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PERCALÇOS DA MODERNIDADE POÉTICA NO BRASIL: SOBRE A REPOSIÇÃO DO POÉTICO NA LÍRICA DO PÓS-GUERRA Vagner Camilo Universidade de São Paulo, Brasil O presente estudo examina um momento de crise da modernidade em contexto brasileiro, flagrada a partir de um gênero que é considerado o próprio paradigma do moderno (Wolfgang Iser): a lírica. Trata-se de um exame prelim- nar de certa tendência formalista, de feição neoclássica, da poesia brasileira do imediato pós-guerra, verificada tanto na lírica dos grandes nomes do alto modernismo (Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Murilo Mendes...), quanto na dos novos poetas de então, agrupados sob a denominação comum de geração de 45, dada por um de seus líderes. Busco retomar aqui, de modo bastante esquemático, as linhas gerais dessa tendência, tendo em vista o que foi apontado de forma dispersa pela crítica e pela historiografia literárias, para esboçar, por fim, uma hipótese de trabalho a ser desdobrada posteriormente. O mais marcante nessa tendência é o abandono das principais conquistas do Modernismo, ou mesmo, com a geração de 45, a reação contra elas, as quais compreendem, no caso da lírica, a liberdade das formas, o verso livre, o estilo mesclado, a dissolução das fronteiras entre os gêneros, bem como a incorpora- ção do prosaico (no duplo sentido do termo), do coloquialismo, da ironia, do humor (sobretudo na sua forma extrema: o poema-piada), da notação localista, da matéria cotidiana, da realidade urbana etc. Com isso, abandonava-se, nos

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PERCALÇOS DA MODERNIDADE POÉTICA NO BRASIL: SOBRE A REPOSIÇÃO DO POÉTICO NA LÍRICA

DO PÓS-GUERRA

Vagner Camilo

Universidade de São Paulo, Brasil O presente estudo examina um momento de crise da modernidade em

contexto brasileiro, flagrada a partir de um gênero que é considerado o próprio paradigma do moderno (Wolfgang Iser): a lírica. Trata-se de um exame prelim-nar de certa tendência formalista, de feição neoclássica, da poesia brasileira do imediato pós-guerra, verificada tanto na lírica dos grandes nomes do alto modernismo (Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Murilo Mendes...), quanto na dos novos poetas de então, agrupados sob a denominação comum de geração de 45, dada por um de seus líderes. Busco retomar aqui, de modo bastante esquemático, as linhas gerais dessa tendência, tendo em vista o que foi apontado de forma dispersa pela crítica e pela historiografia literárias, para esboçar, por fim, uma hipótese de trabalho a ser desdobrada posteriormente.

O mais marcante nessa tendência é o abandono das principais conquistas do Modernismo, ou mesmo, com a geração de 45, a reação contra elas, as quais compreendem, no caso da lírica, a liberdade das formas, o verso livre, o estilo mesclado, a dissolução das fronteiras entre os gêneros, bem como a incorpora-ção do prosaico (no duplo sentido do termo), do coloquialismo, da ironia, do humor (sobretudo na sua forma extrema: o poema-piada), da notação localista, da matéria cotidiana, da realidade urbana etc. Com isso, abandonava-se, nos

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termos de Burger, o projeto de aproximação entre arte e vida contra a “instituição Arte”, que definia a orientação das vanguardas históricas, de que o Modernismo foi tributário, notadamente em sua fase heroica.

Esse abandono ou recusa, está visto, se fazia em prol de uma poesia de expressão mais disciplinada e nítida, cujos principais aspectos formais, estilísti-cos, imagéticos e temáticos passo a esquematizar, para depois me ater a suas relações com a tradição, com o leitor e com seu contexto histórico-social e polí-tico mais imediato.

1. Questões de forma e estilo Começo tratando das questões de forma, pelas quais tal tendência foi

prontamente identificada, com a retomada de certas convenções pré-modernas ou pré-modernistas (neoclássicas, neoparnasianas ou neo-simbolistas); das formas fixas (especialmente o soneto) e de certas modalidades poéticas (como a ode e a elegia), bem como, em alguns casos, da métrica e mesmo da rima. Nos grandes líricos provenientes do Modernismo, essa retomada não implicou abandono do espírito de experimentação, visível, por exemplo, nas tensões entre a forma fixa convencionalmente metrificada e rimada, e a organização semântica inovadora, respondendo pelo hermetismo das imagens; ou ainda na ruptura com os esquemas métricos, rítmicos e rímicos tradicionalmente previstos.1 Já no caso dos neomodernistas de 45, essas rupturas e tensões não pareciam se verificar com tanta frequência quanto em Drummond, Jorge e Murilo, apesar de Hernani Cidade alegar que, mesmo curando “com certo esmero da forma”, os poetas de 45 se conservaram “fora da regularidade parnasiana, quanto às medidas métricas e estróficas” (313).

É ainda importante lembrar a advertência de um dos principais líderes de 45, Péricles Eugênio da Silva Ramos, quando afirma que sua geração não

1 Ver a esse respeito a análise de Fábio de Souza Andrade de O livro dos sonetos, de Jorge de Lima (89ss). Com relação aos sonetos de Drummond, ver Merquior (151-152), Camilo (194-203) e Barros Baptista (13-18).

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cogitava, originalmente, de repetir modelos ultrapassados, mas sim de “criar novas formas de expressão embora rigorosas” (cf. “Apresentação”. Revista Brasileira de Poesia). A alteração (ou desvirtuamento) dessa proposta inicial, no sentido da adoção de formas fixas, métrica e rima, bem como no da ressurreição de estilos poéticos tradicionais como característica da geração só ocorreria em seguida, notadamente com Ledo Ivo e outros nomes ligados à carioca Orfeu.

