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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ELAINE CRISTINE FERNANDES DA SILVA PROJETO DE LETRAMENTO NA SALA DE AULA: UMA EXPERIÊNCIA COM LEITURA DE GÊNEROS TEXTUAIS DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO 2015

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  • PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    PUC-SP

    ELAINE CRISTINE FERNANDES DA SILVA

    PROJETO DE LETRAMENTO NA SALA DE AULA:

    UMA EXPERIÊNCIA COM LEITURA DE GÊNEROS TEXTUAIS

    DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

    SÃO PAULO

    2015

  • PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    PUC-SP

    ELAINE CRISTINE FERNANDES DA SILVA

    PROJETO DE LETRAMENTO NA SALA DE AULA:

    UMA EXPERIÊNCIA COM LEITURA DE GÊNEROS TEXTUAIS

    Tese apresentada à Banca Examinadora da

    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

    como exigência parcial para obtenção do título

    de Doutora em Língua Portuguesa, sob a

    orientação do Professor Doutor João Hilton

    Sayeg de Siqueira.

    SÃO PAULO

    2015

  • S586 Silva, Elaine Cristine Fernandes da.

    Projeto de letramento na sala de aula: uma experiência com leitura de gêneros textuais. – São Paulo: s.n., 2015.

    190 p. ; 30 cm. Referências: 181-190 Orientador: Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira

    Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa, 2015.

    1. Projeto de letramento – 2. Gêneros textuais – 3. Leitura – 4. Práticas sociais I. Siqueira, João Hilton Sayeg de. II. Título. CDD 469

  • Banca Examinadora

    _____________________________________

    _____________________________________

    _____________________________________

    _____________________________________

    _____________________________________

  • A Paulinho, Patrícia e Henry,

    presentes especiais de Deus, sentido maior de minha vida!

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, minha fortaleza, por ter iluminado meu caminho e dado forças para

    superar os desafios.

    Ao Professor Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira, meu orientador nesta

    pesquisa. Meus profundos agradecimentos por me acolher e me dizer palavras

    de incentivo nos momentos mais difíceis.

    À Professora Doutora Dieli Vesaro Palma, minha eterna gratidão pelas

    significativas contribuições no Exame de Qualificação, por partilhar comigo seus

    valiosos conhecimentos e, principalmente, por acreditar em mim.

    Ao Professor Doutor Rodrigo Maia Theodoro dos Santos, pela leitura atenta e

    ricas contribuições no Exame de Qualificação. Sua leitura atenta possibilitou-me

    aprimorar meus estudos sobre o tema da pesquisa.

    Ao Paulinho, meu marido, companheiro de todos os momentos, por acreditar em

    mim e me incentivar sempre. Obrigada por sua dedicação, por sua capacidade de

    compreensão, pela sua presença em minha vida. Esta vitória é nossa!

    À minha filha, Patrícia, por acreditar em mim e entender minhas ausências.

    Ao meu filho, Henry, que suplicou várias vezes por minha presença, mas

    entendeu e se privou de minha companhia durante a realização deste trabalho.

    Aos meus pais, por serem o meu alicerce.

    À minha querida irmã Viviane, que cuidou da minha família com muito carinho

    durante as minhas ausências.

    A Adriana Antunes Bento, pelo incentivo, amizade e companheirismo, por me

    ouvir nas horas mais difíceis e pelas ricas trocas de experiências.

    A Adriana Vieira, pela cumplicidade e por sempre torcer por mim.

    À equipe da Direção do colégio, por permitirem que eu realizasse esta pesquisa.

    A todos os meus amigos, professores do colégio, que colaboraram muito com a

    realização desta pesquisa, compartilhando ideias que sempre enriquecem os

    projetos de letramento.

  • Aos meus alunos, os maiores protagonistas dos projetos de letramento. Sem

    eles, esta pesquisa não teria sido realizada. Obrigada por aceitarem os desafios

    propostos e compartilharem tantas experiências boas comigo.

    Aos amigos da Consulteg, que me incentivaram e torceram para que este

    momento se tornasse possível.

    À PUC, pela bolsa de estudos concedida.

  • RESUMO

    Este estudo está inserido na linha de pesquisa de Leitura, Escrita e Ensino de Língua

    Portuguesa, do Programa de Língua Portuguesa, da Pontifícia Universidade Católica de

    São Paulo, com enfoque na leitura voltada para o desenvolvimento de um projeto de

    letramento, por meio de gêneros textuais. O objetivo geral do trabalho é contribuir para a

    ampliação do conhecimento do aprendente para agir e interagir de modo crítico em

    contextos específicos. Os objetivos específicos são: 1) verificar como a nossa atuação

    como ensinante pode contribuir para a formação leitora e crítica dos alunos por meio de

    propostas de projetos de letramento; 2) propor atividades pedagógicas para que o

    aprendente, em contato com os gêneros textuais, possa lidar com a língua em seus

    diversos contextos visando a agir e interagir com práticas reais de comunicação. Esta

    pesquisa se justifica porque a nossa prática de sala de aula tem nos mostrado que os

    aprendentes do Ensino Médio têm dificuldades de ler, interpretar gêneros textuais e

    participar, de modo competente, em práticas sociais diversas. Tendo por hipótese que as

    práticas de leitura e letramento, por meio de gêneros textuais, podem contribuir para a

    formação crítica do aprendente, tivemos como referência para a abordagem de leitura

    Solé (2007[1998]), Soares (2000), Kleiman (1998, 2000, 2004 e 2013), Zanotto (1984),

    Moita Lopes (1996 e 2002), Bakhtin (2000), Koch (2002), Koch e Elias (2011). Para que

    o aprendente, em contato com gêneros textuais, possa lidar com a língua em seus

    diversos contextos visando a agir e interagir com práticas reais de comunicação, valemo-

    nos dos pressupostos de gêneros textuais de Marcuschi (2007 e 2008), Santos (2006),

    Antunes (2002) e aos trabalhos de Dolz & Scheneuwly (2004 e 2010). No que diz

    respeito às novas tecnologias e os gêneros multissemióticos, consideramos as ideias de

    Santos (2002), Rojo (2012), Coscarelli (1999) e Bezerra (2008). O presente trabalho é

    um estudo de caso, fundado na observação e descrição de um fenômeno em contexto

    específico, conforme Flick (2004), Silva e Menezes (2001), Lüdke & André (2001),

    Chizzotti (2005), Appolinário (2004), Triviños (1987) e André (2005). Os resultados

    obtidos demonstram que o projeto de letramento, tendo por base os gêneros textuais,

    contribui para a formação de leitor competente e crítico, propiciando que o aprendente

    atue nas diversas demandas sociais.

    Palavras-chave: leitura; letramento; gêneros textuais; aprendente; projeto de

    letramento; práticas sociais.

  • ABSTRACT

    This study was part of the reading line of research, writing and Portuguese Language

    Teaching, the Portuguese Language Program at the Pontifícia Universidade Católica de

    São Paulo, with a focus on reading focused on the development of a literacy project

    through genres textual. The overall objective is to contribute to the expansion of the

    learner's knowledge to act and interact critically in specific contexts. The specific

    objectives are: 1) to see how our work as teaching being can contribute to the reader and

    critical training of students through proposals for literacy projects; 2) to propose

    educational activities for the learner, contact the textual genres, can handle the language

    in its various contexts in order to act and interact with real communication practices. This

    research is justified because our practice of classroom has shown us that learners of high

    school have difficulties to read, understand genres and participate competently in various

    social practices. Having the hypothesis that the practices of reading and literacy through

    genres, may contribute to the formation of critical learner we had as a reference for Solé

    reading approach (2007 [1998]), Smith (2000), Kleiman (1998, 2000, 2004 and 2013),

    Zanotto (1984), Moita Lopes (1996 and 2002), Bakhtin (2000), Koch (2002), Koch and

    Elias (2011). For the learner, contact genres, can handle the language in its various

    contexts in order to act and interact with real communication practices, we made use of

    the assumptions of genres of Marcuschi (2007 and 2008), Santos (2006 ), Antunes

    (2002) and the work of Dolz & Scheneuwly (2004 and 2010). With regard to new

    technologies and genres multisemiotic, consider the ideas of Santos (2002), Rojo (2012),

    Coscarelli (1999) and Bezerra (2008). This paper is a case study, based on observation

    and description of a phenomenon in specific context, as Flick (2004), Silva and Menezes

    (2001), Lüdke & Andrew (2001), Chizzotti (2005), Appolinário (2004) , Triviños (1987)

    and Andrew (2005). The results showed that the literacy project, based on the genres,

    contributes to the formation of competent and critical reader, allowing the learner to act in

    different social demands.

    Key-words: reading; literacy; genres; learner; literacy project; social practices.

  • SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13

    CAPÍTULO 1

    PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA ............ 19

    1.1. As concepções de leitura .......................................................................... 20

    1.1.1. A leitura tradicional......................................................................... 20

    1.1.2. A abordagem cognitivista de leitura ............................................... 22

    1.1.2.1. O modelo ascendente (bottom-up) de leitura ............................. 22

    1.1.2.2. O modelo descendente (top-down) de leitura ............................ 23

    1.1.2.3. O modelo interativo de leitura .................................................... 24

    1.1.3. A leitura na abordagem interacional .............................................. 25

    1.1.4. A leitura como prática social ......................................................... 26

    1.1.5. A leitura crítica na sala de aula: desafios e possibilidades ............ 28

    1.1.5.1. Mediação pedagógica ................................................................. 31

    1.1.5.2. Mediação pedagógica por meio de tecnologia ........................... 34

    1.2. As concepções de gêneros e sequências textuais e suas contribuições

    para o ensino e aprendizagem ................................................................... 37

    1.3. O ensino e a aprendizagem por meio de gêneros textuais ........................ 46

    1.4. As novas tecnologias e os gêneros multissemióticos ................................ 52

    1.5. As transformações dos conhecimentos para fins didáticos:

    a transposição didática ............................................................................. 55

    1.6. A abordagem de gêneros nas diretrizes pedagógicas oficiais para

    o Ensino Médio ......................................................................................... 60

    CAPÍTULO 2

    LETRAMENTO: IMPLICAÇÕES NO ENSINO ............................................................... 65

    2.1. Conceituando letramento .......................................................................... 67

    2.2. Letramento crítico ..................................................................................... 76

    2.3. Letramento digital ...................................................................................... 77

    2.4. Letramento multimodal ............................................................................... 83

    2.5. O ensinante como agente de letramento .................................................. 86

  • CAPÍTULO 3

    METODOLOGIA DA PESQUISA: EM BUSCA DE RESPOSTAS ...................................... 89

    3.1. O problema e a hipótese ........................................................................... 89

    3.2. A escolha da metodologia ......................................................................... 91

    3.3. O contexto da pesquisa ............................................................................. 94

    3.3.1. A proposta pedagógica do colégio ................................................. 94

    3.3.1.1. Objetivos pedagógicos gerais .................................................... 95

    3.3.1.2. Os princípios pedagógicos .......................................................... 95

    3.3.1.3. Os objetivos específicos do Ensino Médio ................................. 98

    3.3.1.4. A disciplina de Leitura e Letramento ........................................... 99

    3.4. Os participantes da pesquisa ................................................................... 106

    3.4.1. Os aprendentes ........................................................................... 106

    3.4.2. A ensinante .................................................................................. 106

    3.5. A coleta de dados ................................................................................... 106

    3.6. Os procedimentos de análise .................................................................. 110

    CAPÍTULO 4

    PROJETO DE LETRAMENTO: ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...... 113

    4.1. O projeto de letramento – O jovem no mercado de trabalho .................. 113

    4.1.1. Sondagem inicial ........................................................................ 114

    4.1.2. Conteúdos propostos para o projeto de letramento .................... 119

    4.1.3. Habilidades e competências do aprendente ............................... 119

    4.2. Subtema 1: As características e tipo de formação dos cursos de

    Bacharelado, Licenciatura e Tecnológico ................................................ 126

    4.2.1. Análise e discussão dos dados do Subtema 1 ........................... 127

    4.3. Subtema 2: As homepages de instituições que oferecem

    oportunidade de trabalho para jovens estudantes .................................. 132

    4.3.1. Análise e discussão dos dados do Subtema 2 ........................... 133

    4.4. Subtema 3: O gênero Curriculum Vitae e sua função social ................... 139

    4.4.1. Análise e discussão dos dados do Subtema 3 ........................... 140

    4.5. Subtema 4: O gênero entrevista de emprego e sua função social ........... 147

    4.5.1. Análise e discussão dos dados do Subtema 4 ........................... 147

    4.6. O momento da síntese ............................................................................ 153

    4.7. O processo de avaliação ......................................................................... 154

  • 4.7.1. A avaliação mediadora ............................................................... 154

    4.7.2. A avaliação da disciplina Leitura e Letramento ........................... 156

    4.7.2.1. Avaliação individual ................................................................. 158

    4.7.2.2. Avaliação do projeto de letramento........................................... 162

    4.7.2.3. Avaliação trimestral .................................................................. 169

    4.8. Considerações para projetos de letramento futuros ................................ 175

    CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 177

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 181

  • INTRODUÇÃO

    Escrever é ir descobrindo que tínhamos na cabeça mais coisas do que

    havíamos suposto antes.

    José Saramago

    As práticas sociais de leitura estão presentes no cotidiano de toda a

    sociedade. Ler a bula de um remédio, ler o horóscopo no jornal, tomar um ônibus,

    interpretar sinais luminosos para atravessar a rua de maneira segura, consultar a

    agenda telefônica, enfim essas e outras atividades constituem formas de

    utilização de leitura na sociedade. Ler com eficiência faz parte dos requisitos

    básicos necessários para a nossa compreensão da realidade e atuação nos

    diversos contextos sociais, pois é um instrumento que amplia nossa visão e o

    nosso entendimento sobre o mundo em que vivemos.

    Paulo Freire (1997) defende que a leitura deve ser vista como uma

    conquista do ser humano em seu processo de evolução. Toda sociedade produz

    uma memória cultural, e a leitura é um meio importante para o conhecimento e a

    transformação das ideias produzidas pelo homem. Se a leitura for levada para o

    âmbito crítico e reflexivo, cumpre o papel de combater a alienação, além de

    promover a libertação de um povo.

    Infelizmente, a realidade tem nos mostrado que muitos aprendentes1

    passam pelo ambiente escolar, sem, entretanto, apropriarem-se plenamente da

    1 Nesta pesquisa, optamos pela utilização do termo “aprendente” para nos referirmos a aluno e “ensinante”

    para nos remetermos a professor, ambos os termos são utilizados na obra de Paulo Freire (2003), o autor

    concebe o aprendente como ator do processo educativo, alguém com autonomia, capacidade de refletir,

    dialogar e encontrar soluções para problemas individuais e coletivos em seu processo de aprendizagem. O

    “ensinante”, por sua vez, é um docente com plena consciência de que não é detentor absoluto do

    conhecimento, está aberto a diálogos e novas aprendizagens no seu processo de ensino.

  • INTRODUÇÃO 14

    leitura e da escrita, fato que tem preocupado a sociedade e suscitado atenção

    por parte daqueles que estão diretamente engajados nos debates sobre a

    formação de leitores no Brasil. Diante desse cenário que envolve diretamente o

    ambiente escolar, é necessário considerar: como a escola pode oferecer ao

    aprendente o acesso à leitura?

    A resposta a essa questão não é simples e tem nos conduzido a diversas

    reflexões acerca dos desafios da leitura dentro e fora da sala de aula. Por isso, a

    principal motivação para a realização deste estudo foi em razão da constatação,

    por meio da nossa prática pedagógica, de que os nossos aprendentes do Ensino

    Médio têm dificuldades de ler e interpretar textos diversos de circulação social.

    Considerando que estamos diante de uma realidade em que saber ler e

    escrever não é suficiente, pois precisamos fazer uso do ler e do escrever para

    saber responder às exigências de leitura presente na sociedade, entendemos

    que devemos nos valer do letramento para formar um leitor competente e crítico.

    Segundo Soares (2000, p. 72), “letramento é o que as pessoas fazem com as

    habilidades de leitura e escrita, em um contexto específico, e como essa

    habilidade se relaciona com as necessidades, valores e práticas sociais”. Diante

    dessa concepção de ensino, podemos observar que cabe à escola

    “instrumentalizar” os aprendentes para que eles tenham habilidades para se

    comunicar com competência na sociedade. Para a autora, o letramento

    (...) não pode ser considerado um “instrumento” neutro a ser

    usado nas prática sociais quando exigido, mas é essencialmente

    um conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem a

    leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e

    responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições e

    formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais.

    (SOARES, 2000, p. 75)

    Com base nesse entendimento de letramento, esta pesquisa está inserida

    na linha de pesquisa Leitura, Escrita e Ensino de Língua Portuguesa, do

    Programa de Língua Portuguesa, da Pontifícia Universidade Católica de São

    Paulo, com enfoque na leitura voltada para o exercício de práticas de letramento,

    por meio de gêneros textuais.

  • INTRODUÇÃO 15

    A nossa hipótese é que as práticas de leitura e letramento por meio de

    gêneros textuais podem contribuir para a formação crítica do aprendente. Para

    tanto, definimos as seguintes perguntas de pesquisa:

    Em que medida a utilização de gêneros textuais pode propiciar que

    os aprendentes se tornem competentes e críticos para interagir nas

    diversas demandas sociais?

    Como as práticas de leitura e letramento podem contribuir para a

    formação crítica do aprendente?

    Os objetivos gerais da pesquisa são:

    Propiciar aos ensinantes de Língua Portuguesa conhecimento de

    práticas pedagógicas acerca do ensino de leitura e letramento por

    meio de gêneros textuais.

    Contribuir para a ampliação de conhecimento do aprendente para

    agir e interagir de modo crítico em contextos específicos.

    Para a consecução dos objetivos gerais, definimos os seguintes objetivos

    específicos:

    Verificar como a atuação do ensinante por meio de projeto de leitura

    e letramento pode contribuir para a formação leitora e crítica dos

    aprendentes.

    Propor atividades pedagógicas para que o aprendente, em contato com

    gêneros textuais, possa lidar com a língua em seus diversos contextos

    visando a agir e interagir com práticas reais de comunicação.

    Para a coleta dos dados, partimos da descrição das etapas do

    desenvolvimento de um projeto de letramento realizado com os aprendentes do

    2º ano do Ensino Médio de um colégio da rede particular da cidade de São Paulo,

    no período de fevereiro a abril de 2014, cujo tema é O jovem no mercado de

    trabalho.

  • INTRODUÇÃO 16

    Com relação à abordagem de projetos como práticas de letramento,

    assumimos o conceito de projeto de letramento, conforme postula Kleiman (2000,

    p. 238):

    (...) uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir

    algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita

    (a aprendizagem dos aspectos formais apenas), transformando

    objetivos circulares como “escrever para aprender a escrever” e

    “ler para aprender a ler” em ler e escrever para compreender e

    aprender aquilo que for relevante para o desenvolvimento e

    realização do projeto.

