os valores na llteratura: uma leitura a partir da obra de terry...
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Graziane R. de Souza Carvalho
Trabalho de Conclusao de Curso apresentado aocurso de Licenciatura em Letras Portuguesl Ingl~sda Faculdade de Ciemcias humanas daUniversidade Tuiuti do Parana, como requisitoparcial para a obten'Yao do grau acad~mico.
Orientador: Prof' Or. Sidney Reinaldo Silva
OS VALORES NA LlTERATURA: UMA LEITURA A PARTIR DA OBRA
DE TERRY EAGLETON
CURITIBA
2011
SUMARIO
1 INTRODUCAO 9
2 A LlTERATURA A PARTIR DE EAGLETON ..
2.1 A LlTERATURA PARA 0 FORMALISMO ...
. 12
. 12
2.2 A CONCEPCAO DE LlTERATUA A PARTIR DO PRAGMATISMO 14
2.3 IDEOLOGIA E JUiZOS DE VALOR NA LlTERATURA ..
2.4 A LlTERATURA E A liNGUA NACIONAL..
.....16
....19
2.5 INFLUENCIAS DA SCRUTINY NA LlTERATURA INGLESA ........... 24
3 CONCEPCAO DO LlVRO DIDATICO 34
4 LlTERATURA E DIVERSIDADE: UMA NOVA TENDENCIA .44
5 CONSIDERACOES FINAlS 55
REFERENCIAS .......................................... 60
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo investigar as valores eticos e ideologicos naliteratura, 0 que foi feito a partir da COnCeP9aO de literatura de Terry Eagleton.Mestra-S8 a relagEio entre literatura, ideologia e valores, alem de apresentar eanalisar as exigencias normativas do governo federal para 0 livro didatico de linguaportuguesa. 0 estudo e reallzado a partir de textos sabre literatura e produgEio devalores, e documentos normativQs para a produg8.o de livros didaticos. A analisedos valores na literatura e feita a partir da concepgElo diah~tica de Terry Eagleton,apresentado par urn levantamento de categorias eticas para S8 compreender aprodugEio de valores em textes literarios. 0 texto de Eagleton, "Teoria da literatura:uma introdug8o" e abordado no sentido de levantar a forma como a literaturatrabalha fatos, fic90es e valores. Apes determinada a correlayao entre Ilteratura evalores (ideologia), sao discutidos os textos sobre a politica nacional do livro didaticode lingua portuguesa, documento final da CONES -Conferencia Nacional deEducayao Basica, DCNEM, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Ensino Medio,no sentido de apontar como a base normativa de tais documentos expressa valoresda sociedade multicultural liberal. Conclui-se com a apresentayao do quadro etico-politico exigido pela sociedade multicultural liberal e suas repercuss6es naconcepyao de literatura escolar, especificamente no que se refere aos valorespresentes no texto.
Palavras-chave: literatura; ideologia; documentos normativos; livro didatico
OS VALORES NA LlTERATURA: UMA LEITURA A PARTIR DA OBRA DE TERRY
EAGLETON.
INTRODUi;AO
as valores se op6em aos tatos, valores expressam 0 que deveria ser, ou seja
urn ideal, fates dizem 0 que e. Contudo, eles naD sao meras fict;oes. Enquanto as
juizos de fata descrevem 0 que e a realidade empirica e factual, e a ficc;:ao mostra
urn quadro pintado pela imaginac;:ao, as valores apontam para 0 que deve ser, para
uma realidade desejiwel, seja para justificar as eoisas como elas sao au para
mostrar 0 quanta elas seriam injustas ou inaceitaveis do ponto de visa etico. JuizQS
de fates e ficyoes pod em S9 dizer neutros, mas as juizos de valores sao
comprometidos, expressam urn posicionamento etico-politico do autor. Perante isso,
pergunta-se em que sentido S8 pode talar de juizos de valores em textos literarios?
Qual seria a relac;ao deles com a discurso ideol6gico?
Vivemos numa epoca em que muito se cobra da escola urn compromisso com
a democracia e a jusli~a. Isso tem promovido um debate em torno do curriculo e do
material didatico, no sentido de denunciar farmas de discriminac;ao e depreciac;ao de
minarias, sejam etnico-raciais, de genero, religiao e outras formas de rebaixamento
do outro. A democracia e a justic;a exigem a valorizac;ao da diversidade. Essa e uma
questao que afeta diretamente a literatura que circula na escola. Nesse sentido,
norteado par principios democraticos justifica-se uma analise da forma pela qual, a
literatura divulga valores necessarios para se avaliar e escolher textos literiuios. A
obra de Eagleton (2006) contribui para se compreender 0 que e lileralura e a forma
como ela constr6i e veicula valores. Portanto, trata-se de uma pesquisa atual que
possa corroborar com a instituic;ao de en sine e na avaliac;ao de materia is didaticos a
partir de uma perspectiva democratica apresentando os valores que estao presentes
nos livros escolares.
Este trabalho tem como objetivo geral investigar a questao dos valores na
literatura, segundo 0 guia de livros didaticos e documento final da CONES. Seus
objetivos especificos sao apontar a concepc;:c3o de literatura de Terry Eagleton
(2006), mostrar a rela9ao entre literatura, ideologia e valores; apresentar as
exigemcias normativas do governo federal para 0 livro didatico de lingua portuguesa.
Avan9amos a hip6tese de que as novas exigencias "tico-politicas da sociedade
multicultural liberal tem repercuss5es na concepC;:Bode literatura escolar, sobretudo,
quando se trata da questao dos valores presentes nos textos.
o estudo sera leito a partir de textos sobre literatura e produ9ao de valores,
bern como de documentos normativos para a produc;:B.ode livros didaticos. A analise
dos valores na literatura sera feita a partir da concepc;:ao dialetica de Terry Eageton
(2006), operando-se urn levantamento de categorias "ticas para se compreender a
produ9ao de valores em textos literarios. 0 texto de Eageton (2006) "Teoria da
Hteratura: uma introduC;:Bo"sera abordado no sentida de levantar a forma como a
literatura trabalha fatos, fic~5es e valores. Depois de determinada a correlac,;:aoentre
literatura e valores (ideologia), sera abordado 0 texto sobre a polltica nacional do
livro didatico de lingua portuguesa, no sentido de como a base normativa de tal
documento expressa valores da sociedade multicultural liberal.
A literatura e formada por uma escrita "fatual", que diz respeito ao real au ao
que e de fato, e urna escrita ficcional, que se relaciona ao imaginativo ou criativo.
Segundo Eagleton, para 0 formalista Roman Jakobson, a literatura representa urn
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afastamento do cotidiano, sendo uma linguagem propria, urn fato material, analisado
mecanicamente, desvencilhada do conteudo, sentimentos ou pensamento
(EAGLETON, 2006). No seculo XIX, a literatura torna-se urn sin6nimo de
"imaginagao". Matthew Arnoldo foi uma figura marcante no que diz respeito a
produgao de uma obra espontanea, criativa e nao mecanica. Segundo Eagleton,
ambas as concep90es, "fatual" ou ficcional, pod em ser, aparentemente,
consideradas neutras par se tratarem de uma realidade empirica au por perpassar
simplesmente a imagina~ao do autor. Contudo Eagleton (2006) revela a ubiquidade
dos juizos de valores presentes na obra literaria. Eles expressam 0 posicionamento
etico-politico do autor, tecendo um discurso ideologico, 0 que leva a crer nao haver
neutralidade na produ~o literaria.
A partir dessa concepgaa sera abordado 0 guia de livros didaticos e
documento final da CONEB, sobretudo para levantar a correla~ao entre valores e
literatura e 0 que 0 governo propoe para a produ9ao do material pedagogico, ou
seja, os principios e valores do guia e da CONEB.
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2.1. A LlTERATURA PARA 0 FORMALISMO
Muitas sao as definil):oes de literatura, ha quem afirme tratar-se de uma
escrita "imaginativa", ou ficcional, relato nao veridico. Porem, sob a perspectiva do
estudioso Eagleton (2006, p.1) tal argumento nao se sustenta, ao observar que
existem muitos escritos nao factuais que sao considerados literatura. No entanto, a
distinc;ao entre fata e ficc;ao nao e relevante, po is a propria distingao muitas vezes se
torna questionavel. Pade-se afirmar que a literatura e composta par escrita "fatual" e
escrita ficcional. Dessa forma, a literatura passa a ser definida nao par ser ficcional
ou "imaginativa", mas porque emprega uma forma peculiar de discurso sabre 0 real
eo ideal.
Segundo Eagleton (2006, p.3-4), 0 formalismo foi a aplicagao da linguistica ao
estudo da literatura, no qual a literatura esta intimamente ligada a escrita. Eagleton
traduz 0 pensamento do formalista Roman Jakobson, como sendo a literatura uma
"violencia organizada contra a fala comum", po is se afasta do cotidiano, constituindo
uma linguagem propria, em torno de um objeto abstrato. A linguagem possui uma
essen cia material, promovendo a supera<;ao da forma em rela<;ao ao significado do
texto.
A linguagem, para 0 formalismo, e observada como urn fato material, podendo
ser analisada mecanicamente, desprezando totalmente 0 conteudo do texto,
sentimentos, ou pensamento do autor, e tornando possivel dissecar palavras
isoladas independentes do todo. Dentro desta perspectiva, 0 formalismo russo de
1920 buscou a aplica<;ao da linguistica ao estudo da literatura. Preocupada com a
estrutura da linguagem, estudiosos dedicaram-se ao estudo da forma literaria, 0
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conteudo, por sua vez, era apenas a "motivaC;:30"da forma, um pretexto para a
analise de produc;:oesartisticas.
Eagleton destaca que, para 0 formalismo, a caracteristica peculiar da
linguagem literaria ou 0 que a distingue de outras formas de discurso e 0 fato de
"deformar" a linguagem comum de varias maneiras, a linguagem corriqueira passa
por uma distorc;:aoou intensificac;:aolinguistica, distanciando da fala comum e a
tornando nao familiar, criando uma impressao dramatica da linguagem. Assim 0 que
seria habitual ganha urn destaque significativo e 0 resultado e uma intensifica<;aoda
experiencia da vida material, ou seja, 0 que era algo natural se torna artificial. A tim
de identificar 0 desvio da linguagem cotidiana, e preciso identificar a norma da qual
ela se afasta.
