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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2006.000119-6 Requerente: Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio Grande do Norte – SETRANS/RN Requerido: Estado do Rio Grande do Norte Relator: Desembargador Manoel dos Santos P A R E C E R EMENTA : AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – PRELIMINARES DE LITISPENDÊNCIA, PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO E INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – REJEIÇÃO – PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL DECORRENTE DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA QUE SUSCITA DO MINISTÉRIO PÚBLICO – OPINAMENTO PELA EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. MÉRITO – ATAQUE À LEI ESTADUAL Nº 6.269/92 – ISENÇÃO PARA OS MAIORES DE 65 ANOS DO PAGAMENTO DE TARIFAS NAS PASSAGENS INTERMUNICIPAIS – NATUREZA DE BENEFÍCIO TARIFÁRIO E NÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – DESNECESSIDADE DE PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO – SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE SOCIAL EM DETRIMENTO DO INTERESSE PARTICULAR DAS EMPRESAS - PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTEPROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA

Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2006.000119-6Requerente: Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio Grande do Norte – SETRANS/RNRequerido: Estado do Rio Grande do NorteRelator: Desembargador Manoel dos Santos

P A R E C E R

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE –

PRELIMINARES DE LITISPENDÊNCIA, PERDA

SUPERVENIENTE DO OBJETO E INCOMPETÊNCIA

ABSOLUTA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – REJEIÇÃO –

PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL

DECORRENTE DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA QUE

SUSCITA DO MINISTÉRIO PÚBLICO – OPINAMENTO

PELA EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO

MÉRITO. MÉRITO – ATAQUE À LEI ESTADUAL Nº

6.269/92 – ISENÇÃO PARA OS MAIORES DE 65 ANOS DO

PAGAMENTO DE TARIFAS NAS PASSAGENS

INTERMUNICIPAIS – NATUREZA DE BENEFÍCIO

TARIFÁRIO E NÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL –

DESNECESSIDADE DE PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO –

SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE SOCIAL EM

DETRIMENTO DO INTERESSE PARTICULAR DAS

EMPRESAS - PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA DO

PEDIDO.

Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2006.000119-6.

1. RELATÓRIO

01. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio Grande do Norte – SETRANS/RN, contra a Lei Estadual nº 6.269/92, a qual regulamentada pela Portaria nº 91/03, prevê isenção para usuários maiores de 65 (sessenta e cinco) anos do pagamento da tarifa de transportes coletivos intermunicipais.

02. Na exordial de fls.02/27, o demandante fundamentou o seu pleito alegando que a referida norma legal fere o art.124, § 3º, da Constituição Estadual, que estatui que nenhum benefício ou serviço da seguridade social pode ser criado sem a correspondente fonte de custeio. Alega também violação ao “Princípio da Livre Iniciativa” e ao “Princípio da razoabilidade”.

03 Requereu, liminarmente, a suspensão da eficácia e vigência da Lei Estadual nº 6.269/92, e, ao final, que fosse declarada a sua inconstitucionalidade.

04 O Departamento de Estradas de Rodagem - DER/RN prestou informações às fls.79/154, afirmando que a Portaria nº 91/03, que excluiu a limitação anteriormente existente de dois idosos isentos por viagem, teve como objetivo atender às reclamações a adequação ao texto da Lei 6.269/92, em razão de Recomendação do Ministério Público. Informou também que, segundo a Portaria nº 0060/05, que atualmente regulamenta a matéria, a fonte de custeio da isenção proporcionada pela norma legal impugnada é proveniente do valor das passagens dos chamados “passageiros equivalentes”.

05. A Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, às fls.156/159, afirmou a inexistência de qualquer inconstitucionalidade formal ou material na norma legal ora impugnada.

06. A Procuradoria Geral do Estado se manifestou às fls.169/174, alegando litispendência. Pugnou também pela improcedência da ação, ao considerar que a norma impugnada atende aos pressupostos constitucionais, bem como requereu o indeferimento da medida cautelar pleiteada, em razão da inexistência do “periculum in mora”, necessário para a sua concessão.

07. Por decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte indeferiu o pedido liminar por não vislumbrar os requisitos necessários à sua concessão (fls.178/194),

08. A Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, às fls.210/212, reiterou que no decorrer do processo legislativo da norma impugnada não ocorreu nenhum vício formal.

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09. O Departamento de Estradas de Rodagem - DER/RN às fls.214/233, sustentou a perda do objeto da ação em virtude do advento da Lei Estadual nº 8.864/06, que alterou a redação do art.1º da Lei Estadual nº 6.269/92. Alegou também a incompetência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte para apreciar a presente demanda, bem como a constitucionalidade da norma atacada.

10. A Governadoria do Estado do Rio Grande do Norte, por sua vez, reiterou os termos do DER/RN às fls.235/254.

11. Essa situação do processo, que nos vem com vista.

2. QUESTÕES PRELIMINARES

2.1 Da preliminar de litispendência suscitada pela Procuradoria-Geral do Estado:

12. Aduz a Procuradoria-Geral do Estado, às fls.169/174, que há litispendência da presente demanda em relação ao processo nº 001.04.014954-5 que tramitou perante a 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal.

13. Como é cediço, a litispendência é uma das causas extinção do processo em que não há resolução de mérito previstas no art.267 do Código de Processo Civil:

“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;”

14. A respeito do instituto da litispendência doutrinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery1:

“Dá-se a litispendência quando se repete ação idêntica a uma que se encontra em curso, isto é, quando a ação proposta tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir (próxima e remota) e o mesmo pedido (mediato e imediato) A segunda ação tem de ser extinta sem o conhecimento do mérito. A litispendência é instituto típico do processo contencioso. Não há litispendência entre procedimentos de jurisdição voluntária”

15. Assim, para que se configurasse o instituto da litispendência,

1 Nelson Nery Júnior , Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. p.435. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais,2006.

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far-se-ia necessário que o processo que tramitou perante a 2ª Vara da Fazenda Pública ainda estivesse em curso e que tivesse as mesmas partes, causa de pedir e pedido desta presente demanda.

16. Entretanto, as duas ações possuem pedidos diferentes. Uma pretende obter provimento judicial de cunho declaratório, enquanto que a outra requereu providência de natureza cautelar. Ademais, ainda que as duas ações tivessem o mesmo pedido, far-se-ia necessário que a primeira ação ainda estivesse em curso, quando, na realidade, já transitou em julgado e foi arquivada. 17. Portanto, por essas razões observo que a litispendência não se configura na hipótese dos autos por duas razões.