    Nessa perspectiva, os projetos de letramento são compreendidos como

    práticas de ensino de leitura e escrita em contexto significativo, fundamentadas

    na interação do sujeito com o outro, com o conhecimento e com a vida, no

    sentido mais amplo. Por essa razão, privilegiamos esse entendimento nas ações

    desenvolvidas em sala de aula, buscando evidenciar a importância dos projetos

    como práticas de letramento que abordam a leitura como atividade significativa,

    cuja característica principal é a compreensão.

    Durante a realização desta pesquisa, localizamos os trabalhos de Tinoco

    (2008) e Santos (2012) que também realizaram estudos sobre projetos de

    letramento, porém a nossa contribuição para os estudiosos desse tema se dá

    pelo fato de se tratar de um estudo de caso que nos possibilitou a reflexão de

    nossa prática pedagógica acerca de um projeto de letramento concluído.

    Essa pesquisa estrutura-se em quatro capítulos. No Capítulo 1 –

    Perspectivas de ensino de leitura e gêneros textuais na escola – realizamos

    um levantamento das concepções de leitura traçando um percurso da leitura

    tradicional até a leitura crítica, tendo como referência autores como Kato (1986),

    Lajolo (1985), Freire (1997 e 2005[1970]), Solé (2007[1998]), Soares (2000),

    Kleiman (1998, 2000, 2004 e 2013), Zanotto (1984), Moita Lopes (1996 e 2002),

    Bakhtin (2000), Koch (2002), Tinoco (2010), Koch e Elias (2011) que

    compreendem que o ensino de leitura não deve resumir-se a extrair informações

    principais de um texto. Além disso, abordamos as concepções de gêneros e

    sequências textuais e suas contribuições para as práticas de letramento,

  • INTRODUÇÃO 17

    pautando-nos nas concepções de gêneros textuais de Marcuschi (2008), gêneros

    do discurso de Bakhtin (1988, 2000), o gênero como ação retórica proposto por

    Miller (2009) e Bazerman (2006 e 2011) que entendem que cada organização

    social tem seus tipos de textos e, por meio deles, criam novas realidades e novos

    conhecimentos.

    No Capítulo 2 – Letramento: implicações no ensino – abordamos,

    inicialmente, o conceito de letramento, buscando distingui-lo do conceito de

    alfabetização. Para essa distinção, tomamos por base a definição de Kato (1986)

    sobre letramento e as ideias de Tfouni (1995) e Soares (2000), que distinguem

    letramento e alfabetização. Além disso, discorreremos sobre os modelos de

    letramento autônomo e ideológico propostos por Street (1984 e 2003). Ainda

    abordamos o conceito de letramento crítico, valendo-nos dos pressupostos de

    Luke e Freebody (1997) e de Moita e Rojo (2004), bem como do conceito de

    multimodalidade mencionado por Dionísio (2006) e do conceito de letramentos

    múltiplos segundo Rojo (2009).

    No capítulo 3 – Metodologia da pesquisa: em busca de respostas –

    demonstramos a metodologia e os procedimentos adotados na pesquisa; o

    contexto da pesquisa, a coleta de dados e os procedimentos de análise.

    No capítulo 4 – Projeto de letramento: Análise dos dados e discussão

    dos resultados – descrevemos o projeto de letramento, procedemos à analise

    do processo desde o planejamento até a avaliação do projeto.

    Por fim, apresentamos as Considerações finais, em que procuramos

    responder nossas perguntas de pesquisa e, em seguida, as Referências

    bibliográficas.

  • O vento é o mesmo,

    mas sua resposta é diferente em cada folha.

    Cecília Meireles

  • CAPÍTULO 1 PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA

    E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA

    Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.

    (Paulo Freire)

    Neste capítulo, realizamos um levantamento das concepções de leitura

    traçando um percurso da leitura tradicional até a leitura crítica, tendo como

    referência autores como Kato (1986), Lajolo (1985), Freire (1997 e 2005[1970]),

    Solé (2007[1998]), Soares (2000), Kleiman (1998, 2000, 2004 e 2013), Zanotto

    (1984), Moita Lopes (1996 e 2002), Bakhtin (2000), Koch (2002), Cagliari (2002),

    Tinoco (2010), Koch e Elias (2011) que compreendem que o ensino de leitura

    não deve resumir-se a extrair informações principais de um texto.

    Na sequência, abordamos as concepções de gêneros e sequências

    textuais e suas contribuições para as práticas de letramento, pautando-nos nas

    concepções de gêneros textuais de Marcuschi (2008), gêneros do discurso de

    Bakhtin (1988, 2000), o gênero como ação retórica proposto por Miller (2009) e

    Bazerman (2006 e 2011) que entendem que cada organização social tem seus

    tipos de textos e, por meio deles, criam novas realidades e novos conhecimentos.

    Em relação às práticas de letramento por meio de gêneros, recorremos

    aos pressupostos de Marcuschi (2007 e 2008), Santos (2006), Antunes (2002) e

    aos trabalhos de Dolz & Scheneuwly (2004 e 2010). No que diz respeito às novas

    tecnologias e os gêneros multissemióticos, consideramos as ideias de Santos

    (2002), Rojo (2012), Coscarelli (1999) e Bezerra (2008).

    Tendo em vista que o foco de nosso trabalho será analisar em que medida

    a utilização dos gêneros textuais pode propiciar que os aprendentes se tornem

    leitores críticos, consideramos necessária a compreensão da transposição

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 20

    didática para ilustrar as transformações dos conhecimentos a serem ensinados.

    Para isso, valemo-nos dos pressupostos de Chevallard (1991).

    Por fim, verificamos a relação entre as práticas de leitura e letramento

    baseadas em gêneros textuais, desenvolvidas por nós com aprendentes do

    Ensino Médio e os pressupostos apresentados nos Parâmetros Curriculares de

    Língua Portuguesa que nos darão subsídios para a reflexão sobre os

    conhecimentos a serem ensinados, objeto da transposição didática. Para tanto,

    consideramos os seguintes documentos oficiais publicados pelo Ministério da

    Educação (MEC): Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 5ª a 8ª séries

    (1998), os de Ensino Médio (1999), acrescidos dos PCN+ (2002) e das

    Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006).

    1.1. As concepções de leitura

    1.1.1. A leitura tradicional

    Existem várias concepções sobre a leitura. Ler parece ser algo muito simples,

    entretanto se trata de uma atividade complexa, pois envolve codificação visual,

    ortográfica, fonológica, semântica, sintática e pragmática. O primeiro nível a ser

    desenvolvido no processo da leitura é a decodificação – o que dá acesso ao código,

    considerado imprescindível para um bom desempenho em leitura. Todavia, é

    necessário lembrar que decodificar não significa compreender um texto.

    Kleiman (2000) aponta-nos algumas das concepções de práticas de leitura

    que ainda são perpetuadas na escola e precisam ser revistas. A primeira é a

    leitura como decodificação, atividade composta de automatismos que em nada

    modificam a visão de mundo do aprendente. Essa atividade, muitas vezes, exige

    apenas que ele responda a perguntas sobre informações já expressas no texto. A

    segunda forma é a leitura como avaliação, essa prática permite que o ensinante

    avalie se o aprendente está entendendo ou não o texto.

    As práticas de leitura tradicionais normalmente desenvolvidas em sala de

    aula consistem em aplicação de exercícios e atividades que envolvem a

    decodificação de signos linguísticos. Nesse processo, é comum o ensinante

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 21

    restringir a leitura ao ato de ler o texto, e o papel do aprendente é responder

    algumas perguntas sobre ele. Kleiman (2004) concorda que essas atividades de

    leitura, apenas com a finalidade de decodificar informação, são desmotivadoras,

    na medida em que não são desafiadoras, pois ele localiza as respostas com

    muita facilidade no texto.

    Na leitura como decodificação, portanto, cabe ao leitor apenas extrair o

    conteúdo do texto, de modo geral, inconsciente e linear, assumindo um papel

    passivo em relação ao que lê. Conforme Silva, a leitura, nessa perspectiva, limita

    o papel do leitor a passivamente receber as informações do texto:

    A leitura não pode ser confundida com decodificação de sinais,

    com reprodução mecânica de informações ou com respostas

    convergentes a estímulos escritos pré-elaborados. Esta confusão

    nada mais faz do que decretar a morte do leitor, transformando-o

    num consumidor passivo de mensagens não-significativas e

    irrelevantes. (SILVA, 1987, p. 96)

    Podemos relacionar essas práticas tradicionais de leitura ao que Freire

    (2005[1970], p. 66) entende por educação bancária. Nessa concepção, o

    ensinante é considerado o detentor do saber que irá depositar todo o conteúdo

    no aprendente que, por sua vez, é considerado uma caixa vazia e receberá o

    conhecimento passivamente, sem questionamentos. Nesse sentido, é necessária

    uma mudança de paradigma do processo de ensino e aprendizagem em que o

    ensinante precisa considerar o aprendente um ser social, com condições de

    construir conhecimento na interação.

    A leitura na perspectiva tradicional restringe-se a captar informações

    explícitas da superfície do texto, tornando o aprendente passivo e não crítico.

