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A Lenta Agonia Da Indústria Brasileira

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    Retrato doBrasil

    A lenta agonia da indstria brasileira

    Como a produo nacional, pujante at os anos 1980, declina, desnacionaliza-se e concentra-se em bens de baixatecnologia. Quais as consequncias econmicas e sociais. Como reverter espiral descendente

    Por Tia Magalhes, no Retrato do Brasil, parceiro editorial de Outras Palavras

    No ms em que, ano passado, se iniciou a campanha eleitoral gratuita em rdio e TV para o cargo de presidente daRepblica, o presidente da Confederao Nacional da Indstria (CNI), Robson Braga Andrade, afirmou em palestrana Associao Comercial do Rio de Janeiro que o desempenho da indstria brasileira no segundo trimestre foi umfracasso e que o ano estava perdido para o setor, o qual atravessa talvez um dos piores momentos da histria.

    A situao no muito diferente da vivida nos ltimos trs anos. Em 2011, o setor teve crescimento da produo de0,4%; em 2012, queda de 2,5%; e, em 2013 passado, alta de 1,2%. Segundo a Associao Brasileira da Indstria deMquinas (Abimaq), o segmento por ela representado est ainda pior: nos primeiros cinco meses do ano passado,as vendas foram 14% menores do que no mesmo perodo de 2013. Nmeros como esses reforam a ideia de que oPas passa por uma fase de desindustrializao.

    O setor industrial considerado o motor do desenvolvimento econmico pelos efeitos que exerce para a frente epara trs na cadeia produtiva, pelo potencial de elevao da produtividade, pela maior ocorrncia de mudanatecnolgica e sua possibilidade de difundir esse progresso a outros setores da economia. Quando a indstria de umpas atinge elevado padro de sofisticao, com a produo no s de bens de consumo, mas tambm de bensintermedirios e bens de produo, ocorre a elevao da renda percapita, a pauta de exportaes dominada porprodutos industriais de grande valor agregado e a prpria estrutura produtiva passa a exigir servios mais modernose diversificados, aumentando seu peso relativo no PIB. Alcanado esse patamar, ocorre, ento, um processo dedesindustrializao da economia, que positivo e natural.

    De acordo com a definio mais amplamente aceita, a desindustrializao acontece quando tanto o emprego

  • industrial perde importncia no conjunto do mercado de trabalho quanto a produo industrial perde participao noPIB. A desindustrializao pode ocorrer, portanto, quando o emprego e o PIB esto em expanso, mas a indstriacontribui em menor proporo para isso.

    A desindustrializao adquire carter negativo quando ocorre de forma precoce, sem que tenha havido o plenodesenvolvimento industrial de um pas. H, ento, uma reverso da pauta exportadora em direo s commodities,produtos primrios ou manufaturas com baixo valor adicionado e baixo contedo tecnolgico, algo que, segundoalguns economistas, pode ser sintoma da doena holandesa, numa referncia ao processo de perda decompetitividade da indstria da Holanda quando a subida dos preos do gs nos anos 1960 aumentouexpressivamente as receitas de exportao do pas, valorizando a moeda local.

    Alguns economistas consideram que a desindustrializao de maneira geral no um fator relevante para ocrescimento de longo prazo, que seria resultado do processo de acumulao e do progresso tecnolgico,independentemente da composio setorial da produo. Outros acreditam que, no caso brasileiro, as mudanas daeconomia nos ltimos vinte anos, ao contrrio de trazer prejuzos, favoreceram a indstria ao permitir a importaode mquinas e equipamentos tecnologicamente mais avanados, modernizando o parque industrial brasileiro e,consequentemente, a prpria expanso da produo industrial.

    Independentemente das opinies quanto aos efeitos da desindustrializao para o futuro da economia brasileira, inegvel que a indstria vem perdendo espao no PIB. Esse processo teve incio nos anos 1980. No texto Adesindustrializao no Brasil, escrito em 2012, Wilson Cano, professor da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), lembra que a participao da indstria de transformao no PIB em 1980 era de 33% e caiu para 18%em 2010 em 2012, segundo dados da Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (Fiesp), desceu para13,3%. Cano mostra que entre as taxas mdias anuais de crescimento dos setores que formam o PIB, a da indstriade transformao a que apresenta pior resultado: entre 1989 e 2001 ficou em 1,4%, entre 2001 e 2006, em 2,8% eentre 2006 e 2010,em 2,3%.