Na verdade, afirma Silva Ramos, sua geração estava mais preocupada com uma poesia de expressão nítida em que “o sentimento se resolvesse em imagens”, definição na qual se pode reconhecer claramente o concepção de correlato objetivo de Eliot, eleito um dos mentores dessa geração. Desprezando a anedota e a expressão não comedida, buscava-se o “despojamento”, como se dizia então. A nitidez da expressão seria, pois, definidora e não a simples métrica (Ramos 269).

O formalismo reinante nessa geração tendeu a ser compreendido, explicado e justificado por seus integrantes e intérpretes em termos de pesquisa formal e de expressão, aliada aos estudos de teoria e técnica literárias e à reavaliação de nosso patrimônio literário. Silva Ramos notou que o apego a tais estudos se evidenciava no fato de os poetas de 45 também serem, com frequência, analistas literários. Era o caso dele, em particular, um dos mais preparados de sua geração, tradutor da poesia clássica, inglesa, espanhola e francesa (Shakespeare, Byron, Shelley, Keats, Góngora, Villon, Mallarmé...) e de ensaios de teoria literária (como A anatomia da crítica, de Frye, traduzida posteriormente, em 1973); organizador de antologias e edições críticas de poetas brasileiros; sendo ainda autor de estudos como O verso romântico e Do Barroco ao Modernismo, este último espécie de história da poesia brasileira da perspectiva da poética ou dos procedimentos retóricos característicos de cada escola, geração e nomes emblemáticos dos diversos períodos. Daí a vocação francamente retórico-formalista dessa geração, reiterada mesmo pela produção posterior legada por seus líderes. Ao lado de Silva Ramos, Ledo Ivo é autor de conhecidos excursos sobre a poesia de Manuel Bandeira, Jorge de Lima e Mário de Andrade, seguido de Domingos Carvalho da Silva, que publicou estudos sobre o verso.

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É ainda Silva Ramos quem afirma que sua geração se propunha a desdobrar concepções defendidas por Mário de Andrade em escritos reunidos em O empalhador de passarinho (1944) e em outros ensaios que assinalaram uma guinada significativa no pensamento estético do autor de “O artista e o artesão”, no sentido de não mais deformar sua criação em prol de todos os pragmatismos, como ele mesmo reconhecia ter feito nos anos de militância modernista, mas sim de defender a reposição da pesquisa estético-formal2. Esse privilégio conferido ao apuro técnico, à tradição e ao artesanato, não implicava, todavia, a alienação da história. Era antes, como notou Lafetá, um esforço de transportar a postura ética, de participação, “para dentro da postura estética”, revelando assim uma confiança na potência moralizadora (e salvadora) da técnica de que Mário viria a tratar na famosa “A Elegia de Abril” (1941).

Essa reposição da pesquisa estética, porém, parece ter sido compreendida por vários poetas de 45 como a defesa de padrões mais puros e restauradores do passado, levando um de seus críticos mais ferrenhos, Sérgio Buarque de Holanda, a falar em uma leitura equívoca das prédicas de O empalhador de passarinho, leitura essa que confundia pesquisa formal com o formalismo convencional, conferindo prioridade à forma artística sobre a significante (Holanda 103). Desvirtuando o impulso construtivista característico das

2 O próprio Mário fala da passagem de sua fase “sócio-estourante” para a reconstrutiva em carta de 1944 a Carlos Lacerda, lembrando escritos como “O Movimento Modernista” e “Atualidade de Chopin”, entre outros importantes para ilustrar esse segundo momento. Ao lado desse escritos, caberia lembrar a conferência de 1938, “O Artista e o Artesão”, na qual amplia seu conceito de técnica, estabelecendo a distinção entre o artesanato (no sentido de aprendizado do material) e o virtuosismo (isto é, o conhecimento da tradição), e acrescentando, ainda, um terceiro momento da técnica representado pela solução pessoal que o artista, no confronto com as dificuldades do material e com as exigências de seu tempo, deve encontrar para a criação de uma obra de arte verdadeiramente representativa. Quanto a essa técnica pessoal, nota Lafetá que ela não se confunde com vagos conceitos do tipo “talento”, “gênio” ou “inspiração”, mas compreende “uma atitude coerente entre o artista e o mundo, entre a realização da obra de arte e a vida social. Sua exigência é a de uma postura pessoal de incansável pesquisa, que todos os artistas devem adotar se quiserem traduzir o espírito de sua época e ultrapassar o artesanato e o simples virtuosismo” (Lafetá 160-161). Para essa mudança no pensamento estético de Mário, ver ainda estudo de Jardim de Moraes.

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tendências estéticas do pós-guerra, ao confundir frequentemente forma com fôrma, os poetas de 45 se mostravam incapazes de estabelecer uma “distinção nítida entre a disciplina que nasce de uma conquista pessoal e perene e a que provém de um puro formalismo” (Holanda 106-7). Com isso, acabaram por retroceder a formas transatas e a convenções “aceitas como uma imposição externa inelutável [...], não como uma disciplina voluntariamente incorporada à experiência e à sensibilidade individuais” (Holanda 103), conforme parecia ocorrer nos modernistas classicizados, de acordo com que o mesmo crítico trata de demonstrar no exame detido da poesia de Drummond e de Jorge de Lima.