    Além disso, os conteúdos são desconectados de sua realidade, não havendo

    diálogo entre eles. Esse tipo de prática de leitura legitimada pela escola necessita

    ser modificada, uma vez que acaba formando leitores capazes de decodificar

    qualquer texto, porém com enormes dificuldades para compreenderem o que

    leem. Talvez esse seja o maior desafio enfrentado pela escola. Segundo Solé

    (2007[1998]), a construção de significados na leitura nos aponta a intervenção de

    um leitor ativo, que realiza um esforço cognitivo durante o processo de leitura.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 22

    Nessa perspectiva, é imprescindível criar condições para que o aprendente

    possa estabelecer relação entre o que ele está lendo e seus conhecimentos

    prévios, somente assim será possível inferir, relacionar, associar e construir

    sentido para a leitura. Por isso, é necessária uma mudança, de modo a

    considerar que o aprendente tenha uma atitude ativa e participativa na leitura,

    contrária aos modelos tradicionais de leitura.

    A leitura não se resume a simples atividade de extrair informações

    objetivas de um texto, é um processo de construção de sentidos baseado em

    atividades inferenciais. Formar um leitor competente supõe formar alguém que

    compreende o que lê, identifica elementos implícitos, estabelece relações entre o

    texto que lê e outros textos já lidos; sabe que vários sentidos podem ser

    atribuídos a um texto, consegue justificar e validar a sua leitura por meio da

    localização de elementos discursivos. Essas competências podem ser adquiridas

    na escola através de uma prática constante de leitura de textos diversos que

    circulam socialmente.

    1.1.2. A abordagem cognitivista de leitura

    Esta abordagem de leitura surgiu em contraposição à tradicional que

    considerava a leitura como mera decifração do código. O paradigma cognitivista

    de leitura tem como concepção a interação do leitor com o texto, podendo existir

    múltiplas leituras, dado que a leitura não pode ser separada do pensamento.

    Nesse processo de leitura, o leitor utiliza o cérebro para realizar inferências,

    solucionar problemas, classificar, categorizar, formar conceitos e outros. Os

    modelos cognitivistas de leitura contemplam três tipos de processamento de

    informação: o bottom-up, também chamado ascendente, o modelo top-down,

    chamado de descendente e o modelo interativo. Esses modelos teóricos

    apresentam visões distintas.

    1.1.2.1. O modelo ascendente (bottom-up) de leitura

    No modelo ascendente (bottom-up), ler significa retirar a maior quantidade

    possível de informações textuais. Nesse caso, o fluxo de informações se realiza

    de maneira ascendente, do texto para o leitor. Este apenas recebe ou identifica o

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 23

    que o texto diz, e os dados linguísticos (vocabulário e estruturas gramaticais) têm

    grande importância no processo. Nesse modelo é baseado em uma concepção

    estruturalista, pois se entende que a leitura é um processo instantâneo de

    decodificação de letras em sons e associação deles com o significado.

    Nesse primeiro, se considera que o leitor, perante o texto, processa a

    leitura começando pelas letras, continuando com as palavras em um processo

    ascendente, sequencial e hierárquicos que leva à compreensão do texto. As

    propostas de ensino baseadas nesse modelo atribuem grande importância às

    habilidades de decodificação, uma vez que consideram que o leitor pode

    compreender o texto porque pode decodificá-lo totalmente. É um modelo

    centrado no texto que não permite explicar fenômenos tão correntes como o fato

    de que continuamente inferimos e mesmo o de que podemos compreender um

    texto sem necessidade de entender em sua totalidade cada um dos seus

    elementos (Solé, 1998, p. 24).

    1.1.2.2. O modelo descendente (top-down) de leitura

    Diferentemente do modelo ascendente, o modelo descendente top-down

    coloca ênfase no conhecimento prévio do leitor, dado que enfatiza seu esforço

    cognitivo na busca de informações extratextuais. Nesse modelo, o leitor é quem

    atribui significado ao texto, na medida em que lê, há uma associação com o que

    existe na memória do leitor. No modelo descendente, o leitor não lê letra por

    letra, mas usa seu conhecimento prévio e seus recursos cognitivos para

    estabelecer antecipações sobre o conteúdo do texto, fixando-se nele para

    verificá-las.

    Nesse modelo, o leitor utiliza mecanismos que operam no processamento

    do texto, ou seja, trata-se de um jogo de adivinhação, em que o leitor escolhe

    pistas presentes no texto e, a partir delas, cria expectativas e formula hipóteses.

    Esses mecanismos tornam a leitura mais eficiente, mas pode levar à construção

    de inferências não autorizadas.

    No modelo descendente, a leitura é uma atividade de compreensão em

    que o leitor busca a compreensão do texto em seu repertório de conhecimentos

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 24

    acumulados ao longo de sua experiência de vida. O foco desse processo é o

    leitor, e não o texto, tendo em vista que esse leitor é um sujeito ativo, que age

    sobre as informações do texto. Desse modo, na busca da construção do sentido

    do texto, o leitor:

    ativa conhecimentos de mundo;

    antecipa ou prediz conteúdos do texto (como num “jogo de

    adivinhação”);

    checa hipóteses (confirma ou não);

    compara informações;

    tira conclusões e

    produz inferências (usa pistas que o próprio texto fornece).

    1.1.2.3. O modelo interativo de leitura

    Embora o modelo descendente represente uma evolução em relação à

    abordagem ascendente por descrever a leitura como processo e não como

    produto, esse modelo, segundo Leffa (1999), conseguiu apenas vislumbrar uma

    parte do processo, uma vez que ignora os aspectos sociais da leitura. O impacto

    do modelo descendente levou a uma tendência em se considerar tal

    processamento como substituto do modelo ascendente quando, na realidade, os

    dois tipos de fluxo de informação devem ser vistos como complementares, já que

    operam de modo interativo na leitura.

    Já o modelo interativo de leitura parte do pressuposto de que a leitura não

    é uma simples atividade de decodificação de itens linguísticos, mas se trata de

    um processo dinâmico de construção de sentidos, fundamentado na integração

    do conhecimento prévio que o leitor traz consigo com as formas linguísticas

    presentes no texto. Solé tem uma perspectiva interativa da leitura do texto

    escrito, para a autora, atividade da leitura envolve o texto, a forma, o conteúdo, o

    leitor, suas expectativas e os conhecimentos prévios. Nessa prática, o leitor

    simultaneamente decodifica o texto, realiza seus objetivos, aciona seus

    conhecimentos prévios sobre o assunto e realiza inferências. Segundo

    a autora,

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 25

    Para ler necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza

    as habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos

    objetivos, ideias e experiências prévias; precisamos nos envolver

    em um processo de previsão e inferência contínua, que se apoia

    na informação proporcionada pelo texto e na nossa própria

    bagagem, e em um processo que permita encontrar evidência ou

    rejeitar as previsões e inferências antes mencionadas. (SOLÉ,

    2007[1998], p. 23)

    Na leitura interativa, o leitor é um agente ativo no processo da leitura, pois

    ativa seus esquemas mentais e elabora hipóteses sobre o conteúdo do texto, ou

    seja, faz previsões acerca das informações que poderá encontrar. Durante o

    processo de leitura do texto, o leitor vai confirmando ou rejeitando suas hipóteses

    iniciais, bem como elaborando outras ao fazer isso, pois contribuiu com

    informações que já faziam parte de seus esquemas sobre o assunto e de suas

    experiências. Esses conhecimentos resultam da interação social e, por meio

    deles vamos construindo representações da realidade.

    Diante do exposto, o modelo interativo valoriza o leitor como ser pensante,

    o que significa um progresso no âmbito da leitura, uma vez que enfatiza o

    componente cognitivo via ativação de conhecimento prévio, inferências e outros

    aspectos. Sendo assim, podemos concluir que a leitura cognitiva é uma tarefa

    linguística que prioriza a ação mental na medida em que o leitor lê, interpreta e

    atribui significado para a leitura.

    1.1.3. A leitura na abordagem interacional

    Nessa abordagem de leitura, para haver compreensão do texto, considera-

    se não apenas o conhecimento prévio, mas o aspecto social da leitura, como

    interação leitor e autor através do texto. O leitor precisa utilizar processos de

    negociação de sentidos para encontrar coerência no texto.

    Segundo Kleiman (1998), o ato de ler não é apenas cognitivo, é também

    um ato social. A autora acrescenta que a interação ultrapassa a relação entre

    leitor e texto, uma vez que, nessa relação estão presentes “dois sujeitos”, com

    conhecimentos diferentes e que interagem entre si mediado por um texto, ambos

    possuem necessidades socialmente determinadas.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 26

    Segundo Moita Lopes (1996, p. 141),

    O leitor é visto, então como sendo parte de um processo de

    negociação de significado com o escritor, por assim dizer, do

    mesmo modo que dois interlocutores estão interagindo entre si na

    busca do significado, ao tentar ajustar seus esquemas

    respectivos. Essa interação é caracterizada por procedimentos

    interpretativos que são parte da capacidade do leitor de se

    engajar no discurso ao operar no nível pragmático da linguagem.

    Nesse sentido, Koch e Elias (2011) também entendem que a leitura é uma

    atividade interacional (dialógica), pois destacam os autores e leitores como

    sujeitos sociais em uma interação dialógica na atividade da leitura e

    compreensão, não limitando a leitura a aspectos cognitivos, mas ampliando-a a

    uma atividade sociocognitiva interacional.

