p. neruda. cem sonetos de amor e outros poemas

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  • Vinte poemas de amor&

    Uma cano desesperada&

    Outros Poemas

    Pablo Neruda

    Edio especial para distribuio gratuita pela Internet,atravs da Virtualbooks, com autorizao de Eric Ponty.

    Traduo de ERIC PONTY

  • O Tradutor deste livro gostaria imensamente de receber ume-mail de voc com seus comentrios e crticas sobre o livro.

    A VirtualBooks gostaria tambm de receber suas crticas esugestes. Sua opinio muito importante para o aprimora-mento de nossas edies. Estamos espera do seu [email protected]

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  • Vinte poemas de amor&

    Uma cano desesperada&

    Outros Poemas

    Pablo Neruda

    Traduo de ERIC PONTY

  • Cem Sonetos de AmorCien Sonetos de Amor

  • Nota Para Uma Opaca Substancia

    A presente edio de poemas do poeta e premio NobelPablo Neruda deve-se ao editor da Virtualbooks JaimeMendona que me props fazer uma edio Nerudiana de minhastradues.

    O primeiro poeta em que li um livro foi Augusto dos Anjos eo segundo Pablo Neruda com seu Mar E Os Sinos e deste entotenho-o como uma voz conhecida em mim. Nunca pretendi traduzi-lo at que por medo da influencia de suadico potica resolvi exorcizar esta voz em mim traduzindo-o e comobem colocou em entrevista o meu amigo Ivan Junqueira, que fao aspalavras dele as minhas: Gostaria de ter escrito todos os livros que licom prazer ou fascnio e que, em alguns casos, mudaram a minhamaneira de ser e de entender a realidade. Mas eles so muitos, e esta uma boa razo pela qual jamais poderia t-los escrito. (...) Mas, nestecaso, pelo mundo os traduzi, o que no deixa de ser uma forma de, napior das hipteses, t-los reescrito, muito embora em outro idioma. Nesta edio o leitor vai encontrar poemas retirados de trs publi-caes do escritor chileno que so Cien Sonetos de Amor,Crepusculario, Veinte poemas de amor y una cancindesesperada,que merecem que o leitor procure sua edio corres-pondente e conhea o valor esttico e potico desta poesia quetranscende em nossos dias. Cabe salientar que minha traduo de Veinte poemas de amor yuna cancin desesperada foram retirados do meu livro Livro SobreTudo E Outros Alfarrbios tambm publicado pela Virtualbooks.Eric Ponty 2000

  • IMatilde, nome de planta, pedra ou vinho,de que nasce da terra e que dura,palavra em cujo crescimento amanhece,em cujo estio estala a luz dos limes .Neste nome correm navios de madeirarodeados pelos enxames de fogo azul marinho,e essas letras so a gua de um rioque desemboca em meu corao abrasado.Oh nome descoberto embaixo de uma trepadeiracomo a porta de um tnel desconhecidoque comunica com a fragrncia do mundo!Oh invada-me com tua boca abrasadora,indaga-me, se quer, com teus olhos noturnos,porm em teu nome deixa-me navegar e dormir.

    IIAmor, quantos caminhos h at chegar a um beijo,que solido errante h em tua companhia!Passam os trens ss rodando com a chuva.Em Taltal no amanheceu ainda a primavera.Porm tu e eu, amor meu, estamos juntos,juntos desde a roupa as razes,juntos com outono, da gua, dos quadris,at ser s tu, s eu juntos.Pensar que custa tantas pedras que leva ao rio,a foz da gua de Boroa,pensar que separados por trens e naes.tu e eu tnhamos que simplesmente amarmo-nos,com todos confundidos, com homens e mulheres,com a terra que implanta e educa os cravos.

  • IIIspero amor, violeta coroado de espinhos,brejal entre tantas paixes eriadas,lana das dores, coroa da clera,por quais caminhos e como te dirige a minha alma?Por que precipitaste teu fogo doloroso,de sbito, entre as folhas frias do meu caminho?Quem te ensinou os passos que at mim te levaram?Que flor, que pedra, que humo mostraram minha morada?O certo que tremeu a noite pavorosa,a rvore chegou todas as copas com seu vinhoe o sol estabeleceu sua presena celeste,entretanto que cruel amor me cercava sem trguaat que me lanando com espadas e espinhosabriu em meu corao um caminho de chamas.

    IVRecordars aquela quebrada caprichosade onde os aromas palpitantes treparam,de quando em quando um pssaro vestidocom gua e lentitude: traje do inverno.Recordars dos dons da terra:irascvel fragrncia, barro de ouro,ervas do matagal, locas razes,sortilgios espinhos como espadas.Recordars o ramo que te trouxe,ramo de sombra e gua com silncio,ramo como uma pedra com espuma.E aquela vez foi como nunca e sempre:vamos ali donde no espera nadae falamos tudo o que est esperando.

