdobramento de ações conscientemente

definidas, direcionadas a um fim.

Neste sentido, podemos entender como trabalho todas as atividades decorrentes do

projeto de vida. A atividade pastoral é trabalho, no sentido de realização de um projeto de

vida, de um sonho, o trabalho é o modo de vida. Isso não significa que todas as atividades

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posteriores, ou o conjunto delas, terão necessariamente o sentido de realização. Quando se faz

uma escolha, não há como prever o que vai ocorrer depois, inclusive porque mudanças podem

ser feitas no decorrer da vida. Dentro do universo dos clérigos, existe um número significativo

de padres que decidem deixar o sacerdócio. Porém, é claro que, por meio da atividade, o

sujeito pode realizar-se, bem como conquistar seu desejo de reconhecimento. Dois dos

entrevistados fizeram as seguintes colocações:

Quando era pároco da catedral, meu maior desejo era ajudar as pessoas daquela paróquia. Na verdade, sempre quis ser padre para isso, achava que seria a melhor maneira, eu tinha vários projetos sociais, não consegui realizar todos, mas trabalhava para isso. (padre I)

Quando eu era pequeno e minha mãe me levava na igreja, eu sempre via o padre chegando e arrumando os paramentos no altar, com aquela roupa, e pensava comigo: eu quero ser um padre. Achava bonito, mas na verdade eu queria muito conhecer outros lugares, muitos lugares, e o padre estava sempre de um lugar a outro. (padre II).

Como colocado acima, ter um projeto de vida não garante a realização do mesmo

como tal. O Padre I diz ter trabalhado para realizar seus projetos sociais, mas afirma que não

concretizou todos. Ou seja, uma coisa é o projeto outra é sua realização efetiva, ou não, ao

longo da vida. Essa dimensão da realização será fundamental para a construção singular dos

clérigos quanto à visão de trabalho, uma vez que aqueles que conseguiram realizar seu projeto

de vida tendem a ver o mesmo como trabalho-vida, já aqueles que não se realizaram tendem a

vê-lo como trabalho anti-vida.

Ao se pensar na atividade pastoral dos clérigos como um fazer ligado à realização do

projeto de vida dos mesmos, uma categoria encontrada em sua fala precisa ser avaliada,

principalmente porque essa categoria é a justificativa, muitas vezes tida como fator

determinante na diferenciação do exercício sacerdotal em relação a outras categorias de

trabalho: a vocação.

A vocação pode ser entendida de um modo amplo ou restrito, por exemplo, a vocação

religiosa ao sacerdócio é usada em sentido restrito e titula homens de padres. Já a própria

Igreja católica também trata o conceito de vocação no sentido mais amplo, quando socializa a

idéia de que todos são “vocacionados”, e, ao mesmo tempo, utiliza o termo de forma restrita

para se referir à chamada ao cristianismo ou a um tipo de vida mais específico. Esse discurso

parece, por vezes, discriminatório, pois limita o conceito de vocação a um chamado ao

cristianismo, como se os não-cristãos não fossem “vocacionados”, ou seja, uns são chamados

e outros não.

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Desse modo, quando se quer saber se o indivíduo deseja ser padre, pergunta-se, nos

meios católicos: "você não acha que tem vocação?" Ora, se a vocação é algo intrínseco a cada

ser humano, essa pergunta pode soar sem sentido, ou, pelo menos, redundante. É importante

observar, então, como a palavra vocação aparece nos documentos eclesiais quando referida ao

universo clerical. Sem pretender fazer uma vasta descrição, é possível indicar algumas

abordagens a partir de alguns documentos como: Concílio Vaticano II no Decreto

Presbyterorum Ordinis (Sobre o ministério e a vida dos presbíteros) (1966) e A Constituição

dogmática Lumen Gentium (1966). Também os Documentos da CNBB números 20 e 55, e Os

Estudos da CNBB, números 1 e 16.

Antes de colocar a maneira como a igreja católica, enquanto instituição define vocação

é importante dizer que o que a igreja chama de vocação, do padre ou dos batizados, é o

discurso da instituição. E toda instituição, igreja ou qualquer outra leiga, tem de se justificar,

discursivamente, por meio de um fundamento inquestionável, que no caso da igreja passa a

ser sagrado.

Uma primeira argumentação difundida nos documentos eclesiásticos é a de que a

vocação não indica uma função especial na Igreja, mas pode ser empregada para designar a

vocação cristã, entendida como algo inerente a todas as pessoas que receberam o Batismo.

Aqui, nota-se o que já foi colocado, ou seja, a posição segregadora no que tange à vocação,

pois ela se limita aos “batizados”. Essa abordagem foi valorizada, sobretudo pelo Concílio

Vaticano II (1962-65), que deu destaque à chamada vocação cristã comum. Como é

concebida, portanto, a vocação religiosa pode ser vista como uma radicalização da vocação

cristã na qual se enfatiza a busca da perfeição enquanto uma atitude própria a todos os cristãos

e, de modo especial, uma condição necessária àqueles que optam pelo ministério hierárquico

(vocação sacerdotal). O que conduz a levantar uma questão intrigante: a busca da perfeição?

Essa meta vai ao encontro ou desencontro da natureza humana? Na visão do Magistério1, a

vocação sacerdotal não apenas exalta a vocação cristã comum como também a santifica e

serve.

1 Nos documentos do Concílio Vaticano II (1966) o Magistério da Igreja é apontado com as Seguintes características: “tem a mesma extensão que o depósito da Revelação divina; não reconhece nenhuma nova revelação pública, não está acima da Palavra de Deus, mas seu servo é intérprete autêntico da Bíblia e última instância na interpretação da Bíblia; suas relações com a Tradição, não tem por missão ter de pronto soluções concretas para todas as questões, mesmo graves, nem tem sempre de pronto respostas para todos os problemas, deve ensinar e interpretar autenticamente os princípios de ordem moral que devem ser acatados nos assuntos temporais, que enquanto conexos com a vocação celeste, estão sob seus cuidados”. Assim, observa-se que ao Magistério da Igreja se atribui a própria constituição normativa da Igreja católica. (LIBANIO, 2006.)

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No discurso oficial da Igreja também se enfatiza a condição de servos que é por natureza, inseparável da vocação sacerdotal, ou seja, o padre não deve se distinguir dos fiéis, arvorando para si uma condição superior, mas antes, deve assumir a missão de serviço à comunidade orientando-a e promovendo a união entre as pessoas. Estes preceitos valem também para a Vida Religiosa feminina e masculina no que tange à concepção de vocação como busca da perfeição e santidade em um estilo de vida no qual se exige dedicação exclusiva a Cristo e à Igreja. (FERNANDES, 2004, p. 63)

A ideia que se passa de vocação continua sendo a de busca do “ideal” e da “perfeição”

que, muitas vezes, não são reconhecidas na dinâmica da igreja enquanto instituição ao longo

de sua história e da dos clérigos no manejo de suas atividades pastorais. É possível

exemplificar, aqui, inúmeros casos de condutas da instituição e de clérigos em particular que

demonstram o inverso do sentido de vocação defendido pela igreja.

Uma segunda argumentação dos documentos eclesiásticos é a associação da vocação à

vida sacerdotal e religiosa com a palavra "chamado". Esse chamado é uma espécie de

convocação a todos os que se dispõem a viver os preceitos evangélicos nas próprias vidas. Do

ponto de vista teológico, embora o chamado divino se estenda a todos os homens e mulheres,

apenas alguns são capazes de atender a tal apelo nos moldes do discurso da igreja, fato que

muitas vezes gerou, e gera, uma espécie de onipotência de pensamentos, como se aquele que

foi chamado fosse um escolhido de Deus e tivesse uma posição especial.

Outra questão a ser levantada é quanto aos critérios de discernimento com respeito a

quem é ou quem não é vocacionado. A noção de que poucos respondem ao apelo está

relacionada também com a idéia de eleição.

Ser vocacionado é ser eleito e, portanto, predestinado. Daí não ser simples o esforço

em compatibilizar a noção de eleição à de vocação especial, que é concomitantemente

constituída por uma premissa comum a outras vocações cristãs que a tornariam inferior. Aqui

reside uma tensão no discurso da Igreja que, ora destaca o caráter universal da vocação cristã,

ora privilegia a vocação sacerdotal e religiosa como uma espécie de estado de perfeição. A

resposta do eleito a esse apelo possui também um caráter sacrifical, de renúncia. O chamado

vocacional seria, desse modo, algo inato, desejado e efetuado por Deus ao homem.

Na perspectiva católica, o chamado vocacional se dá de forma diferenciada das

conversões a um determinado grupo cristão, pois se supõe pautado na tradição teológica, um

apelo divino desde o nascimento e uma tomada de consciência desse apelo em determinada

circunstância da vida. A salvação é gratuita e dada a todos, porém o cultivo do bem, a busca

da virtude e o amor ao outro funcionam como indicadores do sujeito que aceitou a graça de

Deus e deseja cultivá-la. Nesse caso, segundo a igreja, todos os homens são chamados, mas

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apenas alguns são escolhidos para viver de forma mais radical a experiência de filhos de

Deus. É importante perceber que esse discurso é da igreja, mas acaba também se tornando o

discurso de alguns padres. Um padre emérito ilustra a questão desta forma:

A vocação é um dom de Deus, o seu chamado já está dentro de nós desde o dia que nascemos. Sempre quis ser padre, minha família é católica, fui coroinha e ajudava na igreja, de repente fui parar no seminário, nem percebi direito, foi muito natural, a sensação é de naturalidade, o que mais eu seria? Só me vi e me vejo nesta posição, sendo padre. (Padre V)

Diante desse contexto complexo chamado vocações sacerdotais, os clérigos, ao

serem questionados sobre as aproximações e distanciamentos do exercício sacerdotal com a

palavra trabalho, ancoram-se no argumento de serem vocacionados, dizem ter sido

chamados ao ministério sacerdotal e concluem que, por isso, não são trabalhadores e sim,

eleitos. Porém, como já perguntado anteriormente, quem é o responsável pelo chamado?

Como os vocacionados descobrem o seu chamado ao sacerdócio, até que ponto esse

“despertar” não pode vir de uma expectativa familiar, ou de uma expectativa de melhoria

sociocultural? Como dito anteriormente, o que a igreja espera de um vocacionado é um

desejo gratuito de “servir a Deus e aos Irmãos” e uma busca da perfeição. Assim, a

justificativa para o desejo de se tornar padre precisa ser compatível com esse discurso e

muitos padres precisam acreditar que se enquadram nesse modelo discursivo. Vejamos a

posição de um dos nossos entrevistados, que repete o discurso de vocação da igreja.

Jamais um padre pode ser considerado um trabalhador comum, no máximo pode ser chamado de trabalhador do reino dos céus, nós não somos diferentes daqueles que são chamados para, por exemplo, a vocação ao matrimônio, todos nós somos vocacionados e cada um precisa seguir o seu chamado, o padre segue o chamado ao sacramento da ordem e dedica sua vida aos filhos de Deus, não temos patrão nem salário como os trabalhos comuns. Temos Jesus Cristo e a salvação. (Bispo I)

Ainda dentro da fala do entrevistado acima, nota-se que o conceito de trabalho

novamente é entendido somente na sua dimensão formal, assalarial. Na verdade, retorna a

sobreposição que os clérigos fazem dos conceitos de trabalho, profissão, vocação e atividade,

mesmo que com alguns equívocos.

Em relação à questão da atividade, se se analisam as categorias essenciais da atividade

vital do homem, percebe-se que Marx esclarece que, no trabalho, os homens produzem não

apenas os produtos materiais, mas uma determinada forma de existência, na qual encontram

os meios e objetos de sua existência. Esse argumento responde sobre a posição de escolha e

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manutenção dos clérigos da atividade pastoral, quando os mesmos associam o exercício

sacerdotal com sua existência enquanto sujeitos sociais.

Não se deve considerar tal modo de produção de um único ponto de vista, a saber: a reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se, muito mais, de uma determinada forma de atividade dos indivíduos, determinada forma de manifestar sua vida, determinado modo de vida dos mesmos. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem, o que os indivíduos são, portanto, depende das condições matérias de sua produção. (MARX, 1994, p. 27-28).

Dessa forma, as atividades sacerdotais podem ser entendidas como uma produção, ou

seja, trata-se de uma atividade, e, sendo assim, de uma forma de trabalho. Como essas

atividades são um modo de manifestação da vida de um padre, expresso por meio de sua

produção, todas podem ter algo peculiar, já que cada padre produz a sua maneira. Assim,

inclusive uma atividade comum como celebrar uma missa pode ser realizada de modos

distintos conforme a particularidade de cada padre que a celebra.

A atividade material gera, além do produto-objeto, linguagem, arte, religião, enfim.

Para Marx, a atividade espiritual está ligada ao que essas manifestações podem lhe oferecer.

Já vimos que a objetividade do ser humano, enquanto ser de consciência e vontade, no

direcionamento de sua atividade sobre a natureza, coloca o trabalho na posição de atividade

essencial e central da vida humana, uma produção da própria vida material, seja em relação

aos meios de subsistência, ou aos meios de alcance e realização de vontades que extrapolam

as necessidades biológicas. Como afirma Marx,

Os primeiros pressupostos de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder “fazer história”. Mas, para viver, é preciso comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como a milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos. (MARX, 1984, p. 39).

O trabalho é mediação entre o homem e a cultura, determinado conscientemente,

realizado concretamente, com o objetivo de produzir meios de vida, ou seja, o homem

conseguiu criar meios materiais para satisfazer as necessidades básicas, desde a pedra lascada,

o fogo, os instrumentos, até as novas tecnologias da atualidade. Assim, o homem transforma o

mundo que ele construiu em termos materiais e culturais. A natureza da consciência e a

produção de ideias emanam da atividade material.

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A produção das idéias, de representações da consciência, está de início diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material... A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real.” (MARX, 1984, p. 36-37).

Em outras palavras, para que o homem pudesse, ao longo de séculos, alcançar o nível

de produção de ideias, a capacidade de pensar, a linguagem, a arte e até a religião, foi preciso,

num primeiro momento, criar objetos materiais e, a partir deles, surgiram outros, às vezes

muito mais simbólicos do que materiais.

Dentro dessa lógica, seria muito natural encarar qualquer tipo de atividade do homem

sobre a natureza como trabalho, resultando ou não na produção de objetos materiais, inclusive

as atividades culturais e religiosas.

No entanto, no contexto religioso, observamos, ainda, que falar de sacerdócio como

uma forma de trabalho causa uma sensação de estranheza, já que a palavra “trabalho” está

associada muito mais ao contexto econômico, da atividade assalariada, de uma atividade

empregatícia, aquela de horas semanais e um salário no final do mês.

Nota-se isso na fala de um dos entrevistados:

Acho que não posso dizer que o sacerdócio é uma forma de trabalho, caso fosse seria uma vida de trabalho, os trabalhos comuns têm hora de começar e terminar, o padre exerce sacerdócio o tempo todo, é uma vida em tempo integral, uma questão de vocação. (padre IV)

Mas quando se fala de trabalho como aquilo que define uma forma de existência,

como aquilo que identifica e caracteriza o que os sujeitos são para si e para os outros, fica

nítido que a posição de muitos clérigos diante de sua atividade pastoral é esclarecedora e

poderia ser tomada como um exemplo da perspectiva em que o trabalho é vida porque está

ligado à realização da existência humana.

Não se separa o que o padre faz daquilo que ele é, como falei, é uma questão de vocação, é um chamado, diferente das profissões, em que o trabalhador é uma coisa quando está trabalhando e outra quando, por exemplo, está em casa. Meu pai era agricultor quando estava na roça, mas quando estava em casa ele era só pai, é diferente com o padre, somos sempre padres, mesmo aposentado ainda sou padre, é para vida inteira (Padre IV)

A citação acima ilustra a visão de “realização da vida humana” com o trabalho, mas

não podemos deixar de notar na fala a comparação da atividade de um padre com a de um

agricultor, pois mesmo estando em casa, o pai não é só um pai, ele carrega consigo a

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identidade de agricultor. Dessa mesma maneira, um padre, quando está fazendo outras coisas

além da atividade sacerdotal, como, por exemplo, sendo um professor, pode ter identidade de

professor e não somente de sacerdote.

Assim, em alguns momentos o trabalho aparece como fonte de satisfação e realização

e em outros casos, como fonte de sofrimento e desprazer. Freud (1976) diz que ainda que o

sujeito veja o trabalho como uma possibilidade de satisfação, não se trata de uma via eleita

pelos sujeitos, que muitas vezes o encaram apenas como necessidade ou obrigatoriedade.

A atividade profissional constitui fonte de satisfação especial, se for livremente escolhida, isto é, se, por meio de sublimação, tornar possível o uso de inclinações existentes, de impulsos instintivos persistentes ou constitucionalmente reforçados. No entanto, como caminho para a felicidade, o trabalho não é altamente prezado pelos homens. Não se esforçam em relação a ele como o fazem diante de outras possibilidades de satisfação. A grande maioria das pessoas só trabalha sob a pressão da necessidade e essa natural aversão do homem ao trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis. (FREUD, 1976, p.99)

Marx com seu conceito de trabalho alienado vai discutir muito sobre o que se pode

colocar como causa dessa “aversão ao trabalho” tratada acima por Freud (1976), então ele

constata que pela dinâmica do capitalismo, o trabalho alienado separa trabalho e vida. Em

uma conferência de 1989, feita para os profissionais do Centro de Reabilitação Profissional do

INSS, Sônia Viegas colocou essa separação para depois trazer seu argumento de que não se

podem separá-los. O argumento pode ser lido na transcrição da conferência, que foi feita por

Ana Elizabeth:

Agora, imaginem que no trabalho alienado o objeto parece que é uma esponja que bebe a significação. Então, ela absorve e torna pedra, torna coisa todo o gesto que faço. Então não consigo me enxergar no meu trabalho. Em vez de me encontrar nele, me perco nele. Aí fala Marx: «a objetificação significa perda, e o trabalhador se perverte». Perverte por quê? Porque de agente ele se torna paciente. De elemento ativo ele se torna o passivo. E quando ele se apropria do objeto para tentar se encontrar lá, se aliena nessa apropriação, se perde também, se aliena de si mesmo nessa apropriação. (VIEGAS, 1989)

Como se trata de uma atividade que fornece sentido para a existência, não se pode

fazer essa separação. A atividade não-alienada, no caso ministerial, tem o significado de

manifestação do modo de ser desses sujeitos, pois ela revela a forma escolhida de manifestar

sua vida. Dessa maneira, ao realizar a atividade pastoral, os clérigos atualizam a sua essência,

por meio da exteriorização de sua força.