Contudo, Eagleton (2006, p.8) afirma nao existir uma linguagem que possa
ser considerada cotidiana e homogenea, ja que a linguagem consiste em uma
variedade muito cornplexa de discursos, de acordo com a classe social, regi30,
genero, situac;:ao,etc., Os formalistas, tinham consciemcia de que as normas e os
desvios de linguagem se modificariarn de acordo com 0 contexto social ou historico.
Para eles, 0 carater literario provem das rela90es diferenciais entre um discurso e
outro; nao desejavarn, portanto, detinir literatura, mas a "literariedade", ou os usos
especiais da linguagem, argumento que nao se mantem, se levar em considerac;:ao
que a fala se utiliza abundantemente de tais recursos. Na verdade, afirma Eagleton,
os formalistas consideram toda a literatura como poesia e tratam a prosa utilizando-
se de tecnicas poeticas.
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2.2. A CONCEPCAO DE L1TERATURA A PARTIR DO PRAGMATISMO
Oepois de caracterizar 0 formalismo, Eagleton foea a pragmatismo, como
outra concepyao de literatura. Tal corrente filos6fica considera algo como sendo uti I
e necessaria case apresente efeitos praticos e funcionais. 0 problema no argumento
sabre a Uestranheza" permite pensar que urn simples aviso no metro pede ser
considerado poesia, desse modo, passa a ter uma significac;:ao geral, ou ate mesma
cosmica, dependendo de quem 0 Ie, levando a crer que literatura e urn discurso "nao
pragmatico", refere-s8 apenas a urn estado geral das eaisas. Muitas vezes, pede ser
empregada uma linguagem peculiar para indicar uma forma de talar sabre
determinado tema, como a mulher, par exemplo, mas naD sobre alguem
especificamente. 0 enfoque na maneira como S8 fala, e naD na realidade do que se
aborda revela a literatura como sendo uma linguagem auto-referencial, que fala de si
mesma (EAGLETON, 2006, p.l0 e 12).
Contudo, para 0 pragmatismo, "doutrina que toma como criterio da verdade 0
valor pn;tico que tenha efeitos positiv~s e seja util ao homem" (Larousse Cultural),
tal perspectiva desconsidera que 0 valor veridico, a relevancia pratica do que e
mencionado, e importante para 0 resultado geral. Para 0 crilico apesar de haver
consciencia da importimcia do discurso nao pragmatico na literatura, permite-se
pensar que a literatura nao pode ser definida objetivamente, dependendo de quem a
Ie e nao de sua natureza. Dessa forma, destaca Eagleton, 0 leitor e quem
determinara se uma obra e ou nao pragmatica de acordo com sua visao de mundo e
vivencias pessoais.
Eagleton (2006 p.14-15) critica a concepyao pragmatica ao afirmar ser ela
uma definit;(ao extremamente formal e sem consistencia. Mesmo porque e
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necessario definir 0 que vern a ser pragmatico. a teorico continua relembrando que,
em muitas sociedades ao longo da historia, a literatura teve fun90es praticas, como
religiosa, por exemplo, e questiona se no caso de urn manual de biologia ele tem
fun90es praticas, ou nao. a critieo finaliza tal pensamento afirmando que nao ha
uma defini9aO do que vern a ser pratico ou nao e que tal tarefa esta longe de se
concretizar.
Ap6s apresentar os limites das concepg5es formalistas e pragmaticas,
Eagleton aponta para a questao do valor inerente a definigao de literatura 0 que a
torna historica. Ele diz nao devemos conferir um sentido geral ao que e literario, sem
considerarmos seu valor hist6rieo especifico, em outras palavras, depende da
praticidade conferida ao texto de acordo com a epoca a que for exposto. Pode-se
supor que as pessoas eonsideram como literatura a escrita bonita, 0 que esbarra no
juizo de valor estetico, mas tambem etico, do que deve ser. Os julgamentos de valor
estao, sem duvida, relacionados com 0 que se considera literatura, nao
necessariamente, no sentido de ser belo, mas que tem de ser do tipo considerado
belo. Por assim dizer a literatura esta longe de ser eonsiderada uma categoria
objetiva, no sentido de ser eterna e imutavel, ja que nao constitui uma entidade
estavel, dependendo de juizos de valor de uma epoca. Interpretam-se as obras
literarias baseando se em interesses pr6prios. E possivel ainda, que obras que
perpassam seculos, mesmo salvaguardadas preocupa90es inerentes a propria obra,
sejam-Ihe atribuidos valores de acordo com interesses e preocupa90es pr6prias a
sua epoca, dando a elas uma reescrita, mesmo que inconscientemente, pelas
sociedades que as leem.
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o que foi men cion ado anteriormente ocorre perfeitamente ainda nos dias de
hoje. Pode-se ler uma obra escrita em uma epoca distante de nossa realidade,
porem a leitura que sera realizada sera baseada na visao de mundo que se tern
construido dentro de cada leitor, conferindo a obra um significado diferente dos
leitores que viveram no contexte em que ela foi produzida. Nao obstante, as
sociedades a que se expoe a produc;:ao artistica nao estao imunes aos interesses
comerciais capitalistas, fato, que influencia diretamente na composic;:ao da obra, bem
como na formac;:ao do leitor, no que diz respeito a juizos de valor, do que deve ser
considerado belo, ou aceito como literatura (EAGLETON 2006, p.12 e 13).
2.3. IDEOLOGIA E JUiZOS DE VALOR NA LlTERATURA
o ate de classificar algo como literatura e, portanto, extremamente instavel.
Eagleton discute a relac;aode lato e valor na literatura. Partindo do pressuposto de
que os fatos sao publicos e indiscutiveis e os valores sao privados e gratuitos,
presume-se que afirmac;:oes sobre fatos pressupoem alguns juizos de valor
questionaveis. Nesse sentido, nao ha possibilidade de se fazer uma considerac;:ao
sequer de quest6es fatuais sem considerar uma carga ideol6gica imbuida na
apreciac;:ao. Para Eagleton, ideologia e a rnaneira pela qual 0 que dizernos e 0 que
acreditamos se relaciona com a estrutura de poder da sociedade em que vivemos.
Ou ainda, rna is especificarnente, os modos de sentir, avaliar, perceber e acreditar
ligados de alguma forma com a manutenc;:ao e reproduc;:ao do poder social
(EAGLETON, 2006, p. 22-23). Assim sendo, para ele, nao ha julgamento ou
interpretac;:ao critica que possa ser considerada puramente literaria. A definic;:ao de
literatura faz parte urn jogo de poder. Os juizos de valor nao consistem em
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preferencias pessoais, mas a pressupostos pelos quais certos grupos socia is
exercem e mantem 0 poder sobre outros, a partir de seus interesses.
Dada essa caracteristica ideologica e valorativa de literatura, Eagleton faz
uma abordagem hist6rica da mesma. Ele traya 0 sentido modemo de literatura, 0
qual come<;aa surgir no seculo XIX, no "periodo romiintico". 0 Romantismo foi um
movimento artistico, politico e filosofico que ocorreu por volta do seculo XVIII e XIX
na Europa, 0 qual buscava 0 nacionalismo que consolidaria os estados nacionais da
Europa. 0 Romantismo fez prevalecer 0 sentimento sobre a razao e a imaginac;ao
sobre a analise critica (LAUROUSSE, 1999). 0 valor exacerbado do sentimento no
movimento Romantico levou os autores a margem das discussoes eticas e politicas
de sua epoca, nos seculos XVIII e XIX. Os autores ligadas ao movimento voltaram-
se cada vez mais para si mesmos, apresentando 0 drama humano, idea is ut6picos e
desejos de escapismos. No periodo romantico, a Ilteratura se torna um sin6nimo de
"imaginativ~", 0 que e inveridico, ou seja, 0 que literalmente nao existe. "[... J e a
capacidade da consciemcia para fazer surgir os objetos imaginarios ou objetos-em-
imagem, relacionando 0 ausente ao inexistente". (CHAUI, 2000, p.133). Alem de ter
urn valor avaliativo. com significado "visianario", au "inventivo", isto e, de carater
ut6pico e idealista. A poesia passa a significar mais do que verso, tem um conceito
de criatividade humana contra ria a ideologia capitalista utilitaria.
o utilitarismo e 0 sistema ou modo de agir do individuo, uma especie de
consensualismo, um criteria de justiya que resulta no bem para 0 maior numero de
pessoas e encontra-se intimamente ligado ao que e considerado como util. Devido
ao momento de grande transformac;ao economica, gratyas ao comercio de escravos
no seculo XVIII e ao controle imperial dos mares, fez da Inglaterra uma potencia
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mundial capitalista. A nac;ao encontrava-se imbuida par uma ideologia utilitarista,
provindo do pensamento predominantemente da classe media industrial, a qual
reduzia as relac;:6es human as a trocas de mercado, rejeitando a arte, como sendo
algo pouco lucrativD, transforma a vida humana em escravidao assalariada.
Em resposta a ideologia utilitarista, aos romanticos 56 restava a "imaginac;:ao
criativa". uma imagem do trabalho nao-alienada, 0 alcance ao intuitivo e
transcendental da mente poetica, trata-s8 de uma critica a ideologia racionalistas e
empiricas escravizadas ao "fate". A obra literaria passa a ser espontimea, criativa, e
naD mecanica. A palavra "poesia" ja naD S8 refere simplesmente a uma tecnica da
escrita, tern implicac;:oes socia is, peliticas e filos6ficas. Porem, 0 escritor privado de
qualquer lugar nos movimentos socia is, que poderiam transformar 0 capitalismo
industrial em uma sociedade justa, foi obrigado a recuar para a solidao de sua mente
criativa (EAGLETON, 2006).
A arte, para a sociedade do s';culo XIX e XX, segundo Eagleton, foi uma
experiencia isolada, em grande parte um produto da alienac;ao da propria arte em
relagao a vida social, urn tim em si mesmo, desligando-se das praticas materia is,
tornando-se urn fetiche solitario se afastou dos significados a que sempre se
prestava. ~Objeto, natural au artificial, ao qual sao atribuidas propriedades magicas
[ ... J (LAROUSSE, 1999). Para ele a simbolo foi a pedra fundamental para um
irracionalismo, uma sufoca<;ao da critica racional, que se generalizou na teoria
literaria, desde entao. 0 artefato litertuia, nos seculos XIX e XX, e apresentado como
um modelo ideal da sociedade humana. A literatura e uma ideologia, mantE~m
relac;6esestreitas com a poder social (EAGLETON, 2006).
