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Escrito e publicado por Monteiro Lobato em 1934.É provavelmente o livro mais original que já se escreveu sobre a Gramática, pois a língua é figurada como um país, o "País da Gramática", povoado por sílabas, pronomes, numerais, advérbios, verbos, adjetivos, substantivos, preposições, conjunções, interjeições...Quindim, o rinoceronte, é quem leva o pessoal do Sítio do Picapau Amarelo (Emília, Pedrinho, Narizinho e Visconde de Sabugosa) para lá, e é ele quem tudo mostra e tudo explica.Alguns críticos afirmam que o motivo para Lobato escrever este livro foi "vingança", por ter sido reprovado aos quatorze anos de idade na prova de Português.

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I-UMAIDÉIADASENHORAEMÍLIA

DonaBenta,comaquelapaciênciadesanta,estavaensinandogramática

aPedrinho.NocomeçoPedrinhorezingou.—Maçada,vovó.Bastaqueeutenhadelidarcomessacaceteaçãolána

escola.Asfériasquevenhopassaraquisãosóparabrinquedo.Não,nãoenão...

—Mas, meu filho, se você apenas recordar com sua avó o que andaaprendendonaescola,issovalerámuitoparavocêmesmo,quandoasaulasse reabrirem.Umbocadinhosó, vamos!Meiahorapordia. Sobramaindavinteetrêshorasemeiaparaosfamososbrinquedos.

Pedrinho fez bico, mas afinal cedeu; e todos os dias vinha sentar-sediante de Dona Benta, de pernas cruzadas como um oriental, para ouvirexplicaçõesdegramática.

—Ah,assim, sim!—diziaele.—Semeuprofessorensinassecomoasenhora,atalgramáticaatéviravabrincadeira.

Masohomemobrigaagenteadecorarumaporçãodedefiniçõesqueninguémentende.Ditongos,fonemas,gerúndios...

Emíliahabituou-seavirassistiràslições,ealificavaapiscar,distraída,comoquemandacomumagrandeidéianacabeça.

Équerealmenteandavacomumagrandeidéianacabeça.—Pedrinho—disseelaumdiadepoisdeterminadaalição—,porque,

em vez de estarmos aqui a ouvir falar de gramática, não havemos de irpassearnoPaísdaGramática?

Omeninoficoutontocomaproposta.— Que lembrança, Emília! Esse país não existe, nem nunca existiu.

Gramáticaéumlivro.—Existe,sim.Orinoceronte1 ,queéumsabidão,contou-mequeexiste.

Podemosirtodos,montadosnele.Topa?Perguntar a Pedrinho se queria meter-se em nova aventura era o

mesmoqueperguntaramacacosequerbanana.Pedrinhoaprovouaidéiacompalmasepinotesdealegria,esaiucorrendoparaconvidarNarizinhoeoViscondedeSabugosa.Narizinhotambémbateupalmas—esenãodeupinotes foi porque estava na cozinha, de peneira ao colo, ajudando TiaNastáciaaescolherfeijão.

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—Eondeficaessepaís?—perguntouela.—Issoélácomorinoceronte—respondeuomenino.—Peloquediza

Emília,essepaquidermeéumgrandessíssimogramático.—Comaquelecascãotodo?— É exatamente o cascão gramatical — asneirou Emília, que vinha

entrandocomoVisconde.Os meninos fizeram todas as combinações necessárias, e no dia

marcadopartirammuitocedo,acavalonorinoceronte,oqual trotavaumtrotemaisduroqueasuacasca.Trotou, trotoue,depoisdemuito trotar,deucomelesnumaregiãoondeoarchiavademodoestranho.

—Quezumbidoseráesse?—indagouamenina.—Parecequeandamvoandoporaquimilhõesdevespasinvisíveis.—ÉquejáentramosemterrasdoPaísdaGramática—explicouorinoceronte.—EsteszumbidossãoosSONSORAIS,quevoam

soltosnoespaço.—Não comece a falar difícil que nós ficamos namesma—observou

Emília.—SonsOrais,quepedantismoéesse?—SomOralquerdizersomproduzidopelaboca,A,E,I,O,UsãoSons

Orais,comodizemossenhoresgramáticos,—Poisdigalogoquesãoletras!—gritouEmília.

—Masnãosãoletras!—protestouorinoceronte.—QuandovocêdizAouO,vocêestáproduzindoumsom,nãoestáescrevendouma letra. Letrassãosinaizinhosqueoshomensusampararepresentaressessons.PrimeiroháosSonsOrais;depoiséqueaparecemasletras,paramarcaressesSonsOrais.Entendeu?

O ar continuava num zunzum cada vez maior. Os meninos pararam,muitoatentos,aouvir.

—Estoupercebendomuitossonsqueconheço—dissePedrinho,comamãoemconchaaoouvido.

—Todosossonsqueandamzumbindoporaquisãovelhosconhecidosseus,Pedrinho.

— Querem ver que é o tal alfabeto? — lembrou Narizinho. — E émesmo!...Estoudistinguindotodasasletrasdoalfabeto...

—Não,menina;vocêestáapenasdistinguindotodosossonsdasletrasdo alfabeto— corrigiu o rinoceronte comumapachorra igual à deDonaBenta.—Sevocêescrevercadaumdessessons,então,sim;entãosurgemasletrasdoalfabeto.

—Queengraçado!—exclamouPedrinho,sempredemãoemconchaaoouvido.—Estoutambémdistinguindotodasasletrasdoalfabeto:oA,oC,

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oD,oX,oM...Orinocerontedeuumsuspiro.—Maschegadesonsinvisíveis—gritouamenina.—-Tocaparadiante.

QueroentrarlogonotalPaísdaGramática.-— Nele já estamos — disse o paquiderme. — Esse país principia

justamente ali ondeo ar começa a zumbir.Os sons espalhadospelo ar, equesãorepresentadosporletras,fundem-selogoadianteemSÍLABAS,eessasSílabasformamPALAVRAS—astaispalavrasqueconstituemapopulaçãodacidade onde vamos. Reparemque entre as letras há cinco que governamtodas as outras. São as Senhoras VOGAIS — cinco madamas emproadas eorgulhosíssimas,porquepalavranenhumapodeformar-sesemapresençadelas.Asdemaisletrasajudam;porsimesmasnadavalem.EssasajudantessãoasCONSOANTESe, comoapalavra estádizendo, só soam comumaVogaiadianteouatrás.PegueasdezoitoConsoantesdoalfabetoeprocureformarcomelasumapalavra.Experimente,Pedrinho.

Pedrinhoexperimentoudetodososjeitos,semnadaconseguir.—MistureagoraasConsoantescomumaVogai,comoA,porexemplo,e

vejaquantaspalavraspodeformar.PedrinhomisturouoAcomasdezoitoConsoanteseimediatamenteviu

queerapossívelformarumgrandenúmerodepalavras.Nistodobraramumacurvadocaminhoeavistaramaolongeocasario

deumacidade.Namesmadireção,maisparaalém,viam-seoutrascidadesdomesmotipo.

—Quetantascidadessãoaquelas,Quindim?—perguntouEmília.Todosolharamparaaboneca,franzindoatesta.Quindim?Nãohaviaali

ninguémcomsemelhantenome.— Quindim — explicou Emília — é o nome que resolvi botar no

rinoceronte.— Mas que relação há entre o nome Quindim, tão mimoso, e um

paquidermecascudodestes?—perguntouomenino,aindasurpreso.—Amesmaqueháentreasuapessoa,Pedrinho,eapalavraPedro—

istoé,nenhuma.Nomeénome;nãoprecisaterrelaçãocomo"nomado".EusouEmília,comopodiaserTeodora,Inácia,HildaouCunegundes.Quindim!.. . Como sempre fui a botadeira de nomes lá do sítio, resolvo batizar orinoceronteassim—epronto!Vamos,Quindim,explique-nosquecidadessãoaquelas.

Orinoceronteolhou,olhouedisse:—SãoascidadesdoPaísdaGramática.Aqueestámaispertochama-se

Portugália,eéondemoramaspalavrasdalínguaportuguesa.Aquelabem

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láadianteéAnglópolis,acidadedaspalavrasinglesas.—Quegrandequeé!—exclamouNarizinho.—Anglópoliséamaiordetodas—disseQuindim.—Moramlámaisde

quinhentasmilpalavras.—EPortugália,quepopulaçãodepalavrastem?—Menosdemetade—aíumasduzentasetantasmil,contandotudo.—Eaquela,àesquerda?—Galópolis, a cidadedaspalavras francesas.A outra éCastelópolis, a

cidadedaspalavrasespanholas.AoutraéItalópolis,ondetodasaspalavrassãoitalianas.

—Eaquela,bem,bem,bemlánofundo,todaescangalhada,comjeitodecemitério?

— São os escombros duma cidade que já foi muito importante— acidadedaspalavraslatinas;masomundofoimudandoeaspalavraslatinasemigraram dessa cidade velha para outras cidades novas que foramsurgindo. Hoje, a cidade das palavras latinas está completamentemorta.Nãopassadummontãode velharias. Pertodela ficamas ruínasdeoutracidade célebre do tempo antigo— a cidade das velhas palavras gregas.Tambémnãopassaagoradummontãodecacosveneráveis.

Puseram-se a caminho; à medida que se aproximavam da primeiracidadeviramqueossonsjánãozumbiamsoltosnoar,comoantes,massimligadosentresi.

—Quemudançafoiessa?—perguntouamenina.— Os sons estão começando a juntar-se em SÍLABAS, depois as Sílabas

descemevãoocuparumbairrodacidade.—EquequerdizerSílaba?—perguntouaboneca.—Querdizerumgrupinhodesons,umgrupinhoajeitado;umgrupinho

deamigosquegostamdeandarsemprejuntos;oG,oReoA,porexemplo,gostamdeformaraSílabaGra,queentraemmuitaspalavras.

—Graça,Gravata,Gramática...—exemplificouPedrinho.— Isso mesmo aprovou Quindim.— Também o M e o U gostam de

formaraSílabaMu,queentraemmuitaspalavras.—Muro,Mudo,Mudança...—sugeriuamenina.—Issomesmo—repetiuQuindim.—Ereparemqueemcadapalavra

háumaSílabamaisemproadaeimportantequeasoutraspelofatodeseradepositáriadoACENTOTÔNICO.EssaSílabachama-seaTÔNICA.

— O mesmo nome da mãe de Pedrinho!... — observou Emíliaarregalandoosolhos.

—Não,boba.Mamãechama-seTônicaeorinoceronteestáfalandoem

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SílabaTônica.Émuitodiferente.—Perfeitamente—confirmouQuindim.—NonomedeDonaTônicaa

SílabaTônicaéNi;enapalavraqueeudisseaSílabaTônicaéoTo. EnapalavraPedrinho,qualéaTônica?

—Dri—responderamtodosaumtempo.—Issomesmo.Masossenhoresgramáticossãounssujeitosamigosde

nomenclaturasrebarbativas,dessasquedeixamascriançasvelhasantesdotempo.PorissodividemaspalavrasemOXÍTONAS,PAROXÍTONASePROPAROXÍTONAS,conforme trazem o Acento Tônico na última Sílaba, na penúltima ou naantepenúltima.

—NossaSenhora!Que"luxoasiático"!—exclamouEmília.—Bastavadizer que o tal acento cai na última, na penúltima ou na antepenúltima.Dava na mesma e não enchia a cabeça da gente de tantos nomes feios.Proparoxítona! Só mesmo dando com um gato morto em cima até orinocerontemiar...

—Ehámaisainda—disseQuindim.—Aspobrespalavrasquetêmadesgraçadeteroacentonaantepenúltimasílaba,quandonãosãoxingadasde Pro-pa-ro-xí-to-nas, são xingadas de ESDRÚXULAS. As palavras Áspero,Espírito,Rícino,Varíola,etc,sãoEsdrúxulas.

-— Es-drú-xu-las! — repetiu Emília. — Eu pensei que Esdrúxulasquisessedizeresquisito.

— E pensou certo — confirmou o rinoceronte. — Como na línguaportuguesaaspalavrascomacentonaantepenúltimanãosãomuitas,elasformamumaesquisitice,eporissosãochamadasdeEsdrúxulas.

E assim conversando, o bandinho chegou aos subúrbios da cidadehabitadapelaspalavrasportuguesasebrasileiras.

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II-PORTUGÁLIA

Eraumacidade como todas asoutras.A gente importantemoravano

centroeagentedebaixacondição,oudecrépita,moravanossubúrbios.Osmeninos entraram por um desses bairros pobres, chamado o bairro doRefugo,eviramgrandenúmerodepalavrasmuitovelhas,bemcorocas,queficavamtomandosolàportadeseuscasebres.Umaspermaneciamimóveis,decócoras,comoosíndiosdasfitasamericanas;outrascoçavam-se.

— Essas coitadas são bananeiras que já deram cacho — explicouQuindim.—Ninguémasusamais,salvoporfantasiaedelongeemlonge.Estão morrendo. Os gramáticos classificam essas palavras de ARCAÍSMOS.Arcaicoquerdizercoisavelha,caduca.

—Então,DonaBentaeTiaNastáciasãoarcaísmos!—lembrouEmília.—Maisrespeitocomvovó,Emília!Aomenosnacidadedalínguatenha

compostura—protestouNarizinho.Orinoceronteprosseguiu:—As coitadas que ficam arcaicas são expulsas do centro da cidade e

passam a morar aqui, até que morram e sejam enterradas naquelecemitério, lá no alto do morro. Porque as palavras também nascem,

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crescememorrem,comotudomais.Narizinho parou diante duma palavra muito velha, bem coroca, que

estavacatandopulgashistóricasàportadumcasebre.EraapalavraBofé.—Então, como vai a senhora?— perguntou amenina,mirando-a de

altoabaixo.—Mal, muito mal— respondeu a velha.— No tempo de dantes fui

moçadasmais faceiras e fiz opapeldeADVÉRBIO.Oshomensgostavamdeempregar-me sempre que queriam dizer Em verdade, Francamente. Mascomeçaram a aparecer uns Advérbios novos, que caíram no gosto dasgentesetomaramomeulugar.Fuisendoesquecida.Porfim,tocaram-meládocentro."Jáqueestávelhaeinútil,queficafazendoaqui?",disseram-me."Mude-separaos subúrbiosdosArcaísmos", e eu tivedemudar-meparacá.

— Por que não morre duma vez para ir descansar no cemitério?—perguntouEmíliacomtodooestabanamento.

—Éque,dequandoemquando,aindasirvoaoshomens.Existemcertossujeitosque,poresporte,gostamdeescreveràmodaantiga;equandoumdelessemetea fazerromancehistórico,oucontoemestilodoséculoXV,aindamechamaparafigurarnosdiálogos,emvezdotalFrancamentequetomouomeulugar.

—AquionossoViscondepela-seporcoisasantigas—disseamenina.—Conte-lhetodaasuavida,desdequenasceu.

O Visconde sentou-se ao lado da palavra Bofé e ferrou na prosa,enquantoNarizinhoiaconversarcomoutrapalavraaindamaiscoroca.

—Easenhora,quemé?—perguntou-lhe.—SouapalavraOgano.—Ogano?Oquequerdizerisso?— Nem queira saber, menina! Sou uma palavra que já perdeu até a

memóriadavidapassada.ApenasmelembroquevimdolatimHocAnno,quesignificaEsteAno.Entreinestacidadequandosóhaviaunscomeçosderua; os homens desse tempo usavam-me para dizer Este Ano. Depois fuisendoesquecida,ehojeninguémselembrademim.ASenhoraBoféémaisfeliz;osescrevedoresderomanceshistóricosaindaachamamdelongeemlonge.Masamimninguém,absolutamenteninguém,mechama.JásoumaisqueArcaísmo;sousimplesmenteumapalavramorta...

Narizinhoiadizer-lheumafrasedeconsolaçãoquandofoiinterrompidaporumbandodepalavrasjovens,quevinhamfazendograndebarulho.

—EssasqueaívêmsãooopostodosArcaísmos—disseQuindim.—SãoosNEOLOGISMOS,istoé,palavrasnovíssimas,recém-saídasdafôrma.

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—Emoramtambémnestessubúrbiosdevelhas?—Emmatériadepalavrasamuitamocidadeétãodefeitocomoamuita

velhice. O Neologismo tem de envelhecer um bocado antes que recebaautorizaçãopararesidirnocentrodacidade.Estescáandamemprova.Seresistirem, se nãomorrerem de sarampo ou coqueluche e se os homensviremqueelesprestambonsserviços,então igualam-seatodasasoutraspalavras da língua e podem morar nos bairros decentes. Enquanto issoficamsoltospelacidade,comovagabundos,oraaqui,oraali.

Estavam naquele grupo de Neologismos diversos que os meninos jáconheciam, comoChutar, queédarumpontapé;Bilontra, quequerdizerummalandroelegante;Encrenca,quesignificaembrulhada,mixórdia,coisadifícilderesolver.

—OutrodiavovódissequeestapalavraEncrencaéamaisexpressivaeútilqueelaconhece,detodasquenasceramnoBrasil—lembrouPedrinho.

DepoisqueosNeologismosacabaramdepassar,osmeninosdirigiram-se a uma praça muito maltratada, cheia de capim, sem calçamento nempolícia,ondebrincavambandosdeperaltasendiabrados.

—Quemolecadaéesta?—perguntouamenina.— São palavras da Gíria, criadas e empregadas por malandros ou

gatunos,ouentãoporhomensdummesmoofício.Aespecialidadedelaséquesóosmalandrosoutaishomensdummesmoofícioasentendem.Paraorestodopovonadasignificam.

Narizinhochamouumaquepareciabastantepernóstica.—Conte-measuahistória,menina.Amolecapôsasmãosnacinturae,comarmalandríssimo,foidizendo:—SouapalavraBamba,nascidanãoseiondeefilhadepaisincógnitos,

comodizemosjornais.Sóagentebaixa,amolecadaeamalandragemdascidadeséqueselembrademim.Gentefina,atalqueandadeautomóveisevaiaoteatro,essatemvergonhadeutilizar-sedosmeusserviços.

—Equeserviçoprestavocê,palavrinha?—perguntouEmília.—Ajudooshomensaexprimiremsuasidéias,exatamentecomofazem

todasaspalavrasdestacidade.Semnós,palavras,oshomensseriammudoscomo peixes, e incapazes de dizer o que pensam. Eu sirvo para exprimirvalentia.Quandoummalandrodebairrodáumasurranumpolícia, todososmolequesdazonautilizam-sedemimparadefinirovalentão."Fulanoéumbamba!",dizem.Mascomoagenteeducadanãomeemprega,tenhoquevivernestessubúrbios,semmeatreverapôropéláemcima.

—Ondeéláemcima?—Nós chamamos "lá emcima" àparteboada cidade; este "lixo"por

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aquiéchamado"cáembaixo".— Vejo que você tem muitas companhias — observou Narizinho,

correndoosolhospelamolecadaqueformigavaemredor.—Tenho,sim.TodaestarapaziadaégentinhadaGíria,comoeu.Preste

atenção naquela de olho arregalado. É a palavra Otário, que os gatunosusam para significar um "trouxa" ou pessoa que se deixa lograr pelosespertalhões.ComapalavraOtárioestáconversandooutradomesmotipo,Bobo.

—Boboseioquesignifica—dissePedrinho.—Nuncafoigíria.— Lá em cima— explicou Bamba—- Bobo significa uma coisa; aqui

embaixo significa outra. Em língua de gíria Bobo quer dizer relógio debolso.Quandoumgatunodiz a outro: "Fizumbobo", quer significar que"abafou"umrelógiodebolso.

—EporquederamonomedeBoboaosrelógiosdebolso?— Porque eles trabalham de graça— respondeu Bamba, dando uma

risadinhacínica.Os meninos ficaram por ali ainda algum tempo, conversando com

outras palavras da Gíria— e por precaução Pedrinho abotoou o paletó,emboraseupaletónembolsodedentrotivesse.Agíriadosgatunosmetia-lhemedo...

—Porestessubúrbios tambémvagabundeiampalavrasdeoutro tipo,malvistas láemcima—disseorinoceronteapontandoparaumapalavraloura,visivelmenteestrangeira,quenaquelemomentoiapassando.—Sãopalavrasexóticas,istoé,defora—imigrantesaqueosgramáticospuseramonomegeraldeBARBARISMOS.

—Queremsignificarcomissoqueelasdizembarbaridades?—indagouEmília.

—Não;apenasquesãodefora.Estemododeclassificá-lasveiodosromanos,queconsideravambárbarosatodososestrangeiros.Barbarismoquerdizercoisadeestrangeiro.SeoBarbarismovemdaFrançatemo

nomeespecialdeGALICISMO;sevemdaInglaterra,chama-seANGLICISMO;sevemdaItália,ITALIANISMO—eassimpordiante.OsGalicismossãomuito

maltratadosnestacidade.Aspalavrasnascidasaquitorcem-lhesofocinhoeos"grilos"(*)dalíngua(osgramáticos),implicammuitocomeles.CertoscríticoschegamaconsiderarcrimedecadeiaaentradadumGalicismonumafrase.Tratamoscoitadoscomosefossemleprosos.Aívemum.O Galicismo Desolado vinha vindo, muito triste, de bico pendurado.

Quindimapontou-ocomochifre,dizendo:—Sevocêalgumdiavirarpoeta,Pedrinho,ecairnaasneiradebotarnumsonetoestepobreGalicismo,os

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críticos xingarão você de mil nomes feios. Desolado é o que elesconsideramumGalicismoimperdoável.Jáaqueleoutroquelávemgozademaiorconsideração.ÉapalavrafrancesaElite,quequerdizeranata,afinaflordasociedade.Vejacomoépetulantezinha,comoseumonóculonoolho.

— Elite tem licença de morar no centro da cidade? — perguntou omenino.

—Nãotinha,mashojetem.Jáestápraticamentenaturalizada.Durantemuitotempo,entretanto,sópodiaaparecerporlámetidaentreASPAS,OUemGRIFO.

—Queéisso?— Aspas e Grifo são os sinais que elas têm de trazer sempre que se

metemnomeiodaspalavrasnativas.Nacidadedaspalavrasinglesasnãoéassim — as palavras de fora gozam lá de livre trânsito, podendoapresentar-se semaspas e semgrifo.Mas aqui nestanossaPortugália hámuitorigornesseponto.Palavraestrangeira,oudegíria,sóentranocentrodacidadeseestiveraspadaougrifada.

—Olhem!—gritouEmília.—Aquelapalavrinhaacoláacabadetirardobolso umpar de aspas, com as quais está se enfeitando, como se fossemasinhas...

—É que recebeu chamado para figurar nalguma frase lá no centro eestá vestindoopassaporte. Trata-se dapalavra francesaSoirée.Reparemquepertodelaestáoutraabotar-seemgrifo.ÉapalavraBouquet...

—Judiação!—comentouNarizinho.—Achoodioso isso.Assimcomonum país entram livremente homens de todas as raças — italianos,franceses, ingleses, russos, polacos, assim também devia ser com aspalavras.Eu, se fosseditadora,abriaasportasdanossa línguaa todasaspalavrasquequisessementrar—enãoexigiaqueascoitadinhasde foraandassemmarcadascomostaisgrifoseastaisaspas.

— Mesmo assim — explicou o rinoceronte — muitas palavrasestrangeiras vão entrando e com o correr do tempo acabam"naturalizando-se".Paraissobastaquemudemaroupacomquevieramdeforaesigamosfigurinosdestacidade.

Bouquet,porexemplo,setrocaressasuaroupinhafrancesaevestirumternofeitoaqui,podeandarlivrementepelacidade.BastaquevireBuquê...

Perto havia uma elevação donde se descortinava toda a cidade; orinocerontelevouosmeninosparalá.

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III-GENTEIMPORTANTEEGENTEPOBRE

A cidade de Portugália dava a idéia duma fruta incõe— ou de duas

cidadesemendadas,umamaisnovaeoutramaisvelha.Aseparaçãoentreambasconsistianumbraçodemar.

—Apartedelá—explicouorinoceronte—éobairroantigo,ondesóexistiampalavrasportuguesas.Comoandardotempoessaspalavrasforamatravessandoomarederamorigemaobairrodecá,ondesemisturaramcomaspalavrasindígenaslocais.Dessemodoformou-seograndebairrodeBrasilina.

—Compreendo—dissePedrinho.—ParacáéapartedoBrasileparaláéapartedePortugal.Foiapartedelá,ouacidadevelha,quedeuorigemàpartedecá,ouacidadenova.

—Issomesmo.Acidadenovasaiudacidadevelha.Nocomeçoistoporaquinãopassavadumbairrohumildeemalvistonacidadevelha;mascomotempofoicrescendoeaindahádeacabarumacidademaiorqueaoutra.

—Vamospercorrera cidadenova,queéaquemaisnos interessa—

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propôsNarizinho.Montaram de novo no rinoceronte, que se pôs a trote pelo morro

abaixo. Chegados ao sopé, saltaram em terra, porque não seria gentilpenetraremnacidadedalínguamontadosemtãonotávelgramático.

Oh, ali era outra coisa! Ruas varridas, sem mato e com "grilos" nasesquinas. Grande número de palavras moviam-se com muita ordem,andandode cápara lá ede lápara cá, exatinhocomogentenumacidadecomum.

—Quebairroseráesse?—perguntouNarizinho.—Ummuitoimportante—obairrodosNOMES,ouSUBSTANTIVOS.—Que emproados!—observouEmília.—Até parecem as Vogais da

terradoalfabeto.—EsãodefatoasVogaisdaspalavras.Semelesseriaimpossívelhaver

linguagem,porqueosSubstantivoséquedãonomeatodososseresvivosea todas as coisas. Por isso se chamam Substantivos, como quem diz queindicamasubstânciadetudo.Masreparemqueháunsorgulhososeoutrosmaishumildes.

—Sim,estounotando—declarouamenina.—Unsnãotiramamãodobolsoesófalamdechapéunacabeça.Outrosparecemmodestos.Quemsãoessesprosas,demãonobolso?

— São os Nomes PRÓPRIOS, que servem para designar as pessoas, ospaíses,ascidades,asmontanhas,osrios,oscontinentes,etc.—Alivaium—Paulo,queserveparadesignarcertohomem.

—MashámuitosPaulos—observouEmília.— Pois esse Nome designa cada um deles, exigindo depois de si um

Sobrenomeparamarcar a diferença entre umPaulo e outro. Paulo Silva,PauloMoreira, etc. Silva e Moreira são sobrenomes que diferenciam umPaulo de outro. Já aquela palavra que vemumpoucomais atrás goza demais importância que o Nome Paulo. É a palavraHimalaia, que não temoutracoisaafazernavidasenãodesignarcertamontanhadaíndia,amaisaltadomundo.Por terpouco serviço está gorda assim. Só é chamadadelongeemlonge,quandoalguémquerreferir-seàtalmontanha.PauloéumNomemaismagroporqueoshomensexigemdelebastanteserviço.

—Nesse caso oNome José deve ser fininho como um palito— disseEmília.—EoNomeMariatambém.

—Falainomau,aprontaiopau!—gritouNarizinho.—LávemonomeJosé, suando em bicas, magro que nem um espeto, surrado que nemtarameladeportadecozinha...

—Venhacá,SenhorNomeJosé!—chamouEmília.