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Nesse caso particular, pode-se inferir que a maneira com que os padres e bispos

eméritos lidam com a condição de aposentados vai ao encontro dessa perspectiva teórica,

quando os mesmos colocam que, tornando-se eméritos, deixam somente a obrigatoriedade de

administrar uma paróquia/diocese, ou qualquer posição formal dentro da estrutura

institucional da igreja, mas continuam exercendo a atividade típica de um sacerdote, ou outras

atividades que já realizavam ou que venham a realizar após a emeritude. Um dos entrevistados

conciliou, ao longo de uma vida inteira, a atividade de tipógrafo com o exercício sacerdotal.

Outro, por sua vez, após a emeritude, começou a pintar telas.

Esses casos remetem ao que Marx quis dizer com “atualiza no trabalho aquilo que está

na essência do existir”, ou seja, o trabalho do padre, enquanto exercício sacerdotal, é

considerado por ele como uma forma e um modo de existência, mas outras atividades também

podem dar aos mesmos esse modo de existência.

Assim, algumas questões podem começar a ser respondidas: Como poderiam

abandonar o ofício, se diante da igreja já estão desobrigados? Haveria outro modo de produzir

seus meios de vida? O que o sacerdote teria, a não ser aquilo que lhe ocupou a vida durante

tanto tempo?

O modo de vida material, no sentido de alimentação e moradia, na maioria dos casos

está minimamente garantido pela aposentadoria, o INSS e por alguma ajuda que a igreja

fornece, mas os meios de vida, no sentido de reconhecimento social, posição diante da própria

instituição, carinho e atenção, não estão necessariamente garantidos com a aposentadoria

clerical. O padre e o bispo não são retirados da igreja depois de aposentados, no entanto, a

partir desse momento, precisam achar um lugar, uma posição dentro desse contexto, ou de

outros, que lhes forneçam um sentido e atenda suas demandas pessoais para além das

necessidades materiais. Assim, eles precisam continuar produzindo simbolicamente de alguma

forma, nem que seja ainda por meio das mesmas atividades materiais concretas que os

acompanharam ao longo de toda uma vida como: celebrar missas, batizados, casamentos,

enfim.

A aposentadoria do trabalho formal-institucional, no meio religioso, possui uma

distinção particular do meio laico, é uma renúncia do ofício e não se pode tentar entender esta

questão antes de se pensar a maneira como este grupo social vivencia a sua atividade, o seu

modo de agir sobre a cultura, ou seja, o próprio ato laboral.

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3.3 A função psicológica do trabalho

Até aqui, pensou-se o conceito de trabalho especialmente na perspectiva marxista, com

o intento de articular o mesmo à realidade do exercício sacerdotal, especialmente vista após o

processo de aposentadoria. Em seguida, a questão será abordada em seus aspectos

psicológicos.

No estudo sobre o trabalho, mais especificamente dentro da psicologia do trabalho,

encontram-se enfoques teóricos distintos. Alguns norteiam os estudos numa perspectiva

cognitiva, já outros tomam o trabalho à luz de uma ótica subjetiva, com o argumento de que o

trabalho, para além de seus aspectos formais, tem uma função psicológica na vida dos

sujeitos:

A subjetividade na ação profissional não é um ornamento ou uma decoração da atividade. Ela está no princípio de seu desenvolvimento, configura-se como um recurso interno deste último. (CLOT, 2006, p.18)

A tentativa de definir o que seria o trabalho de um clérigo, ou melhor, de um pároco

ou de um bispo diocesano, principalmente na lógica do ofício paroquial, será feita no viés da

função psicológica – subjetiva – do trabalho. Como ficariam, nesse caso, evidenciados os

aspectos psicológicos do exercício dessas atividades? E, além disso, como ficaria essa relação

diante do processo de aposentadoria?

Yves Clot oferece uma oportunidade de pensar o campo do trabalho, ao visualizar

aspectos que ultrapassam a dimensão do simples fazer laboral adaptado às exigências do

mercado e, principalmente, da produção. Assim, ele fornece uma perspectiva mais próxima

das necessidades subjetivas com o argumento de que o trabalho ocupa uma posição de

destaque, principalmente por sua função psicológica.

Não se podem separar as questões formais e objetivas do trabalho das questões

psicológicas, mas trata-se, aqui, de uma escolha por um viés teórico norteador, pois acredita-

se que, para além da tarefa executada em si, há como pensar que a mesma não teria sentido

algum caso não visasse a uma realização particular, pessoal.

Eu, na verdade, não abandonei meu ofício preferido, apenas consegui juntar as duas coisas, sou padre e trabalho com a tipografia até hoje, só que agora dentro da

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religião. Na verdade, jamais deixei de exercer essa atividade. Amo a tipografia, sempre gostei de escrever, corrigir, publicar, fazer jornal, revista, enfim. (Padre I)

Como se pode notar na fala de um padre entrevistado, o sentido de uma atividade

qualquer extrapola o simples ato de executá-la. A atividade não é definida somente pelos

aspectos prescritos, ordenados, mas também pelos aspectos investidos, inventados, desejados

pelo sujeito que a executa. Nesse caso, em especial, o entrevistado poderia se limitar às

atividades pastorais típicas, como presidir cerimônias religiosas, atender confissões, entre

outras, ou seja, ele não precisaria necessariamente trabalhar com a tipografia. Porém, ele se

refere a esta atividade de maneira afetuosa, com sentido de realização pessoal. As aspirações

pessoais particulares são os fatores determinantes na condução das atividades.

Entretanto, cabe ressaltar que um funcionamento coletivo de trabalho tampouco

poderia funcionar sem um mínimo de formalização do mesmo como, por exemplo, uma

determinação dos procedimentos e das tarefas, em outras palavras, da maneira pela qual o

trabalho se estrutura. Porém o sujeito imprimiu nas atividades que executa os investimentos e

expectativas pessoais, e, por vezes, esse investimento pessoal gera renovação e alterações até

das próprias estruturas formalizadas do trabalho em questão. Pode-se dizer, então, que a

tipografia para o padre acima citado é um meio que extrapola e amplia a atividade pastoral, já

que os conteúdos trabalhados na mesma são de cunho religioso.

O trabalho de formalização profissional pelo qual são renovadas eventualmente as regras dos ofícios, depois que, por meio de tentativas e erros, um coletivo chegou a filtrar a experiência. Uma reavaliação da cultura profissional destinada a ser testada. (CLOT, 2006, p. 40)

Por que não pensar que um processo parecido com o citado acima por Clot (2006)

poderia ter gerado as inúmeras alterações que impactaram a atividade sacerdotal, após o

Concílio Vaticano II, já que este alterou radicalmente o dia-a-dia laboral dos clérigos e até dos

leigos? Abriu-se espaço para maior participação dos mesmos, incluindo as mulheres, na vida

eclesial.

Os concílios são reuniões de eclesiásticos e de teólogos, são um esforço comum da

Igreja, ou parte da Igreja, para a sua própria preservação e defesa, ou para a guarda de clareza

de sua Fé e da doutrina. No caso do Concílio Vaticano II, a necessidade de defesa se fez de

modo universal, porque as situações contemporâneas de proporções globais abalaram a Igreja,

que se viu fechada dentro de seu conservadorismo. Assim, diante daquele momento, a

mudança era uma necessidade de adaptação:

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O objectivo do Concílio é discutir a acção da Igreja nos tempos actuais, ou seja, a sua finalidade é "promover o incremento da fé católica e uma saudável renovação

dos costumes do povo cristão, e adaptar a disciplina eclesiástica às condições do

nosso tempo" e do mundo moderno. Por outras palavras, o Concílio pretende o aggiornamento (actualização e abertura) da Igreja. ( LIBANIO, 2006, p. 67)

Como foi colocado anteriormente, Yves Clot traz uma discussão sobre o trabalho para

além de seus aspectos formalizados, ao dizer que, mesmo na padronização, na atividade rígida

e repetitiva, o sujeito pode e faz investimentos pessoais e tem demandas e desejos que, em um

primeiro momento, ficam na esfera do não-dito, do imaginário. Esse fato, porém, não exclui a

possibilidade de que se promovam renovação, transformação e movimento.

No caso da igreja, essa possibilidade de renovação que gerou o Concílio Vaticano II.

Além disso, essa instituição seguiu promovendo uma série de mudanças e atualizações no

formato da atividade e do exercício sacerdotal. Cabe ressaltar que Yves Clot fala de atividade

e não de instituição, ou seja, a aproximação que se fez na análise da igreja, enquanto

instituição, é delicada já que se trata de campos de análise diferenciados. Porém, pode-se

considerar que antes dos desdobramentos institucionais há um movimento no nível de

atividade, aqui, de exercício sacerdotal.

Dessa maneira, entende-se que cada modelo de sociedade vai criar um modelo de

instituição e que o modelo da instituição igreja católica medieval não mais cabia na sociedade

moderna já que esta implicou novas demandas. Porém, nota-se que as inovações do concílio

Vaticano II e o novo formato proposto foram mudanças necessárias para que a instituição

igreja católica mantivesse sua importância na modernidade.

O grupo de padres e bispos que o presente estudo entrevistou possui a experiência de

exercício sacerdotal marcada pelas alterações desse concílio. Pode-se dizer que eles

vivenciaram os dois modelos formais, o anterior e o posterior ao concílio, alguns deles

chegam a trazer a questão em suas falas:

O concílio vaticano II foi um momento de renovação para os padres que efetivamente viviam a fé, as mudanças que ele trouxe já eram desejadas por muitos de nós, porém foi um momento muito difícil para a igreja, muitos padres deixaram o ministério, não conseguiam se adaptar as essas mudanças. (padre I)

Foi difícil se adaptar, escolhi ser padre exatamente porque gostava do que eu via o padre fazer, e agora alguém que não era padre poderia fazer também, que diferença existia então? Mas isso durou pouco, a igreja não viveria sem o leigo, hoje acho muito bom. (Padre IV)

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Ainda estamos longe de experimentarmos na pratica o que o Concílio Vaticano II propôs. Vivemos muito mais seus aspectos técnicos, mas a mudança no pensamento, na crença dos padres ainda está longe de ser real. (Bispo I)

Portanto é importante ressaltar que, nos padres já eméritos, a memória, assim como os

desdobramentos psicossociais advindos desta, estão marcados pela vivência desse momento

histórico da igreja católica que alterou os modos de vida, de trabalho e de produção desses

sujeitos.

Ao se referir, ainda, aos sujeitos que imprimem seus projetos de vida na atividade,

Yves Clot traz uma discussão interessante sobre o que chamamos de estilo individual, quando

coloca que:

O estilo individual torna-se por sua vez a transformação dos gêneros, por um sujeito, em recursos para agir em suas atividades reais. Em outros termos, o movimento mediante o qual esse sujeito se liberta do curso das atividades esperadas, não as negando, mas através do desenvolvimento delas. (CLOT, 2006, p. 50)

Cabe ressaltar que a menção ao termo “gênero” se refere ao gênero profissional, ou

seja, aquilo que define as fronteiras móveis do aceitável e do inaceitável no trabalho, um

conjunto de regras impessoais não escritas que define o uso de regras e as relações entre as

pessoas. É preciso considerar que apesar de o conceito de gênero não poder ser tomado como

individual, o trabalhador, enquanto indivíduo, identifica-se, por vezes, com a classe de

trabalhadores da qual fazem parte. Portanto, isso faz com que se sintam inseridos, fato que

possibilita a construção de uma identidade ligada ao estilo coletivo.

Ainda que o trabalhador esteja sobre influência do gênero profissional, ou seja, ainda

que possua traços assimilados do estilo coletivo, ele é capaz de imprimir um estilo pessoal

dentro do que é esperado pelo gênero profissional. Por exemplo, espera-se que um padre

celebre batizado, porém cada padre pode fazê-lo de forma diferente. Dentro dessa lógica, é

necessário entender o estilo individual não como uma espécie de perversão das atividades

prescritas, formalizadas, mas, sim, como um movimento subjetivo que, para além de fornecer

um sentido pessoal àquela atividade, pode levar à sua ampliação, seu desenvolvimento.

Algumas falas já ilustraram esta questão, como o padre que também era tipógrafo. De

qualquer forma, pode-se destacar outra citação que, mesmo sendo o relato da experiência de

outro padre, é de certa forma assimilada pelo bispo em questão:

Uma vez eu fui a uma missa na igreja da Glória convidado a concelebrar e daí percebi aquela igreja lotada e o padre era uma redentorista novinho que tinha um jeito particular de celebrar ele alterava alguns momentos da missa, por exemplo, o

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ato penitencial era realizado depois da Homilia. Sabe por quê? Ele acreditava que depois da reflexão os fiéis faziam um ato de contrição mais bem feito. Ele tinha razão, era o jeito dele, muita gente discordava, pois fugia do padrão, mas eu gostei, não achei que ele estivesse fazendo nada de errado, era só o jeito dele e passei a fazer isso algumas vezes. (bispo I)

O trabalho, ou melhor dizendo, o sentido do trabalho é medido a partir do nível de

comprometimento que o sujeito possui com a atividade em questão. Além disso, é preciso

saber o quanto essa atividade faz sentido em outros domínios de sua vida.

Quando se fala da atividade sacerdotal, a expressão “outros domínios da vida” fica,

por vezes, restrita, sendo entendida por eles como diferente dos tipos de trabalho do mundo

laico. Porém, é preciso considerar que mesmo um trabalhador do mundo laico carrega dentro

de si uma identidade diretamente ligada à atividade que exerce, mesmo que esteja fora do seu

“horário de trabalho”.

Com os clérigos acontece o mesmo, por exemplo, um padre que exerce outra atividade

além do sacerdócio carrega a identidade de padre com ele. Então nota-se que na fala dos

clérigos há uma tentativa de valorização da sua atividade – seja pela dimensão vocacional,

seja pela conotação espiritual – quando tentam diferenciar a atividade que exercem das outras

atividades laicas. Os clérigos tentam colocar sua atividade, ou escolha profissional, dentro de

um discurso carregado de espiritualidade, quando falam de “chamado”, de “escolhido por

Deus”, de “vocação” e, dessa forma, dizem que exercem uma atividade para a vida toda e em

tempo integral. Porém, na verdade, um clérigo faz coisas para além do esperado para sua

classe de trabalhador, não é padre o tempo todo, no sentido de atividade. Todavia, nota-se que

a fala dos mesmos tenta considerar a dimensão santificadora da sua escolha profissional, o que

proporciona um teórico distanciamento das outras atividades do mundo laico. A seguinte fala

de um dos entrevistados ilustra o fato:

É, mas é um trabalho que tem por trás uma motivação diferente, ele vem de um chamado vocacional, na verdade somos escolhidos e temos a chance de aceitar ou não esse chamado. (bispo I)

Os sujeitos realizam ações imediatas sobre o ambiente, sobre o mundo que os cerca,

porém essas atividades não deixam de ter uma atuação sobre si mesmos, e é esse tipo de

atividade que constitue os sujeitos enquanto pessoas. Esse conceito é facilmente percebido

quando se faz, por exemplo, uma descrição de alguém, pois sempre se diz: “fulano é aquele

que faz bonecas”, “é um professor”, “é um padre”. Assim, o que define alguém enquanto

sujeito é, em grande parte, o seu fazer enquanto atividade, seja aquela atrelada ao ofício,

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sejam as inúmeras outras atividades que se podem realizar. Ou seja, o trabalho está

diretamente associado à constituição do sujeito.

O trabalho é uma atividade que engaja o sujeito num processo sem sujeito. Cabe a ele identificar-se com essa atividade, individual e coletivamente, “reapropriando-se” dessa parte não intencional de sua existência, fundo indivisível e pressuposto simbólico de toda ação de trabalho. (GODELIER, 1984, 1996 apud CLOT, 2006, p. 82)

Antes de uma atividade pessoal, o trabalho pode ser definido, segundo Meyerson, da

seguinte maneira: “O trabalho transforma a natureza e, portanto, usa-a, agrega-se a ela, opõe-

se a ela, cria um mundo mediato de objetos humanos que estão entre o homem e a natureza.”

(MEYERSON apud CLOT, 2006, p. 76). Assim, pode-se concluir que trabalho é toda

atividade que o homem exerce sobre a natureza, a fim de modificá-la, sendo que, nesse

processo, enquanto sujeito, ele também é definido e representado, enquanto tal, pelos

desdobramentos dessa mesma atividade, desse mesmo trabalho. Note-se que essa formulação

aproxima-se muito da formulação marxista já colocada anteriormente. Dessa maneira, Yves

Clot comunga da mesma posição, ou seja, do trabalho associado à constituição do sujeito,

bem como da cultura.

Quanto ao trabalho em seu contexto histórico-cultural, percebe-se que o homem tem

seu modo de trabalhar, sua atividade é direcionada por modelos previamente conhecidos ao

longo da história. As atividades, em coletividade, dos homens sobre a natureza são

asseguradas pela conservação e transmissão das mesmas ao longo do tempo, de geração a

geração, com suas formas e instrumentos que definem o modo de construção da realidade, ou

seja, a construção do mundo atual.

Esse processo de transmissão e conservação é muito comum nos relatos de memórias,

sejam nos relatos orais, nos livros, entre outras; sendo que, na velhice, o sujeito possui ainda

mais essa necessidade de transmissão de conhecimentos e habilidades para as gerações que os

seguem. É interessante relatar que, dos sete sacerdotes entrevistados, quatro, após a

aposentadoria, escreveram romances sobre suas vidas enquanto clérigos. Esses romances

garantem, de certa forma, a transmissão da atividade enquanto trabalho de ser padre, de

exercer o ministério. Mais interessante ainda é que cada um escolheu um gênero literário que

diz, da maneira particular, da forma como viveu e como enxerga o exercício clerical ou

episcopal. Por exemplo, um deles escreveu contos, ou melhor, “causos” de sua vida; outro

escreveu sobre a história local da cidade em que residia há 35 anos, tendo como foco a

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religiosidade e suas impressões particulares sobre o local; outro ainda está terminando um

livro sobre a história de sua família.