Passando das questões de forma às de linguagem e estilo, essa tendência classicizante do pós-guerra foi marcada pela depuração da linguagem, a dicção grave e o estilo elevado que chegavam, no limite, com a geração de 45, quase que a repor a velha divisão rígida e hierárquica de gêneros e estilos, na contramão da mescla estilística característica da modernidade literária, a datar do século XIX, tal como descrita por Auerbach em clássico estudo3. A observação é, mais uma vez, de Sérgio Buarque. Ele complementa sua crítica a essa depuração estilística (a qual traz implícita a recusa da incorporação modernista da linguagem cotidiana), observando que “converter em bandeira de qualquer movimento renovador, a campanha, não já contra os clichês modernistas, o que seria admissível e louvável, mas contra o seu prosaísmo, [...] é apenas mais uma transigência com o nosso latente parnasianismo”. Esse parnasianismo latente é tomado não só no sentido de escola (embora Ledo Ivo chegasse a pregar abertamente o retorno a Bilac), mas da inclinação recorrente na vida cultural brasileira ao beletrismo ligado a certa herança bacharelesca4. Muito embora Sérgio Buarque não o diga, não custa lembrar aqui que o núcleo original da

3 A observação é de Sérgio Buarque e a retomo aqui pensando não só em Mimesis, mas especialmente, por se tratar de lírica, no ensaio de Auerbach sobre “Baudelaire e o sublime” (Auerbach 303-332). 4 Examinei essa concepção de Sérgio Buarque num ensaio sobre a recepção do new criticism no Brasil nesse mesmo período, em que se dá, em paralelo, a especialização da crítica literária brasileira (Camilo 111-24).

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geração de 45 surgiu, justamente, no contexto bacharelesco das arcadas paulistanas...

No caso dos modernistas classicizados, embora tenha havido, de fato, depuração estilística nessa fase, eles não chegaram a banir de vez o prosaico, empregado mais comedida e estrategicamente. Basta pensar no modo como Drummond (que, na verdade, nunca se propôs à incorporação radical da linguagem cotidiana, nem mesmo na fase mais propriamente modernista) tensiona o estilo elevado recorrendo a um termo banal ou chegando mesmo ao limite do escatológico, como se vê em “Oficina irritada”, poema que encerra a poética de Claro Enigma, sem falar em outros poemas do livro, como “Os bens e o sangue”.

2. O universalismo dos temas e o recuo em relação à cena urbana moderna No que diz respeito à eleição dos temas, costuma-se reconhecer nessa

tendência classicizante certo recuo em relação à cena contemporânea e à matéria histórico-social em prol do universalismo ou da metafísica. Pensando nesse suposto alheamento da poesia do período, chegou-se a justificar o abandono das exigências mais imediatas de participação e posicionamento políticos diante das demandas do presente como decorrência do fim da Segunda Grande Guerra e do Estado Novo ditatorial, e a imediata inserção do país num contexto de “redemocratização” associado ao governo Dutra (1946-1951).

No caso específico da reclassicização drummondiana, busquei demonstrar em outro momento (do qual esta pesquisa é uma derivação) o quão equívoca era a leitura reinante de livros como Claro enigma, supostamente marcado pelo tédio alienante diante dos acontecimentos (conforme a tão decantada epígrafe valéryana) e pelo recuo em relação à praça de convites onde se instalava o poeta participante de A rosa do povo. A perda dos ideais sociais acalentados até então em função do recrudescimento da política cultural jdanovista adotada pelo PCB no pós-guerra, se motivou o suposto recuo em relação à cena urbana, nem por isso implicou total alheamento da realidade do tempo. Em seu pessimismo e

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melancolia, a poesia drummondiana do período operava uma retirada estratégica (comprovada pela prosa contemporânea de Passeios na ilha), tomando os próprios ideais perdidos como matéria de reflexão na forma de um trabalho de luto que repunha o contexto sócio-político da época pelo avesso (ou pela negativa).

Já nos demais modernistas classicizados, como Jorge de Lima e Murilo Mendes, é fato ainda a se verificar se essa conversão neoclássica implicou o efetivo abandono da matéria ou horizonte histórico do presente. A questão exige investigação detida, mas vale notar, por ora, que no caso do Livro de sonetos, embora Jorge de Lima encene em mais de um momento a despedida do “mundo dos relativos compromissos”, nem por isso deixará de advertir sobre a aparência enganosa dessa poética classicizante. É o que parece simbolizar a imagem da “torre alada”, mas “esguia e triste”, que se desfaz e se decompõe, voltando ao inerme e, com isso, se afastando em definitivo da hipótese estetizante e alienante da famigerada torre de marfim, que nos anos 1940, Mário já tratara de redefinir em escritos e cartas de modo bem diverso ou mesmo paradoxal, uma vez que não implicava, para ele, uma atitude demissionária.

Quanto à geração de 45, falou-se insistentemente na ausência, em bloco, da “necessária preocupação social” (Perrone 18). De modo mais aprofundado, Maria Marcelita Pereira Alves notou que o universalismo de 45, “afastando-se deliberadamente do Nacional para retratar o ser humano sem vínculos com seu espaço vital, não passa[va] de uma generalização abstrata de um impossível homem sem fronteiras” e “teve como consequência afastar da literatura brasileira os aspectos sociais e ideológicos” que marcaram fortemente o período modernista. “Perdeu-se, assim, em pesquisas formais estéreis, porque consideradas válidas por si mesmas, mas não como exigência de um conteúdo específico e revolucionário, e deixou-se levar ainda por um psicologismo de feição individualista. O equilíbrio entre a preocupação estética e a preocupação político-social, que marcara o decênio de 1930-40, rompe-se, então, pendendo para o refinamento formal e para o universalismo vazio” (Alves 50-51). Ao indexar um dos principais veículos de divulgação das produções e discussões do

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grupo, a própria Pereira Alves chamou a atenção, no inventário dos poemas traduzidos e publicados na Revista Brasileira de Poesia, para “a inclusão dos poetas Langston Hughes e Nicolas Guillén que se destacam muito mais pela temática de fundamentação social e política, abrindo na revista uma perspectiva que, contudo, prematuramente se perdeu” (Alves 45). Pode-se acrescentar ainda que, dentre os poemas traduzidos de T. S. Eliot, incluia-se a versão de “Os homens ocos”, cujo tratamento dado ao tema da alienação, desumanização e reificação modernas encontrou ecos em alguns dos nomes dessa geração (como Bueno de Rivera). Dylan Thomas, cuja poesia nunca foi marcadamente social, teve, também, uma de suas raras incursões líricas por essa ordem de tema traduzida por Olívia Krahenbuhl no número 8 da Revista Brasileira de Poesia com o título “A mão que assinou o nome no tratado”. É ainda curioso lembrar que um dos convidados estrangeiros presentes no congresso de poesia patrocinado pela revista do grupo foi justamente Stephen Spender – ao lado de Auden e Day Lewis, um dos principais representantes da lírica social inglesa dos thirties. Embora não fosse essa a matéria de sua conferência, sua presença no país justificava a divulgação na mesma revista de traduções de alguns de seus poemas militantes.