    Para Kleiman (2002), a leitura é entendida como uma interação a distância

    entre leitor e autor, via texto, uma vez que o autor não está presente. Nesse

    contexto, a missão do leitor é construir um significado e buscar um sentido

    compreensível por meio de pistas formais, formulando e reformulando hipóteses,

    aceitando ou rejeitando conclusões. O autor, por sua vez, tenta buscar

    constantemente a adesão do leitor, procurando os melhores argumentos e

    evidências para isso. A autora destaca que “mediante a leitura, estabelece-se

    uma relação entre leitor e autor que tem sido definida como de responsabilidade

    mútua, pois ambos têm a zelar para que os pontos de contato sejam mantidos,

    apesar das divergências possíveis em opiniões e objetivos” (p. 65).

    Na abordagem interacional, a atividade da leitura instiga a criticidade dos

    leitores, tendo em vista suas crenças sociais, em uma tentativa de transformar as

    relações e situações já existentes. O leitor é encorajado a posicionar-se como ser

    pensante, participativo e atuante, com capacidade de se promover como

    indivíduo independente e intelectual.

    1.1.4. A leitura como prática social

    Até a década de 1980, a leitura era considerada, normalmente, como um

    processo exclusivamente cognitivo. A partir da década de 1990, passou a ser

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 27

    entendida como prática social, com o foco na relação entre as pessoas

    envolvidas no evento social de leitura.

    Segundo Soares (2000), estamos diante de uma nova realidade social em

    que não basta apenas saber ler e escrever, é necessário também fazer uso do ler

    e do escrever, para saber responder às exigências de leitura e de escrita

    continuamente presentes na sociedade. Quando a autora afirma que um

    indivíduo, além de alfabetizado, precisa ser letrado1, ela está se referindo à

    maneira como ele interage com a complexidade linguística e cultural do mundo a

    sua volta, passando de um mero decodificador da língua escrita a um usuário

    ativo.

    Nesse processo, os significados não são pré-estabelecidos e eles ocorrem

    no momento em que há a troca, quando todos ouvem, discutem, negociam e

    chegam a um acordo consensual sobre a leitura. Há a valorização da interação

    entre todos os agentes do processo, no âmbito escolar pode ser entre

    aprendente, texto e ensinante.

    Para Kleiman (2013), a leitura é uma prática tanto individual quanto

    coletiva, pois se caracteriza como uma experiência sociocultural pela produção

    de sentidos de objetos sociais e culturais materializados em textos. Sendo assim,

    a autora entende leitura como prática social e cultural e quando o indivíduo

    realiza o ato da leitura, ele ativa todo o seu sistema de valores e crenças que

    refletem o grupo sociocultural ao qual pertence.

    Dessa forma, ao lermos qualquer texto, colocamos em ação todo o nosso

    sistema de valores, crenças e atitudes que reflete o grupo social em que se deu

    nossa sociabilização primária, isto é, o grupo social em que nascemos e fomos

    educados. Por isso, podemos afirmar que a leitura, enquanto prática social, é

    algo bastante complexo, pois ela está intimamente ligada às nossas raízes

    socioculturais, aos nossos valores e crenças e à formação da nossa cidadania.

    1 Termo advindo do letramento. Torna-se letrado o indivíduo ou grupo que desenvolve as habilidades não

    somente de ler e de escrever, mas de utilizar leitura e escrita na sociedade, ou seja, somente alfabetizar não

    garante a formação de sujeitos letrados. Para a promoção do letramento, é necessário que esses sujeitos

    tenham oportunidades de vivenciar situações que envolvam a escrita e a leitura e que possam se inserir em

    um mundo letrado. A abordagem sobre letramento será aprofundada no Capítulo 2 desta pesquisa.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 28

    Tinoco (2010, p. 205) entende que o ensino da leitura deve ser dinâmico,

    com participação ativa entre os interlocutores, e o ensinante deve criar

    possibilidades para que o aprendente compreenda a leitura como uma atividade

    importante no contexto escolar e se identifique como “agente capaz de responder

    favoravelmente aos desafios impostos pela vida e possivelmente administráveis

    pela escrita”.

    No trabalho com leitura que realizamos no Ensino Médio, é importante

    considerar o aprendente como um indivíduo sócio-historicamente situado em um

    contexto, um sujeito que traz para a escola experiências e conhecimentos prévios

    e que exerce um papel ativo no processo de leitura, não se limitando a ser um

    mero decodificador, que nada tem para contribuir no ato de ler.

    Entendemos que a leitura trabalhada em sala de aula deve ir além da

    decodificação, que deva ser concebida como prática social que visa à

    transformação do aprendente na sua formação e visão de mundo, tornando-o um

    leitor maduro, que, nas palavras de Lajolo (1985, p. 53), “é aquele para quem

    cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando

    mais profunda sua compreensão dos livros, das gentes e da vida”.

    Conceber a leitura como prática social pressupõe pensar nas múltiplas

    relações que o sujeito-leitor exerce na interação com o universo sociocultural a

    sua volta; é pensar em um leitor apto a usar a leitura como fonte de informação e

    disseminação de cultura. Nesse sentido, o papel do ensinante em práticas de

    leitura em sala de aula deve ser de um mediador entre o texto e o aprendente. É

    importante que a prática de leitura seja vista como um acontecimento em que

    ocorre um relacionamento entre o leitor e o texto. Esse acontecimento deve

    ocorrer em circunstâncias específicas, num contexto social e cultural também

    específico como sendo uma parte da vida do indivíduo e do grupo a que o leitor

    pertence.

    1.1.5. A leitura crítica na sala de aula: desafios e possibilidades

    Ao tratarmos dos desafios e possibilidades de leitura na sala de aula,

    fazemos a seguinte indagação: ler para quê? Existem muitos motivos que nos

    levam a fazer uma leitura: isso pode ocorrer em decorrência de nosso próprio

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 29

    interesse ou do outro que nos conduz à realização desse ato. O fato é que somos

    estimulados de alguma forma e utilizamos a leitura para várias finalidades: como

    fonte de informação de caráter geral ou específico; como acesso à sociedade

    tecnologizada; para seguir instruções (saber como fazer); para aprender; por

    prazer e outros.

    Entretanto, o grande desafio do ensinante atualmente é que grande parte dos

    aprendentes não gosta de ler. Na escola, muitas vezes, a leitura torna-se uma

    atividade mecânica, não praticada e ampliada em casa. O ato de ler transforma-se em

    mais um instrumento de avaliação nas mãos dos ensinantes, pois o resultado da

    leitura é cobrado através de fichas de leitura, questionários e testes que vão, aos

    poucos, mostrando aos aprendentes para que serve a leitura escolar: ler (decodificar)

    para atribuir e receber nota. Normalmente, assim que terminam as avaliações, é

    comum ouvirmos o aprendente dizer que esqueceu tudo o que leu, ou seja, ele

    realizou uma ação mecânica de decodificação do texto.

    Em oposição a essa prática de leitura tão frequente nas salas de aula, a

    leitura precisa ser vista como uma prática social intrínseca ao cotidiano do

    aprendente. Ela dever ser um exercício que se inicia formalmente na escola, mas

    que não deve se manter apenas nesse ambiente, pois a leitura é um meio de

    entrada do aprendente na sociedade letrada, dando-lhe o caráter de cidadão e a

    possibilidade de mudar suas perspectivas de futuro, bem como de interferir na

    sociedade em que vive.

    Zanotto (1984) entende que a leitura crítica é aquela que pressupõe um

    confronto do texto lido com dados do conhecimento prévio do leitor, ambos

    servindo como referenciais para a atividade crítica. Nesse processo, há um leitor

    maduro que tem condições de compreender as ideias expressas no texto, como

    também posicionar-se diante delas.

    Moita Lopes (2002) considera que, por meio da leitura, o leitor consegue

    agir no mundo, discutindo e analisando fatos que ocorrem em seu cotidiano. O

    autor concebe o discurso como forma de ação no mundo e entende que a

    interação é a unidade básica de análise, tendo em vista que é por meio da

    linguagem que os sujeitos constroem seus significados e suas identidades.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 30

    A escola deve valer-se da leitura para que o aprendente leia um texto e

    compreenda o que está escrito, pois não basta somente decifrar os sons da

    escrita ou os significados individuais das palavras, mas é essencial compreender

    o seu significado e o seu contexto. Tal entendimento remete-nos ao que Paulo

    Freire (1997, p. 8) preconizou quando mencionou que a “leitura da palavra é

    sempre precedida da leitura do mundo”. É justamente essa a realidade que deve

    ser considerada na sala de aula, pois não podemos nos esquecer de que

    fazemos leitura de tudo o que está ao nosso redor; estamos lendo o tempo todo,

    e isso tem de ser perceptível para o aprendente.

    Para que a leitura na sala de aula e na escola ocorra de maneira

    prazerosa, é necessário levar em consideração a realidade dos aprendentes com

    os quais estamos trabalhando, considerando-se a leitura de mundo que ele já

    possui e pode ser desenvolvida ainda mais pelo ensinante. Por não se considerar

    essa realidade do aprendente no momento do planejamento, muitas vezes ele

    não se interessa pelas atividades propostas pelo ensinante, pois a leitura

    proposta em sala de aula não faz parte de seu cotidiano.