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ONomeJoséaproximou-se,arquejante,alimparosuordatesta.—Cansadinho,hein?—Nemfale,menina!—disseele.—Atodomomentonascemcrianças

que os pais querem que eu batize, de modo que vivo numa perpétuacorreria de igreja em igreja, a grudar-me em criancinhas que ficamjosezandoatéàmorte.EueMariasomosdoisNomesquenãosabemoquequerdizersossego...

Nembemhaviaditoissoe—trrrlin!...soouacampainhadeumradiotelefone;atelefonistaatendeuedepoisberrouparaarua:—ONomeJoséestá sendo chamado para batizar um menino em Curitiba, capital doParaná.Depressa!

EopobreNomeJosélásefoiventandoparaCuritiba,afimdejosezarmaisaqueleZezinho.

—Nãovaleapenasermuitoqueridanestacidade—observouEmília.— Eu, se fosse palavra, queria ser a mais antipática de todas, para queninguémmeincomodasse,comoincomodamaestepobreJosé.

—Disso estou eu livre!—murmurou umapalavra gorda, que estavasentadaàsoleiradumaporta.EraoNomeUrraca.

—Sim— continuou ela.—Comoos homensme acham feia, nãomeincomodamcomchamadosquando têm filhasabatizar.Antigamentenãoeraassim.MuitasmeninasbatizeiemPortugal, eatéprincesas.Mashoje,nada.Deixaram-meempazdumavez.DesconfioquenãoexistenoBrasilinteiroumasómeninacommeunome.

—Porissoestágordaassim,suavagabunda!—observouEmília.—Queculpatenhodeserfeia,oudoshomensmeacharemfeia?Cada

qualcomoDeusofez.—Nessecaso,seéinútil,senãotemoquefazer,seestásememprego,a

senhora não passa dum Arcaísmo cujo lugar não é aqui e sim nossubúrbios.Estátomandooespaçodeoutras.

— Não seja tão sabida, bonequinha! Eu há muito que moro nossubúrbios,esevimpassearhojeaquifoiapenasparamatarsaudades.Estacasanãoéminha.

—Dequeméentão?—Duma diaba que veio de Galópolis e andamais chamada que uma

telefonista— uma tal Odete. Volta e meia sai daqui correndo, a batizarmeninas.Masminhavingançaéqueestáficandomagraquenembacalhaudeportadevenda,detantocorre-corre.

—Estáaídentro,essapalavra?—Aquidentro,nada!Nãopáraemcasaumminuto.Indaagorarecebeu

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chamado para batizar uma menina em Itaoca. Tomara que seja umanegrinhapretaquenemcarvão...

EnquantoEmíliaconversavacomaqueleNomesemserviço,Pedrinhoiaatentando na soberbia dos Nomes indicativos de países e continentes. ONome Europa era o mais empavesado de todos: louro, e dum orgulhoinfinito.PassourenteaoNomeAméricaetorceuonariz.TambémoNomeAlemanha era emproadíssimo, embora andasse com uma cruz de pontofalsononariz.

—EstesNomesPróprios—explicouQuindim—têmaseuserviçoessainfinidadedeNomes COMUNS que formigampelas ruas. OsNomes Comunsformamaplebe,opovo,ooperariado,etêmaobrigaçãodedesignarcadacoisa que existe, pormais insignificante que seja. Qual será a coisamaisinsignificantedomundo?

—Cuspodemicróbio—gritouEmília.— Realmente, bonequinha, cuspo de micróbio deve ser a coisa mais

insignificantedomundo.PoismesmoassimhánecessidadededoisNomesComunsparaadesignar.ImaginemagoraahumildadedessesdoisNomesquandopassamperto doNomePróprioDeus, por exemplo, ouOuro, quesãodosmaisgraduados!

—Comcertezadeitam-senochãoeviramtapeteparaqueDeuseOurolhespisememcima—observouEmília.

EntreamultidãodeNomesqueenxameavamnaquelarua,osmeninosnotaramoutrasdiferenças.UnspertenciamàclassedosNomesCONCRETOSeoutros à classe dos Nomes ABSTRATOS. Havia ainda os Nomes SIMPLES e osNomesCOMPOSTOS.Quindimfoiexplicandoadiferença.

— Os Nomes Concretos são os que marcam coisas ou criaturas queexistem mesmo de verdade, como Homem, Nastácia, Tatu, Cebola. E osNomesAbstratossãoosquemarcamcoisasqueagentequerqueexistam,ouimaginaqueexistem,comoBondade,Lealdade,Justiça,Amor.

—EtambémDinheiro—sugeriuEmília.—DinheiroéConcreto,porquedinheiroexiste—contestouQuindim.— Para mim e para Tia Nastácia é abstratíssimo. Ouço falar em

Dinheiro, como ouço falar em Justiça, Lealdade, Amor; mas ver, pegar,cheirarebotarnobolsodinheiro,issonunca.

—Eaquele tostãonovoquedeiavocênodiadocirco?— lembrouomenino.

—Tostãonãoédinheiro;écuspodedinheiro—retorquiuEmília.Depoisdaquelaasneirinha,orinocerontecontinuou:—HáosNomesSimples,comoamaiorpartedosquecirculamporaqui,

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e há os Nomes Compostos, como aqueles que ali vão. Estes NomesCompostosformam-sededoisNomesSimples,encangadosquenembois.

IapassandooNomeGuarda-Chuva,debraçodadocomoNomeCouve-Flor.

—Parecembananasincões—observouEmília.—EháaindaosNomesCOLETIVOS—continuouQuindim.—Sãoosque

indicam uma coleção, ou uma porção de coisas — como aquele, acolá!Emíliachamou-o.

—Venhacá,SenhorColetivo!Explique-se.Digaquemé.—SouoNomeCafezaleindicoumaporçãodepésdecafé.Desejamais

algumacoisa,senhorita?—Querosabersenãoestácomabroca.—Brocasódánosarbustosqueeubatizoquandosãomuitos.—Equandosãopoucos?—Sóosbatizoquandosãomuitos.Sesetrataapenasdedois, trêsou

umadúzia,nãodouconfiança.Ficamsendodois,trêsouumadúziadepésdecafé,masnuncaumCafezal.Estásatisfeita?

— Estaria— respondeu Emília, despedindo-o espevitadamente— seem vez de tantos pés de café você me desse uma xícara de café combolinhos...

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IV-EMPLENOMARDOSSUBSTANTIVOS

Haviamuita coisa a ver no bairro dos Substantivos, e por essa razãotodosprotestaramquandoEmíliafalouemvisitarasINTERJEIÇÕES.

—Espere,bonequinhaaflita!—disseQuindim.—Indahámuitopanoparamangaaqui.VocêsaindanãoobservaramqueestesSenhoresNomesestãodivididosemdoisgêneros,oMASCULINOe o FEMININO, conformeo sexodas coisasou seresqueelesbatizam.Paulo émasculinoporque todososPaulospertencemaosexomasculino.

—MasPanela? — advertiu Emília.— Por que razão Panela é NomefemininoeGarfo,porexemplo,émasculino?PanelaouGarfotêmsexo?

—Issoéumadasmaluquicesdestacidade—respondeuorinoceronte.—JáemAnglópolisnãoéassim.Hálámaisumgênero,oGÊNERONEUTRO,paratodasaspalavrasquedesignamcoisassemsexo,comoPanelaeGarfo.

—CoitadosdosinglesesquesemudamparaoBrasil!—advertiuPedrinho.—Imaginematrabalheiraparadecorarosexode

milharesdepalavrasindicativasdecoisasque...nãotêmsexo!—Você tem razão— disse Quindim—,mas emmatéria de língua a

coisa é como é e não como deveria ser. Nesta cidade os SubstantivosterminadosemO,U, I,Em, Im, Om,Um, En, L, R, S eX são quase sempre

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masculinos.—NossaSenhora!—exclamouNarizinho.—Quantasterminações!Os

homensmostramo seuegoísmoem tudo. "Chamaram"parao sexodelesquasetodasasterminaçõespossíveis.Eosfemininos?

—SãoquasesemprefemininososNomesterminadosemA,Ã,Ção,Gem,DadeeIce.

—Bandidos!— protestou amenina.— Os homens tomaram para sidozeterminaçõesesódeixaramseisparaosexofeminino—ametade...

— Não faz mal, Narizinho — consolou a boneca. — Quando nóstomarmoscontadomundo,havemosdefazerocontrário—ficarcomdozeparaonossosexoesódarseisparaosexodeles.

Orinocerontecontinuou:—EháaindaNomesquepossuemdoissexos,istoé,quetantoservem

paraindicarseresoucoisasdogênero femininocomodomasculino.Nós,gramáticos,usamosumnomemuitofeioparadesignartaissubstantivos—EPICENOS.

—Issonãoédesignar,éxingar!—disseEmília.—Nomes comoOnça, Cônjuge, Criança, Jacaré e tantos outros têm o

defeitodeservirparaosdoissexos.SãoNomesEpicenos.—Epicenoéonarizdosgramáticos—exclamouEmília.—Umdefeitoagentedevecorrigir.Xingarodefeitocomumnomefeio

nãoadianta.—Eháainda—continuouorinoceronte—osNomeschamadosCOMUNS

DE DOIS, que ora são masculinos, ora são femininos. O Nome Artista, porexemplo,éComumdeDois,porqueagentetantopodedizerOArtistacomoAArtista.ForadessasduasclassesdeNomes,orestopassadumsexoparaoutro pormeio duma simplesmudança do final. Os que terminam emOmudamesseOemAeviramfemininos.Outros,porém,arranjamumnomediferente para o feminino, como Pai —Mãe; Frade — Freira; Cavalo —Égua;Ladrão—Ladra.

—EqualofemininodeRabicó?—perguntouNarizinho.Orinoceronteficouatrapalhado.

—OfemininodeRabicóéEmília,porqueelaéamulherdeRabicó.Emília, que já de muito tempo se havia divorciado de Rabicó, ficou

danadinhaedisse:—Nessecaso,omasculinodeNarizinhoéBacalhau. . .Todosarregalaramosolhos,semperceberaidéiadaboneca.—Sim,porqueNarizinhotambémécasadacomotalPríncipeEscamado,

queparamimnãopassadumbacalhaudeportadevenda,muitoordinário.

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—Calma,calma!—exclamouorinoceronte.—Deixemasbrigasparaquandoregressarem.EmvezdissoprestematençãoaoutraparticularidadedosSubstantivos.AlémdeGênero,ouSexo,elestêmNÚMERO,comodizemosgramáticos. Ter Número quer dizer ter SINGULAR e PLURAL. Quando umSubstantivodesignaumacoisasó,vaiparaoSingular;quandodesignaduasoumaiscoisas,vaiparaoPlural.OmeiodepassardoSingularparaoPluralconsiste no ajustamento dum rabinho chamado S. Exemplo: Gato, éSingular;põeorabinhoeviraGatos—Plural.

—ÉassimcomtodososSubstantivos?—perguntouEmília.—Não; existemmuitos que fazem o Plural de outrosmodos. Os que

terminamemA,OleIltônicostrocamoLfinalporIs,comoSol,quefazSóis;Canal,quefazCanais;Barril,quefazBarris.

OsterminadosemEleosterminadosemIlátonosmudamoEleoIlemEisassim:Anel,Anéis;Fóssil,Fósseis.OsterminadosemUltrocamoLporIs,comoAzul,quefazAzuis.Algunsnãoseguemaregra,comoCônsul,quefazCônsules.

—Enjoado!—comentouEmília,fazendobico.—EosterminadosemR,ZeN?

—EssesfazemopluraljuntandoEs—Mulher,Mulheres;Nariz,Narizes;Abdômen,Abdômenes.EosqueterminamemMtrocamesseMporNs,comoHomem,quefazHomens.EosqueterminamemSnãomudam,comoPires,Lápis.Umpires,doispires.Entretanto,osterminadosemÊsfazemopluralacrescentandoEs,exemploMês,Meses;Cortês,Corteses.

—ChegadeNúmero,Quindim—disseEmília.—Jámeestáenjoandoastripas.Mudedetecla.

Nessemomento surgiuoVisconde,que ficaranos subúrbiosdeprosacomavelhaBoféeoutrascorujas.Vinhacorrendoeataparosouvidoscomasmãos.

—Queaconteceu,Visconde?Quecarreiraéessa?Opobresábioparou,arquejante,delínguadeforacomoumcachorro

cansado.—Oh,estouenvergonhadíssimo!—exclamoucomesforço,enxugando

atestacomaspalhinhasdemilhodopescoço.—Imaginemqueaovirparacáerreiefuidarcomoscostadosnumbairrohorrível,quenemseicomoapolíciadeixa!ObairrodasPALAVRASOBSCENAS...Quecoisafeia,SantoDeus!Viporlá,soltasnasruas,esmolambadasesórdidas,aspalavrasmaissujasdalíngua. Sarnentas, vestidas de farrapos e sem a menor compostura nos

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modos.Assimquemeviramderam-meumagrandevaianostermosmaisinfames.Osnomesqueouvi eramde fazer coraraum frade-de-pedra.Evimcorrendoavisarvocêsparaquenãopassemporlá.

MasapestinhadaEmília,queerabonecaenãoachavanadanomundoindecente,assanhou-selogo.

—Vocês,sabugos,sãotãocheiosdehistóriascomoasgentesdecarne— disse ela.— As coitadas das palavras que culpa têm de existirem nomundocoisasqueoshomensconsideramfeias?Voulá,sim.Queroconsolaraspobresinfelizesedar-lhesunsbonsconselhos.

Narizinho,porém,nãodeixou.— Não vai, não, Emília. Inocentes ou culpadas, o melhor é não nos

metermoscomelas.Vovó,sesoubesse,ficariaaborrecida.Poraquiaindahámuita coisadecenteparavermos.Olheaquelapalavraesquisita,quevemlatindo.SenhoraPalavra,venhacá!

ApalavraCanzarrãoaproximou-se,latindo.—Au!Au!Queéqueameninadeseja?—Saberqueméasenhoraeoquefaz.—SouamesmapalavraCãoaumentada;se tenhodedesignarumcão

grande, viro Canzarrão; e se tenho de designar um cão pequenino, viroCãozinho.

— Isto é o que os gramáticos chamamGRAU—mudança nas palavraspara dar idéia do tamanhodas coisas—explicou o rinoceronte.—Há oGrauAUMENTATIVO,paraaumentar,eoGrauDIMINUTIVO,paradiminuir.

— Sei disso — declarou Emília. — As palavras quando queremsignificarumacoisagrande,latem;equandoqueremsignificarumacoisapequena,choramingam.

Ninguémentendeu.— Sim— insistiu ela. — Botar um Ao no fim duma palavra é latir,

porque latidode cachorroé assim—ão, ão, ao! Ebotarum Inho, ou umZinho no fimdas palavras é choramingar como criança nova. Panela, porexemplo;selate,viraPanelãoesechoraminga,vira"Panelinha...

Orinoceronteadmirou-sedaespertezadaboneca.— Muito bem, senhorita! — exclamou ele. — Está certo. Mas nem

sempreé assim.Aquelasduaspalavrasquevêmvindoparaonosso ladoestãoaumentadas—eaumentaramsemlatir.

VinhavindoapalavraCabeçorra,debraçodadoàpalavraCopázio.—SãoaumentativosdeCabeçaeCopo—explicouQuindim.—Cabeça

—Cabeçorra;Copo—Copázio.—MaseupossodizerCabeçãoeCopão—insistiuEmília.

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—Pode,mastambémexistemaquelasformasdeaumentativosemAo.Bicho,porexemplo,dáBichão eBichaço. Corpo dáCorpão eCorpanzil.Nocaso de serempalavras femininas, em vez de Ão elas botamno fim Ona.Mulher,Mulherona.

—OuMulheraça— advertiu Narizinho.— Já ouvi vovó dizer que aviúvadoMalufdavendaéumaMulheraça.

—Está certo—confirmouQuindim—,eportanto ficavistoquecomÃo,On, Zarão,Rão,Aço ouAça,Az,Ázio eOrra, as palavras aumentam. Epara diminuírem, além do chorinho que Emília descobriu, como é quefazem?

Ninguémsabiadiminuirsemchorinho.Orinoceronteexplicou:—AlémdoInhoeZinhoqueEmíliajádisse,elasdiminuemcomIto...—Mosca,Mosquito—lembroulogoPedrinho.—EtambémcomEte,Eto,Oto,Ico...—Antônio,Antonico—lembrouamenina.—EcomEjo—continuouQuindim—,ecomIlho,Elho,El,lm,Olo,Uloe

Elo.—Quantosjeitos!—exclamouEmília.—Issoéqueaborrecenalíngua.

Emvezdehaverumjeitosóparacadacoisa,hámuitos.Talabundânciadejeitossóserveparadartrabalhoàgente.

— Dá um pouco de trabalho, sim— disse o rinoceronte—,mas emcompensaçãotrazmuitasvantagens.SePedrinhoviraralgumdiaescritorde histórias, há de ver que esta variedade ajuda grandemente o estilo,permitindoacomposiçãodefrasesmaisbonitasemusicais.

Narizinho olhou para Quindim com ar de surpresa. Como é que umbicho cascudo daqueles, vindo lá dos fundões da África, entendia até de"estilo"efrases"musicais"?

—Não posso compreender como ele virou tamanho gramático assimdummomentoparaoutro...

—Paramim—sugeriuEmília—Quindimcomeuaquelagramaticorraque Dona Benta comprou. Lembre-se que a bichona desapareceujustamente no dia em que Quindim dormiu no pomar. O Visconde tinhaestadoàsvoltascomela,estudandoditongosdebaixodajabuticabeira.Comcertezaesqueceu-aláeorinocerontepapou-a.

—Quebobagem,Emília!Gramáticanuncafoialimento.—Bobagem,nada!—sustentouaboneca.—DonaBentavivedizendo

queoslivrossãoopãodoespírito.Ora,gramáticaélivro;logoépão;logoéalimento.

—Boba!—gritouamenina.—Pãodoespíritoestáaíempregadono

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sentidofigurado.Nosentidomaterialumlivronãoépãodecoisanenhuma.Emíliadeuumagargalhada.— Pensa que não sei que os livros são feitos de papel de madeira?

Madeiraévegetal.Vegetaléalimentoderinocerontes.Logo,Quindimpodiamuito bem alimentar-se comos vegetais que se transformaramno papelquevirougramática.

Apesar do absurdo de semelhante hipótese, Narizinho ficou meioabalada.Quemsabe lá seQuindimnão tinhamesmocomidoaGramáticahistórica deEduardoCarlosPereira?Acontece tanta coisa esquisitanestemundo...

—Bom—disseorinoceronte.—ChegadeSubstantivos.VamosagoradarumavoltapelobairrodosAdjetivos.

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V-ENTREOSADJETIVOS

No bairro dos ADJETIVOS O aspecto das ruas era muito diferente. Só seviam palavras atreladas. Os meninos admiraram-se da novidade e orinoceronteexplicou:—OsAdjetivos,coitados,nãotêmpernas;sópodemmovimentar-seatreladosaosSubstantivos.Emvezdedesignaremseresoucoisas, como fazem os Nomes, os adjetivos designam as qualidades dosNomes.

NessemomentoosmeninosviramoNomeHomem,quesaíadumacasapuxandoumAdjetivopelacoleira.

—Alivaiumexemplo—disseQuindim.—AqueleSubstantivoentrounaquelacasaparapegaroAdjetivoMagro.Omeiodagenteindicarqueumhomemémagroconsistenisso—atrelaroAdjetivoMagroaoSubstantivoqueindicaoHomem.

— Logo, Magro é um Adjetivo que qualifica o Substantivo— dissePedrinho—porqueindicaaqualidadedesermagro.

—Qualidade oudefeito?—asneirouEmília.—ParaTiaNastácia sermagroédefeitogravíssimo.

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— Não burrifique tanto, Emília! — ralhou Narizinho. — Deixe orinocerontefalar.

O armazém dos Adjetivos era bem espaçoso e algumas prateleirasrecobriam as paredes. Na prateleira dos qualificativos PÁTRIOS, Narizinhoencontroumuitosconhecidosseus,entreosquaisBrasileiro,Inglês,Chinês,Paulista,Polaco,Italiano,FrancêseLisboeta,quesóeramatreladosaseresou coisas do Brasil, da Inglaterra, da China, de São Paulo, da Polônia, daItália,daFrançaedeLisboa.

Havia ali muito poucos Adjetivos daquela espécie. Mas as prateleirasdos que não eram Pátrios estavam atopetadinhas. Os meninos viram lácentenas, porque todas as coisas possuem qualidades e é preciso umqualificativo para cada qualidade das coisas. Viram lá Seguro, Rápido,Branco,Belo,Mole,Macio,Áspero,Gostoso, Implicante,Bonito,Amável, etc.—todososqueexistem.

—Enasalavizinha?—perguntouomenino.—LáestãoguardadasasLOCUÇÕESADJETIVAS.—OquesãoessasSenhorasLocuções?—perguntouEmília.—Sãoexpressõesqueequivalemaumadjetivoe sãoempregadasno

lugardeles.Porexemplo,quandodigo:OcalordatardeaborreceoVisconde,estou usando a Locução Da tarde em lugar do Adjetivo Vespertino; ouquandodigoPresentedeRei,emlugardePresenteRêgio.

AquelePresenteRégioagradouEmília,queficoupensativa.OmovimentonobairrodosAdjetivosmostrava-seintenso.Milharesde

NomesentravamconstantementepararetirardasprateleirasosAdjetivosdequeprecisavam—eláseiamcomelesnatrela.

Outros vinham repor nos seus lugares os Adjetivos de que nãonecessitavammais.

—Aspalavrasnãoparam—observouQuindim.—Tantooshomenscomoasmulheres(esobretudoestas)passamavidaafalar,demodoqueatrabalheiraqueoshumanosdãoàspalavraséenorme.

Nessemomentoumapalavrapassouporalimuitoalvoroçada.Quindimindicou-acomochifre,dizendo:—Reparemna talzinha.Éo SubstantivoMaria, que vem em busca de Adjetivos. Com certeza trata-se de algumnamorado que está a escrever uma carta de amor a alguma Maria enecessitadebonsAdjetivosparamelhorlheconquistarocoração.

A palavraMaria achegou-se a uma prateleira e sacou fora o AdjetivoBela;olhou-obeme,comoseonãoachassebastante,puxouforaapalavraMais;eporfimpuxouforaoAdjetivoBelíssima.

—ApalavraMaisformaoComparativo,comoqualonamoradodizque

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essaMariaéMaisBeladoquetaloutra;ecomoAdjetivoBelíssimaelediráque Maria é extraordinariamente bela. E desse modo, para fazer umacortesiaàsuanamorada,eleusaosdoisGRAUSDOADJETIVO.PartindodaformanormalqueéapalavraBela,usaoGRAUCOMPARATIVO,coma expressãoMaisBela,eusaoGRAUSUPERLATIVO,comapalavraBelíssima.

—Masnemsempreéassim—observouEmília.—Lánosítio,quandoeudigoMaisGrande,DonaBentagritalogo:"Maisgrandeécavalo".

—Etemrazão—concordouorinoceronte—,porquealgunsAdjetivos,comoBom,Mau,GrandeePequeno,saemdaregraedão-seao luxode terformas especiais para exprimir o Comparativo.Bom usa a formaMelhor.Mau usa a formaPior.Grande usa a formaMaior, ePequeno usa a formaMenor.Orestoseguearegra.

—EparaqueserveoSUPERLATIVO?—Para exagerar as qualidades do Adjetivo. Forma-se principalmente

comumíssimooucomumÉrrimonofimdapalavra,comoFeliz,Felicíssimo;Salubre,Salubérrimo.OuentãousaoOMais,comoOMaisFeliz.

—Esequiserexagerarparamenos?—indagouPedrinho.—NessecasousaaexpressãoOMenosFeliz...— Sim—murmurou Emília distraidamente, com os olhos postos no

Visconde,quecontinuavacaladoeapreensivocomoquemestáincubandoumaidéia.—OSonsíssimoVisconde,ouOMaisSonsode todosossabugoscientíficos...

De fato, o Visconde estava preparando alguma. Deu de ficar tãodistraído, que até começou a atrapalhar o trânsito. Tropeçou em váriaspalavras,pisounopédeumSuperlativoechutouumOmaiúsculo,certodequeeraumabolinhadefutebol.

QueseriaquetantopreocupavaoSenhorVisconde?

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VI-NACASADOSPRONOMES

—ChegadeAdjetivos—gritouamenina.—Eunãoseiporquê,tenho

grandesimpatiapelosPRONOMES,equeriavisitá-losjá.— Muito fácil — respondeu o rinoceronte. — Eles moram naquelas

casinhasaquidefronte.Aprimeira,emenor,éadosPronomesPESSOAIS.—Elaétãopequena...—admirou-seEmília.— Eles são só um punhadinho, e vivem lá como em república de

estudantes.E todos se dirigiram para a casa dos Pronomes Pessoais enquanto

Quindim ia explicando que os Pronomes são palavras que também nãopossuempernasesósemovimentamamarradasaosVERBOS.

Emíliabateunaporta—toque,toque,toque.VeioabriroPronomeEu.—Entrem,nãofaçamcerimônia.Narizinhofezasapresentações.—Tenhomuitogostoemconhecê-los—disseamavelmenteoPronome

Eu.—Aquinanossacidadeoassuntododiaéjustamenteapresençados

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meninos e deste famoso gramático africano. Vão entrando. Nada decerimônias.

Eemseguida:—Poiséisso,meuscaros.Nestarepúblicavivemosanossavidinha,que

é bem importante. Semnós os homensnão conseguiriam entender-se naterra.

—Todasasoutraspalavrasdizemomesmo—lembrouEmília.— E nenhuma está exagerando— advertiu o Pronome Eu.— Todas

somos por igual importantes, porque somos por igual indispensáveis àexpressãodopensamentodoshomens.

—Eosseuscompanheiros,osoutrosPronomesPessoais?—perguntouEmília.—Estãoládentro,jantando.Àmesadorefeitórioachavam-seosPronomesTu,Ele,Nós,Vós,Eles,Ela

eElas.EssesfigurõeseramservidospelosPronomesOBLÍQUOS,quetinhamopescoçotortoelembravamcorcundinhas.OsmeninosviramláoMe,oMim,oMigo,oNos,oNosco,oTe,oTi,oTigo,oVos,oVosco,oO,oA,oLhe,oSe,oSieoSigo—dezesseisPronomesOblíquos.

—Simsenhor!Que luxodecriadagem!—admirou-seEmília.—CadaPronometemaseuserviçovárioscriadinhosoblíquos...

—Eaindaháoutrosserviçais,osPronomesdeTRATAMENTO—disseEu.— Lá no quintal estão tomando sol os Pronomes Fulano, Sicrano, Você,VossaSenhoria,VossaExcelência,VossaMajestadeeoutros.

—EparaqueservemosSenhoresPronomesPessoais?—perguntouamenina.— Nós — respondeu Eu — servimos para substituir os Nomes das

pessoas. Quando a Senhorita Narizinho diz Tu, referindo-se aqui a estasenhoraboneca,estásubstituindooNomeEmíliapeloPronomeTu.

Osmeninosnotaramumfatomuitointeressante—arivalidadeentreoTueoVocê.OPronomeVocêhaviaentradodoquintalesentara-seàmesacom toda a brutalidade, empurrando o pobrePronomeTudo lugarzinhoondeeleseachava.Via-sequeeraumPronomemuitomaismoçoqueTu,ebastantecheiodesi.Tinhaaresdedonodacasa.