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A religiao, de certa forma acaba par perder espayo para a literatura. A
literatura torna-S8 urn meio de transcendemcia e fruic;ao, uma sensaty80 de
ctesprenctimento do cotidiano ao prazer da beleza artistica. Ocerre, entaD, segundo
Eagleton "A falemcia da religiao", em detrimento do grande impacto das descobertas
cientificas e da mudanc;a social, urn controle ideol6gico de massa, pois seu poder
concentra-S8 na capacidade de "materializar" crenc;as em praticas, passa a ser
substituida pela literatura (EAGLETON, 2006).
2.4. A LlTERATURA E A liNGUA NACIONAL
A literatura inglesa com a figura marcante de Matthew Arnold torna-S8 urn
elemento capaz de carregar uma carga ideol6gica a partir da era vitoriana, urn
momenta em que a Inglaterra desfrutava de paz e prosperidade, devido a fatores
como a expansao do imperio britanico, a consolidac;ao da revolw,;ao industrial, e
novas invenc;6es, tais acontecimentos favoreceram 0 desenvolvimento da classe
media.
Segundo Eagleton, fai precisa "helenizar", au seja, "datar de caracteristicas
gregas" (LAROUSE, 1999) a classe media e fundamenta-Ia aa seu pader politico e
econ6mico a uma ideologia adequadamente rica e politica (2006). Sabe-se que a
Grecia e recanhecida como 0 ben;o da civilizayao ocidental, aclamada par sua
grande expressao cultural, onde ocarreu a desenvalvimento da filosofia, artes,
tecnologia. A ideologia dos grupos dominantes da sociedade afirmava ser preciso
dotar a classe media de conhecimento e cultura, 0 que levaria a classe dominante
ao um patamar de superioridade em relayao a cia sse opera ria. Desta forma, par
meio do saber cientifico, seria capaz de sobrepor politica e economicamente a
populayao assalariada.
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Para um devido contrale dos trabalhadores, uma das lormas utilizada,
segundo Eagleton, foi a cria9ao de escolas par meio do Estado a fim de lhe oferecer
"a melhor cultura da na9ao", e dar-Ihe condi90es de contrale e incorpora9ao da
classe opero3ria.Quanta a classe operaria, para evitar uma revolta e comunismo do
material, a literatura teve urn papel importante, como atividade liberal
"humanizadora", foi atenuante entre 0 excesso religioso e 0 extremismo ideologicQ,
ao inves de tratar de valores universais, abordava quest6es hist6ricas, opressao das
mulheres, explorac;:ao das camponesas inglesas. Oessa maneira, as exigemcias dos
trabalhadores par condic;:5es decentes de vida e par autonomia poderiam ser
elevadas a uma eslera c6smica, talvez ate cair no esquecimento (EAGLETON,
2006).
A lingua inglesa, por sua vez, se relacionou intimamente com a literatura, ela
foi institucionalizada como materia academica primeiro ern institutos e cursos
protissionalizantes e depois nas universidades. Para Eagleton, este foi outro fator
que trouxe simpatia e 0 sentimento de identidade entre todas as classes, a literatura
foi "uma serena e luminosa regiao da verdade, onde todos podem se encontrar e
caminhar juntos", acima das tensoes, neg6cios e discussoes (2006). Tratava se de
algo em comum a todos as cidadaos britanicos, portanto, urn elo entre eles,
manipulado pelas classes dominantes fundarnentando uma ideologia rica e sutil.
Outra forma de contrale utilizada pela classe media a tim de submeter os
trabalhadores e a literatura e a politica. 0 lil6sol0 aponta a literatura como sendo 0
fator que induz as massas a refletirem em outros pontos de vista, nao sendo os
seus, mas de seus senhores, assim, por meio de uma atividade contemplativa e
solitaria, a popula9ao deixa qualquer tendMcia subversiva de a9M politica coletiva,
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contra quem as oprime (2006). Alem da literatura se prestar ao papel de distrair a
classe operaria, conduz 0 sentimento das massa a uma admirac;ao au identific8C;80
com a classe dominante, quando S8 caleca na perspectiva do Dutro. A ideologia esla
sendo gerada na mente da populac;ao em geral, de que e necessaria haver alguem
que os sobreponha.
A identidade de um povo estava sendo delineada por meio da lingua inglesa.
o perfil dos cidadaos britanicos, segundo 0 fil6sol0 Eagleton, encontrava-se imbuido
de orgulho par sua lingua e literatura e de admirac;ao pelas produc;oes artisticas,
porem, apresenta a massa como nao participante de tal atividade artistica, pel a falta
de educa,ao e muito trabalho. Desprovidos de conhecimento cientilico e cultural
apropriado e par consequencia da lalta de tempo do trabalhador bra,al, pelo
excesso da carga horaria em que S8 sujeitava, 0 pavo encontrava-se a margem da
participa,ao ou contempla,ao da arte (EAGLETON, 2006).
A iiteratura e educac;ao foram, sem duvida, fatores determinantes de
manipula,ao da massa. Para Eagleton, a fim de cultivar no povo uma cultura politica
de obediencia e pratica de seus deveres, a Estado mais uma vez recorre a literatura,
utilizando-se de herois historicos, patrioticos e lendas de forma atraente ao povo.
Como tarefa ideologica, a literatura atua exploranda a experiemcia e a sentimenta,
porem a sentimenta do dominador e precisa alimentar 0 sentimenta, a respeita, a
tolerancia ao seu senhor (2006).
A literatura como entretenimenta ganha espayo na mente da cia sse open3ria.
Eagleton aponta que a verdade era menos importante do que a sentimenta, a
literatura devia se deter em apresentar verdades atemporais, desta forma, distrair as
mass as de seus interesses e, com isso, assegurar a sabrevivencia da propriedade
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privada (2006). Os Irabalhadores, dessa forma, eslariam alienados de quesloes
mais importantes que diziam respeito a seus proprios interesses, favorecendo 0
acumulo de bens de poucos.
A experiencia e explorada na literatura como forma de satisfac;ao diante da
privac;ao em que se encontravam a classe operaria. Eagleton contempla a natureza
experimental da literatura como sendo ideologicamente conveniente. A experiencia,
par sua vez, naD e apenas a patria da ideologia, mas 0 lugar cnde lanya suas raizes
com mais efici€!ncia. Quem naD tern condic;oes financeiras para conhecer
determinados lugares pode experimenta-los par meio da leitura. A experiencia das
massas empobrecidas, par condic;oes socia is, pode ser suplementada pela literatura
(EAGLETON, 2006). 0 conlalo com novos lugares, sensayoes e, por conseguinle,
urn aprimoramento cultural, nao estava ao alcance de urn povo subjugado ao
pensamenlo utlililarisla. Para 0 pensamenlo capilalisla nao haveria nenhum
beneficia a produyao de capital a experiemcia, ou a vivencia, apreciayc30 do belo,
contemplayao da arte pela arte para aquisiyaa de novas saberes aos operclrios.
o ensino da lingua inglesa foi uma forma barala de educac;ao liberal para
quem esta fora dos circulos das escolas particulares e das universidades. Nao 56 0
"ingles" foi destinado a uma sociedade oprimida, como a literatura inglesa seria uma
materia adequada a mulheres, homens de segunda e terceira classe, bern como a
professores. 0 "ingles", par sua vez, em urn prirneiro momento, tratava de um
assunto voltado aos sentimentos e destinava-se principal mente as mulheres, nao
era uma disciplina considerada seria, estava excluido das ciencias e das profiss6es
liberais (2006). Como ocorre ainda nos dias atuais, a lingua, mais precisamente a
lingua escrila, e considerada como "lingua padrao", au aceila como lingua ofrcial II
2Z
na~ao, baseada em regras regidas por um grupo seleto. Uma minoria e que
determina 0 que e certo e 0 que deve ser considerado errado na escrita ou ate
mesmo na fala cotidiana. Muitas vezes, para sustentar a ideologia de uma lingua
"pura", sem contamina~aode mudan~assofridas ao longo dos seculos, a literatura
torna-se uma fonte para os gramaticos puritanos endossarem seu pensamento
radical.
A literatura e 0 ensino da lingua ingtesa exercem urn papel importante na era
do imperialismo e da guerra. 0 imperialismo na Inglaterra culminaria na primeira
guerra rnundial em 1914, a lingua inglesa, bem com a literatura foi fundamental na
cria~ao de urn senso de rnissao e identidade nacionais, proporcionando aos
servidores do imperialismo britanico urn sentimento de seguran~a e superioridade
nacionalcapaz de lutar contra os povos "invejosos colonizados" (EAGLETON,2006
p. 40-41). 0 nacionalismo e a "teoria politica que afirma a predominancia do
interesse nadonal ern rela~ao aos interesses das classes e dos grupos que
constituem na~ao, ou ainda em rela~ao as outras na~6es da cornunidade
internacional" (LAROUSSE, 1999). A vitoria da Inglaterra sobre a Alemanha
significou urn orgulho nacional, um patriotismo que 56 beneficiou a aprecia~aopeto
ingles. No entanto, ao mesmo tempo, urn trauma profundo da guerra proporcionou
urn questionamento dos pressupostos culturais, dando origem a uma "fome cultural"
Portanto, ocorre uma mudanc;;a na concepc;;ao da lingua inglesa e de
literatura. Eagleton afirma serem as descendentes da pequena burguesia
provinciana, que ingressavam nas universidades tradicionais, peta primeira vez, que
identificaram e questionaram as pressupostos sociais que condicionavam seus
julgamentos literarios. 0 "ingles" passa a ser uma area a se relletir sabre a
23
exist€mcia humana, rela'toes significativas entre as pessoas, e uma vida a partir do
centro vital dos valores rna is essenciais (EAGLETON, 2006).
2.5. INFLUENCIAS DA SCRUTINY NA LlTERATURA INGLESA
Surge, entao, um movimento em torno da literatura, conhecido como Scrutiny,
revista de critica langada em 1932 pelos Leavis, grupo formado par filhos de
comerciantes, que nao tinha nenhum comprometimento com julgamentos literarios
das antigas universidades. A revista demonstra devoc;ao a centralidade moral dos
estudos ingleses com relevancia de qualidade de vida social. 0 ingles torna-se rnais
urna disciplina academica do que uma explorac;ao espiritual que equivalia ao destino
da propria civilizagao.