  • VNo te toque a noite nem o ar nem a aurora,s a terra, a virtude dos galhos,as maas que crescem ouvindo a gua pura,o barro e as resinas de teu pas fragrante.Desde Quinchamal de onde fizeram-se teus olhosat teus ps criados para mim na Fronteira a greda escura que conosco:em teus quadris toco de novo todo o trigo.Talvez tu no o sabias, araucana,que quando antes do amar-te me esqueci de teus beijosmeu corao ficou recordando tua bocae fui como um ferido pelas ruasat que compreendi que havia encontrado,amor, meu territrio de beijos e vulces.

    VINos bosques, perdidos, cortei um ramo escuroe os lbios, sedentos, levantaram seu sussurro:era talvez a voz da chuva chorando,uma companhia vermelha ou um corao cortado.Algo que desde to longe me pareciaoculto gravemente, coberto pela terra,um grito ensurdecido por imensos outonos,pela entreaberta e mida escurido dos bosques.Porm ali, despertando dos sonhos do bosque,o ramo de avel canto embaixo de minha bocae seu errante olor subiu no meu critrio.como assim me buscaram de sbito as razesque abandonei, a terra perdida com minha infncia,y me deteve ferido pelo aroma errante.

  • VII Venhas comigo disse sem que nada superade onde e como ardia meu estado doloroso,e para mim no havia chave nem barcarola,nada seno uma ferida pelo amor aberta.Repeti: vem comigo, como se eu morresse,e nada veio em minha boca com lua que sangrava,nada viu aquele sangue que subia ao silncio.Oh amor agora ouviremos a estrela com espinhos!Por isso quando escutei que tua voz repetiaVenhas comigo fui como se desprendiador, amor, a fria do vinho envelhecido.que desde sua bodega submergida subirae outra vez em minha boca senti um sabor de chama,de sangue e de chaves, de pedra e queimadura.

    VIIISim no foi porque teus olhos tem cor de lua,de dia com argila, com trabalho, com fogo,e prisioneira tens a agilidade do ar,sim no foi porque s uma semana de mbar,sim no foi porque s o momento amareloem que o outono sobe pelas trepadeirase s algum po que a lua fragranteelabora passando sua farina pelo cu,oh, bem amada, eu no te amaria!Em teu abrao eu abrao o que existe,a areia, o tempo, a rvore da chuva,E tudo vive para que eu viva:sem ir to longe posso v-lo todo:veio em tua vida todo o vivente.

  • IXO golpe da onda contra a pedra indcila claridade estala e estabelece sua rosae o crculo do mar se reduz a uma cauda,a uma s gota de sal azul que cai.Oh radiante magnlia desatada da espuma,magntica viajante cuja morte florescee eternamente volta a ser e a no ser nada:sal roto, deslumbrante movimento marinho.Juntos tu e eu, amor meu, selamos o silencio,entretanto destri o mar suas constantes esttuase derruba suas torres de fascnio e brancura,porque na trama destes tecidos invisveisa gua desbocada, da incessante arena,sustentemos a nica e acossada ternura.

    XSuave a bela como se msica e madeira,gata, telas, trigo, pssegos transparentes,foram erigidas as fugitivas esttuas.Fazia a onda dirige-se sua contraria frescura.O mar molha ps polidos e marcadosa forma recm trabalhada na areiae agora seu fogo feminino de rosanum s borbulho que o sol e o mar combatem.Ai, que nada te toque se no o sal do frio!Que nem o amor destri a primavera intacta.Formosa, reverberante de indelvel espuma,deixa que teus quadris imponham na guauma medida nova de cisne e de nenfare navega tua esttua pelo cristal eterno.

  • XITenho fome de tua boca, de tua voz, de teu ploe por estas ruas me vou sem alimento, calado,no me nutri o po, a aurora me altera,busco o som lquido de teus ps neste dia.

    Estou faminto de teu riso resvalado,de tuas mos cor de furioso silo,tenho fome da plida pedra de tuas unhas,quero comer teu p como uma intacta amndoa.

    Quero comer o raio queimado em tua formosura,o nariz soberano do arrogante rosto,quero comer a sombra fugaz de tuas sobrancelhas.

    e faminto venho e vou olfateando o crepsculobuscando-te, buscando teu corao quentecomo uma puma na solido de Quitrate.

    XIIPlena mulher, maa carnal, lua quente,espesso aroma de algas, lodo e luz modos,que escura claridade se abre entre tuas colunas?que antiga noite o homem toca com seus sentidos?