    A prática de interpretação de texto vai muito além do mero exercício de

    responder questões, como os aprendentes estão acostumados, interpretar é

    colocar em prática os conhecimentos prévios que o leitor possui e que estão

    diretamente ligados ao que é lido, ou seja, para uma leitura produtiva é

    necessário conseguir compreender e dominar o uso de diversos aspectos

    linguísticos e extralinguísticos presentes na estrutura e nos sentidos do texto. A

    respeito dessa questão, Leffa (1999, p. 24-27) ressalta que a leitura com

    atribuição de sentido envolve alguns pressupostos, sendo eles:

    ler consiste em usar estratégias: cada tipo de leitura exige, por parte do

    leitor, uma prática diferente;

    ler depende mais de informações não-visuais do que visuais: a

    memória do leitor comanda sua leitura;

    o conhecimento prévio está organizado em esquemas: esses

    possibilitam que o cérebro organize as experiências vividas e as acione

    sempre que necessário;

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 31

    ler é prever: a leitura só é possível porque o leitor usa seu

    conhecimento prévio para direcionar a trajetória da leitura;

    ler é conhecer as convenções da escrita: o leitor precisa conhecer e

    dominar as convenções da escrita (símbolos, códigos, sistemas,

    relações) para compreender de maneira eficiente o texto lido.

    Como podemos observar, na atividade de leitura, o papel do leitor como

    construtor de sentido, o qual deve mobilizar diversas estratégias de leitura, como

    a antecipação, as inferências, o papel dos contextualizadores como âncoras

    textuais, seu conhecimento linguístico, enciclopédico e interacional, dentre outras

    que se fizerem oportunas.

    O papel do ensinante neste contexto não é somente “transmitir os

    conteúdos curriculares”, ele deve ser portador de intencionalidade, estimular os

    processos cognitivos nos aprendentes por meio de atividades sedutoras,

    permitindo que eles sejam responsáveis por novos conhecimentos. Todas essas

    atitudes somente serão possíveis se o ensinante assumir uma postura de

    mediador. Na sequência, abordamos com mais profundidade a mediação

    pedagógica.

    1.1.5.1. Mediação pedagógica

    A mediação sempre esteve presente na vida do homem, desde o momento

    em que ele começou a estabelecer relações com os seus semelhantes, pois é o

    processo que caracteriza a relação do homem com o mundo e com outros

    homens. Na área da educação, utilizamos o conceito de mediação, caracterizada

    por uma nova relação entre ensinante-aprendente e pela formação de cidadãos

    participativos e preocupados com a transformação e o aperfeiçoamento da

    sociedade, e refere-se, em geral, ao relacionamento ensinante-aprendente na

    busca da aprendizagem como processo de construção de conhecimento.

    Para Nogueira (1993, p. 17), no contexto do trabalho pedagógico realizado

    pela escola, são inúmeras as formas de mediação que se estabelecem entre o

    aprendente e o conhecimento. Entre elas destacamos a mediação do “outro” (o

    ensinante), que ensina, permitindo a construção partilhada de conhecimento.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 32

    Com relação ao envolvimento com o “outro” nas relações sociais, a

    posição de Vygotsky (1989, p. 56) é bastante enfática. Em seus pressupostos,

    surgem repetidas vezes o papel do outro na construção cultural do homem: “(...)

    nós nos tornamos nós mesmos através dos outros”. O autor reforça a importância

    do papel mediador do ensinante ao conduzir o processo educativo, sendo alguém

    que cria condições para que o aprendente desenvolva as potencialidades que

    estão latentes e não seja reduzido à condição de dirigido apenas, mas assuma o

    papel de sujeito no processo pedagógico.

    Nessa perspectiva, evidencia-se que o papel mediador do ensinante é

    lançar desafios que poderão provocar avanços, atuar como elemento de

    intervenção e ajuda, além de buscar alternativas para transformar a sua instrução

    em processos efetivos de interação, colaborando para o desenvolvimento das

    competências do aprendente.

    Gutierrez e Prieto (1994) esclarecem que a mediação pedagógica é vista

    como um aspecto fundamental para dar sentido à educação, que se pauta nas

    constantes recriações de estratégias durante a aula, servindo para que o

    aprendente possa atribuir sentido àquilo que está aprendendo. Para realizar a

    mediação, o ensinante precisa ter clareza da sua intencionalidade e, ao mesmo

    tempo, conhecer o processo de aprendizagem do aprendente.

    Nessa concepção, o ensinante assume o papel de facilitador ou motivador

    da aprendizagem e colabora para que o aprendente construa conhecimento, ou

    seja, ensinar passa a ser mais do que mera transmissão de conteúdos, uma vez

    que implica desenvolver, nele, o pensar, acessar informações e apropriar-se de

    conceitos elaborados, de modo que possa desenvolver essa prática em seu

    cotidiano dentro e fora da escola. Para Masetto (2006, p. 145-146), podem ser

    consideradas como características da mediação pedagógica:

    (...) dialogar permanentemente de acordo com o que acontece no

    momento, trocar experiências, debater dúvidas, questões ou

    problemas, apresentar perguntas orientadoras, orientar nas

    carências e dificuldades técnicas ou de conhecimento quando o

    aprendiz não consegue encaminhá-las sozinho, garantir a

    dinâmica do processo de aprendizagem, propor situações-

    problema e desafios, desencadear e incentivar reflexões, criar

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 33

    intercâmbio entre a aprendizagem e a sociedade real onde nos

    encontramos, nos mais diferentes aspectos, colaborar para

    estabelecer conexões entre o conhecimento adquirido e novos

    conceitos, colocar o aprendiz frente a frente com questões éticas,

    sociais, profissionais por vezes conflitivas, colaborar para

    desenvolver críticas com relação à quantidade e à validade das

    informações obtidas, cooperar para que o aprendiz não seja

    comandado por elas ou por que as tenha programado, colaborar

    para que se aprenda a comunicar conhecimentos seja por meios

    convencionais, seja por meio de novas tecnologias.

    Ainda para o autor, a mediação pode ser considerada um aspecto

    fundamental para dar sentido à educação, constituindo-se em recriação de

    estratégias para que o aprendente possa atribuir sentido àquilo que está

    aprendendo. Sendo assim, seu conhecimento não se restringe aos aspectos

    cognitivos, é necessário considerar também os aspectos afetivos, contextuais,

    sociais e culturais no processo de aprendizagem. Nesse sentido

    A mediação pedagógica coloca em evidência o papel do sujeito

    aprendiz e o fortalece como ator de atividades que lhe permitirão

    aprender e conseguir atingir seus objetivos; e dá um novo

    colorido ao papel do professor e aos novos materiais e elementos

    com que ele deverá trabalhar para crescer e se desenvolver.

    (MASETTO, 2006, p. 146)

    Por meio da mediação ocorre a materialização da parceria entre ensinante

    e aprendentes, considerando-se a especificidade do papel que cada um deles

    possui no processo de aprendizagem. Em outras palavras, na mediação

    pedagógica o ensinante pode dar voz aos aprendentes, permitindo-lhes expor

    seus pensamentos, inclusive havendo momentos em que ele se adianta ao

    ensinante mediador para atingir o objetivo principal: a aprendizagem.

    É nessa visão de interlocução que conseguimos vislumbrar o fazer

    pedagógico do ensinante de Língua Portuguesa, não só com a linguagem, mas

    com todo o universo social, cultural e discursivo do aprendente, especialmente na

    sua ação de leitura e produção de textos. Diante disso, alguns aspectos merecem

    ser destacados, uma vez que dão direcionamento à prática pedagógica do

    ensinante, tal como a concepção de sujeito, isto é, o aprendente é um indivíduo

    ativo, participativo e dialógico em seu processo de aprendizagem.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 34

    1.1.5.2. Mediação pedagógica por meio de tecnologia

    Podemos dizer que os aprendentes nunca tiveram tantas possibilidades de se

    comunicar em tempo real com seus ensinantes e com outros colegas de sala de aula.

    Atualmente, graças à revolução dos meios de comunicação, grande parcela de

    aprendentes consegue acessar dados e informações de um modo muito mais

    interessante, com recursos de animação, cores e sons. O desafio a ser assumido por

    ensinantes está em perceber as potencialidades de uso que as novas ferramentas de

    comunicação oferecem para ampliar oportunidades de aprendizagem.

    Em nossa trajetória como docente, percebemos que o surgimento das

    Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC possibilitaram novas formas de

    transmissão dos conteúdos pedagógicos, ampliando o acesso à informação e

    reconfigurando o espaço escolar. O termo “tecnologia da informação e

    comunicação” não é necessariamente sinônimo de computador, no entanto ele

    pode ser considerado como o principal representante dessa tecnologia, talvez

    devido a sua pluralidade de utilização na solução de diversos tipos de problemas

    relacionados à produção e disseminação de informação pertinente às várias

    áreas do conhecimento (COSCARELLI, 2003, p. 51).

    Não há dúvidas de que a utilização das TIC tem alterado o cenário da

    educação, apesar de não terem surgido com preocupações educativas, com

    grande frequência elas se apresentam como uma alternativa adequada e

    desejável para atender às novas demandas educacionais provenientes das

    mudanças advindas da economia mundial, em que cada vez mais profissionais e

    pesquisadores repensam a educação, promovendo mudanças em seus objetivos,

    metodologias e processos avaliativos.