18. Desta feita, esta representante do Ministério Público opina desde já pela rejeição da preliminar levantada.

2.2 Da preliminar de falta de interesse processual, decorrente da perda superveniente do objeto, suscitada pelo DER/RN:

19. Alega o DER/RN que houver perda superveniente do objeto da demanda com a promulgação da Lei estadual 8.864/2006.

20. Todavia, não merece prosperar essa preliminar. Vejamos.

21. A pretensão do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio Grande do Norte – SETRANS/RN, ao ajuizar a presente ação é a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual 6.269/93 que instituiu a gratuidade das passagens intermunicipais para os usuários maiores de 65 anos.

22. O texto legal ora impugnado foi modificado após a propositura da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, através da Lei estadual 8.864/2006, que alterou a redação do art. 1º, para fins de ampliação do benefício por aquele concedido, alcançando os usuários maiores de 60 (sessenta) anos. Vejamos a redação atualizada trazida por essa Lei:

“Art.1º. Altera o art. 1º da Lei nº 6.269 de 26 de fevereiro de 1992 e passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1º - São dispensados do pagamento de passagens no transporte coletivo intermunicipal todos os usuários que, comprovadamente, tiverem idade a partir dos 60 (sessenta) anos.”

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23. Como se pode observar da leitura do dispositivo legal supracitado, a referida mudança legislativa somente alterou um dispositivo da Lei nº 6.269/92, modificando apenas o critério etário para a concessão da gratuidade de 65 para 60 anos de idade.

24. Assim, a Lei nº 8.864/2006 apenas revogou uma única disposição em contrário prevista na Lei nº 6.269/92, consistente na indicação da idade permissiva para a isenção questionada, mantendo-se a vigência dos demais termos da lei, inclusive a própria isenção.

25. Logo, considerando que a atacada norma estadual continua vigente em nosso ordenamento jurídico, não há que se falar em perda do objeto da ação. 26. Deve, portanto, ser rejeitada a preliminar de perda superveniente do objeto da ação suscitada pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Rio Grande do Norte – DER/RN.

2.3. Da preliminar de incompetência do TJ/RN, suscitada pelo DER/RN:

27. Também em sede de preliminar do mérito, a Procuradoria-Geral do Estado argüiu a incompetência absoluta do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte para apreciar a presente demanda, já que a ofensa em debate teria agredido não só dispositivos da Constituição Estadual, mas também dispositivos da Constituição Federal, o que atrairia a competência para o Supremo Tribunal Federal.

28. Entretanto, a fiscalização abstrata de leis ou atos normativos municipais ou estaduais eventualmente contrários às Constituições Estaduais, compete ao Tribunal de Justiça Local. Essa regra está prevista, expressamente, na Constituição Federal, no 125, §2º, na Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, no artigo 71, Inciso I, alínea “b”, e na Lei Complementar Estadual nº 165/99, que dispõe sobre a organização judiciária do Estado, no artigo 18, Inciso I, alíneas “a” e “b”.

29. A respeito do assunto, doutrina com autoridade o insigne Alexandre de Moraes2:

“Em relação às leis ou atos normativos municipais ou estaduais contrários às Constituições Estaduais , compete ao Tribunal de Justiça local processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade.Ressalte-se que esta previsão é da própria Constituição Federal, ao dispor no seu art.125, §2°, que os Estados

2 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. p.670. São Paulo: Atlas,2006.

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organizarão sua Justiça cabendo-lhes a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.Note-se que, se a lei ou ato normativo municipal, além de contrariar dispositivos da Constituição Federal, contrariar, da mesma forma, previsões expressas nos textos das Constituição Estadual, mesmo que de repetição obrigatória e redação idêntica, teremos aplicação do citado art.125, §2°, da CF, ou seja, competência do Tribunal de Justiça do respectivo Estado-Membro.” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. p.670. São Paulo: Atlas,2006)

30. A lei estadual que supostamente esteja contrária à Constituição Estadual está sujeita ao controle de constitucionalidade de competência do Tribunal de Justiça Estadual e do Supremo Tribunal Federal.

31. Na hipótese dos autos, alega o autor que a Lei Estadual nº 6.269/92 estaria ferindo normas previstas na Constituição Estadual, repetidas pela Constituição Federal.

32. Portanto, a competência para conhecer originariamente desta ação direta pode ser do Tribunal de Justiça local.

33. Assim, não merece prosperar essa preliminar.

2.4. Da preliminar de falta de interesse processual, decorrente da inadequação da via eleita, que suscita o Ministério Público:

34. As razões sustentadas pelo autor na inicial dessa ação, para defender a inconstitucionalidade da lei estadual 6.269/92, restringe-se às alegações de que a concessão da gratuidade aos usuários maiores de 65 anos afeta a equação econômica dos contratos, pleiteando que o custeio dessas isenções seja realizado mediante o aporte de recursos orçamentários direto dos Governos.

35. Todavia, tal questão envolve matéria infraconstitucional, que foge ao controle concentrado, onde não se permite a dilação probatória, e que deve ser resolvida em outras sedes. Essa discussão teria que ser travada politicamente, em negociações diretas entre o Executivo e as concessionárias-transportadoras. Não se logrando êxito, restariam as ações de revisão das cláusulas dos contratos de concessão, onde a cognição é exauriente, e seria fácil apurar se a fonte de custeio é suficiente, ou não, através de perícias técnicas. Desta forma, caso se comprove que o percentual aplicado não foi suficiente para

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a manutenção do equilíbrio econômico financeiro, há de se considerar a lei que concede a gratuidade como fato do príncipe e, portanto, ensejadora de revisão contratual.

36. Neste caso, a via adequada para compensar os “possíveis” prejuízos não é a ação direta de inconstitucionalidade, haja vista que, mesmo considerando que a gratuidade é um benefício assistencial e, desta forma, se submeteria à necessidade da indicação da fonte de custeio, este regramento foi obedecido com a aplicação do percentual de 4,2% (quatro vírgula dois por cento), conforme se demonstrará adiante.

37. Portanto, há uma inadequação da via eleita, haja vista que a presente ação não se presta a averiguar se este percentual é suficiente para cobrir os custos da gratuidade aos usuários maiores de 65 (sessenta e cinco) anos. Compete ao contratado particular comprovar perante o ente contratante a ruptura do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

38. Quem assume o ônus financeiro não é questão que se resolve pela inconstitucionalidade da norma que repete o quanto constitucionalmente garantido.

39. Desta forma, há de ser extinto o processo sem julgamento de mérito em razão da ausência de interesse processual por falta de adequação da via eleita.