—Queháentre aquelesdois?—perguntouNarizinho.—Parecequesãoinimigos...

—Sim—explicouoPronomeEu.—OmeuvelhoirmãoTuandamuitoaborrecidoporqueotalVocêapareceueandaaatropelá-loparalhetomarolugar.

—Apareceucomo?Dondeveio?

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—Veiovindo. . .NocomeçohaviaotratamentoVossaMercê, dadoaosreisunicamente.Depoispassouaserdadoaos fidalgose foimudandodeforma.FicouunstemposVossemecêedepoispassouaVosmecêefinalmentecomo está hoje — Você, entrando a ser aplicado em vez do Tu, notratamento familiar ou caseiro. No andar em que vai, creio que acabaráexpulsandooTuparaobairrodaspalavras arcaicas, porque jánoBrasilmuitopouca gente empregaoTu.Na língua inglesa aconteceuuma coisaassim.OTulásechamavaThouefoivencidopeloYou,queéumaespéciedeVocê empregadapara todomundo, seja grandeoupequeno, pobreourico,reiouvagabundo.

—Estouvendo—disseamenina,quenãotiravaosolhosdeVocê.—Eleémoçoepetulante,aopassoqueopobreTupareceestarsofrendodereumatismo.Vejaquecaratristeocoitadotem...

—Poiso talTu—disseEmília—oquedeve fazeré ir arrumandoatrouxa e pondo-se ao fresco. Nós lá no sítio conversamos o dia inteiro enunca temosocasiãode empregarum sóTu, salvonapalavraTatu. ParanósoTujáestávelhocoroca.

Emudandodeassunto:—Diga-meumacoisa,SenhorEu.Estácontentecomasuavidinha?— Muito — respondeu Eu. — Como os homens são criaturas

sumamente egoístas, eu tenho vida regalada, porque represento todos oshomense todas asmulheres que existem, sendo pois tratado dummodoespecial.CreioquenãohápalavramaisusadanomundointeirodoqueEu.QuandoumacriaturahumanadizEu,baba-sedegostoporqueestáfalandodesiprópria.

—EforaosPronomesPessoaisnãoháoutros?— Há sim— disse Eu—, moram aqui na casa ao lado. Uns pobres

coitados...Os meninos despediram-se do Pronome Eu para irem visitar os

"coitados"daoutracasa,muitoadmiradosdapetulânciaeorgulhodaquelepronominhotãocurto.

—ParecequetemopresidentedaRepúblicanabarriga—comentouaboneca.Epareciamesmo...NaoutracasaosmeninosencontraramosPronomesPOSSESSIVOS—Meu,

Teu,Seu,Nosso,VossoeSeuscomasrespectivasesposasecomosplurais.Emília,queachavaaspalavrasMeueMinhaasmaisgostosasdequantasexistem, agarrou o casalzinho e deu um beijo no nariz de cada uma,dizendo:—Meusamores!

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Depois encontraram os PronomesDEMONSTRATIVOS— Este, Esse, Aquele,Mesmo, Próprio, Tal, etc, com as suas respectivas esposas e parentes. Asesposas eramEsta, Essa, Aquela,Mesma, Própria, etc, e os parentes eramEssoutro,Estoutro,Aqueloutro,etc.

— Muito bem — disse Narizinho. — Vamos adiante. Vejo algunssenhoresmuitoconhecidos.

Defato,maisadianteosmeninosencontraramosPronomesINDEFINIDOS,muito familiares a todos do bandinho. Eram eles:Algum, Nenhum, Outro,Todo,Tanto,Pouco,Muito,Menos,Qualquer,Certo,Vários,etc,comassuasrespectivasformasfemininaseoscompetentesplurais.

—Sãoumaspalavrinhasmuitoboas,queagenteempregaatodaahora—comentouEmília,sementretantobeijaronarizdenenhuma.

HaviaaindaosPronomesRELATIVOS,quêservempara indicarumacoisaque está para trás. Erameles:Que,Quem,OQual, Cujo, Onde, etc, com assuas respectivas esposas e plurais.Quindimexemplificou:—OVisconde,cujacartolinhasumiu,estádanado.Nestafrase,oPronomeCujarefere-seaumacoisaqueficouparatrás.

Defato,oViscondehaviaperdidoasuacartolinhanaaventuracomasPalavrasObscenas.Deixara-aparatrás.

—Continue,Quindim—pediuEmília,eorinocerontecontinuou.—Temos, por fim, os Pronomes INTERROGATIVOS, que servem para fazer

perguntas.TodosusamumPontodeInterrogaçãonofim,paraqueagentevejaquesãoperguntativos.

EosmeninosviramláosInterrogativos:Quê?Qual?Quanto?Quem?EmíliagostoudeconheceraquelesPronomes.Elaeraabonecaquemais

trabalhodavaaosSenhoresPronomesInterrogativos.

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VII-ARTIGOSENUMERAIS

—Enaquela casinhaminúscula?—perguntouEmília.—Quemmora

lá?—Lámoramovi,oO,oUm,Uma,umaspulgasdepalavrinhas,masque

apesardissosãoutilíssimas.Agentenãodáumpassosemusá-las.SãoosARTIGOS.

—Paraqueservem?—Para individualizarumNome. Individualizarquerdizermarcarum

entremuitos.Quandoagentediz:Ameninadonarizarrebitado, aqueleAdocomeçomarca,ouindividualiza,estameninaqueestáaqui,estanetadeDonaBenta—enãoumameninaqualquer.Tudojáficamuitodiferentesedissermos:Meninadonarizinhoarrebitado—semoA,porqueentãojánãoestaremosmarcando estazinha aqui. O Artigo Um também individualiza.EmUmMacaco,oUmindividualiza,oumarca,umcertomacacoentretodaamacacada.

—MasUmMacaconãodizqualéomacaco.UmMacacopodeseresteouaquele—objetouEmília.

—Por issomesmooOeoArecebemonomedeArtigosDEFINIDOS,e o

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casalzinhoUmeUmarecebemonomedeArtigosINDEFINIDOS.OArtigoOéDefinido porque marca com certeza; o Artigo Um é Indefinido porquemarcasemcerteza.

—Acoisaéumtantocomplicada;massemexplicareuentendomelhordoqueexplicadodemais.Vamosadiante.

Os meninos viram um imenso galpão com a seguinte tabuleta:NUMERAIS.

—Aquitambémmoramnúmeros,Quindim?—perguntouomenino.—Não—respondeuQuindimrindo—,masoshomensusampalavras

paraexpressaremosnúmeros.OsNumeraissãoaspalavrasqueexprimemnúmeros,ordem,múltiplosoufrações.Elessedividemem:CARDINAIS,comoemUm,Dois,CentoeCinqüenta,Quatrocentos,DoisMileDuzentos,Milhão,etc; ORDINAIS, que exprimem ordem, como Primeiro, Segundo, Décimo,Centésimo, Milésimo, etc. Podem ser também MULTIPLICATIVOS, como Dobro,Duplo, Triplo, Óctuplo,etc. E, por fim, podem ser FRACIONÁRIOS, comoMeio,Metade,Terço,Quarto,Nono,Décimo,OnzeAvós,VinteAvós,QuarentaAvós,CinqüentaAvós...

—Chega,Quindim—berrouEmília—,jásabemosqueosnúmerossãoinfinitos.Senãovamosficaravidatodaaqui...

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VIII-NOACAMPAMENTODOSVERBOS

—Agora iremos visitar oCampodeMarte onde vivemacampadosos

VERBOS,umaespéciemuitocuriosadepalavras.DepoisdosSubstantivossãoosVerbosaspalavrasmaisimportantesdalíngua.SócomumNomeeumVerbo já podem os homens exprimir uma idéia. Eles formam a classemilitardacidade.

—MasqueéumVerbo,afinaldecontas?—perguntouPedrinho.—Verboéumapalavraquemudamuitodeformaeserveparaindicaro

queosSubstantivosfazem.AmaiorpartedosVerbosassumem sessenta eoitoformasdiferentes.

—Nessecasosãooscamaleõesdalíngua—observouEmília.—DonaBenta diz que o camaleão está sempremudando de cor. Sessenta e oitoformasdiferentes! Issoatéchegaaserdesaforo.OsNomeseAdjetivossómudamseisvezes—parafazeroGênero,oNúmeroeoGrau.

—PoisossenhoresVerbosatécansamagentedetantomudar—disseorinoceronte.—Sãopalavraspolíticas,queseajeitamatodasassituaçõesda vida. Moram aqui em quatro grandes acampamentos, ou campos de

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CONJUGAÇÃO.OsquatroacampamentosocupavamtodooCampodeMarte.Cadaum

trazia letreiro na entrada. Emília leu o letreiro mais próximo —AcampamentodosVerbosda PRIMEIRA CONJUGAÇÃO. Em letrasmenoresvinhaumaviso: "SóépermitidaaentradaaosVerbosde Infinito terminadoemAr".

—QuequerdizerInfinito?—indagouNarizinho.—ÉumadassessentaeoitoformasdiferentesdosVerbos,eaquedá

nomeatodaatribo.O acampamento imediato era o da SEGUNDA CONJUGAÇÃO, para os Verbos

terminadosem Er. O acampamento seguinte era o da TERCEIRA CONJUGAÇÃO,para os Verbos terminados em Ir. Os meninos viram um acampamentomaisnovo,anexoaoacampamentodosVerbosdaSegundaConjugação.

—Vamoscomeçarnossavisitaporaquele—disseEmília—,sóporqueeleémaisnovinhoemenordoqueosoutros.

Dirigiram-se todos para lá, mas o desapontamento foi grande.EncontraramapenasoVerboPôresuafamília.

— Ora essa— disse Emília. — Explique, Quindim, o que faz aí essecoruja?Porquenãoestánoacampamentograndejuntocomosoutros?

Quindimsuspirouecomeçou:— Antigamente Pôr pertencia à Segunda Conjugação e chamava-se

Poer.Maso tempo,que tantoestragaemudaosVerbos, comotudomais,fez que apodrecesse e caísse o E de Poer. Ficou Pôr, como está hoje. Osgramáticos então criaramumanova conjugaçãopara ele e seus parentesCompor, Depor, Propor, Dispor, Antepor, Supor e outros. Depois outrosgramáticos acharamquenãoestavabemcriaremumaconjugação inteiraparaumVerbosó,etrouxeramopobrePôresuafamíliaparaesteanexodaSegundaConjugaçãoelhederamonomedeVerboANÔMALO,quequerdizerVerboAnormaldaSegundaConjugação.

—Quecomplicação!SeriamuitomaissimplesfabricaremumEnovodepauparasubstituiroqueapodreceu—lembrouEmília.

—Parecesimplesmasnãoé.Osgramáticosmexemeremexemcomaspalavras da língua e estudam o comportamento delas, xingam-nas denomesrebarbativos,masnãopodemalterá-las.Quemalteraaspalavras,eas faz edesfaz, e esqueceumas e inventanovas, é odonoda língua—oPovo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não passam dos"grilos"dalíngua.

— Nesse caso— insistiu Emília—, em vez de xingá-lo de Anômalo,podiamterpostoumletreirinhonopescoçodoVerbo:"EleéPoer;seestá

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Pôr é porque o E apodreceu e caiu". Mas vamos sair do anexo e ver oacampamentodaSegundaConjugação.

Lá estava coalhado de Verbos, a ponto dos meninos nem poderemandar. O momento era bom. O batalhão do Verbo Ter, que é dos maisimportantes,iadesfilar.Umacometasooueodesfiletevecomeço.

Esse batalhão compunha-se de sessenta e oito praças, ou PESSOAS,distribuídas em companhias, ou MODOS, e em pelotões, ou TEMPOS. Abria amarcha o MODO INDICATIVO, com trinta e seis soldados repartidos em seisTempos. Na frente de todos vinha o TEMPO PRESENTE, composto de seissoldadinhos, cadaqual comumPronomenobolso.OsVerbosnão sabemandarsós;vivemligadosaalguémoualgumacoisa,queéoSUJEITO;equandooSujeitonãoestápresente,botamemlugardeleumPronome.

Osnomesdos seis soldadinhosdoTempoPresenteeramTenho,Tens,Tem,Temos,TendeseTêm,eosPronomesque traziamnobolsoeramEu,Tu,Ele,Nós,VóseEles.Seissoldadinhosvivoseenérgicos,quemarchavammuitosegurosdesi.

—Bravos!—gritouEmília.—Pelojeitodemarcharagentevêqueelestêmmesmo...

Emseguidaveioo SegundoTempo, cujonomeera PRETÉRITO IMPERFEITO;tinha igual número de soldadinhos, ou Pessoas, embora menos jovens ecomcarasmenosvivas.

Chamavam-seTinha,Tinhas,Tinha,Tínhamos,TinheiseTinham.—Essesnãotêm:tinham!. . .—observouPedrinho.—Por isso estão

meiojururus.Depois veio o Terceiro Tempo, chamado PRETÉRITO PERFEITO, composto

igualmente de seis soldados de olhos no fundo, amarelos, magros, comexpressãodemedonacara.EramelesTive,Tiveste,Teve,Tivemos,TivesteseTiveram.

—Estouvendo!—comentouEmília.—Tiveram,jánãotêmmaisnada,osbobos.Bemfeito!Quemmanda...

—Quemmandaoquê,Emília?—indagouNarizinho.—Quemmandaperderemoquetinham?Agoraagüentem.Depois desfilou o Quarto Tempo, chamado PRETÉRITO MAIS-QUE-PERFEITO.

Eramtambémseissoldados—Tivera,Tiveras,Tivera,Tivéramos,TivereiseTiveram.

Depois passou o Quinto Tempo, chamado FUTURO DO PRESENTE, e foramrecebidos com palmas por serem soldadinhos dos mais alegres eesperançosos—Terei,Terás,Terá,Teremos,Tereis,Terão.

— Estes são espertos— disse Pedrinho.— Sabem contentar a todo

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mundo.VivaoFuturo!...EstavaterminadoodesfiledoModoIndicativo,queexprimeoqueé,ou

arealidadedomomento.Houve um pequeno descanso antes de começar o desfile do MODO

IMPERATIVO,queeraorgulhosíssimo.Compunha-seapenasdecincosoldadoscarrancudos,comarmaisautoritárioqueodopróprioNapoleão.EramelesoTem,Tenha,Tenhamos,Tende,Tenham.

—Sófazemisso—explicouQuindim.—Mandamqueopessoaltenha.—Tenhaquecoisa?—indagouEmília.— Tudo quanto há. Quando o Imperativo diz para você, com voz de

ditador:Tenhajuízo,Emília!,elenãoestápedindonada—estámandandocomoquempode,ouviu?

—Fedorento!...—exclamouabonecacomummuxoxodepouco-caso.DepoisdesfilouoMODOSUBJUNTIVO,comtrêsTempos,deseisPessoascada

um.OPrimeiroTempo,denomePRESENTE,traziaossoldadosTenha,Tenhas,Tenha,Tenhamos,TenhaiseTenham.

EmseguidadesfilouoSegundoTempo,denomePRETÉRITOIMPERFEITO,comos seus seis soldados—Tivesse, Tivesse s, Tivesse, Tivéssemos, Tivésseis eTivessem.Epor fimdesfilouoTerceiroTempo,oFUTURO, comos seus seissoldados—Tiver, Tiveres, Tiver, Tivermos, Tiverdes e Tiverem. E pronto!Acabou-se o Modo Subjuntivo, que é o Modo que indica alguma coisapossível.

—Qualoquevemagora?—perguntouomenino.—Vai desfilar agora oMODO INFINITIVO — respondeu Quindim.— Esse

ModosótemdoisTempos—oPRESENTEIMPESSOAL,comumsoldadoúnico—Ter;eoPRESENTEPESSOAL,comseissoldados—Ter,Teres,Ter,Termos,TerdeseTerem.

—Hum!...—exclamouEmíliaquandoviupassar,muitotesoecheiodesi,osoldadinhoTer,doPresenteImpessoal.—EsteéotalInfinito,paidetodoseoquedánomeaoVerbo.Umverdadeirogeneral.Mereceparabénspeladisciplinadasuatropa.

Fechava a marcha do Modo Infinito o GERÚNDIO, composto do soldadoTendo,seguidologodepoisdoPARTICÍPIO,compostotambémdumsósoldado,umveteranomuitovelho,comopeitocheiodemedalhas—Tido.

— Parece o Garibaldi — asneirou a boneca. — Escangalhado, masglorioso.

Estava finda a revista do Verbo Ter. O rinoceronte perguntou aosmeninossequeriamassistiraoutras.

—Não— respondeu Narizinho.— Quem vê um Verbo, vê todos. Só

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quero saber que história é essa de Verbos REGULARES e IRREGULARES. Estounotandoaliumacercaqueseparaunsdeoutros.

—VerbosRegularessãoosbem-comportados—explicouQuindim—,os que seguem as regras muito direitinhos. Verbos Irregulares são osrebeldes,osquenãoseconformamcomadisciplina.EsteSenhorTer,porexemplo, é Irregular, visto como não segue o PARADIGMA da SegundaConjugação.

—QueParadigmaéesseagora?—indagouPedrinho.—CadaConjugaçãopossuioseuRegulamento,ouParadigma,afimde

que todososVerbosRegulares formemassuas PESSOAS sempredomesmomodo.

—QuePessoas,Quindim?—Os soldadinhos são as Pessoas dos Verbos, creio que já expliquei.

Tenho,Tens,Tem,Temos,TendeseTêm,porexemplo,sãoasseisPessoasdoTempoPresentedoModoIndicativo.

—ComqueentãootalTeréirregular,hein?Nãoparecia.—EalémdeIrregularéAUXILIAR.OsVerbosTer, Ser, Estar eHaver são

chamadosVerbosAuxiliaresporquealémde fazeremo seu serviçoaindaajudam outros Verbos. Quando alguém diz: Tenho brincado muito, estábotandooVerboTercomoauxiliardoVerboBrincar.

—EqueoutrasqualidadesdoVerbohá?—Muitas.Verboécoisaquenãoacabamais.HáVerbosDEFECTIVOS,uns

coitados,comfaltadeModos,TemposouPessoas.Há os Verbos PRONOMINAIS, que não sabem viver sem um Pronome

Oblíquoadianteouatrás,comoQueixar-se.SemesseSe,ououtroPronome,elenãosearrumanavida.

Há os Verbos ATIVOS, que dizem o que o Sujeito faz; e há os VerbosPASSIVOS,quedizemoquefizeramparaoSujeito.Afrase:EucomiodoceestácomumVerboAtivo.Afrase:OdocefoicomidopormimestácomumVerboPassivo(FoiComido).

Se formos falar tudo, tudo, a respeitodeVerbos, ficaremosaquiodiainteiro. Gentinha que muda de forma como eles fazem, dá pano paramangas! E são exigentíssimos. Uns não sabem viver sem um COMPLEMENTOadiante, e por isso se chamam Verbos TRANSITIVOS. Outros dispensam oComplemento,eporissosechamamINTRANSITIVOS.Queimar,por exemplo, éTransitivo, porque exigeComplemento. Se alguémdiz:O fogoqueimou, afrase fica incompleta; e quem ouve pergunta logo o que é que o fogoqueimou. Essa coisa que o fogo queimou, seja mato, lenha ou carvão,constituioObjetoDiretodeQueimou.

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—EosIntransitivos?—EssesnãopedemComplemento, comoeu jádisse.OVerboMorrer,

porexemplo,éIntransitivo.Quandoagentediz:Ogatomorreu,afraseestáperfeitaeninguémperguntamaisnada.—Eupergunto!—gritouEmília.—Perguntodequemorreu,equemomatoueondejogaramocadáver.|

Quindimcoçouacabeça.

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IX-EMÍLIANACASADOVERBOSER

Emíliateveumagrandeidéia:visitaroVerboSer,queeraomaisvelhoe

graduado de todos os Verbos. Para isso imaginou um estratagema:apresentar-senopalácio emqueele vivia, naqualidadede repórterdumjornalimaginário.—OGritodoPica-PauAmarelo.

— Meu caro senhor — disse ela ao porteiro do palácio —, eu souredatoradoGritodoPica-PauAmarelo,omaisimportantejornaldosítiodeDonaBenta,evimcáespecialmenteparaobterumaentrevistadograndeeilustreVerboSer.Serápossível?

O porteiro mostrou-se atrapalhado, porque era a primeira vez queapareciaporaliumarepórterdaquelamarca.Acidadedalínguacostumavaservisitadaapenasporunsvelhoscarrancas,chamadosfilólogos,ouentãoporgramáticosedicionaristas,gentequeganhaavidamexericandocomaspalavras,levantandooinventáriodelas,etc.Masumajornalista,ejornalistadaqueletamanho,issoeranovidadeabsoluta.

—Vouverseelerecebeasenhorita—respondeuoguarda.

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-—Poisvá,e interesse-sepelomeucaso,quenãoperderáotempo—disseEmília.—Mando-lheládosítiounsbolinhosdeTiaNastácia,quesãoexcelentes.

O venerando Verbo Ser ouviu o guarda e estranhou o pedido deentrevista;mascomotivessemuitomedodaimprensa,nãopôderecusar-seareceberaquelarepórter.

Emília foi levada à presença dele e entrou muito tesa, com umbloquinhodepapeldebaixodobraçoeumlápissempontaatrásdaorelha.O venerando ancião estava sentado num trono, tendo em redor de si osseussessentaeoitofilhos—ouPessoasdosseusModoseTempos.Pareciaumvelhodemilanos,comaquelacabeleirabrancadePapaiNoel.

—Salve,Serência!—exclamouEmília,curvando-sediantedele,comosbraços espichados, àmodadoOriente.—Oqueme traz à vossa augustapresençaéodesejodebemserviraosmilharesdeleitoresdoGritodoPica-PauAmarelo,ojornaldemaiortiragemdosítiodeDonaBenta.OscoitadosestãoansiososporconhecerasidéiasdeVossaSerênciasobremilcoisas.

—Suba,menina!—respondeuoVerboSercomvoztrêmula.Emília subiuosdegrausdo trono, abrindo caminhoa cotoveladaspor

entre a soldadesca atônita, e foi postar-se bem defronte do venerávelancião.

— Fale, Serência, enquanto eu tomo notas— disse ela, e começou afazerpontanolápiscomosdentes.

OVerboSertossiuopigarrodosséculosecomeçou:—EusouoVerbodosVerbos,porquesouoquefaztudoquantoexiste

ser. Se você existe, bonequinha, é por minha causa. Se eu não existisse,comopoderiavocêexistirouser?

—Estáclaro—disseEmíliaescrevendounsgarranchos.—Váfalando.Sertossiuoutropigarroecontinuou:—MuitosgramáticosmechamamVERBOSUBSTANTIVO,comoquemdizque

eu sou a substância de todos os demais Verbos. E isso é verdade. Sou aSubstância!SouoPaidosVerbos!SouoPaideTudo!SouoPaidoMundo!Comopoderiaomundoexistir,ouser,senãofosseeu?Responda!

— Não tem resposta, Serência. É isso mesmo — disse Emília,escrevendo. — Os leitores do Grito vão ficar tontos com a minhareportagem. O diabo é este lápis sem ponta. Não haverá por aí algumcaniveteoufacaquenãosejademesa,Serência?

Não havia canivete, nem faca, nem nenhum instrumento cortantenaquela cidade de palavras, demodo que Emília só podia contar com osseusdentes.Mas tanto roeuo lápis, semconseguirboaponta,queele foi

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diminuindo,diminuindo,atévirarumtoquinhoinútil.Acabou-seolápis—e foi essa a verdadeira causa de oGrito do Pica-Pau Amarelo (jornalquealiás nunca existiu) não haver publicado a mais sensacional reportagemqueaindafoifeitanomundo.

OVerboSer faloumuitacoisadesi, contandotodaasuavidadesdeocomeço dos começos. Disse que já haviamorado na cidade das palavraslatinas,hojemorta.

— Naquele tempo eu me chamava Esse. Depois que a cidade latinacomeçouadecair,mudei-meparaascidadesnovasqueseforamformandopor perto, e em cada uma assumi forma especial. Aqui nesta tomei estaforma que você está vendo e que se escreve apenas com três letras. NacidadedeGalópolis vireiÈtre. Em Italópolis vireiEssere. Em Castelópolissoucomoaquimesmo.

—EntãofoiemRomaqueVossaSerêncianasceu?—Não,menina.SoumuitomaisvelhoqueRoma.Antesdemudar-me

paraláeujáexistianacidadedaspalavrassânscritas;eantesdeirparaacidade das palavras sânscritas, eu já vinha não sei de onde. Perdi amemóriadolugaredotempoemquenasci,emboraestejaconvencidodequenascijuntocomomundo.

—Poisolhe—disseEmília—,estábemrijinhoparaa idade. . .DonaBenta, com sessenta e oito anos apenas, não chega aos pés de VossaSerência.

—Nós,palavras,vivemosmuitomaisdoqueascriaturashumanas.— Mas também morrem — observou Emília, apontando para o

cemitérioqueseavistavaatravésdajanela.— Sim. Morrem certas palavras que não são de boa raça. Um Verbo

comoeunãomorrenunca.Mudadeaspectoapenas,eemigradumacidadeparaoutra.Eununcaheidemorrer.

—Assimseja,Serência!—disseEmília.—PorqueseVossaSerênciacaina asneira de morrer, como iremos nós nos arranjar lá tiú mundo?Ninguémmaispoderásercoisanenhuma...

Pela janela aberta via-se um trecho de rua, onde o Visconde estava apasseardebraçodadoaumapalavraesquisita.

—Queméaquelefigurão?—perguntouSer,franzindoossobrolhos.—PoiséonossograndeViscondedeSabugosa,umverdadeirosábioda

Grécia.GostamuitodeArcaísmoseoutrasvelharias.Juroqueapalavraqueestácomeleécoroca.

—Nãoé,não.Jáfoicoroca;hojeestáremoçada.AquelapalavraéatalParedro,queemRomaconhecisobaformalatinaParedrus.Emigroupara

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cá comigo, mais ninguém quis saber dela. Os homens não a chamavamnuncaparacoisaalguma,eporfimacoitadatevededesocuparobecoeirvivernobairrodosArcaísmos.Poissabeoqueaconteceu?Umbelodiaumdeputadobrasileiro,queeraogranderomancistaCoelhoNeto,teveaidéiade requisitá-la para a meter num discurso. Já lhe mandamos a palavrarequisitada,aindacheiadepóe teiasdearanhacomoseachava.Paredroentrounodiscursododeputado,fezsucessoevoltourejuvenescida.Desdeentão passou a receber freqüentes chamados e acabou vindo morar denovoaquino centro, emcompanhiadaspalavrasvivas.Casos comoesse,porém,sãoraríssimos.Emgeral,quandoumapalavramorre,morredumavez.

AconversadeEmíliacomoVerboSerduroubastantetempo.Umvelhovelhíssimocomoaqueletemmuitoquecontar.Porfimacabaramamigos,eEmíliapediu-lhequeaacompanhassenumavisitinhaaosAdvérbios,espéciedepalavrasqueelaaindanãoconhecia.

—Poisnão.Commuitoprazer—disseovenerávelvelho,etomando-lheamãozinhasaiucomeladopalácio.

