p r o j e t o u sc s / s e s c s ar am ag o e p e s so a ... · novas visões que contemplem nosso...

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1/22 PROJETO USCS/SESC SARAMAGO E PESSOA - PARA VER O INVISÍVEL 1. IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO Realização do 5º ano do Projeto Universidade Aberta, com o título Saramago e Pessoa – Para ver o invisível em razão da pertinência da discussão dos autores e sua relevância sócio-cultural. Este projeto será realizado pela USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul e em parceria com o SESC SP – Serviço Social do Comércio de São Paulo. 2. APRESENTAÇÃO CONCEITUAL Heidegger, discorrendo sobre a “morada do ser”, conjectura que o homem não é sujeito nem objeto, mas projeto. As ciências biológicas e humanas ainda tratam desse “projeto” de forma não relacional, ou seja, áreas de estudo como filosofia, bioética e genômica discutem as implicações socioculturais das transformações em andamento quase sem compartilhar os pressupostos que as embasam. Oscila-se então entre a postura apocalíptica e a postura “integracionista” - um convite a uma possível releitura de Umberto Eco na pós modernidade - quando uma discussão crítica no espaço público deveria ser firmada como um movimento democrático e participativo. A construção da identidade, ou não, por meio da relação homem-sociedade perpassa essas temáticas e propõe a reflexão e o pensamento em estado (artístico) de criação e construção sob a égide da ética e do campo do humano (ou, quem sabe já, do pós-humano). A idéia original da construção da identidade por meio das relações sociais, baseia-se em processos de caráter pessoal e profissional. Deixou de ser possível o “eu” que satisfaz com sua própria vida na individualidade do ser. Cada pessoa, a fim de superar a enorme fragmentação nas relações de construção da identidade, apropria-se da cultura como elemento catalisador da sua identidade; apesar das modificações impostas pelo capitalismo industrial e avanço tecnológico que modifica a relação social em todos os níveis da convivência humana. Assim, a busca pela satisfação no acontecimento social é ir e vir constante, assim como a subjetividade, um construir para desconstruir, e, reconstruir quase instantaneamente.

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P R O J E T O U S C S / S E S C

S A R A M A G O E P E S S O A - P A R A V E R O I N V I S Í V E L

1. IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO

Realização do 5º ano do Projeto Universidade Aberta, com o título Saramago e Pessoa – Para

ver o invisível em razão da pertinência da discussão dos autores e sua relevância sócio-cultural.

Este projeto será realizado pela USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul e em

parceria com o SESC SP – Serviço Social do Comércio de São Paulo.

2. APRESENTAÇÃO CONCEITUAL

Heidegger, discorrendo sobre a “morada do ser”, conjectura que o homem não é sujeito nem

objeto, mas projeto. As ciências biológicas e humanas ainda tratam desse “projeto” de forma não

relacional, ou seja, áreas de estudo como filosofia, bioética e genômica discutem as implicações

socioculturais das transformações em andamento quase sem compartilhar os pressupostos que

as embasam.

Oscila-se então entre a postura apocalíptica e a postura “integracionista” - um convite a uma

possível releitura de Umberto Eco na pós modernidade - quando uma discussão crítica no espaço

público deveria ser firmada como um movimento democrático e participativo. A construção da

identidade, ou não, por meio da relação homem-sociedade perpassa essas temáticas e propõe a

reflexão e o pensamento em estado (artístico) de criação e construção sob a égide da ética e do

campo do humano (ou, quem sabe já, do pós-humano).

A idéia original da construção da identidade por meio das relações sociais, baseia-se em

processos de caráter pessoal e profissional. Deixou de ser possível o “eu” que satisfaz com sua

própria vida na individualidade do ser. Cada pessoa, a fim de superar a enorme fragmentação

nas relações de construção da identidade, apropria-se da cultura como elemento catalisador da

sua identidade; apesar das modificações impostas pelo capitalismo industrial e avanço tecnológico

que modifica a relação social em todos os níveis da convivência humana. Assim, a busca pela

satisfação no acontecimento social é ir e vir constante, assim como a subjetividade, um construir

para desconstruir, e, reconstruir quase instantaneamente.

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Não encontrando satisfação em sua trajetória de vida, cada indivíduo passa a orientar-se (e

simultaneamente a tumultuar-se) por uma rede de insatisfações e de sofrimento, (DEJOURS,

1999). Como é grande a insatisfação que os indivíduos manifestam nos momentos de crise rumo

à construção da subjetividade - a “subjetividade negada”, a invisibilidade que ganha espaço no

coletivo.

Enfrentando crises cíclicas, a tentativa humana é reconstruir-se pela dialética na relação

estabelecida com a estrutura subjetiva e com a estrutura social, articulando assim, seus

elementos culturais capazes de promover à sua trajetória.

Equacionar a questão da relação identidade-cultura que nasce do clássico conflito homem X

objeto e objeto X homem, exige desconstruir o sistema para focalizar o humano, despertar

sonhos, encantar a vida e reinventar saídas que reproponham o coletivo como o foco dessa

discussão, e mantenha no ‘ser’ a certeza da vida.

A proposta de envolver os escritores de língua portuguesa, traduzida em “Saramago e Pessoa –

para ver o invisível, nos remete a este contexto. As obras literárias desses dois portugueses

traduzem as necessidades de vislumbrarem o humano, capaz de inverter o movimento nos

comportamentos das pessoas de uma possível invisibilidade nas relações, palavra de ordem na

sobrevivência, multiplicando desafetos capazes de tornar visível o produto gerado por este

comportamento, a violência, a falta de consciência ambiental, a corrupção nos espaços da

sociedade civil e tantos outros predicados de uma sociedade que necessita transformar para

sobreviver.