40. Com a rejeição das preliminares argüidas, pois, passa-se ao exame da questão do mérito dessa ação.

3. DO MÉRITO

3.1. Natureza tarifária da gratuidade e não assistencial – Desnecessidade da indicação de fonte de custeio:

41. O fundamento invocado pelo autor para atacar a lei estadual 6.269/92 do vício da inconstitucionalidade é a ausência de indicação da fonte de custeio. O referido pleito é baseado no art. 195, § 5º da Constituição Federal, que dispõe o seguinte:

“Art. 195, § 5º da CF: Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”

42. Ao invocar o dispositivo acima transcrito, está a parte autora caracterizando a gratuidade nos transportes coletivos como um benefício da seguridade social. Esta, conforme o art. 194 da Carta Magna, compreende um

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conjunto de ações tendentes à implementação dos direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social3. Desta forma, a mencionada gratuidade é considerada, pelo requerente, como um benefício assistencial e, em razão disto, deveria ser indicada a respectiva fonte de custeio.

43. No tocante à assistência social, esta é um direito fundamental com vistas ao amparo de pessoas necessitadas. Tal direito encontra-se disposto na Constituição Federal, em seu Título VIII, referente à Ordem Social, inserto no capítulo da Seguridade Social, juntamente com a saúde e a previdência social, nos seguintes termos:

“Art. 203 da CF: A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;V - a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”

44. Apesar de o inciso primeiro incluir, entre os objetivos da assistência social, a proteção à velhice, a concessão da gratuidade nos transportes coletivos urbanos não se insere dentre as ações assistenciais. Neste sentido, a Lei Orgânica da Assistência Social (8.742/93) dispõe, em seu artigo 1º:

“Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (grifo nosso).”

45. Pelo texto legal, verifica-se que a assistência social tem por escopo suprir as desigualdades existentes em razão da situação de pobreza, visando garantir o mínimo existencial às pessoas necessitadas. A isenção no transporte coletivo não se configura como uma necessidade básica do ser humano. Esta se traduz na necessidade de alimentação, moradia, saúde, entre outras. A gratuidade concedida aos idosos é muito mais uma medida de inclusão

3 Art. 194 CF: A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

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social do que de subsistência. Neste sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, se manifestou da seguinte forma:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PASSAGENS INTERESTADUAIS. ÔNUS FINANCEIROS DECORRENTES DO ESTATUTO DO IDOSO. LEI 10.741/03.1. O benefício ofertado aos idosos, de reserva de duas vagas gratuitas e desconto de 50% no valor da passagem nos transportes coletivos interestaduais, não integra a categoria da assistência social, assim entendidas as ações governamentais custeadas pelo orçamento da seguridade social para atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência (art. 4º da Lei n. 8.112/91). 2. A Lei 10.741/2003, que criou em favor dos idosos o benefício de reserva de duas vagas gratuitas e descontos de 50% no valor passagem nos transportes coletivos, nada dispôs acerca da fonte de custeio, remetendo para a ocasião em que efetuada a revisão da estrutura tarifária a previsão de rubrica específica dentro da tabela dos custos básicos do transporte coletivo interestadual”. (1ª Turma. Agravo de Instrumento nº 2005.04.01.035451-5/RS. Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon. D.J.U. De 09/08/2006).

46. No voto do julgado acima, o Desembargador Relator assim se manifestou:

“A referência à velhice, como expressa a regra legal, dialoga com o suprimento das necessidades básicas - alimentação, saúde, habitação, higiene, etc, nas quais não se amolda o fornecimento de transporte público interestadual gratuito. Ainda que o benefício ao idoso em tela signifique prestação benemerente, sem ônus para quem o usufrui, nem por isto ele assume feição de benefício de assistência social, devendo ser enquadrado na categoria das isenções tarifárias, cuja regulação é remetida à disciplina do Direito Administrativo vinculada aos contratos de concessão e/ou permissão. Manifesta, assim, a inaplicabilidade ao caso das regras descritas no art. 195, § 5º, da CF/88, de que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio”.

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47. Observe-se que a própria Constituição Federal instituiu uma gratuidade nos transportes coletivos urbanos para as pessoas maiores de 65 anos, dispondo em seu artigo 230, § 2º da CF o seguinte: Aos maiores de 65 anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

48. Todavia, esta disposição atinente à gratuidade, apesar de também se situar no Título VIII da Constituição Federal, referente à Ordem Social, está em capítulo diverso do da assistência social, estando a mesma inserida no capítulo VII nominado da seguinte forma: “Da Família, da Criança e do Adolescente e do Idoso”.

49. Com isto, percebe-se que o legislador constitucional diferenciou o beneficio da gratuidade nos transportes coletivos dos benefícios assistenciais. Não fosse assim, teria o mesmo incluído um inciso VI ao art. 203, acima transcrito, para tratar do direito à referida gratuidade. E não se venha alegar que esta, por tratar de disposição específica do benefício e da clientela a quem ele se dirige, preferiu-se inseri-la em capítulo separado, atinente aos idosos, pois o benefício da prestação continuada, regulado pela Lei Orgânica da Assistência Social, que também beneficia os idosos, está previsto no art. 203, V, inclusive, com a especificação do seu valor. Portanto, se a Constituição pretendesse conferir o caráter assistencial à gratuidade nos transportes coletivos, a teria incluído no capítulo próprio.

50. Tanto é assim que, com relação à gratuidade conferida pela Lei Maior, não foi indicada nenhuma fonte de custeio, justamente por entender que não se faz necessário. Se não for este o entendimento, estará a se afirmar que o art. 230, § 2º da Constituição Federal é inconstitucional, situação esta totalmente inadmissível, pois não temos inconstitucionalidade de normas dispostas no texto constitucional.

51. Portanto, ao dispor sobre a gratuidade nos transportes coletivos, tratou a Lei Maior de conceder um benefício tarifário às pessoas maiores de 65 anos e não um benefício assistencial. Em conseqüência, não há obrigatoriedade de indicação da sua fonte de custeio, pois, não sendo o direito à gratuidade no transporte aos idosos um benefício da seguridade social, não se submete ao seu regime jurídico. Considerando a essência do benefício aqui impugnado, este raciocínio se aplica perfeitamente ao caso em análise.

52. O Decreto 5.934/06, que regulamentou o direito à gratuidade para os idosos no transporte interestadual, a definiu como um benefício tarifário, como se vê a seguir:

“Art. 9o Disponibilizado o benefício tarifário, a ANTT, a ANTAQ e o concessionário ou permissionário adotarão as providências cabíveis para o atendimento ao disposto no

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caput do art. 35 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995.” (grifo nosso).