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X-ATRIBODOSADVÉRBIOS

—Ocaminhoéporaqui,senhorita-—disseoVerboSer.—OsSenhores

ADVÉRBIOSmoramnobairrodas PALAVRAS INFLEXIVAS, onde tambémmoram asPREPOSIÇÕES,asCONJUNÇÕESeasINTERJEIÇÕES.

—QuequerdizerPalavraInflexiva?—Querdizerpalavradequeixoduro,quenãomudanuncade forma,

comoofazemosnós,osVerbos.AsPalavrasInflexivassãorígidascomosefossemfeitasdeferro.

—MasqueéAdvérbio?—indagouEmília.— Advérbio é uma palavra que nos modifica a nós, Verbos; e que

modifica os Adjetivos; e que, às vezes, também modifica os própriosAdvérbios.

— Que danadinhos, hein? — exclamou Emília. — Mas de que jeitomodificam?

— De muitos jeitos. Modificam de Lugar, tirando daqui e pondo ali.

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Modificam de Tempo, fazendo que seja agora ou depois. Modificam deModo, ou fazendo que seja desse jeito ou daquele, ou que seja assim ouassado. Modificam de Intensidade, fazendo que seja mais ou menos.Modificam de Ordem, fazendo que seja em primeiro lugar ou não. Pelosrótulosdasprateleirasvocêpoderáverdequejeitoelesmodificamagente.

—Agenteverbática—frisouEmília—,porqueeutambémsougenteenadamemodifica.SóTiaNastácia,àsvezes...

—Queméessasenhora?—UmaAdvérbiapretacomocarvão,quemoranosítiodeDonaBenta.

Istoé,Advérbiasóparamim,porquesóamiméqueelamodifica.ParaosoutroséumaSubstantivaquefazbolinhosmuitogostosos.

NaCasadosAdvérbios,Emíliaencontrou-osemcaixinhas,comrótulosna tampa. Primeiro abriu a caixinha dos Advérbios de LUGAR, ondeencontrou os seguintes: Aqui, Ali, Lá, Além, Longe, Atrás, Fora, Abaixo,Acima,eoutrosconhecidosseus.

Na segunda caixinha viu os Advérbios de TEMPO —Hoje, Agora, Cedo,Amanhã,Ontem,Tarde,Nunca,Depois,Ainda,Entrementes.

—Oh—exclamouEmília, agarrando o Entrementes pelo cangote.—Não sabia que era aqui quemorava este freguês. Conheço ummoço quetemtantabirradestecoitadoqueriscatodosqueencontranaspáginasdoslivros.Masnãoétãofeioassim,opobre.Queacha,Serência?

OVerboSermoveuosombros,comoquemnãoachanemdesachacoisanenhuma,eEmíliajogouopobreEntrementesparadebaixodamesa.

NaterceiracaixinhaestavamosAdvérbiosdeMODO—Bem,Mal,Assim,Apenas,Rente,Ainda,Tambémeoutros.

Na quarta estavam os Advérbios de INTENSIDADE — Muito, Pouco,Bastante, Mais, Menos, Tão, Tanto, Quanto, Que, Quase, Metade, Todo eoutros.

NaquintacaixinhaEmíliaviuosAdvérbiosdeAFIRMAÇÃO—Sim,Deveras,Certamente.

NasextaviuosAdvérbiosdeDÚVIDA—Talvez, Caso,Acaso,Porventura,Quiçá.

NasétimaviuosAdvérbiosdeNEGAÇÃO—Não,Nunca,Jamais,Nada.Na oitava viu os Advérbios INTERROGATIVOS — Onde? Aonde? Donde?

Quanto?Quando?Como?Porquê?Emília notou que em quase todas as caixinhas havia Advérbios

terminadosemMente,edepoisviuqueaumcantoestavaumagrandecaixacheiadessaspalavrinhas.

—Quementiradaéestaaqui—perguntou.—QuetantoMente,Mente?

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...—Istoéumcasocurioso—explicouSer.—EstapalavraMenteéum

velhoSubstantivo,comosignificadodemaneiraouintençãoqueoshomenscomeçaram a empregar no fabrico de Advérbios. Hoje não é maissubstantivoesimrabodeAdvérbio,ouTerminaçãoAdverbial, comodizemos gramáticos. Grudando-se um rabinho destes a um Adjetivo, sai umAdvérbio. Constante, por exemplo, é Adjetivo; põe o rabinho e vira oAdvérbioConstantemente.

— Que engraçado! — exclamou Emília, arregalando os olhos. — Demaneira que, se cortarmos o rabinho de Constantemente, aparece oAdjetivooutravez,nãoé?

—Estáclaro.Para tirar a prova Emília agarrou o Constantemente e arrancou-lhe a

caudinha—e,defato,oAdjetivoConstantesaiuapulardesatisfação,indonumacorridaparaacasadosAdjetivos,enquantoacaudinhasaltavaparadentrodocaixãodeMente.

—OsAdjetivos—disseSer—gostamàsvezesdefigurardeAdvérbio,mesmosemusodorabinho.Você,porexemplo,podedizer:Eugritoalto,em vez de dizer: Eu grito altamente. O Adjetivo Alto faz aí o papel deAdvérbio.

EmíliaviuaindaoutracaixadeAdvérbiosdearesestrangeirados.—Eestesgringos?—perguntou.— São Advérbios latinos que ainda têm uso no Brasil. Moram nessa

caixaoMáxime,oInfra,oSupra,oGrátis,oBis,oPrimo,oSegundoeoutros.E aqui, nesta última caixa, moram uns adverbiozinhos que não sãoInflexivos como os demais, porque mudam de forma quando queremexagerar. Isto significa que eles têmGrau, como os Adjetivos. EstePerto,porexemplo,sabevirar-seemPertinhoePertíssimo.

— Chega de Advérbios— berrou Emília. — Vamos ver as SenhorasPreposições.

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XI-ASPREPOSIÇÕES

—Gosto dos Advérbios— foi dizendo Emília, enquanto Ser a levava

paraacasadasPREPOSIÇÕES.—Elesprestamenormesserviçosaquemfala.ImpossívelagentedizerumacoisadomodoexatinhocomoéprecisosemusarqualquerAdvérbio.

— Sim— concordou Ser.— Ninguém pode arrumar-se na vida semeles.Aténós,Verbos,ganhamosimensamentecomasmodificaçõesqueelesnos fazem.Mas, bem consideradas as coisas, não existe palavra que nãoseja indispensável.SemosNomes,dequevaleríamosnós,Verbos?EsemVerbos,dequevaleriamosNomes?Todasaspalavrasajudam-seumasàsoutras,edessemodooshomensconseguemexprimir todasas idéiasquelhespassampelacabeça.

A Casa das Preposições não era grande, porque há poucas palavrasnessafamília.

_ Estas senhoritas— disse Ser— servem para ligar outras palavrasentresi,oupara ligarumacoisaqueestáatrásaumaqueestáadiante.O

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Advérbiomodifica;aPreposiçãoliga.—Querdizerquesãoosbarbantes,ascordinhasdalíngua—observou

Emília.— Issomesmo. Constituem os amarrilhos da língua. Sem elas a frase

ficariatelegráfica,oudesamarrada.Aquiestãotodasnestearmário,olhe.Emíliaexaminou-asumaporuma,paraasdecorarbem,bem.Viuláas

PreposiçõesA,Ante,Após,Até,Com,Contra,Conforme,Consoante,De,Desde,Durante,Em,Entre,Fará,Por,Sem,Sobre,Sobeoutras.

—Bravos!—-gritouEmília.—Sãoumascordinhaspreciosasestas.Agentenãopodedizernadasemusá-las,sobretudoasmenorzinhas,comoA,Até,Com,De,Sem,Por...

—CreioqueaPreposiçãoDeéamaisimportante—disseSer.—Numconcursodeutilidade,Devenceria.ÉcomoaliadianteaconjunçãoE,queéamenordetodas.Tãoeconômicaqueatéseescrevecomumaletrasó—eno entanto é uma danadinha de útil.— Vamos visitar as Conjunções! —gritouEmília.

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XII-ENTREASCONJUNÇÕES

OVerboSerlevouEmíliaparaaCasadasCONJUNÇÕES,queficavaaolado.— As Conjunções — explicou ele — também ligam; mas em vez de

ligarem simples palavras (como fazem as Preposições) ligam grupos depalavras,ouissoaqueosgramáticoschamamORAÇÃO.

—Oraçãonãoéreza?—perguntouEmília.— E reza e é também uma frase que forma sentido perfeito. Quando

alguémdiz:Emíliaéumaboneca,estáformandoumaOraçãocurtinha.Mashá frases muito compridas, compostas de várias Orações; nesse caso épreciso ligar as Orações entre si por meio das Conjunções. Não fazendoisso,afrasecaiaospedaços.

—Compreendo—disseEmília.—Seeudigo...—eengasgou.—Espere—advertiuSer.—Sevocêdiz:Aáguaémoleeapedraédura,

você está amarrando duas Orações diversas com o barbantinho daConjunçãoE.

Emília viu na Casa das Conjunções dois armários, um com asConjunções COORDENATIVAS e outro com as ConjunÇÕES SUBORDINATIVAS. No

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armário das Coordenativas encontrou muitas conhecidas suas, como E,Também,Então,BemComo,Que,Ou,Mas,Porém,Todavia,Senão,Somente,PoisBem,Ora,Aliás...

—Como sãonumerosas!— comentou a boneca.—Nunca supus quefossenecessáriotantavariedadedefiosparaamarrarasSenhorasOrações.

— Os homens costumam amarrar as Orações de tantos modosdiferentes,quetodasessascordinhassetornamnecessárias.

Emíliaaindaviu láLogo,Pois,Portanto,Assim,Por Isso,Daí,Ou, IstoÉ,PorExemplo,emuitasmais.

NosegundoarmárioestavamasConjunçõesSubordinativas,queligamasOraçõesdummodoespecial,escravizandoumaàoutra.Eramigualmenteabundantíssimas, e Emília notou as seguintes: Quando, Apenas, Como,Enquanto,DesdeQue,LogoQue,AtéQue,AssimQue,AoPassoQue,Se,Salvo,Exceto, Sem Que, Porque, Visto Que, De Modo Que, Para Que, Segundo,Conforme,Emboraeoutras.

—Xi...Sãotantasquejáestãomeenjoando—disseEmília,fazendoummuxoxo.—ChegadeCasadeFios.Vamosveroutracoisa.

—SónosrestavisitarasInterjeições—disseoVerboSer, tirandodobolsoumacaixinhaderapeparatomarasuapitada.

—Issoétabacooupódepirlimpimpim?—perguntouEmília.—Pó de pirlimpimpim?— repetiu o Verbo Ser, franzindo a testa.—

Quepóéesse?Emíliariu-se.—Nemqueirasaber,Serência!Éumpozinholevadodabreca.Umavez

tomamosumapitadaefomospararnaLua...E enquanto ia caminhando para a Casa das Interjeições, a boneca

desfiouaprimeiraaventuradaViagemaocéu.

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XIII-ACASADAGRITARIA

—Que barulhada!— exclamou Emília, ao aproximar-se da Casa das

INTERJEIÇÕES.—Seráalgumviveirodepapagaios?—Sãoelas.Aquiloládentropareceumhospício,porqueasInterjeições

nãopassamdegritinhos.—Gritosdequê?—Detudo.GritosdeDor,deAlegria,deAplauso...ACasadasInterjeiçõespareciamesmoumviveirodepapagaios.Assim

que entrou, Emília viu passarem correndo dois gemidinhos de DOR, asInterjeiçõesAi! eUi! Logo em seguida viu, a dar pulos, três gritinhos deALEGRIA:—Ah!Oh!Eh!Depoisviutrêsdenarizcomprido,asInterjeiçõesdeDESEJO: — Tomara! Oh! Oxalá! E viu três num entusiasmo doido — asInterjeições de ANIMAÇÃO: — Eia! Sus! Coragem! E viu quatro de APLAUSO,batendopalmas:—Viva!Bravo!Bem!

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Apoiado! E viumais quatro com caras de horror e nojo, que eram asInterjeições de AVERSÃO: — Ih, Xi! Irra! Apre! E viu algumas de APELO,chamando desesperadamente alguém: — Olá! Psiu! Alô! E viu duas deSILÊNCIO, encolhidinhas, de dedo na boca:—Psiu!Caluda! E viu uma bemvelhinha,deADMIRAÇÃO—Cáspite!

—Quebaitaquinhas!—comentouEmília, tapandoos I ouvidos.— Jáestoutonta,tonta...

—Eháaindaaqui—disseoVerboSer—estapequenacaixacomasONOMATOPÉIAS,OUInterjeiçõesIMITATIVASdecertossons.

EmíliaviunessacaixinhaasOnomatopéiasChape!,queimitaosomdoanimalpatinhandon'água.EviuZás-Trás!,queimitamovimentorápido.EviutambémocélebreNhoque!,muitousadoporPedrinhoparaimitarbotedecachorrobravo,EviuTchibum!—queimitabarulhodumacoisaquecain'água.EviuTrrrlin!,que imita somdeesporasnoassoalho,E viuTique-Taque,somderelógio.EToque-Toque,somdebatidaemporta.EviuCoin,Coin,Coin,somdeRabicóquandolevapelotadasdobodoquedePedrinho.

—Sim,senhor!—disseEmília,retirando-se.—Sãomuitogalantinhas,mas deixam uma pessoa atordoada. Lá no sítio usamos muito algumasdestasinterjeições,eaindaváriasoutrasinventadaspornós.TiaNastáciaéumadanadaparainventarInterjeições.Danadaparatudo,aquelanegra...

E,mudandodetom:—PorqueVossaSerêncianãoapareceporlá,umdia,paraumavisitaa

Dona Benta? Por ser muito velho? Ora, deixe-se disso!. . . Estamos láacostumados com a velhice. Dona Benta é velha e Tia Nastácia também.Cachorrobravo?...Oh,ébichoquenuncahouvenosítio.SótemosRabicó,queéummarquêsquenãomorde,eaVacaMocha,quenãotemchifre—eagoraesteQuindim,queéapéroladosgramáticos.

— E há ainda mais coisas por lá — continuou Emília, depois dumapausa.—HáosfamososbolinhosdeTiaNastácia,feitosdepolvilho, leite,umacolherzinhadesal,etc.Depoiselafrita.QuandoRabicósentedelongeocheirodessesbolinhos,vemnavolada.Masnãopilhaumsó.Écomidadegenteenãode...marquês.

Efinalizou,comumapiscadinhamarota:—DonaBentaéviúva.Vá,queatépodesaircasamento...OVerboSerolhavaparaEmíliacomosolhosarregalados.Elenãosabia

ahistóriadacélebretorneirinhadeasneiras...

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XIV-ASENHORAETIMOLOGIA

DepoisquesedespediudoVerboSer,Emília foicorrendoemprocura

doscompanheiros.Encontrou-osnaPraçadaANALOGIA, rodeadosdeváriaspalavras.OViscondeconversavacomduasabsolutamenteiguaisnaforma,emboradesentidodiferente—aspalavrasPena(dó)ePena(deescrever).

—Nãoachoissodireito—diziaoViscondeparaaprimeiraPena—,sea senhora significa uma coisa tão diversa da significação da suacompanheiraporquenãomuda,paraevitarconfusões?

—Sim—disseEmília,chegandoemetendoasuacolherzinhatortanaconversa. — Por que não usa um sinal — uma cruz na testa ou umapeninhadepapagaionacabeça,porexemplo?

—Nós,palavras,nãotemosaliberdadedenosmudaranósmesmas—respondeuPena (dó).—Unicamenteouso lá entreoshomenséquenosmuda,comoacabadesucederaestaminhaHOMÔNIMA, a SenhoraPena (deescrever.)ElajátevedoisNNeagoratemumsó.

—Pare!—gritouEmília.—Que"Homônima"éessa,queapareceusemmaisnemmenos?

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—Pena(deescrever)éminhaHomônima.Homônimaquerdizerumapalavraque temamesma forma de outra, embora de significado diverso.NósduasaquisomosHomônimas,domesmomodoquegrandenúmerodeoutraspalavrasdestacidade.Cesta(balaio)eSexta(número),porexemplo;Cela (quartinho) e Sela (de cavalo), Bucho (estômago) e Buxo (árvore),Cartucho(deespingarda)eCartuxo(frade)sãopalavrasHomônimas.

Eháaindaoutrasdiferencinhas.Sesomosiguaisunicamentenosom,osgramáticosnoschamamHOMÓFONAS,comoessasquecitei.Esesomosiguaisnaformaescrita,elesnoschamamHOMÓGRAFAS.

—Entãovocê,Pena(dó),éHomônima,HomófonaeHomógrafadePena(de escrever)—disse Emília, que tinha prestado toda a atenção.—Quejudiaria! Tão pequenininha e xingada pelos gramáticos de tantos nomesesquisitos.

— Mas isso de vocês terem a mesma forma ou o mesmo som —observouNarizinho—hádeatrapalharmuitoaoshomens.Quandoelesseencontram diante de palavras Homônimas, Homófonas e Homógrafasdevemficartontos.

—Puroengano—respondeuPena(dó).—Seriaassimseoshomensnos encontrassem soltas como andamos aqui. Mas lá entre eles sóaparecemosmetidasemfrases,eentãoépeloSentidoqueoshomensnosdistinguem. Quem ouve a frase:Estou escrevendo com uma pena de bicochato, vê logo que se trata daminha amiga Pena de escrever.Mas quemouveexclamar:Quepena tenhodela! percebe imediatamenteque se tratademim.Épelosentidodafrasequeseconhecemaspalavras.

—Muitobem—disseEmília.—Asenhoraéumagrandesabidinha.Equemsãoaquelasquealiestãodeprosa,duasaduas?

—Oh,aquelassãoaspalavrasSINÔNIMASeANTÔNIMAS.—Explique-nosisso—pediuamenina.— Palavras Sinônimas— disse Pena (dó)— são as que significam a

mesma coisa, ou quase a mesma coisa, embora tenham forma diferente.LábioeBeiço,porexemplo;HabitareMorar;Cavalo eCorcel;Olhar eVer;sãopalavrasSinônimas.

—EasAntônimas?— Palavras Antônimas — respondeu Pena (dó) — são as que têm

sentidooposto,comoNoiteeDia;SimeNão;ComeSem;ÓdioeAmor;BomeMau.

—Engraçado!—berrouEmília.—EntãoDonaBentaéAntônimadeTiaNastácia!...

—Queabsurdoéesse,Emília!—exclamouNarizinho.

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— Sim, sim— insistiu a boneca—, porque uma é branca, e outra épreta.

—AscoresdelaséquesãoAntônimas,boba,enãoelas...Durante toda a conversa o rinocerontemanteve-se afastado, de beiço

caído,refletindodistraidamente.Emíliadeu-lheumbeliscão.—Acorde,boisonso!Quenostalgiaéessa?— Estou pensando em coisas passadas — respondeu o excelente

paquiderme. — Estou pensando na velhice destas palavras. Vieram demuito longe, sofreram grandes mudanças e continuam a transformar-se,comoessaPenadeescrever,queacabadeperderumN.Amaioriadelasjámorou na antiga Roma, dois mil anos atrás. Depois espalharam-se pelasterras conquistadas pelos romanos e misturaram-se às palavras queexistiam nessas terras. E vieram vindo, e vieram vindo, até chegarem aoquehojesão.

EnquantovocêsestavamdeprosacomPena(dó),eupus-mearecordara formadessapalavrano tempodos romanos.Escrevia-sePoene. E antesaindadeescrever-seassim,escrevia-sePoine,notempoaindamaisantigoemqueelamoravanaGrécia.

— Que divertimento interessante não deve ser o estudo de cadapalavra!— exclamou Pedrinho.—Hão de ter cada uma o seu romance,comoacontececomagente...

— E assim é — confirmou o rinoceronte. — Esse estudo chama-seEtimologia.

— Quem está falando aí em Etimologia? — gritou Pena (dó), queestiveradistraídaaouvirabonecanarrarasaventurasdaviagemaocéu;evendoqueeraorinoceronte,acrescentou:—ASenhoraEtimologiaresideaquiperto.Porquenãodãoumpulinhoatélá,paravisitá-la?

—Boaidéia!—exclamouPedrinho.—Masnãoémuitorabugenta,essadama?

—Nada!—respondeuPena(dó).—Éatéumaexcelentecriatura—esabidíssima, upa!. . . Conhece a vida de todas nós, uma por uma, nosmenores detalhes. Sabe onde nascemos, de quem somos filhas e de quemodovimosmudandoatravésdosséculos.Constantementeaparecemporaqui filólogos, gramáticose fazedoresdedicionáriospara consultarDonaEtimologiaapropósitodemilcoisinhas.

—Pois vamos vê-la—propôsoVisconde, já assanhado.Velhas eramcomele, que também já estava velho e embolorado. SóEmília discordou.Preferia visitar a Senhora PROSÓDIA, que ensina omodo de pronunciar aspalavras.Emíliaerravamuitonapronúnciaequeriaaprender.

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—Prefiro saber como é que se pronuncia umapalavra a saber onde,comoequandoelaapareceu.Sou"prática"...

MasNarizinhoempacou.—Agora,não,Emília.Depois.DepoisvisitaremosDonaProsódia.Neste

momentoeuresolvoquesevisiteaEtimologia.Vocênãomanda.Ecomoocasofosseassimdespoticamenteresolvido,dirigiram-setodos

paraaresidênciadaSenhoraEtimologia.Encontraramláumavelhacoroca,denarizrecurvoeumapapeira—a

papeira da sabedoria. Encontraram-na com a casa entupida de filólogos,gramáticos e dicionaristas. Foi o que disse a criada que os atendeu dajanela.

Pedrinhoespioupeloburacodafechadura.—Xi!...—exclamou.—Está"assim"decarrancasládentro.Impossível

queelanosrecebahoje.Oscarrancasestãodeóculosnapontadonarizelápisnamão,tomandonotas.Atéqueelaatendaatodos...

Puseram-seaescutar.Avelhaexplicavaaumdaqueleshomenscomoéquecertapalavrahaviapassadodogregoparaolatim.

— Ché!... — exclamou Emília. — Ainda estão no grego e no latim,imaginem!Omelhoréespantarmosessesgramáticosetomarmoscontadavelhasóparanós.

Evoltando-separaorinoceronte:—Vamos,Quindim!Boteofocinhoaquinoburacodafechaduraesolte

um daqueles berros que os paquidermes dão nas "plagas africanas",quandooleãoaparecena"fímbriadohorizonte".

O rinoceronte não quis obedecer, achando aquilo impróprio e nadagramatical; mas Emília resolveu o caso dizendo que um berro era umaInterjeiçãoe,portanto,umacoisaperfeitamentegramatical.Quindimentãoobedeceu. Ajustou o focinho ao buraco da fechadura e desferiu umaformidávelInterjeiçãoqueabalouacasa:—Muuu!

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XV-UMANOVAINTERJEIÇÃO

Houveumrebuliçodepânicoládentro,elogodepoissurgiram,afugir

pelas janelas, mais filólogos e gramáticos e dicionaristas do que fogemratazanas duma despensa quando o gatão aparece. A casa da velha ficoucompletamentevazia.

—Sim,senhor!Oseuberro,Quindim,équenemFlit,emereceirparaaCasa das Interjeições com um letreiro novo: Interjeição espantativa degramáticos...

Desimpedida que ficou a casa da velha, entraram todos, menos orinoceronte,quenãocabianaporta.ToparamaEtimologiaintrigadíssimacomaqueleMuuu!...somjamaisouvidonazona.

—Nãoconheçoessainterjeição—declarouela,assimqueosmeninosarodearam.—SóconheçooMu!dosbois,masestequeouvinãomeparecenadabovino.

—Esteérinocerontino,minhasenhora!—explicouEmília, com toda a sapequice.— Veio da África. A senhora conhece a

África?A Etimologia não conhece as coisas; só conhece as palavras que

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designamas coisas.Demodoque, aoouvir aquelapergunta, julgouqueabonecasereferisseàpalavraÁfrica,erespondeu:—Sim,éumapalavradeorigem latina, ou melhor, puramente latina, porque não mudou. Apropósito...

—Espere— interrompeu Emília.—A história da palavra África nãonos interessa. Preferimos conhecer a história de outras palavras maisimportantes,como,porexemplo,Boneca.

Avelhariu-sedapresunçãodacriaturinhaerespondeu:— Boneca, minha cara, é o feminino de Boneco, palavra que veio do

holandêsManneken, homenzinho. Houve mudança do M para B— duasletrasqueopovo inculto costumaconfundir.ApalavraManneken entrouem Portugal transformada em Banneken, ou Bonneken, e foi sendodesfigurada pelo povo até chegar à sua forma de hoje, Boneco. Dessamesma palavra holandesa nasceu para o português uma outra —Manequim.

—Masentãoopovo, istoé, os ignorantesou incultos, influi assimnalíngua?—dissePedrinho.

— Os incultos influíram e ainda influem muitíssimo na língua —respondeuavelha.—Osincultosformamagrandemaioria,easmudançasqueamaioriafaznalínguaacabamficando.

—Engraçado!Estáaíumacoisaquenuncaimaginei...—Éfácildecompreenderisso—observouavelha.—Aspessoascultas

aprendemcomprofessorese,comoaprendem,repetemcertoaspalavras.Mas os incultos aprendem o pouco que sabem com outros incultos, e sóaprendem mais ou menos, de modo que não só repetem os errosaprendidos como perpetram erros novos, que por sua vez passam a serrepetidos adiante. Por fimhá tanta gente a cometer omesmoerroqueoerroviraUsoe,portanto,deixadesererro.Oquenóshojechamamoscerto,jáfoierroemoutrostempos.Assiméavida,meuscarosmeninos.

Tomemos a palavra latina Speculum — continuou a velha. — Essapalavra emigrou para Portugal com os soldados romanos, e foi sendogradativamenteerradaatéficarcomaformaquetemhoje—Espelho.

— E os ignorantes de hoje continuam a mexer nela — observouNarizinho.—AgentedaroçadizEspeio.

—Muitobemlembrado—concordouavelha.—EssaformaEspeioéhoje repelida com horror pelos cultos modernos, como a forma Espelhodevia ter sido repelida com horror pelos cultos de dantes. Mas como oscultosdehojeaceitamcomocertooque já foierro,bempodeserqueoscultosdofuturoaceitemcomocertooerrodehoje.Eu,quesoumuitovelha

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e tenho visto muita coisa, de nada me admiro. O homem é um animalcomodista.Daíasuatendênciaaadotaroserrosqueexigemmenoresforçoparaapronúncia.EspelhoexigemenoresforçodoqueSpeculum,eporissovenceu.EspeioexigemenoresforçodoqueEspelho.Quemnosdizquenãoacabarávencendonestesmiloudoismilanos?

Hojeestámaisdifícilaaçãodosignorantessobrealíngua,porcausadograndenúmerode livrose jornaisqueexisteme fixama formaatualdaspalavras.Masantigamentequemfaziaalínguaerajustamenteoignorante.

Dona Etimologia tomou fôlego e bebeu um golinho de chá. Emília foicheiraraxícaraparasaberseerachá-da-índiaoudeerva-cidreira...

—Masqualasuaprincipalocupaçãonestacidade,minhasenhora?—perguntouomenino.