INTRODUÇÃO Dando continuidade à parceria estabelecida em 2009, a Universidade Municipal de São Caetano

do Sul e SESC/SP, por meio de sua unidade São Caetano, apresentam o projeto "Saramago e

Pessoa - para ver o invisível", a realizar-se entre os dias 17 a 24 de Setembro de 2010.

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O TEMA E SUA ABORDAGEM Este título exprime a síntese de uma proposta que vai ao encontro de algumas demandas

surgidas no processo de discussão sobre possíveis temas para o projeto; de um lado busca se

oferecer como espaço de reflexão sobre nossa realidade a partir da questão das invisibilidades

em suas mais diversas dimensões (social, étnica, cultural, de gênero etc); de outro, oferece uma

abordagem literária a estas mesmas questões de forma a desvelar construções simbólicas que

permitam aproximações e sensibilizações para um tema tão presente, complexo e importante.

Pois, como muito bem disse o mestre Antonio Cândido,

"O cidadão deve ser também um homem que consegue ter o seu equilíbrio interior; para alguém ter equilíbrio interior é preciso dosar, muito sabiamente, a proporção de real e a proporção de fantasia que fazem parte da existência de cada um de nós. E a Literatura é a forma mais alta e a mais sistematizada de elaboração da fantasia; portanto a Literatura se torna um auxiliar fundamental para a vida harmoniosa"1.

Mario Vargas Llosa nos fala da mesma fantasia necessária, da mesma sede por novos olhares,

novas visões que contemplem nosso mundo em quadros mais coloridos, multifacetados. Para ele,

a ficção constitui-se em poderosa ferramenta para visualização de novas realidades possíveis,

imaginadas, desejadas:

"Porque a vida real, a vida verdadeira, nunca foi nem será bastante para satisfazer os desejos humanos. E porque, sem essa insatisfação vital que as mentiras da Literatura ao mesmo tempo estimulam e aplacam, nunca há um autêntico progresso. A fantasia de que somos dotados é um dom demoníaco. Está continuamente abrindo um abismo entre o que somos e o que gostaríamos de ser, entre o que temos e o que desejamos. Mas a imaginação concebeu um paliativo astuto e sutil par esse divórcio inevitável entre a nossa realidade e nossos apetites desmedidos: a ficção. Graças a ela somos mais e somos outros, sem deixarmos de ser os mesmos. Nela nos dissolvemos e nos multiplicamos, vivendo muito mais vidas do que a que temos e que poderíamos viver se permanecêssemos confinados ao verídico, sem sair do cárcere da história.2"

Assim, chegou-se às obras de José Saramago e Fernando Pessoa. Saramago, por seus

romances tão inquietantes quanto instigantes nos quais os personagens constroem-se em meio a

1 No documentário "Palavra de Leitor". São Paulo: FDE, s/d.

2 In: RIVERA, Juan Antonio. O que Sócrates diria a Woody Allen [Cinema e Filosofia]. São Paulo: Ed.Planeta do

Brasil, 2004 (trad.Magda Lopes), pp.222-223.

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angústias e situações que vão muito além do realismo fantástico que por vezes encarnam - sendo

seu Ensaio Sobre a Cegueira o mais emblemático mas definitivamente não o único; e Pessoa,

por sua intensa busca interna que resultou em fragmentações de sua personalidade revelando

não um, mas verdadeiramente quatro escritores diferentes - que no entanto interagem entre si

como um exercício de alteridade.

O contexto de interação entre ambientes de educação formal (Universidade) e não formal (SESC)

na busca por espaços de construção comuns e compartilhados remete-se, como metáfora, à

mesma questão: reconhecer e estimular empatias, constituir novos processos de alinhamento e

exercitar o respeito à alteridade. Nesse sentido, Edgar Morin nos traz sábias palavras em seu

texto "Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro" quando diz que

"A compreensão é a um só tempo meio e fim da comunicação humana. Entretanto, a educação para a compreensão está ausente do ensino. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensão mútua. Considerando a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão pede a reforma das mentalidades. Esta deve ser a obra para a educação do futuro." ... "Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. A educação do futuro deve enfrentar o problema de dupla face do erro e da ilusão. O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. O reconhecimento do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se reconhecem, em absoluto, como tais" ... "A educação deve mostrar que não há conhecimento que não esteja, em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão3".

Para que possamos enfrentar os desafios de um mundo pós-moderno em que tecnologia se

apresenta como panacéia de todos os males (muitos dos quais não se apresentavam antes...); em

que a cultura e suas expressões, massificadas e sovadas ao ponto de se tornarem massas

amorfas e de mesmo gosto; no qual a sensação de falta de perspectivas constantemente nos

aflige, Morin prega uma nova racionalidade que envolve também afeto e respeito e que se

diferencia dos racionalismos (estes sim, excludentes e que nos afastam uns dos outros):

"A verdadeira racionalidade, aberta por natureza, dialoga com o real que lhe resiste. Opera o ir e vir incessante entre a instância lógica e a instância

3 MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro (trad.Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne

Sawaya). São Paulo: Cortez; DF: UNESCO, 2000 (2a.ed.), pp.16/17; p.19

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empírica; é o fruto do debate argumentado das idéias, e não a propriedade de um sistema de idéias. O racionalismo que ignora os seres, a subjetividade, a afetividade e a vida é irracional. A racionalidade deve reconhecer a parte de afeto, de amor e de arrependimento4".