53. Nestas situações, a jurisprudência já consolidou entendimento quanto à natureza tarifária de tais benefícios não havendo, por isto, necessidade de previsão de prévia fonte de custeio para sua instituição. Nesse sentido, a Egrégia 5a Turma do Tribunal Regional Federal da 1a Região, por unanimidade, assim se pronunciou acerca da matéria:

“ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE COLETIVO RODOVIÁRIO INTERESTADUAL GRATUITO. PORTADORES DE DEFICIÊNCIA CARENTES. BENEFÍCIO TARIFÁRIO GARANTIDO POR LEI1. As pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes, têm direito a passe livre no sistema de transporte coletivo interestadual (Lei 8.899/94, art. 1o, c/c Decreto 3.961/2000 e Portaria Interministerial 003/2001). Precedentes do TRF – 4a Região.2. É de ser afastada a alegação de necessidade de prévia fonte de custeio para a concessão do “passe livre”, visto que não ostenta ele natureza jurídica de benefício assistencial, mas sim de benefício tarifário, previsto na Lei 9.074/95, art. 35. 3. Se a empresa concessionária de transporte se sente lesada com a instituição do “passe livre”, deve tomar as medidas cabíveis perante o Poder Público concedente, provando a ocorrência de rompimento do equilíbrio financeiro do pacto, de modo a alcançar a recomposição da tarifa.4. Apelação desprovida.” (Apelação Cível n° 2005.34.00.02355-5/DF,. Relator: Juiz Federal (convocado) César Augusto Bearsi. Data do Julgamento: 25.10.2006)

54 Ressalte-se que, antes mesmo da edição do mencionado Decreto 5.934/06, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já havia se posicionado no sentido de que a gratuidade concedida aos idosos trata-se de um benefício tarifário, conforme se observa da leitura do seguinte julgado:

“TRANSPORTE INTERESTADUAL. CONCESSÃO DE GRATUIDADE. PASSAGEIROS IDOSOS E DE BAIXA RENDA. ESTATUTO DO IDOSO. DESNECESSIDADE DE PRÉVIDA REGULAMENTAÇÃO.Analisando a lei no sentido material, evidente a desnecessidade da prévia regulamentação, tendo em vista que o imprescindível para a concessão do benefício já está

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previsto na lei.” (AI 2005.04.01.039599-2/RS, Relatora: Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Data de Julgamento: 1 de agosto de 2006).

55. Na ocasião, a Desembargadora-Relatora assim manifestou-se em trecho de seu voto vencedor:

“(..).Entendo que, neste caso, o direito conferido aos idosos, não se incorpora à categoria de assistência social, porque não se confunde com as ações de governo custeadas pela seguridade social, nos termos do art. 4º da Lei n. 8.212/91. Aliás, na esteira do entendimento do eminente Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON , no AI Nº 2005.04.01.035451-5/RS, o qual adoto como razão de decidir, o benefício em discussão deve ser inserido na classe das isenções tarifárias”.

56. Deste modo, não pode prosperar a pretensão do SETRANS/RN de que a gratuidade conferida aos usuários maiores de 65 anos nos transportes intermunicipais deve ser custeada por toda a sociedade com recursos provenientes dos orçamentos públicos e das contribuições sociais dos empregadores e trabalhadores (fls. 12). Neste particular, esquece a requerente que o regime de concessão de serviço público caracteriza-se, justamente, pela ausência de remuneração do concessionário pelo Estado, pois aquele é remunerado diretamente pelos usuários através da tarifa. Sobre esta questão, o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo ensina o seguinte:

“É indispensável – sem o quê não se caracterizaria a concessão de serviço público – que o concessionário se remunere pela ‘exploração’ do próprio serviço concedido. Isto, de regra, se faz, como indicado, em geral e basicamente pela percepção de tarifas cobradas dos usuários.” (MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10ª ed. Ed. Malheiros. São Paulo. 1998. p. 456).

57. Sobre o assunto, José dos Santos Carvalho Filho dispõe o seguinte:

“Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários.” (grifo nosso – CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 14ª ed. Lúmen Júris Editora. Rio de Janeiro. 2005. p. 296).

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58. Neste sentido, a Lei 8.987/95 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, estatui em seu artigo 11 o seguinte preceito:

“Art. 11 - No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei”, (grifo nosso).

59. Portanto, é uma faculdade do poder concedente subsidiar o concessionário. Ainda assim, para que este possa exigir tal prerrogativa, tal condição há de ter sido prevista no edital de licitação, o que não ocorre no caso em comento.

60. Alie a isto o fato de que é totalmente justo que a sociedade arque com o custo da gratuidade para as pessoas idosas, pois estas já deram a sua contribuição ao longo da vida, além disso, todos nós, um dia, seremos beneficiados com este “investimento social”.

3.2. Preservação do equilíbrio econômico financeiro do contrato:

61. Considerando que a gratuidade nos transportes coletivos (seja urbano, interestadual ou intermunicipal) é um benefício tarifário, a matéria é regulada pela lei 9.074/95, que estabelece as normas para a outorga e prorrogação das concessões e permissões de serviços públicos. Este diploma legal dispõe, em seu artigo 35, o seguinte:

“Art. 35 - A estipulação de novos benefícios tarifários pelo poder concedente, fica condicionada à previsão, em lei, da origem dos recursos ou da simultânea revisão da estrutura tarifária do concessionário ou permissionário, de forma a preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.”

62. Conforme se verifica do dispositivo acima transcrito, a indicação da origem do recurso para a concessão de novo benefício tarifário é apenas uma faculdade e não uma obrigatoriedade, como ocorre no caso de benefício da seguridade social. Pode, no caso, o poder concedente preferir a simultânea revisão da estrutura tarifária do concessionário, a fim de preservar o equilíbrio econômico financeiro do contrato.

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63. Assim, não prospera o argumento da parte autora de que a prática de se incluir no cálculo tarifário o valor do custeio para a concessão de gratuidades e/ou benefícios acaba representando uma injusta discriminação social, pois o preço da tarifa, na realidade, fica oneroso demais frente a capacidade de pagamento da população, principalmente daqueles das camadas mais carentes da sociedade (fls. 07). Deste modo, agiu o Estado do Rio Grande do Norte no estrito cumprimento da lei, fazendo uso de uma faculdade que lhe é conferida legalmente.

64. O Decreto Estadual 16.296, de 30 de agosto de 2002, estabelece a competência ao DER – Departamento de Estradas e Rodagem – para a regulamentação da Lei estadual 6.269/92 que dispõe sobre a gratuidade das passagens intermunicipais para os usuários maiores de 65 anos. Com este fim, foi expedida a Portaria nº 142/02, considerando a necessidade de realinhamento dos custos fixos e variáveis, além da necessidade de realinhar os dados operacionais dos Serviços de Transportes Coletivos Rodoviários Intermunicipais de Passageiros, no sentido de incluir os custos relativos ao passe livre para os usuários maiores de 65 anos (conforme texto do próprio documento).