    Ai, amar uma viagem com gua e com estrelas,com ares sufocados e bruscos tempestades de farina:amar um combate de relmpagose dois corpos por apenas um mel derrotado.

    Beijo o teu beijo e recorro ao teu pequeno infinito,tuas margens, teus rios, teus povos pequenos,e ao fogo genital transformado em tua delicia.

    Corre pelos plidos caminhos do sangreat precipitar-se como um cravo noturno,at ser e no ser seno um raio na sombra.

  • XIIIA luz que de teus ps sobe a tua cabeleira,a turgencia que envolve tua forma delicada,no de ncar marinho, nunca de planta fria: de po, de po amado pelo fogo.

    A farinha ajuntou num seleiro contigoe cresceu incrementada pela idade venturosa,quando os cereais duplicaro teu peitomeu amor era o carvo trabalhando na terra.

    Oh, po de teu rosto, po de tuas pernas, po de tua boca,po que devoro e nasce com a luz cada manha,bem amada, bandeira das padarias,

    Uma lio de sangue te deu o fogo,da farinha aprendes-te a ser sagrada,e do po o idioma e o aroma.

    XIVME FALTA tempo para celebrar teus cabelos.Um por um devo cont-los e elogi-los:outros amantes querem viver com certos olhos,eu s quero ser teu cabeleireiro.Na Itlia te batizaram de Medusapela arrepiada e alta luz de tua cabeleireira.Eu te chamo de minha travessa emaranhada:meu corao conhece as portas de teu pelo.Quando te extravias em teus prprios cabelos,no me olvide, lembra que te amo,no me deixe perdido partir sem tua cabeleireirapelo mundo sombrio de todos os caminhosque s tem sombra, de dores transitrias,at que o sol suba a torre de teus pelos.

  • XXIXVem da pobreza das casas do Sul,das regies duras com frio e terremotoque quando at seus deuses rodaram a mortenos deram a lio da vida na greda. um cavalinho de greda negra, um beijode escuro barro, amor, amapola de greda,pomba do crepsculo que voa nos caminhos,alcazia com lgrimas de nossa pobre infncia.Jovem, tem conservado teu corao de pobre,teus ps de pobre acostumados s pedras,tua boca que nem sempre teve po ou delicia. a pobreza do Sul, de onde vem minha alma:em seu cu tua me vai lavando a roupacom minha me. Por isto te escolhi, companheira.

    LXVINo TE QUERO seno porque te queroe de querer-te a no te querer eu queroe de esperar-te quando no te esperopassa o meu corao de frio ao fogo.Te quero s porque a ti eu te quero,do dio sem fim, e a odiando-te rogo,e a medida de meu amor viajante no ver-te e amar-te como um cego.Talvez consumir a luz de janeiro,seu raio cruel, meu corao inteiro,roubando-me a chave do sossego.Nesta historia to s eu me faleoe morro de amor porque te quero,porque te quero, amor, o sangue e fogo.

  • XCIVSI Morro sobrevive-me com tanta fora puraque desperta a fria do plido e do frio,do sul a sul levanta teus olhos indelveis,de sol a sol que sonha tua boca de guitarra.No quero que vacilem tua risada nem teus passos,no quero que se morra minha herana de alegria,no chames a meu peito, estou ausente.Vivi em minha ausncia como em uma casa. uma casa to grande a ausnciaque passar por ela atravs dos murose por os quadros no ar. uma casa to transparente na ausnciaque eu sem vida te verei vivere se sofre, meu amor, morrei outra vez.

    XXXVIIITUA CASA sonha como um trem ao meio dia,zumbem as vespas, cantam as caarolasa cascada enumera os feitos do orvalho,tua risada desprende seu trino de palmeira.A luz azul do muro conversa com a pedra,chega como um pastor silvando um telegramae entre as figueiras de voz verde,Homero sobe com seus sapatos sigilosos.S que aqui a cidade no tem voz nem pranto,nem sem fim, nem sonatas, nem lbios, nem buzinas,porm um discurso de cascada e de lees,e tu que sobes, cantas, corres, caminhas, abaixas,plantas, coses, cozinhas, clavas, escreves, moveso te tenha ido e se sabe que comeou o inverno.

  • XLIVSAIBAS que no te amo e que te amofeito de que dos dois modos a vida,a palavra uma ala do silncio,o fogo tem uma metade de frio.Eu te amo para comear a amar-te,para recomear o infinitoe para no desejar amar-te nunca:por isto no te amo todavia.Te amo e no te amo como se tiveraem minhas mos as chaves da fortunae um incerto destino infeliz.Meu amor tem duas vidas para amar-te.Por isso te amo quando no te amoe por isso te amo quando te amo.