Como um simulacro que apenas reflete algumas estratégias e procedimentos, muitas vezes nos

agarramos à superfície dos acontecimentos para não enxergar ao menos parte de sua essência:

"A racionalização se crê racional porque constitui um sistema lógico perfeito, fundamentado na dedução ou na indução, mas fundamenta-se em bases mutiladas ou falsas e nega-se à contestação de argumentos e à verificação empírica. A racionalização é fechada, a racionalidade é aberta. A racionalização nutre-se nas mesmas fontes que a racionalidade, mas constitui uma das fontes mais poderosas de erros e ilusões. Dessa maneira, uma doutrina que obedece a um modelo mecanicista e determinista para considerar o mundo não é racional, mas racionalizadora."

Assim, vivemos em um mundo de racionalismos no qual a verdadeira racionalidade muitas vezes

nos escapa por entre as experiências e vivências do cotidiano, por entre as acomodações de

nossa percepção para que sigamos suportando a realidade; e nossos racionalismos justificam os

mais diversos processos de exclusão, de incompreensão e de tolerância/intolerância.

Propõe-se aqui um diálogo entre as afirmações de Antonio Cândido, Varas Llosa e Morin. Na

tentativa de tornar mais patente as áreas de confluência entre suas idéias vale ainda lembrar mais

alguns pensamentos de Morin que julgamos esclarecedores a esta conversa:

O ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível aprender o que significa ser humano. É preciso restaurá-la, de modo que cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência, ao mesmo tempo, de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos. A compreensão mútua entre os seres humanos, quer próximos, quer estranhos, é daqui para a frente vital para que as relações humanas saiam de seu estado bárbaro de incompreensão. Daí decorre a necessidade de estudar a incompreensão a partir de suas

4 Op.cit., p.23

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raízes, suas modalidades e seus efeitos. Este estudo é tanto mais necessário porque enfocaria não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, do desprezo. Constituiria, ao mesmo tempo, uma das bases mais seguras da educação para a paz, à qual estamos ligados por essência e vocação5.

OS EIXOS TEMÁTICOS A partir da elaboração do tema e de sua abordagem via Literatura, diversos olhares foram

considerados; deles todos chegou-se a dois, estruturados de forma a contemplar -na medida do

possível- as reflexões, os questionamentos e as propostas surgidas no âmbito do Grupo de

Trabalho formado por representantes do SESC/SP e da USCS. São eles:

I - Lingua(gem): Atividade Constitutiva dos Sujeitos; e II – Ver com os olhos livres: a relação humana. No primeiro, buscou-se apresentar relações entre diversas dimensões de operadores que atuam

simultaneamente à produção linguística: normatizações oficiais, originalidades e peculiaridades,

sobreposição de juízos de valor, produções literárias, interações entre ética e estética e valores

educacionais, entre outros. Dessa forma o eixo alinha diversos conteúdos no sentido de

sensibilizar e proporcionar reflexão sobre a utilização da Língua/Linguagem tendo como ponto de

partida as obras de José Saramago e Fernando Pessoa, mas abrindo-se também a enfoques e

visões complementares.

O segundo trata do universo das relações humanas e do desafio de se enfrentar questões que

perpassam nosso cotidiano de forma aguda; sua designação dupla (Ver com os olhos livres: a

relação humana) reflete e exprime uma complexa dualidade de significados que se interpõem se

entrecruzam: tolerar e conviver com a alteridade, mas não tolerar -ou permitir- os abusos e

descasos; ser intolerante com o próximo - ou com a proximidade entre formas de poder e esse

mesmos abusos e descasos. Em sua essência, ambos dirigem-se a um mesmo ponto: como

verdadeiramente conviver com a diferença, e não apenas a tolerar.

O objetivo constitui-se no desejo de, por meio destes dois eixos, acolher atividades que

contribuam para a ampliação de nosso campo de visão; para um aprofundamento da

5 Op.cit., p.15 / p.17

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sensibilização e compreensão; e para o estímulo a vivências sociais mais saudáveis junto à nossa

realidade. Sinteticamente, procurou-se chegar à seguinte representação visual:

Por fim, é também oportuno lembrar que a construção de novas e mais amplas referências; a

busca por olhares distintos de um mesmo ato, constituem-se em exercício de interpretação,

portanto de criação; dirigem-se novamente às palavras de Antonio Cândido relembrando a

importância da elaboração simbólica como importante ferramenta de desenvolvimento interior, de

autoconhecimento e reconhecimento do mundo - de construção da cidadania.

Por meio das relações sociais e seus desdobramentos, e como consequência de nossa interação

com as diversas instâncias da sociedade, constroem-se elaboradas estruturas que sustentam

nossa existência para além de outras demandas também prementes (alimentar-se, vestir-se,

morar): estrutura-se assim nossa complexa vivência cultural como fruto de nossa própria

experiência, nossas relações e nosso próprio caminho - tão válido (nem mais, nem menos) quanto

o do outro.

SARAMAGO E PESSOA: PARA VER O INVISÍVEL

Eixo I

Eixo II

Obras de Saramago Obras de Pessoa

Cultura

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Como disse José Paulo Paes: "Eu sempre costumo fazer uma distinção entre Educação e Cultura:

Educação é aquilo que se ensina; Cultura é aquilo que se aprende. A escola está voltada

fundamentalmente para a Educação, enquanto que a Cultura é uma tarefa que incumbe a todos

nós: família, sociedade, clube, incumbe a todo o conjunto do grupo social6"

Apenas como complemento: e, porque não, também à Escola?