—Euensinoaorigemeaformaçãodetodasaspalavras.—Poisentãonosconteaorigemdealgumas.Dona Etimologia bebeu mais um golinho de chá (enquanto Emília

cochichava para Narizinho: "É de cidreira!") e começou: — As palavrasdestacidadenova,ondeestamos,vieramquasetodasdacidadevelha,quefica do outro lado do mar. Lá na cidade velha, porém, essas palavraslevaramunsdoismilanosparaseformarem.

—Comofoiisso?Explique.—Noscomeços,asterrasemredordessacidadehaviamsidoocupadas

pelossoldadosromanos,quesófalavamlatim.Esses soldadosmoravam em acampamento (ouCastra, como se dizia

emlatim),demodoquefoiemredordosacampamentosquealínguanovacomeçouasurgir.

—Quelínguanova?—Aportuguesa.Osmoradoresdasterrasocupadaspelosromanos,ou

Aborígines,erambárbarosincultíssimos,queforamaprendendoolatimláàmodadeles—istoé,estropiadamente,todoerradoecommuitamisturadetermosemodosde falar locais.Tantoestropiaramopobre latim,queelevirouumDialeto ou uma variante do latim puro. Depois os romanos seretiraram, mas o dialeto ficou vivendo a sua vidinha, e foi evoluindo, oumudando,atétornar-seoquechamamoshojelínguaportuguesa.

—Entãoalínguaportuguesanãopassadumdialetodolatim?—Perfeitamente.Etambémalínguafrancesa,aespanholaeaitaliana

nãopassamde outros tantos dialetos domesmo latim.No começo, essesdialetoserammuitopobresempalavrasemodosdedizer.Comotempo,entretanto,aspalavrasforamaumentandoenormementeetambémforamaparecendo novos jeitos de combinar entre si as palavras. E dessemodo

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essaslínguasenriqueceram-se.—Masaspalavrasforamaumentandocomo?Dondevinham?Quemera

ofabricante?—quissaberamenina.—Umasnasciamlámesmo,inventadaspelopovo;outraseramcriadas

pelos eruditos, que são os sabidões; outras eram importadas dos paísesestrangeiros.

—Masopovo?Comoéqueopovoformapalavras?—Muitosimplesmente.Opovocombinaentresipalavrasjáexistentes

eformanovas.—Issolánosítiosechama"tirarcria"—lembrouPedrinho.—EmGramáticasechamaDERIVAÇÃO, querendodizerqueumapalavra

sai de outra, ou deriva de outra. Neste processo de Derivação há umascertas palavrinhas, sem sentido próprio, que possuemuma funçãomuitoimportante. Sãoos PREFIXOS e SUFIXOS.Osprefixos grudam-seno começodapalavra, e os sufixos grudam-se no fim. Estes constituem verdadeirosrabinhos, que por si nada dizem, mas que, pregados a outras palavras,servemparadar-lhesumaformanovaeumsentidonovo.

—Espere!—gritouEmília.—ConheçoumrabinhodessesmuitousadonafabricaçãodeAdvérbios—otalMente.Bastapregá-lonotraseirodumAdjetivoparaaparecerumlindoAdvérbionovo.ÉSufixootalMente?

— Sim, bonequinha— respondeu a velha, admirada da esperteza daEmília. — Mente é um sufixo só de uso para fazer Advérbios. Existeminúmerosoutros,comoÁria,Ado,Agem,Ume,etc.EsteÁria,porexemplo,éum Sufixo precioso, que permitiu a formação de grande número deSubstantivos novos. Ária em si não quer dizer coisa nenhuma, não passadumsimplesrabinho.Mas,ligadoaumapalavra,criaoutranova,comidéiadequantidade. Ligado ao Substantivo Cavalo, por exemplo, dá Cavalaria,quequerdizermuitoscavalos.

—Não, senhora—protestou Emília.—Cavalo com oÁria atrás viraCavaloaria,enãoCavalaria.

Avelhariu-sedaexigênciadaqueleespirrodecriatura.—Bom,minha filha— respondeu ela pachorrentamente—, confesso

queerrei.Eudeviaterexplicadoque,antesdecolocarumdessesrabinhos,é necessário primeiro cortar a DESINÊNCIA da palavra. Senão o Sufixo nãopega, ounão solda. Cada palavra se divide em duas partes— a RAIZ e aDESINÊNCIA.Raizéapartefixadapalavra;Desinênciaéapartefinal,mudável.Reparemque,em todasaspalavras formadasdeCavalo,aRaizéCavai, enotemqueessaRaiznuncamuda.Cavaleiro,Cavalaria,Caval-gadura,Caval-hada...

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—Caval-ência—ajuntouEmília.— Essa palavra eu não conheço— disse a velha, com expressão de

surpresanosolhos.— É minha! — berrou a boneca. — Foi inventada por mim com a

invençãozinhaqueDeusmedeu.Fazpartedosmeus"neologismos".A velha fez uma careta igual à de Tia Nastácia lá no sítio, quando

penduravaobeiçoedizia—Credo!...

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XVI-EMÍLIAFORMAPALAVRAS

—Poiséisso—continuouavelha,aindatontadasapequicegramatical

da Emília.— A Raiz das palavras nãomuda; de modo que, para formarpalavras novas, a gente faz como o jardineiro: poda o que não é Raiz eenxertaoSufixo.

— Em vez de enxertar o Sufixo no fim não é possível enxertá-lo nocomeço?—quissaberNarizinho.

—Não—respondeuavelha.—OsSufixos, assimcomoos rabosdosanimais,sóseusamnapartetraseira.Há,porém,osirmãosdosSufixos,queservemjustamenteparaenxertosnocomeçodaRaiz.

—Ecomosechamam?—Prefixos:Prequerdizerantes.Re,Trans,A eCom, por exemplo, são

Prefixos. Se tomamos o VerboFormar e grudarmos na frente dele essesPrefixos, teremos os novos Verbos Reformar, Transformar e Conformar,todoscomsentidodiferente.

—VoltemosaosSufixos,quesãomaisengraçadinhos—propôsEmília.

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—Digaumaporçãodeles,DonaTimótea.Avelha, que já estava cansadade tanto falar, tomoumaisumgolede

chá,eprosseguiu,apontandoparaumarmário:—OsSufixosestão todosnasgavetasdaquelearmário.Váláemexacomelesquantoquiser—masnãomechamemaisdeTimótea,ouviu?

Emílianãoesperousegundaordem.Correuaoarmário,abriuasgavetasetiroudedentroumpunhadodeSufixos.Depoisespalhou-ossobreamesapara aprender a usá-los. Pedrinho e a menina vieram tomar parte nobrinquedo.

— Olhe, Narizinho — disse a boneca —, ali está uma caixa deSubstantivos.Traga-meum;evocê,Pedrinho,agarreaquelafaca.

Os dois meninos assim fizeram. Narizinho depôs sobre a mesa umSubstantivopegadoaoacaso—Pedra.

—Segure-obem, senãoeleescapa—recomendouEmília—,eagora,Pedrinho,corteaDesinênciadesteSubstantivodumsógolpe.Vá!

—Masesta facaserácapazdecortarPedra?—indagouomenino,debrincadeira,sóparaveroqueabonecadizia.Adiabinha,porém,estavatãointeressadanaoperaçãocirúrgicaqueapenasgritou:—Corteenãoamole!

Apesardarecomendação,omeninoamolouafacanasoladosapatoesódepoisdissoéque—Zás!...atorouaDesinênciadePedra,aqualdeuumgritinhoagudo.

—Pronto!—exclamouEmília.—OpobreSubstantivoestáreduzidoaumasimplesRaiz.Venhaver,DonaEtimologia,comoéengraçadinhaestaRaiz.

Mas a velha, que andava farta e refaria de lidar com Raízes, nem semexeu do lugar. Emília, então, tomou um dos Sufixos tirados da gaveta,justamenteoÁria,e feza ligaçãocomumpoucodecuspo.ImediatamentesurgiuapalavraPedraria.

—Viva!Viva!—gritouelabatendopalmas.—Deucertinho!Venhaver,DonaEufrásia! ComumaRaiz e umSufixo fabricamosumapalavranova,quequerdizermuitaspedras.Deixeessechásemgraçaevenhabrincar.

Masavelhaestavamuitovelhaparabrincadeiraselimitou-seatomarnovogoledechá.

—VamosveroutroSufixo—propôsNarizinho.Emíliapegououtro,osufixoAda,eexperimentoualigação.DeuapalavraPedrada.

—Ótimo! Este tambémdá certinho. Pedrada todos sabemos o que é.Vamosveroutro.

EmíliapegouumterceiroSufixo—Eria,eexperimentoualigação.DeuapalavraPedreria,quenãotinhasentido.

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—Estenãopresta—gritouPedrinho.—Nãodánadaqueseentenda.Vejaoutro,Emília—esseEiro.

Ligoubem.DeuPedreiro.—Ótimo!—exclamouaboneca.—VamosveresteAlha.DeuPedralha,queelesnãosabiamoqueera,masestavacomjeitode

serqualquercoisa.DepoisexperimentaramosSufixosUlho,Ena, Io,Dade,Ame,UjeeAI,comresultadosvariáveis.Unsderam,outrosnãoderamnada.Ulho,comumEgnomeio,deuumabeleza—Pedregulho.OSufixoDadedeuasneira—Pedrade.

EmíliaolhouparaorótulodagavetaeviuqueestavausandoosSufixosdeCOLEÇÃO.

Nagaveta imediataestavamosSufixosdeAUMENTO:AO,Zarrao,Az,Aço,etc.

NaterceiragavetaestavamosSufixosdeDIMINUIÇÃO:lnho,Zinho,Ito,Ebre,Ilhoemaisunstrinta.

NaquartaestavamosSufixosdeAGENTEPROFISSIONAL:Dor,Ante,Ario,Ária,Eiro,Eira,Ado.

Naquinta, os SufixosdesignativosdeAÇÃO,QUALIDADE, ESTADO:Ada,Anca,Ção,Ência,Eza,Ice,Io,Ume,Ura,Mento,Vel.

NasextaestavamosSufixosdeABUNDÂNCIA,EXCESSO:Oso,Udo.Na sétima estavamos Sufixos que exprimemORIGEM, NATURALIDADE:

Ano,Ão,Ense,Ino,Ês.Naoitava,osSufixosdesignativosdeLUGAR:Ario,Ária,Eiro,Douro,Orio.Apesardeseremmuitos,osmeninosfizeramexperiêncianaquelaRaiz

com quase todos os Sufixos, conseguindo formar as seguintes palavrasderivadas de Pedra — Pedraria, Pedrada, Pedral, Pedragem, Pedreiro,Pedrama,Pedrame,Pedrume,Pedregulho(neste caso foipreciso intercalarumEeumGparadarcerto),Pedrão,Pedraço,Pedraça,Pedrázio,Pedralha,Pedrorra, Pedrinha, Pedrita, Pedrete, Pedrote, Pedrilha, Pedrica, Pedrisco,PedrachoePedreira,ouseja,vinteequatroaotodo.

— Vinte e quatro! — exclamou o menino. — Agora estoucompreendendoporquehátantaspalavrasnalíngua.Poissesomentecomesta porqueirinha de Raiz nós pudemos formar vinte e quatro palavrasdiversas, imagine quantas não formaríamos usando todas as raízes queexistem!

—EissolidandosócomosSufixosprópriosparafazerSubstantivos—disseDonaEtimologiaaproximando-se—,porqueháaindaosSufixosqueservempara fabricarVerbos, como,porexemplo,Gotejar, queé a raizdoSubstantivoGotaligadaaoSufixoEjar.ComesseEjar,eaindacomEar,Izar,

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Entar, Ecer, Itar, Inhar, Icar e outros, a Emília pode passar dias e diasbrincandodetransformaremVerbostodososSubstantivosquehouverlánosítio.

— A senhora dá licença de levar para lá uma coleção de Sufixos?—pediuaboneca.

— Dou — respondeu a velha —, mas primeiro trate de consertar apalavraPedra ede juntardo chão todos esses Sufixos espalhados.Querotudodireitinhocomoestava.

EmíliarecolouaDesinênciadapalavraPedraevarreutodososSufixosque tinhamcaídonochão.Depoisarrumou-os,muitobemarrumadinhos,nasrespectivasgavetas.

DonaEtimologiaofereceucháaosmeninose,enquantoelesotomavam,teveocasiãodeexplicarqueapalavraChávieradaChina,ondesignificavabebidafeitadecertaplanta,oTheasinensis;depoisapalavrapassouaserusadaparadesignarainfusãode folhasouraízesdequalquerplanta.Quevelhasabida!PareciaDonaBenta.

—Bom,bom,bom—exclamouela,aoterminarolancheesemerguer-se da mesa.— Isso de que falei, e com que vocês estiveram brincando,chama-seaDerivaçãoprópriadaspalavras,porquehátambémaDerivaçãoimprópria.

—Jásei!—adivinhouEmília.—AtalDerivaçãoimprópriaéaquesefazsemSufixo,nemPrefixo.

Aboavelhaassombrou-se.—Comosabe,bonequinha?— Esperteza— disse Emília, piscando um olho. — Eu muitas vezes

arriscoopiniõesquedãocerto.TiaNastáciadizquequemnãoarriscanãopetisca...

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XVII-OSUSTODAVELHA

DonaEtimologiaficouunsinstantesaolharparaaboneca,balançandoa

cabeça. Depois continuou: — Pois é isso. Substantivos, Adjetivos,Preposições, Conjunções e Interjeições podem ser formados sem a ajudadosSufixos,esimcomoempregodumamesmapalavra,masdandoa elaum sentido diferente. O Substantivo Narizinho, por exemplo, que é umsimples Diminutivo, pode tornar-se Nome Próprio, como aconteceu aquicomestamenina.Chama-seNarizinhoe,portanto,quemdizestenomeestádizendoumNomePróprio.Nafrase:OnarizinhodeNarizinhoéarrebitado,oprimeironarizinhoéSubstantivoComum,eosegundoéNomePróprio.

Omesmosedácomaavódela,DonaBentadeOliveira.Oliveiraeraumaárvore que dava azeitonas; com o tempo o usomudou esse SubstantivoComum em Nome Próprio, muito empregado para Sobrenomes — eficaramnomundoduasespéciesdeOliveiras—aquedáazeitonaseaquedáSobrenomesamuitagente.

— Émesmo!— gritou omenino.— Agora estou vendo que amaiorpartedosNomesPrópriosqueconheçosãoNomesComuns"apropriados",

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que, em vez de designarem coisas, passaram a designar pessoas, comoLeitão,Inocente,Rosa,Margarida,Esperança,Monteiro,Lobato,Quindim...

— Do mesmo modo, muitos Adjetivos viram Substantivos, semnenhuma mudança de forma — continuou a velha. — Brilhante, porexemplo,éumAdjetivoQualificativodacoisaquebrilha,masseserefereaodiamantelapidado,viraSubstantivo.

OmesmosedácomcertosPronomes,comooPronomeTudo,queviraSubstantivona frase:O tudo é vencer. Também há pessoas de Verbo queviramSubstantivos.Venda,queéaprimeiraeaterceiraPessoadoPresentedo Modo Subjuntivo do Verbo Vender, vira o Substantivo Venda, comsignificaçãodeatodevenderoucasaondesevendemcoisas.

—Na venda do João Nagib, lá perto do sítio, quase que só há pinga,fósforo,bacalhauesal...Quevendaà-toa!—recordouEmília.—Nembaladeapitotem.DonaBentanãogostaqueosmeninospassemporlá.

—Parecomisso,Emília,quevocêatéenvergonhaaespécie—advertiuNarizinho.—Continue,DonaEtimologia,façaofavor.

Eavelhacontinuou:—EtambémAdvérbioseoutrasPalavrasInflexivasviramSubstantivos.

Quando uma pessoa diz: A metade do queijo, o Advérbio Metade estávirandoemSubstantivo.

EtambémSubstantivosviramAdjetivos,comonestafrase:NovaIorqueé uma cidademonstro.O SubstantivoMonstro está nesta frase fazendo opapeldeAdjetivoparaindicarenormidade.

EtambémSubstantivosviramInterjeições,comonestafrase...Socorro!Umaferaafricanaacabadeinvadirminhacasa!...

— Que cara feia ela está fazendo! — murmurou Narizinho, que nãohavianotadoosúbitoaparecimentodorinocerontenofundodasala.

—Socorro!—continuouavelhaaberrar,nomaiorpavordasuavida.—Acudam-me!...

Só então os meninos perceberam que ela não estava dando nenhumexemplo, e simurrando de pavor. Puseram-se a rir— e isso aindamaisaumentouopânicodavelha,quesupôsserrisonervoso,dessesqueatacamcertaspessoasquandooperigoédotamanhodumatorre.

—Nãoseassuste,DonaEulália!—gritouEmília.—Estepaquidermeémansíssimo, e até se chama Quindim, nome dum doce muito delicado.Medo de Quindim? Que bobagem! É a melhor criatura do mundo. Umaperfeitamoça.Querver?

— E Emília correu para o rinoceronte, sobre o qual trepou pelaescadinha de corda que ele trazia pendente no costado — invenção de

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Pedrinho para facilitar a "montagem" do paquiderme, como ele dizia. Abonecadeujeitoelogoseplantou,muitoacômodo,sobreoterrívelchifredeQuindim.

Estávendo,DonaBrites? Poderáhavermonstromais carneiro?Venhatambém.Nãosevexe.Lánosítio,DonaBentaeTiaNastácia,quandonãohágente grande perto para espiar, não saem do lombo de Quindim. Venha.Deixe-sedefedorências...

Masnãohouvemeio.DonaEtimologiaeraamaiordasmedrosas,eparaacalmá-lafoiprecisoqueoViscondeafastassedalioexcelentepaquiderme.

A pobre velha queixou-se de sufocação no peito e teve de tomar umbuleinteirodechácalmante.

—Ufa!Que susto! Enfim. . .Mas como ia dizendo. . . Que é que eu iadizendo?.. .Sim,queaspalavrasderivamumasdasoutrasdedoismodos.Maselenãochifraninguémlánotalsítio?

—Nemmosquito—respondeuEmília.—JuropelaalmadoVisconde.Avelhaassoproutrêsvezes.—Mas como iadizendo, aDerivaçãodaspalavras faz-sepormeiode

SufixosePrefixos.JáfaleinosPrefixos?—Umpouquinhosó—dissePedrinho.— Pois os tais Prefixos são palavrinhas da mesma família que os

Sufixos, mas que se colocam na frente. Isso de servir de cauda éespecialidade dos Sufixos. Existem numerosos Prefixos, mas como estoumuitonervosa,voucitarapenasalguns,comoSub, Intro,Ver,Sus,Com, osquaisservemparaformarpalavrascomoSubdividir,Intrometer,Percorrer,Sustento,Compadre,etc.Uf!Quebichohorrendo!Aquelechifrepontudonomeiodatesta...

—Continue,dona!—berrouEmília.—Esqueçadumavezofanico. Jáestáenjoando.

Avelhaassoproudenovo,suspirouedisse:— Há ainda a formação de palavras por JUSTAPOSIÇÃO, quando duas

palavras se ligam para exprimir uma terceira coisa.Guarda e Chuva, porexemplo,têmosentidoquevocêssabem;masquandosejustapõem,dãoapalavraGuarda-chuva,queécoisadiferente,Bem-te-vi,Beija-flor,Corrimão,Pica-pau,Girassoletantasoutras,sãoformadasdestemodo.

—Saca-rolhas,AguardenteeLambe-pratos,também—começouEmília,masNarizinhoimpôs-lhesilêncioeavelhaprosseguiu.

—Há ainda a formação de palavras porAGLUTINAÇÃO, na qual uma daspalavrasperdeumpedacinhoparamelhorfundir-secomoutras,comoessaAguardente que Emília acaba de citar. Se houvesse apenas Justaposição,

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ficariaAguaardente;masaAglutinaçãofazquedesapareçaumdosAA.Ehá,finalmente,aformaçãodepalavrasporHIBRIDISMO,emqueentram

vocábulosdelínguasdiferentes,comoemMonóculo.MonoépalavragregaquequerdizerUm,ouÚnico;eÓculoépalavralatina.

— Lá no sítio de Dona Benta— lembrou Emília—Mono quer dizermacacão.OTioBarnabé,quemorapertodaponte,DonaBentadizqueéumverdadeiromono.

— Sei disso — declarou a velha, rindo-se —, mas em grego Monosignificaúnico.

—Únicomacacão?—Cale-se,Emília,porfavor!—pediuamenina.Avelhacontinuou:—Sevocêsquiseremvisitaraspalavrasgregasusadasparaaformação

devocábulosnovos,espiemaquelecercadodearame.Láestãotodas.Osmeninoscorreramaopontoindicado,queeraocurralondeavelha

conservavaassuaspalavrasgregas.—Xi!...Quantas!...—exclamouNarizinho.—Etodascompapeletano

pescoço,paramostraroquequeremdizeremportuguês.Estavam lá, entre muitas, as seguintes greguinhas: Geo (terra), que

serve para formar Geografia, Geologia, Geometria, Geodésia, etc. E Micro(pequeno), que serve para formarMicróbio,Microscópio,etc. ETri (três),que serve para formar Trigonometria, Trilogia, etc. E Zoo (animal), queserve para formarZoologia, Zootecnia, etc. E Pan (tudo), que serve paraformar Panteísmo, Panorama, etc. E Bio (vida), que serve para formarBiologia,Biografia,etc.ERino(nariz),queserveparaformarRinoceronte.

—Ora vejam só!—berrou Emília.—Quindim chama-se rinoceronteporcausadonariz.Rinoénariz.ECeronte?QueseráCeronte?Vejaseachaessapalavraaídoseulado,Narizinho.

Custouumpouco,masacharam.Cerontequeriadizerchifre.—Pronto!—gritouEmília,radiante.—Rinocerontesignificanarizno

chifre.—Ouchifre no nariz?— objetou Narizinho.— A tradução na ordem

diretanãodácerto,porquenarealidadeQuindimnãotemnenhumnariznochifre.

Emíliamostrava-secheiíssimadesicomasmuitascoisasnovasqueiaaprendendo,epassouporlámaisdeumahoradecorandopalavrasgregasparacomelasformaroutrasdiferentes.Súbito,gritou:—Jáseioseunomeemgrego,Narizinho.

—Comoé?

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—Microrrino!Microquerdizerpequeno,eRinoquerdizernariz.Narizpequenoénarizinho...

—Masporquechamamhíbridasaestaspalavrasfeitassódogrego?—indagou o menino.— Híbrido, que eu sei, é o burro e a mula, filhos dejumento e égua. Será que estas palavras são as mulas da língua? Vouperguntaràvelha.

Perguntou,eDonaEtimologiaexplicouqueHíbridoqueriadizerMestiçodeduasraçasdiferentes.

—EntãoaquelaspalavrasdocercadonãosãoHíbridas,esimdepurosangue.

— Perfeitamente — concordou a velha. — Um verdadeiro vocábuloHíbridoéoMonóculo,quejácitei;comotambémCentímetroeMineralogia,porquenostrêscasosmetadedapalavraégregaeoutrametadeé latina.Estas,sim,sãoasverdadeirasmulasdalíngua.

EmíliajuntouumaporçãodepalavrasgregaselatinasparafazerlánosítioumacriaçãodepalavrasHíbridas.EntreelaslevouDemo,quesignificaPovo; Odonto, que significa Dente; Tele, que significa Longe; Topo, quesignificaLugar;Fono,quesignificaVoz—todasgregas.

— Levo estas só — disse ela. — Palavras latinas temos lá muitas,naquele dicionário grandão de Dona Benta. Com estas já podemos fazerumacriaçãodeHíbridosdeprimeiraordem.

Pedrinhonãoquisficaratráselevoumaisasseguintes,tambémgregas:Gastro,quesignificaVentre;ídolo,quesignificaImagem;Miso,quesignificaÓdio;Di, que significa Dois; Tetra, que significa Quatro — e mais umasquantas.

—QueroverquemcriaHíbridosmaisbonitos, sevocêoueu—disseele.

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XVIII-GENTEDEFORA

—Poiséisso,meninada!—disselogodepoisavelha.—Vocêsjásabem

comoseformamaspalavrasdalíngua.Grandenúmeroveiodiretamentedolatim.Foiocomeço,aprimeiraplantação.Depoiscomeçaramareproduzir-se lá entre elas, ou a derivar-se umas das outras. Depois houve muitaentrada de palavras exóticas, isto é, procedentes de países estrangeiros.Depoishouveinvençãodeneologismos—edessesváriosmodosa línguafoicrescendo.

Aquinacidadenovaaspalavrasvindasdacidadevelhamisturaram-se

com inúmeras de origem local, ou palavras índias, que já existiam nasterrasdoBrasilquandoosportuguesesasdescobriram.Amaiorpartedosnomesde cidades, rios emontanhasdoBrasil sãodeorigem índia, comoTremembé,Itu,Niterói,Itatiaia,Goiás,Piauí,Pirambóia,etc.

ItaéumapalavradalínguatupiquequerdizerPedra,etemservidodePrefixo para a formação de muitos Nomes. Temos em São Paulo a

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cidadezinhadeItápolis,formadadeIta,queéindígena,ePolis(cidade),queégrega.

Pira (peixe) é outra palavra tupi muito usada. Piracicaba, Piraquara,Guapira.

—EugostomuitodaspalavrastupiselamentoqueoBrasilnãotenhaumnometiradodessalíngua—dissePedrinho.

— Em compensação muitos Estados do Brasil possuem nomesindígenas,comoPará(riogrande),Pernambuco(quebra-mar),Paraná(rioenorme),Paraíba(rioruivo),Maranhão(margrande)eoutros.

O tupi conseguiu encaixar na língua portuguesa grande número depalavras de uso diário, como Taba, Moranga, Jaguar, Araçá, Jabuticabal,Capim, Carioca, Marimbondo, Pipoca, Pereba, Cuia, Jararaca, Urutu, Tipiti,Embira,etc.

—EtambémmuitosNomesPróprios—advertiuNarizinho.—ConheçomeninaschamadasAraci,Iracema,Lindóia,Inaiá,Jandira...

— E eu conheço um menino chamado Ubirajara Guaporé de ItapuãGuaratinguaçu,filhodumturcoquemorapertodosítiodoTioBarnabé-—lembrouPedrinho.

— Pois é isso — continuou a velha. — Todas as línguas vão dandopalavras para a língua desta cidade. O grego deumuitas. O hebraico deuvárias,comoMessias,Rabino,Satanás,Maná,Aleluia.

O árabe deu, entre outras, Alfândega, Alambique, Alface, Alfaiate,Alqueire,Álcool,Algarismo,Arroba,Armazém,Fatia,Macio,Matraca,Xarope,Cifra,Zero,Assassino.

A língua francesa deu boa quantidade, como Paletó, Boné, Jornal,Bandido,Tambor,Vendaval,Comboio,Conhaque,Champanha.

A língua espanhola deu menos do que devia dar. Citarei Fandango,Frente,Muchacho,Castanhola,Trecho,Savana.

A língua italiana deu muito mais. Ágio, Bancarrota, Bússola, Gôndola,Cantata, Cascata, Charlatão, Macarrão, Tenor, Piano, Violino, Carnaval,Gazeta,Soneto,Ópera,FiascoePolentasãopalavrasitalianas.