    LXXVIDiego Rivera com a pacincia do ossobuscava a esmeralda do bosque na pinturaa vermelhido, a flor sbita do sanguerecolhia a luz do mundo em teu retrato.Pintava o imperioso traje de teu nariz,a centelha de tuas pupilas desbocadas,tuas unhas que alimentam o cime da lua,e em tua pele estival, tua boca de melancia.Te colocou duas cabeas de vulco fumegantespor fogo, por amor, pela estirpe araucana,e sobre os dos rostos doirados da argilate cobriu com o casco de um incndio bravioe ali secretamente ficaram envolvidosmeus olhos em sua torre total: tua cabeleira.

  • PELLEAS E MELISANDA

    DE

    PABLO NERUDA

    (1923)

  • MELISANDA

    Seu corpo uma hstia fina, mnima e leve,Tem os azuis dos olhos e as mos da neve.

    E o bosque das arvores parecem-se congelados,E os pssaros que esto neles esto cansados.

    Suas tranas ruivas tocam a gua docementeComo dos braos de ouro brotados da fonte.

    Zumbe o vo perdido das corujas cegasMelisanda se pem de joelhos - e reza.

    As rvores se inclinam at tocar a sua frente,Os pssaros se mudam na tarde dolente.

    Melisanda, a doce, chora junto fonte.

  • O Encantamento

    Melisanda, a doce, se extravia da rota,Pelleas, lrio azul de um jardim imperial,se leva em seus braos, como um cesto de frutas.

  • O COLQUIO PASMO

    Pelleas.

    Estou indo para caminho, que veio para ela,meu amor desabou seus braos, seu amor tremeunas suas mos.Dali em diante meu cu teve estrelas noitee os apanhar fez sua vida um rio.

    Para ti cada pedra que tocaro minhas mosdeve ser primaveral, aroma, fruta e flor.

    Melisanda

    Para voc cada espiga deveria apertar seu groe em cada espiga deveria ser espigar meu amor.

    Pelleas.

    Voc me impedir, por outro lado que eu olhe o caminhoquando a morte chegar para deixa-la ferida.

    Melisanda

    Eles o cobriro meus olhos como uma dupla venda.

    Pelleas.

    Falar para mim de uma estrada que nunca termina.A msica que se esconde para encantar-te hoje.longe da cano que a borboleta gorgoleja e salienta;como uma Via Lctea deste meu peito flui.

    Melisanda.

    Em seus braos so emaranhadas de estrelas altas

  • Eu tenho medo. Me perdoe no ter chegado antes.

    Pelleas.

    Seu sorriso apaga um passado inteiro;seus doces Lbios mantm o que j est distante.

    Melisanda.

    Em um beijo voc saber tudo porque est calado.

    Pelleas.

    Talvez no saiba como ento saber sua carcia,Porque minhas veias que seu ser ter fundido.

    Melisanda.

    Quando eu morder a fruta voc saber sua delcia.

    Pelleas.

    Quando fecha seus olhos eu estarei dormindo.

  • O CABELO

    Pesado, espesso e rumoroso,no ventaria do casteloo cabelo da amada um lampadrio amarelo.

    - suas mos brancas em minha boca.- minha frente em sua frente enluaradaPells, bbado, cambaleiadebaixo da perfumada floresta.

    - Melisanda, uma lebre uiva,para as estradas de aldeia- Sempre que esses uivam as lebresmorro de susto, Pelleas.

    - Melisanda, uns galopes de corcel,se aproxime a floresta de loureiros.- Eu tremo, Pelleas, na noitequando aos galopes dos corcis.

    - Pelleas, algum me tocoucomo uma mo fina.- Srio o beijo de seu amanteou a asa de uma andorinha.

    Na janela do casteloh lampadrio amarelode um cabelo milagroso.

    Bbado, Pelleas vai furioso,o corao tambm quisser uma boca que se beij

  • A morte de Melisanda

    Na sombra dos loureirosMelisanda est morrendo.

    Morrera-se o seu corpo leve.Enterraram o seu doce corpo.

    Juntaram-se suas mos de neve.Fecharam-se os seus olhos abertos.

    De forma que se ilumine Pelleasdepois que tinha morrido.

    A sombra dos loureirosMelisanda morre em silncio.

    Por ela chorar a fonteum canto tremendo e eterno.

    Para ela rezaro os ciprestesajoelhando debaixo do vento.

    Haver galope de corcis,lunticos latidos de cachorros.

    Na sombra dos loureirosMelisanda est morrendo.

  • Por ela o sol em seu castelo,Apagar-se como um doente.

    Por ela morrer Pelleas;quando a levam para o enterro.

    Por ela vagar noite,moribundo para os caminhos.