TÍTULO DO EVENTO

Saramago e Pessoa – Para ver o invisível

“ ‘Dá-me os óculos’, foram as suas formais e finais palavras. Até hoje nunca ninguém se interessou por saber para que os quis ele, assim se vêm ignorando ou desprezando as últimas

vontades dos moribundos, mas parece bastante plausível que a sua intenção fosse olhar-se num espelho para saber quem finalmente lá estava. Não lhe deu tempo a parca. Aliás, nem espelho

havia no quarto. Este Fernando Pessoas nunca chegou a ter verdadeiramente a certeza de quem era, mas por causa dessa dúvida é que nós vamos conseguindo saber um pouco mais quem

somos.”

6 No documentário "Palavra de Leitor". São Paulo: FDE, s/d.

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Saramago nasceu numa aldeia do Ribatejo, chamada Azinhaga, de uma família de pais e avós

pobres. A vida simples, passada em grande parte em Lisboa, para onde a família se muda em

1924 – era um menino de apenas 2 anos de idade – impede-o de entrar na universidade, apesar

do gosto que demonstra desde cedo pelos estudos. Para garantir o seu sustento, formou-se numa

escola técnica. O seu primeiro emprego foi serralheiro. Entretanto, fascinado pelos livros, à noite

visitava com grande frequência a Biblioteca Municipal Central - Palácio Galveias na capital

portuguesa.

Autodidata, aos 25 anos publica o primeiro romance Terra do Pecado (1947), mesmo ano de

nascimento da sua filha, Violante, fruto do primeiro casamento com Ilda Reis – com quem se

casou em 1944 e permaneceu até 1970 - nessa época, Saramago era funcionário público; em

1988, casar-se-ia com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, que

conheceu em 1986, ao lado da qual continua a viver. Em 1955, começa a fazer traduções para

aumentar os rendimentos – Hegel, Tolstói e Baudelaire, entre outros autores a quem se dedica.

Depois de Terra do Pecado, Saramago apresenta ao seu editor o livro Clarabóia, que, rejeitado,

permanece inédito até hoje. Saramago persiste nos esforços literários e, 19 anos depois – então

funcionário da Editorial Estudos Cor - troca a prosa pela poesia e lança Os Poemas Possíveis.

Num espaço de cinco anos, depois, publica sem alarde mais dois livros de poesia, Provavelmente

Alegria (1970) e O Ano de 1993 (1975). É quando troca também de emprego, abandonando a

Estudos Cor para trabalhar no Diário de Notícias, depois no Diário de Lisboa. Em 1975, retorna ao

Diário de Notícias como diretor-adjunto, onde permanece por dez meses, até 25 de Novembro do

mesmo ano, quando os militares portugueses intervêm na publicação (reagindo ao que

consideravam os excessos da Revolução dos Cravos) demitindo vários funcionários. Demitido,

Saramago resolve dedicar-se apenas à literatura, substituindo de vez o jornalista pelo ficcionista:

"(…) Estava à espera de que as pedras do puzzle do destino – supondo-se que haja destino, não

creio que haja – se organizassem. É preciso que cada um de nós ponha a sua própria pedra, e a

que eu pus foi esta: "Não vou procurar trabalho", disse Saramago em entrevista à revista Playboy,

em 1988.[2]

Da experiência vivida nos jornais, restaram quatro crônicas: Deste Mundo e do Outro, 1971, A

Bagagem do Viajante, 1973, As Opiniões que o DL Teve, 1974 e Os Apontamentos, 1976. Mas

não são as crônicas, nem os contos, nem o teatro os responsáveis por fazer de Saramago um dos

autores portugueses de maior destaque - missão reservada a seus romances, gênero a que

retorna em 1977.

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Três décadas depois de publicado Terra do Pecado, Saramago retorna ao mundo da prosa

ficcional com Manual de Pintura e Caligrafia. Mas, ainda não foi aí que o autor definiu o seu estilo.

As marcas características do estilo saramaguiano só apareceriam com Levantado do Chão

(1980), livro no qual o autor retrata a vida de privações da população pobre do Alentejo.

Dois anos depois de Levantado do Chão (1982) surge Memorial do Convento, livro que conquista

definitivamente a atenção de leitores e críticos. Nele, Saramago mistura fatos reais com

personagens inventados: o rei D. João V e Bartolomeu de Gusmão, com a misteriosa Blimunda e

o operário Baltazar, por exemplo.

De 1980 a 1991, o autor traz a lume mais quatro romances que remetem a fatos da realidade

material, problematizando a interpretação da "história" oficial: O Ano da Morte de Ricardo Reis

(1984) - sobre as andanças do heterônimo de Fernando Pessoa por Lisboa; A Jangada de Pedra

(1986) - quando a Península Ibérica solta-se do resto da Europa e navega pelo Atlântico; História

do Cerco de Lisboa (1989) - onde um revisor é tentado a introduzir um "não" no texto histórico que

corrige, mudando-lhe o sentido; e O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) - onde Saramago

reescreve o livro sagrado sob a ótica de um Cristo humanizado (sendo esta a sua obra mais

controvertida).

Nos anos seguintes, entre 1995 e 2005, Saramago publicará mais seis romances, dando início a

uma nova fase em que os enredos não se desenrolam mais em locais ou épocas determinados e

personagens dos anais da história se ausentam: Ensaio Sobre a Cegueira (1995); Todos os

Nomes (1997); A Caverna (2001); O Homem Duplicado (2002); Ensaio Sobre a Lucidez (2004); e

As Intermitências da Morte (2005). Nessa fase, Saramago penetra de maneira mais investigadora

os caminhos da sociedade contemporânea.

Escreveu ainda “ Pequenas Memórias (2007); “ A viagem do Elefante" (2008) e "Caim" (2009),

seu último romance; e manteve até recentemente “ O caderno de Saramago”, blog no qual

postava textos relativos a questões literárias, sociais, politicas e culturais.