Destaque-se, por último, a publicação, num dos números da Revista Brasileira de Poesia, de um ensaio de José Eduardo Fernandes sobre “A poesia inglesa e a guerra”, centrado na desvinculação entre o poeta e sua realidade em virtude do impacto dramático vivido, que tornou os poetas ingleses incapazes de assimilar o significado e a extensão do conflito num nível sócio-cultural, prendendo-se apenas a seus aspectos emotivos, num plano meramente individual – à exceção de Frank Thompson, considerado o verdadeiro poeta da Guerra. (Alves 81)

A presença desses poetas e estudos no principal veículo de manifestação da geração atesta que a preocupação social não estava de todo ausente. Mesmo que seja uma tendência que logo se perdeu, parece ter deixado alguma marca em Carvalhoa Silva, Rivera, Ivo e outros. A questão, a meu ver, é muito mais compreender qual o tratamento dispensado a essa matéria social depois da

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grande lição drummondiana, dramatizando não só a realidade sócio-política do tempo, mas também a própria voz lírica, o lugar de classe de onde fala o poeta e o alcance problemático desse canto solidário.

Também a lírica da cidade – moderna por excelência – chegou a comparecer nessa geração, mas o tratamento dispensado por um Geir Campos aos quadros parisienses e ao tema da solidão na multidão, reescrevendo, por exemplo, o famoso “Paysage”, da abertura dos tableaux baudelairianos, parece constituir manifestação isolada entre os poetas de 45 e mesmo entre os modernistas classicizados. Foi muito mais frequente o deslocamento para um espaço citadino que, quando ocorre, está longe da urbe moderna enquanto palco dos conflitos mais prementes da realidade contemporânea, afinando-se mais com a evocação de cidades históricas, carregadas pela pátina do tempo, pela herança cultural do passado. São cidades-museus meio alheias a tais conflitos, como a Siciliana de Murilo Mendes ou as cidades históricas mineiras (que já se constituíra em tópos modernista, embora com interesse e registro diversos), retomadas então como objeto de uma contemplação meditativa de cunho filosófico, vertida numa dicção mais austera, elevada ou sublimizante, por Drummond, o mesmo Murilo e alguns poetas de 45, como José Paulo Moreira da Fonseca.

Associado ao universalismo dos temas e à inclinação filosófica, metafísica, temos a retomada frequente do repertório de mitos greco-romanos, com Orfeu à frente tanto nos modernistas classicizados quanto nos neomodernistas (denominando, inclusive, um dos principais veículos de expressão do grupo), seguido de Arcturo, Anfion e Ganimedes, entre outros.

3. Relações como a modernidade e a tradição Já em termos de relação com a modernidade e a tradição, vimos que os

poetas de 45 foram frequentemente definidos como uma geração de ruptura com o legado de 1922. Entretanto, muitos de seus integrantes e críticos contemporâneos insistiam em afirmar sua modernidade, evidenciada já no

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modo como se denominavam (neo- ou pós-modernos...) ou como foram alinhados pela historiografia do Modernismo, representando um terceiro momento ou fase do movimento, segundo uma lógica progressiva ou mesmo evolutiva bastante discutível.

A crítica não chega a desmenti-los de todo, como se nota no seguinte comentário de Iumna Simon:

Conquanto estivesse distante de ser uma vanguarda e tivesse recaído em

soluções retóricas e estetizantes, a linhagem dos poetas de 45 não deixava de

ser moderna, inspirada em fontes de vária procedência: do simbolismo à

poesia de Rilke, Pessoa, Valéry, Eliot, Neruda, Jorge Guillén, não faltando o

gosto especial por atmosferas e cadeias imagéticas de inspiração surrealista.

Se os recursos e os procedimentos modernos foram traduzidos em

convenção, como um padrão genérico de modernidade poética, ao mesmo

tempo eles serviam, juntamente com a restauração das formas tradicionais,

ao esforço de especialização literária que, na época, traduzia a necessidade de

constituir um território próprio e autônomo para a expressão poética.

(Simon 343).

Disse ainda Alfredo Bosi sobre o estatuto ambíguo dessa geração, no seu

duplo movimento de retorno e renovação:

Mas o que caracteriza – e limita – o formalismo do grupo é a redução de todo

o universo da linguagem lírica a algumas cadências intencionalmente

estéticas que pretendem, por força de certas opções literárias, definir o

poético, e, em consequência, o prosaico ou não-poético... Renovava-se,

assim, trinta anos depois, a maneira parnasiano-simbolista contra a qual

reagira masculamente a Semana: mas renovava-se sob a égide da poesia

existencial europeia de entre-guerras, de filiação surrealista, o que lhe confere

um estatuto ambíguo de tradicionalismo e modernidade (Bosi 518).