Portanto, os padres e bispos que se aposentam necessitam marcar uma determinada

posição diante do campo social, visto que a posição vinculada à atividade de trabalho se torna

fragilizada na maioria dos casos, já que eles ficam desobrigados das funções paroquiais ou

diocesanas, as quais durante anos constituíam sua atividade diária de trabalho. Esses padres e

bispos aposentados desejam ser reconhecidos pelos outros. O outro fornece atribuição de

valor, valores diversos fortemente ligados às atividades que esses sujeitos desenvolveram ou

permanecem desenvolvendo. Quanto a essa necessidade de reconhecimento, Clot (2006) faz

uma colocação interessante,

Dessa maneira, eles recuperam uma atividade que é uma réplica à atividade dos outros, um lugar na estrutura social, uma função num gênero, e não apenas – o que é elementar – um reconhecimento psicológico de seu drama. (CLOT, 2006, p. 79)

O reconhecimento do trabalho é colocado pelos entrevistados de uma maneira

diversificada, há relatos de reconhecimento e não-reconhecimento, como fica claro nos

fragmentos abaixo exemplificados:

Hoje eu sinto que ainda cuido de muitos, porém, consigo perceber que também sou cuidado, principalmente depois que a idade foi chegando, você sabe, não é, mas graças a Deus eu sempre tive boas pessoas perto de mim e até hoje é assim, o mais interessante é que mesmo hoje eu sou reconhecido pelo que fiz e ainda faço muitos, ainda me pedem orientação e eu fico muito feliz, na semana passada mesmo, eu fui convidado para celebrar um casamento de uma menina que eu batizei e ela faz questão que seja eu, olha para você ver!! (Padre IV)

Meu processo de aposentadoria foi normal, como o de qualquer outro, só tenho uma mágoa, até hoje o meu bispo não me disse muito obrigado, quem sabe Deus o fez. Paula, eu deixei minha comunidade religiosa, pois, a diocese precisa de ajuda, eu peguei um abacaxi enorme para descascar, e nem um muito obrigado eu recebi. (Padre V)

Yves Clot argumenta que os desdobramentos do sofrimento psíquico, por vezes

vivenciados pelos sujeitos que estão “privados de emprego”, desempregados, guardadas as

devidas proporções, também são vivenciados pelos sujeitos que se aposentam, ou seja,

aposentados não estão totalmente imunes às vivências deste sofrimento. O sujeito aposentado

pode se sentir como o sujeito desempregado, sofrer pela ausência de uma atividade que lhe

fornece uma identidade social. Assim, ser aposentado está ligado à ausência de atividade, o

que, culturalmente, possui uma conotação pejorativa.

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Em uma nota de rodapé do Mal estar na civilização, Freud (1976) faz uma colocação

sobre a relação dos sujeitos com o trabalho, que é interessante para esse momento da

discussão. Trata-se da passagem na qual ele infere que, de certa forma, o trabalho fornece um

lugar seguro dentro da comunidade. Freud diz,

Não é possível, dentro dos limites de um levantamento sucinto, examinar adequadamente a significação do trabalho para a economia da libido. Nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão firmemente à realidade quanto a ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana. (FREUD, 1976, p. 99)

Ou seja, o sujeito vinculado a uma atividade de trabalho possui um lugar apontado

pela comunidade, dessa forma, se se pensa na posição do sujeito aposentado, nota-se, em

alguns casos, essa ruptura com o que Freud (1976) chamou de “lugar seguro”. Porém, quando

um aposentado se envolve com alguma atividade e é reconhecido novamente pelo social como

aquele sujeito ativo que realiza algo, ele resgata e recebe do outro o mesmo apontamento que

lhe confere uma nova marca social, uma identidade de quem faz algo e é ativo, produtivo. Isso

pode trazer satisfação e minimizar a condição geradora de sofrimento colocada por Yves Clot

acima. Alguns relatos podem ilustrar essa mudança após a aposentadoria.

Eu só parei de ter aquelas obrigações administrativas paroquiais, hoje acabo trabalhando mais do que antes, sou administrador da diocese, responsável por um museu, por uma revista quinzenal, estou escrevo dois livros, enfim, não consigo me enxergar como aposentado. (padre I)

Hoje faço o que eu gosto de fazer enquanto sacerdote. Se for pensar, em alguns momentos trabalho mais do que na época que eu era bispo diocesano, sou capelão do hospital, celebro missa todos os dias às seis da manhã, vou a minha cidade natal todas as semanas atender confissão, celebrar casamentos, enfim, posso dizer que vivo minha melhor fase, enquanto sacerdote. (Padre II)

Aprendi a pintar depois de aposentado, pintei até a catedral de Caratinga, que está no seminário, dentro do quarto do Reitor. (Padre V).

O sujeito aposentado, especialmente os padres e bispos eméritos, têm a possibilidade

de fazer rearranjos das atividades de trabalho (e, por que não, de vida?), já que, como dito

anteriormente, a atividade pastoral segue uma lógica distinta das outras atividades de trabalho,

pois os padres e bispos têm a sensação de exercê-la em tempo integral.

Dessa forma, não se pode pensar em deixar totalmente o exercício sacerdotal quando

se aposenta caso contrário, o que restaria? Nota-se que os sujeitos fazem rearranjos dentro do

mesmo universo, o espiritual/institucional, ao agregar outras atividades, ambientes. A

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atividade possui sentido, quando o sujeito lhe confere valor, apropria-se dela, sendo

importante colocar que é um trabalho árduo fazer com que o mesmo se torne “trabalho para

si”.

Um entrevistado fez uma colocação que diz um pouco desse processo de rearranjo, de

ressignificação, quando falava dos primeiros momentos após o Concílio Vaticano II.

Em um momento muito difícil para a igreja, na verdade mais difícil para os padres do que para a própria igreja, muitos padres foram obrigados a rever suas expectativas e intenções quanto a ser padre e, neste momento, muitos deixaram o ministério, nós que ficamos passamos por momentos tumultuados e foi difícil adaptar. (padre I)

Enfim, pode-se destacar que Yves Clot traz uma discussão que, de maneira particular,

fornece um crivo teórico na orientação da interpretação desse grupo religioso particular –

padres aposentados – quando discute o trabalho para além de seus aspectos formais, ou seja,

quando discute a dimensão subjetiva do mesmo. O autor constrói o conceito de “real da

atividade” para contrapô-lo ao trabalho puramente observável, isto é, ele leva sua perspectiva

teórica para além do trabalho que se executa, e agrega a esse as vivências internas do sujeito.

Como ele mesmo diz:

Ainda aqui, o real da atividade é também aquilo que não se faz, aquilo que não se pode fazer, aquilo que se busca fazer sem conseguir – os fracassos-, aquilo que se teria querido fazer ou podido fazer, aquilo que se pensa ou que se sonha poder fazer alhures. É preciso acrescentar a isso – o que é um paradoxo freqüente – aquilo que se faz para não fazer aquilo que se faz sem querer fazer. Sem contar aquilo que se tem a fazer. (CLOT, 2006, p. 116).

Quase todos os entrevistados trouxeram contextos dos quais podemos inferir o que

Clot quis dizer como “real da atividade”, para além daquilo que se pode fazer.

Essa vivência do “real da atividade” pode ser notada em outras falas principalmente

quando eram perguntados sobre o que realizavam no momento atual, sobre o que estavam

fazendo depois de se aposentar.

Eu não paro, e gosto de trabalhar com tipografia, gostaria me dedicar mais ainda à escrita dos livros que estou mexendo, mas como ainda sou administrador da diocese, não posso me dedicar totalmente, até pedi ao bispo que me liberasse dessa tarefa, mas ele achou melhor eu continuar mais alguns anos, então não posso fazer muito para além daquilo que já faço. (padre I)

Na fala acima, temos ainda algumas variantes do “real da atividade”, o padre afirma

que gostaria mesmo é de escrever mais, ele se dedica a escrever, mas não tanto quanto

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gostaria, devido a obrigações enquanto administrador da paróquia (atividade que exerce

mesmo já sendo emérito). Nesse caso, o clérigo exerce a atividade de escritor, não como

gostaria, mas a elege como a real atividade, ou seja, como aquilo que não se faz por não poder

fazer, inclusive porque está limitada pela outra atividade que exerce sem desejar exercer

(administrador da paróquia). No trecho abaixo, também se percebe a mesma lógica, porém,

como aquilo que se teria querido ou podido fazer, aquilo que se pensou ou que se sonhou

poder fazer:

Eu queria ter feito mais pela paróquia da catedral, eu tinha um projeto de assistência social muito interessante, mas veio a danada da reforma da catedral que levou anos, eu nunca pensei em mexer com construção, mas infelizmente a catedral precisava e tive que mudar meus planos, mas até hoje penso em como teria sido bom se eu tivesse conseguido levar o projeto adiante. (Padre I)

Pode-se extrair das elaborações teóricas de Yves Clot que o trabalho, além de merecer

um lugar essencial naquilo que constitui a natureza do ser humano, assume uma função

psicológica quando vincula as vivências, os desejos pessoais do sujeito, às suas posições no

campo social, jamais poderíamos estar desvinculados totalmente de algum tipo de atividade,

já que o trabalho exerce uma função vital diante daquilo que somos.

Sônia Viegas dizia que “trabalho é uma forma de fazer jus à vida”. (Viegas, 1989, p.

4). O trabalho é a forma humana de produzir significações e não somente objetos

automatizados. Para a autora, o trabalho está ligado à construção do ser humano, à criação, à

criatividade.

Quanto mais conseguir me colocar no mundo e conseguir estabelecer, nessa colocação, uma linha que me permita um encontro, uma confraternização com os outros homens, seja através do meu imaginário pregresso, da minha memória, da memória de meu povo, do imaginário do meu povo, que eu canto, ou através das obras que eu faço, ou das coisas que eu transmito, seja de que maneira for que cada homem faça este trabalho de significação, ele está criando. Está criando fora dele e, quanto mais cria fora dele, mais constrói dentro dele próprio. (VIEGAS, 1989, p. 3).

O trabalho enquanto atividade de criação que não somente cria os bens de produção,

mas também a pessoa que o produz, ou seja, o trabalho em sua função psicológica, constitui o

próprio sujeito, fomenta os processos de subjetivação e integra a subjetividade. No caso dos

padres e bispos da igreja católica, percebe-se que o ofício pastoral, seja como pároco ou como

bispo, é importante e constrói a identidade laboral, social, espiritual e institucional de cada

um. De maneira especial, quando renunciam ao ofício, ainda são padres e bispos, pois a

relação com a atividade que exercem não é uma relação temporária, mais, sim, um estado

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permanente, como falou um dos entrevistados: “padre é sempre padre, serei um padre até o

dia que eu morrer” (Padre IV)

Até o presente momento, discutiram-se questões conceituais, em Marx e em Clot,

acerca do que seria trabalho, com o intento de relacionar tais reflexões ao exercício de um

clérigo. Na sequência deste capítulo, haverá uma ênfase na discussão do trabalho associado ao

momento da aposentadoria dos sacerdotes.

3.4 O padre e o bispo emérito: Aposentadoria ou renúncia ao trabalho?

A aposentadoria normalmente está ligada à saída de um trabalho regular quando se

atinge um determinado limite de idade. Entretanto, ser jovem ou velho para o trabalho não diz

respeito apenas a uma avaliação da capacidade física ou psicológica para uma atividade, uma

vez que tal capacidade depende de contextos históricos, socioculturais, demográficos e

institucionais nos quais o trabalhador está inserido. Existem situações nas quais os

trabalhadores se aposentam bem jovens e outros falecem antes de se aposentarem, alguns têm

possibilidade de escolher e até a desejam, outros já temem esse momento e suas

consequências no futuro.

Aposentadoria é um fato social novo, instituído, no Brasil, no começo do século XX.

De acordo com a legislação brasileira, a aposentadoria é definida como:

O direito que tem o segurado de retirar-se da atividade profissional, na ocorrência de certos riscos ou preenchimento de tempo de serviço, passando a fazer jus a um pagamento periódico, por conta da instituição previdenciária (SCHONS & PALMA, 2000, p.156).

A lei prevê, de forma geral, duas condições para que os trabalhadores contribuintes

possam se aposentar: a primeira ligada à idade e a segunda, ao tempo de contribuição. Na

aposentadoria por idade, têm direito ao benefício os trabalhadores urbanos do sexo masculino,

a partir dos 65 anos e do sexo feminino, a partir dos 60 anos de idade. Os trabalhadores rurais

podem pedir aposentadoria por idade, com redução de cinco anos, a partir dos 60, no caso dos

homens, e a partir dos 55, para as mulheres. Já na aposentadoria por tempo de contribuição, o

trabalhador homem deve comprovar pelo menos 35 anos de contribuição e a trabalhadora

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mulher, 30 anos. Para requerer a aposentadoria proporcional, o trabalhador tem que combinar

dois requisitos: tempo de contribuição e a idade mínima.

Os homens podem requerer aposentadoria proporcional aos 53 anos de idade e 30 anos

de contribuição (mais um adicional de 40% sobre o tempo que faltava, em 16 de dezembro de

1998, para completar 30 anos de contribuição). As mulheres têm direito proporcional aos 48

anos de idade e 25 de contribuição (mais um adicional de 40% sobre o tempo que faltava, em

16 de dezembro de 1998, para completar 25 anos de contribuição). (Ministério da Previdência

Social, 1998)

Existem outros tipos de aposentadoria não ligados ao fator idade, como, por exemplo,

a aposentadoria por invalidez, que acontece por duas vias. A primeira é o benefício concedido

aos trabalhadores que, por doença ou acidente, forem considerados, pela perícia médica da

Previdência Social, incapacitados para exercer suas atividades ou outro tipo de serviço que

lhes garanta o sustento e a aposentadoria especial. A segunda é o benefício concedido ao

segurado que tenha trabalhado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física

Para ter direito à aposentadoria especial, o trabalhador deverá comprovar, além do

tempo de trabalho, efetiva exposição aos agentes físicos, biológicos, ou associação de agentes

prejudiciais pelo período exigido para a concessão do benefício (15, 20 ou 25 anos).

(Ministério da Previdência Social, 1991)

No Brasil, a Previdência foi instituída em 1923, quando o Congresso Nacional criou a

Caixa de Aposentadoria e Pensões para os empregados de empresas ferroviárias. Junto com os

familiares, eles passam a ter direito à assistência médica, remédios subsidiados, aposentadoria

e pensões.

O Decreto n° 4.682, de 24 de janeiro de 1923, na verdade é a conhecida Lei Elói Chaves (o autor do projeto respectivo), determinou a criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensões para os empregados de cada empresa ferroviária. É considerada o ponto de partida, no Brasil, da Previdência Social propriamente dita. (Ministério da Previdencia social, 1991)

Nos anos 30, Getúlio Vargas reestrutura a Previdência Social com a incorporação de

praticamente todas as categorias de trabalhadores urbanos. São criados seis grandes institutos

nacionais de previdência, e o financiamento dos benefícios é repartido entre os trabalhadores,

os empregadores e o governo federal. No mesmo período, surgiu a expressão "seguridade

social", inspirada na legislação previdenciária social dos Estados Unidos, como uma nova

concepção de seguro social total, que procura abranger toda a população, na luta contra a

miséria e as necessidades.

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Com a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social, em 1960, a previdência

social, organizada em cinco grandes institutos e uma caixa, elevada também à condição de

instituto, passou a abranger a quase totalidade dos trabalhadores urbanos brasileiros.

Em 1966, todas as instituições previdenciárias foram unificadas no Instituto Nacional

de Previdência Social (INPS), inclusive a instituição de contribuição específica para padres da

igreja católica (IPREC). Sendo assim, o recolhimento dos sacerdotes ficaria a cargo dos

mesmos, diante do INPS. O padre passa a recolher sua contribuição na categoria de

profissional autônomo. Assim, sua atividade ministerial passou a ser identificada como uma

atividade de trabalho qualquer, com os mesmos direitos que outros trabalhadores, tanto que os

padres que optam por recolher sua contribuição junto ao INPS se aposentam normalmente

quando completam 60 anos e passam a receber a aposentadoria proporcional à sua

contribuição. Em 1974, o Ministério do Trabalho e Previdência Social foi desdobrado e criou-

se o Ministério da Previdência e Assistência Social, que passou a ter todas as atribuições

referentes à previdência social. O INPS ficou responsável pela concessão de benefícios, assim

como pela readaptação profissional e amparo aos idosos.

A extensão dos benefícios da previdência a todos os trabalhadores se dá com a

Constituição de 1988, que passou a garantir renda mensal vitalícia a idosos e portadores de

deficiência, desde que comprovada a baixa renda e que tenham qualidade de segurado.

Em 1990, o INPS mudou de nome, passando a ser chamado de INSS - Instituto

Nacional de Seguridade Social. Em dezembro de 1998, o governo mudou as regras da

previdência ao exigir uma idade mínima para a aposentadoria, que, no caso das mulheres, é de

55 anos e dos homens, 60 anos. Anteriormente, a aposentadoria valia para quem contribuísse

por 25 a 30 anos, no caso das mulheres, e 30 a 35 anos, no caso dos homens, não existindo

limite mínimo de idade.

A partir daquele momento, algumas alterações foram sendo incorporadas às leis que

regem a vida do trabalhador, bem como a sua aposentadoria, como fica claro nos artigos da

constituição federal de 1988 citados abaixo.

Lei nº 8.212/1991 - Art. 3º

Art. 3. A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. (Constituição Federal de 1988)

Art. 194. (*) A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

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Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados. (Constituição Federal de 1988)

No Brasil, a exemplo dos países europeus e dos Estados Unidos, foi a classe operária

que liderou, no início do século XX até por volta dos anos 20, à luta pela criação das Caixas e

Institutos e da legislação previdenciária. A previdência social, quando instituída inicialmente,

possuía duas características marcantes: a inclusão dos direitos sociais, mediante a inserção no

mercado de trabalho formal, e a sua expansão, de acordo com a importância estratégica, da

capacidade de mobilização e reivindicação de determinadas categorias de trabalhadores. Ou

seja, não havia um compromisso com os mais carentes, quanto ao acesso aos meios de

sobrevivência. Destaca-se aqui que o sistema acabava diferenciando e estratificando os

trabalhadores entre “incluídos” – aquelas categorias com acesso a maiores e melhores

benefícios e serviços – e os “excluídos”- que ficavam aos cuidados da filantropia e do

assistencialismo (SCHONS & PALMA, 2000).