Faleceu a 18 de junho de 2010, aos 87 anos, em sua casa na ilha espanhola de Lanzarote

(Arquipélogo das Canárias).

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Fernando Pessoa, nascido a 13 de Junho de 1888, viveu uma infância e adolescência marcadas

por uma sucessão de fatos que o viriam a influenciar profundamente, o que transparece,

inevitavelmente, nos seus escritos.

Por ter crescido na África do Sul, para onde se mudou aos sete anos em virtude do casamento de

sua mãe, Pessoa foi alfabetizado em Inglês. Das quatro obras que publicou em vida, três são na

língua inglesa. Fernando Pessoa dedicou-se também a traduções desse idioma.

Durante sua discreta vida, atuou no Jornalismo, na Publicidade, no Comércio e, principalmente, na

Literatura. Como poeta, desdobrou-se em diversas personas conhecidas como heterônimos, em

torno das quais se movimenta grande parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro

irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente".

Fernando Pessoa morreu de cirrose hepática aos 47 anos, na cidade onde nasceu. Sua última

frase foi escrita em Inglês: "I know not what tomorrow will bring… " ("Não sei o que o amanhã

trará").

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3. JUSTIFICATIVA DA PROPOSTA

A Universidade Municipal de São Caetano do Sul, USCS, por meio do PROEDUC – Programa de

Integração Universidade-Educação Básica realizará neste ano de 2010 mais um evento

Universidade Aberta, voltado aos estudantes do ensino básico, professores, familiares e

comunidade que enfocará os estudos na literatura de José Saramago e Fernando Pessoa e

contará com a parceira do SESC-SP.

A proposta surge a partir de determinadas inquietações sobre as mais diversas e distorcidas

formas de invisibilidades presentes atualmente nas relações humanas nas regiões metropolitanas

do país. A proposta busca trazer questionamentos que estimularão a reflexão e o pensamento

sobre a banalização das relações humanas e a priorização do individual, conseqüência do nosso

modo de vida e do caos humano.

A escolha dos escritores Fernando Pessoa e José Saramago, ambos lusitanos, se dá a partir de

um recorte de suas obras que trazem para a reflexão “quem somos” e como enxergamos” essas

relações entre o “eu” e o “outro”. Fernando Pessoa com seus heterônimos nos dá uma dimensão

dessas inquietações e José Saramago com sua obra “ Ensaio Sobre a Cegueira” nos mostra as

reações do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao

abandono, levando-nos também a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito. O projeto

traz esses assuntos em discussão por meio das invisibilidades: social, político-econômica,

organizacional no mundo das relações de trabalho, cultural, étnica, gênero e ambiental.

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3.1 FUNDAMENTAÇÃO DOS GRUPOS TEMÁTICOS

Ver com os olhos livres: a relação humana.

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas... Que já têm a forma de nosso corpo...

E esquecer os nossos caminhos que levam sempre aos mesmos lugares... É o tempo de travessia...

E, se não ousarmos fazê-la,... Teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos...

Fernando Pessoa

A cultura do imediato e do efêmero, que emergiu com a cultura de massas e com a sociedade do

descartável ao longo do século XX, está sendo intensificada pelas mudanças do mundo

globalizado no século XXI e, mais especificamente, pelas características das relações sociais

condicionadas pelo novo espaço que circunscreve o ser humano contemporâneo.

Em função das mudanças provocadas, ou mediadas, pelas novas tecnologias uma nova

efervescência tem se aprofundado: a intolerância, irmã decaída da tolerância. Esta, que animou

as transformações da modernidade e supunha o convívio com o diverso e o diferente, tem

sucumbido às práticas intolerantes, de estranhamento em relação ao que não é padronizado,

gerando dissociações que mastigam o humano na moenda das relações efêmeras, explicitando a

lógica do intolerável no convívio humano.

Essas mesmas tecnologias têm moldado o nosso comportamento, amplificando conflitos e, ao

mesmo tempo, os isolamentos e, com isso, cegando os indivíduos frente às aflições humanas e

dificultando as discussões acerca da condição humana contemporânea, em sua dimensão

coletiva.

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Assim, Saramago descreve no Ensaio sobre a Cegueira:

[...] estes cegos, se não lhes acudirmos, não tardarão a transformar-se em animais, pior ainda, em animais cegos. Não o disse a voz desconhecida, aquela que falou dos quadros e das imagens do mundo, está a dizê-lo, por outras palavras, noite alta, a mulher do médico, deitada ao lado do seu marido, cobertas as cabeças com a mesma manta, Há que dar remédio a este horror, não aguento, não posso continuar a fingir que não vejo, pensa nas consequências, o mais certo é que depois tentem fazer de ti uma escrava, um pau mandado, terás de atender a todos e a tudo “[...]. [...] Farás o que melhor te parecer, mas não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, cegos sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego, Acredito, mas não preciso, cego já estou. Perdoa-me, meu querido, se tu soubesses, Sei, sei, levei a minha vida a olhar para dentro dos olhos das pessoas, é o único do corpo onde talvez ainda exista uma alma, e se eles se perderam,[...] (ESC, pp. 134-135).

Nos heterônimos cingidos por Fernando Pessoa, a angústia do mundo vivido na intolerância é

reflexo dos seus pensamentos. Alberto Caeiro, criado como homem dos olhares simples para a

vida, descortina uma insatisfação com a relação do indivíduo com a crescente e acelerada

modernidade. No poema, O Meu Olhar retrata;

[...] Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Sabemos, ao menos, os limites e as transformações do ser humano contemporâneo?