    Por ela se pisar nas rosasPerseguiram-se as mariposasE se dormir nos cemitrios.

    Por ela, por ela, por elaPelleas, o prncipe, est morto.

  • Cano dos amantes mortos

    Ela era bela e era boaPerdoe-a senhor!Ela era doce e era tristePerdoe-a senhor!

    Dormia-se em seus brancos braosComo uma abelha em uma flor.

    Perdoe-a senhor!

    Amava as doces canesE ela era uma doce cano!

    Perdoe-a senhor!

    Quando falava era como se algumHouvesse falado em sua voz.

    Perdoe-a senhor!

    Ela dizia: - Tenho medoEscuto uma voz ao longe.

    Perdoe-a senhor!

    Ele dizia:- tua pequenasMos em meus lbios .

    Perdoe-a senhor!

    Olhavam junto s estrelasNo falavam de amor.

    Quando morria uma mariposaChoravam os dois.

  • Perdoe-a senhor!

    Ela era bela e era boa,Ela era doce e era triste.Morreram da mesma dor.

    Perdoe-os,Perdoe-os,

    Perdoe-os, senhor!

    FINAL

    Foram criados por mim estas palavrascom meu sangue, com minhas dores,foram criadas!

    Eu entendo amigos, eu entendo tudo.Elas se misturaram inadvertidamente nas minhas,Eu entendo, amigos!Como se eu quisesse voar para mim e chegassemSocorrendo-me com suas asas das aves,todas as asas,estas palavras vieram assim estrangeirasdesatar a embriaguez escura de minha alma.

    o amanhecer, e pareceque no foram apertadas as angstiasem laos to terrveis ao redor da garganta.E porm,foram criados,com meu sangue, com minhas dores,eles foram criados por mim estas palavras!

    Palavras para a alegria

  • como era meu coraouma coroa de chamas;palavras do uma dor que se prega,dos instintos que remoem,dos impulsos que ameaam,dos desejos infinitos,das inquietudes amargas,palavras do amor que floresce em minha vidacomo uma terra vermelha cheia de cogumelos brancos.

    No ajustaram em mim. Nunca ajustaram.De menino minha dor foi o gritoE minha alegria foi o silncio.

    Depois os olhosesqueceram das lgrimasvarrido pelo vento do corao de todos.

    Agora, me fale amigos, ondeonde esconder aquele afiadafria dos soluos.

    Fale-me, amigos, ondeesconder o silncio para que nunca ningum,sinta isto com a audio ou com os olhos.

    vieram as palavras, e meu corao,incontveis como um amanhecer,rompendo as palavras e se prendem seu vo,e nos vos hericos nos levam e nos arrastam,abandonado e louco, e olvidado debaixo delascomo um pssaro morto debaixo das suas asas.

    1923

  • Veinte poemas de amory

    una cancin desesperada

    (Seleo)

  • Poema 1Corpo de mulher, brancas colinas, brancas coxas,te parecem ao mundo em tua atitude de entrega.O meu corpo de campnio selvagem te escavae faz saltar o filho do fundo desta terra.Fui s como um tnel. De mim foram-se os pssarose em mim a noite entrava com sua invaso poderosa.Para sobrevier-me te forjei como uma arma,como uma flecha em meu arco, como uma pedra emminha funda.Porm chega a hora da vingana, e te amo.Corpo de pele e de musgo, de vido leite e firme.Ah os vasos do peito! Ah os olhos de ausncia!Ah as rosas do pbis! Ah tua voz lenta e triste!Corpo de minha mulher, continuar em tua graa.Minha sede, minha nsia sem limites, meu caminhoindeciso!escuras rugas de onde a sede eterna segue,e segue a fatiga, e esta dor infinita.

  • Poema 2Em sua chama mortal a luz te envolve.Absorta, plida dolente, assim localizadacontra as velhas hlices do crepsculoque em torno a ti do voltas.Silenciosa, minha amiga,solido do solitrio desta hora das mortese cheia das vidas do fogo,pura herdeira do dia destrudo.Do sol rui um racimo em teu vestido escuro.Da noite das grandes razescrescem subitamente de tua alma,e do exterior regressam as coisas em ti ocultas.De modo que um povo plido e azulde ti recm nascido se alimenta.Oh grandiosa e fecunda e magntica escravaque do crculo que em negro e doirado chega:erguida, trata e logra uma criao to viva

    que sucumbem suas flores, cheia de tristeza.