    As TIC presentes nas salas de aula facilitam a prática de ensino e

    aprendizagem, possibilitando a ensinantes e aprendentes a participação em

    atividades online que poderão trazer ótimos resultados. No entanto, para que o

    recurso tecnológico realmente faça a diferença na escola, é necessário que as

    instituições de ensino estejam estruturadas e equipadas, com profissionais

    igualmente preparados para transformar a instituição num espaço inovador de

    aprendizagem e de construção do conhecimento.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 35

    Entendemos que o ensinante disposto a ser mediador e se valer das TIC

    para transmitir seus conteúdos está disponível a sair da “zona de conforto” e

    romper com metodologias seguras e previsíveis de aprendizado e estar apto a se

    construir e reconstruir constantemente em seu fazer pedagógico. A internet, por

    exemplo, pode abrir outras possibilidades ao ensinante proporcionando-lhe

    estratégias diferenciadas de ensino. Segundo Moran (1995), a internet está se

    tornando uma mídia poderosa para o ensino, devido às suas características. O

    autor afirma que

    As tecnologias permitem um novo encantamento na escola, ao

    abrir suas paredes e possibilitar que alunos conversem e

    pesquisem com outros alunos da mesma cidade, país ou do

    exterior, no seu próprio ritmo. O mesmo acontece com os

    professores. Os trabalhos de pesquisa podem ser compartilhados

    por outros alunos e divulgados instantaneamente na rede para

    quem quiser. Alunos e professores encontram inúmeras

    bibliotecas eletrônicas, revistas online, com muitos textos,

    imagens e sons, que facilitam a tarefa de preparar as aulas, fazer

    trabalhos de pesquisa e ter materiais atraentes para

    apresentação. O professor pode estar mais próximo do aluno.

    Pode receber mensagens com dúvidas, pode passar informações

    complementares para determinados alunos. Pode adaptar a sua

    aula para o ritmo de cada aluno. Pode procurar ajuda em outros

    colegas sobre problemas que surgem, novos programas para a

    sua área de conhecimento. O processo de ensino-aprendizagem

    pode ganhar assim um dinamismo, inovação e poder de

    comunicação inusitados. (MORAN, 1995, p. 25)

    Nessa perspectiva, entendemos que a Internet e as novas tecnologias

    propiciam desafios na prática pedagógica das escolas, na medida em que o

    ensinante utiliza tecnologias para dar subsídios para os aprendentes ampliarem

    suas descobertas, ajudando-os em suas dúvidas.

    Em consonância com as ideias de Masetto vale ressaltar que, para haver

    mediação, o ensinante precisa assumir algumas posturas em relação ao uso das

    TIC. Para o autor, é necessário

    (...) o professor orientar os alunos a respeito de como direcionar o

    uso desse recurso para as atividades de pesquisa, de busca de

    informações, de construção do conhecimento e de elaboração de

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 36

    trabalhos. Essa orientação é fundamental para que tão rico

    instrumento de aprendizagem não se transforme em uma forma

    mais caprichada de colagem de textos – como antes era feito

    com textos de revistas ou de livros. (MASETTO, 2006, p. 161)

    Um dos primeiros passos do ensinante que assume o papel de mediar a

    aprendizagem por meio das TIC é mostrar ao aprendente como pesquisar na

    internet, mostrando-lhe sites que sejam relevantes, com informações confiáveis

    sobre o assunto a ser pesquisado e incentivá-lo a continuar as pesquisas. O

    ensinante deve ter consciência de que não é detentor de todo o conhecimento

    sobre o assunto e deve estar aberto a aprender as novas informações

    pesquisadas pelo aprendente, discuti-las e o mais importante de tudo é

    desenvolver nele a criticidade diante de suas pesquisas.

    Segundo Masetto (2006, p. 168-170), o ensinante que se propõe ser um

    mediador deve possuir algumas características, como: estar voltado para a

    aprendizagem do aprendente, assumindo que ele é o centro do processo e,

    portanto, as ações pedagógicas devem estar voltadas para ele; criar um clima de

    mútuo respeito para com todos os participantes, estabelecendo uma atmosfera

    de confiança no processo de ensino e aprendizagem; ter domínio profundo de

    sua área de conhecimento, demonstrando competência atualizada quanto às

    informações e aos assuntos; ser criativo e saber buscar soluções para situações

    inesperadas, ser consciente de que um aprendente é diferente do outro; ser

    disponível para dialogar, entre outras.

    Sendo assim, a utilização das TIC nas estratégias de ensino na sala de

    aula pode colaborar significativamente para alcançarmos alguns dos objetivos da

    disciplina de leitura e letramento na medida em que nosso objetivo é aprimorar o

    senso crítico, estabelecendo relações entre os textos analisados e o contexto

    histórico-social em que estão inseridos.

    Até aqui apresentamos as várias concepções de leitura, iniciamos nossa

    reflexão com a leitura tradicional que envolve a decodificação de signos

    linguísticos, na sequência tratamos da abordagem cognitivista, nesse processo

    de leitura, o leitor utiliza o cérebro para realizar inferências, solucionar problemas,

    classificar, categorizar, formar conceitos e outros, dividindo-se em três modelos

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 37

    de processamento de informações: o bottom-up, o top-down e o modelo

    interativo. Em seguida, refletimos sobre a leitura na abordagem interacional que

    valoriza o aspecto social da leitura, como interação leitor e autor através do texto.

    Na continuidade, abordamos a leitura como prática social, na qual verificamos

    que a leitura é uma prática tanto individual quanto coletiva, pois se caracteriza

    como uma experiência sociocultural pela produção de sentidos de objetos sociais

    e culturais materializados em textos. A leitura como prática social e cultural

    ocorre quando o indivíduo, durante o ato da leitura, ativa todo o seu sistema de

    valores e crenças que refletem o grupo sociocultural ao qual pertence. E, por fim,

    mencionamos sobre a leitura crítica na sala de aula. Ao tratarmos desse tópico,

    refletimos sobre os desafios enfrentados pelo ensinante no processo da leitura

    em sala de aula, bem como apontamos possibilidades para se promover a leitura

    crítica, sendo uma delas o ensinante mediador e a utilização das TIC.

    Diante das concepções que envolvem o processo da leitura, em nossas

    práticas na aula de leitura e letramento no Ensino Médio, entendemos que os

    aprendentes estão em uma faixa etária em que o desafio faz parte do seu dia a

    dia. Por isso, é importante criar estratégias para desafiá-lo a ler para entender,

    para conhecer e extrair conteúdo do texto, bem como para se tornar um sujeito

    crítico, reflexivo e um cidadão que possui princípios éticos, morais e sociais. Para

    tanto, adotamos as concepções das abordagens de leitura como prática social e

    crítica, pois consideramos a leitura como uma atividade social que pressupõe a

    interação entre autor, leitor, mediada pelo texto, além de nos remetermos a

    outros textos que circulam na sociedade. Além disso, defendemos que a

    mediação pedagógica pode possibilitar aprendizagem significativa para os

    aprendentes nesse processo.

    1.2. As concepções de gêneros e sequências textuais e suas contribuições

    para o ensino e aprendizagem

    Recentemente, na década de 1980, a linguística passou a considerar o

    texto visto pelo viés do discurso. Por discurso, pode-se entender a linguagem

    carregada de significado e portadora de elementos externos do mundo social e

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 38

    cultural ao qual ele pertence, que se organiza por meio dos gêneros. Por isso,

    ocorreu o interesse mais acentuado pelos estudos sobre os gêneros textuais.

    Os estudos de gêneros textuais estão se tornando uma prática cada vez

    mais multidisciplinar, uma vez que a “análise de gêneros engloba uma análise do

    texto e do discurso, uma descrição da língua e visão da sociedade, e ainda tenta

    responder a questões de natureza sociocultural no uso da língua de maneira

    geral” (MARCUSCHI, 2008, p. 149).

    Entretanto, trabalhar sob a perspectiva de gêneros não é tarefa fácil,

    sobretudo se considerarmos a infinidade de textos que circulam na sociedade,

    bem como a flexibilidade e dinamicidade inerentes aos gêneros. Vejamos, a

    seguir, alguns teóricos que têm contribuído muito para os estudos dos gêneros.

    Bakhtin apresenta uma perspectiva sobre os gêneros que tem servido de

    apoio a muitos estudos sobre os gêneros do discurso. Ao falar sobre os estudos

    de gêneros, não podemos deixar de mencionar a grande contribuição desse

    estudioso apresentada na obra A estética da criação verbal (2000), sobretudo no

    capítulo “gêneros do discurso”. Esse filósofo da linguagem apresenta-nos teorias

    sobre o gênero e enfoca sua função sociocomunicativa nas diversas atividades

    humanas, o que tem impulsionado muitas discussões teóricas desde a década de

    1980.

    Ele aborda ou concebe a linguagem em caráter dinâmico ou de forma

    dinâmica, circulando em esferas de atividades que proporcionam o surgimento de

    certos tipos de enunciados. O seu objeto de estudo é a linguagem praticada, são

    os enunciados realizados pelos membros de qualquer esfera de comunicação

    humana, uma vez que tais enunciados surgem da interação entre a linguagem e

    o contexto em que ocorre a enunciação. Para o autor, o que organiza e dá forma

    a uma enunciação é o contexto social em que ela se insere.

    Bakhtin (1988, p. 112) define enunciado como a “unidade concreta e real

    de comunicação discursiva”, ou seja, o enunciado não pode ser separado de uma

    situação social. Como salienta o autor, a construção de um enunciado constitui

    justamente o produto da relação do locutor com seus interlocutores uma vez que

    “A palavra dirige-se a um interlocutor, ela é função da pessoa desse interlocutor,

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 39

    variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for

    inferior ou superior na hierarquia social”.

    Segundo o filósofo, para nos comunicarmos, utilizamo-nos sempre dos

    gêneros do discurso ou, em outras palavras, todos os nossos enunciados

    dispõem de uma forma padrão e relativamente constante de estruturação. Por

    isso, o autor define gênero como “tipos relativamente estáveis de enunciados” e

    dá ênfase, sobretudo, ao termo “relativamente”, pois considera que os gêneros

    podem sofrer mudanças, à medida que as esferas de atividades sofrem

    mutações e se alteram com frequência.