Eagleton conceitua como 0 centro de uma cruzada moral e cultural. Leavis
dava pouca importancia aos valores apenas literiuios e insistia que as obras
literarias estavam ligadas a natureza da hist6ria e da sociedade como um todo. Seus
partidtuios, adeptos de Sir Arthur Quiller, os quais defendiam uma educac;ao
puramente litera ria, travavam verdadeiras batalhas nas escolas e Universidades,
alimentando por meio do estudo da literatura, rea<;oes ricas, complexas, maduras,
seletivas, moral mente serias que permitiam ao individuo sobreviver em uma
sociedade mecanizada de romances ordinarios e comunicac;ao de massa vulgar
(2006).
Era preciso supera<;ao diante de uma sociedade cativa ao pensamento
utilitarista, somente 0 que e considerado util, ou lucrativo teria urn valor social. Ja
que, segundo Eagleton nao era a intenc;ao de Leavis mudar a sociedade, mas a
(mica modificayao que pretendia era a educac;ao. A revista era avessa a uma
solu'tao politica, mas acreditava em uma estrategia idealista disseminada por meio
24
da farmagEio academica. Estabelecendo a Scrutiny nas instituigoes educativas, seria
possivel desenvolver uma sensibilidade rica e organica em pessoas selecionadas,
as quais transmitiriam a outros. Mais adiante, relata Eagleton, Leavis investe em
uma minaria que pudesse, por meio de seus discipulos, levar a posteridade uma
cultura na terra arruinada. Leavis seria 0 herdeiro de Mathew Arnold, no que se
relere a Ie depasitada na educayaa, a que parece utopica, jil que a educayaa eapenas parte da saciedade (EAGLETON, 2006, p. 50 e 51).
A revista Scrutiny era radical, no entanto, era absurda a ideia que propagava,
era preciso uma leitura analitica, para evitar a declinio do ocidente. Ha razoes para
acreditar que essa ordem social seja mutavel, mas as mudangas deveriam ir alem de
uma leitura sensivel (EAGLETON, 2006, p. 50). Cansideravam pessaas razailveis
aquelas que tin ham conhecimento de algumas obras literarias, determinadas pela
elite cultural, como sendo instrumento de refinamento ou de civilidade. Julgavam
ignarante a maioria da populagao par nao se enquadrarem em pad roes pre-
estabelecidas pela revista. De lata tal idealagia e um tanto quanta utopica, jil que
uma leitura sensivel e restrita a minoria jamais teria 0 alcance necessario para
constituir-se em uma mudanga significativa para a sociedade na qual se
encontravam.
o grupa leavistas elitista estava tatalmente lechada a aqueles que naa
tiveram a sorte de estudar ingles no Downing College. As pessaas comuns s6 eram
aceitas se fossem na literatura: pastares do seculo XVII, au companios australianos
"cheios de vida". 0 grupa defendia a ideia de que a leitura tornava as pessoas
melhares, par meio de um romance ingles seria possivel encontrar quest6es de
25
grande relevancia para a vida de trabalhadores fadados aD poder capitalista
industrial e os fazerem homens e mulheres melhores.
Segundo Eagleton, a revista Escrutiny se tornou uma elite defensiva, como os
romanticos, ela considerava-se central, quando na verdade encontrava-se na
periferia. 0 movimento romantico foi incapaz de apresentar uma alternativa politica aordem social vigente, ofereceu aD inves disso, uma alternativa "hist6rica", insistiram
na impossibilidade de a uma epoca ,;urea (EAGLETON, 2006). A revista rejeitava as
teorias das velhas universidades e procura manter se distante da cultura efemera da
massa. No entanto a proposta de uma leitura sensivel e restrita a apenas uma
parcela da populayao, a elite academica, os afastaram da participayao na vida
social. Suas pretens6es ou posicionamento nao recebiam nenhum credito da
sociedade inglesa. Oa mesma maneira como fez 0 movimento romantico, ocorreu
com a revista Scrutiny, desperdiyaram a oportunidade de colaborar politica e
economicamente em uma sociedade alienada ao trabalho ao inves disso recuaram e
se tornaram irrelevantes e absurdos. A pOSi(:80de Eagleton diante de tais fatos e
que a Hteraturaera, de certo modo, uma sociedade organica em si mesma, tratava-
se de uma ideologia social. E impossivel mapear 0 terreno literario em urn ambito de
preconceitos ideologicos definidos, esses autores acreditavam manifestar a essencia
da "anglicidade", ou seja, a convic(:ao de urn tipo ingles ser melhor que outro, uma
versao chauvinista de classe superior que contribui para postular 0 ingles como
disciplina importante.
Outro nome que ganha destaque na busca por uma sociedade organica e T.
S. Eliot, filho da aristocracia americana perdia espa(:o de proeminencia cultural para
a classe media de seu pais. Descontente como a Scrutiny, pela improdutividade
26
espiritual do capitalisrno industrial, ele deu inicio a urn trabalho de salva,8o, e como
fez movimentos anteriores a este, a desconstrw;;:ao de suas tradic;oes iiterinias,
revendo toda a leitura politica da hist6ria inglesa. Nos fins do seculo XVII, a
linguagem que estava em cantata direto com a experiEmciasensorial, uma
combinayao de pensamento e sentimenta, perde sua posic;ao paradisiaca, au prazer
sensorial, par conta da turbulenta guerra civil, passa a ganhar prestigia a sociedade
moderna secular que produzia a ciencia, democracia, racionalismo, individualismo
econ6mico. Nesse interim, ocorre a dissociac;ao da "sensibilidade", a linguagem
aparta-se da experiemcia e torna-S8 urn desastre com John Milton, urn puritano
tradicional nao-reformista da Inglaterra, que anestesia a lingua inglesa e transforma-
a em urn arido ritual (EAGLETON, 2006). Eliot, portanto, propunha urna busca pela
junc;ao dos sentidos ao pensamento na literatura inglesa.
Agora ha urna rela,8o de literatura com a ideologia de tradi,ao. Tradi,80
consiste em uma renuncia de interesses e opinioes pessoais a uma instancia
impessoal, tambem manteve relac;oes marcantes com a hist6ria da literatura inglesa.
Segundo Eagleton, T. S. Eliot em ataque a toda ideologia do liberalisrno da classe
media, a ideologia oficial dominante da sociedade capitalista industrial, instaura par
meio de um autoritarismo de extrema direita, a Tradic;ao, uma ordem impessoal na
esfera da literatura, como de costume, altamente seletiva. Seu principio orientador
nao era tanto obras do passado, cuja validade e eterna, mas sim as que ajudarao T.
S. Eliot a escrever sua propria poesia.
Eagleton constata que para T. S. Eliot, urna obra literaria s6 pode ser valida
se existe na tradic;ao, tada poesia pode ser literatura, dependendo de ela estar ou
nao irnpregnada de Tradi~ao, na verdade, nao passa de urn capricho da rnonarquia.
27
Eliot percebe que as linguagens do racionalismo liberal, noc;5es que remetiam a
serios conflitos de classe, economias capitalistas em falencia, guerra, estavam em
decadencia diante de milh5es de caditveres no campo de batalha, ninguem se
deixaria convencer por discursos que se relacionasse a "progresso" ou "razao", era
preciso criar uma linguagem sensorial (2006). Assim Eliot percebeu oportunamente
a necessidade de apresentar uma proposta que fizesse a sociedade deixar de lado
todo ideario anterior de conquistas territoriais e partisse para 0 prazer pure e
simples, como escape da realidade conflituosa em que se encontravam.
Eagleton destaca que para a ideologia da Tradiyijo a linguagem e
desacreditada, devido a heram;a romantica demasiadamente sentimental, ela
perdeu a seriedade, precisava ser novamente fortalecida, era necessario religa-Ia ao
mundo fisico. As emoc;oes eram confusas, heranc;a de uma epoca desgastada de
sentimento exacerbado, liberal e individualista, que se encontrava a um passo de
abrir espac;oa uma sociedade mecanica e desumanizada (2006). Era um momento
de mudanc;ana ideologia capitalista industrial, sob 0 aspecto da literatura.
Eagleton avan9ando em sua exposi9ao das conceP90es de literatura destaca
que para D. H. Lawrence, partidario ao pensamento de Leavis, rechac;ava as
emoc;5es, a "personalidade" e 0 "ego", para ele tais elementos estavam
desacreditados, e devia ceder espac;oa vida espontanea e criativa, pensamento que
contrastava com a posic;ao da Scrutiny. Na opiniao de Eagleton, a revista
representou a ultima trincheira do humanismo liberal, fundamentando-se no valor do
individuo e no reino criativo do interpessoal, valores que na verdade, pode ser
traduzidos como "Vida", uma especie de essencia em si mesmo, algo absoluto, uma
virtude, que com orgulho, a revista afirmava nao ser passivel definir. Era mais um
28
raciocinio intuitivo, impermeavel a qualquer argumenta<;ao, representava urn grupo
leavistas fechado. Todavia, tanto Lawrence como Leavis, rna is uma vez, recusam-se
a fazer uma analise pOlitica do sistema a que se opunham, direcionando assim a
lalar sobre a vida criativa e espontanea (Eagleton, 2006, p.63-65).
A Scrutiny sobreviveu ate 1953 e Leavis viveu ate 0 ano de 1978. Nestas
ultimas lases, ha uma obstinada hostilidade a educa~o popular. "A sociedade
moderna "tecnoI6gico-benthamita", ou seja, utilitarista, deveria ser condenada como
"cretinizada" e "cretinizadora", parece ser 0 resultado final da discrimina<;ao critica
(EAGLETON, 2006). 0 conceito de Vida discriminava a sociedade como urn todo, a
educa<;ao s6 deveria atender a urna minoria, urn seleto grupo elitista, a televisao,
segundo os defensores de tal no<;ao abstrata, seria a principal disseminadora da
reivindica<;ao da massa pelo conhecimento academico.
Eagleton menciona a "critica pnltica" nomeando Leavis como seu precursor e
relaciona a "Ieitura analitica", A "critica pratica" nao teme a desmontagem do texto,
porem supoe que 0 leitor possa julgar a ugrandeza", literaria e a "centralidade", ou
seja, seu valor intrinseco, de poernas ou trechos de prosa desvencilhados de seu
contexto cultural e hist6rico. Ao olhar da Scrutiny, nao ha problemas nisso, e
possivel avaliar urn sentimento concreto para com a experiencia imediata, nao ha
necessidade de examinar a obra em seu contexto original, tampouco abordar as
ideias em que se baseia. E preciso avaliar a sensibilidade e 0 tom de urn
determinado trecha, de "situa-Io", dentro do novo contexto em que se apresenta,
definitivamente e partir para 0 pr6ximo trecho.