65. Portanto, o poder concedente se preocupou com o impacto financeiro produzido com a concessão da referida gratuidade, visando evitar que as empresas de transporte suportassem o encargo preservando, assim, o equilíbrio econômico financeiro do contrato. Desta forma, em consonância com a legislação que regulamenta as concessões e permissões do serviço público (Lei 9.074/95), a mencionada Portaria reviu a estrutura tarifária, a fim de evitar prejuízo às empresas. Neste sentido, dispõe o artigo 5º da Portaria nº 142/02:

“Art. 5º - Que a planilha de custo dos Serviços de Transporte Coletivo Rodoviário Intermunicipal de Passageiros do Estado, fica acrescida com um percentual de 4,20% (quatro vírgula dois por cento), destinado ao pagamento do serviço prestado pelas operadoras devido a esta gratuidade.”

66. Como se vê, não prospera a argumentação da parte autora de que a concessão da gratuidade penaliza as empresas, acarretando prejuízos financeiros para as mesmas. O DER, na regulamentação da matéria, estabeleceu um acréscimo percentual de 4,2%, (quatro vírgula dois por cento) na planilha de custos dos serviços de transporte coletivo rodoviário intermunicipal, destinado ao pagamento do serviço prestado pelas operadoras devido à gratuidade que tratava. Assim, foi aumentado o valor da tarifa em razão dos custos relativos ao passe livre para os usuários maiores de 65 anos (conforme texto do próprio documento).

67. Na peça inicial (fls. 06), a autora sustenta o seguinte:

“Dessa feita, apesar de não ser SUSTENTÁVEL os 4,2% incluídos nos preço da tarifa para o transporte de todo e

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qualquer idoso que, almejasse se deslocar entre os Municípios do Estado do Rio Grande do Norte – as empresas permissionárias nada puderam reclamar, efetivamente, contra a gratuidade concedida aos idosos, pois em verdade, EXISTIA UMA FONTE DE CUSTEIO PREVISTA EM LEI, APESAR DE NÃO SER ADEQUADA, E NEM TAMPOUCO JUSTA!!!” (destaques do texto original).

68. Percebe-se, assim, que a insatisfação da requerente deve-se ao fato de seu entendimento de que o percentual aplicado para o reajuste das tarifas é injusto, por entender que ele não comporta todos os custos decorrentes da gratuidade. Destaca a inicial (fls. 06-07) o seguinte:

“Assim, a gratuidade concedida aos maiores de 65 (sessenta e cinco anos) foi custeada, em parte (grifo nosso), pelos empresários do setor que, tiveram que arcar com o custo excedente e quase intolerável representado, a partir do 2º idoso, uma vez que, reitere-se 4,2% na tarifa não custeava mais, efetiva e sustentavelmente, TODOS OS IDOSOS TRANSPORTADOS GRATUITAMENTE!!!”.

69. Portanto, o próprio SETRANS/RN admite que o já referido percentual se destinou ao custeio da gratuidade, entendendo, todavia, que o mesmo é insatisfatório para suportar todo o encargo. Neste caso, a via adequada para a compensação dos “possíveis” prejuízos não é a ação direta de inconstitucionalidade, pois, mesmo considerando que a gratuidade é um benefício assistencial e, desta forma, se submete à necessidade da indicação da fonte de custeio, este regramento foi obedecido, como afirma a própria parte autora.

70. Pela leitura da inicial, resta claro que as alegações e as argumentações do SETRANS/RN são desprovidas de firmeza de posicionamento, pois nos deparamos no texto com declarações divergentes da parte autora quando, em fls. 14, declara: a gratuidade concedida aos idosos não dispõe de nenhum custeio incluído no preço da tarifa, o que leva as permissionárias a protestarem por tamanha inconstitucionalidade. Todavia, foi demonstrado pelas transcrições acima que o próprio SETRANS/RN afirmou (fls. 06-07) que foi prevista uma fonte de custeio.

71. Observe-se que não prospera a alegação da parte autora de que a ausência de limites em relação ao número de beneficiários da gratuidade por veículo resulta em uma grande elevação dos custos, prejudicando o equilíbrio econômico-financeiro das permissões outorgadas às empresas de transporte intermunicipal, uma vez que as conseqüências econômicas não eximem ninguém do dever de cumprir as determinações legais. Além disso, a Lei nº 6.269/92 simplesmente assegurou o direito à gratuidade aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, sem qualquer limitação no tocante à quantidade de idosos por

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veículo. Se a aplicação da norma implica em maiores custos para as empresas, cabe a estas buscar a melhor maneira de absorvê-los, não sendo lícito pretender o seu descumprimento por razões exclusivamente econômicas. São muito comuns as situações em que os direitos assegurados pela legislação acarretam ônus financeiros para a atividade empresarial, sendo exemplos aqueles decorrentes das leis trabalhistas e previdenciárias. Ora, nem por isso, podemos admitir uma redução das garantias estabelecidas em favor dos trabalhadores e dos segurados da Previdência Social, sob o argumento de que provocam um aumento dos custos para os empregadores.

72. Desta forma, houve um repasse do encargo gerado com a gratuidade para o aumento da tarifa, não procedendo, portanto, a alegação da autora de que se estabeleceu o desequilíbrio econômico financeiro dos contratos, em face de incalculáveis prejuízos financeiros.

3.2.1. Desnecessidade de definição de novos percentuais para a inclusão dos custos da gratuidade:

73. Em sua argumentação, prossegue o SETRANS/RN alegando que os reajustes tarifários posteriores não levaram em consideração a concessão da gratuidade e, desta forma, esta ficou sem nenhuma fonte de custeio. Todavia, é óbvio que a cada reajuste, não será necessário incluir os custos da gratuidade já concedida, pois estes já foram levados em consideração quando da aplicação do percentual de 4,2 % (quatro vírgula dois por cento). Trata-se de regra básica de matemática, pois caso as despesas decorrentes da gratuidade sejam sempre consideradas no cálculo da nova tarifa, aí sim se terá situação de injustiça.

74. É lição primária que, com a aplicação do percentual de 4,2 % (quatro vírgula dois por cento) para a compensação dos custos advindos com a concessão da gratuidade, a situação se equilibrou de modo que, nos próximos reajustes, esta circunstância não mais será considerada, mas sim outros fatores, como o aumento do combustível, por exemplo. Além disto, não é porque a gratuidade não foi levada em consideração nos aumentos subseqüentes que a mesma passa a ficar sem nenhuma fonte de custeio. Tal argumentação é totalmente absurda e errônea e subestima a inteligência dos membros deste Egrégio Tribunal.

75. A parte autora sustenta as suas alegações na Portaria 60/05 do DER, que teve parte de seu texto reproduzido na inicial (fls. 11):

“A questão do transporte de gratuidades e concessão de desconto aos estudantes, NÃO FOI CONSIDERADA NA FORMAÇÃO DO CUSTO. Diante desse fato sugere-se A INTERMEDIAÇÃO DO GESTOR NO DEBATE ACERCA DA NECESSIDADE EM SE DEFINIR UMA FONTE DE CUSTEIO,

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ou ao menos no caso dos idosos interceder quanto à alteração da lei estadual, visando ajusta-la ao Estatuto do Idoso”. (grifos constantes do original).