Desde sua implantação, o sistema previdenciário brasileiro passou por diversas

reformas. Em 1988, a Constituição trouxe benefícios e serviços da Previdência Social e a

assistência social, particularmente aos idosos. Alguns exemplos foram o estabelecimento da

uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais e o

beneficio de um salário mensal ao idoso que não dispunha de meios para sua própria

manutenção, independentemente de contribuições prévias de qualquer natureza (SIMÕES,

apud NERI, 1999).

Embora no plano econômico e governamental ainda existam desafios a serem

vencidos, a questão da aposentadoria não se esgota nesse aspecto. No plano social, há um

paradoxo gerado pela própria sociedade capitalista: ao mesmo tempo em que ela concede a

aposentadoria ao indivíduo como um direito, ela retira do mesmo seu valor social, ao exaltar

apenas o indivíduo que produz. Assim, a posição do aposentado, no cenário social, está

carregada de estereótipos pejorativos. (SCHONS & PALMA, 2000).

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Porém, quando se estende a discussão sobre a aposentadoria para o cenário religioso,

depara-se com diversas questões. Primeiramente, é necessário esclarecer que os clérigos da

igreja católica podem se aposentar pela previdência social desde que fique comprovado o

recolhimento, como previsto em lei, pois, perante o INSS, os clérigos são profissionais

autônomos. O reconhecimento se dá nesta categoria, ou seja, a Instituição Igreja Católica não

é vista como empregadora e, portanto, não é responsabilizada pelo recolhimento de seus

clérigos. Nesse ponto, tanto podem-se encontrar padres e bispos eméritos aposentados, ou

seja, clérigos que além da emeritude são aposentados pelo INSS, quanto outros apenas

eméritos.

Uma pesquisa realizada na Arquidiocese de Belo Horizonte levantou o percentual

aproximado de clérigos que recolhem contribuição para o INSS e daqueles que não o fazem.

Segue o gráfico 1 como ilustração.

Gráfico 1: Presbíteros que contribuem ou não com o INSS Fonte: PEREIRA, 2009. Relatório da Pesquisa de Opinião dos Presbíteros da Arquidiocese de Belo Horizonte.

Outra questão importante que necessita ser esclarecida são as aproximações e

distanciamentos entre o emérito e o aposentado. Como já colocado neste capítulo, a

aposentadoria está diretamente ligada a um benefício de seguridade social, à qual qualquer

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cidadão trabalhador, que preencha as determinações legais, tem direito, ou seja, um clérigo

que recolhe sua contribuição ao INSS pode se aposentar aos 65 anos e passa a receber

mensalmente sua aposentadoria como qualquer trabalhador.

Mas a posição de emérito é diferente. A palavra emérito provém do latim emeritude,

que significa, como colocado no Dicionário Aurélio (versão on line): “ aposentado, jubilado,

professor emérito que tem longa prática de uma ciência ou arte, insigne, sábio”. Assim, nota-

se que emérito significa aposentado, mas não necessariamente ligado ao INSS, pois trata-se de

aposentadoria no sentido de finalização de um ciclo específico de atividade de trabalho. Na

igreja, o clérigo obtém o título de emérito muitos anos após o título oficial de aposentado

ligado ao INSS, sendo que alguns clérigos eméritos nem chegaram a se aposentar, devido à

ausência de recolhimento junto ao mesmo órgão.

O presente estudo investigou o universo dos clérigos da igreja católica, em especial os

padres e bispos idosos que foram afastados ou pediram afastamento de suas obrigações como

administradores de uma paróquia ou de uma diocese. Afastamento este entendido como

emeritude.

O Código do Direito Canônico já especifica algumas das questões importantes que

nortearam o presente estudo na tentativa de pensar a vivência da emeritude dentro do cenário

religioso. Porém, é importante dizer que os artigos do código canônico que serão discutidos só

foram acrescentados ao código na última revisão do mesmo em 1983. A primeira versão do

mesmo, datada de 1917, não trazia nenhuma discussão sobre o clérigo emérito. Assim, nota-se

o quanto a questão é recente nas discussões institucionais da igreja católica, que, como a

sociedade contemporânea, vê-se muito desafiada no que tange à velhice dos seus.

Cân. 401 - § 1. O Bispo diocesano, que tiver completado setenta e cinco anos de idade, é solicitado a apresentar a renúncia do ofício ao Sumo Pontífice, que, ponderando todas as circunstâncias, tomará previdências. (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.191)

Segundo o artigo citado acima, aos setenta e cinco anos, os Bispos precisam apresentar

uma carta de renúncia ao sumo pontífice, que avalia o pedido e decide pela aceitação ou não

do mesmo. Caso seja aceito o pedido de renúncia das atividades de episcopado, o bispo recebe

o título de Emérito.

No caso dos padres, acontece um processo muito similar, o padre que é pároco de uma

determinada paróquia, ao completar 75 anos, pede ao seu respectivo bispo diocesano a sua

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desobrigação das atividades e responsabilidades paroquiais, como especificado no parágrafo

terceiro do artigo abaixo:

Cân. 538 - § 1. O pároco cessa de seu ofício por destituição ou por transferência, dadas pelo bispo diocesano, de acordo com o diretor; por renúncia apresentada pelo próprio pároco por justa causa e, para ter valor, aceita pelo Bispo; peça conclusão do tempo se tiver sido constituído por tempo determinado, de acordo com a prescrição do direito particular, mencionado no cân. 522. § 2. O pároco, membro de um instituto religioso ou incardinado numa sociedade de vida apostólica, é destituído de acordo com o cân 682, § 2. § 3. Tendo completado setenta e cinco anos de idade, o pároco é solicitado a apresentar ao próprio Bispo diocesano sua renúncia ao ofício; o Bispo, considerando todas as circunstâncias da pessoa e do lugar, decida se aceita ou adia; o Bispo diocesano deve assegurar o conveniente sustento e moradia do renunciante, levando em conta as normas estatuídas pela conferencia dos Bispos. (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.523).

Cabe ao Bispo diocesano, mediante a formalização do pedido, aceitar ou não o mesmo.

Em muitos casos, o bispo, por diversos motivos, pode não aceitar o pedido de renúncia do

pároco e solicita que o mesmo permaneça na posição de pároco por mais algum tempo, fato

que aconteceu com um dos nossos entrevistados.

Na verdade, antes um pouco de completar 75 anos, o Bispo me chamou para um conversa e me perguntou se eu não poderia ficar mais um tempo como pároco, eu disse que tudo bem, eu me sentia bem, disposto, mas há pouco tempo atrás eu mudei de ideia e pedi o afastamento da paróquia, acho que agora já contribui com o que podia me sinto cansado. (Padre IV)

Além de receber o título de emérito, o bispo e o padre passam a receber auxílio para o

seu sustento. No caso do bispo, o auxílio vem da diocese à qual serviu, já os padres recebem

da paróquia em que trabalharam.

Cân. 402 - § 1. O Bispo, cuja renúncia do ofício tiver sido aceita, conservará o título de Bispo emérito de sua diocese e, se o quiser, pode conservar sua residência na própria diocese, a não ser que, por circunstâncias especiais, em determinados casos, a Santa Sé determine o contrário. § 2. A Conferência dos Bispos deve cuidar que se assegure o digno sustento do Bispo renunciante, tendo-se em conta a obrigação primária que incumbe à diocese à qual ele serviu. (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.191)

Também é especificado no código de Direto Canônico que cada diocese ou

arquidiocese precisa possuir, na sua estrutura, um instituto com a responsabilidade de prover

os recursos necessários para o sustento dos clérigos, após a renúncia ao ofício:

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Cân. 1274 - § 1. Cada diocese precisa ter um instituto especial que consiste em recolher produtos ou ofertas com finalidade de fornecer apoio aos clérigos. De acordo com a norma da can. 281 esse apoio aos clérigos é oferecido àqueles que trabalharam para o benefício da diocese. § 2. Se a prestação social para o benefício do clero não foi ainda devidamente organizada, a conferência dos bispos deve cuidar para que haja um instituto que ofereça o soficiente para a asegurnaça social dos clérigos.(CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 199, p.402)

Pode-se pensar que a igreja precisa prover um modo de garantir a seguridade social de

seus clérigos, pois o código afirma a necessidade de criação, ema cada diocese de um instituto

especial para cuidar destas questões. Porém na realidade este instituto especial quase não

existe. A dinâmica mais vista é que o padre e o bispo diocesano decidem se irão ou não fazer

o recolhimento o INSS por conta própria. Assim alguns não recolhem e muito conseguem

fazê-lo com dizimo paroquial ou com o recurso que por direito recebem da igreja,

especificado no código abaixo:

Cân. 281 - § 1. Desde que os clérigos se dediquem ao ministério eclesiástico, merecem uma remuneração que seja compatível com sua condição, tendo em conta a natureza da sua função e as condições dos lugares e tempo e pelo que eles podem fornecer para as necessidades de sua vida, bem como para o pagamento equitativo dos serviços que precisem. § 2. Deve ser feito de modo que eles possuam assistência social necessária para as suas necessidades adequadamente, caso sofram de doença, incapacidade ou idade avançada. (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.86)

Um padre e um bispo não deixam, pois, de ser sacerdotes mediante seu processo de

emeritude. Na verdade, a aposentadoria com o título de emérito se limita ao pároco e ao bispo

diocesano, ou seja, um padre que não é pároco não se torna emérito. Além disso, só se tornam

eméritos párocos e bispos seculares, essa regra não se estende aos clérigos religiosos.

Resumidamente, as diferenças entre um padre diocesano e um padre religioso já foram

expostas no capítulo anterior desta dissertação. Em poucas palavras, são três grandes

realidades que se sobressaem no ministério e na vida do clérigo diocesano. A primeira é a

Igreja particular ou Diocese, a segunda é o Bispo diocesano e a terceira é o presbitério, ou

seja, os padres que receberão o sacramento da ordem. Portanto, são essas três realidades que

definem a atividade do clérigo diocesano.

Voltando à questão da emeritude, para além de ser um processo de aposentadoria, ou

não, trata-se, aqui, de um momento especial que vai impactar esses padres e bispos, em sua

subjetividade, das mais diversas formas. Existe uma carta de renúncia, no período da velhice,

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renúncia de uma atividade que o sujeito ocupou em tempo integral, durante grande parte de

sua vida.

Segundo um bispo emérito, doutor em direito canônico, algumas questões jurídicas

sobre a posição do Bispo emérito precisam ser discutidas. Como ele mesmo coloca em um

texto publicado pela editora da CNBB (Congregação Nacional dos Bispos do Brasil):

A respeito da situação jurídica do Bispo Emérito, Pe. Teófilo, em minha opinião, seria oportuno fazer uma revisão da legislação canônica. Segundo a legislação atual, o Bispo Emérito se torna um “simples” fiel. Ele não pertence mais ao clero da diocese onde ele foi o bispo. Se for membro de um instituto religioso, mesmo se voltar a residir em alguma casa deste instituto, não goza de voz ativa, nem passiva e, sem um indulto especial não pode ser superior e já não é membro mais da conferência dos Bispos, podendo apenas ser “convidado” para assembléias. Não pode fazer parte de nenhuma comissão episcopal, podendo apenas ser convidado a fazer parte de alguma comissão de trabalho, como perito ou assessor. (LARA, 2006, p. 20)

O contexto apontado acima também é vivenciado pelos párocos de uma diocese, eles

podem participar das atividades da diocese enquanto convidados, porém, na posição de

eméritos, estão desobrigados dessa participação, já não podem assumir nenhuma função de

caráter administrativo dentro da paróquia, ficando somente com o exercício de atividade em

caráter de auxílio, quando oferecido ou solicitado, mas cabe ressaltar que eles não têm a

obrigatoriedade de atender a mesma.

Outra questão interessante nesse processo diz respeito à residência do Padre e do

Bispo Emérito. Segundo a legislação atual, os mesmos podem residir onde lhes aprouver ou

na diocese onde serviram como Bispo. Nesse caso, porém, é recomendado que o bispo saia da

diocese para que o novo bispo fique mais à vontade, no exercício de seu episcopado. O padre

pode permanecer na paróquia em que foi pároco, em residência particular, ou em casas

mantidas pela igreja para acolher os padres idosos. No caso dos padres e bispos que antes de

assumir uma paróquia ou uma diocese pertenciam a uma congregação religiosa, ao se

aposentarem, podem voltar a morar em alguma residência de seu instituto religioso ou em

qualquer outro lugar que preferirem. Por fim, alguns Padres e Bispos têm a opção de retornar

para suas cidades de origem e moram perto de familiares, quando ainda os têm.

Dom Lélis Lara, Bispo emérito, em publicação sobre o estatuto do Bispo emérito,

coloca alguns pontos, acerca da questão da residência, que são interessantes para essa

discussão:

Nesta questão interferem vários fatores e a decisão do Bispo Emérito de escolher a sua residência, deve ser tomada em base da lei, interpretada com bom senso e amor.

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Diversas situações devem ser consideradas sobre o Bispo religioso emérito, por exemplo, suponhamos que exista uma casa de seu instituto na diocese à qual serviu como Bispo diocesano durante anos, neste contexto pode ser que não conheça mais seus confrades de outras casas, não tenha mais familiares próximos... Onde vai morar? Provavelmente na casa de seu instituto que fica na diocese a que serviu enquanto bispo diocesano secular. Se o Bispo emérito não tem raízes em outro lugar, a não ser a diocese a que serviu por último, ele pode permanecer nesta diocese, se ele tiver servido pouco tempo na mesma, o mais provável é que ele retorne para outras cidades em que permaneceu por mais tempo ou até mesmo para sua cidade de origem. Se o bispo decidir por residir na diocese a que serviu, que ele seja discreto, não se imiscua nos negócios da diocese e se lembre sempre que já não é bispo diocesano. (LARA, 2006, p. 20)

Um dos entrevistados apontou a questão acima relatada em sua entrevista:

Eu mesmo poderia ter ido morar até em Roma se eu desejasse, mas, pensa comigo, eu moro aqui há mais de 35 anos, morei em Juiz de Fora por 19 anos, tenho amigos lá, mas minha vida está aqui, minha família são os amigos que fiz e que também foram as minhas ovelhas, no tempo que eu tinha a responsabilidade de ser pastor, não faz sentido deixar um lugar que chamo de casa, aqui é minha casa, onde me senti amado, querido e ainda necessário, até pelo bispo que me sucedeu, somos amigos e minha presença nunca o incomodou, sendo assim, por que eu deveria sair daqui? (Bispo II)

Ainda assim, existem questões importantes a serem discutidas, para além daquelas

relacionandas à moradia, como por exemplo, a questão financeira, sobre como os padres e

bispos eméritos se mantêm após a emeritude. Ademais, por mais que o ofício sacerdotal tenha

diferenças, se comparado a outros trabalhos do mundo laico, nesse aspecto, a posição da igreja

é muito similar à deste. A própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil se pronunciou

sobre o assunto da seguinte forma:

Durante o exercício de seu múnus pastoral, o Bispo receberá da Diocese uma remuneração que lhe garanta não só uma honesta sustentação, mas também a contribuição ao Instituto de Previdência, de acordo com uma escala progressiva, capaz de assegurar-lhe uma aposentadoria suficiente. (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.756).

Existe uma carência de pesquisas sobre o assunto na literatura científica, fato que não

causa estranheza, visto que a própria velhice e os estudos sobre ela também são relativamente

recentes. Há uma carência de referenciais teóricos específicos para construir um estudo sobre

aposentadoria de padres e bispos idosos, mas, ao mesmo tempo, existe a oportunidade de abrir

caminho para que os sujeitos que experimentam esse processo possam ser escutados e, a partir

dela, seja construída uma discussão teórico-científica.

Por isso, o evento da aposentadoria, e por consequência da emeritude, tem sido ligado

à representação de inutilidade social, fim da capacidade produtiva, velhice, proximidade da

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morte, ou apenas concebido como um período de descanso ou lazer, numa concepção antiga,

ainda ligada ao declínio biológico. (SANTOS, 1990).

As aproximações conceituais da aposentadoria com a emeritude se fazem pertinentes,

haja vista que os próprios clérigos reconhecem esse momento como a real aposentadoria para

eles. A aposentadoria do INSS acontece em um momento no qual as atividades paroquiais e

diocesanas permanecem inalteradas. Já quando chegam aos 75 anos e precisam passar pelo

processo da emeritude, renúncia ao oficio paroquial e diocesano, sentem-se aposentados e

vivenciam processos similares àqueles que são vivenciados pelos trabalhadores laicos.

Ser emérito é aposentado, é o momento que a igreja nos libera da obrigação de cuidar de uma paróquia, e a gente fica mais a vontade para celebrar só se a gente quiser. Somente depois dos 75 anos, e se o bispo autorizar, é que a gente se aposenta. Na verdade, aposentado pelo INSS eu sou já faz muito tempo, mas parar mesmo só parei depois de me tornar emérito. (padre IV)

No plano científico, é recente a atenção sobre o tema da aposentadoria. No Brasil,

segundo Santos (1990), existe um bom número de estudos sobre a aposentadoria na medicina

e na sociologia. Todavia, são ainda insatisfatórios, já que abordam a aposentadoria em termos

de adaptação individual ou apenas de ajuste a uma nova realidade social. A abordagem

médica é centrada na idade como determinante de todas as mudanças individuais, sendo então

a aposentadoria um evento necessário diante das limitações biológicas do corpo, ou seja,

justificada apenas por variáveis biológicas. As limitações desses estudos estão justamente na

desconsideração dos contextos socioculturais e das características psicológicas individuais.

Assim, nota-se que o biológico é que determina as transformações.

A sociologia, por sua vez, enfatiza exclusivamente os aspectos do contexto social, ao

explicar o comportamento do aposentado sob a ótica da boa ou má adaptação à perda do papel

profissional e sua recolocação na estrutura social. “Esses estudos sociológicos negligenciam,

assim, as características individuais, emocionais e os aspectos biológicos envolvidos.”

(SANTOS, 1990, p.98).

As teorias clássicas acerca da aposentadoria e do envelhecimento, por vezes serviram

de reforço às concepções de aposentadoria como inutilidade social, isolamento, perdas ou

apenas um período de lazer. Nesse momento, destacam-se dois estudos clássicos que focaram

a aposentadoria em termos de perda de status e papéis sociais: Os estudos de Towsend (1957)

e a Teoria do desengajamento de Cumming e Henry (1961).