Oinglêsestádandomuitasagora.DasantigaspossocitarCheque,Clube,Tilburi, Trole, Esporte, Rosbife, Sanduíche; e entre as modernas há váriastrazidaspelocinemaepelofutebol.

—Euseiuma!—gritouPedrinholevantandoodedo.—Diga.—Okey,quetambémseescrevecomduasletras,OK.Querdizerqueestá

tudomuitobem.—Eu sei outra!—disse amenina.—Conheçoapalavra It, quequer

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dizerum"quezinho"especial.— Issomesmo— confirmou a velha.— Esse novo sentido do velho

pronomeinglêsItfoiinventadoporumaescritoraqueobotoucomotítulodum seu romance. Pessoa que tem It significa pessoa que exerce atraçãosobreasoutras.Emília,porexemplo,éumpocinhodeIt...

AbonecafungoudegostoeDonaEtimologiaprosseguiu:— Também vieram muitas palavras da África, trazidas pelos negros

escravizados, como Banze, Cacimba, Canjica, Inhame, Macaco, Mandinga,Moleque,Papagaio,Tanga,Zebra,Vatapá,Batuque,Mocotó,Gambá.

DaRússiavieramCaleça,Cossaco,Soviete,Bolchevismo,etc.DaHungriavieramCoche,Cocheiro,Sutche,Hussardo.DaChinavieramChá,Chávena,Mandarim,Leque.Da Pérsia vieram Bazar, Caravana, Balcão, Diva, Turbante, Tabuleiro,

Tafetá.DaTurquiavieramTulipa,Odalisca,Paxá,Bergamota,Quiosque.AvelhaparounaTurquia,paratomarmaisumgoledechá.E assim se foi formando, e se vai formando, a língua.Uma línguanão

páranunca.Evoluisempre,istoé,mudasempre.Hácertosgramáticosquequeremfazeralínguapararnumcertoponto,eachamqueéerrodizermosdemododiferentedoquediziamosclássicos.

—Quevemaserclássicos?—perguntouamenina.— Os entendidos chamaram clássicos aos escritores antigos, como o

Padre Antônio Vieira, Frei Luís de Sousa, o Padre Manuel Bernardes eoutros.ParaosCarrancas,quemnãoescrevecomoelesestáerrado.

Masissoécurtezadevistas.Esseshomensforambonsescritoresnoseutempo.Se aparecessemagora seriamosprimeiros amudaroua adotar alínguadehoje, para serementendidos.A língua varioumuito e sobretudoaquinacidadenova.Inúmeraspalavrasquenacidadevelhaqueremdizerumacoisaaquidizemoutra.Borracho,porexemplo,querdizerbêbado;láquerdizerfilhotedepombo—vejamquediferença!Arrear,aquiéselarumanimal;lá,éenfeitar,adornar.

—Entãoláhámoçasbemarreadas?—perguntouEmília.—Sim—respondeuavelha.—Umadamabemarreadanãoespantaa

ninguémládooutrolado.Aqui,Moçosignificajovem;lá,significaserviçal,criado.

Tambémnomododepronunciaraspalavrasexistemmuitasvariações.Aqui,todosdizemPeito;lá,todosdizemPaito,emboraescrevamapalavradamesmamaneira.AquisedizTenhoelásedizTanho.AquisedizVerão;lásedizV'rao.

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— Também eles dizem por lá Vatata, Vacalhau, Baca, Vesouro —lembrouPedrinho.

—Sim,opovodelátrocamuitooVpeloBevice-versa.—Nessecaso,aquinestacidadese falamaisdireitodoquenacidade

velha—concluiuNarizinho.—Por quê?Ambas têmo direito de falar comoquiserem, e portanto

ambasestãocertas.Oquesucedeéqueumalíngua,semprequemudadeterra,começaavariarmuitomaisdepressadoquesenãotivessemudado.Oscostumessãooutros,anaturezaéoutra—asnecessidadesdeexpressãotornam-seoutras.Tudojuntoforçaalínguaqueemigraaadaptar-seàsuanovapátria.

A língua desta cidade está ficando umdialeto da língua velha. Com ocorrerdosséculosébemcapazdeficartãodiferentedalínguavelhacomoestaficoudiferentedolatim.Vocêsvãover.

—Nósvamosver?—exclamouNarizinho,dandoumarisada.—Entãopensa que somos como a senhora, que vive toda a vida emais séculos eséculos?

—Vocês tambémviverão séculos e séculos pormeio de seus futurosfilhinhosenetosebisnetos—replicouavelha.

—Menoseu!—gritouEmília.—Jámecaseiemearrependibastante.Felizmente,nãotivefilhos—ecomonãopretendocasar-medenovo,nãodeixarei"descendência"nestemundo...

— E se aparecer um grande pirata, como aquele Capitão Gancho dahistóriadePeterPan?—cochichouNarizinhonoouvidodela.

—Issoéoutrocaso...—respondeuEmília,cujosonhosempreforaseresposadumgrandepirata—para"mandarnumnavio"...

—Porfalarempirata...OndeandaráoVisconde?—indagouPedrinho.—DepoisquetirouQuindimdasalanãoovimais.

— O Visconde está armando alguma — disse a boneca, que andavadesconfiada de qualquer coisa.—Vamos procurá-lo, já, já, antes que lheaconteçaalguma.

E como tinham de procurar o Visconde, despediram-se de DonaEtimologia,queprometeuaparecernosítiodeDonaBenta.

Logoqueseviramnarua,PedrinhoperguntouàprimeirapalavraqueiapassandosenãoviraumViscondeassim,assim.

—Umdepalhinhademilhonopescoço?Vi,poisnão.Passouporaquiinda agora, com um Ditongo debaixo do capote. Ia esperneando, ocoitadinho.

— Eu não disse? — berrou Emília. — Eu não disse que o Visconde

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andava tramando alguma? Mas que quererá ele com um Ditongo, SantoDeus?...

Puseram-se emmarcha, com o rinoceronte atrás. Logo adiante viramumajuntamentonafrentedecertacasa.

—Seráalto-falantecomresultadodefutebol?Nãoeraisso.Eraumacuriosidadedemuseuquealiestavaemexibição

pública. Um grande letreiro dizia: A palavra mais comprida da língua.Entradafranca.

Osmeninosprecipitaram-separaverofenômenoedefatoviram,numcercado de arame, espichada no chão que nem jibóia, a palavraAnticonstitucionalissimamente.

—Irra!—berrouaboneca.—Uma,duas,três,quatro. . .VinteenoveletrastemesteformidávelAdvérbio!...

—Trezesílabas!Cáspite!...—acrescentouPedrinho.Um guarda ali presente deu informações a respeito daquela sucuri

verbal. Era uma pobre palavra que não tinha outra ocupação na línguasenão exibir-se como curiosidade. Vivia do seu tamanho, como certosgigantesdecirco.Umacoitadaquenemandarpodia,detantaletraapesar-lhenascostas.Maisqueoalfabetointeiro...

— Inda agora esteve aqui conversando comelaumgrande fidalgodefora,queaescreveudireitinhonoseucadernodenotas.

— Como era esse fidalgo? Não reparou se usava umas palhinhas nopescoço?

—Issomesmo.—Semcartolinhanacabeça?—Semnadanacabeça.—Umarde...desabugodemilho?—Issomesmo.—Umtantoembolorado?—Issomesmo.Verdinhodebolor.—PoiséograndeViscondedeSabugosa,queandamoscatandocomo

secataagulhaempalheiro.Eparaondesedirigiuele?—Depoisqueacaboudetomarassuasnotas,disseme:"Passebem!"e

sumiu-se. Percebi que levava um Ditongo debaixo do capote. Iaesperneando,opobrezinho...

Emília ficou seriamente apreensiva com a história daquele Ditongoesperneante.

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XIX-NOSDOMÍNIOSDASINTAXE

O tráfego naquela cidade não era bem regulado. Nada de flechas

indicativasdasdireções,nem"grilos"poliglotasqueguiassemosviajantes.Demodoqueosmeninos,emvezdedaremnobairrodasSílabas,paraondepretendiam ir a fim de saber que história era aquela do Ditongo, forampararnumbairrodesconhecido.

—Ondeestamos?—quissaberPedrinho.—NobairrodaSINTAXE—respondeuQuindim.—Estacidadedivide-se

emduas zonas. A primeira é a zona da LEXIOLOGIA, onde todas as palavrasvivem soltas, como vocês já viram. A segunda (esta aqui) é a zona daSintaxe, onde as palavras só saem em família, casadinhas, com filhos eparentaIha.Umafamíliadepalavraschama-seumaORAÇÃO.

Osmeninosviramquerealmentenãopasseavamporalipalavrassoltas.Apareciamsempreaosmagotes,formandofrasescompletas.

Passou um grupo que formava esta frase: O Visconde raptou umditonguinho. Quindim explicou:— Esta frase é uma Oração que leva na

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frenteochefedafamília,ouoSUJEITO;depoisdelevemumPREDICADO.—Querdizer—indagouNarizinho—queemcadaOraçãohásempre

umchefe,queéotalSujeito,seguidoporumPredicado?—Sim.ElessãochamadososTERMOSESSENCIAISDAORAÇÃO.Osujeitodirige

tudo, faz edesfaz,mandaedesmanda.Quandovocêdiz:TiaNastácia fazbolinhosmuitogostosos, o Sujeito éTiaNastácia— e está claro que semesseSujeito,adeusbolinhos!OSujeitoésempreumSubstantivo,ou frasequecorrespondaaumSubstantivo.

— Alto lá! — exclamou Emília. — Se eu digo: Tu és um paquidermegramatical,oSujeitoéTu—eTunãopassademuitobomPronome.

— Sim, Tu é Pronome, mas está na frase representando a mim,rinoceronte,quesouumSubstantivo.

Emíliaviuqueeraassimmesmoecalou-se.—Muito bem— continuou Quindim, satisfeito de haver pregado um

quinaunaboneca.—Sujeito é isso.Vamosver agoraquemsabeoque éPredicada.

Ninguémsabia.—Predicado—explicouele—éoquesedizdoSujeito.—Mas o que se diz do Sujeito está no Verbo, lembrou omenino. Na

frase:Ogatocomeuorato,oquesedizdoSujeitoGatoéqueComeuorato.—Poiséissomesmo—confirmouQuindim.—OPredicadoestádentro

doVerbo.DepoisaparecemosTERMOSINTEGRANTESDAORAÇÃO,quecompletamosentidodaoraçãoesãoporissoindispensáveis.

—JáouvifalarnumtalCOMPLEMENTOVERBAL—disseomenino.— Sim, e é muito importante. Como alguns Verbos não completam

sozinhososentidodaOração,elesestãosempreexigindooutraspalavrasparaqueaOraçãotenhasentido.EssaspalavrasquecompletamosentidodoVerbosãochamadasComplementoVerbal.NaOração:OGilsonmatouotico-tico,oComplementoVerbaléTico-Tico,enessecasoéchamadoOBJETODIRETO,porquevemdiretamenteligadoaoVerbo.

—Jásei—disseEmília—,oVerboMatarédostaisVerbosTransitivos,queexigemComplemento.

— Issomesmo— respondeuQuindim, admirado com a sabedoria daboneca. — Mas nesta outra Oração: O Visconde gosta de ditongos, oComplemento Verbal, De Ditongos, é chamado OBJETO INDIRETO, porque oVerboGostar não se liga a ele diretamente, mas precisa ainda intercalaressaPreposiçãoDe.QuemdizGosta temde completar a idéiadizendoDoquegosta.

—EquemaishánumaOração?

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— Há os chamados TERMOS ACESSÓRIOS, que desempenham uma funçãosecundária, limitando o sentido dos substantivos, ou exprimindo algumacircunstância. Nesta Oração: Emília está aprendendo gramática sem operceber, este Sem O Perceber é um ADJUNTO ADVERBIAL, que exprime umacircunstância—omodopeloqualEmília está aprendendo.NaOração:Opica-pau pica o pau no terreiro, oNo Terreiro é um ADJUNTO ADVERBIAL queexplicaemquelugaropica-pauestápicandoopau.

— E fora esse Adjunto Adverbial, que outro Acessório existe? —perguntouEmília,torcendoonarizparaaspalavrasdifíceis.

—HáoADJUNTOADNOMINAL,quedeterminaouqualificaoSubstantivoqueele complementa. Na expressão: Narizinho arrebitado; este AdjetivoArrebitadoéoAdjuntoAdnominaldoSujeitoNarizinho.

Estavamnessepontoquandoouviramumrebuliçonapraça.Eraumasenhorademaneirasdistintas,com lornhãodecabodemadrepérola,quevinhavindo,seguidadeumcortejodefrases.

—Quemseráaquelagrandedama?—indagouNarizinho.—Oh,éaSenhoraSintaxe,adonadetudoistoporaqui.Quemgoverna

edirigeaconcordânciadaspalavrasnasfrasesésempreela.Umasenhoraexigentíssima.

Osmeninosforamaoencontrodagrandedama,àqualNarizinhofezasnecessárias apresentações. Ela gostou muito da carinha da Emília, masachouqueochifredeQuindimpodiasermenospontudo.Depoisdealgunsinstantesdeprosa,disseDonaSintaxe:—Poisé isso,meusmeninos.Soueuquemfazestaspalavrinhascomportarem-secomoéprecisodentrodasOrações.Obrigo-asa teremboasmaneiras, a seguiremas regrasdobom-tom. Forço o Verbo a concordar sempre com o Sujeito, e o Adjetivo aconcordarcomoSubstantivo.TambémnãodeixoqueoPronomediscordedo Substantivo. Se não fossem as minhas exigências, as frases virariamverdadeiras bagunças. Passo a vida fiscalizando a concordância dasSenhorasPalavras.

Nesse momento passou a certa distância, muito envergonhada de siprópria,umafrasequediziaassim:Osgatoscomeuosratos.DonaSintaxeficouvermelhadecóleraechamou-acomumgestoenérgico.

—Venhacá!EntãonãosabequeoVerbotemdeconcordarsemprecomoSujeito?Lambona!Vivodizendoisto...

—AculpaédoVerbo—fungouoSujeito.—Eubemqueoavisei...DonaSintaxetocoudalioComeuepôsnolugarumComeram.—Agorasim—disseelasorrindo.—Agoraafraseestácertíssima.Os

gatoscomeramosratos.Podeir,enuncamaismeapareçadeVerbotorto,

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ouviu?DonaSintaxeencontroumaisadianteoutraaleijadinha—umaOração

querezavaassim:Nósvaibrincar,econsertou-a,pondooVerbonoplural—Vamos.-

Depois, voltando-se para Emília, que estava demãozinhas na cinturagozandoacena,explicou:—Minhavidaaquiéoquesevê.Tenhodeestarfiscalizando todas estas senhoritas para que a cidade não vire salada debatatas.Asfrasesqueandamcomaconcordâncianaregratornam-seclarascomoáguada fonte—ea clarezaéamaiorqualidadequeexiste.TenhotambémdecuidardaCOLOCAÇÃOoudaordemdaspalavrasnafrase.

— Então elas não podem arrumar-se como querem? — perguntouEmília.

— Absolutamente não. Têm de seguir certas regras para que opensamentofiquebemclaroebemvestido.Aminhapreocupaçãoésempreamesma—clareza.Asfrasesformam-separaexprimiropensamentodoshomens, e a boa ordem das palavras na frase ajuda a expressão dopensamento.

—Asenhoratemtodaarazão—concordouaboneca.—LánosítiodeDonaBentaoSubstantivoNastácia tambémgostade

darordematudo,porqueaordemfacilitaavida,dizela.—Euusoaquiváriasregras—continuouDonaSintaxe— umas para a ORDEM DIRETA e outras para a ORDEM INVERSA. Na Ordem

DiretaponhosempreosSujeitosantesdoVerbo;ponhoosComplementoslogodepoisdaspalavrasqueelescomplementam;ponhoosAdjetivoslogodepois dos Substantivos que eles modificam; e ponho as palavrinhas deligaçãoentreostermosqueelasligam.Ficatudoumabeleza,detãoclaroesimples. Mas há também a Ordem Inversa, na qual estas regras não sãoseguidas.

—Nessecasoaclarezadevesofrermuito—observouamenina.—Hálimites.Seosentidodafraseficabemclaro,eudeixoqueafrase

seafastedaOrdemDireta;mas seo sentido ficaobscuro ouduvidoso, ah,não admito! O que quero saber nesta cidade é de clareza emais clareza,porqueaclarezaéosoldalíngua.

—EquaisasregrasparaaOrdemInversa?—perguntouPedrinho.—UmadelaséqueoVerbodevevirantesdoSujeito,seafraseestána

formainterrogativa.Eunãodeixodizer,porexemplo:Eleéquem?Obrigoadizer: Quem é ele? Nas chamadas frases OPTATIVAS e IMPERATIVAS tambémmandopôroSujeitoemseguidaaoVerbo,comonesteexemplo:Vaze tuoqueordeno, queé frase Imperativa.Ounesta:Seja vocêmuito feliz, que é

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fraseOptativa.—Equemais?—Os Pronomes Demonstrativos eu os ponhoantes dos Substantivos

porelesdeterminados.Digo,pois:Aquelepica-pau, enãopica-pauaquele.Esterinoceronte,enãoRinoceronteeste.

Também os Numerais são escritos antes dos Substantivos por elesdeterminados.Assim:Trêsmeninos,enãoMeninostrês.

—EosPronomesOblíquos,queéqueasenhorafazcomeles?—Esseseumandocolocardetrêsmodosdiferentes—antesdoVerbo,

nomeiodoVerboedepoisdoVerbo.—NomeiodoVerbo?—indagouEmíliacomcaradeespanto.—Como?

Então a senhora corta o Verbo com uma faca para enfiar o Pronomedentro?

—Exatamente.AbrooVerboeponhooPronomedentro.Nestafrase:Ogato se fartará de ratos, eu posso fazer essa operação cirúrgica. Abro oVerboFartaráeponhooPronomedentro,assim:Fartar-se-á.Eafraseficaesta:Ogatofartar-se-áderatos—muitomaiselegantequeaoutra.

— Tal qual Tia Nastácia costuma fazer com os pimentões. Abre oscoitadospelomeio,tiraassementeseenfiadentroumacarneoblíqua.

DonaSintaxeaprovouospimentõesdeTiaNastácia.Depoisdisse:—OsgramáticoschamamPRONOMEPROCLÍTICOaoquevemantesdoVerbo,

como em: O menino SE queimou. Chamam PRONOME ENCLÍTICO ao que vemdepois do Verbo, como em: O menino queimou-SE. E chamam PRONOMEMESOCLÍTICOaoquevemnomeiodoVerbo,comoem:Omeninoqueimar-SE-á.

— Quanta complicação para dar dor de cabeça nas crianças! —comentouNarizinho.—Eu, se apanhasseumgramáticopor aqui, atiçavaQuindimemcimadele...

NistoEmíliadeuumavastíssimagargalhada.—Queéisso,bonequinha?—perguntouaSintaxe.—Viuopassarinho

verde?—Estoume lembrando dos pimentõesmesoclíticos que Tia Nastácia

fazsemsaber...—respondeuadiabinha.

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XX-ASFIGURASDESINTAXE

Durante todo o tempo da conversa sintática, Pedrinho e Narizinho

estiveramaobservar,disfarçadamente,váriaspersonagensdacomitivadagrandedama.Ela,afinal,percebeuojoguinhoecontouseremastaisFIGURASDESINTAXE.

—FigurasdeSintaxe?—repetiuNarizinhosemcompreender.—Queespéciedefigurassãoessas?

Agrandedamaexplicou:—Eu tenho sempre comigo umas tantas Figuras queme auxiliamno

trabalho de trazer bem arrumadinhas as Orações. Vou apresentá-las avocês.

Edirigindo-seàsFiguras:—SenhorasFigurasdeSintaxe,permiti-mequevosapresenteàgrande

Emília,MarquesadeRabicó,àmeninadoNarizinhoArrebitadoeaoSenhorPedrinho.Eali—continuou,apontandoparaorinoceronte—,umgrandefilólogodaUganda,queseachadepasseiopelasterrasdaGramática.

AsFigurasfizeramumagraciosareverência.Emseguidaagrandedama

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passouaexplicarasfunçõesdecadauma.—Esteaqui—disse,indicandoumjeitosofigurão,éoSenhorPLEONASMO,

cujo serviço consiste em reforçar o que a gente diz. Quando uma pessoadeclara que viu com os seus próprios olhos, está usando um Pleonasmo,porque se dissesse apenas queviu já a idéia estaria completa. Está claroque ninguém pode ver senão com os seus próprios olhos; mas falandodessamaneirapleonásticaficamaisforteaexpressão.OPleonasmotemdeserdiscretoeexato;serepete,oucometeumaredundânciasemqueaforçada expressão aumente, torna-se defeito. Tudo quanto é inútil constituidefeito.

Pleonasmoofereceuosseuspréstimosaosmeninoseretirou-se,depoisdumaelegantecurvatura.

—Estaaqui—continuouDonaSintaxeindicandooutra.Figura—éaminhaamigaELIPSE,quesuprimeda frase tudoquantopode ser facilmentesubentendido.NestaOração:Gosto de uvas e você, de laranjas, a SenhoraElipsecortouduaspalavrassemqueosentidoperdessealgumacoisa.Semessecorteafraseficariaassim:(Eu)gostodeuvasevocê(gosta)delaranjas,maiscompridaemenoselegante.

ASenhoraElipsedeuumbeijinhonabonecaeretirou-se.—Eestaaqui—prosseguiuDonaSintaxe—éaSenhoraANÁSTROFE,que

inverteos termosda frase.Quandoumapessoadiz:Acabou-sea festa, emvezdedizer:A festaacabou-se, está se servindo do bom gosto daminhaamigaAnástrofe.

A gentil Anástrofe quis também dar um beijo na boneca; mas Emíliafugiucomorosto,pensandolánasuacabecinha:"Umbeijodestadiabaécapaz de inverter os 'termos da minha cara', pondo a boca em cima donariz,oucoisaparecida".

—Poiséassim,meusmeninos—concluiuDonaSintaxedepoisqueaúltima Figura se retirou.—Estas amigas valem por ajudantes preciosos.Graçasaoseuconcursoconsigodarmuitagraçaeelegânciaàsfrases.

—AtalSenhoraAnástrofenãoseráporacasoirmãdumatalCatástrofe?—perguntouEmília,deruguinhanatesta.

Dona Sintaxe riu-se da lembrança e não achou fora de propósito apergunta.

—Perfeitamente—respondeu.—Sãoduaspalavrasdeformaçãogregabastante aparentadas. Anástrofe é formada deAna (entre) e Strepho (euviro). E Catástrofe é formada de Kata (debaixo) e o mesmo Strepho (euviro).. .São,pois,irmãsporpartedopai,queéoVerboStrepho.Umaviraentre.Outraviradepernasparaoar.Masambasviram...

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A boa dama ainda conversou com os meninos por longo tempo,explicando os muitos trabalhos que tinha na língua para que as frasesandassemcorretamentevestidas.

—Quer dizer que a senhora é uma espécie de costureira— lembrouNarizinho.

DonaSintaxeachouquenão.—Costureirapropriamentenão.Meupapelnalínguaédearrumadeira.—Equantoganhapormês?—indagouEmília.—Nada,bonequinha.Trabalhodegraça—trabalhoporamoràlimpeza

eaobomarranjodestemeupovinho,quesãoasfrases.Masvamosagoraveroutracoisa.

Quero que vocês conheçam osVícios de Linguagem, que eu conservoaquiporperto,presosemgaiolas.

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XXI-OSVÍCIOSDELINGUAGEM

LogodepoisDonaSintaxedisse:—VouagoramostraravocêsosvíciosDELINGUAGEM.—Quê?!Andamsoltospelacidade,essesmonstros?— Não, menina. Os Vícios, eu os conservo em jaulas, como feras

perigosas.Vamosvê-los.Agrandedamatomouafrenteeosmeninosaacompanharamatéauma

cadeia com grades nas janelas e toda dividida em cubículos, tambémgradeados. Dentro desses cubículos estavam O BARBARISMO, OSOLECISMO, a ANFIBOLOGIA, a OBSCURIDADE, O CACÓFATO, O ECO, OHIATO,aCOLISÃO,OARCAÍSMO,ONEOLOGISMOeOPROVINCIANISMO.

Pedrinhonotouquehaviaaindaumcubículosemnenhumaferadentro.—EoVícioaquidestagaiola?—Essejásereabilitoueandasoltopelacidadenova.Sónãotemlicença

deaparecernacidadevelha.—Quemeraele?

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—OBRASILEIRISMO...Emília espiou para dentro do primeiro cubículo, onde um monstro

cabeludoestavaaroerasunhas.EraoBARBARISMO.—Quemalfazaomundoeste"cara-de-coruja"?—perguntouela.—Gostadefazeraspessoaserraremestupidamentenapronúnciaeno

mododeescreveraspalavras.Semprequevocêouviralguémdizerporibiremvezdeproibir,sastifeitoemvezdesatisfeito, púdico emvezdepudico,percuraroupercisa emvezdeprocurar ouprecisa, saibaqueépor causadestecretino.Emíliapassouaocubículoimediato,ondehaviaoutro"cara-de-coruja"aindamaisfeio.

—Eeste?—perguntou.—EsteéotalSOLECISMO,outroidiotaquefazmuitomalàlíngua.Quando

uma pessoa diz:Haviammuitas moças na festa, em vez deHavia muitasmoças,estácometendoumSolecismo.FuinacidadeemvezdeFuiàcidade,Vielenarua,emvezdeVi-onarua,Nãovásemeu,emvezdeNãová semmim,sãooutrastantas"belezas"quesaemdacacholadesteimbecil.

Emília botou-lhe a língua e passou ao terceiro cubículo. Viu lá dentroumvultodemulhercomduascaras.

—Eesta"bicarada"?—perguntou.—EstaéaANFIBOLOGIA,quefazmuitagentedizerfrasesdesentidoduplo,

ou duvidoso, como:Elematou-a em sua casa. Em casa de quem, dele oudela?Quemouveficanadúvida,porqueamatançatantopodetersidonacasadomatadorcomodamatada.

Emíliapassouaespiaroquartocubículo,ondeestavapresaumanegramuitofeia,pretaquenemcarvão.

—Eestapretura?—perguntou.—EstaéaOBSCURIDADE,que fazmuita gentedizer frases semnenhuma

clareza,dessasquedeixamquemasouvenamesma.Emília passou ao quimo cubículo, onde viu um sujeito sujo e de cara

cínica.—Eesteporcalhão?—EsteéoCACÓFATO,quefazmuitagenteligarpalavrasdemodoaformar

outrasdesentidofeio,comoaquelesujeitoqueouviunoteatroumagrandecantoraefoidizeraumamigo:Elatrinaquenemumsabiá...

Emília tapou o nariz e dirigiu-se ao sexto cubículo, onde estava ummalucomuitobarulhento.

—Eeste,comcaradecachorro?—indagou.—EsteéoECO,quefazmuitagenteformarfrasescheiasdelatidos,ou

comdesagradávelrepetiçãodesons.Quemdiz:Opãodesabãocaiunochão

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latetrêsvezesnumasófrase,tudoporcausadestabisca.Emíliapassouaosétimocubículo,ondehaviaumfreguêscomcarade

gago.—Eestepandorga?—perguntou.— Este é o HIATO, que faz muita gente formar frases com acentuação

incômoda para os ouvidos. Quem diz:A aula é lá fora está sendo vítimadesteSenhorHiato.