76. Analisando os documentos acostados pela requerente, percebe-se que o texto acima reproduzido refere-se não à mencionada Portaria, mas sim à Proposta da Nova Política Tarifária no tocante ao Sistema de Transporte Rodoviário Intermunicipal de Passageiros do Estado do Rio Grande do Norte, especificamente no item Modelo de Análise de Custos e Resultados Operacionais (fls. 53-68). Pela leitura da referida Proposta (fls. 62), resta claro que, ao tratar do fator Adicionais Incidentes, há apenas uma sugestão no sentido de que se interceda para, no caso dos idosos, alterar a lei estadual visando ajustá-la ao Estatuto do Idoso. Todavia, a ação direta de inconstitucionalidade aqui interposta não é a via adequada para a satisfação de tal pretensão.

77. Além disto, é importante reproduzir as informações prestadas pelo DER (fls. 78-81) que prestou esclarecimento sobre o custeio da gratuidade concedida:

“De acordo com a fórmula de cálculo que fixa a tarifa, os custos são rateados entre os que pagam, ou seja, entre os passageiros equivalentes (termo comumente difundido no meio técnico). Ao se calcular o passageiro equivalente, os que possuem mais de 65 anos, por terem isenção total na tarifa, não correspondem a qualquer unidade de passageiro equivalente, e os estudantes que possuem 50% de desconto tarifário, correspondem a 0,50 passageiro equivalente. Na Portaria 0060/05, o termo passageiro equivalente aparece nas páginas 6,11 e 14, demonstrando que os descontos concedidos por lei foram sim contemplados no cálculo da tarifa. Desta forma, quem não paga ou viaja com desconto está recebendo um tipo de subsídio oculto dos passageiros que pagam. Sendo assim, pode-se afirmar que:- Na definição da tarifa, foram consideradas as gratuidades e descontos concedidos; e- Não são as empresas permissionárias que arcam com os custos advindos das gratuidades e sim os usuários pagantes”.

78. Além destas considerações, o DER ainda esclarece o significado do trecho acima transcrito da Portaria 060/05:

“Cabe ainda esclarecimentos com relação ao trecho da Portaria nº 0060/05 que diz que ‘a questão do transporte de gratuidades e concessões de descontos aos estudantes, não foi considerada na formação dos custos’. Na realidade, as

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concessões de gratuidades e descontos são levados em conta quando do rateio dos custos, não permitindo desta forma que as empresas operadoras sejam penalizadas pelo Poder Público quando da determinação dos grupos sociais”.

79. Faz-se necessário ressaltar que, apesar de haver diferenciação entre os critérios adotados pela Lei estadual 6.269/92 e o Estatuto do Idoso no que se refere à concessão da gratuidade (o primeiro diploma a atribuiu aos maiores de 65 anos, enquanto este último exige a renda igual ou inferior a 2 salários mínimos - art. 40), não há necessidade de adequação da lei estadual ao estatuto do idoso. Trata-se de questão de competência legal que, no caso do transporte intermunicipal, compete ao Estado disciplinar a matéria, enquanto que o transporte interestadual compete à União. Portanto, são sistemas autônomos e independentes que podem ter regramentos diferenciados.

80. A Constituição Federal de 1988 adotou como forma de estado o federalismo, que tem como característica essencial a autonomia dos Estados-membros da federação. Estatui o art. 18 da Lei Maior que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Um dos aspectos desta autonomia é, justamente, a possibilidade de elaborar leis para disciplinar as questões de seu interesse, desde que a matéria esteja incluída dentre as suas competências.

81. No exercício de suas competências os Estados são livres para adotar a legislação que entenderem ser a mais adequada à sua realidade, sem qualquer interferência da União. É o que resulta do texto constitucional, que assim dispõe:

“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.”

82. O art. 40 do Estatuto do Idoso não é uma norma geral que deve ser complementada pelos Estados. Trata-se, na verdade, de uma regra estatuída no exercício de competência privativa da União, porquanto os Estados não podem legislar sobre transporte coletivo interestadual. Já o transporte coletivo intermunicipal constitui competência reservada aos Estados, em conformidade com o art. 25, § 1º, da Carta Magna. Não cabe à União disciplinar o transporte coletivo intermunicipal, pois tal assunto é de interesse exclusivo dos Estados, estando compreendido na sua competência reservada. Qualquer interferência da União nesta seara caracteriza uma ofensa à autonomia dos entes federados, razão pela qual o art. 40 do Estatuto do Idoso restringe-se ao transporte que ultrapassa os limites de Estado, não podendo ser aplicado àquele realizado em

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caráter intermunicipal. Portanto, a gratuidade no transporte coletivo intermunicipal não está sujeita às disposições desse diploma legal, sendo regida apenas pela legislação estadual, como expressão da autonomia dos entes federados.

83. Alega ainda o SETRANS/RN (fls. 15) que o artigo 5º da Portaria nº 142/02 que repassou o percentual de 4,2% (quatro vírgula dois por cento) ao cálculo tarifário foi revogado frente à Nova Política Tarifária adotada em setembro de 2005 e referida logo acima. Todavia, tal interpretação é totalmente absurda e descabida, pois não é porque o texto desta mencionada Política menciona que o novo reajuste não considerou a questão da gratuidade (e nem deveria, pois este custo já foi incluído com a aplicação do percentual de 4,2%), que o reajuste aplicado anteriormente fica automaticamente revogado.

84. Ora, somente poderíamos falar de revogação ou desconsideração do reajuste anterior, se a tarifa tivesse retornado ao status quo ante, ou seja, tivesse diminuído o seu valor para o patamar em que se encontrava antes da aplicação dos 4,2% (quatro vírgula dois por cento), o que não ocorreu no caso concreto.

85. Questão que merece registro é o fato de que o Poder Público já dá a sua contribuição para a gratuidade nos transportes, mediante a redução de IPVA4 para o transporte coletivo urbano e a isenção de ICMS5 no transporte intermunicipal abrangidos na região Metropolitana. Portanto, o Governo do Estado, através da concessão de benefícios fiscais, subsidia parcialmente a gratuidade haja vista que, no regime de concessão, o concessionário deve ser remunerado pela tarifa paga pelos usuários e não pelo poder concedente.

3.3. Afronta ao princípio da Livre Iniciativa – Compatibilização com o dever de amparo aos idosos :

86 A Constituição Federal dispõe, em seu artigo 230 que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando a sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida.

87. O Estatuto do Idoso proclama, em seu artigo 8º, que o envelhecimento é um direito personalíssimo e sua proteção um direito social, nos termos desta lei e da legislação vigente.