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Já a respeito da relação com os principais líderes de 1922, se havia, por um lado, a eleição, como antecessor ou mestre, de Mário de Andrade (ou de um certo Mário, que parecia renegar os radicalismos dos anos de guerra em prol da reposição da pesquisa formal, conforme vimos), por outro, reconhecia-se em Oswald de Andrade o principal opositor. Em vários momentos, Oswald polemizou com essa que ele denominava de “geração trintanária”, empenhada em liquidar “o Modernismo e suas consequências, a fim de terem trânsito os neo-Casimirinhos de boa conduta e para que refulja de novo a tarde lustrosa de Bilac nos céus da nossa literatura” 5. Domingos Carvalho da Silva foi um dos que tentou reagir à verve polêmica característica de seu adversário, por ele chamado de o “velho e impetuoso esgravetador de pau-brasil” com sua “piroga de antropófago insaciável” e sobrevivente da Semana... (apud Teles 32-33)

Mas além do legado dos líderes de 22, havia o dos poetas que derivaram dos primeiros e que se afirmaram sobretudo a partir de 1930, como Bandeira, Drummond, Murilo Mendes, Affonso Schmidt, Cecília Meireles etc. Pensando na relação que os poetas de 45 mantem com esses nomes do alto modernismo, João Cabral falou em uma geração mais de extensão de conquistas do que de invenção de caminhos, já que todos os integrantes partiam da experiência de um desses poetas mais antigos (poetas-inventores)6.

Quem vai desdobrar as implicações dessa observação de Cabral, embora sem referência expressa a ela, é Antonio Candido, expondo o verso e o reverso da questão. O aspecto positivo é que a filiação a um antecessor sinalizava a existência de uma tradição local constituída, coisa inexistente entre os primeiros modernistas, que dependiam de modelos europeus e de sua própria

5 O adjetivo, está visto, deriva de trintanário, criado ou ajudante do cocheiro que viajava na boleia e executava pequenos serviços (Oswald de Andrade Telefonema 384). Ver também, de Oswald, Os dentes do dragão. Já a reação dos Novíssimos às críticas de Oswald sai, na forma de manifesto, no número 18 da revista Joaquim. 6 Cabral dirá ainda que discorda de que a tendência estetizante seja o denominador comum da Geração de 45 – embora reconheça que possa definir uma parte ou um grupo, desde que se entenda o termo para designar não uma atitude mental, mas a desenvoltura ou plasticidade com que alguns desses poetas chegam a manobrar o verso herdado dos poetas que os antecederam (742ss).

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individualidade para criar seu caminho. O lado negativo era a assimilação mecânica e virtuosa dos procedimentos característicos. Candido notava, assim, a existência de uma estilística da poesia moderna, com os mais moços tornando, como no Parnaso, “a assimilar processos e repousar numa doce virtuosidade. [...] O verso livre foi domesticado, assim como a imagística modernista; as suas ousadias andam hoje de coleira”. Candido denunciava a grande habilidade da Geração de 45 em “aproveitar a estrada dos outros, pela qual correm com uma facilidade que tende loucamente ao malabarismo”. Numa expressão magistral, o crítico falava no risco de taylorização da poesia confundida com pura técnica, malabarismo verbal e da tendência desses poetas a se recolherem às academias federais e estaduais (Candido Textos de Intervenção 143-149).

Já Silva Ramos, como líder do movimento, promoveu uma inversão discutível nessa lógica de influências. Mais do que enfatizar a dívida para com os antecessores e extensão de conquistas, ele reivindicava a influência exercida por sua geração e por seu programa de poesia sobre os poetas mais velhos na sua guinada classicizante: “a influência da geração”, diz ele, “se deu sobre poetas mais velhos, que passaram a metrificar a partir de 1945, mesmo os que haviam se preocupado pouco com isso, de modo que a poesia praticada nessa fase, seja a de 45 ou 22, é muito mais tensa, ordenada – e até sonetizada. Jorge de Lima sonetizou e decassilabou torrencialmente; Murilo Mendes fez seus decassílabos em Contemplação de Ouro Preto, embora só nos seus livros posteriores como Siciliana viesse a atingir mais puramente a densidade, a concentração, a limpidez de 45. Tanta sonetização – e de um soneto muitas vezes hermético, cifrado – sonoro, mas laborioso de apreensão, quando não vazio – também atomizou o trabalho dos pais da geração” (Ramos).

4. Em busca do leitor Em termos de relação com o leitor, o próprio Silva Ramos afirmava a

preocupação dos poetas de sua geração em aproximar a poesia do homem comum. Em outro momento, disse ainda que tiveram eles, então, a mesma

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sensação expressa por Mário em 1931, e viram que era imperioso tentar outro caminho. Apontaram na declaração da Seção de Poesia do Congresso Internacional de Escritores de São Paulo – redigida por Cabral, Silva Ramos e Mário da Silva Brito – que se devia tentar superar as barreiras entre a poesia moderna e o homem comum, fazendo que este se interessasse por aquela. Esses tentames, segundo ele, estavam em desenvolvimento, sendo de se notar que a maior parte dos membros de sua geração passou a praticar uma poesia ou clara ou participante (Ramos).

A propósito dessa geração, Alceu Amoroso Lima falou, em seu Quadro sintético da Literatura Brasileira de 1956, da tentativa de restauração dos laços com o público, lembrando que a famosa e melancólica conferência de 1942, “O Movimento Modernista”, de Mário de Andrade, já demonstrava o arrependimento pelo caráter “aristocrático” assumido meio sem querer pelo Modernismo, provocando o dissídio entre o hermetismo decorrente das “exigências de renovação e invenção dos artistas e o gosto sempre conservador do povo”. A fim de evitar o equívoco do aristocracismo e “encontrar o meio de restaurar as pontes destruídas entre a arte moderna e o grande público”, os neomodernos se empenharam em “combater o caos, que o culto da liberdade licenciosa trouxe para os domínios da estética”, procurando “a difícil saída para os dois ritmos de gosto”, embora outros caminhassem “ainda para uma acentuação do hermetismo” (Lima 115-117).

Essa tendência hermética de vários poetas dessa geração levou Bandeira a se referir a eles, de um modo geral, como sendo “de expressão pouco acessível, sobretudo pelo insólito de suas imagens”. Mais virulento, Sérgio Buarque diria que esse hermetismo se tornara antes um elemento decorativo do que uma necessidade, fato também notado por Álvaro Lins que, em o “Exagero dos novos”, asseverava:

os novos escritores estão abusando do mistério artificial, do falso mistério, do

mistério transformado em sistema. Alguns parecem preocupados em tornar

complexo apenas na expressão o que é simples e, às vezes, até banal na

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substância, pois não dispõem de natureza humana e preparação artística para

a penetração nas zonas de profundidade (Lins 75).