Aparentemente, não. O que se observa é que o ser deixa de possuir importância e o ter passa a

imperar, sem que percebamos os efeitos nocivos dessa inversão. O desconhecimento do outro

adquire espaço e amplia a incerteza da tolerância. Fernando Pessoa (1934) em sua Obra Poética

diz,

Como é por dentro outra pessoa? Quem é que o saberá sonhar? A alma de outrem é outro universo, com que não há verdadeiro entendimento. Nada sabemos da alma senão da nossa; as dos outros são olhares, são gestos, são palavras, com a suposição de qualquer semelhança no fundo.

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A dignidade humana nas relações sociais requer de todos nós assumirmos as pessoas e suas

práticas em uma interação, capaz de construir as melhores práticas nas relações intra e

interpessoal. Ela tem, contudo, sido consumida pelo preconceito, pela tendência à padronização

dos comportamentos e dos gostos, pela repulsa ao diverso e ao diferente e pela invisibilidade

dada ao “individuo-massa” nas práticas sociais.

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa em sua Obra Poética (1933) admite:

Temos todos duas vidas: a verdadeira, que é a que sonhamos na infância, e a que continuarmos sonhando, adultos num substrato de névoa; a falsa, que é a que vivemos em convivência com os outros, que é a prática, a útil, aquela em que acabam por nos meter num caixão.

A tolerância requer, ainda, sentimentos e posições que acatem atitudes, ainda que motivadas por

aquilo que venhamos considerar como equívocos, que, entretanto, necessitam existir para a

possibilidade da coexistência, da percepção do outro e da diferença. A diversidade social

enriquece o humano na complementação e na completude das atitudes e comportamentos,

capazes de moldar as personalidades. Essa mesma diversidade, cultural, social, econômica e

política implica, pois, a possibilidade de incorporação daqueles que já se encontram

desapropriados dela mesma e que não lhes sejam mais negados os seus direitos de cidadania.

Garantir esta convivência com os “abastados” das regras sociais permite rediscutir e incluir

aqueles e aquelas que, por alguma razão, encontram-se nos espaços estigmatizados da

invisibilidade social. Requer, ainda, atitudes nas quais as relações não sejam quantificáveis nem

mediadas por tecnologias impessoais; que insistam e persistam no humano e no seu contato com

os outros, contra a cultura da urgência que impede os relacionamentos e isola as pessoas, nos

recantos de seu individualismo e da homogeneidade de formas e manifestações de vida.

Nicole Albert (1993) escreveu que descartamos a funcionalidade e elevamos os anseios

egocentrados de uma sociedade, que parece possuir remédios tecnológicos e econômicos para

curar as feridas, mas não a doença. Esta afirmação poderia ser uma paródia, uma síntese ou, até

mesmo, a comédia que explicita as faces da intolerância.

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Se esta é a tônica atual, faz sentido o entusiasmo tecnológico da sociedade pós-moderna. A

tecnologia, em suas diversas formas, objetiva o trabalho e minimiza as limitações humanas,

exacerbando a subordinação do trabalhador aos processos de acumulação capitalista? Esta

lógica redefine o conceito de ciência e a natureza do saber científico.

Segundo Wersig (1993:229):

Tal ciência estabelecida como um protótipo de uma ciência nova ou pós-moderna. A ciência pós-moderna não é como as ciências clássicas, dirigidas para a busca do completo entendimento de como o mundo funciona, mas para a necessidade de desenvolver estratégias para resolver em particular aqueles problemas que foram causados pelas ciências e tecnologias clássicas.

O conceito “pós-modernidade” não é mais suficiente para explicar os sobressaltos mais recentes

da sociedade contemporânea. O que houve não foi nova ruptura com os fundamentos da

modernidade, mas a sua exacerbação: a radicalização da modernidade. Essa exacerbação

expressa no excesso, na superabundância de informações do mundo contemporâneo, a origem

da dificuldade de ‘pensar o tempo’ e de ‘pensar o diferente’ dado que esse tempo está

sobrecarregado de fatos que atulham tanto o presente quanto o passado (AUBERT, 1993).

Assim, emergem, na cultura contemporânea, indivíduos, ou mesmo trabalhadores, que relativizam

a importância das relações familiares e sociais na construção da sua personalidade. ‘Embebidos’

no pragmatismo, os seres humanos cultivam a busca pela satisfação imediata, quase sempre em

direção ao absolutismo do mercado, o que se reflete na elevação do consumo, na busca pela

satisfação imediata, de valores instantâneos e descartáveis, instituindo a “urgência” e o eterno

presente e, portanto, o caráter unidimensional do ser?

É nesta urgência que a intolerância ganho espaço e voz, à medida que possibilita a origem de

processos nos quais aqueles que não se alinham à sua forma de ser, que não se enquadram na

urgência do mercado, a atrapalham e devem, por isso, permanecer invisível na ótica do sistema.

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Na construção das identidades e das representações que emergem desse caldo cultural da

hipermodernidade, o individuo ou trabalhador é acometido de conseqüências psicopatológicas,

capazes de comprometer sua saúde física e mental, levando-o ao sofrimento e em muitos casos

remetendo-lhe a algum tipo de alienação mental ou social.

Dejours (1999) ressalta que:

O sofrimento no trabalho é expectativa com relação à auto-realização, ou seja, para ultrapassar os obstáculos que nossos pais não conseguiram nos fazer transpor. O sofrimento antecipa o futuro, prefigurando um futuro esperado. Entretanto, o sofrimento, tensionado entre o futuro e o passado, é vivido no presente. É no presente que se recapitulam o passado - o que deixa o sujeito enfermo – e o futuro – que alimenta ao mesmo tempo esperança e decepção. O sofrimento é assim, antes de tudo, um drama, no sentido que o psicólogo e filósofo Politzer dá ao termo. O sofrimento, portanto, impele o sujeito no mundo e no trabalho, em busca das condições de auto-realização.