Emíliapassouaooitavocubículo,ondeestavapresaumamulher, todarequebrada.

—Eestaciciosa?—perguntou.— Esta é a COLISÃO, que faz muita gente dizer frases cheias de

consonâncias desagradáveis. Zumbindo as asas azuis é uma frase com ovíciodaColisão.

Emília passou ao nono cubículo, onde estava um velho de cabelosbrancos,todocobertodeteiasdearanha.

—EsteMatusalém?—EsteéoARCAÍSMO,que fazmuita gentepedanteusarpalavrasque já

morreramhámuitotempoeque,portanto,ninguémmaisentende.—JáestivenobairrodaspalavrasArcaicasetraveiconhecimentocom

algumas—observouNarizinho.—Masporqueestápresoopobrevelho?Elenãotemculpadehaverpalavrasarcaicas.

—Mas temculpadebotar essasvelhas corocasnas frasesmodernas.Paraquenãofaçaissoéqueestáencarcerado.

Emíliapassouaodécimocubículo, ondeestavapresoummoçomuitopernóstico.

—Eesteaqui,tãochique?—perguntou.—EsteéoNEOLOGISMO.Suamaniaéfazeraspessoasusaremexpressões

novasdemais,equepoucagenteentende.Emília,queeragrandeamigadeNeologismos,protestou.— Está aí uma coisa com a qual não concordo. Se numa língua não

houver Neologismos, essa língua não aumenta. Assim como há semprecriançasnovasnomundo,paraqueahumanidadenãoseacabe,tambémépreciso que haja na língua uma contínua entrada de Neologismos. Se aspalavras envelhecem emorrem, como já vimos, e se a senhora impede aentrada de palavras novas, a língua acaba acabando. Não! Isso não estádireitoevousoltaresteelegantíssimoVício,jáejá...

—Nãomexa,Emília!—gritouNarizinho.—NãomexanaLíngua,quevovóficadanada...

—Mexoeremexo!—replicouabonecabatendoopezinho,efoieabriu

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a porta e soltou o Neologismo, dizendo:— Vá passear entre os vivos eformequantaspalavrasnovasquiser. E se alguém tentarprendê-lo, gritepormim,quemandareiomeurinoceronteemseusocorro.QueroverquempodecomoQuindim...

DonaSintaxe ficouumtantopassadacomaquele rompantedaEmília,mas nada disse. Quindim estava perto, de chifre pronto para entrar emcenaaomenorsinaldaboneca...

—Comoestáficandodespótica—murmurouameninaparaPedrinho.—Aindaacabafazendoumarevoluçãoevirandoditadora...

—Édetantaganjaquevocêslhedão—observouomeninocomumapontadeinveja.

Emília encaminhou-se para o último cubículo, onde estava preso umpobrehomemdaroça,afumaroseucigarrãodepalha.

—Eestepaidavidaqueaquiestádecócoras?—perguntouela.—EsteéoPROVINCIANISMO,quefazmuitagenteusartermossóconhecidos

emcertaspartesdopaís,oufalarcomosósefalaemcertoslugares.Quemdiznaviu,menino,mecê,nhô,etc.estácometendoProvincianismos.

Emílianãoachouquefossecasodeconservarnacadeiaopobrematuto.Alegouqueeletambémestavatrabalhandonaevoluçãodalínguaesoltou-o.

—Vápassear,SeuJeca.Muitacoisaquehojeestasenhoracondenavaiser lei um dia. Foi você quem inventou o Você em vez de Tu e só issoquantonãovale?EstamoslivresdacomplicaçãoantigadoTuturututu.Masnãosemetaaexagerar,senãovoltaparacáoutravez,estáouvindo?

O Provincianismo agarrou a trouxinha, o pito, o fumo e as palhas e,limpando o nariz com as costas damão, lá se foi, fungando. Tão bobo, ocoitado,quenemteveaidéiadeagradeceràsualibertadora.

— Não há mais nenhum? — perguntou Emília logo que o Jeca seafastou.

—Felizmente,não—respondeuDonaSintaxe.—Estesjábastamparamedeixartonta.

Terminada a visita aosVícios de Linguagem, osmeninos ficaram semsaberparaondeir.

—Esperem!íamo-nosesquecendodoVisconde.Temosdecontinuarna"campeação"dele—disseEmília,mordendoolábioeolhandofirmeparaaSintaxe,averquecaraelafariadiantedaquela"campeação".

—Issodepois—opinouPedrinho.—EstoucomvontadeagoradevercomoasOraçõesseformam.

—Poisvamosa isso—concordouDonaSintaxe.—Háaquipertoum

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jardimmuitofreqüentadopelasSenhorasOrações.—Quemsãoessasdamas?—Sãofrasesqueformamsentido,ouquedizemumacoisaqueagente

entende.—Eafrasequenãoformasentido?—perguntouEmília.— Isso não é nada. É bobagem. . . — respondeu Dona Sintaxe,

afastando-sedali.

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XXII-ASORAÇÕESAOARLIVRE

Foram todos para o jardim, onde numerosas Orações costumavam

passearaosol.DonaSintaxeapontouparaumadelasedisse:—Vamosver,Emilinha,sevocêsabeoquesignificaumgrupodepalavrascomoaquelequealiestá,juntoaocanteirodemargaridas.

—PoiséumaOração,estáclaro!Quemnãosabe?—Vocênãosabe,Emília.AquiloémaisqueumaOração—étodoum

PERÍODOGRAMATICAL,compostodeváriasOrações.—UmPeríodoéentãoumcachodeOrações—disseEmília.—Estou

entendendo.AOraçãoéumabanana;oPeríodoéumapencadebananas.O rinoceronte gostoudo exemplo e lambeuosbeiços, enquantoDona

SintaxeexplicavaqueosPeríodos sedividememduas classes— PERÍODOSSIMPLESePERÍODOSCOMPOSTOS.

—OPeríodoSimpleséoque...—foidizendoEmília,masengasgou.—ÉoquesecompõesódeumaOração—concluiuDonaSintaxe.—EoPeríodoCompostoéoquesecompõededuas!—gritouaboneca

vitoriosamente.

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— De duas ou mais — corrigiu Dona Sintaxe. — Aquele que ali vaipassandoéumPeríodoComposto.

OtalPeríodoCompostodiziaoseguinte:Emíliasoltouopreso,masnãoganhounemummuitoobrigado.

— Notem — observou Dona Sintaxe — que há duas Orações,governadas por dois Verbos — Soltou e Ganhou. Por isso o Período éComposto.AConjunçãoMasamarraasegundaOraçãoàprimeira.

—Estouvendo—disseEmília.—Eaqueleoutro,pertodocanteirodecravos?

—AqueleéumPeríodoSimples,formadodeumasóOração:OViscondeestácommedo.ReparequeháumsóVerbo.

—Eaqueleoutrolápertodocanteirodasdálias?—indagouPedrinho,mostrandoumPeríodoquediziaassim:Orinoceronte,queéumsabido,estácalado.

—AqueleéumPeríodoCompostoquetrazumaOraçãopenduradaemoutra.NotequeumaOraçãonãoestáligadaàoutra,massimpenduradanomeio da outra. Se sair dali não estraga o resto. Chama-se OraçãoINTERFERENTE.

—Penduradacomquegancho?—perguntouEmília.—ComoganchodaquelepronominhoQue.NotemquenessePeríodo

Composto há duas Orações: (1) O rinoceronte está calado; (2) Que é umsabido.Masestaúltimaestáapenasenganchadanomeiodaprimeira,comonumarede,pormeiodoganchodoPronomeQue.

—Que temmesmo jeito dumganchinho!—observouEmília, e todosconcordaram,paranãohaverbriga.

—VamosagoravercomoestasOraçõesseclassificamquantoaopapelquerepresentamnoPeríodo—disseDonaSintaxe.—Elaspodemserdetrêsclasses-COORDENADAS,PRINCIPAISeSUBORDINADAS.

E, para exemplificar, gritou na direção dum grupo de Períodos queestavam parados diante dum repuxo: — Aproxime-se um PeríodoCompostoquequeiraservirdeexemplo!Depressa!

Todosaltitante,destacou-sedogrupoestePeríodo:Opica-paupicouopauefugiuquandoviuQuindim.

— Reparem— disse Dona Sintaxe— que temos três Orações nestePeríodo. Uma Coordenada, porque está ligada a outra Coordenada pelaConjunçãoE:Opica-paupicouopau. E temos a segundaOração, que é aPrincipal:E fugiu; e temosa terceira, queé aSubordinada, ou escravadaPrincipal: Quando viu Quindim. Sem estar ligada à Oração Principal estaterceiraficasemsentido,ninguémaentende.Masligadatorna-seclarinha

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comoáguadepote;quemlêcompreendelogoqueopica-paufugiuquandoviuQuindim.

—OraçãoPrincipal?—estranhouamenina.— Oração Principal é a que pensa que é independente mas não é,

porquedependedasoutrasparacompletaroqueelaquerdizer.Aquelaali,porexemplo.Venhacá,SenhorPeríodo!

Aproximou-seumPeríodoCompostoqueseliaassim:Quindimestácomfomeporquenãoencontroucapimporaqui.

—Reparem.AOraçãoQuindimestácomfomeéaPrincipal,masnãoficabem, bem, bem, bem completa sema outra:Porque não encontrou capimporaqui. Esta outra ajuda a completar a Principal. As Senhoras OraçõesPrincipais trazem sempre o Verbo no Modo Indicativo ou no ModoImperativo,nãoseesqueçam.

DonaSintaxedespediuaquelePeríodoechamououtro.— Aproxime-se uma Oração na voz ATIVA! Depressa. Muito lampeira,

destacou-se do grupo umaOração que dizia assim:Ogato comeu o pica-pau.

—QuehistóriadeVozAtivaéessa?—indagouEmília.— Já irá saber --- respondeu a Senhora Sintaxe, e voltando-se para a

novaoraçãozinha:—-VocêestánaVozAtiva,nãoéassim?Poisentãopasseparada voz PASSIVA para esta boneca ver. Incontinenti a oraçãozinhadesmanchou-setodaparaformaroutradaseguintemaneira:Opica-paufoicomidopelogato.

—Muitobem!—aprovouDonaSintaxe.OEparaosmeninos:— Notem que Pica-Pau, que é o Objeto Direto da primeira Oração,

passou a ser Sujeito desta última, e reparem que o Sujeito da primeira(Gato)passouaserComplemento.

—QueObjetoDiretoéesse,queapareceuaísemmaisnemmenos?—berrouEmília.

—ObjetoDiretoéaquiloquecompletaosentidodoVerbodiretamente.AgenteperguntaaoVerbo:oquê?EarespostaéotalObjetoDireto.Ogatocomeuoquê?Opica-pau.Logo,pica-pauéoObjetoDireto.

—QuepesteéatalGramática!—disseEmília.—Temcoisasquenãoacabammais.Sósintoque,emvezdetercomidoopobrepica-pau,ogatonão tivesse comido a Senhora Gramática, com todas estas damas queandamporaqui...

DonaSintaxenãoouviuecontinuou:— Por meio destas passagens de Sujeitos para Complementos e de

ComplementosparaSujeitoséqueasOraçõespassamdaVozAtivaparaa

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VozPassiva.Entenderam?Osmeninosfizeramcomacabeçaquesim.Durante toda a conversa Quindimmanteve-se de parte, ouvindo com

muita atenção as palavras da grande dama e aprovando-as commovimentosdechifre.Emília,quegostavadetiraraprovadetudo,foitercom ele para lhe perguntar num cochicho: — Que acha desta senhora,Quindim?*SabemesmoGramáticaouestánostapeando?

Orinoceronteriu-sefilosoficamente.—Comonãohádesaber,Emília,seelaéaSintaxe,ouumadaspartes

daprópriaGramática?ASintaxedumladoeaLexiologiadeoutroformamaGramáticainteira.NuncaduvidedoqueaSenhoraSintaxedisser...

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XXIII-EXAMEEPONTUAÇÃO

DepoisdebrincaremporalgumtemponaquelejardimdePeríodos,ede

discutiremnovamenteacampeaçãodoVisconde,osmeninosresolveramiraobairrodasSílabassherlockaroraptodoDitongo—comodiziaaEmília.

—Nãoainda—propôsDonaSintaxe.—Querocorrerumexamenosmeusalunos.Venhamtodoscá—eosenhortambém,SeuRinoceronte.

Osmeninoseopaquidermeperfilaram-sediantedagrandedama.— Muito bem — disse ela. — Vou agora ver se essas, cabecinhas

guardaramoqueensinei,eparaissotemosqueanalisarumafrase.Evoltando-separaumgrupodefrasespasseadeiras:—Aproxime-seumPeríodoparaseranalisado!Depressa!...Apresentou-se incontinenti aquele assanhadíssimo Período que dizia

assim:TiaNastáciafazbolinhosquetodosachammuitogostosos.—Vamosver,Emília,quantasOraçõeshánestePeríodo?— Duas! — respondeu imediatamente a boneca. — A primeira é a

PrincipaleasegundaéaSubordinada.—Muitobem.EqualoSujeitodaprimeira,Pedrinho?—TiaNastâcia.

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—Muitobem.EqualoSujeitodasegunda,senhorpaquiderme?—Todos—rosnouorinocerontecomumbamboleiodecorpo.—Muitobem.EqualoPredicadodaprimeira,Narizinho?— Faz bolinhos — disse a menina com água na boca, porque estava

chegandoahoradojantar.—Muitobem.EqualoPredicadodasegunda,Quindim?— Acham muito gostosos — respondeu o rinoceronte, lambendo os

beiços.—Muitobem.EqualoComplementoVerbaldaprimeira,Emília?—Bolinhos!—berrouaboneca.—BolinhoséoObjetoDiretodoVerbo

Faz—quemnãosabedisso?—Muitobem.EqualoComplementoVerbaldasegunda,Pedrinho?—Que.—EsseQueaqueserefere?—Refere-seaBolinhos.— Bravos! — exclamou Dona Sintaxe. — Vejo que não perdi o meu

tempo.Podemirbrincar.Foi uma gritaria, e todos saíram aos pinotes. Emília espreguiçou-se e

Quindimdeuumachifradanoar,debrincadeira.—Eagora?—disseNarizinho.—Elanosmandoubrincar;masbrincar

dequê, nesta cidadedepalavras?Uma idéia!. . . Vamos ver a Pontuação!OndeficaaPontuação,Quindim?

— Aqui perto, num bazar. Eu sei o caminho — respondeu opaquiderme.

NotalbazarencontraramosSINAISDEPONTUAÇÃO,arrumadosemcaixinhasde madeira, com rótulos na tampa. Emília abriu uma e viu só VÍRGULASdentro.

— Olhem que galanteza! — exclamou. — Vírgulas, Vírgulas e maisVírgulas! Parecem bacilos do cólera-morbo, que Dona Benta diz seremvirgulazinhasvivas.

EmíliadespejouummontedeVírgulasnapalmadamãoemostrou-asaorinoceronte.

— Essas Vírgulas servem para separar as Orações, as Palavras e osNúmeros— explicou ele.— Servem sempre para indicar uma pausa nafrase.Afunçãodelaséseparardeleve.

EmíliasoprouopunhadinhodeVírgulasnasventasdeQuindimeabriuaoutracaixa.EraadoPONTOEVÍRGULA.

—Eestes,Quindim,estescasaizinhosdeVírgulaePonto?—Essestambémservemparaseparar.Massepararcomumpoucomais

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deenergiadoqueaVírgulasozinha.EmíliadespejounobolsodePedrinhotodooconteúdodacaixa.—Eestesaqui?—perguntouemseguida,abrindoacaixinhadosDOIS

PONTOS.— Esses também servem para separar, porém commaior energia do

queoPontoeVírgula.Metade daqueles Dois Pontos foram para o bolso do menino. Emília

abriuumanovacaixa.—Oh,esteseuseiparaqueservem!—exclamouela,vendoqueeram

PONTOSFINAIS.—Estesseparamdumavez—cortam.Assimqueapareceumdelesnafrase,agentejásabequeafraseacabou.Finou-se...

EmseguidaabriuacaixadosPONTOSDEINTERROGAÇÃO.—Ganchinhos!— exclamou.— Conheço-osmuito bem. Servem para

fazer perguntas. São mexeriqueiros e curiosíssimos. Querem saber tudoquantohá.Voulevá-losdepresenteparaTiaNastácia.

DepoischegouavezdosPONTOSDEEXCLAMAÇÃO.— Viva!— gritou Emília.— Estão cá os companheiros das Senhoras

Interjeições. Vivem de olho arregalado, a espantar-se e a espantar osoutros.Oh!Ah!!!Ih!!!

AcaixinhaimediataeraadasRETICÊNCIAS.—Servemparaindicarqueafrasefoiinterrompidaemcertoponto—

explicouQuindim.— Não gosto de Reticências — declarou Emília. — Não gosto de

interrupções.Quero todasascoisas inteirinhas—pão,pão,queijo,queijo— ali na batata!— e, despejando no assoalho todas aquelas Reticências,sapateouemcima.

Depoisabriuoutracaixaeexclamoucomcaraalegre:— Oh, estes são engraçadinhos! Parecem meias-luas. . . Quindim

explicouquesetratavadosPARÊNTESES,queservemparaencaixarnumafrasealgumapalavra,oumesmooutrafraseexplicativa,queagentelêvariandootomdavoz.

—Eaqui,estespauzinhos?—perguntouEmília,abrindoaúltimacaixa.—SãoosTRAVESSÕES,queservemnocomeçodas frasesdediálogopara

mostrar que é uma pessoa que vai falar. Também servem dentro dumafraseparapôremmaiordestaqueumaPalavraouumaOração.

— Que graça! — exclamou Emília. — Chamarem Travessão a umastravessinhasdemosquitodestetamanhinho!Osgramáticosnãopossuemo"sensodamedida".

Quindimolhou-acomorabodosolhos.Estavaficandosabidademais...

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XXIV-EOVISCONDE?

Tornava-se preciso descobrir o Visconde. A suamisteriosa "sumição",

como dizia a boneca, vinha preocupando a todos seriamente. Asinformações obtidas eram poucas e vagas. O vigia da SenhoraAnticonstitucionalissimamente contara que o tinha visto por lá com umDitongodebaixodocapote,aespernear.UmadasFrasesquetomavamsolnoJardimdasOraçõestambémdisseraqueelehaviaraptadoumDitongo.Efoisó.Nadamaisconseguiramcolher.

— Um Ditongo! — murmurava Emília com ruguinhas na testa. —Raptou umDitongo!. . .Mas para quê, SantoDeus? Comque fim?Há emtudoistoumgrandemistério...

—Comcertezatrata-sedalgumDitongoarcaico,queelefurtoulevadopelasuamaniadeantiguidades—sugeriuPedrinho.

—NãoháDitongosArcaicos—disseQuindim.Oremédioeraumsó—iremaobairrodasSílabas,queéondemoram

osDitongos.—Poisvamos—decidiuNarizinho.

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Foram—emontadosemQuindimporsermeiolonginho.Aoalcançarobairroorinoceronteparouafimdeorientar-se.

—Éaquimesmo—disseele,vendoasruascheiasdeSílabas,numirevirconstante.—MasondeseráaRuadosDitongos?

—Melhorindagar—lembrouamenina,e,chamandoumasilabazinhamuito curica que ia passando, disse:—A senhorita poderá informar-nosondeficaaRuadosDitongos?

—Comtodogosto—respondeualambetinhanasuavozdeformiga.—Ficanestadireção,trêsquadrasàesquerda.

Quindimtrotouparalá.—Éaqui :—disseele,aopenetrarnumaruaondesóexistiamSílabas

formadasdeduasVogais.—OsDitongossãoestes.—Quê!—exclamouNarizinho,surpresa.—Ditongo,umapalavratão

gorda,querdizersó isso—sílabadeduasvogais?Penseique fossecoisamaisimportante...

—Pois,menina, os gramáticos não tiveramdóde gastar umquilo degregoparaclassificarestasminúsculas silabazinhas.Elesdividem-nasemDITONGOS,SEMIDITONGOS,TRITONGOSeMONOTONGOS.

Todos se riram daquele grande luxo "nomenclástico", como talvezdissesseaboneca,senãocontinuasseabsortaemprofundascogitações.

— Emília está "deduzindo!" — murmurou a menina ao ouvido deQuindim.—Quandolhedáosherlockismo,ninguémcontecomela.

— Havia por ali duas espécies de Ditongos — os ORAIS, que só sepronunciamcomaboca,eosNASAIS,emqueosomsaitambémpelonariz,AI,AU,EI,EU, IU,OU,OI,UEeuieramosOrais,ÃE,AM, EM,ÕE eramosNasais.MasQuindim,queconheciatodososDitongosdecoresalteado,estranhounãoverentreelesomaisimportantedetodos—oÃo.

"Querem ver que o Visconde raptou o Ão?", refletiu, lá consigo, opaquiderme.

Os meninos notaram uma certa agitação entre os Ditongos.Evidentementehaviasucedidoqualquercoisagrave.Andavamdecáparalá, escabichando os cantinhos e informando-se uns com os outros, naatitudeclássicadequemprocuraobjetoperdido.

Emília entrou em cena. Agarrou um dos Ditongos Nasais pelo til epousou-onapalminhadamão.EraoDitongoÕE.—Diga-me,ditonguinho,quefoiquehouveporaqui?Notoumacertaagitaçãoentrevocês,comoemformigueirodesaúvaemdiaquesaiiçá.

—De fato, estamos agitados— respondeu o ditonguinho.—Umdosmeus manos, o Ão, que era justamente o mais importante da família,

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desapareceumisteriosamente.Temo-loprocuradoportodaparte,massemresultado.Sumiu...

—Quemsabesealguémoraptou?—sugeriuaboneca.— Impossível! Que alguém haverá nomundo que queira umDitongo

Nasal?Nóssóservimospara formarpalavras;não temosoutra funçãonavida,enenhumacasadeferrovelhodariaumvintémportodosnósjuntos.

—Espere—disseEmília,refletindo.—Diga-meumacoisa:Nãoandouporaquiumfilósofodefora,semcartolinhanacabeçaecomumaspalhasdemilhoaopescoço?

—Andou,sim.Umsábioumtantoembolorado,nãoé?—Issomesmo!Bolorverde...—Esteve cá, sim. Esteve de prosa conosco e depois desapareceu. Foi

logoemseguidaquedemospelafaltadoÃo.Asenhoraachaque...—Mais que acho! Sei que foi ele quem raptou o Ditongo. O que não

consigo achar é a explicação de semelhante coisa. Esse sábio é o grandeVisconde de Sabugosa, que mora no sítio de Dona Benta. O guarda daSenhora Anticonstitucionalissimamente me disse que o viu com umDitongo debaixo do capote; e mais tarde uma Frase, lá no Jardim dasOrações,tambémnosdeclaroupositivamentequeoViscondehaviaraptadoumDitongo.

—Oraveja!...—exclamouoditonguinhoarregalandoosolhos.—Mas,paraquê?ParaqueumtãoilustresábioquereráumDitongo?..

Éoquemepreocupa—disseEmília,recaindoemcismas.OmistériodosumiçodoViscondecontinuavaaembaraçarosmeninos.

Teriasidopresocomogatuno?Teriasidoassassinado?TeriavoltadoparaosítiocomoDitongonobolso?Mistério...

— Se houvesse por aqui um jornal, poderíamos pôr um anúncio:"Perdeu-se um Visconde assim, assim; dá-se boa gratificação a quem oachar".

—Mas não existe jornal, e é tolice ficarmos toda a vida a campeá-lo.VamosesqueceroVisconde.Olhemqueainda temosdevisitaraSenhoraOrtografia.

FoiresolvidoesqueceremoViscondeevisitaremaSenhoraOrtografia.MontaramdenovoemQuindimepartiram.AmeiocaminhoEmíliabateunatesta.

—Heureca! Achei! Achei!... Já descobri tudo! Já descobri a razão do"delito"doVisconde...

Todossevoltaramparaela.—OVisconde—explicouEmília—sofredocoração,comovocêsmuito

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bemsabem,eporissoseassustacomaspalavrasquetrazemotalDitongoÃo. O coitado assusta-se como se o Ão fosse um tiro, ou um latido decachorrobravo...

—Éverdade!—confirmouNarizinho.—Lembro-mequeumavezelelevouumgrandíssimotombo,quandoTiaNastáciaberroudacozinhaparaocamaradadocompadreTeodorico,queiaparaacidade:"SeoChico,nãoesqueçademetrazerdavendaumpãodesabão!"Aquele"pãodesabão"berrado foi o mesmo que dois tiros de espingarda de dois canos nocoraçãozinho do Visconde, que estava distraído lendo a sua álgebra. Ocoitadocaiudecostas.Lembro-meperfeitamentedisso...eleatéandoudecoranchimmachucadoumaporçãodedias.

— Pois é— concluiu a boneca, radiante. — O Visconde raptou esseDitongo para livrar a língua de todas as palavras que dão tiros, ou quelatemcomocachorrobravo...

—Efezmuitobem—disseQuindim.—Omaiordefeitoqueachonestalínguaportuguesaéesselatidodecachorro,queagentenãoencontraemnenhuma outra língua viva. Até amim, que sou bicho africano, o Ãomeassustavanocomeço.Trazia-meaidéiadelatidodecãesdecaça,seguidosdehomensarmadosdecarabinas...

Comofossealiobairroortográfico,Narizinhopropôsqueseprocurasseapessoaquetomavacontadazona.

—QuemsabeseelasabeondeestáoVisconde?—sugeriu.—Podeser,masduvidomuito—disseEmília.—OViscondeouestána

cadeia, como gatuno, ou está no cemitério, enterrando o coitadinho doDitongo.Eubemquecompreendoaidéiadele.Eseelefizerisso,vaihaveramaiordasatrapalhaçõesnalíngua.SemoÃocomoéqueagentesearrumapara , comprar umPão? FicaPao. . . E Sabão ficaSabao. . . E Ladrão ficaLadrao...Atrapalhaalínguacompletamente...

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XXV-PASSEIOORTOGRÁFICO

NobairrodaORTOGRAFIAosmeninosencontraramumadamadeorigem

grega,quetomavacontadetudo.—Bomdia,minhasenhora!—disseQuindimfazendoumasaudaçãode

cabeçamuitodesajeitada.—Tragoaquisobreomeulombodoismeninoseumaboneca,quedesejamconheceravidadestebairro.

—Àsordens!—exclamouagrega.—Desçamevenhamvercomolidocomasletras,naformaçãoescritadaspalavras.

Osmeninosdescerampelaescadinhadecordae rodearam-na.Emília,lambetissimamente,tomou-lheabênção.

—Deusteabençoe,bonequinha—disseaOrtografiasorrindo.Porondecomeçar?Narizinhoteveaidéiadeinquirirporquemotivoela

sechamavaOrtografia.—Meunomeé grego e formadodeduas palavras gregas—Orthos e

Graphia.Orthos quer dizer "correta" e Graphia quer dizer "escrita". Sou,

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portanto,aEscritaCorreta,ouaqueensinaaescrevercorretamente.—Poisasenhoraprecisatrabalharmuito—disseEmília—,porquea

maiorpartedasgentesaindanãosabeescrevernaregra.Eumesma,quesoumarquesa,erroàsvezes...