A "Vida" era urn valor absoluto incontestavel que servia tanto para confundir
os utilitaristas como os empiristas, era urn principia metafisico indiscutfvel que
29
nomeava 0 que era ou nao literario. Se a Vida parece nebulosa e ampla, suas
tecnicas para detecta-la tambem eram singulares, nao dispunha de um sistema
teorico, mas sim de intuit;5es especificas. A "Ieitura analitica" delimita alguns
aspectos importantes como a analise "das palavras contidas na pagina", e nao para
os contextos que as produziram, estimula a ilusao de que qualquer trecho de
linguagem, "Iiteraria", ou nao, pode ser apreciado, e ate mesmo compreendido
isoladamente. A fragmentat;ao que sofreu 0 texto literario leva a "reificat;ao", isto e,
"coisificat;ao", da obra literaria, ela recebe urn valor em si mesmo, tratamento que
culminaria na Nova Critica Americana (EAGLETON, 2006). Na tentativa de se opor
ao sistema utilitarista vigente, houve uma mudanya par meio do apelo a Vida, parem
o maximo conseguido pela elite intelectual foi coisificar a literatura favorecendo 0
pensamento utilitarista, a literatura e 0 que querem que ela seja.
Eagleton relaciona a Vida a poesia, para ele 0 critico Richards, em 1920,
baseado nos principios da psicologia rigorosamente "cientifica" oferece a sociedade
em crise, devida a mudant;as historicas e descobertas cientificas, 0 equilibrio da
psique humana por meio da poesia. Ela seria capaz de salvar a sociedade do caos
em que se apresentava. Explora a literatura como uma ideologia consciente para a
reformulat;ao da ordem social que se seguiram a Grande Guerra. A poesia e uma
linguagem mais "emotiva" do que "referencial", au seja, que parece falar sobre 0
mundo, quando na verdade organizam de maneira satisfatoria nossos sentimentos
em relat;ao ao mundo. Se as contradit;5es historicas nao podem ser solucionadas epossivel concilia-Ias harmoniosamente em uma mente contemplativa. Ayao impediria
a organizat;ao de impulsos inferiores desordenados, assegurando a sobrevivencia
de impulsos superiores e melhores, pensamento este, que remonta a convict;ao
vitoriana de que as classes inferiores garantiria a sobrevivencia das classes
30
superiores (EAGLETON, 2006). Par meio da poesia, a partir de uma linguagem
emotiva e passivel perceber a relay20 de poder que ordena as impulsos socials. E
preciso controlar as atitudes da massa a tim de que elas continuem mantendo as
impulsos de poder da minoria, a hist6ria mais uma vez S8 repete.
Para Eagleton assim como a Scrutiny, a Nova critica era a ideologia defensiva
que idealiza na poesia 0 que nao existe na realidade, era uma nova religiao, urn
abrigo nostalgico as aliena90es do capitalismo industrial. 0 texto literiuio, assim
como a sociologia funcionalista americana, a qual suprimia as conflitos e todo
elemento "se adaptava" aos Qutros, 0 poema par sua vez, abolia qualquer
irregularidade e contradiy2o na cooperaC;2o simetrica de seus varios aspectos, alem
disso, "coerencia" e "integra98o" eram tons basicos, era necessario combinar a
unidade interna do texto com a realidade (2006).
o fil6sofo Eagleton situ a a nova critica a margem de urn formalismo completo,
juntado timidamente com uma especie de empirismo, refon;:ando a ideia de que 0
discurso poetico inc1uia a realidade dentro de si mesmo. a significado do poem a era
publico e objetivo, praduzido em uma linguagem propria do texto literario, 0 poema
devia ser apartado da decadente historia e elevado a urn espac;o acima dela. A
literatura era uma especie de so1u9c3o para as quest6es sociais, justamente par estar
alheia a ela. Para ele se I.A. Richards, "desmaterializou" 0 texto, os Novos criticos
Americanos rematerializaram-no fazendo parecer "reifica90es" que transformam
"pessoas" em coisas, como acontecia na ordem social contra a qual a poesia
protestava (2006).
A literatura parece reduzir-se a poesia, ha uma escolha, na maioria das
teorias literarias, por urn genera literario especifico, postulado, a partir dele e que se
31
produzem seus pronunciamentos (EAGLETON, 2006). Oportunamente 0 poema
possa ter sido e1eito 0 genera mais desejavel, devido a sua estrutura composicional,
o que favorecia a manipula98.o de seus significados segundo desejas particulares.
Para Eagleton, na moderna teofia literaria, a poesia ganha espa90 par ser a
genera que menDS se encontra atrelado a hist6ria, podendo desenvolver no leitor
sua sensibilidade ma;s pura. Willian Empson e urn critieD ingles mencionado na
Nova Critica, porem adversiuio das principais doutrinas desta corrente, 0 qual insiste
em tratar a poesia como uma especie de linguagem "comum", capaz de ser
racionalmente parafraseada; e urn Uintencionalista", ista e, leva em conta 0 que 0
autor quis dizer e 0 interpreta de maneira mais decente. A obra e aberta, ou seja,
admite varias interpretay6es. Ela ganha significado quando entra em contato com 0
leitor, permitindo uma rescrita do texto a partir da recepyao do individuo: considera
os contextos gerais, as palavras sao utilizadas socialmente e nao estao atreladas a
identificafY80 dos padr6es de coerencia verbal interna. Para ele, 0 leitor liga a obra
ao contexte social do discurso. Para Eagleton a poetica e liberal, social e
democratica, atraente ao leitor comum, mas nao atende as expectativas de um
critico profissional (2006).
Sob a 6tica de Eagleton, Empson define "pastoral", 0 que nesse caso ganha
um aspecto pejorativo, no sentido de ser passiv~, como sendo a modo literario nos
quais ambas as classes, intelectuais e humanidade comum, possam coexistir, 0 que
reflete 0 dilema e a contradiyao do intelectualliterario das decadas de 1920 e 1930,
cientes da disparidade existente entre uma forma de inteligencia critica e as
preocupayoes "universais" da literatura. A pastoral oferece uma soluyao imaginaria
para uma queslao hist6rica (2006).
32
A literatura e a cria9c310hist6rica, para Eagleton, estao marcadas por valores e
ideologia. Ela deve ser compreendida dentro de urn contexto social contradit6rio,
composto pela divisao de classes e pelo jogo de interesses dos dominantes. Ha uma
estreita rela980 da literatura com as experiemcias mais diversas da vida humana,
bern como com a constru9ao de identidade, de valores e pontos de vistas. Perante a
aliena9aO, a reifica9aO e a utilitarismo, a literatura nao deixa de ter uma for9a
emancipadora, criadora de vida e de sentido. Contudo, isso pode ser manipulado, no
sentido de manter intactas as rela96es de poder e explora9ao na sociedade
capitalista. A literatura ao falar da vida nao a contrap6e ao sistema, mostrando as
contradi96es deste, no sentido de que e 0 capital que gera aliena9ao e reifica9ao.
E a partir dessa critica a literatura elaborada por Eagleton, que sera abordada
a politica do livro didatico adotada durante 0 governo Lula. Assim algumas
categorias apontadas sao fundamentais para tal analise: Vida, reificay8o, valores, e
ideologia.
Mas ate que ponto e possivel controlar politicamente a produ980 literaria,
sobretudo aquela destinada ao uso escolar?
33
3. CONCEPi;AO DO LIVRO DlDATICO
No Brasil ha uma preocupac;:ao com as valores transmitidos nas obras
hterarias que S8 destina a educay80 escolar. 0 MEC, em parceria com as
Secretarias de Estada da Educa9aa, a Uniaa Nacianal das Dirigentes Municipais de
Educac;:ao e 0 Canselha Nacional dos Secretarios da Educac;:ao, estabelecem
criterios norteadores na escolha do livro didatico de lingua portuguesa para 0 ens ina
fundamental nas escalas publicas entre as anas de 2011 e 2013. PNLD cansiste em
parametros de qualidade frxados tanto par criterios e principios eliminat6rios comuns
a todas as areas, quanta as especificas como para a lingua Portuguesa.
Apresentado entre os criterios comuns esta posta 0 respeito a legislayao, as
diretrizes e as normas oficiais relativas ao ensina fundamental, exc\uindo as
colec;:oes que nao S8 submeterem aos estatutos, bern como a observancia de
principios eticos necessarios a construC;80 da cidadania e ao convivio social
republicano. Assim ficam excluidos os livres que:
•veicularem estere6tipos e preconceitos de condi~ao social, regional, etnieo-racial, de g~nero, de orienta~ao sexual, de idade ou de linguagem, assimcomo qualquer outra forma de diseriminaryaoou de violaryaode direitos;
•fizerem doutrinayao religiosa ou polltica, desrespeitando 0 earater laieo eaut6nomo do ensino publico;
•utilizarem 0 material escolar como velculo de publicidade au de difusao demarcas, produtos ou serviyos eomereiais. (2011, p.13)
Fica evidente pelas restrir;oes a cima que 0 governo leva em conta a dimens80
valorativa do livre didatico, entendendo como uma expressao da literatura. Nesse
sentido a regulaC;8o da escolha do livre didatico de literatura busca restringir abusos
de usos ideol6gicos e discriminat6rios do livre. Contudo cabe perguntar em que
sentido 0 livre didatico de literatura e uma obra litera ria?
34
Deve-se mencionar que os juizos de valores estao intimamente ligados ao
conceito de literatura, considerar ou nao uma produl(ao textual como sendo literatura
depende de julgamento de valor de uma determinada epoca, muitas vezes tal
considerac;ao e solidificada em interesses proprios. Dessa forma, se considerarmos
que em toda a Produ980 literaria esta contida uma ideologia, uma postura do autor
diante das aspiral(oes humanas, entao 0 livro didatico nao e abordado como
literatura, ja que nao ha uma intenl(aO dos autores das obras quando a produziram,
nem tao pouco e veiculado com tal finalidade, ou seja, nao ha um consenso de que
o livro didatico deva ser concebido como literatura, mas sim que contenha
fragmentos literarios. Porem, se tomarmos tal questao em um sentido mais
abrangente, a obra ate podena ser enquadrado como produyao liten;ria, ja que a
criterio do que venha a ser literatura depende do julgamento de valor de uma
determinada epoca.