Evidentemente, essa senda cerrada, hermética, misteriosa, que foi trilhada

por não poucos poetas de 45, acabou entrando em contradição com o alegado empenho dos poetas de 45 em buscar restabelecer os laços com o público (ou com o leitor médio).

Mas esse empenho se fez sentir em outros nomes do período, como se vê, mais detidamente, na Tese apresentada ao III Congresso Brasileiro de Filosofia (1959) por Carvalho da Silva, na qual afirmava que a problemática da comunicação poética diz respeito mais ao leitor que ao poeta. Notava que os tratadistas e teóricos tinham se detido apenas na problemática da criação, lançando à sombra a posição do leitor, como se a arte se realizasse apenas do lado do criador. Contestava argumentos como o de Heidegger, de que a arte está na obra, quando já Kant havia observado que a beleza não pertencia à natureza da coisa, mas sim ao livre jogo da imaginação e da compreensão. Contavam com aquele “sentido artístico” de que falava Croce, confiando de que as pessoas fossem providas dele para apreciar a verdadeira arte. Carvalho da Silva reconhecia que, nos tempos de Horácio ou mesmo de Boileau, quando “se escrevia para um grupo reduzido de pessoas semelhantes pela situação social e pela formação”, era possível afirmar, como faz o primeiro, a propósito do gênero dramático, “que a obra deve conduzir a alma do espectador aonde lhe for agradável”, oferecendo, assim, uma arte “já esquematizada e adaptada a uma sensibilidade modelada pelo hábito”. Já no presente, num tempo em que imperava a “anarquia do gosto” referida por Dilthey, seria impossível seguir a risca tal lição. Caberia não ao poeta, mas aos críticos a formação de um “escol de leitores” para reverter esse quadro.

Silva inspirava-se no ensaio de F. W. Bateson (“Towards a Poetry Reading Elite”, incluído em English Poetry – A Critical Introduction), que estudava “objetivamente as possibilidades da formação de um escol de leitores dos poetas ingleses da atualidade, tal como o tiveram os românticos, a seu tempo”. Essa

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formação seria tarefa não do poeta, mas do crítico, que, como orientador, deveria levar os primeiros a se sensibilizarem para o elemento poético, discernindo ou isolando a significação poética da fabulação, de modo a despertar a “consciência de que o assunto é apenas um revestimento superficial do poema e de que há elementos poéticos capazes de tornar emocionante e bela a apologia do mal, do amoral e do injusto”. Da falta de discernimento entre verdade ou moral e mérito estético não padecia apenas o dito “leitor comum”, mas alguns críticos, a exemplo de Plekanov. Nem caberia à arte e à poesia em particular, a tarefa didática de ser instrumento de difusão e propagação de ideias científicas, como queria Chernychevisky. “A missão do crítico, do esteta, do exegeta da poesia é em conclusão a de alertar o leitor pelo debate de ideias, pela análise dos textos e pelo esclarecimento do que seja a própria essência da poesia, para que esse leitor possa ir além da carapaça das aparências, da fabulação temática e dos artifícios exteriores e atinja o mundo da própria expressão artística, na qual se revela a verdadeira significação da poesia” (Silva 11-18).

Como se vê, a preocupação em superar o abismo instituído entre o poeta e seu leitor era partilhada à época por vários dos poetas de 45, de maneira que a famosa conferência “Poesia e Composição: a Inspiração e o trabalho da arte”, pronunciada em 1952 por João Cabral de Melo Neto na Biblioteca de São Paulo, não era um diagnóstico isolado. Cabral contrastava aí as “épocas de equilíbrio” (em que não há oposição entre inspiração e trabalho artístico) com a época moderna (em que se dá a polarização com a preponderância de um dos dois termos, fato que se verifica não só no caso dos artistas individualizados, mas também na dimensão mais ampla da história literária). Enquanto as épocas de equilíbrio eram caracterizadas pela identificação espontânea do artista com a comunidade, pela partilha universal e explícita das regras da composição e pela alta “exigência da sociedade em relação aos autores”; a época moderna é marcada pela perda da “contraparte indispensável do escritor”: o leitor e a crítica, que exercia o papel de controle para que a comunicação fosse assegurada.

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Cabral ainda voltaria ao problema na tese apresentada no Congresso de Poesia de São Paulo (1954), em que criticava a total indiferença do poeta não só em relação ao rádio, ao cinema, à televisão e àsdiências em geral, bem como a incapacidade de adaptar os gêneros poéticos tradicionais que poderiam ser reaproveitados e que acabaram em desuso, como a poesia narrativa, as aucas catalãs (antecessoras das histórias em quadrinhos), a fábula, a poesia satírica e a letra de canção. São formas de maior alcance de comunicação com o leitor que, por isso mesmo, mereceriam ser reapropriadas, assim como o poeta deveria dialogar com os novos meios de difusão, a fim de devolver ao poema um lugar na vida do leitor moderno. A urgência de tamanha empreitada levava Cabral a convocar os poetas, no fecho da tese, para se empenharem na superação do “abismo que separa hoje em dia o poeta do seu leitor”, pelo abandono dos temas intimistas e individualistas e pela conquista de formas mais funcionais, que possibilitassem “levar a poesia à porta do homem moderno” (Cabral 767-770).