Tais questões propiciam, entre seus muitos aspectos, que o foco se volte para as formas como

produzimos e criamos valores (em todos os sentidos possíveis da palavra). Isso ressalta a

necessidade da crítica à globalização, ao mesmo tempo homogeneizadora e excludente, e ao

papel central das organizações, burocráticas e burocratizadas, nesse processo.

E, no que se refere ao o papel central exercido pelas organizações no mundo globalizado,

aspectos fundamentais vinculam-se à gestão e àquilo que se espera dos trabalhadores em termos

de comportamento. Se para as organizações o foco central de suas preocupações é a gestão,

podemos dizer, então, que o que está em jogo são as relações que nascem das relações

contemporâneas entre o capital e o trabalho. Equação, esta, que necessita ser repensada e

redesenhada.

É preciso, contudo, concordar com o fato de que os indivíduos e trabalhadores absorvem os

princípios de organização difundidos nas dinâmicas patrocinadas pelos recursos humanos das

grandes organizações. Estes princípios revelam as expectativas mesmas, em relação ao

comportamento de seus funcionários, agora, transformados em colaboradores.

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Repensar, assim, o sistema que reproduz a dinâmica das relações entre o capital e o trabalho

parece tomar proporções imperiosas, até porque, a sustentabilidade da existência humana está

cada vez mais ligada às formas de organização de nossa esfera produtiva.

A relação entre o capital e o trabalho, no mundo contemporâneo, e a fragmentação que dela se

origina, continua, portanto, a exigir, redefinições. Contudo, paradoxalmente, a única certeza que

temos, em relação a esse cenário, é que ele está marcado por incertezas. Este é o cenário

cotidianamente colocado para todos aqueles que participam de uma sociedade em mudanças.

Não há certezas. Lidar com a instabilidade significa resignificar conceitos, atitudes e

comportamentos, capazes de promover as relações humanas na construção da cidadania

modelada no século XX e que suscitam direitos e deveres no século XXI.

É tarefa imperativa, a definição de um horizonte, que guie e ilumine o caminho da tolerância para

a diversidade cultural, no sentido de mantermos o humano acima da razão instrumental do

discurso progressista de sociedade.

A necessidade da superação da intolerância coloca na ordem do dia a importância dos escritores

portugueses Saramago e Fernando Pessoa. Ela mesma, a superação da intolerância, se encontra

presente é exemplificada nesses dois autores, ao mesmo tempo tão unos e diversos. Apresenta-

se em suas identidades forjadas a partir de Portugal, nação que preparou o encontro de diferentes

povos, que posteriormente se recolheu sobre si própria e sobre os escombros de seu antigo

império e que passou a se tornar cosmopolita novamente.

Nação que, por isso, foi fundadora (em tempos remotos) e crítica (em tempos recentes) da

modernidade, no que ela significou, simultaneamente, de contato, estranhamento, aproximação e

subjugação do diferente. E que, portanto, tem marcada, em sua cultura, atração do novo,

conjuntamente à saudade, à solidão e à cegueira em relação à alteridade, mas que também se

pensa e se recria na busca daquilo que Boaventura Sousa Santos tem denominado como um

novo paradigma da sociabilidade.

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Referências Bibliográficas

AUBERT, N. A neurose profissional. Revista de Administração de Empresas, SP: Jan/Fev, 1993 DEBORD, G. A sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1997. DEJOURS, C. Sofrimento, prazer e trabalho. Em Conferências brasileiras: identidade, reconhecimento e transgressão no trabalho p. 15-33. SP: FGV, 1999 MARCUSE. H. Ideologia da sociedade industrial. 4ª edição, RJ: Zahar, 1979. RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós modernidade.11 edição.SP: Cortez, 2006. TURINO, C. Pontos de Cultura – o Brasil de baixo para cima. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 2009. WERSIG,G. Information science: the study of postmodern knowledge usage. Information Processing & Management. V. 29, no. 02, Março 1993.

SUGESTÕES DE TEMAS A PARTIR DO EIXO 1

Temas para atividades

1) Doenças invisíveis na Modernidade 2) (In)Tolerância e diversidade (cultural, de gênero, racial...) 3) Racionalidade técnica (tecnologia) na mediação das relações humanas 4) Ética, Estética e Cidadania (relações na Literatura, relações humanas...) 5) Condição humana nas metrópoles (exclusão, inclusão, convivência social, segregação

urbana...) 6) Psicanálise e Literatura 7) Literatura e Ideologia(s) 8) A Globalização: Padronização Cultural x Multiculturalismo (colonialismo(s), imperialismo(s),

Economia Moderna, Movimentos Sociais...) 9) Contabilidade Invisível (relações entre Natureza, o Humano e o Econômico)

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LÍNGUA E LINGUAGEM: ATIVIDADE CONSTITUTIVA DOS SUJEITOS

Minha pátria é a Língua Portuguesa.

Fernando Pessoa

Não há uma Língua Portuguesa, há línguas em Português.

José Saramago A linguagem humana é o mais importante dos sistemas de signos. A língua, enquanto sistema de

representação da linguagem humana, é um fenômeno histórico e não pode, de forma alguma, ser

considerada fora do contexto social, ou seja, sem suas vinculações sociais.