88. Como se percebe, a gratuidade concedida aos idosos se coaduna com o sistema constitucional e com a legislação ordinária, pois cabe não

4 Art. 8º, V do Decreto nº 13.651, de 19 de novembro de 1997: “São isentos de imposto os ônibus e veículos similares empregados exclusivamente em linhas de

transporte coletivo urbano, mediante concessão ou permissão da autoridade municipal competente”.

5 Art. 25, I-A do Decreto nº 13.640, de 13 de novembro de 1997: “São isentos do ICMS as prestações de serviços de transporte intermunicipal de passageiros, desde que

com características de transporte urbano ou metropolitano, na região de Natal, São Gonçalo do Amarante, Ceará Mirim, Extremoz, Macaíba e Parnamirim”.

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somente ao Estado, mas também à sociedade e à família, o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando a sua participação na comunidade. A concessão do direito aqui tratado possibilita que essas pessoas possam exercer os seus direitos à saúde, ao lazer, à educação, entre outros, especialmente o direito de ir e vir, pois o transporte gratuito, principalmente para aqueles que sobrevivem de aposentadorias insuficientes para o suprimento de suas necessidades básicas, apresenta-se como um verdadeiro suporte para que os idosos possam gozar, com menores dificuldades, o seu direito de ir e vir.

89. O direito dos usuários de 65 anos ao transporte gratuito não é um fim em si mesmo, mas sim uma garantia de qualidade de vida digna. Os preços das tarifas poderiam se constituir em uma dificuldade, quando não uma impossibilidade enfrentada pelos idosos, o que acarretaria a manutenção dos mesmos em suas casas, sem qualquer participação na sociedade.

90. A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, no Mandado de Segurança n° 2006.01.00.0433542-2/DF, proveniente do TRF-1ª Região, interpôs pedido de Suspensão de Segurança ao Supremo Tribunal Federal, visando conferir imediato cumprimento do disposto no art. 40, I e II da Lei n° 10.741/03 (Estatuto do Idoso) que dispôs sobre a gratuidade para as pessoas idosas no transporte interestadual. Aquela, na sua argumentação, alegou o seguinte:

“Observa-se que a diferenciação imposta pelo art. 40 da Lei n.º 10.741/2003 conforma-se com o sistema constitucional. Trata-se de um meio para atingir um fim juridicamente colimado, qual seja, a integração social dos idosos carentes. O tratamento normativo diferenciado configura-se legítimo, se estiver preordenado à consecução de um fim perseguido pelo Direito. Deve-se partir de uma consideração teleológica” (Item 100 – p. 22).

91. Ressalte-se que os questionamentos feitos à gratuidade do transporte interestadual para as pessoas idosas, são idênticos aos levantados neste processo com relação à gratuidade nos transportes intermunicipais. Tanto é assim que o SETRANS/RN transcreveu, na inicial desta ação, parte do voto do Ministro Edson Vidigal referente à ação que impugna o direito conferido pelo Estatuto do Idoso. Todavia, apesar de se tratar de situações semelhantes, há de se enfatizar que a normativa estadual da gratuidade tratada neste feito, previu um reajuste tarifário de 4,2% (quatro vírgula dois por cento), diferentemente do que ocorreu na situação do transporte interestadual. Porém, ainda assim, atualmente, em razão do referido Pedido de Suspensão de Segurança promovido pela ANTT (nº 3052), o Supremo Tribunal Federal entendeu que o dispositivo do Estatuto do Idoso que concede o benefício da gratuidade nos transportes coletivos interestaduais confere parcial concretização à norma constitucional prevista no seu artigo 230. O Ministro Gilmar Mendes entendeu que suposto prejuízo ou

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desequilíbrio de custos na equação da prestação dos serviços concedidos pode ser eventualmente superado, a partir da atuação da própria Administração, ou desta em conjunto com as prestadoras do serviço. Portanto, foi concedida a suspensão da segurança por se vislumbrar que, no caso, restou devidamente demonstrada a grave lesão à ordem pública, considerada a perspectiva da ordem jurídico-constitucional, ante o dever e a necessidade de concretização dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, notadamente o dever de o Estado amparar o idoso economicamente hipossuficiente.

92. A parte autora sustenta que a Lei Estadual 6.269/92, traz uma imposição de obrigação indevida às empresas de transporte, pois não observa os princípios fundamentais da livre iniciativa e da propriedade (art. 1º, IV, art. 5º, caput, art. 170, II e parágrafo único da CF/88 e art. 111 da Constituição Estadual). Aquela, na sua fundamentação, alega o seguinte:

“Ora, não pode deixar de ser considerado que a intervenção do Estado na atuação mercantil das empresas (impondo-lhes sem contraprestação, ônus relativo à concessão de passagens gratuitas de transporte coletivo) está a ferir de morte os princípios da livre iniciativa e da propriedade, pois restou criada OBRIGAÇÃO NOVA que está a reduzir drasticamente o faturamento das empresas permissionárias e em conseqüência os seus lucros, características de suas atuações mercantis que estão em sintonia com a ordem constitucional em vigor” ( grifos constantes do texto original - fls. 18).

93. Pela transcrição, observa-se que a autora supõe existir um manto de proteção intocável no sistema de transporte. Todavia, a mesma ignora que o transporte coletivo, por natureza, é um serviço público, sendo a sua execução delegada ao particular, através de uma concessão. Desta forma, as empresas concessionárias, por estarem desempenhando um serviço público, devem suportar além do bônus de um prestar um serviço essencial à coletividade (e, portanto, bastante lucrativo), os encargos sociais, pois não se submetem ao regramento das atividades meramente privadas. Aliás, inclusive estas são passíveis da intervenção do Poder Público, como ocorre, por exemplo, com a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas relações comerciais entre particulares. Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Melo dispõe o seguinte:

“Por estar em pauta um serviço público – ou obra pública, como resulta da já mencionada dicção desabrida do art. 2º, II -, jamais poderia o concedente despojar-se do elementar dever jurídico de ajustar o serviço ou a obra ao interesse público, sempre que suas cambiantes necessidades o impusessem”. (MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de

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Direito Administrativo. 10ª ed. Ed. Malheiros. São Paulo. 1998. p. 477).

94. Portanto, tratando-se de um serviço público, o objetivo da concessão não é o proveito de lucro por parte do empresariado, mas sim a atenção das necessidades da sociedade. Desta forma, a concessão da gratuidade nos transportes intermunicipais não se trata de intervenção indevida do Poder Público, pois este agiu em conformidade com o comando constitucional que determina a proteção e o amparo às pessoas idosas.