A abordagem de Towsend tem como objetivo analisar as transformações ocorridas

com os aposentados, no que diz respeito às suas relações sociais. Para ele, a vida do sujeito

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está basicamente fundamentada em duas fontes de equilíbrio: o mundo familiar e o mundo do

trabalho, apesar de essa posição ser questionada por outros autores, como veremos mais

adiante, que vão dizer que não são só o trabalho e a família os grupos ou instituições de

pertencimento do sujeito, mas que existem muitos outros.

A visão de Towsend (1957) é fundamentada no pressuposto de que o equilíbrio

pessoal e a adaptação social só são possíveis por meio de certa qualidade e quantidade de

comunicação na família. Como o próprio autor coloca:

Isso significa que a aposentadoria acarreta uma diminuição do status social e modificação no sistema de papéis, que é compensado pela acentuação de novos papéis dentro da família. (TOWSEND apud SANTOS, 1990, p.6)

Como a aposentadoria diminuiria o status social e modificaria o sistema de papéis

desempenhados pelo sujeito, só existiriam duas saídas possíveis: assumir novos papéis dentro

da família ou o isolamento.

Santos (1990) ressalta que a abordagem de Towsend acaba sendo simplista e

reducionista. Entre sua crítica, ele ressalta que Towsend deixa de lado a multiplicidade de

soluções encontradas pelos aposentados, soluções estas que não implicam apenas uma volta à

família ou o isolamento.

Ao se pensar sobre o contexto vivenciado pelos clérigos que se aposentam, uma

pergunta aparece: como fica a questão familiar, se o padre não constitui família? E qundo

irmãos e parentes próximos ou já morreram ou também estão idosos? Um dos entrevistados

reflete sobre essa questão:

Não é que tenha, mas normalmente o idoso fica amparado por familiares e o padre, normalmente, não tem mais parentes próximos, ou eles também são idosos. Eu mesmo tenho alguns sobrinhos em Ipatinga e um irmão lá, mas eu não gostaria de morar com eles, acho que acabei tendo mais vínculo aqui em São João, prefiro ficar aqui, já que tenho pessoas que me ajudam, prefiro continuar só visitando meus parentes está de bom tamanho, acho que ficar com família só se fosse mulher e filhos, mas essa não foi minha escolha. (padre IV)

Já a “teoria do desengajamento” de Cumming e Henry (1961) pressupõe que a

estrutura de personalidade se desenvolve nas relações instituídas entre o sujeito e o sistema

social. Portanto, mudanças no social corresponderiam a mudanças na personalidade. Então, o

desengajamento seria um processo inevitável e recíproco, resultante da diminuição da

interação entre o indivíduo e os outros membros do sistema social. No envelhecimento, o

processo do desengajamento se iniciaria no momento de uma maior percepção dos declínios

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da capacidade física e consciência da aproximação da morte, o que resultaria num afastamento

inevitável dos papéis sociais.

As pessoas idosas estão menos envolvidas na vida ao seu redor do que quando elas eram mais jovens. O envelhecimento é um acontecimento mútuo e inevitável de retirada ou desengajamento, resultando em diminuição nas interações entre a pessoa que está envelhecendo e os membros que compõem seu sistema social. (CUMMING e HENRY, 1961, apud SANTOS, 1990, pág 8).

O que se sugere ser o desengajamento, em culturas tradicionais, pode ser entendido

apenas como uma mudança de papel ativo da meia-idade para um papel mais passivo e

espiritual, na velhice, e que só ocorreria um “real desengajamento” em sociedades que não

oferecem funções e alternativas aos idosos (PAPALIA & OLDS, 2000). Se se pensa no que

seriam essas funções alternativas, percebe-se que cada idoso, na sua singularidade, pode

romper com o desengajamento, já que, por vezes, o que se notam são sujeitos que após

envelhecer e se aposentar continuam ativos, produtivos e engajados, às vezes, em atividades

novas, iniciadas exatamente após a aposentadoria. Por exemplo, um dos entrevistados, o padre

VI começou a pintar telas após a emeritude e, segundo ele, passa horas diariamente pintando.

Ele diz: “Quanto mais eu pinto, mais eu aprendo e fico melhor, se pudesse eu pintaria todo o

tempo” (Padre VI).

A questão aqui é localizar até que ponto o processo de emeritude vivenciado pelos

clérigos pode ser visto ou não nessa perspectiva, ou seja, podemos falar de desengajamento só

pela formalização de um afastamento que não se efetiva na prática, pois muitos padres e

bispos continuam exercendo quase que as mesmas atividades, às vezes, passam a exercer

outras atividades, como exemplificado acima, ou seja, o desengajamento ligado à velhice e à

aposentadoria pode ser questionado.

Um padre colocou a questão da seguinte maneira:

Mesmo depois de aposentado, como o próprio nome já diz, eu sou um padre emérito, não deixei de ser padre, celebro missa todos os dias, atendo confissão e tudo mais, só não tenho mais a obrigatoriedade de uma paróquia com seus horários e a parte administrativa. (padre III)

Estamos diante de uma tentativa de entendimento dos mecanismos pelos quais, no

contexto sócio-histórico, papéis sociais podem influenciar nas múltiplas trajetórias

individuais, no curso da vida de padres e bispos seculares da igreja católica, diante dos

processos psicossociais advindos da experiência individual de sua emeritude.

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Como este trabalho também parte da concepção de aposentadoria e emeritude como

período de transição, cabe ressaltar que os períodos de transição trazem inúmeras

possibilidades como “pontos de virada”. É justamente nesses pontos que se aumenta a

variabilidade entre os indivíduos, bem como as múltiplas possibilidades que se abrem e em

sua maioria são vias de acesso ao engajamento e uma ruptura da representação de inutilidade

social ligada à velhice, à aposentadoria e à emeritude.

Quando passei dos 75 anos, pensei que não teria muita coisa mais a fazer e que iria descansar, e realmente estava muito cansado, mas quando veio a ideia do livro, fiquei muito empolgado e até agora não parei mais de escrever, a minha visão já não me ajuda muito, mas ainda estou conseguindo, então continuo e é uma ótima sensação. (Padre II).

A aposentadoria é, certamente, um período crucial, um momento sensível para o

sujeito nas várias dimensões de sua vida. Santos (1990) defende a questão dos diferentes

significados que a aposentadoria pode ter para diferentes indivíduos. Portanto, a aposentadoria

pode propiciar múltiplas direções para as trajetórias individuais.

O aposentar-se é uma etapa de vida na qual eclodem áreas de conflito e desacertos,

precipitadas pelo processo de mudanças significativas, pela ambivalência de afetos e emoções.

O processo subjetivo depende, basicamente, da capacidade do sujeito de adaptação de sua

existência presente e passada, bem como das condições da realidade que o cerca, sem deixar

de dizer que essa existência passada é marcada por uma atividade, um trabalho, seja este

formal ou não, atividade que permeou e envolveu esse sujeito durante muitos anos e que agora

precisa ser ressignificada.

Como qualquer estudo que se propõe a pesquisar alguma realidade ou contexto, é

necessário fazer escolhas, recortar um pequeno pedaço de um todo, para que algo possa ser

dito do mesmo com algum rigor. O que foi colocado até aqui se aplica a diferentes recortes.

Pode-se pensar a aposentadoria e sua relação com o trabalho em diferentes contextos, por

exemplo, a aposentadoria de profissionais da educação, médicos, psicólogos, vendedores

ambulantes, entre outros.

Como não seria diferente, delimitou-se um universo, um campo mais restrito a ser

pesquisado, um campo carente de pesquisas, ou seja, o dos sujeitos que estão passando pelo

processo do envelhecimento populacional.

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4. VELHICE E EMÉRITOS

Nas sociedades contemporâneas, verifica-se um aumento da expectativa de vida e

crescimento da população idosa em vários países. Assim, a sociedade contemporânea viu-se

desafiada, em suas diversas instâncias, a responder aos anseios e demandas advindas desse

grupo.

Além disso, o termo velhice comporta uma diversidade de noções biológicas, bem

como diferentes sentidos históricos e sociais, significados particularizados, singularizados, o

que justifica a noção amplamente discutida e levantada de que a velhice está ligada à

multiplicidade, a vivências heterogêneas.

Portanto, neste capítulo, trabalharam-se os termos envelhecimento, velhice, velho e

idoso, começando por envelhecimento enquanto evento demográfico até seus desdobramentos

psicossociais na vida dos clérigos.

4.1 O cenário do envelhecimento na contemporaneidade

Atualmente, observa-se um aumento significativo no número de idosos da população

mundial. Por isso, as pesquisas na área também têm crescido. Por volta da década de 1950,

notou-se um aumento considerável de pesquisas na área. De acordo com Neri (1991), entre

1969 e 1979 o aumento foi de 270%. É relativamente recente o interesse da psicologia sobre

os estudos do envelhecimento humano. O cenário brasileiro pede urgência quanto ao mesmo.

O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. No século XX, o aumento da

proporção de idosos foi mais acentuado nos países em desenvolvimento. No caso do Brasil, o

processo encontra-se em suas etapas iniciais, a participação de idosos no total da população

passou de 4% em 1940 para 8,6% em 2000, o que corresponde a 14.536.029 idosos (IBGE,

2000). Segundo projeções da ONU, hoje encontram-se 8% da população com mais de 60

anos. Entre 2015 e 2020 , serão, em média, 13%. Com isso, o Brasil, que hoje ocupa o 16º

lugar em número absoluto de idosos no mundo, saltará para o 6º lugar no final de 2025, com

aproximadamente 34 milhões de idosos (STOPPE JUNIOR & NETO, 1999).

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A população idosa do Brasil terá acumulado o maior crescimento entre os países do

mundo, o envelhecimento da população brasileira será em ritmo maior do que o ocorrido nos

países de primeiro mundo, em virtude, principalmente, da acentuada queda de fecundidade

observada no país e do aumento considerável da expectativa de vida.

Historicamente, falar sobre envelhecimento populacional restringia-se aos países

europeus e norte-americanos, onde, geralmente, o número de sujeitos idosos era mais alto.

Entretanto, esse fenômeno demográfico tem se estendido a todo o mundo, com o aumento da

proporção de idosos e com a longevidade, principalmente nos países em desenvolvimento,

que, até recentemente, eram considerados países essencialmente jovens, como no caso do

Brasil.

A projeção de população das Nações Unidas de 1994 permite identificar a evolução comparativa do envelhecimento da população brasileira, tanto no confronto com os já envelhecidos países da Europa e os atuais países desenvolvidos, como em relação ao conjunto de países que experimentam a queda da fecundidade, assim como aqueles que ainda não iniciaram o processo de redução dos níveis de reprodução e apresentam, inclusive, rejuvenescimento de suas populações. As projeções atribuídas ao Brasil cada vez mais estão ligadas ao processo de envelhecimento da sua população (Nações Unidas, 2003, p. 45).

Nota-se, então, que o envelhecimento da população está atrelado à diminuição das

taxas de fertilidade, paralelamente à diminuição da mortalidade nas idades anteriores aos 60

anos, o que resulta num envelhecimento populacional sem precedentes na história. Estudos

sobre essa transição demográfica projetam, para um futuro próximo, uma “retangularização”

na estrutura de distribuição etária, em muitos países. Segundo dados da Organização Mundial

de Saúde (1997), em 2025, o continente americano será composto, na sua totalidade, por mais

de 15% de sua população com mais de 60 anos. No Brasil, esse processo de retangularização é

notável, como mostra a distribuição etária prevista para 2050, comparada ao contexto do ano

de 2000. Visualmente, é possível notar as diferenças na distribuição populacional e o avanço

significativo do número de idosos. (KELLER et al., 2002, p. 513).

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Gráfico 2: Distribuição etária no Brasil – 1980 Fonte: censo 2000.

Gráfico 3: Distribuição etária no Brasil – 2000 Fonte: censo 2000

Ao contrário do processo gradual dos países desenvolvidos, o fenômeno do

envelhecimento populacional nos países em desenvolvimento e, notadamente no Brasil, é

recente e acontece num ritmo acelerado. Umas das justificativas para essa mudança abrupta na

distribuição etária seriam os avanços médicos e tecnológicos recentes como vacinas,

antibióticos e assepsia. Uma segunda variável está na urbanização, saneamento básico,

melhoria das condições de trabalho e a universalização da seguridade social. (CAMARGO,

1989). Como em outros países, o envelhecimento populacional do Brasil é um fenômeno

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predominantemente urbano, que, neste país, sofreu grande influência dos movimentos

migratórios iniciados em 1960, como se pode ver na citação abaixo:

Projeções para esse início de século indicam que 82% dos idosos estarão nas áreas urbanas O mais elevado crescimento da população urbana vis-à-vis o incremento da população rural resulta em um processo de urbanização do envelhecimento populacional. O processo de concentração dos idosos nas áreas urbanas é mais visível em termos absolutos, pois acompanha o movimento geral de urbanização da população. Em termos relativos, a urbanização do envelhecimento é amortecida pelo fato de que as populações rurais apresentam níveis de fecundidade mais elevados do que as populações urbanas e, conseqüentemente, estruturas etárias mais jovens, que são exportadas para as áreas urbanas através da migração, retendo os contingentes mais idosos, apresentando, assim, populações relativamente envelhecidas. (CAMARANO, 1989, p. 223).

Existem pesquisas sobre a condição de saúde física da população idosa no país, porém,

as informações sobre sua saúde mental e psicológica é proporcionalmente menor. Conclui-se,

portanto, que, se por um lado há uma realidade social de aumento da expectativa de vida, por

outro, existe um descompasso na qualidade de vida desses anos a mais, no que tange à saúde

física e, por vezes, psicológica.

Além da transição epidemiológica, o ritmo desse crescimento espantoso afeta

diretamente as questões sociais, políticas e econômicas de um país como o Brasil. Devido ao

agravamento de condições já problemáticas da vida dos idosos, é notável a necessidade de

mudanças urgentes que busquem qualidade de vida para essa parcela agora significativa da

população.

Beltrão (2002) destacou o aumento significativo da população aposentada desde 1998,

devido à diminuição de cinco anos na idade para a aposentadoria do trabalhador rural. Além

disso, Beltrão apresentou uma relação direta entre idade e importância da renda proveniente

da aposentadoria, o que reflete a dependência das famílias pela provisão do Estado. No meio

urbano, a renda do idoso da classe baixa representa 15% do total da renda familiar. Na

população rica, a renda do idoso não apresentou mudança significativa,

Entre 1991 e 1998, houve maior concentração de renda nas mãos de pessoas idosas, tanto do meio rural quanto do urbano, sendo que essa renda, em 1998, foi maior que a renda média da população, porém relativamente justificada pelo momento econômico da época, marcado por uma diminuição na renda dos outros segmentos etários, aumento do desemprego, principalmente nos seguimentos mais jovens da população, além da concessão de maiores benefícios para idosos (BELTRÃO, 2002, p.123).

Frente ao novo panorama demográfico de envelhecimento populacional, as projeções

indicam um maior número de pessoas que vivem, aproximadamente, um terço ou mais de suas

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vidas na condição de aposentadas (IBGE, 2000). Assim, a aposentadoria é associada à retirada

do indivíduo do mercado de trabalho e ainda à perda do papel social do trabalho. Cabe

compreender em que circunstâncias ela também se torna uma perda subjetiva ou não.

4.2 O cenário do envelhecimento na igreja católica

O cenário dentro da igreja não é muito diferente. Uma pesquisa realizada na

arquidiocese de Belo Horizonte – MG2 apontou que a maioria dos clérigos possui idade média

entre 40 e 60 anos (GRAF. 4).

4,44%

20,74%

31,85%

21,48%

11,85%

7,40%

2,22%

20 a 30 anos

31 a 40 anos

41 a 50 anos

51 a 60 anos

61 a 70 amos

Acima de 71 anos

NDA

Gráfico 4: Idade do clérigos – Arquidiocese de Belo Horizonte

Fonte: PEREIRA, 2009. Relatório da Pesquisa de Opinião dos Presbíteros da Arquidiocese de Belo Horizonte.

Pode-se pensar que, em breve, esse contingente de padres na meia idade estará na

velhice, o que fará com que o número de padres e bispos idosos aumente significativamente.

Ou seja, a Igreja também é convocada a discutir as questões pertinentes e urgentes acerca do

processo de envelhecimento dos seus clérigos.

A partir das primeiras explanações sobre o envelhecimento da população, o presente

estudo tentou responder a algumas demandas sobre a velhice dentro do universo dos padres e

bispos seculares, principalmente a ligação da velhice com a posição de Emérito, ou seja,

párocos e bispos diocesanos com mais de 75 anos.

2 O universo dos padres diocesanos da Arquidiocese de Belo Horizonte é de 268 que atuam nas quatro Regiões Episcopais (Região Esperança - RENSE, Região Aparecida – RENSA, Região Piedade – RENSP e Região Conceição – RENSC) sendo que 135 responderam a presente pesquisa, representando 51% do total. (Pereira, 2009)

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Portanto, cabe perguntar: o que acontece com um padre quando envelhece e se torna

emérito? Como ele se sente? Onde ele mora? Ele precisa de algum tipo de assistência? E

quem cuida dele?

No aspecto da organização familiar, as famílias estão diminuindo, porém o percentual

de idosos dentro das mesmas tem aumentado, principalmente na zona rural. Na população

urbana, houve um aumento de idosos que moram sozinhos, fato notável entre os padres e

bispos idosos seculares da igreja católica.

Com a diminuição do número de sacerdotes no mundo e, ainda, com o aumento da

média de idade dos padres ativos – entre 50 e 60 anos – percebe-se que os padres estão

vivendo mais tempo, as dioceses em todo o mundo estão enfrentando a questão de como

cuidar de seus sacerdotes idosos.

Após a sua emeritude, muitos padres continuam a viver em suas paróquias e, muitas

vezes, ainda ajudam nas atividades paroquiais. Outros moram em casas próprias, na mesma

paróquia ou voltam para suas cidades de origem. Há também os que possuem poucos vínculos

pessoais e familiares e se encontram fragilizados e com opções limitadas. Enfim, trata-se de

uma problemática interessante e desafiadora.