O tema da perda do público foi tratado por outras teses apresentadas na Seção de Poesia organizada em tal Congresso pela referida geração, como a de Aderbal Jurema. Em seus “Apontamentos sobre a niponização da poesia”, criticou a distância em relação ao público por parte desses poetas que “vivem apenas os efêmeros momentos das notas ou das notícias da camaradagem do suplemento dominical”. Condenou o recuo diante da realidade contemporânea e o temor de enfrentar “o drama do homem nas fronteiras da técnica”, levando esses “nipônicos da poesia” ou “pilotos suicidas”, reativamente, a buscar refúgio numa estética kamikaze, pautada pela “gratuidade temática” e por um “hermetismo estudado”; planificada pelo soneto e limitada pela costura de “palavras mortas, quando deviam ter a decisão de rasgar o seu ventre para libertá-las”. “Uma poesia do Medo e da Conveniência”, em suma. (Jurema 264-266).

O que, segundo Paulo Franchetti, dava cor específica à fala dos brasileiros era a ênfase na relação causal entre o divórcio autor/público e o crescimento dos novos meios de comunicação de massa, a percepção de que existia uma feroz concorrência entre a cultura erudita e cultura de massas, com desvantagem

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notória para a primeira. Esse causalismo já se evidenciava com Cabral e, na mesma época, Antonio Candido abordava a concorrência crescente das artes com a indústria cultural em “Literatura e Cultura de 1990 a 1945”. O crítico notava que o aumento sensível do público de literatura, a partir de 1930, devido à melhoria da educação e à redução do analfabetismo, foi se perdendo porque esse novo público acabou sendo rapidamente conquistado pelo grande desenvolvimento dos novos meios, como o rádio, o cinema e as histórias em quadrinhos, cujo amplo apelo à palavra oral, ao som e à imagem possibilitava alcançar ou superar aquilo que, num texto escrito, eram limitações para quem não se enquadrou numa certa tradição. Diante de tal situação, a literatura reagiu de forma extremada e oposta: ou tentou alcançar a comunicação com o público, buscando aproximar a literatura com o relato direto da vida, para concorrer com o rádio ou o jornal; ou aprofundou a singularidade do literário, restringindo ainda mais o acesso a ele por parte do público geral.

Optando por essa segunda alternativa, que implicava um isolamento suicida referido por Jurema, a geração de 45 persistia no discurso do Grande Divisor que, como demonstrou Andreas Huyssen, levou o modernismo a se constituir “através de uma estratégia consciente de exclusão, uma ansiedade contra a contaminação por seu ‘outro’: uma cultura de massa cada vez mais consumista e envolvente” (7).

Dada, assim, a centralidade desse diagnóstico do divórcio com o público, minha proposta, no desdobramento deste ensaio preliminar (nada além de um mapeamento), seria justamente a de buscar compreender a resposta dada ao problema pela geração de 45, tendo em vista, em contrapartida, a proposta do próprio Cabral e a atitude dos modernistas classicizados em seu acentuado hermetismo, que nada tem de mera fachada, sendo antes decorrência da complexidade do tema e do grau de experimentação poética. Neles, sem dúvida, a consciência da perda do alcance de comunicação também se mostrava bastante evidente, sobretudo em Drummond (“Legado”, “Oficina irritada” etc) e era experimentada, à primeira vista, como irreversível.

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Para além da desqualificação prévia ou da defesa tendenciosa da resposta dada pela geração de 45 ao problema da comunicação, alguns dos principais pontos e questões relevantes que permearam tal resposta podem ser, por ora, formalizados nos seguintes termos expostos.

É com base nessa preocupação central de superar o fosso entre poesia e leitor que podemos compreender a preocupação com a natureza e (re)definição do poético, a partir do suposto retorno às fontes da poesia (Martins), bem como a busca ou o empenho em estabelecer padrões mais estáveis, absolutos ou objetivos para o literário, visando a certo consenso entre autor e público. Daí o papel da já mencionada reflexão teórica desenvolvida em paralelo por esses poetas em relação a sua própria produção poética, levando Carlos Burlamáqui Köpke a afirmar que, com sua geração, criou-se a sistematização do estudo, sendo afastado todo impressionismo intelectual. A Geração de 45 encarou a poesia como uma arte a ser conquistada com obediência a princípios teóricos (apud Telles 146).

Além disso, os poetas de 45 criaram todo um programa de ação que incluía não só a publicação de revistas e a mobilização de rodapés e suplementos literários (a exemplo do Pensamento e Arte, suplemento do do Correio Paulistano) como veículos de divulgação de ideias e produções poéticas, mas também a promoção do Primeiro Congresso Paulista de Poesia (São Paulo, 1948), cuja repercussão em vários estados levou à formação de outros congressos regionais. Não se pode esquecer, também, da criação do Clube de Poesia de São Paulo, fundado por Silva Ramos, no qual foram ministrados cursos de Retórica e Poética pelos próprios integrantes da geração e por convidados nacionais e estrangeiros (a exemplo de Stephen Spender, “Poesia: conceito”). Tais cursos e conferências acabaram sendo publicados nos referidos veículos de divulgação do grupo.

É evidente o caráter francamente formador de toda essa estratégia de ação, pautada pelo anseio de unificação de valores e conceitos entre poetas, leitores e críticos, visando ao consenso, para se agregar um público mais amplo. E não se pode esquecer que esse empenho pedagógico, por assim dizer, marcou várias das

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poéticas construtivistas do pós-guerra, como se vê no próprio Cabral, em Faustino e nos Concretistas, embora, obviamente, movidos por valores e concepções bem diversos (que, todavia, mereceriam ser confrontados ou contrastados).

Para atender a esse intuito, o consenso de valores e conceitos implicava a redefinição de formas e temas que aspirassem à universalização e à permanência, a começar pela própria reconceituação do gênero lírico. É curioso observar a esse respeito que se, de acordo com o que afirmam teóricos como Kate Hamburger e Gerard Genette, a modernidade operou uma mudança da ênfase clássica no caráter prescritivo dos gêneros para o descritivo, a geração de 45, no que tange à concepção da lírica, seguiu na contramão, buscando reafirmar o caráter normativo dos mesmos. Rompendo com as propostas estéticas do modernismo de fusão radical ou dissolução dos limites entre os gêneros, tal geração, no seu afã de definir a essência do poético, chegou mesmo a banir formas híbridas como o poema em prosa do domínio da poesia, relegando-o ao da prosa, como se vê com Carvalho da Silva.