Para a visao utilitarista, 0 livro didatico, com os fragmentos de obras literarias,
pode ser concebido como Iiteratura, pOis serve para uma utilidade, ao contra rio da
concepl(ao de literatura de H. Lawrence que preza pela uvida criativa espontanea".
Segundo Eagleton, H. Lawrence desprezava os valores liberais e democraticos, os
quais constituiriam "uma sujeil(ao escravista a autoridade impessoal", uma
desumanidade da Inglaterra capitalista e industrial. Ele tambem protestava contra a
escravizal(ao salarial mecanizada do capitalismo, sua opressao social e sua
devastayao cultural (EAGLETON, 2006, p.64). Portanto, se a concepyao de literatura
esta embasada na utilidade, ela perde 0 valor da vida, de seu aspecto empirico,
passando a uma reifica9ao, isto e, se torna um objeto em si mesmo, qualquer trecho
de linguagem, literaria ou nao pode ser estudado isoladamente (EAGLETON, 2006,
p. 64 e 67). Eo preciso dar a literatura a carater que Ihe e devido, a vida, do contrario
trata se de reificar a obra literaria, reduzindo-a materia ou objeto pura e
simplesmente.
Fundamentados no argumento de que 0 livro didatico nao e considerado
literatura, mas contem fragmentos litenirios, reflete-se na escolha de textos literarios
para 0 livro didatico a partir de uma posil'ao de neutralidade.
A literatura traz consigo uma expressao historica e sociocultural, apesar de ser
produzida individualrnente representa a coletividade, pertencendo a urn grupo social
com implicac;:a.ouniversal. Ha muitas definic;:oesdo que seja literatura. Entre outras
ela e trac;:adacomo urna escrita "imaginativa", diz respeito a ficc;:a.o,logo nao e
veridica. Entretanto tal afirmac;ao nao se sustenta ao perceber que muitos autores,
ao longo dos seculos, como e 0 caso de Gibbon, produziram obras pensando estar
escrevendo verdades historicas, porem hoje lidas como "fatos", por alguns e como
"ficl'ao", por outros (EAGLETON, 2006 p.2). Assim sendo, pode-se considerar que a
literatura contern fatos historicos, ainda que sejarn produzidos nos alicerces da
ficc;:ao,de historias nao reais.
A proposta do livro didatico perseguindo urn carater etico que favorec;:aa
constru9ao da cidadania passa pelo processo de escolha de produc;:oesliterarias que
componham 0 material escolar, porern e preciso ressaltar que a equipe encarregada
de tal tarefa encontra-se inserida em urn contexte social e politico, muito embora
estejam incumbidos de adotar parametros para a selec;ao de produ90es textuais,
que representem a diversidade etnica, regional, linguistica e cultural, de genero em
textos e imagens prestigiando toda a cultura nacional, sem privilegiar grupos sociais
au classes saciais que exercam a pader sabre uma minaria.
36
A literatura nao e uma linguagem auto-referencial, ou seja, que fala par si
mesma, sendo 0 valor veridico do que e tratado relevante ao resultado geral. No
caso da publicidade serao escolhidas imagens e propagandas de empresas, com
fins didaticos ao ensino e aprendizado. Alem disso, e necessario definir 0 que vem a
ser pragmatico, ja que em muitas sociedades a literatura teve fun<;oes praticas,
como a religiosa par exemplo. As produyoes literarias encontram-se recheadas por
doutrina<;ao ou conceitos religiosos que serao apresentados em sala de aula por
meio do livro impressa, 0 que leva a crer que a presenya ou ausencia, ou ainda a
forma como determinada religiao sera apresentada pelo autor possa demonstrar
algum prestigio a determinada crenya e nao a outra.
o PNLD ao estabelecer criterios relativos a natureza do material textual
adverte para a necessidade de oferecer ao leitor experiencias singular, ou seja,
vivencias, de leitura, bem como ressalta a importancia de temas que propiciem
discussoes pertinentes a formayao do aluno, em especial como cidadao. Tal
afirmayao nos faz refletir no que pode ser considerado "pertinente" a forrnayao do
aluno. Sob a perspectiva do teorico Terry Eagleton (2006), pode-se dizer que a
palavra pertinente tern urn carater intrinsecamente ideol6gico no que diz respeito ao
que se prop6e a farmac;:ao do aluno. Seria necessaria uma analise detalhada au pelo
men os algumas quest6es deveriam ser esclarecidas como: Para quem ou para que
se estabele,a 0 conceito de ser pertinente, ou seja, quem define 0 que e pertinente?
Sob quais perspectivas ou finalidades deve ser construida a formac;:ao do aluno?
Qual a inten<;ao do agente formador na farrnayao do aluno?
Ainda sob a perspectiva de que e preciso oferecer ao leitor experiencias
singulares de leitura e um dos objetivos propostos sao atividades de compreensao
37
que colaborem para a reconstruc;:ao dos sentidos do texto pelo leitor e nao se
restrinja a localizac;:ao de informac;:6es, nos deparamos com a possivel proibic;:ao da
obra lite",ria "ca9adas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, publicado em 1933, a qual
foi denunciada pela Secreta ria de Promo~o da Igualdade Racial, sob a acusa9ao
de racismo, na abordagem da personagem Tia Nastacia e referemcias a animais,
como urubu e macaco, 0 escritor diz: "Tia Nastacia, esquecida dos seus numerosos
reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvao". De acordo com a autora do
parecer, Nilma Lino Gomes, professora da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), os exemplares devem ser retirados das escolas ou adotados desde que a
obra traga nota sobre os "estudos atuais e criticos que discutam a presenc;:a de
estereotipos raciais na literatura". Ora e importante ressaltar que os estereotipos sao
construidos ideologicamente, e que s6 ha de fato discriminac;:ao, quando ocorre a
pratica discriminat6ria, assim sendo se tais construc;:oes ideol6gicas forem mediadas
pelo professor regente nao ha motivos para acreditar que a produc;:ao litera ria sera
disseminadora de preconceitos.
Alem disso, sob a perspectiva do te6rico Eagleton e possivel vislumbrar todas
as obras literarias como sendo "reescritas", mesmo que inconscientemente, pelas
sociedades que as leem, nenhuma obra pode ser estendida a novos grupos de
pessoas sem que sofra modificac;:oes no percurso, ainda que sejam pequenas e
quase imperceptiveis. Para 0 fil6sofo, as obras literarias sao interpretadas a luz de
interesses proprios a cada individuo, e de certa forma seria impossivel concebe-Ias
de outra maneira, podendo ocorrer que a produc;:ao observada nao seja a "mesma"
obra, multo embora assim parec;:a: "os interesses sao constitutivos de nosso
conhecimento, e nao apenas preconceitos que 0 colocam em risco" (EAGLETON,
2006, p. 21).
Haja vista que a obra de Monteiro Lobato foi escrita ha decadas antes das
normas politicas publicas de relac;:oes etnica-raciais. Trata-se de um tema urn tanto
quanta favoravel a discuss6es quanta a propagac;:ao de preconceitos bern como, a
constru~ao de sentido do texto dentro de sua realidade cultural, sem se deter a
apenas informa90es, como e mencionado no PNLD, dessa forma promovendo a
disseminac;ao de principios eticos para a formac;ao do cidadao. A leitura, ou a
"releitura" de tal obra sera realizada sob a otica dos alunos, cad a qual dando ao
texto sua interpretac;ao particular e Ihe atribuindo um sentido proprio, inerente ao
contexte sociocultural em que S8 encontra. De Dutro modo, condenar a obra de
Lobato equivale esquecer a historicidade da literatura e a forma como ela esta
relacionada com os valores da sociedade na qual ela foi produzida. Proibi-Ias seria
perder uma oportunidade de reflexao sobre 0 significado rna is profundo da literatura.
Das 26 cole~iles de Lingua Portuguesa destinada ao segundo segmento do
Ensino Fundamental que passaram pelo processo avaliatorio no PNLD/2011,
38,46% foi excluidas; 61,54% foram aprovadas (16 cole~iles). Nos patamares de
qualidade par eixo de ensino:
Todas as coler;:Oes apresentam coletaneas que, diferenr;:as a parte,apresentam-se como representativas do que a cultura da escrita oferece aum adolescente. As esferas de atividade mais contempladas sao ajomallstica efou midiatica, a da produ~o de conhecimentos especializados(na forma da divulgar;:ao cientifica e de obras de referencia comoenciclopedias e dicionarios) e a da literatura (infanto-juvenil e adulta;brasileira e estrangeira). Ha diversidade de generos e tipos de lextos; e atematica, mantendo-se em sintonia com as interesses dessa faixa etaria,contempla, tambem, temas relacionados direta e/ou indiretamente aconstrur;:ao da cidadania: ecologialmeio-ambiente, direitos humanos,desigualdades sociais, saude etc. Nesses enos demais temas, arndaprevalece a ponto de vista das classes medias das grandes e mediascidades, ainda que, em uma ou outra coJer;:30,se manifeste algumapluralidade de abordagem. As periferias urbanas, as camadas populares e apopular;:aorural sao as grandes ausentes: aparecem como lema de algunstextos (meninos calVoeiros, popula¢es indigenas, violancia urbana etc.),mas sempre como Maquele(s)de quem se fala", nunca em sua propriaperspectiva. (2011, p.30 e p.31)
39
No relato avaliatorio do PNLD e possivel perceber que ainda persiste urn
consenSD ern direcionar a cultura au 0 foco social a cia sse media, sobretudo
priorizando grandes e medias cidades, deixando ern segundo plano a popula98o
rural, periferias urbanas e camadas populares na produc;ao dos Ilvros didciticos. 0
texto acima revela que a urn ponto de vista, como referencia a abordagem de temas
que deveriam promover a diversidade, demonstrando assim, a existencia de valores
e ideologia que conduzem a apresenta\'iio da pluralidade cultural brasileira. 0 que
nao e diferente na hist6ria da literatura, esta vern sofrendo fortes influencias em sua
essemcia e recebendo fungoes socials ao longo dos seculos.