Dentro da Arquidiocese de Belo Horizonte, onde foi realizada uma pesquisa sob a

orientação do Doutor William Castilho, a questão da moradia do clérigo idoso foi bem

discutida e os dados obtidos ilustram bem essa problemática. O gráfico abaixo demonstra o

fato, mas, para melhor entendê-lo, é importante dizer que o universo dos padres diocesanos da

Arquidiocese de Belo Horizonte é de 268 clérigos que atuam em quatro Regiões Episcopais

(Região Esperança - RENSE, Região Aparecida – RENSA, Região Piedade – RENSP e

Região Conceição – RENSC), sendo que 135 clérigos responderam à pesquisa, o que

representa 51% do total. O gráfico 5 mostra os dados obtidos quando questionou-se sobre a

concordância, ou não, de casas específicas para padres e bispos idosos.

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Gráfico 5: Você é a favor de que a Arquidiocese possua uma casa para a residência dos padres Idosos?

Fonte: PEREIRA, 2009.

Mas quando os mesmos foram questionados sobre o futuro, sobre se iriam morar

nessas casas, os gráficos se alteraram, mostrando que quando se trata da própria subjetividade,

sobre pensar o próprio processo de envelhecimento, outras variáveis são acionadas, como

mostra o gráfico 6 abaixo:

Gráfico 6: Caso isso se concretize, você iria, no futuro, lá residir?

Fonte: PEREIRA, 2009.

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As instituições que normalmente abrigam pessoas idosas são classicamente chamadas

de asilos ou albergues. Os idosos são neles recolhidos por não terem parentes que os assistam

ou porque seus familiares não podem ou não querem cuidar dos mesmos.

Por sua conotação pejorativa de abandono, de pobreza ou rejeição familiar, as

denominações de asilo e albergue têm sido substituídas por outras mais eufêmicas, como

“Casa dos idosos”, “Lar dos idosos", etc. Dentro de algumas dioceses e arquidioceses,

existem algumas casas para abrigar clérigos idosos. (PEREIRA, 2009, p. 26)

Na verdade, a maioria dos residentes são clérigos que necessitam de ajuda para manter

as atividades diárias, na maioria dos casos, estão doentes. Os clérigos idosos saudáveis

preferem outras opções de moradia. Um dos bispos entrevistados, que mora em Juiz de Fora,

chegou a relatar um pouco sobre essa opção de moradia:

Aqui na cidade existe uma casa para nós que já estamos velhos, eles me convidaram inúmeras vezes para ir morar lá, mas eu prefiro ficar aqui, se estivesse doente eu até iria para evitar amolação aqui na casa paroquial, mas eu tenho saúde, aqui eu tenho utilidade e posso ajudar lá eu fico olhando o tempo, não que o lugar seja ruim, lá é muito bonito aconchegante, gosto de ir para visitar, mas é só isso. (bispo I)

Ou seja, o modelo de moradia coletiva, no qual vários idosos, nesse caso clérigos

idosos, dividem um mesmo espaço, ainda é uma opção carregada de estereótipos pejorativos,

não é a escolha preferencial desses sujeitos.

Segundo Born (1996), muitos idosos encaram o processo de institucionalização como

perda de liberdade, abandono dos filhos, aproximação da morte, além da ansiedade quanto à

condução do tratamento pelos funcionários.

Como já foi colocado, o fenômeno do envelhecimento populacional é também

percebido dentro da igreja católica, segundo dados do CERIS. (Centro de Estatística Religiosa

e Investigações Sociais). A cúpula da Igreja Católica, no Brasil, envelheceu mais de nove anos

de 1960 a 2003. A média de idade dos bispos passou de 53,8 para 63 anos. A média de idade

dos padres também subiu, em média, 3,7 anos, passando de 46 anos, em 1960, para 49,7 anos,

em 2000.

Segundo uma pesquisa realizada por Vallely (2009), nos Estados Unidos, a igreja

católica tem perdido cerca de 130 padres por ano. Destes, a maioria se torna emérito ou morre

e um quinto deixa a igreja por motivos particulares. A média de idade dos padres atuantes é de

60 anos.

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Diante do processo de envelhecimento dos padres da Igreja católica, associado à

diminuição do número de jovens interessados na vocação religiosa, muitos países europeus e

estados americanos sofrem com a escassez de sacerdotes. Assim, muitos padres, já na

emeritude, são convidados a permanecer em suas funções, por não terem substitutos. Cabe

ressaltar que não se encontraram registros desse processo no Brasil, o que pode estar

associado ao fato de este ser, no momento, o maior país católico do mundo, mesmo diante do

avanço dos movimentos protestantes pentecostais.

4.3 Processos psicossociais da velhice

Antes da discussão sobre o processo de envelhecimento associado à emeritude, faz-se

necessário começar pelo próprio conceito de envelhecimento e velhice. Tornar-se velho, o

que seria isso? Um corpo transpassado pelo tempo, que incide sobre ele suas marcas? Um

acumular de memórias, de experiências? Uma espera pela morte? Melhor Idade? Um

recomeço ou um fim? Esses questionamentos demonstram o envelhecer é um processo de

subjetivação.

Papáleo Netto (2002) organiza a noção de envelhecimento perpassada por fatores que

ultrapassam a dimensão genética ou biológica. A gerontologia pressupõe o envelhecimento

com uma base genética, na qual atuam com intensidades variadas os fatores extrínsecos

(estilos de vida), psicossociais (culturais, sociais, psíquicos e econômicos) e ambientais. Esses

três fatores determinam o envelhecimento orgânico que, por sua vez, causa alterações

funcionais, celulares e moleculares, que diminuem a capacidade de homeostasia, o que

predispõe o corpo ao adoecimento.

O mesmo autor define o envelhecimento como processo e a velhice como fase da vida,

e idoso ou velho como o resultado final, ou seja, idoso ou velho é o resultado do

envelhecimento ou da velhice. Nessa perspectiva, a morte pode ser entendida como o

resultado final do envelhecimento, entendendo que o mesmo começa na concepção. Desta

forma, o envelhecimento, às vezes, é entendido como um contínuo, em outras, é momento de

declínio do corpo.

Cabe ressaltar que, para demonstrar uma visão menos estereotipada da velhice, o

termo “idoso” foi adotado para caracterizar tanto a população envelhecida em geral, como

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aquela mais favorecida. A partir de então, os “problemas dos velhos” passaram a ser vistos

como “necessidades dos idosos” (Peixoto, 1998). Por outro lado, Neri & Freire (2000)

colocam que a substituição dos termos velhos ou velhice por idosos e melhor idade já indica

preconceito, pois, caso contrário, essa troca de palavras não seria necessária. Sem falar do

termo “terceira idade”, cunhado nos anos 60, para designar a idade em que as pessoas se

apresentariam entre a vida adulta e a velhice (NERI & FREIRE, 2000, p. 13). Esta distinção

também traz uma dose de conotação negativa ao termo velhice, porque se compreende que

quem está na “terceira idade” ainda não é velho. Porém, ao mesmo tempo, fornece uma visão

mais benéfica para as pessoas que se encontram com 60 anos ou mais. Essa é a idade que a

ONU (Organização das Nações Unidas) define como o início da velhice nos países em

desenvolvimento, elevada aos 65 anos nos países desenvolvidos.

Em face desses preconceitos, estabeleceram-se conceitos sobre os termos velho, idoso

e terceira idade. “Velho” ou “idoso” referem-se a pessoas idosas, na média de 60 anos;

“velhice” seria a última fase da existência humana e “envelhecimento” atrelado às mudanças

físicas, psicológicas e sociais (NERI & FREIRE, 2000).

Há ainda outras metáforas acerca do envelhecimento como, por exemplo,

“amadurecer” e “maturidade”, que significam a sucessão de mudanças ocorridas no

organismo e a obtenção de papéis sociais, respectivamente (NERI & FREIRE, 2000).

Como os conceitos são criados para operacionalizar a realidade, eles então são uma

espécie de ferramenta social e cultural:

Em seu movimento de intercessão os conceitos são imediatamente ferramentas, porque se constroem num certo regime de forças. Não são abstratos, não são dados, não são preexistentes. Eles compõem, o tempo todo, um sistema aberto relacionado a circunstâncias, e não mais a essências. É por isso que dizemos que precisamos inventar conceitos, criar conceitos que tenham necessidade. Cada conceito se relaciona a um determinado conjunto de forças, ele é parte de um plano onde fluxos diversos se atravessam. (PASSOS e BARROS, 2000, p.77).

Assim, todos os conceitos atrelados à velhice precisam ser analisados de forma

contextualizada, desde a sua formulação e utilização social. Por exemplo, quando se fala

velho ou idoso, qual o valor atribuído a cada um desses conceitos para cada sujeito, na sua

singularidade?

Cabe ressaltar que idade cronológica é somente uma forma de periodização do curso

da vida, não é um dado natural, não corresponde à estrutura biológica, é uma categoria

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construída historicamente e flexível, muitas vezes criada para estabelecer uma espécie de

marcação social.

Quando se fala de processos de envelhecimento, existem variáveis que são comuns a

todos os idosos. Por vezes, são aquelas restritas ao campo fisiológico, os cabelos brancos, a

pele que perde a sua viscosidade, movimentos calmos, entre outros. Mas existem outras

varáveis da velhice que são vivenciadas das mais distintas formas por diferentes sujeitos, ou

mesmo pelos mesmos sujeitos, em distintos momentos da sua trajetória de vida.

Portanto, quanto aos aspectos psicossociais da velhice, pode-se desdobrá-la em

diversas variáveis associadas a modificações afetivas e cognitivas, tais como: os efeitos

fisiológicos do envelhecimento; consciência da aproximação do fim da vida; suspensão da

atividade profissional pela aposentadoria: sensação de inutilidade; solidão; afastamento de

pessoas de outras faixas etárias; segregação familiar; dificuldade econômica; declínio no

prestígio social; e outras. Ou seja, o envelhecimento é um processo multifatorial e

heterogêneo. Assim, nota-se que existe não uma velhice, mas várias velhices.

A Psicanálise, por exemplo, vai dizer que o tempo cronológico não existe para o

inconsciente, pois este é atemporal, uma realidade não material sustentada pelo desejo e pela

fantasia. Freud (1976) coloca a questão em seu texto sobre o inconsciente de 1915.

Os Processos do sistema Ics. são intehporais; isto é, não são ordenados temporalmente, não se alteram com a passagem do tempo; não têm absolutamente qualquer referência ao tempo. A referência ao tempo vincula-se, mais uma vez, ao trabalho do sistema Cs. (FREUD, 1976, p. 214)

Dessa forma, quando se aborda a questão do tempo ligado à velhice e aos processos de

envelhecimento, à luz da psicanálise, também se pode inferir que cada sujeito envelhece a seu

modo e que esse processo está relacionado a questões que ultrapassam as variáveis biológicas.

Enquanto a concepção gerontológica social se atém simplesmente ao real do corpo biológico ou ao real do tempo cronológico, a psicanálise permite dizer que não existe uma velhice natural – cada um envelhece apenas de seu próprio modo. Mesmo que exista um corpo que envelhece e uma pessoa que se torna idosa, esse “destino pessoal” traçado na velhice é completamente singular. (DIAS, 2005, p.195).

Segundo a psicanalista Ângela Mucida, o envelhecimento é um processo que impõe

uma alteração na posição do sujeito e cada um responderá a essa alteração segundo sua

capacidade de reserva nas suas dimensões físicas e psicossociais, sendo que o envelhecimento

não é visto como um evento restrito ao idoso e à velhice, o envelhecimento é o tempo que

avança, fato sentido desde o recém-nascido até o ancião. Porém, por vezes, só se atribui o

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envelhecer ao período da vida denominado velhice, ou seja, o velho é sempre o outro,

negligenciam-se a temporalidade, as perdas.

A velhice apenas atualiza a problemática da castração, a partir do luto do que se foi e do que se é. E na seqüência ela inscreveria uma alteração significativa do narcisismo: luta entre o investimento em si mesmo e o desinvestimentos que se abre à morte. (MUCIDA, 2004, p.97)

Quando perguntado sobre como enxerga o próprio processo de velhice, um dos

entrevistados ilustra na sua fala o que a psicanálise coloca, quando afirma que o sujeito do

inconsciente é atemporal e não envelhece.

Na verdade, esse negócio de velhice é uma coisa muito complicada. Teve um momento na minha vida que eu estava bem mais novo e me sentia velho, eu estava desgostoso e não via graça em quase nada, parecia que eu tinha 90 anos, o engraçado é que estou quase chegando aos noventa e, às vezes, só me lembro que estou velho, quando tento me abaixar e dói a minha coluna. (Padre II).

Para além do seu aspecto múltiplo, a velhice é, como já foi dito anteriormente, um

conceito socialmente construído. Segundo Beauvoir (1990), atualmente, não se pode

caracterizar a velhice como uma idade privilegiada e/ou prestigiada desta época, mas, mesmo

assim, percebe-se que os sentimentos em relação às pessoas nessa fase da vida foram também

se modificando durante os séculos. Entre os séculos XVI e XVIII, havia a noção do ancião em

decrepitude, no século XIX a noção era do ancião respeitado, prudente e portador de

experiências para manifestar sábios conselhos. Na segunda metade do século XIX, a velhice

passa a ser objeto de discurso das ciências biológicas e adquire os locais para seu tratamento,

como algo disfuncional. (DEPRERT, 1999).

Desde o nascimento, a vida se desenvolve de tal forma que a idade cronológica passa a

se definir pelo tempo que avança. O homem e o tempo se influenciam mutuamente e

produzem profundas mudanças nas subjetividades e diferentes representações que lhe

permitam lidar com a questão temporal (GOLDFARB, 1998).

As limitações corporais e a consciência da temporalidade passam a ser problemáticas

fundamentais no processo do envelhecimento humano, e aparecem de forma reiterada no

discurso dos idosos, embora possam adquirir diferentes nuanças e intensidades, dependendo

da sua situação social e da própria estrutura psíquica (GOLDFARB, 1998). Corpo e tempo se

entrecruzam no devir do envelhecimento e, como consequência disso, nascem as diversas

velhices e suas respectivas múltiplas representações singulares.

Entretanto, se cada pessoa tem a sua velhice particular, a velhice passa a ser incontável

e a definição do próprio termo torna-se um impasse. Afinal, uma pessoa é velha, tendo como

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referencial algum tipo de declínio orgânico, ou são as maneiras pelas quais as outras pessoas

passam a encará-las que as confinam num reduto denominado “terceira idade”? E quando uma

pessoa se torna velha? Há uma idade ou um intervalo específico para a “terceira idade”? O

que se percebe, então, é a impossibilidade de se estabelecer uma definição ampla e aceitável

em relação ao envelhecimento (VERAS, 1994). Percebe-se atualmente que os referenciais

sobre a terceira idade e tudo o que se supunha saber são insuficientes para definir o que

atualmente se concebe como velhice ou, como preferem alguns, “terceira idade”, discussão

cada vez mais notada no cenário mundial e brasileiro. Debert (1999) coloca a questão da

seguinte maneira:

As novas imagens e as formas contemporâneas de gestão da velhice, no contexto brasileiro, são ativas na revisão dos estereótipos pelos quais o envelhecimento é tratado, desestabilizando imagens culturais tradicionais. As novas imagens oferecem um quadro mais positivo do envelhecimento que passa a ser concebido como uma experiência heterogênea em que a doença física e o declínio mental, considerados fenômenos naturais neste estágio de vida, são redefinidos como quadros gerais que afetam todas as fases do desenvolvimento humano, possibilitando a abertura de espaços para que novas experiências de envelhecimento pudessem ser vividas coletivamente. Neles é possível buscar a auto-expressão e explorar identidades de um modo que antes era exclusivo da juventude. Esses espaços estão sendo ocupados rapidamente pelos mais velhos. (DEBERT, 1999, p.66)

Ainda sobre a velhice, além do termo envelhecimento, existe outro termo cunhado por

Berlinck (2000), usado para se discutir o envelhecimento para além dos limites fisiológicos e

estatísticos, que é o termo envelhescência.

A envelhescência é um significante como o ato falho, o sonho ou o dito espirituoso. Talvez seja até mais do que isso, pois supõe necessariamente um trabalho do eu, enquanto o sonho, o ato falho, o dito espirituoso, podem se resumir num sintoma que se repete interminavelmente sem produzir um efeito de subjetivação, a envelhescência é um ato de subjetivação. (BERLINNCK, 2000, p. 278).

Percebe-se, mais uma vez então, que se pode enxergar a velhice não somente como

uma fase do desenvolvimento do sujeito, mas também como um período em que o sujeito

pode criar e recriar a sua vida e a própria velhice, a sua relação com tempo e suas memórias, o

que possibilita tornar a mesma ou numa experiência enriquecedora da subjetividade ou em

algo destruidor, alienante.

No caso do conceito de envelhescência, a velhice é entendida como um processo que

vai para além do processo de envelhecer, visto como um fato universal estabelecido por um

dado biológico elementar, ela é vivida por cada sujeito de maneira particular. É o que se vê na

fala de um dos bispos:

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Quando me aposentei, pensei que teria muito tempo livre e na verdade acabei não tendo. Na idade que tenho, eu não consigo fazer muitas coisas e nem com tanta rapidez, porém, eu tenho a liberdade de usar esse tempo da maneira que eu quero. Hoje, por exemplo, eu trabalho tanto quanto outros padres e até mais, mas tudo que eu faço eu escolho por fazer, faço por gostar de fazer, sabendo que, no dia que eu não mais quiser fazer, eu posso parar ou mudar. (Bispo II)

Quando se pensa o envelhecimento dentro de um recorte específico, que no presente

estudo são os padres e bispos eméritos, a dimensão multifatorial da velhice fica ainda mais

complexa. Os autores abaixo colocam a situação da seguinte forma:

Durante a velhice, as pessoas em geral têm um tempo livre aumentado, quando comparado com outras fases da vida. Este tempo livre deve ser ocupado por atividades de lazer benéficas e saudáveis. Indivíduos idosos com vida dedicada à religião são, em sua maioria, originária da zona rural e da classe média baixa. Durante a sua formação religiosa, os padres residem ao menos quatro anos no Seminário, onde ocorre um restrito contato com a sociedade em geral. Sabe-se que eles possuem hábitos da vida bem peculiares, pois dedicam grande parte do seu dia à comunidade, à meditação e à oração. Sabe-se também que indivíduos que optam pela vida religiosa devem ser disciplinados, desprovidos de vaidade, evitar o individualismo, a competição, o consumismo, aceitar a vida longe da família e as privações que os votos lhe impõem. Porém, pouco se conhece sobre o perfil do estilo de vida desta população, sobre a sua relação com hábitos saudáveis de vida, com exercício físico e o próprio envelhecimento. (MIRANDA & GUIMARÃES, 2007, p.34)

Segundo a religiosa e psicanalista Irmã Maruzania Soares Dias, existem religiosos

idosos que, na velhice, administram seus conflitos, suas perdas e a realidade do

envelhecimento do corpo com tranquilidade, enquanto outros têm nessa fase a erupção de

conflitos adormecidos, muitas vezes movidos pela pulsão de morte. A mesma autora chega a

ilustrar, com falas de religiosas, a questão exposta acima. A seguinte fala de uma irmã idosa a

sua co-irma demonstra o fato:

“Já não tenho mais pais e nem irmãos, então posso morrer.”... “Eu digo mesmo para toda formanda que vem aqui: saia dessa vida enquanto você é nova, case. Eu só estou aqui por que estou velha, essa vida não vale a pena”. É a frustração em sua forma crua, a pulsão de morte em ação. (DIAS, 2005, p. 198)

Segundo a mesma autora, existem outros religiosos que, diante da velhice, deixam

transparecer as manifestações da pulsão de vida. Normalmente são religiosos que viveram seu

compromisso com a escolha de vida de uma forma bem elaborada, atualizada sempre. Este

outro fragmento pode ilustrar:

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Uma irmã de 101 anos é um exemplo vivo do quanto se pode desejar e manter projetos, construir uma vida mais integrada independente da idade “Nos últimos anos minhas pernas não tem mais força, mas tenho forças nos braços, minha cabeça está boa, posso criar muitas coisas”. (DIAS, 2005, p. 199)

Por fim, segundo a autora, existem nas comunidades religiosas exemplos diversos de

idosos que regridem porque estão desanimados e não encontram criatividade para reinventar

suas vidas com as possibilidades de que dispõem. Mas também há idosos que conseguem

administrar essa etapa de vida com criatividade. Se não conseguem mais trabalhar como antes,

fazem aquilo que é possível.