    Ele analisa ainda a evoluo da relao entre o valor da transformao industrial (VTI) e o valor bruto da produoindustrial (VBPI) que mede o quanto o processo de transformao industrial representa no valor total dos produtos, a qual caiu de 47 em 1996 para 41,1 em 2004, crescendo um pouco a partir de 2006, fato que atribui aosincentivos a determinados setores da indstria, em funo de polticas anticclicas do governo, como a reduo doImposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automveis e linha branca. Tais estmulos foram eliminados noincio de 2015, quando Joaquim Levy assumiu o ministrio da Fazenda.

    Fernando Maccari Lara, professor da Unisinos, do Rio Grande do Sul, fez um estudo do processo dedesindustrializao para o perodo de 1994 a 2010, separando os indicadores nos governos dos ex-presidentesFernando Henrique Cardoso e Luiz Incio Lula da Silva. O trabalho mostra que, no conjunto desses dezesseis anos,a taxa mdia de crescimento da indstria foi de 1,93% ao ano. Considerando apenas a indstria de transformao,que tem maior poder de repercusso sobre o desenvolvimento, a taxa foi ainda menor, de 1,51% ao ano, enquanto ocrescimento mdio do PIB foi de 2,58%.

    Lara utiliza como indicadores a diferena, expressa em pontos percentuais (pp), entre a taxa de crescimento do PIBe a taxa de crescimento da indstria e entre a taxa de crescimento do PIB e a taxa de crescimento da indstria detransformao. Quando a diferena negativa, isso indica desindustrializao. No conjunto dos dezesseis anos, ataxa diferencial para a indstria de transformao foi de -1,07 pp ou seja, a economia como um todo cresceu maisdo que esse ramo da indstria. Para o conjunto da indstria, a diferena foi de -0,65 pp. A desindustrializao foimaior no perodo Lula: -0,77 pp para o conjunto da indstria e -1,34 pp para a indstria de transformao (no perodo

  • FHC, os ndices foram, respectivamente, -0,52 e -0,79).

    O estudo utiliza tambm dados da Relao Anual de Informaes Sociais (Rais) para analisar o comportamento doemprego, o outro indicador da desindustrializao. Para o conjunto do perodo h reduo na participao doemprego industrial, que em 1994 representava 21,37% do total e caiu para 17,89% em 2010. Nos primeiros oito anos(perodo FHC) a taxa mdia de crescimento do emprego na indstria de transformao foi de 0,37% ao ano e a doemprego total foi de 2,43%, o que gerou o ndice equivalente a -2,06 pp. No perodo Lula, quando a taxa decrescimento do emprego em geral foi maior, de 5,51% ao ano, a da indstria de transformao atingiu 5,32%, o queresultou em -0,19 pp, evidenciando que, tambm por esse ngulo de anlise houve desindustrializao nosdezesseis anos analisados. No caso do emprego industrial, o problema tambm vem de antes: a participao daindstria de transformao no conjunto do pessoal ocupado caiu de 15,5% em 1980 para 12,4% em 1995.

    Uma das principais causas apontadas para a desindustrializao precoce a valorizao da taxa de cmbio. Laramostra que no perodo de cmbio desvalorizado, que vai do quarto trimestre de 1998 ao quarto trimestre de 2004, asdiferenas entre o crescimento do PIB e do emprego no conjunto da economia e os respectivos crescimentos naindstria e na indstria de transformao so sempre positivas, indicando maior crescimento da indstria do que noconjunto da economia. Nos dois perodos de cmbio valorizado, entre o quarto trimestre de 1994 e o quarto trimestrede 1998 e entre o quarto trimestre de 2004 e o quarto trimestre de 2010, no entanto, as diferenas entre todas astaxas so negativas.