A partir dos anos 90, a politica educacional brasileira sofreu interfen§ncia
direta do Banco Mundial (BIRD) e 0 Programa Nacional do Livre Didatico passou a
refletir as orienta90es previndas da institui9ao financeira (BIRD). Com vistas a
melhoria na educaC;8o do ensina fundamental, 0 banco mundial prepoe a adoc;ao de
livres didaticos, os quais deveriam ser selecionados por meio de "Guias" que
regulamentassem a escolha do material didatico de forma ordenada.
~Aqualidade educativa, na concepCao do Banco Mundial, seria 0 resultadoda presenca de determinados ~insumos~que interv~m na escolaridade. Parao caso da escola de primeiro grau, consideram-se nove fatores comodeterminantes de urn aprendizado efetivo, nesta ordem de prioridades,segundo a percentagem de estudos que revelariam uma correlaCao e urnefeito positivos: (1) biblioteca; (2) tempo de instrur;:ao;(3) tarefas de casas;(4) livros didaticos; (5) conhecirnentos do professor; (6) experi~ncia doprofessor; (7) laborat6rios; (8) salario do professor; (9) tamanho da classe"(LEAO e NETO apud NASCIMENTO, 2009, p.5)
Para tanto, 0 setor privado estabeleceu tres principais prioridades na
aplicac;ao dos recursos par ele ofertados aos paises em desenvolvimento.
(a) aumentar 0 tempo de instrucao, alraves da prolongacao do ano escolar,da flexibilizaCao e adequacao dos horario$. E da atribui~o de tarefas dacasa;
40
(b) proporcionar livros didaticos, vistos como a expressflo operativa docurriculo e contando com eles como compensadores dos baixos nlveis deformat;ao docente. Recomenda aos paises que deixem a produrra:o edistribuit;ao dos livros didaticos em maos do setor privado, que capacitemas professores na sua utilizarra:o, alem de elaborar guias didaticos paraestes ultimos;(c) melhorar 0 conhecimento dos professores privilegiando a capacitaryaoem selVi90 a format;aO inicial e estimulando as modalidades distancia.(LEAO e NETO apud NASCIMENTO, 2009, p.6)
A estrategia do Banco mundial ao se deparar com a deficiencia na formar.;:c3o
docente destin a os recursos ao consumo de livros didaticos, 0 qual seria um
condutor do trabalho dos professores de forma a amenizar a carencia de preparo do
profissional do ensino, ao inves de investir em melhorias na condir.;:c3ode trabalho, de
capacitayc30 academica. 0 poder publico em parceria com 0 poder privado acaba por
exercer grande influencia na reproduyc3o social e a educayao nas escolas, tornando-
se urn dos principais meios de disseminar interesses politicos e ideol6gicos. Com
base na hist6ria da literatura e dados reais de investimento privado na educar.;:c3o e
possivel perceber as interesses da elite em sustentar a classe trabalhadora,
alimentande e sistema capitalista vigente.
Receia-se que a interesse do banco mundial pel a "escola", au educayao
brasileira, possa ocorrer par intuito de utilizar a literatura, presente no livro didatico,
como instrumento de controle ideol6gico de massa. Presume-se que a classe media
possa "helenizar", au seja, educar, a sociedade, sobretudo a classe trabalhadora,
sob a perspectiva que Ihe e conveniente, como forma de manter sua relayc30 de
poder sobre os operarios, par meio de valores transmitidos em fragmentos literarios
no livre didatico. Assim, manipulando 0 pensamento popular aos moldes da
burguesia capitalista.
41
A literatura passui um carater espontaneo, criativo, que diz respeito a vida, ou
seja, ela esta centrada em questoes que refletem a essen cia humana, ao contra rio
da pensamento utilitarista, 0 qual se origina de uma ideologia propria da classe
media industrial, que rejeita a arte por considera-Ia pouco lucrativa. Em resposta ao
pensamento burgues utilitario, de que a obra literaria nao reflete lucros econ6micos,
portanto, trata-a como se nao apresentasse relevancia para a vida, recorremos as
palavras de Silva que diz "Para julgar se uma sociedade e justa nao se deve apelar
para um modele abstrato de direitos universais, mas para a sua cultura, tradi90es,
enfim, para 0 "mundo da vida" dessa sociedade" (2008, p.243). Ao cont,,;rio do que
parece, 0 fato de se defender, que as leis devem ser "justas", e tratar todos os
cidadaos como iguais, nao determinam se uma sociedade esta sendo justa
verdadeiramente, e preciso considerar sua cultura, nesse caso especifico, a
literatura, analisando como ela e concebida equal importancia que a sociedade Ihe
confere. E preciso avaliar se a literatura exalta, de fata, a vida humana e suas
vivencias ou se a predu9ao litera ria atende simplesmente a utilidade e exigencias do
mercado capitalista.
Pensa-se que a forma pela qual a sociedade brasileira vigente em resposta a
ideologia capitalista, em manter sua rela9ao de poder sobre as classes menos
favorecidas, por meio de politicas a cerca do livre didatico, deva ser 0
questionamento do que se deseja ensinar a popula9ao brasileira, ou ainda, que tipo
de cidadao se pretende formar. Nesse sentido, afirma Silva:
"Investigar a gestao da educayao e inquirir sobre 0 tipo de pessoas que sequer formar e sobre como esta formayao se deve dar. Embora 0 que somose 0 que pensamos de n6s mesmos sejam definidos pela realidadesocioeconOmica na qual estamos inseridos [...]"(SILVA 2008, p.234).
Apesar de haver de antemao a desigualdade social e os efeitos que ela causa
no individuo, a participa980 nas delibera90es coletivas, ou a reivindicayao de que a
42
diversidade nao seja uma mera falacia no material didatico pode ser uma forma de
questionar a forma~ao do cidadao brasileiro, e nao simplesmente se acomodar as
arbitrariedades capitalista, mantendo as desigualdades entre as cidadaos.
Pensa-se que a sociedade brasileira nao deva se deixar levar par leituras
alienat6rias, como ocarria com a ciasse operaria inglesa, na qual a literatura teve um
papel atenuante entre 0 excesso religioso e 0 extremismo ideologico, ao inves de
abordar valores universais levantava questoes hist6ricas, opressao das mulheres,
explora~ao das camponesas inglesas. Dessa farma os proletarios nao exigiam seus
direitos trabalhistas e elevava sua autonomia a uma esfera c6smica. Conforme
Eagleton entende-se par "ideologia" a maneira pela qual aquilo que dizemos e no
que acreditamos se relaciona com a estrutura do peder e com as rela~oes de peder
da sociedade em que vivemos (EAGLETON, 2006, p.22). Deseja-se que a leitor
brasileiro seja inquiridor da sua farmac;aoeducacional, e de constatar se temas que
favorecem a construyao da cidadania nao estao sendo tratados, falsamente, ou seja,
ideologicamente, privilegiando um ponto de vista unico, como assumido
anteriormente no PNLD, reproduzindo assim uma sociedade alienada, que nao
discute questoes que dizem respeite a seus interesses.
Para tanto se propoe uma discussao a respeito da literatura e diversidade a
partir da perspectiva de documentos do governo, relacionando a concepc;ao
comunitarista de politicas publicas na educayao brasileira.
43
4. LlTERATURA E DIVERSIDADE: UMA NOVA TENDENCIA
Com vistas a uma discussao sabre a diversidade utilizaremos como referencia
a DCNEM, Diretrizes Curriculares Nacionais para 0 Ensino Media, documento final
da CONEB. Conferencia Nacional de Educa9ao Basica, contrastando com a
concep9ao de literatura de Eagleton e dialogando com a concep9ao de
comunitarismo.
Observa-se 0 documento final da CONEB, que se constitui da conferemcia
Nacional da Educac;ao basica realizada no mes de abril de 2008, no qual sao
abordadas politicas publicas do setor educacional no Brasil. As conferemcias
contaram com a participac;ao de representantes da sociedade civil, entidades de
classe, profissionais e pais de alunos. As conferencias que derarn origem ao
documento final ocorreram com 0 prop6sito de colaborar para a construyEio de urn
sistema nacional articulado de educac;ao.
A CONEB contou com 0 parecer de estados e municipios, as quais se
reuniram e apontaram propostas pOliticas e pedag6gicas a comissao organizadora
da conferencia, 0 documento fo; concluido e distribuido a todos os delegados
participantes da CONEB. Tal documento foi referencia nas discussoes te6rico-
praticas nas conferencias e col6quios realizados pelos conferencistas, ah~m disso,
serve de parametro ao estabelecimento e consolidac;ao das politicas publicas e da
gestao da educayao basica brasileira.
No eixo IV do documento, ao tratar a diversidade na educac;ao basica,
encontra-se 0 conceito que se tem de do assunto: "diversidade pode ser entendida
como a construc;ao historica, cultural e social (inclusive economica) das diferenc;as
44
[ ... J Ela e construida no processo hist6rico-cultural, na adapta980 do homem e da
mulher ao meio social e no contexte das relagoes de poder. Os aspectos tipicamente
observaveis, que se aprende a ver como diferentes, 56 passaram a ser percebidos
dessa forma, porque as sujeitos hist6ricos, na totalidade das rela<;oes socia is, no
contexto da cultura e do trabalho, assim os nomearam e identificaram [..]" (CONEB,
2008).
a conceito de diversidade apresentado pela CONEB de que a diversidade se
da "no contexte das relagoes de poder', nos remete ao pensamento de Eagleton, 0
qual, apresentado em poucas palavras pade se dizer, acredita que a ideologia esta
intimamente ligada a rela9aOde poder entre classes. Sabe-se que os individuos de
uma mesma sociedade nao possuem condi<;6es Ucultural e social, inclusive
economican, iguais, portanto deve ser vistos em suas particularidades, logo, se isto
nao ocorre, e passivel supor que 0 conceito de diversidade possa ser, na verdade
urn valor, au uma ideologia. As classes sociais nao dispoem das mesmas
oportunidades na sociedade, logo a diversidade corre urn serio risco de nao passar
de uma falacia ideologica de causar um efeito, ou sentimento de que os diferentes
estao sendo prestigiados.
Para 0 comunitarismo, nao se trata do reconhecimento da pessoa como livre
e igual perante as dernais, conforme propoe 0 liberalisrno, mas do reconhecirnento
do direito a diferenya e da reivindicacrao politica de bens em nome dessa diferencra
(SILVA, 2009, p.120). A justi9a nao estaria sendo exercida se os diferentes forem
tratados como iguais, mas par meio do reconhecimento, ou seja, da apreciayao das
diferencras, seria urna forma rna is adequada de promover a igualdade entre os
cidadaos.