No caso dos entrevistados por esta pesquisa, todos têm mais de 75 anos, ou seja, são

todos padres e bispos idosos, com um bom tempo de experiência diante da velhice, e se nota a

multiplicidade dessa vivência enquanto processo singular, ao qual a autora citada acima se

refere.

Os desdobramentos psicossociais da velhice com todos os seus estereótipos e

particularidades também são percebidos entre os padres e bispos eméritos. A palavra velho,

por exemplo, normalmente é empregada com preconceito, sendo considerada, por vezes,

pejorativa. Um dos nossos entrevistados colocou a seguinte posição, quando questionado

sobre sua velhice.

“... Por isso, me considero um jovem, cheio de vida e entusiasmo, apesar de saber que sou velho, eu sei que estou velho, me olho no espelho, mas não é assim que eu me sinto” (Padre II)

Qual conotação está por trás do uso da palavra jovem e velho para esse padre que

atribuiu o sentido de velho ao conjunto de modificações do corpo, e jovem ao “estado de

espírito”, tal como se percebe afetivamente? As oposições entre o “Jovem velho” e o “Velho

jovem” podem ser entendidas com uma forma simbólica de fazer laço entre indivíduos, o que

cria uma distinção em um mundo cada vez mais sem fronteiras e, dessa forma, favorece o viés

heterogêneo da velhice. O padre acima poderia dizer que, mesmo sabendo que é velho, atribui

a si mesmo a posição de jovem, na tentativa que distinguir sua velhice (bem sucedida) do

conceito de velhice estereotipada negativamente.

Às vezes, a velhice é encarada como um momento de aceitação e espera, momento de

quietude, como se pode ver na fala de um dos entrevistados:

Eu me vejo realizado, sou realizado, não tenho muitas pretensões, a idade também não ajuda mais, não é fase de desejar muita coisa a mais, a gente tem muitas limitações, limitação de força física, a saúde, às vezes, não ajuda muito, vai se

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envelhecendo, como se diz, ficando mais fraco. A realização eu tenho, porque minha vocação era essa mesmo, então sou realizado, cumpri minha missão, tenho muita amizade, graças a Deus, mais esse trabalho todo que eu tenho por aí afora, agora é só descansar e esperar. (padre II)

Outros entendem a velhice como uma possibilidade de reinvenção, principalmente

após a aposentadoria, pois na desobrigação das atividades diocesanas e paroquiais encontram

inspiração e campo fecundo para novas posições. A fala a seguir ilustra o fato:

Não, velhice é muito subjetiva, por que a vida continua. Mesmo quando idoso, eu, por exemplo, aprendi a pintar depois de aposentado, pintei até a catedral de Caratinga. O quadro fica lá no seminário. Dizem que nosso mundo interior é como um jardim florido, mas essas flores são a graça de Deus, eu ainda preciso colher muitas flores e ajudar os outros a encontrar a graça de Deus em seus corações, seja como padre ou como pintor, na verdade padre pintor, por que não? (padre V).

Entre os clérigos, também observamos a heterogeneidade da experiência de velhice.

Alguns sujeitos encaram a mesma de forma natural e adaptativa, como se pode ver na

colocação de uma dos entrevistados:

A velhice é uma fase como outra qualquer, natural, e que deveria ser vista dessa forma, e não de forma preconceituosa e temível. Percebo que hoje existe um medo de envelhecer, como se fosse algo anormal, penso que a velhice tem suas vantagens e desvantagens como qualquer outra fase da vida, o pulo do gato é aproveitar as vantagens e tentar dar uma volta nas desvantagens. (Padre IV).

Outros encaram a velhice como um processo patológico, disfuncional. De acordo com

Britto da Motta (2004), encarar a velhice com preconceito é uma posição relativamente

naturalizada, culturalmente disseminada, normalmente atrelada a características do tipo:

ultrapassado, inútil, com idade avançada, enrugado, de aparência asquerosa e de movimentos

lentos.

Ao ser questionado sobre a velhice, um dos padres colocou:

Não me considero um velho, dizem que velho é um trapo inútil, então para mim é apenas uma etapa da vida que devemos ter coragem para aceita-la. No meu envelhecimento, não gosto dessa palavra, passa uma idéia de acabamento, de destruição. (padre V)

Outro padre fala da sua visão acerca da velhice e em especial da sua velhice, com uma

conotação esperançosa e otimista, levantando traços compensatórios e gratificantes, como se

pode notar na fala recortada abaixo:

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Então envelhecer traz algumas coisas interessantes. Hoje, por ter cultivado amigos, eu não me sinto sozinho, às vezes, quando eu era mais jovem, ficava imaginando como seria quando ficasse idoso, com quem eu moraria, se precisasse de ajuda, quem estaria comigo, mas hoje, vejo que estou bem, muito bem amparado. Além disso, a gente adquire uma certa experiência e isso acaba te dando uma prática que compensa o fato de você não conseguir fazer as coisas de forma rápida como antes. (padre IV)

Pode-se constatar uma face relativamente positiva do modo de vida pós-moderno, um

lado gratificante que não só permite, mas estimula a variabilidade e a diferença entre os

sujeitos. Por que não os sujeitos velhos, padres e eméritos? Um bispo, ao falar sobre a

velhice, expressou bem essa idéia:

Olha como já disse, se eu não me lembrar e não olhar no espelho, não lembraria que sou velho. Nesta fase da minha vida, minha cabeça está pensando maravilhosamente bem. Eu sou músico e minhas composições nunca foram tão belas como agora, nem tive tanto prazer em trabalhá-las como hoje. A velhice seja lá o que isso signifique, de alguma forma apurou meus sentidos e hoje sou capaz de transmitir isso nas canções, eu posso ser tudo ao mesmo tempo, músico, poeta, canoísta, bispo, é uma maravilha chegar a esse ponto da vida sabendo manejar tudo isso com saúde e disposição. (Bispo II)

Ao longo desse capítulo, já se mencionou a necessidade dos idosos em transmitir suas

experiências e conhecimentos. Na vivência dos padres e bispos eméritos, também se

percebem as mesmas necessidades.

Quanto à questão da transmissão, um dos padres colocou,

Eu acumulei muitas experiências, principalmente com a tipografia, ao longo dos anos. O trabalho burocrático da cúria e da gráfica, graças a Deus, não ficará só comigo, tem um seminarista que se interessou pela coisa e com ele estou tendo a possibilidade de transmitir tudo, me sinto aliviado, seria muito ruim levar tudo comigo e não deixar nada acho que isso impede que eu tenha a sensação de estar parado, não me sinto assim, momento algum. (Padre I)

Então, infere-se que, nessa perspectiva, o idoso, ao relatar uma experiência por meio

da memória ativada, divulga a sua própria imagem e relaciona o tempo da experiência vivida

com o tempo da experiência da transmissão:

Após me aposentar, eu publiquei um livro contando os meus “causos”, é de morrer de rir. Ao longo da minha vida, eu sempre carregava um caderninho que servia de diário e anotava tudo que era interessante. Depois de velho, veja só, acabei publicando, no final acabei gostando, não deixa de ser uma forma de ser lembrado, eu vou passar, mas o livro permanece. (Padre II).

Para Beauvoir (1990), a velhice se dá numa relação entre o que se é para o outro e a

consciência de si mesmo que advém por intermédio do outro, é aquilo que se é para o outro,

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um processo que pode ser entendido como tornar-se velho a partir do reconhecimento do

outro como tal. Argumento pertinente que também se encontra no discurso dos entrevistados.

Tenho, por onde eu passei, deixei muita amizade. Uma das provas é que existem quase trezentas crianças com o meu nome, na região toda por onde eu passei. As crianças que os pais gostavam de mim, do meu nome talvez, depois colocavam, o pai conhece o padre, até hoje existe isso, pessoas vêm e me falam: “coloquei o nome por causa de você”, sinal de amizade, homenagem, eu fico satisfeito porque encontrar alguém que valorizou o trabalho da gente acho que é importante isso. (padre II)

Beauvoir (1990) faz outra colocação quanto à realidade humana. Segundo ela, “O

existir para a realidade humana é temporalizar-se, porque o tempo para o idoso é o passado,

o velho solidariza-se com o passado.” (BEAUVOIR, 1990, p.122). Isso é fácil de perceber no

discurso de um idoso, pelo uso de frases como “No meu tempo...”. Normalmente, esse tempo

reportado pelo idoso é o tempo da produção, tempo do corpo animado por projetos, por

atividades, aquele em que se sentia mais produtivo e adaptado.

Foi bom, porque me descansou bastante, minha paróquia é muito grande, eu cuidava de 30 capelas, viajava a cavalo, daqui até no Rio Doce, passava por Ipaba, na ponte metálica, Quartel do Sacramento, era muito difícil porque era a cavalo, hoje tem mais facilidade, hoje o padre está em um mar de rosas, porque tem muita facilidade, já ordena com um carro na porta da casa paroquial, eu tinha que celebrar a pé, a cavalo, com chuva, sem chuva. Era muito mais difícil, a gente andava a cavalo de batina, guarda-pó, muita coisa, hoje está tudo tranqüilo, o padre possui conforto e liberdade, queria ver ser padre no meu tempo. (Padre II)

Para o entendimento desse estudo, a velhice não se dá numa lógica determinada

somente pelo viés do desenvolvimento humano, mas pelo viés de um processo de

subjetivação, dado na singularidade de cada idoso. É a vivência subjetiva que fornece o

conceito de velhice a cada sujeito, o ser, ou não, velho, uma velhice auto-percebida. Uma fala

interessante de um dos bispos eméritos cabe muito bem neste momento:

Às vezes, eu me vejo fazendo algumas coisas e logo pesando: “meu Deus eu tenho 84 anos”, e começo a rir, pois sinceramente se não me lembrar, eu não me vejo com a idade que tenho, eu corro, acordo 6:00 e vou dormir as 23:00, não durmo durante o dia, não tomo remédio algum, não tenho restrição alimentar, então, se distrair, eu nem me lembro que já passou tanto tempo assim. (Bispo II)

Apesar do avanço de pesquisas acerca dos processos de envelhecimento, falar de

velhice ainda incomoda muitos pesquisadores e leigos, porque expõe o limite aos quais todos

nós somos submetidos, a constatação de que a vida é transitória, de que temos um tempo para

existir. Falar da velhice desacomoda a ideia de imutabilidade, desacomoda as ideias e as

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certezas nas quais todo sujeito se reconhece. A velhice é um momento marcado pela vivência

da finitude, em que a fantasia de eternidade encontra um limite.

No senso comum, vemos que a vivência da juventude é marcada pela ilusão de um

tempo indefinido para se obterem e realizar projetos e sonhos, porém, tal ilusão altera-se com

a velhice. A constatação surge diante do encontro com o irremediável, que, por vezes, é

vivenciado em contextos tais como: menopausa, mudanças corporais e também emeritude.

4.4 Velhice e emeritude

Por mais que a aposentadoria tenha sido atrelada a contextos negativos, sempre

associada a perdas, pode-se entender a questão sobre outro ponto de vista. A aposentadoria

tem sido repensada como um possível marco de ampliação das trajetórias de vida. Por seu

potencial desafiador dos recursos atuais ou latentes de adaptação, a aposentadoria, no cenário

dos leigos, significaria um ponto de transição para um desenvolvimento positivo de outros

domínios da vida, tais como o social, o familiar, cognitivo ou mesmo emocional

(LACHMAN, 1996). Para os clérigos, o que eles entendem por aposentadoria é, na verdade, a

chamada emeritude, a renúncia ao ofício de pároco ou bispo diocesano. Porém, identificam-se

processos semelhantes aos que acontecem com os leigos na aposentadoria convencional.

A velhice, em seus diferentes desdobramentos, está também intimamente ligada aos

conceitos de trabalho e aposentadoria ou, no caso estudado, emeritude. Esses últimos

conceitos foram discutidos no capítulo II desta dissertação, momento do texto dedicado a

explanações da vivência afetiva e psicológica da emeritude dos clérigos seculares, relacionada

à experiência da velhice.

Para melhor compreender esses estudos, é relevante explicitar que a ruptura com o

mercado do trabalho está conectada ao avanço da idade, mas também a uma forma de

estrutura social dos meios de produção, especialmente nos rearranjos advindos da demanda e

distribuição de postos de trabalho. A velhice não possui um marco inicial claro como

encontramos, por exemplo, na adolescência, nesta fase o marco inicial é a puberdade. Na

velhice, culturalmente, podemos enxergar a emeritude como um dos marcadores sociais de

confirmação da velhice para a igreja frente aos seus clérigos.

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A aposentadoria decreta funcionalmente a velhice, ainda que o indivíduo não seja velho sob o ponto de vista biológico (...) é uma forma de produzir a rotatividade de mão-de-obra no trabalho, pela troca de gerações. (SALGADO, 1997, p.297).

No caso dos clérigos, quando eles chegam à idade de 75 anos e passam à posição de

Eméritos, esta questão já está normalmente acomodada subjetivamente, já que, pelo INSS, os

mesmos já são aposentados há pelo menos 10 anos. Porém, no momento da aposentadoria dos

padres e bispos, os mesmos continuam trabalhando, ou seja, a saída do mercado de trabalho,

por vezes, sentida negativamente pelos trabalhadores leigos, passa como que despercebida

pelos clérigos. Já quando se aproxima a entrada na emeritude, pode-se perceber certa

confirmação da velhice, anunciada anos atrás, por meio da vivência formal da renúncia a um

ofício de uma responsabilidade institucional.

No extremo, a emeritude é vista como uma interrupção da vida na instituição e frente à

sociedade, porém posições mais brandas passam a enxerga-lá como um momento de

reposicionamento na estrutura social, que em alguns casos reduz o sujeito a posições mais

desfavoráveis e, em outro, eleva o mesmo a posições confortáveis e prazerosas.

A melhor fase da vida como sacerdote é agora, com os meus mais de 90 anos, na verdade desde que me tornei bispo emérito. As obrigações institucionais e burocráticas de uma diocese enrijecem o espírito. Muitas vezes, redescobri o prazer de ser padre justamente na hora que a igreja me isentava da obrigação, engraçado não é? E pior, acho que, em alguns dias trabalho até mais que antes e com muita satisfação. (bispo I)

Ecléa Bosi (2005) traz a discussão sobre a relevância e a valorização da capacidade de

trabalho, de ser trabalhador, no contexto social contemporâneo, e chama a atenção para a

reflexão sobre o papel do velho, nesse contexto, como não-trabalhador, não-produtor de bens

e serviços. Ela introduz a idéia de aposentadoria disseminada como ausência de trabalho, fase

não-produtiva e com implicações nas trajetórias particulares dos sujeitos, já que as propostas

teóricas de discussão sobre o assunto, por vezes, não levam em consideração as implicações

subjetivas sobre o assunto.

A memória do trabalho é o sentido, é a justificativa de toda uma biografia. Quando o senhor Amadeo fecha a história de sua vida, que conselho ele dá? De tolerância pra os velhos, tolerância até para os mesmos que se transviaram na juventude, pois eles também trabalharam. (BOSI, 2005, p.399).

Nessa perspectiva, algumas investigações preocupam-se em situar o lugar dos idosos

na estrutura social produtiva, centrando as análises na questão da ruptura com o mundo

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produtivo do mercado de trabalho, especificamente, na questão da aposentadoria. Nesse

momento, a velhice passa a ser delimitada não mais pelas transformações fisiológicas, mas

por um advento social, a aposentadoria, na qual o indivíduo passa pela transposição da

categoria de trabalhador para ex-trabalhador; de produtivo para improdutivo; de cidadão ativo

para inativo. Observa-se um processo de generalização da aposentadoria, que, de acordo com

Salgado (1997, p. 234), (...) “cria um princípio de identidade para a velhice, definindo esse

tempo da vida pela inatividade”. Apesar de o tema ser a aposentadoria, a discussão pode ser

pensada também no caso dos eméritos.

Todavia, inatividade, aqui, pode ser entendida como o afastamento das atividades

formais, institucionalizadas. Não se pode extrapolar o mesmo raciocínio para a atividade

entendida como todo processo de transformação da natureza e de si mesmo, trabalhada no

capítulo II. A atividade é vida, o trabalho é vida. Um dos bispos entrevistados colocou a

seguinte fala: “Quero trabalhar até a morte. Atividade é vida e quem tem vida trabalha”

(Bispo I).

A ausência de um conceito fechado e definido sobre o trabalho permite que diferentes

atividades sejam classificadas como tais, e são as experiências subjetivas ancoradas nas

representações coletivas do contexto sócio-cultural que determinam estas qualificações.