    A observao em detalhe sobre como se deu essa queda de participao da indstria na economia brasileira revelaque o setor no s perdeu importncia na economia como regrediu em seu desenvolvimento interno, concentrando-se mais e mais na produo de bens menos sofisticados tecnologicamente. Cano mostra em seu trabalho que o VTIdo setor de bens de capital representava 15,6% do VTI correspondente ao conjunto da indstria de transformaoem 1970 e alcanou 19,9% em 1980. Mas, em 1996 j havia cado para 14,4% e chegou a 10% em 2003 (em 2009,era de 11%).

    Em seu estudo, Lara apresenta dados levantados por Ricardo Carneiro, professor da Unicamp, correspondentes aoperodo entre 1996 e 2008, os quais detalham os saldos comerciais brasileiros relativos a produtos industriais e noindustriais a cada trs anos. Os saldos dos produtos no industriais crescem a partir de 1996 de forma contnua eexpressiva (de 510 milhes de dlares em 1996 para 26 bilhes de dlares em 2008). J os dos industriais sonegativos no perodo de valorizao cambial ocorrido entre 1996 e 1999 (-5 bilhes de dlares e -4,5 bilhes dedlares, respectivamente), tornam-se positivos em 2002 (8 bilhes de dlares) e em 2005 (33,2 bilhes de dlares),quando o cmbio se desvaloriza, e voltam a ser negativos em 2008 (-1,3 bilho de dlares), novo perodo devalorizao. Enquanto os saldos comerciais dos produtos de mdia-baixa tecnologia e baixa tecnologia so semprepositivos, com maior crescimento no saldo dos produtos de baixa tecnologia, os dos produtos de alta e mdia-altatecnologia so sempre negativos, de tal forma que em 2008 esse dficit chega a 51 bilhes de dlares, mais do quea entrada de capital estrangeiro na forma de investimento direto no Brasil naquele ano (45 bilhes de dlares).(tabela)

    A desvalorizao cambial ao longo dos oito anos de governo Lula promoveu mudanas nos coeficientes deexportao e importao da indstria. O coeficiente de importao da indstria em geral passou de 14,6 % em 2005para 21,8% em 2010 no caso das mquinas e equipamentos para fins industriais e comerciais, saltou de 33% para47,2%. O coeficiente de exportao da indstria em geral foi de 21,1% em 2005 para 18,9% em 2010, mas o deautomveis, caminhes e nibus caiu mais, de 28,7% para 13,4%, enquanto o da indstria extrativa subiu de 54,5%para 75,3%, segundo dados da Fiesp apresentados por Fernando Maccari. E Carneiro observa ainda que doisconjuntos de setores aumentaram o coeficiente de exportao: o da empresas industriais ligadas base dematrias-primas e o das produtoras de bens de capital, devido, neste caso, a uma tendncia de crescimento decoeficiente de importao no setor, indicando atividades de montagem.

    Mesmo o capital estrangeiro, que aumenta cada vez mais seu domnio sobre a indstria brasileira, est diminuindoseus investimentos no setor. Estudo da CNI, divulgado no incio do ms passado, mostra que o investimento

  • estrangeiro direto (IED) na indstria caiu de 46,5% em 2007 para 33% em 2013, enquanto o IED no setor agrcola emineral cresceu de 13,9% para 26,2% e em servios aumentou de 38,1% para 44% no mesmo perodo.

    E com a perda do vigor da economia, que cresceu em ritmo lentssimo nos ltimos trs anos, a situao da indstriaficou ainda mais agravada. At no agronegcio se pode perceber o retrocesso. Nos ltimos dez anos, segundo aAssociao Brasileira das Indstrias de leos Vegetais (Abiove), a produo de soja cresceu 73%, mas acapacidade de moagem da indstria aumentou apenas 35%, enquanto o volume de matria-prima efetivamenteprocessada cresceu menos ainda: 28%. E se em 2004 o Brasil processava 57% da soja produzida, a Abiove esperapara este ano apenas 42%, devido, principalmente, a mudanas na China, que hoje prefere comprar soja paraprocessar no prprio pas. E mesmo a rea automobilstica, o setor mais dinmico da indstria no Pas o qualreduziu a produo de 2,8 milhes de veculos em 2010 para 2,7 milhes em 2014, perodo em que as vendas aoexterior passaram, respectivamente, de 610 mil para 397 mil unidades estima forte retrao este ano.