  • Poema 3

    Ah vastido de pinheiros, rumor das ondas quebrando,lento jogo das luzes, solitria cabanacrepsculo abatendo-se em teus olhos, boneca,caramujo terrestre, em ti a terra canta!Em ti os rios cantam e minha alma se perde nelescomo tu o desejas e fazia para donde tu o querias.Marca-me em teu caminho meu arco de esperanae soltarei em teu delrio meu disparo de flechas.Em torno de mim estou vendo tua cintura de nevoa.e teu silncio me acusa minhas horas perseguidas,e tu s como teus braos de pedra transparentedonde meus beijos perdem e minha mida nsia abriga.Ah tua voz misteriosa que o amor tinge e dobrano entardecer ressonante e moribundo!Assim nas horas profundas sobre os campos tenho vistodobrar-se as espigas em a boca do vento.

  • Poema 4

    Eis que manha chega de tempestadeem um corao do vero.Como alvos lenos de adeus passeiam as nuvens,e o vento os sacode com suas mos andarilhas.Incontvel corao do ventobatendo sobre nosso silencio enamorado.Zumbindo entre as rvores, orquestrais e divinas,como uma lngua cheia de guerras e de cantos.Vento que leva num rpido surrupio a folhageme desvia as flechas latentes dos pssaros.Vento que a derruba em onda sem espumase sustncias sem peso, e fogos inclinados.Se irromper e se submerge seu volume de beijoscombatido na porta do vento de vero.

  • Poema 5

    Para que tu ouasminhas palavrasse adelgaam s vezescomo as marcas das gaivotas nas praas.Colar, de bria cascavelpara tuas mos suaves como as uvas.E as perspectivo distantes minhas palavras.Muito mais que minhas so tuas.Vo esgueirando-se em minha velha dor como as heras.Elas esgueirando-se assim pelas paredes midas.Sis vs a culpada deste jogo sangrento.Elas esto esvaindo-se de minha guarida escura.Tudo tu a invades, tudo tu a invades.Antes de ti povoaram a solido que te ocupavas,e esto acostumados mais que tu a minha tristeza.Agora quero que digam o que quero dizer-tepara que tu ouas como quero que me ouas.O vento da angstia pode ainda de arrastar.Furaces dos sonhos ainda s vezes a tombaEscuta as outras vozes em minha voz dolorida.Pranto de velhas bocas, sangue de velhas splicas.Ama-me, companheira. No me abandones. Siga-me.Siga-me, companheira, nessa onda de angustia.Porm se vo tendo com teu amor minhas palavras.Tudo o que ocupas tu, tudo o que o ocupas.Vou fazendo de todas um colar infinitopara tuas alvas mos suaves como as uvas.

  • Poema 6

    Recordas-te como era no ltimo outono.Era a boina gris e o corao em calma.Em teus olhos guerreavam as chamas do crepsculoe as folhas caam na gua de tua alma.Apegada em meus braos como uma trepadeira.as folhas recolhiam tua voz lenta e em tua calma.Fogueira do estupor que em minha sede ardia.Doce jacinto azul torcido sobre minha alma.Sinto viajar teus olhos e s distante como o outono:boina gris, voz de pssaro e corao de casadonde emigravam meus profundos anseiose onde tombaram meus beijos alegres como as brasas.Cu perspectivado de um navio. Campo perspectivadodas serras.Tua lembrana de luz, de fumo, de gua em calma!Mais fundo de teus olhos ardiam os crepsculos.Folhas secas de outono giravam em tua alma.

  • Poema 8

    Abelha branca zumbe bria de mel em minha almae te estorces em lentas espirais de fumaa.Sou o desesperado, a palavra sem ecos,o que perdeu tudo, e o que tudo esvai.ltima amarra, rudo em ti minha ansiedade ltima.Em mim gritas deserta e s tua a ltima rosa.Ah silenciosa!Fecha teus olhos profundos. Ali tange a noite.Ah nua, teu corpo de estatua temerosa.Tens olhos profundos de onde a noite se faz.Frescos braos de flor e regao de rosa.Se parecem teus sonhos como brancos caracis.Veio a dormir em teu ventre uma mariposa da sombra.Ah silenciosa!Aqui se fez a solido de onde estava ausente.Chove. O vento do mar caa errantes gaivotas.A gua anda descala pelas as ruas molhadas.Daquela rvore se queixam, como enfermas, as folhas.Abelha branca, ausente, zumbindo em minha alma.Renasce entre o tempo, delgada e silenciosa.Ah silenciosa!

  • Poema 10

    Temos perdido tambm este crepsculo.Ningum nos viu esta tarde com as mos unidasenquanto a noite azul tangia sobre este mundo.E tenho visto desde minha janelauma festa do poente entre as serras distantes.s vezes como uma moedase ascendia um pedao de sol entre minhas mos.Eu te recordava como a alma apreendidadessa tristeza que tu me julgas.Ento, aonde se encontrava?Entre estas gentes?Falando que palavras?Por que me chega todo este amor de um golpequando me sinto triste, e te sinto longe?Caiu o livro que sempre se toma no crepsculo,e como um co ferido tangeu aos ps minha capa.Sempre, sempre te distancias entre as tardesonde o crepsculo corre maculando as estatuas.