    Fiorin (2006, p. 69), baseado nos estudos de Bakhtin, entende que “os gêneros

    são meios de apreender a realidade. Novos modos de ver e de conceptualizar a

    realidade implicam o aparecimento de novos gêneros e a alteração dos já existentes”.

    Por isso, o não conhecimento de um gênero pode representar a falta de vivência em

    uma determinada atividade de certa esfera. A riqueza e a variedade dos gêneros de

    discurso são infinitas, pois a variedade da atividade humana é inesgotável, e cada

    esfera dessa atividade elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados,

    sendo isso que denominamos gêneros do discurso.

    Diante da vasta gama de gêneros existentes, Bakhtin criou uma distinção

    entre gêneros primários (simples) e gêneros secundários (complexos). Os

    gêneros primários são aqueles relacionados à vida cotidiana em tipos de

    comunicações mais espontâneas, como bate-papo, bilhete, conversa ao telefone

    etc. Já os gêneros secundários são aqueles que aparecem em situações

    comunicativas com um grau maior de evolução e de complexidade cultural, como

    romance, artigo científico etc., transformando e incorporando os gêneros

    primários.

    Para Bakhtin, o conceito de gênero do discurso permite-nos incorporar

    elementos da ordem social, histórica e cognitiva, bem como considerar sua

    situação de produção, desde posicionamentos ideológicos e hierárquicos dos

    interlocutores, veículo de divulgação, momento histórico etc.

    Bakhtin (2000, p. 279), ao observar a grande variedade de gêneros

    discursivos existentes, justifica que ela ocorre pelo fato de que a própria atividade

    humana e a utilização da língua em si, seja ela oral ou escrita, são aspectos que

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 40

    andam conjuntamente, isto é, sempre que falamos e que nos comunicamos, nas

    mais diversas situações e esferas da atividade humana, fazemos, naturalmente,

    o uso dos gêneros do discurso. Nesse sentido, a noção de gêneros do discurso

    possibilita-nos incorporar elementos de ordem social e histórica, permitindo-nos

    considerar: a situação de produção de um determinado discurso (quem fala, para

    quem, os lugares sociais dos interlocutores, posicionamentos ideológicos, qual o

    veículo de comunicação, qual objetivo, etc.); conteúdo temático (o que pode ser

    dito em um determinado gênero); a construção composicional (sua forma de

    dizer, sua organização, conforme disponível na circulação social); e seu estilo

    verbal seleção de recursos e léxicos disponíveis na língua.

    A escolha do gênero, dos elementos composicionais, do estilo e de todos

    os recursos linguísticos, como lexicais, morfológicos e sintáticos, pode ser

    determinada por aquilo que sabemos ou imaginamos saber sobre nosso

    interlocutor; aquilo que supomos que ele conheça sobre o assunto, suas

    opiniões, seus preconceitos e sua situação social. Assim, os gêneros constituídos

    envolvem formas razoavelmente estáveis e definidas por um conjunto

    determinado de circunstâncias. Os diferentes gêneros dispõem de auditórios

    precisamente organizados aos quais se adaptam.

    Por isso, ao utilizarmos um determinado “gênero”, devemos considerar a

    situação de produção do discurso, ou seja, quem fala, para quem fala, a posição

    social dos interlocutores, o seu posicionamento ideológico, o momento histórico,

    a finalidade ou intenção, o veículo de comunicação etc.

    Miller, outra estudiosa de gêneros, interessa-se pela natureza social do

    discurso e foi influenciada pelo pensamento de Bakhtin (2000) sobre os gêneros

    do discurso. A visão de gênero como ação social é defendida por membros da

    escola norte-americana. Miller, por exemplo, em seu texto, Gênero como ação

    social2, publicado em 2009 na obra Estudos sobre gênero textual, agência e

    tecnologia, entende que a definição de gênero não é centrada na forma ou na

    substância, mas na ação que é usada para sua realização (p. 22). Segundo a

    autora, os gêneros constituem “ações retóricas recorrentes” ou “artefatos

    culturais” que decorrem da comunicação em ambientes específicos; é uma

    2 A primeira publicação deste texto recebeu o título de Genre as social action. In: FREEDMAN, Aviva; MEDWAY,

    Peter, (orgs.). Genre and the new rhetoric. London: Taylor & Francis, 1994. p. 23-42.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 41

    convenção, pois deriva de ação retórica tipificada, com regras que o regulam,

    conforme a cultura.

    Para Miller (2009, p. 41), “a compreensão de gênero como ação retórica

    está baseada nas práticas retóricas e nas convenções do discurso estabelecidas

    pela sociedade como forma de ação conjunta”. Com base em tais convenções

    sociais, a autora apresenta alguns elementos considerados importantes para a

    compreensão do gênero: 1) refere-se a uma categoria do discurso baseada em

    ações retóricas tipificadas, que adquirem significado a partir da situação e do

    contexto em que está inserida; 2) como ação significativa é interpretável por meio

    das regras que o regulam; 3) possui uma forma particular que se caracteriza pela

    fusão entre forma e substância; 4) por meio de padrões recorrentes de uso

    linguístico constitui a vida cultural do indivíduo; 5) recurso retórico que atua como

    mediador entre as intenções particulares e a exigência social, motiva a conexão

    entre o privado e o público, o singular e o recorrente.

    A relação entre as noções de gênero e ação social também levou Miller a

    se referir à teoria de Giddens a respeito da estruturação. Para esse autor,

    (...) a “estruturação” descreve nossa experiência de que as

    relações sociais são estruturadas no tempo e no espaço. As

    estruturas das relações sociais consistem de regras e recursos;

    as regras, como na linguística, são, ao mesmo tempo,

    constitutivas e normativas; os recursos são os meios através dos

    quais as regras se realizam. (GIDDENS apud MILLER, 2009, p. 50).

    Ele entende que as atividades sociais humanas não são criadas por atores

    sociais, mas continuamente recriadas por eles através dos próprios meios pelos

    quais eles se expressam como atores.

    Miller (2009, p. 30) defende que os nossos discursos, como gêneros

    consolidados, constituem-se em convenções sociais recorrentes e até mesmo

    ritualizadas. Para a autora, o que recorre não são os aspectos individuais, mas os

    fenômenos intersubjetivos e sociais e o que se mantém regularmente tipificado

    são as marcas da identidade do gênero textual como ação retórica baseada nas

    situações recorrentes.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 42

    A autora concebe gênero como ação social, pois a ação ocupa papel de

    destaque, já que é por meio dela que “criamos o conhecimento e capacidade

    necessários à reprodução da estrutura”. Em outras palavras, o gênero tem um

    potencial estruturador da ação social porque é o elo e o mediador entre o

    particular e o público, entre o indivíduo e a comunidade.

    Outra contribuição importante para os estudos sobre gêneros textuais na

    abordagem norte-americana é o trabalho desenvolvido por Charles Bazerman.

    Inspirado no trabalho de Miller. Bazerman trabalha na mesma perspectiva de

    ação social, observando as regularidades ou “rotinas sociais do dia a dia” que

    dão origem a recorrências na forma e no conteúdo do ato de comunicação entre

    os usuários.

    Para esse autor (2011, p. 19), cada organização social tem seus tipos de

    textos e, por meio deles, “criam novas realidades de significação, relações e

    conhecimento”. Os textos de cada grupo social se encontram inseridos em

    atividades sociais estruturadas e dependem de outros textos que influenciam a

    atividade e a organização social.

    De acordo com Bazerman (2011, p. 22),

    (...) cada texto bem sucedido cria para seus leitores um fato

    social. Os fatos sociais consistem em ações sociais significativas

    realizadas pela linguagem, ou atos de fala. Esses atos são

    realizados através de formas textuais padronizadas, típicas e,

    portanto, inteligíveis, ou gêneros, que estão relacionadas a

    outros textos e gêneros que ocorrem em circunstâncias

    relacionadas.

    Os vários tipos de textos se instauram em um sistema de gêneros, os

    quais fazem parte dos sistemas de atividades humanas. Os pontos considerados

    relevantes para definir o sistema de gêneros são: a) os gêneros encontram-se

    inter-relacionados uns aos outros em contextos específicos; b) a noção de

    sistema de gêneros amplia o conceito de grupo de gêneros; e c) o sistema de

    gêneros seria o conjunto completo de gêneros que dão instância à participação

    de todas as partes.

  • PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 43

    Para Bazerman (2011, p. 29), ao criarmos formas tipificadas ou gêneros,

    também somos levados a tipificar as situações nas quais nos encontramos. A

    tipificação dá certa forma e significado às circunstâncias e direciona os tipos de

    ação que acontecerão. Para o autor, uma maneira de coordenar melhor nossos

    atos de fala uns com os outros é agir de modo típico, ou seja, de um modo

    facilmente reconhecido como realizador de determinados atos em determinadas

    circunstâncias. As tipificações auxiliam o indivíduo a identificar situações e

    momentos similares, porém o identificável como gênero depende muito mais da

    cultura local, de conhecimento compartilhado, da educação e do nível de

    socialização do indivíduo.

    Bazerman compreende os gêneros como “fenômenos de reconhecimento

    psicossocial” (2011, p. 31) que integram os processos das práticas organizadas

    socialmente por meio de textos orais e escritos, reconhecíveis como forma de

    comunicação que coordenam atividades tipificadas e possibilitam o

    compartilhamento de sentidos. Para o autor, restringir a noção de gênero a um

    conjunto de traços textuais é ignorar não apenas o papel dos indivíduos na

    construção dos sentidos, mas também o uso criativo para atender a novas

    demandas.