Nessa redefinição do poético, é importante, ainda, chamar a atenção para a já mencionada ênfase dada pelos poetas de 45 à ode e à elegia, que parece se explicar pelo fato de tais modalidades terem sido, por muito tempo, associadas às duas disposições básicas do gênero lírico: o louvor e o lamento.

A tendência ao prescritivo, verificada na definição do gênero, parece responder também por certo retorno à retórica. Se, com o Romantismo em diante, assistimos à substituição da retórica pelo estilo, que permitiu forjar os altos estilos individuais do alto modernismo como expressão do individualismo e da autonomização da linguagem (Jameson), a geração de 45 vai seguir na contramão.

No plano do assunto, a renovação de temas permanentes promovida por tal geração incluía, coisa que a crítica não parece ter atentado antes, a retomada da concepção ou da tópica da poesia como imortalização (Curtius), sintomática num contexto de aceleração do tempo, como tentativa de reagir ao próprio senso de transição e fugacidade característico da modernidade. Essa pretensão

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de permanência e eternidade viria, aliás, a ser tematizada pelo Drummond classicizado de “Legado” (Claro enigma) e de “Eterno” (Fazendeiro do ar), mas nunca chave evidentemente irônica, talvez mesmo tendo por alvo seus contemporâneos de 45.

Creio que, em boa medida, o desafio que ainda se coloca é precisar o sentido do neoclássico para os modernistas classicizados e o dos poetas de 45. Para discernir tal sentido, seria possível tomar, como termo de comparação, o que Judith Ryan observa a respeito do diálogo com o legado clássico promovido por Rilke (como vimos, um dos mentores da referida geração, além de interlocutor explícito de Drummond em “Aspiração”, de Claro Enigma). Diálogo esse mediado pela apropriação simbolista de tal legado clássico:

A forma do modernismo de Rilke é uma espécie muito particular,

restaurativa e elegíaca. [...] Mas, diferentemente de Valéry, Rilke não dirige

seus esforços restauradores para a antiguidade clássica. O elemento

neoclássico que é tão decisivo em Valéry – como também em seus

contemporâneos Eliot e Pound – está quase completamente desaparecido em

Rilke, mesmo quando ele se dirige aos temas clássicos, como em seus poemas

sobre Apolo, Orfeu e Narciso. Os textos mais classicizantes de Rilke, de fato,

contam principalmente com modulações simbolistas ou esteticistas de

motivos antigos. Sem as esculturas de Rodin, o orfismo de Mallarmé, o

Narciso de Valéry, haveria menos lembranças da antiguidade clássica nos

trabalhos de Rilke. A versão rilkeana do ensaio simbolista de Valéry sobre o

arquiteto órfico dos tempos antigos produz um de seus sonetos mais

contundentemente modernistas. [...] O sucesso poético de Rilke nasce de seu

modo de combinar dois gestos contraditórios: de um lado, seus textos

convocam o leitor a se sentir diretamente abordado; de outro, negam o

acesso ao que eles implicam, um segredo impenetrável no seu coração. As

estruturas apelativas mediam entre a antiga figura da apóstrofe e um desejo

moderno de querer cruzar a fronteira entre arte e vida. [...] O processo de

autocriação de Rilke foi, de fato, um projeto permanente de restauração.

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Evitando o gesto vanguardista de ruptura com o passado, Rilke reavivou

elementos da tradição e recombinou-os de acordo com seus próprios

métodos catalíticos. [...] Suas vozes infiltraram sua poesia, repetidamente

causando a autoconstrução projetada para ser rompida. Em uma época em

que se tentou, de modo muitas vezes paradoxal, controlar o ato criativo, a

perda de controle foi devastadora. A divergência entre construção consciente

e sua constante ameaça de colapso é o que faz de Rilke uma testemunha tão

eloquente das primeiras décadas da era modernista. (Ryan 221-227)

Termino este inventário observando que o grande desafio que se coloca a

quem se debruça sobre a produção desse período, tendo em vista, particularmente, essa tendência neoclássica, reside, sem dúvida, em aprofundar não só a compreensão dessa poética em função do referido empenho conjunto em superar o fosso que separa a poesia do leitor cada vez mais cooptado pelos novos meios de comunicação, mas também em articular essa tendência com outras determinações desse mesmo momento histórico, marcado pelo envelhecimento do moderno (Burger, Adorno), pela rotinização das experimentações vanguardistas (Lafetá) e, entre outras motivações, pela especialização do trabalho artístico e intelectual no Brasil do período (Candido).

Além das especificidades do campo (Bourdieu), há que se investigar a emergência dessa tendência no contexto de redemocratização do governo Dutra – “governo neoparnasiano”, dirá Wilson Martins, mais restaurador do que progressista, “que naquela época se instalou programando a sonetização da consciência nacional”. Em contrapartida, não se pode esquecer que a predominância de estruturas fixas como o soneto na poética dessa geração seria interpretada por Otto M. Carpeaux como um discutível sintoma de uma “nova ordem social do mundo”7.

7 O comentário de Carpeaux é citado por Haroldo Maranhão que, à época, afirmava haver uma renovação na poesia brasileira encabeçada pelas gerações mais jovens. Ao contrário do que se deu no Modernismo, esta renovação se dava menos na forma (com o predomínio de estruturas fixas como o soneto) e mais na essência (renovação do espírito sem libertação expressional). O inconformismo modernista é visto por Maranhão como

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À luz desse horizonte histórico-político e cultural, interessa, notadamente, compreender como uma mesma tendência correspondeu a um movimento mais convencional, estetizante ou até regressivo nos poetas de 45 e, ao mesmo tempo, representou, para os principais modernistas classicizados, o ... zênite de suas trajetórias poéticas.

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