  • Poema 12

    Para meu corao basta-me teu peito,para tua liberdade basta, minhas asas.De onde minha boca chegar at o cuo que estava entorpecido sobre tua alma. em ti a iluso de cada dia.Chegas como o orvalho das corolas.Socava o horizonte com tua ausncia.Eternamente em fuga como a onda.Eu falei que cantavas com o ventocomo os pinheiros e como os mastros.Como eles alta e taciturna.e entristeces de pronto, como uma viagem.Acolhedora como um velho caminho.Te povoam ecos e vozes nostlgicas.Eu despertei e s vezes migraram e fugiramos pssaros que adormeciam em tua alma.

  • Poema 13

    Hei que fui marcado com as cruzes do fogoo Atlas branco de teu corpo.Minha boca era uma aranha que cruzava escondendo-se.Em ti, detrs de ti, temerosa, sedenta.Histrias que quis contar-te na boca do crepsculo,boneca triste e doce, para que no ficares triste.Um cisne, uma rvore, algo longe e alegre.O tempo das uvas,o tempo maduro e frugal.Eu que vivi em um porto desde onde te amava.A solido cruzada do sonho e do silncio.Acorrentado entre o mar e a tristeza.Calado, delirante, entre dos gondoleiros imveis.Entre os lbios e a voz, algo se vai esmorecendo.Algo com asas de pssaro, algo de angustia e de olvido.Assim como as redes no retm a gua.Boneca minha, apenas ficam as gotas tremendo.Sem apreenso, algo canta entre estas palavras fugazes.Algo canta, algo elevasse a minha vida boca.Oh poder de celebrar-te com todas as palavras de alegria.Cantar, arder, ir, como um sineiro nas mos deum louco.Triste ternura minha, que te faz assim de repente?Quando chegado o cume mais atrevido e friomeu corao termina como uma flor noturna.

  • Poema 16

    (Parfrase a R. Tagore)

    Em meu cu o crepsculo como uma nuveme tua cor e forma so como eu as quero minha, minha, mulher de lbios docese vivem em tua vida meus infinitos sonhos.A lmpada de minha alma te ilumina os ps,o agro vinho meu mais doce em teus lbios:oh segadeira de minha cano de entardecer,como te sentem meus os sonhos solitrios! minha, minha, vou gritando entre a brisada tarde, e o vento arrasta minha voz luminria.Caadora do fundo de meus olhos, teu rouboestanca como a gua tua perspectiva noturna.Na rede de minha msica est presa, amor meu,e minhas redes de msica so extensa como o cu.Minha alma nasce beira de teus olhos de luto.Em teus olhos de luto comeam no pas do sonho.

  • Poema 19

    Filha morena e gil, o sol que nasce das frutas,e que d essncia aos trigos, e que torce as algas,filho teu corpo alegre, teus luminosos olhose tua boca que tem o sorriso da gua.O sol negro e ansioso te enrola nos raiosde negros fios, quando esticas os braos.Tu jogas com o sol como um esteiroe ele te pem em teus olhos dois escuros remansos.Filha morena e gil, nada havia que ti me ajunta-se.Tudo de ti me afasta, como o meio dia. a delirante juventude da abelha,a embriaguez das ondas, a fora da espiga.Meu corao sombrio te busca, sem embargo,e amo teu corpo alegre, tua voz solta e delgada.Mariposa morena doce e definitiva,como o trigal e o sol, a ampola e gua.

  • A cano desesperada

    Aparece tua recordao da noite em que estou.O rio rene-se ao mar seu lamento obstinado.

    Abandonado como o impulso das auroras. a hora de partir, oh abandonado!

    Sobre meu corao chovem frias corolas.Oh sentina de escombros, feroz cova de nufragos!

    Em ti se ajuntaram as guerras e os vos.De ti alcanaram as asas dos pssaros do canto.

    Tudo que o bebeste, como a distncia.Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrgio!

    Era a alegre hora do assalto e o beijo.A hora do estupor que ardia como um faro.

    Ansiedade de piloto, fria de um bzio cegotrgida embriaguez de amor, Tudo em ti foi naufrgio!

    Na infncia de nevoa minha alma alada e ferida.Descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrgio!

    Tu senti-se a dor e te agarraste ao desejo.Caiu-te uma tristeza, Tudo em ti foi naufrgio!

    Fiz retroceder a muralha de sombra.andei mais adiante do desejo e do ato.