—Marquesa?—repetiuaOrtografia,admirada.— Marquesa de quê? — Marquesa de Rabicó, para a servir, minha

senhora!—respondeuEmília,demãosnacinturaequeixoerguido.Narizinho confirmou o título da boneca e narrou várias passagens da

suavidinha,inclusiveocasamentoeodivórciocomoMarquêsdeRabicó.AOrtografiaespantou-segrandementedetaisprodígios.Emseguidafaloudasuavidaali.—AntigamenteosistemadeescreveraspalavraseraoSISTEMAETIMOLÓGICO,oqualmandavaescrevê-lasdeacordocomaorigem.Issotraziamuitascomplicaçõesedificuldades.

Poressesistema,apalavraCisma,porexemplo,escrevia-seScisma,comuma letra inútil,mas justificadapela origem.ApalavraTísica escrevia-sePhthisica, com três letras inúteis, sempre por causa da origem. Ditongoescrevia-seDiphthongo.Demodoquehaviaumaenormetrabalheiraentreos homens para decorar a forma das palavras — e trabalheira inútil,porqueninguémganhavacoisanenhumacomisso.

—Sóostipógrafos—lembrouNarizinho.—Essesengordavam...— Sim, só os tipógrafos— confirmou aOrtografia.—Todos osmais

perdiam tempo e fósforo cerebral. Em conseqüência disso ergueu-se ummovimentoparamudar—paraacabarcomaORTOGRAFIAETIMOLÓGICAepôremlugardelaoutramais fonética, isto é, que só conservassenaspalavras asletrasquesepronunciam.Essemovimentovenceu,afinal,eacabousendosancionado por um decreto do governo, depois de muito estudado pelaAcademiaBrasileiradeLetras.

—Querdizerqueagoraninguémmaiserra?—dissePedrinho.—Estámuitoenganado,meufilho.Háregrasquetêmdeserseguidas,e

os que se afastarem dessas regras erram.Mas tudo se tornamuitomaissimpleselógico.Eugosteidamudança,confesso—masaminhaamiga,avelha Ortografia Etimológica, está furiosíssima. Não se conforma com asimplificaçãodaspalavras.

A dama grega levou os meninos para sua casa, onde havia uma belacoleçãodeletrasesinaisgráficos.

—Asletrasvocêsjáconhecem—disseela.—SãoasdoAlfabeto.Destelado tenho as MAIÚSCULAS; e daquele lado, as MINÚSCULAS. Aqui nesta gavetaguardoosACENTOSeoutrossinais.

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— Quando é que a senhora emprega as Maiúsculas? — indagouPedrinho.

— Ponho em Maiúsculo todas as primeiras letras das palavras queabrem os Períodos, e também escrevo emMaiúsculo a primeira letra detodososNomesPróprios.

—Só?—perguntouNarizinho.— Não. Uso Maiúsculas também nos títulos, como Vossa Senhoria,

SenhorDoutor,etc.EnosEpítetos,ouAlcunhasdoshomenscélebres,comoNapoleão,oGrande;Guilherme,oTaciturno;oTiradentes,etc.

Uso-asnaspalavrasquedesignamdivindade, como:oEterno, oTodo-Poderoso.

Uso-as em certos Nomes Abstratos, quando aparecem sob forma depessoas,comonestafrase:OmonstrovinhaescoltadopelaIra,pelaTraiçãoepeloCiúme.

Uso-asparaospontoscardeais,quandodesignamregiões,comonestasfrases:Os povos do Oriente; Osmares do Sul.Mas digo sem Maiúscula: Ooriente da China, porque aqui oriente significa apenas uma direçãogeográfica.Pelamesmarazãotambémdigo:OnortedoBrasil.

—EostaisAcentos?—perguntouomenino.—Acentos, lidocomdois—oAGUDO(´)eoCIRCUNFLEXO(^).E ainda lido

com outros sinaizinhos aparentados com os Acentos, como o TIL (~), oAPÓSTROFO('),aCEDILHA(,),queéumacaudinhanoC,eoHÍFEN,OU o TRAÇODEUNIÃO(-).

Introduziram-se na língua outros Acentos, como o acento grave (‘),muitousadopelosfranceses,eaindaoTREMA(••).Soucontra isso:quantomenosAcentoshouvernumalíngua,melhor.Alínguainglesa,queéamaisrica de todas, não se utiliza de nenhum Acento. Os ingleses são homenspráticos.Nãoperdemtempoemenfeitaraspalavrascombolostroquinhasdispensáveis.—Muitobem!—disseEmília,quetinhaganaemAcentos.—Gostode

ouvirumagrandedamacomoasenhorafalarassim,porqueéexatamentecomopenso.Essaspulgas só servemparanos tomar tempo.Achoque sódevem ser usados quando forem necessários, para evitar confusão. Hoje,escreve-seêle6ehá,comAcentos.Achodesnecessário,porque,comousemAcentos,sóháumjeitodepronunciaressaspalavras.Easletras?Faledasletras.

—Entreasletras—continuouaSenhoraOrtografia—,umadasmaiscuriosas é oH. O diabinho por si só não tem somnenhum,mas ligado a

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outras letrasproduzsonsespeciais.Nocomeçodumapalavraéomesmoquenãoexistir.EmHomem,HojeouHaver,porexemplo,tantofazexistiroHcomonãoexistir.

—Então,porquecontinuaoHnessaspalavras?—indagouomenino.—Porqueelassãofilhasdepalavraslatinasquetambémseescreviam

com H, e todo o mundo está acostumado. Se fôssemos escrever Ornem,haveriaumberreirodeprotestos...

MasquandooHseligaaoC,elechiaquenempingod'águaemchapadefogão,comoemMachado,Achar,Chá,China.EseseligaaumL,ouaumN,produz um som que os gramáticos chamam Palatal, como nas palavrasAlho,Trilho,Cunha,Vinho.NaAntigaOrtografiatambémseligavaaoPparadarumsomigualaoF,comoemPhosphoro,Philosopho,Phantasia.

Emília ficoumuito tempodeprosa comadamagrega, aprendendoasregras da Nova Ortografia. Por ela soube que a Senhora OrtografiaEtimológica tinha residêncianumbairropróximo,onde todasaspalavrascontinuavamatrajarpelosistemaantigo.

—AOrtografiaEtimológicaentrincheirou-se lá, furiosadavida, enãoadmitequeninguémtoquenavestimentadassuaspalavras.Essaboavelhasustenta as modas antigas. Palavras que vieram do latim com letrasdobradas,elaasconservadireitinhas.Nãoadmitemudanças.

—Aboba!—exclamouEmília,comtodaairreverência.—Setudonavida muda, por que as palavras não haveriam de mudar? Até eu mudo.Quantasvezesnãomudeiestacarinhaqueasenhoraestávendo?

—Mudadecara,como?—indagouDonaOrtografia,franzindoatesta.—Seilá.Mudo.Ou,antes,elesmudamaminhacara.—Quemsãoeles?—Essesdiabosquedesenhamminha figuranos livros. Cadaqualme

fazdeumjeito,ehouveumtalquemefeztãofeiaquepiqueiolivroemmilpedacinhos.

— Pois é uma grande injustiça — declarou a dama. — Na minhaopinião,vocêéumabonequinhaencantadora.

— E sabe que sou também um pocinho de it?— acrescentou Emília,piscando.

Narizinhopuxou-aporumbraço.Erademaisaqueleassanhamento.

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XXVI-EMÍLIAATACAOREDUTOETIMOLÓGICO

Emíliadirigiu-sesozinhaparaobairroondeaOrtografiaEtimológicase

haviaentrincheirado.— Onde está a interventora disto por aqui? — perguntou a uma

sentinelacomdoisLL,porquealitodasaspalavrasseconservavamvestidasàmodadedantes.

— Naquela casinhola feita de raízes gregas e latinas— respondeu asentinela.

A boneca encaminhou-se para a casinha e bateu na porta um toque,toque,toqueenérgico.

—Entre!—gritouumavozfanhosa.Emília entrou e deu com uma velha de nariz de papagaio e ar

rabugentíssimo, que tomava rape em companhia dumbando de velhotesmaisrabugentosainda,chamadososCarrancas.

—Comqueentão— foidizendoaboneca—asenhoraestádebriga

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com a ORTOGRAFIA SIMPLIFICADA e não admite que estas pobres palavras sevistampelofigurinomoderno?

—Sim—rosnouavelha.—Aspalavrassempreusaramestemododevestir,eeunão"admito"quedummomentoparaoutromudemeviremaíumassirigaitas"fonéticas".Aspalavrastêmumaorigemedevemtrajar-sedemodoquequemaslêvejalogodondeprocedem.

-—Tudoissoestámuitobem—replicouEmília—,masasenhorasabequeexisteumacontínuamudançanascoisas.Aspalavras,comotudomais,tambémtêmdemudar.Quindimjámeexplicouisso.

—Masmudamlentissimamente—declarouavelha—,enãoassimdopé para amão, como queremos reformadores.Mudampor si, e não porvontadedumgrupodehomens.

— A senhora canta muito bem, mas não entoa. Talvez tenha atécarradas de razão. Entretanto, ignora a maçada que é para as criançasestaremdecorando,umporum,omododeseescreveremaspalavraspelosistema antigo. Os velhos Carrancas é natural que estejam do seu lado,porque jáaprenderampelosistemaantigoetêmpreguiçademudar;masas crianças estão aprendendo agora e não há razão para que aprendampelosistemavelho,muitomaisdifícil.Eufaloaquiemnomedacriançada.QueremosaOrtografiaNovaporqueelanos facilitaavida.Quantomenoscomplicações, melhor. Por isso vim cá conversar com as palavras paraconhecer-lhesaopiniãozinha.

—Quemgovernaaspalavrassoueu,esóeufaloemnomedelas.—Poisasuaopiniãodemodonenhummeinteressa.Eu jáaconheço.

Quero agora conhecer a opinião das palavras, está ouvindo? Se elaspensaremcomoasenhora,nessecasojánãoestáaquiquemfalou.Massepensarem como eu, ah, então a senhora tem de ver fogo com o meuQuindim...

—QueméesseQuindim?—perguntouavelha,detestafranzida.—Asenhorasaberánomomentooportuno,comumPsó,estáouvindo?

E agora, com ou sem sua licença, vou conversar com as palavras desteacampamento.

AvelhaficoudetalmododesnorteadacomarompânciadeEmíliaquenempôdeabrir aboca comdois cc.Limitou-seabotar-lhea língua (umalínguamuitopreta)earecolher-se,batendoaporta.

Emília acenou para uma das palavras que andavam por ali. Era apalavraSabbado,comdoisBB.

—SenhorSabbado,venhacá.Sabbadoaproximou-se.—Diga-me;porqueéquetraznolombodoisBBquandopoderiapassar

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muitobemcomumsó?Sabbadoolhouparaoladodacasinhadavelha,comexpressãodeterror

nosolhos.Emíliaviuqueeleestavacommedodemanifestar-selivremente,e levou-o para mais longe dali. Sabbado então disse:— É por causa dabruxa velha. Como venho do latim Sabbatum, que, por sua vez, veio dohebraico Sabbat, ela não consente que eu me alivie deste B inútil. Háséculosquetragono lombosemelhanteparasito,quenenhumserviçomepresta.

—QuerdizerqueparavocêseriamuitomelhorandarcomumBsó?—Estáclaro!Omeusonhoéver-melivredestetrambolho.Masavelha

nãodeixa...Emíliaarrancou-lheoBinútiledisse:—Pois fique comumB só.A velha está caducandoe sóolhaparaos

interessesdesiprópriaedosCarrancasquelhevêmfilarorape.Estouaquirepresentando os interesses das crianças, que constituem o futuro dahumanidade—eascriançaspreferemSábadoscomumBsó.VápassearenuncamaismeponhaosegundoB!...

A palavra simplificada saiu lampeiríssima, pulando que nem umcabritinho novo que pilha aberta a porta do curral. Sentia-se leve, leve. .Emíliachamououtrapalavra.VeioapalavraSceptro.

—Comoéapronúnciadoseunome?—perguntou-lhe.—Cetro—respondeuela.—EntãoporquetrazesseSeessePinúteis?—Ordensdavelha.— Só por causa disso ou também porque sente prazer em trajar-se

assim?—Queprazerpoderei sentir em levar vidadeburrode carga?Pensa

queletrainútilnãopesa?SouumSceptrobempesado...EmíliaarrancouasduasletrasinúteisemandouCetropassear—eláse

foiele,pulandoquenemtico-tico.—Edigaàssuascompanheirasdepeso inútilque façamomesmo—

recomendouEmília,delonge.—Quebotemnolixoasletrasmudas.Depoischamououtrapalavra.VeioThesouro.—ParaqueesseHaídentro?—Istoéumenfeiteetimológico,queavelhaexige.—Foracomele!Acabou-seotempodosenfeitesetimológicos.Avelha

nãomandamais.EdigaatodasaspalavrascomHHinúteisquese limpemdisso.

—EasdeHnocomeço?

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—Essas ficam assimmesmo. E olhe: tambémnão fica oH dentro dapalavra quando se trata de palavra composta, como Desabitar, que écompostadeDeseHabitar.Excetuandoaquelecaso,olhodaruacomtodososHHmudos!Vá!...

Emíliachamououtra.VeioMachina.—Comoéoseunome,MáquinaouMachina?—Máquina.EstemeuCHtemosomdeQ.—EntãoporquenãootrocadumavezporumQ?—Avelhanãodeixa.Dizqueeusouumapalavradeorigemgrega,eque

nogregooCHvaleQ.ÉaEtimologia...—SeboparaaEtimologia.BoteforaoCHepasseausaroQ—edigaa

todasassuascompanheirasdeCHquefaçamomesmo.Chispa!...Emíliachamououtra.VeioKágado.—EsseKquevocêusanãotemomesmosomdeCA?—perguntouela.—Tem,sim...—PoisentãoboteforaoKevistaoCA.DesdequeotalKtemomesmo

somde CA, ele é demais na língua e deve ser expulso do Alfabeto. AvisetodososKKqueotempodelesseacabou.Suma-se!...

O velho Kágado lá se foi, de nariz comprido, achandomuito perigosaaquelasuatransformaçãoemCágado...

— Não fica bonito — murmurou Emília ao vê-lo afastar-se — massimplifica.Estamosnaeradasimplificação.

Depoischamououtra.VeioWagão.—Queletraéessaquevocêusanofrontispício?—perguntou.—ÉoW,ouDabliú,umaletradoAlfabeto inglêsquevalepordoisvv

entrelaçados. Letra muito importante em Anglópolis, mas pouco usadaaqui.

—PoisnãohámaisDabliúemportuguês, sabe?FoiexpulsodonossoAlfabeto.Troque-oporumVeraspe-se!...

E lá se foi Wagão, transformado em Vagão, rolando muito mais levesobreosseustrilhos.

Emíliachamououtra.VeioPery.—QueYéessequevocêusaemvezdoIcomum?—perguntou-lhe.—Todas aspalavrasdeorigem tupi, comoeu, sempre foramescritas

assim,comY.—Masosíndiostinhamlinguagemescrita?—Não.Sóatinhamfalada.—Nessecasonãohárazãonenhumaparavocêsandaremafingir-sede

gregasusandoesseY.TireissoeboteumIsimples.Aviseatodasasmais

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paraquefaçamomesmo.Rua!...Emília chamou outra. Veio a palavra Phosphoro, e com ela a palavra

Phthisica.—Comoselêoseunome?—perguntouEmíliaaPhosphoro.—Lê-seFósforo.OmeuPHsoacomoF.— Então não seja idiota. Use F que até acenderá melhor, e não

complicaráavidadascrianças.AviseosseuscolegasqueoPHmorreuparasempre.Roda!...

—Ea senhora?—dissedepois,dirigindo-seaPhthisica.—Sabequeestátuberculosadetantocarregar letras inúteis?Liberte-sedosparasitosdocorpoquegarantoasuacura.Suma-se!...

Emíliachamououtra.VeioapalavraInglez.—Meucaro—disseela—,achoquevocêestámuitobemassim,com

esseZatrás.Masogovernofezumdecretoexpulsandooszzdeinúmeraspalavras, de modo que a sua forma daqui por diante vai ser Inglês. Eulamentomuito,masleiélei...

Inglez, transformado em Inglês, lá se foi, teso como um cabo devassoura,semsequermurmurarumYes.

Emíliachamououtra.VeioEgreja.—Saibaquefoiresolvidoquedeagoraemdiantetodasaspalavrasque

uns escreviam com E e outros com I serão escritas unicamente com I.Escrevê-lascomEficasendoerro.

—EporquedecidiramconservaroIemvezdemim?—protestouoEdeEgreja.— Não sei, nem quero saber— respondeu a boneca.— Resolveram

assim e acabou-se. Tiraram a sorte, com certeza — ou então o I soubeapadrinhar-semelhor.Váembora!...

Emíliachamououtra.VeioPrompto.—NãohámaisPmudodentrodaspalavras.Foracomesseesuma-se!..

.EPromptolásefoi,muitosemjeito,transformadoemPronto.Emíliachamououtra.VeioapalavraCançar.—Uns escrevem você com S e outros comÇ. Ora, isso constitui uma

trapalhada,eportantofoidecididoquetodasaspalavrasnessascondiçõespassemaserescritassócomS.Roda!...

Emíliachamououtra.VeioapalavraMaçan.—TireoAN—disseaboneca.—PonhaÃeváavisaratodasdamesma

família.EdigaàsterminadasemAMqueamodaagoraéÃo.Emíliachamououtra.VeioapalavraPao.

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—Avise às suas companheiras de que os Ditongos Ai, Au e oi, só seescreverãodoraemdianteassim,enãoAE,AOeOE.Foiresolvidoeacabou-se,entende?PalavrascomoPao,Ceo,Chapeo,etc,passamaescrever-sePau,Céu,Chapéu.Enadaderezinga.Mandaquempode.Suma-se.

—Eeucomofico?—murmurouapalavraRio,aproximando-se.—Vocêficaassimmesmo,boba!Oseufinal10nuncafoiDitongo,não

sabedisso?Roda!Venhaoutra.Apresentou-seapalavraGeito.—UnsescrevemvocêcomGeoutroscomJ—disseaboneca.—Fique

sabendoque amoda agora é com J, e quema escrever comG vai para oxadrez.Podeir.

—Eeu?—disseapalavraJibóia,silvandocomofazemascobras.— Você fica com J porque é de origem americana. Se fosse africana

tambémficariacomJ,comoaquelaquelávai—eapontouparaapalavraQuijila,queandavapasseandomuitolampeira.

—Venhaoutra.Aproximou-seapalavraAmal-o.—O governo— disse Emília— resolveu que doravante você e suas

companheirasdevemserescritasassim—Amá-lo.Váavisaràsoutras.—Masissoéumabsurdo!—protestouAmal-o.—Eu...Emíliaarrumou-lhecomodecretodogovernonacabeça,gritando:—Váavisarasoutrasenãomeaborreça.Chispa!Amal-o,transformado

emAmá-lo,lásefoicomumgalonatesta,fungando.EmíliachamouapalavraSubscrever,queestiveraassistindoàcena.—ComoéqueasenhoradivideassuasSílabas?—perguntou-lhe.—Divido-aspelosistemaetimológico,assim:sub-scre-ver.—Poisvaimudarisso.Dehojeemdiantedividirádestemodo:Subscre-

ver.Asrazoesetimológicasacabaram-se.Estamosemtempodefonéticas.AdivisãodasSílabasserádeacordocomafonética,oucomossonsapenas.Váavisaratodas.Já!...

Subscreversaiucorrendo.—Epronto!—exclamouEmíliadandoumpontapénomontinhodeKK

e YY e CH e mais letras mudas e dobradas que ficaram no chão. —Prontérrimo!QueroagoraveracaradatalOrtografiaEtimológica...

Eviu.Logodepoisavelhadeixouacasinhaderaízeseveiopassaremrevistaaspalavrasdoacampamento.AssimqueavistouoSábadocomumB só, o Cetro sem o S e o P etimológicos, e Máquina sem CH, teve umfaniquito.Depoisberrou, arrancouos cabeloseapelouparaosCarrancasquehaviadeixadonacasinhatomandopitadasderapé.

—Acudam!Corramtodosaqui!...

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Os Carrancas acudiram, espirrando atchim! e a assoarem—se emgrandeslençosvermelhos.

— Venham ajudar-me a "endireitar" as palavras que a pestinha dabonecaestragou.

Aprimeiravítima foiSábado,queentreberros tevedeabrirabarrigaparareceberoBarrancadopelaEmília.Ocoitadinhojásehabituaraaviversemaletrainútil,demodoqueresistiuepôsabocanomundo.

Emília,queestavaobservandoacena,tevedódele.ChamouQuindimedisse-lhe: —Vamos, Quindim! Avance e espalhe aqueles peludoscomplicadoresdalíngua.Chifreneles!...

Orinocerontenãoesperousegundaordem.Avançoudechifrebaixo, aroncarquenemlocomotiva.

Os Carrancas sumiram-se como baratas tontas, e a velha OrtografiaEtimológica, juntando as saias, trepou, que nemmacaca, por uma árvoreacima.

Emíliaria-se,ria-se.Depoisgritou-lhe:—Você,suadiaba,viveumuitotempoacomplicara

vida das crianças semquenada lhe acontecesse.Mas agora tudomudou.Agoraestoueuaqui—eoQuindimaomeulado!

Queroverquempodecomesse"binômiogramatical"...Depois da tremenda revolução ortográfica da Emília, o Brasil ficou

envergonhado de estar mais atrasado que uma bonequinha e resolveuaceitar as suas idéias. E o governoe as academias de letras realizaramareforma ortográfica. Não saiu coisa muito boa, mas serviu. Infelizmentecometeramumgrandedeslize:resolveramadotarumaporçãodeacentosabsolutamente injustificáveis. Acento em tudo! Palavras que sempreexistiram sem acentos e jamais precisaram deles, passaram a enfeitar-secomessesrisquinhos.Ocoitadodo"ha"doverbohaver,passouaescrever-se com acento agudo — "há", sem que nada no mundo justificassesemelhanteburrice.Eintroduziramacentosnovos,comootalacentograve(`),que,pormaisqueagentefaça,nãodistinguedoacentoagudo(´).O"a"comcrasepassoua"à",emboraconservasseexatamenteomesmosom!Eapareceu até um tal trema (••), que é implicantíssimo. A pobre palavra"freqüência", que toda a vida foi escrita sem acento nenhum, passou aescrever-seassim:"freqüência"!...Emíliadanou.

—Nãoquero!Nãoadmito isso.Ébesteiradagrossa.Eu fiza reformaortográfica para simplificar as coisas, e eles com tais acentos estãocomplicandotudo.Nãoquero,nãoqueroenãoquero.

Quindiminterveio.

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—Você tem razão, Emília. A tendência natural duma língua é para asimplificação,por causadagrande leidomenoresforço. Se a gentepodefazer-se perfeitamente entendida dizendo, por exemplo, "tísica", por quedizer "phthisica" como nos tempos da ortografia etimológica? A forma"tísica" entrou na língua por efeito da lei do menor esforço. Mas a talacentuaçãoinútilvemcontrariaressa lei.Emvezdesimplificar,complica.Emvezdeexigirmenoresforço,exigemaioresforço.Logo,éumabsurdo.

—Mas é obrigatório hoje escrever-se assim, com dezmil acentos—observouPedrinho.

Quindimnãoconcordou.—Estmodusinrebus—disseele.—Alínguaéumacriaçãopopularna

qualninguémmanda.Quemaorientaéousoe sóele.Eouso irádandocabodetodosessesacentosinúteis.Notequeosjornaisjáosmandaramàsfavas, e muitos escritores continuam a escrever sem acentos, isto é, sóusam os antigos e só nos casos em que a clareza os exige. Temos, porexemplo, "fora" e "fora"7 . O acento circunflexo serve para distinguir o"fora"advérbiodo"fora"verbo.NadamaisaceitávelqueesseacentonoO.Oquevaiacontecercomanovaacentuaçãoéisso:aspessoasdebomsensonão a adotam e ela acaba sendo suprimida. O uso aceita as reformassimplificadoras,masrepeleasreformascomplicadoras.

EmíliaficouradiantecomasexplicaçõesdeQuindimepôsemvotaçãoocaso. Todos votaram contra os acentos, inclusive Dona Benta, a qualdeclarouperemptoriamente:—Nuncaadmitinemadmitireiimbecilidadesaquiemcasa.

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XXVII-EPÍLOGO

Quando Emília voltou para onde se achavam os meninos, viu-os em

preparativosparaoregresso.Estavamcomumafomedanada.—EoVisconde?—indagouela.—Apareceu?—Estáaqui,sim—respondeuPedrinho—,masnegaapésjuntosque

hajafurtadooDitongo.Emíliaaproximou-sedovelhosábio,que tinhaumabochecha inchada

dedordedente.—Então,ondeestáoDitongo,SenhorVisconde?— interpelouela,de

mãozinhanacinturaeolharfirme.Opobrefidalgopôs-seatremer,todogago.—Eu...eu...—Sim,osenhormesmo!—disseEmíliacomvozinhadeverruma.—O

senhor raptou o Ditongo Ão e escondeu-o em qualquer lugar. Vamos.Confessetudo.

—Eu...eu...—continuavaofidalgo,quenãosabialutarcomaboneca.

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Emília refletiu uns instantes. Depois agarrou-o e fê-lo abrir a boca àforça.ODitongofurtadocaiunochão...

—Vejam!—exclamouEmília,vitoriosa.—EletinhaescondidoopobreDitongo na boca, feito bala. Que vergonha, Visconde! Um homem da suaimportância,grandesábio,ledordeálgebra,afurtarDitongo...—Euexplicotudo—declaroupor fimoVisconde,muitovexado.—O

casoésimples.Desdequecaínomar,naquelaaventuranoPaísdaFábula8

fiquei sofrendodocoraçãoemuitosujeitoa sustos.Ora,esteDitongomefaziamal.Semprequegritavampertodemimumapalavra terminadaemÃo, como Cão, Ladrão, Pão e outras, eu tinha a impressão dum tiro decanhão ou dum latido de canzarrão. Por issome veio a idéia de furtar omalditoDitongo,demodoquedesaparecessemdalínguaportuguesatodosesseslatidoseestouroshorrendos.Foiissosó.Juro!

Emíliaficouradiantedehaveradivinhado.—Eunãodisse?—gritouparaosmeninos.—Eunãodissequedevia

seristo?Eparaodesapontadíssimofidalgo:—PegueoDitongoevábotá-loondeoachou.VocênãoéAcademiade

Letrasparaandarmexendonalíngua...Meia hora mais tarde já estavam todos no sítio, contando ao Burro

FalanteomaravilhosopasseiopelasterrasdaGramática.

FIM

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Notas[←1]

EstailustrepersonagemaparecepelaprimeiraveznolivroCaçadasdePedrinho.(N.doE.)[3]Grilos:comosãochamadosemSãoPauloosguardaspoliciaisdasruas.[4]ReinaçõesdeNarizinho.(N.doE.)[6]QuandoLobatoescreveuestelivro"ele"aindaseescreviacomacento.(N.doE.)[7]Defato,haviaessadiferençaàépocaemqueLobatoescreveuolivro.(N.doE.)[8]ReinaçõesdeNarizinho.(N.doE.)