95. Além disso, há que se atentar para a função social dos contratos, pois o novo Código Civil aposentou o velho modelo individualista adotando um novo sistema que exige das atividades um custo social. Neste sentido, dispõe o artigo 421 do mencionado diploma legal: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Isto significa que o contrato deve ser colocado não apenas a serviço dos contratantes, promovendo-lhes o enriquecimento, mas também a serviço da sociedade como um todo, tornando-o um instrumento de construção da dignidade do homem e de uma sociedade mais justa e igualitária.

96. Portanto, caso se entenda existir um possível conflito de princípios (livre iniciativa e dever de amparo ao idoso), este há de ser solucionado ante a aplicação do princípio da proporcionalidade, mediante a ponderação dos valores constitucionalmente tutelados. Na situação em exame, se tem dois interesses: o interesse econômico das empresas de transporte e o seu direito de propriedade; e o interesse da população idosa de ter a sua dignidade preservada com a sua inclusão social. Resta clarividente que este último interesse prevalece sobre o interesse das empresas, ainda mais pelo fato de que aquelas estão executando um serviço público, além de que os custos com a gratuidade já foram observados com a aplicação do percentual de 4,2% (quatro vírgula dois por cento).

97. Porém, há que se ressaltar que não se vislumbra, no caso concreto, uma violação aos princípios da livre iniciativa e da propriedade, pois as empresas de transporte intermunicipal não estão sendo impedidas de desenvolver normalmente as suas atividades. Somente haveria ofensa a tais princípios se a atividade empresarial fosse inviabilizada, o que não ocorre no caso, pois a Lei 6.269/92 e as portarias que a regulamentam não restringiram o direito das empresas de executarem os seus serviços.

98. Em voto vencedor proferido no AI 2005.04.01.039599-2/RS, a Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 4a Região, já chamava a atenção para a questão, nos seguintes termos:

“Por fim, não posso deixar de anotar que a proteção à velhice tem escopo constitucional (art. 230), bem como é garantido o

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direito de propriedade (art. 5º, XXII) que, alegadamente, seria afetado pelo cumprimento da disposição legal em debate. A oposição entre tais valores constitucionais deve ser equacionada a partir da utilização das técnicas de harmonização de preceitos e fomentadora da unidade constitucional, as quais indicadas pela prevalência, no tanto necessário, do princípio jurídico-constitucional de maior relevância, de modo que o direito à propriedade cede passo à proteção à velhice, pela singela razão de que o amparo ao idoso vincula-se diretamente à efetivação de um dos direitos fundamentais da República, qual seja, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).Quanto à questão do equilíbrio econômico-financeiro, a Constituição prevê como equilíbrio econômico-financeiro (art. 37, XXI) a manutenção das condições efetivas da proposta de em licitação. Se na situação concreta há esse direito, penso que é uma questão que deve ser resolvida posteriormente. Primeiro, garante-se o direito fundamental. Se o reequilíbrio não for feito espontaneamente, unilateralmente, pela Administração, cabe às empresas ingressarem com ação para garantir esse suposto direito, ou seja, o reequilíbrio econômico-financeiro é um direito de categoria inferior ao direito fundamental dos deficientes e idosos. Não se pode antepor o suposto direito ao reequilíbrio econômico-financeiro ao direito fundamental dos idosos ao transporte coletivo gratuito.”

99. O eminente doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet6, ao discorrer sobre o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais no direito constitucional positivo brasileiro, em razão no disposto no § 2º do art. 5º da CF7, elenca, dentre um exemplo de direito fundamental fora do catálogo (porém, disperso no texto constitucional) o direito à utilização gratuita dos transportes públicos coletivos para pessoas com mais de 65 anos de idade (art. 230, § 2º CF).

100. Não há como negar a similitude entre a situação regulada na Carta Magna no dispositivo acima mencionado e a gratuidade tratada na lei 6.269/92. Ambas visam a inclusão social do idoso, estabelecendo uma concretização do direito de ir e vir dessas pessoas de uma forma digna. A Constituição Federal, no art. 5o, §2o, afirma que os direitos fundamentais nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados. Desta forma, é possível se admitir que possa a lei criar outros direitos fundamentais com base no princípio de amparo à pessoa idosa, podendo-se

6 SARLET, ingo Wofgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre. 2004. p. 134.

7 Art. 5º, § 2º da CF: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

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estender os direitos fundamentais sociais expressamente previstos na Carta Magna. Assim, independente de se entender a gratuidade intermunicipal como um direito fundamental, não há como negar que é plenamente lícito ao legislador o estabelecimento de tal direito.

101. Assim, ao Judiciário compete preservar, defender e fazer valer o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que deve sobrepor-se a qualquer interesse econômico privado, sob pena de ofensa ao Princípio da proporcionalidade dos interesses em conflito. Além disso, a supressão de um benefício já incorporado há anos na vida dessas pessoas se traduzirá em uma catástrofe social, fazendo com que os idosos amarguem uma sensação de exclusão social.

102. Como já dito, os interesses econômicos não podem se sobrepor aos interesses sociais mais relevantes. A supressão aos idosos do direito constante na lei 6.269/92, em nítido favorecimento dos interesses econômicos das empresas transportadoras, em detrimento dos interesses dos cidadãos idosos deste Estado, viola frontalmente os valores da solidariedade e da dignidade da pessoa humana e, especialmente, o princípio de amparo à pessoa idosa consagrado no artigo 230 da Constituição Federal.

103. Portanto, em cumprimento aos direitos fundamentais e em respeito aos princípios da “Dignidade da Pessoa Humana”, da “Solidariedade”, da “Isonomia”, da “Proporcionalidade”, bem como a legalidade da gratuidade tarifária do transporte público intermunicipal concedida aos idosos, como benefício tarifário e não como benefício assistencial, não merece ser acolhida a pretensão do sindicato autor dessa ação, devendo a norma impugnada ser mantida em nosso ordenamento jurídico.

4. CONCLUSÃO

104. Isto posto, estas representantes do Ministério Público opinam no seguinte sentido:

a) pela rejeição das preliminares de litispendência, falta de interesse de agir por perda superveniente do objeto da ação e incompetência absoluta do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, suscitadas pela Procuradoria do Estado e pelo DER/RN;

b) pelo acolhimento da preliminar de falta de interesse processual por inadequação da via eleita, que suscita o Ministério Público, extinguindo-se o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil;

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Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2006.000119-6.

c) no mérito, pela improcedência do pleito formulado na exordial, declarando-se a constitucionalidade da Lei nº 6.269/92.

É o parecer.

Natal (RN), 22 de outubro de 2007.

Patrícia Albino Galvão PontesPromotora de Justiça em Substituição legal ao

Procurador-Geral de Justiça, nos termos da Portaria nº 2534/2007-PGJ.

Juliana Limeira TeixeiraPromotora de Justiça em Substituição legal ao

Procurador-Geral de Justiça, nos termos da Portaria nº 1885/2007-PGJ.

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