  • Oh carne, carne minha, mulher que amei e perdi,e em ti nesta hora mida, evoco e fao o canto.

    Como um vaso guardando a infinita ternura,e o infinito olvido te quebrou como a um vaso.

    Era a negra, negra solido das ilhas,e ali, mulher do amor, me acolheram os seus braos.

    Era a sede e a fome, e tu foste fruta.Era o duelo e as runas, e tu foste o milagre.

    Ah mulher, no sei como pode me conterna terra de tua alma, e na cruz de teus braos!

    Meu desejo por ti foi o mais terrvel e curto,o mais revolto e brio, o mais tirante e vido.

    Cemitrio de beijos,existe fogo em tuas tumbas,e os racimos ainda ardem picotados pelos pssaros.

    Oh a boca mordida, oh os beijados membros,oh os famintos dentes, oh os corpos traados.

    Oh a cpula louca da esperana e esforoem que nos ajuntamos e nos desesperamos.

    E a ternura, leve como a gua e a farinha.E a palavra apenas comeada nos lbios.

    Esse foi meu destino e nele navegou o meu anseio,y nele caiu meu anseio, Tudo em ti foi naufrgio!

    Oh imundice dos escombros, que em ti tudo caa,que a dor no exprimia, que ondas no te afogaram.

  • De tombo em tombo inda chamas-te e cantas-tede p como um marinheiro na proa de um barco.

    Ainda floris-te em cantos, ainda rompes-te nascorrentes.Oh sentina dos escombros, poo aberto e amargo.

    Plido bzio cego, desventurado desgraado,descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrgio!

    a hora de partir, a dura e fria horaque a noite sujeita a todos seus horrios.

    O cinturo ruidoso do mar da cidade da costa.Surgem frias estrelas, emigram negros pssaros.

    Abandonado como o impulso das auroras.Somente a sombra tremula se retorce em minhas mos.

    Ah mais alm de tudo. Ah mais alm de tudo. a hora de partir. Oh abandonado.

    ****************

  • Eric Ponty

    poeta, escritor e ensasta. Nasceu em abril de 1968. membro da Academia de Letras Sanjoanense na cadeirado Poeta Jos Severiano de Rezende um dos precursoresdo Modernismo.

    Foi elogiado pelos poetas Ferreira Gullar, Ivo Barroso,Ivan Junqueira, Augusto Massi, entre outros pelo seupoema ainda indito Pompas de Abril.

    Lanou os seguintes livros de poesia Homo-Imagens(esgotado), Livro Sobre Tudo (Elogiado pelo PoetaFerreira Gullar), traduziu O Cemitrio Marinho de PaulValry, e O Anjo de David este de literatura infanto-juvenil e os livros de ensaios Brevirio do Tempo e AContemplao do belo Adormecido todos publicados pelaA Voz do Lenheiro Editora. O SACERDCIO DA POESIA,Uma introduo poesia de Jos Severiano de Resende.Integra o projeto A Voz do Poeta que consiste na gra-vao de um Cd individual onde se registra a leitura pes-soal de seus poemas. Com coordenao de Ivo Barroso(Trad. Do Pndulo de Focault e Razo e Sensibilidade). colaborador da Dimenso Revista Internacional de Poesiae da revista Xilo e Orion Revista de Poesia do Mundo de

  • Lngua Portuguesa. Poesia para Todos. Colabora nas re-vistas On-line Agulha e Tanto entre outras. Est includona Antologia Mineira do Sculo XX do prof. e crtico AssisBrasil editado pela Imago (RJ) em 1998 que j se encon-tra esgotado.

    Com toda a sua atividade performtica e multimdia, EricPonty estreou com livro de poesia, Homo-imagens, de1996, para no ano seguinte lanar Livro sobre tudo,talvez uma resposta ao Livro sobre Nada de Manoel deBarros. os livros de poesia inditos so vrios, emdestaque Melancolia de uma tarde de domingo eInautagnico. Do primeiro, damos uma amostra nestaAntologia.

    Como muitos poetas de sua gerao, Eric Ponty se dizdevedor dos movimentos poticos das dcadas de 60/70, mas com a referncia da tradio modernista de umManuel Bandeira, e mais Murilo Mendes e Dante Milano.Coroando a sua performance literria, pelo menos na suacidade natal, Eric Ponty eleito membro da Academia deLetras de So Joo del-Rei, cadeira cujo patrono opoeta Jos Severiano de Resende.

    A POESIA MINEIRA NO SCULO XX - ORGANIZAO ENOTAS ASSIS BRASIL - Coleo Poesia Brasileira -Imago Rio de Janeiro 1998 Brasil

    Para corresponder com Eric Ponty escreva:[email protected]