Portanto, ao evocar o trabalho para qualificar uma diversidade de atividades realizadas, em

oposição ao ócio, pode-se pensar que o trabalho continua, mesmo diante da aposentadoria,

configurando um sentido de utilidade e inserção social.

O que se constata é a ocorrência de uma "dupla aposentadoria" no plano subjetivo: a

primeira legal, por tempo de serviço, e a segunda, nem sempre com reconhecimento oficial,

mas determinada, em geral, pelos limites impostos pelo corpo (doença e/ou idade). E é aqui

que entram as variáveis ligadas à velhice, além do processo de exclusão do mundo do

trabalho.

A emeritude muitas vezes se configura como um espaço de preparação subjetiva para

o afastamento formal das obrigações de pároco ou de bispo diocesano. Ela tem valor

simbólico, pois coloca para o clérigo a possibilidade real de um mundo do não-trabalho

institucional, ou seja, o clérigo pode não mais se envolver com as atividades típicas de um

padre e se envolver com atividades semelhantes às dos leigos, como, por exemplo, dedicar-se

ao magistério. Essa preparação consiste em uma reorganização da vida familiar, novas

relações afetivas, novos espaços de convívio e de relacionamento fora do mundo do trabalho,

novas rotinas e até a diminuição gradativa da jornada laboral. Surgem os trabalhos

alternativos, os hobbies, as experiências em artes, que implicam autonomia com relação à

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organização do trabalho. A emeritude ganha, concretamente, o significado de ausência da

obrigação institucional, à medida que aumenta a idade cronológica e quando o fator doença se

apresenta associado. Ou seja, quando o trabalho se faz presente, mesmo sobre tais

circunstâncias, o atributo de valor que lhe é associada ganha em representatividade e garante

inserção social.

A velhice bem sucedida acontece para aquele que vê no amanhã a continuidade do trabalho de hoje, aquele que não fica à espera do descanso eterno, que vai à luta, que busca preencher os espaços da vida, que se vê como elemento útil da sociedade. Enfim, aquele que acredita e demonstra que tem experiências a serem relatadas e que, acima de tudo, é ainda capaz de grandes realizações. (GIUBILEI, 1993, p.47)

No entanto, o vínculo simbólico com o trabalho permanece através da identidade de

trabalhador que se mantém como referência, pois não se rompem os modelos de identificação

preservados pela memória e expressos pelo sufixo "ex" quando da identificação para dizer

quem é, o que se faz. No caso dos clérigos, isso fica mais evidente ainda, já que, sendo

emérito, o padre ou bispo ainda são padres e bispos. Nesse caso, em particular, não existe ex-

padre ou ex-bispo, no máximo ex-pároco.

O espaço de trabalho e as categorias profissionais, em geral associados a prestígio ou desprestígio social, proporcionam atributos de qualificação e desqualificação do eu. Nos casos em que a qualificação é de tal forma representativa, o prefixo ex é evocado para dar conta da identidade, quando da aposentadoria. (SANTOS, 1990, p.78).

Na vida religiosa, esse afastamento do trabalho ocorre de maneira muito peculiar,

primeiro porque ele não é total, como já foi mencionado. O exercício sacerdotal é uma

atividade para a vida toda, pode ser entendida como um modo de existência para estes

sujeitos. Quando o clérigo se torna Emérito, abandona os aspectos administrativos e

institucionais das posições de Pároco ou Bispo diocesano, e não a posição de sacerdote. Os

clérigos continuam sendo padres e bispos, como já anunciados anteriormente.

Já no mundo laico, há normalmente uma ruptura mais totalizante. Se o sujeito

trabalhava no banco, era um bancário e, de um dia para o outro, deixa de sê-lo. Ele pode até se

tornar professor de matemática, aproveitando suas habilidades desenvolvidas ao longo de

anos, mas bancário ele não é mais.

Quando o grupo de clérigos da arquidiocese de Belo Horizonte foi questionado sobre

se é a favor ou contra a aposentadoria compulsória, os resultados foram paradoxais, como

mostra o gráfico 7 abaixo:

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Gráfico 7: Caso Você é a favor do afastamento compulsório dos párocos e vigários idosos das suas

funções pastorais? Fonte: PEREIRA, 2009.

Segundo o coordenador da pesquisa, podem-se levantar algumas possibilidades, na

tentativa de entender a falta de consenso sobre o assunto. A primeira está ligada ao medo de

decidir, à experiência da finitude, à inatividade e até mesmo pode estar evidenciando uma

necessidade de discutir o assunto.

Após a emeritude, os padres e bispos experimentam vivências distintas. Em muitos

casos, há certo alívio advindo do processo de desobrigação institucional, não é comum a

sensação de perda, que facilmente é visualizada nos leigos, já que os padres e bispos

continuam sendo sacerdotes sem, no entanto, o peso da obrigação de uma paróquia ou de uma

diocese. O que se nota como sofrimento fica mais restrito aos desdobramentos da velhice, em

detrimento dos aspectos da emeritude.

Muitas vezes, o aumento abrupto do tempo livre decorrente da desobrigação do

trabalho formal faz crescerem, diretamente, as preocupações com a qualidade de vida desse

tempo livre, no sentido do desvio dos estereótipos sociais que afligem muitos idosos e os

rotulam como improdutivos e decadentes, no avanço da idade cronológica. Uma dessas

tentativas de desvio é ilustrada na fala abaixo:

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Eu hoje sou muito solicitado para fazer palestras, principalmente em retiros para religiosos, sou muito solicitado como consultor em direito canônico, além de todas as outras atividades típicas de um bispo. Na verdade, eu sou bispo normalmente, só não sou o responsável pelo pastoreio da diocese, isso já não me cabe, mas o resto continua igualzinho. (Bispo II)

Com maior acesso à informação e à participação ativa em diferentes contextos da

sociedade globalizada, o idoso vem tendo oportunidades, nos mais diversos âmbitos, de

ressignificar sua existência, sua aprendizagem, sua importância como cidadão detentor de

direitos e garantias legais, seu envelhecimento, sua própria velhice e os níveis de sua efetiva

participação na sociedade.

Com isso, os estereótipos ligados à inércia, sedentarismo, acomodação, tristeza,

indisposição, fadiga, dores sem fim, isolamento, depressão e falta de perspectivas diante da

velhice, paulatinamente, estão perdendo espaço para a crescente participação e adesão às

inúmeras oportunidades que são oferecidas ao segmento idoso, seja nos espaços públicos e/ou

privados, formal e/ou informal, mas principalmente pelo próprio movimento subjetivo da cada

um.

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5. CONCLUSÃO

O tema do presente estudo foi os processos psicossociais desencadeados pela entrada

dos clérigos seculares ou diocesanos na emeritude e na velhice. Nesse sentido, quando o

assunto começou a ser explorado, algumas variáveis relacionadas a esses processos foram

sendo colocadas pelos próprios clérigos participantes e foram ouvidas e observadas dentro

deste estudo, não só por meio dos conceitos teóricos abarcados, mas também no ritmo e no

formato que a presente investigação acabou configurando.

A questão da emeritude, no início, foi pensada em relação com o processo de

aposentadoria, com a ideia de afastamento das atividades sacerdotais. Mas, ao ouvir os

entrevistados, observou-se que alguns elementos precisam ser esclarecidos e contextualizados,

como por exemplo, a aposentadoria formal, ligada ao INSS (Instituto Nacional de Previdência

Social), situação já incorporada à vida dos padres eméritos pelo menos 10 anos antes da

entrada na emeritude, que ocorre, normalmente, após os 75 anos de idade. É importante

colocar que nem todos os clérigos recolhem contribuição junto ao INSS, ou seja, nem todos

são aposentados pelo INSS, mas neste estudo em particular, todos os participantes já estavam

aposentados por meio desta instituição.

A questão interessante desse processo é que os desdobramentos psicossociais,

normalmente vivenciados durante e após o processo de aposentadoria, não foram

reconhecidos nem descritos pelos entrevistados como inerentes à aposentadoria pelo INSS,

pois a ideia de ser aposentado surge para os clérigos somente a partir da entrada na emeritude.

É nesse momento que eles começam a situar as questões que foram mais interessantes para o

presente estudo. Como disse um dos bispos entrevistados:

Quando eu aposentei pelo INSS, foi até muito bom, agora eu tinha uma rendinha a mais no orçamento, mas aposentado mesmo a gente só é depois de velho mesmo, quando passa dos 75 anos e a igreja libera a gente para descansar, mais que merecido não é? (Bispo II)

Durante todo o processo de construção desta dissertação, tentou-se acompanhar o

relato dos entrevistados e construir um entendimento sobre o mesmo. A emeritude é, para os

padres e bispos seculares, o verdadeiro momento associado à aposentadoria, ela está

diretamente ligada a um momento de grandes possibilidades para o sujeito que, a partir daí,

tem a oportunidade de fazer novas escolhas ligadas ou não às atividades típicas de um clérigo.

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Percebe-se que essa escolha é sempre singularizada e que, para alguns dos sujeitos da

pesquisa, ela pode ser entendida como um momento de virada na trajetória de vida. Veja-se o

exemplo do padre V que, após a entrada na emeritude, começou a pintar telas e até a

comercializá-las, ou seja, inicia uma nova “profissão” aos 75 anos. Hoje, com 82, continua a

pintar e diz que, se pudesse, dedicar-se-ia integralmente a essa atividade. Esse padre, em

especial, quase não participa de atividades ligadas ao exercício sacerdotal, atualmente, na

diocese, limitando-se a exercer mais a nova atividade do que as antigas, ligadas à paróquia.

Já outros sacerdotes, como o Bispo I, após a emeritude, começam a se envolver de

forma mais implicada em atividades típicas de sacerdote, o que o levou a relatar que sua

melhor fase como Bispo começou após a emeritude. Sua justificativa era que, desobrigado das

atividades formais, ele poderia se dedicar àquelas de que ele mais gostava. Esse Bispo veio a

falecer no início deste ano, ainda atuante dentro da igreja, como ele mesmo afirmava, “Ainda

me dedico a coisas de igreja, a diferença é que não faço obrigado, faço porque quero.”

(Bispo I)

Observe-se que as atividades que chamamos de trabalho estão muito além das tarefas

formais, pois se referem ao fazer eminentemente humano, que configura o ser como social,

criador de cultura e de história. Como colocado nos capítulos teóricos deste estudo,

principalmente nas contribuições de autores como Marx: “trabalho é todos atividade do

homem sobre a natureza” (MARX, 1989), não se identificando, pois, em sua essência, com a

atividade assalariada. Ou seja, mesmo após a emeritude, mesmo diante de uma atividade

desvinculada daquilo que se fez durante anos, mesmo que o produto dessa atividade não seja

gerador de capital e renda, não se pode deixar de considerar que se está diante de uma

atividade definida como trabalho.

Clot (2006) coloca que o sentido de uma atividade qualquer extrapola o simples ato de

executá-la. Por meio do relato dos entrevistados, percebeu-se que o sentido de uma atividade

é dado verdadeiramente por quem a faz e que, quando existe a possibilidade de fazê-la

desobrigado, formalmente, diante da igreja, das atividades de pároco e de bispo diocesano,

cada clérigo se vê diante da possibilidade, ora de novas escolhas, ora de permanecer nas

mesmas atividades que o acompanharam durante toda uma vida como sacerdote. Em outros

casos, justamente quando existe dificuldade de novas escolhas, isto é, de novos trabalhos,

acontece a resignação, que leva a um processo depressivo, dado o sentimento de inutilidade,

solidão e não-reconhecimento.

Algumas questões, como a discussão acerca das mudanças que ocorreram dentro da

igreja, após o Concílio Vaticano II, influenciaram diretamente a posição e o exercício

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sacerdotal. Muitos dos entrevistados relataram esse período da igreja como crucial para rever

até mesmo a escolha pelo sacerdócio. A impressão que ficou foi de que esses clérigos fazem

parte de um grupo que resistiu e permaneceu dentro da igreja, ao contrário de muitos que não

conseguiram se adaptar às novas formas de exercício do sacerdócio.

Outro elemento que surge, ao longo do texto, é a questão da moradia dos Padres e

Bispos Eméritos, que, após a emeritude, veem-se no dilema de escolher onde morar. Entre os

entrevistados deste estudo, a maioria preferiu permanecer na última paróquia em que

trabalhou. A justificativa mais recorrente, dada por eles, é que nesses locais construíram

vínculos afetivos e sociais importantes e, neste momento de suas vidas, tornam-se essenciais

no processo da ruptura com a atividade formal de pároco ou bispo diocesano, bem como para

lidar com os processos de envelhecimento.

Quanto a essa outra categoria importante desta dissertação, ou seja, a velhice, pode-se

concluir que, assim como a aposentadoria somente é sentida após o processo de entrada na

emeritude, a velhice, enquanto processo reconhecido pelo sujeito, é também muito associada a

esse momento da vida. Ilustra-se essa afirmação com a fala de um dos entrevistados que,

quando questionado sobre como se vê na velhice, afirma:

Para falar a verdade, quando a gente ainda tem saúde e coisas para fazer, você pode ter cabelos brancos e rugas que, mesmo assim, não se sente idoso. A pior coisa da velhice é se sentir inútil é não ter com o que ocupar a cabeça. Eu, graças a Deus, não passei por essa tristeza, ainda faço um monte de coisas. (Padre IV).

Assim, nota-se que, diante da velhice, os entrevistados buscam se sentir ativos, por

meio do trabalho, seja ele ainda ligado às atividades de sacerdote ou a outras atividades em

que o sujeito se reconhece útil e que lhe fornecem certo prazer.

A velhice é vista de forma singular e os processos de envelhecimento são

heterogêneos. Cada padre e bispo se vê como velho ou não, de forma contextualizada. O

Bispo II relata que se não se olhar no espelho e lembrar da idade, ele quase esquece que é um

idoso. Já outros clérigos idosos se enxergam dentro da velhice, muitas vezes, pelas marcas de

fragilidade do corpo cansado e às vezes doente. O importante é perceber que a velhice é um

processo para além da dimensão biológica ou cronológica, ou seja, um processo sócio-

histórico e subjetivo.

Ao fazer a leitura do texto desta dissertação e das entrevistas realizadas, tendo como

referencial o desdobramento teórico associado ao relato dos participantes, pode-se, em alguns

momentos, ter a falsa impressão de que as questões relacionadas à emeritude e à velhice são,

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de certa forma, bem resolvidas e bem equacionadas pelos padres e bispos seculares. Porém, é

importante colocar que os resultados alcançados dizem respeito a um recorte muito específico

do vasto universo da Igreja Católica.

Trata-se de um recorte de seis Padres e três Bispos do interior de Minas Gerais, sendo

que um Padre e um destes Bispos não aceitaram participar do estudo. Esse Bispo, em especial,

quando convidado, declarou: “Eu não quero falar dessas coisas, não fica bem falar sobre

isso” (BISPO III). Mesmo não tendo ele participado, sua recusa pode sugerir algum mal-estar

não mencionado pelos demais sujeitos. De fato, não houve muitos relatos da dimensão

sofrível da emeritude e da velhice, embora não se possa afirmar que eles seriam explicitados

pelo padre e pelo bispo que recusaram ser entrevistados. Ao mesmo tempo, não se pode

generalizar, por meio dos dados levantados, que todos os clérigos passam por essa fase de

forma saudável e adaptada. Aliás, até mesmo os participantes deste estudo, que relatavam

passar bem pela emeritude e pela velhice, deixaram, em alguns momentos, escapar essa

dimensão do sofrimento em suas respostas.

O que mais meu doeu foi ter saído sem ouvir um muito obrigado do Bispo, eu deixei a vida religiosa para poder ajudá-lo na diocese no momento mais difícil e nem um obrigado recebi quando deixei de ser pároco, isso me dói até hoje. (Padre V)

Outra questão que precisa ser colocada é que as conclusões deste estudo dizem

respeito exclusivamente ao contexto dos padres e bispos seculares. Não podemos extrapolar

sobre os processos advindos da emeritude entre clérigos religiosos e mesmo entre religiosas.

Essa questão pode ser objeto de futuras pesquisas dentro da temática aqui abordada.

Ao concluir esse trabalho, é preciso dizer que muitas hipóteses consideradas, antes,

sobre os processos psicossociais advindos da emeritude foram refutadas. Ao mesmo tempo, os

dados levantados revelaram elementos não pensados anteriormente. Assim, a heterogeneidade

e o campo de possibilidades que se vislumbraram, a partir da emeritude e da velhice,

surpreendem e fazem acreditar que esses elementos não explorados constituem fonte

inspiradora para novos estudos. Se a presente pesquisa buscou centrar-se na suposta ruptura

ou nos impactos provocados pela emeritude, caberia aprofundar um estudo do período

posterior a essa ruptura, ou seja, da caracterização da vida de sacerdotes e bispos, após o

afastamento das atividades formais, ou seja, após assimilarem o novo status de eméritos.

Outra questão que surgiu foi pensar como a emeritude é vista pelos jovens que estão

em formação nos seminários. Vale perguntar-se se e como esse tema é abordado neste

período de vida, ou seja, como os jovens veem esta questão.

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Conclui-se dizendo que, mesmo não conseguindo abarcar todo o material teórico e

empírico sobre a emeritude, a melhor fonte de orientação desta dissertação, antes e durante

todo o processo de sua construção, foi o relato dos entrevistados. Muitas lacunas surgiram e

experimentou-se muita ansiedade para tentar cobri-las. Todavia, é preciso reconhecer que um

estudo é um recorte e que todo recorte é, justamente, uma pequena parcela de um todo que

jamais será desvendado em suas múltiplas manifestações. Nesse sentido, poderia mesmo

considerar que um dos objetivos alcançados no presente estudo foi sua capacidade de suscitar

novos questionamentos e possibilitar que se abram horizontes para novas pesquisas.

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APÊNDICE

ROTEIRO PARA A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

O que te levou a pensar em ser um padre?

Como foi a sua escolha pelo sacerdócio?

Quando você decidiu realmente se tornar um padre?

Conte-me um pouco como foi a sua vida como sacerdote?

Você considera o sacerdócio uma forma de trabalho?

Como foi o seu afastamento?

O que você tem feito desde então?

Diante disso, o que você pensa acerca da aposentadoria de padres?

Você se sente um aposentado? Por quê?

Em sua opinião, existe diferença entre a aposentadoria (emeritude) dos padres e dos leigos?

Como você vê a igreja diante do envelhecimento de seus padres?