Como diz Bakhtin,

A língua enquanto meio vivo e concreto onde vive a consciência do artista

da palavra, nunca é única. Ela é única somente como sistema gramatical

abstrato de formas normativas, abstraída das percepções ideológicas

concretas que a preenche e da contínua evolução histórica da linguagem

viva. A vida social e a evolução histórica criam, nos limites de uma língua

nacional abstratamente única, uma pluralidade de mundos concretos, de

perspectivas literárias, ideológicas e sociais. (BAKHTIN, 1993, p. 96)

Nesse sentido, é a língua(gem) que constitui a consciência, porque é expressão de signos que

encarnam o sentido como elemento da cultura. Sentido que exprime a experiência vivida nas

relações sociais, espaço de imposições, confrontos, desejos, paixões, imaginação e (re)-

construções. Em outras palavras, a língua(gem) possui uma função constitutiva e constituidora do

homem, entendida como o resultado de um processo coletivo, de um trabalho construtivo que se

realiza nas interações verbais com o outro.

Conceber língua(gem) dessa forma significa entendê-la como uma realidade heterogênea,

multifacetada, mutável, ou seja, um conjunto de variedades linguísticas que se equivalem mas que

se diferenciam no tempo e no espaço e em função de valores sociais, regionais, de faixa etária, de

situação econômica, etc. E do ponto de vista das ciências da linguagem não há hierarquia entre

os usos variados da língua, assim como não há uso linguisticamente melhor que outro. Em uma

comunidade, por exemplo, podem coexistir usos diferentes de uma mesma língua, não existindo

uma forma que possa ser considerada superior.

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A atribuição de prestígio ou maior valor a uma variedade linguística decorre de fatores de ordem

social, política e econômica. Quando uma variedade de língua é eleita como padrão, ela ganha

status social e passa a ser instrumento de dominação sobre as demais variedades que passam a

ser consideradas inferiores, devido a uma visão preconceituosa, perpetuada de alguma maneira

por meio das regras impostas por uma gramática normativa, distante dos padrões reais de uso da

língua, e que legitima a linguagem padrão como única.

Com isso, como lembra Bagno (2007, p. 97), a norma-padrão passa a ser portadora de um

discurso que tenta - muito mais do que apresentar uma análise da língua ou prescrever as formas

corretas de uso da língua – “selecionar para excluir e não selecionar umas formas linguísticas

para excluir outras, mas sim selecionar determinados cidadãos e excluir a grande maioria dos

outros, lançados no submundo do ‘falar errado’, do ‘não saber pensar direito’ e,

consequentemente, do não-poder falar, o que muitas vezes é o mesmo que não- poder-ser.”(grifos

do autor).

Para que esse discurso seja despido, a Literatura tem um importante papel, na medida em que as

obras literárias caracterizam-se pelo esforço de incorporação das regras linguísticas populares ou

por emprego particular dos múltiplos recursos da língua e de suas muitas variedades. Já dizia

Fernando Pessoa (1999) que “a linguagem fez-se para que nos sirvamos dela, não para que

sirvamos a ela.”

Nesse sentido, a Literatura, sobretudo quando ela se serve da Língua Portuguesa para trazer à

tona e problematizar aspectos significativos da constituição da realidade social e cultural brasileira

e/ou de outros países de língua portuguesa, permite um melhor entendimento das noções de

identidade nacional, diversidade étnica e cultural, localismo, universalismo, dentre outras que

ainda permanecem incompreensíveis, intocáveis ou invisíveis.

Referências Bibliográficas BAGNO, M. Nada na língua é por acaso. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1993. PESSOA, F. A língua portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

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SUGESTÕES DE TEMAS A PARTIR DO EIXO 2

Temas para as atividades

1) Variações Lingüísticas e Invisibilidades (cultural, social, étnica 2) Literatura e Variação Lingüística 3) Linguagem, Literatura e Identidade (heterônimos, discursos de grupos restritos...) 4) Políticas Lingüística (acordos ortográficos, língua(s) oficial(ais)...) 5) Geolinguística (o mapa lingüístico brasileiro...) 6) A linguagem do preconceito e da (in)tolerância (textos verbais, não verbais, charges,

piadas...) 7) Ensino de língua X ensino de gramática (norma culta, variações lingüísticas...) 8) A língua portuguesa no mundo 9) A intertextualidade na literatura (ensino, criação...) 10) Língua(gem) e poder 11) Poesia e Modernidade 12) Saramago e Fernando Pessoa para crianças

4. OBJETIVOS

4.1. Objetivo geral

Abrir as portas da Universidade Municipal de São Caetano do Sul com a parceria do SESC

para os estudantes, professores, familiares e comunidade promovendo e multiplicando o

conhecimento científico, cultural e social no Grande ABC por meio das obras de José

Saramago e Fernando Pessoa.

4.2 Objetivos específicos

4.2.1 Identificar as escolas do ensino médio, públicas e privadas, localizadas na Região do

Grande ABC e entorno perfiladas ao posicionamento da Universidade e do SESC SP para o

desenvolvimento de atividades sócio-culturais na comunidade;

4.2.2 Mapear os substratos para a inovação e a criação do conhecimento por meio de

conteúdos e práticas escolares formais e não formais, incentivando junto aos protagonistas

educacionais (estudantes, professores, familiares, gestores e comunidade) o exercício da

cidadania;

4.2.3 Contribuir para o desenvolvimento pessoal (estudantes e demais interessados) e

profissional (professores e educadores) por meio dos encontros culturais, palestras, colóquio e

oficinas (vide programação para 2010).

4.2.4 Incentivar a integração da comunidade aos diversos programas e atividades oferecidos

pela USCS e SESC SP.