    Diante da evidncia da perda relativa do papel da indstria na economia, os empresrios cobram medidas dogoverno. Em meados do ano passado, a CNI promoveu um debate com presidenciveis, quando apresentou umconjunto de 42 proposies para o aumento da produtividade e da competitividade. A proposta da entidadeestabelece para 2018 o cumprimento de cinco metas: sistema tributrio livre de ineficincias que o caracterizamhoje, mudanas nas relaes de trabalho no sentido de liberdade de negociao, crescente participao da iniciativaprivada e maior alocao de recursos pblicos em infraestrutura, juros em padres prximos dos internacionais etaxa de cmbio competitiva, melhoria expressiva na educao bsica. Nada muito diferente do rumo das reformasliberais dos anos 1990, cujo resultado foi exatamente a desindustrializao.

    Carlos Pastoriza, presidente da Abimaq, eleito recentemente, disse ao dirio Valor Econmico que, em conversascom empresrios de diversos segmentos da indstria de mquinas, observou que muitos esto fechando fbricas etransformando suas empresas em importadoras. E as empresas que ainda esto resistindo constituem um parquefabril envelhecido, com equipamentos com dezessete anos de uso em mdia, segundo avaliao do ex-ministro doDesenvolvimento, Mauro Borges, exposta em evento sobre o comrcio exterior brasileiro em 2014. Por essa razo,inclusive, um dos pleitos da Abimaq aos candidatos Presidncia da Repblica foi a implantao de um programa demodernizao, que vem sendo chamado de Modermaq, que envolveria crdito fiscal de 15% para empresas quecomprovarem o descarte de mquinas antigas substitudas por novas.

    Reverter o processo de desindustrializao no fcil. Uma mudana na poltica de valorizao cambial, comomuitos reclamam, poderia, em tese, favorecer um processo de reindustrializao, como j ocorreu entre 1999 e2004. Embora o cmbio tenha efetivamente um papel nesse processo, ele evidentemente no explica tudo. Bastaver que mesmo nos perodos de valorizao cambial as reas industriais menos avanadas tecnologicamenteconseguem manter supervits, especialmente as de baixa tecnologia. Mas o problema est nos produtos de maiorcontedo tecnolgico, nos setores de ponta, nos quais nossa indstria no competitiva.

    Em seu estudo, Cano aponta algumas das principais causas do processo que conduziu o setor a essa situao. Eledestaca a eliminao indiscriminada da proteo que o Pas tinha sobre as importaes como um dos fatores queagravaram nossa desindustrializao. E, principalmente, o fato de ter assumido compromissos internacionais, comoa entrada na Organizao Mundial do Comercio (OMC), que o impede de enfrentar seus problemas com polticasadequadas. Cano atribui abertura da conta de capital a questo central: China, Rssia e ndia, mesmo sendoeconomias de mercado, mantm controle sobre entrada e sada de capitais internacionais e nacionais, sobreremessas de lucros e dividendos e sobre fluxos de investimentos.

    Ele avalia que o que est ocorrendo com a indstria brasileira no apenas uma crise passageira, mas acontinuidade de uma longa crise iniciada no final da dcada de 1970, a qual destruiu instituies dedesenvolvimento, debilitou o Estado e desvirtuou o caminho do empresariado produtivo e progressista. Ele lembraque nenhum pas se tornou uma potncia industrial sem forte apoio e proteo do Estado, cujos maiores exemplosso, antes da China, a Alemanha, o Japo e a Coreia do Sul. E no caso brasileiro, nenhuma poltica industrial sereficiente se no houver mudanas importantes na poltica macroeconmica, especialmente nos juros e cmbio e

  • conta de capitais, alm da subordinao OMC.

    A lenta agonia da indstria brasileira