45
Pensa-se que a diversidade deve dar voz as pessoas que a representam.
Para isso apresenta-se a concepc;:aocomunitarista, na qual a comunidade e a base
para a participac;:aocomo forma de vida, como urn bern em si mesmo. A identidade
cidada e pensada junto a coletividade (SILVA, p. 120). Para 0 comunitarismo, 0
cidadao precisa participar das deliberac;6escoletivas, como formac;aodo sujeito, nao
se trata apenas de cumprir com seus deveres, mas tern a ver com urn valor inerente
a vida humana, partlcipar das decisoes que diz respeito a sua realidade, do contrario
o individuo se encontraria alienado aos fatos sociais. Assim a identidade do cidadao
e forjada na propria comunidade. Alem disso, considerando que a identidade do
individuo ocorre em conjunto a comunidade, a nao participac;ao do cidadao na
comunidade produzira, por outr~ lado, uma fragmentac;:aoda identidade coletiva.
Diante disso, a literatura, na visao comunitarista, tern que expressar os
valores e 0 modo de vida local e sua diversidade. Conforme Tedesco (1998), "as
diferenc;as nao podem rnais ser ignoradas nos acordos em torno da educar;ao, que
tenderiam a gerar discriminac;aoquando tratam de modo igual os diferentes. 0 autor
argentino propoe 0 fortalecimento da autonomia local I..T (Apud SILVA, 2008, p.
240). 0 local representa a diversidade, 0 universal traduz uma ideologia igualitaria,
portanto, discriminatoria. Nao havendo a valorizac;ao de aspectos locais, ocorre 0
distanciamento das coisas que sao proprias ao individuo, padronizando assim a
sociedade e promovendo a discriminac;aosocial.
A DCNEM, por sua vez, apresenta a diversidade como "expressao de
identidade nacional", a qual esta estreitamente ligada ao conceito da estetica da
sensibilidade, apresentada da seguinte forma: "Como expressao do tempo
contemporaneo, a estetica da sensibilidade vem substituir a da repetic;ao e
46
padroniza~ao, hegemonica na era das revolu~oes industriais [ ..J Ela estimula a
criatividade, 0 espirito inventivo [...]"(2000, p.62- 63).
Por outro lado a DCNEM, deixa claro que 0 aluno e formado para 0 trabalho
"As dimensoes de vida ou contextos valorizados explicitamente pela DCNEM sao 0
trabalho e a cidadania" (2000, p.7B). A estetica da sensibilidade, ao que parece,
pretende contrabalancear a realidade do atuno inserido em urn contexto capitalista,
propondo, que os cidadaos naD vivam em uma carencia cultural e encontre-se amargem da prodwrc3.o artistica da sociedade em que vive, na qual, hit urn desprezo
pelo carater local, devido il lalta de tempo por ocasiao do trabalho, como e citado il
seguir:
A estetica da sensibilidade realiza urn esfofgo permanente para devolver aoambito do trabalho e da produy<3o a criayao e a beleza, dai banidas pelamoralidade industrial taylorista. Por esta razao, procura na~ limitar 0 ludico aespa~s e tempos exciusivQs, mas integrar diversao, alegria e senso dehumor a dimensOes de vida muitas vezes consideradas afetivamenteausteras, como a escola, a trabalho, as deveres, a rotina catidiana. Mas aestetica da sensibilidade quer tambem educar pessoas que saibamtransformar 0 usa do tempo livre num exercicio prooutivo porque criador. Eque aprendam a fazer do prazer, do entretenimento, da sexualidade, umexerc[cio de liberdade responsavel (2000, p.63).
Aa cantraria do que sempre ocarreu ao lango da hist6ria, em que 0
trabalhador bra~al nao dispunha de tempo e de conhecimento adequado a
participa~ao na atividade artistica. Para Eagleton, a identidade do povo estava
sendo delineada por meio da lingua inglesa. 0 perfil dos cidadaos britanicos
encontrava-se imbuido de orgulho por sua lingua e literatura e de admirac;ao pelas
produ~oes artisticas, porem, ressalta que a popula~ao trabalhadora nao participava
da atlvidade artistica, pela falta de educayao e muito trabalho. Desprovidos de
conhecimento cientifico e cultural apropriado e par consequencia da lalta de tempo
do trabalhador brac;al, pelo excesso da carga horaria em que se sujeitava, 0 povo
encontrava-se a margem da participayao au contempiayao da arte (2006).
Resta saber se 0 pouco tempo livre que sobra ao aluno trabalhador, ou ao
futuro pai de familia, bern como as condic;oes financeiras do individuo, permitira que
o cidadao seja ativo na atividade artistica da sociedade, ou se quer possa participar
nas deliberagoes coletivas. Ainda que haja urn discurso de participagao na vida
politica ou artistica, e preciso que 0 sistema encontre meios de favorecer a presenga
efetiva do cidad80, ja que a realidade em que se encontra inserido, como uma carga
horaria excessiva, falta de preparo educacional, muitas vezes 0 oprime, e 0 faz
desistir da vida em comunidade, seja artistica ou politica.
Ainda sob a tema da diversidade, a documento da CONES apresenta a
implementa<;80 politicas publicas que visem a supera<;80 da violencia, quanto a
diversidade ambiental cultural e as especificidades regionais nos livros de educagao
basica, como e citado abaixo:
As praticas educativas e as ar;oes em prol da inciuS,ElQ e da diversidadedeverso garantir e assegurar que 0 FNDE, atraves do Programa Nacionaldo Livro Didatico (PNLD), adote como criteria para compra e financiamentodo livre didatico, as editoras cadastradas que considerem a inclusao dadiversidade ambiental, cultural e as especificidades regionais na partereferente ao nucleo comum, nos livros de educayso basica. Que os criteriosde ador;ao e escolha dos livros da educar;ao basica contemplem 0 estudoda hist6ria africana, da cultura afro-brasileira e indigena e que as escolastambem implementem a adoyso de trabalhos cientificos de autoresregionais como recursos paradidaticos (2006, p. 71.).
Oeparamo-nos mais uma vez com os criterios que deverao ser adotados na
escolha do livro didatico previsto no PNLD. Na tentativa de superar a violencia social
sofrida pelos negros e pelos indios, pode-se acabar par cometer outras injustic;as ao
nao mencionar outros tipos de racismo ou culturas como 0 caso da cultura cigana. A
discriminagao, par sua vez, pode ser cometida na selegao de alguns autores
regionais a serem adotados na produyao de recursos paradidciticos. E preciso refletir
no processo em que se nomeia alguns grupos como sendo as representantes oficial
da diversidade, enquanto representayao social. Tal processo gantla urn valor
ideol6gico quando ocorre uma prcitica de discriminac;ao.
Quanta a diversidade sexual, as politicas de inclusao e diversidade na
educa,ao basica, segundo a CONES devera, por meio do livro didatico, abordar a
diversidade sexual:
1. Realizar constantemente a analise de livros didaticos e paradidaticosutilizados nas escolas - conteudos e imagens -, para evitar asdiscliminat;:oes de genero e de diversidade sexual e, quando isso forconstatado, retira-Ios de circulayao.
4. Garantir que a produ9ao de todo e qualquer material didatico-pedag6gicoincorpore a categoria "ga-nero"como instrumento de analise, e que nao seutilize de linguagem sexista, homofObicae discriminat6ria (2008, p.78- 79).
Outro assunto abordado na CONES, quanto a diversidade, to Educa,ao
Ambiental. Tal tema deverci incorporar as criterios adotados pelo PNLD, na escolha
de livros didaticos:
11. Incluir a demanda ueducat;:aoambiental" nos livros didaticos e criarcriterios de avaliayao no PNLD que atendam a educa~o ambiental (200B,p.78).
Considerando que a politica educacional brasileira sofre influencias do banco
mundial e que a Programa Nacional do Livro Didcitico passou a refletir orientac;6es
provindas da instituic;ao financeira na adoc;ao do livro didcitico, chega-se a conclusao
da ausencia de neutralidade de interesses que norteiam as deliberac;5es ace rca da
educayao nacional brasileira. Dessa forma questionam-se a ideologia que elege a
escolha de temas que deverao compor a livro didcitico, neste casa, assuntos como
49
homofobia, educa9<3o ambiental, cultura afro-brasileira e indigena. A quem interessa,
de fato, trabalhar na escola alguns assuntos e nao outros?
Nas palavras de Silva, Taylor apresenta a pOliticado reconhecimento como
forma de assumir as diferen<;as ao inves de neutralizil-las au de jogil-Ias para a
dominio do privado, como mera questao de preferencia ou de bern que deve ser
escolhido e implementado em conformidade com a moldura do justo, do direito
(SILVA,2009, p.119).
Partindo do pressuposto da ausEmciada neutralidade nas delibera,oes
coletiva, mais especificamente nos criterios adotados para a escolha do livro didiltico
pelo PNLD, aplica-se a politica do reconhecimento, na qual, a participa,ao do
cidadao afetado pelas medidas aplicadas a comunidade deverao passar primeiro
pelo crivo da participa<;ao dos envolvidos. Por conseguinte, as delibera<;5es coletivas
serao aceitas como definitivas, portanto, nao deverao ser estabelecidas par urn
grupo au poder publico, ja que qualquer que seja este a decidir em nome do bern
comum estaril baseado em interesses particulares.
Sob a perspectiva da diversidade apresenta-se urn tema, tanto quanta
marcado por esse valor, a Uteratura. Pouco se fala em literatura no documento da
CONEB, porem voltando-seao eixo II, do documento, intitulado par Democratiza,ao
da gestao e qualidade social da educa9<3o, dentre as bases para a democratiza<;ao
da gestao como instrumento na constru<;ao da quaJidade social da educa<;ao, a
literatura e destacada no item dez:
10. Estlmula e apaia a farma~a de leitares e de mediadares, na educa~abasica, coma sistematicas a serem implementadas e desenvolvidas perossistemas de ensino e escolas, realizando a renovagao e a manutengao das
so
bibliotecas com equipamentos, espagos, acervos bibliograficos, comocondiyao para a melhoria do processo ensino·aprendizagem (2008, p.38)
No que diz respeito aos saberes das areas curriculares, a LOB esboya a
importancia dada a lingua. A lingua portuguesa e desdobrada em linguagens e
c6digos, a qual servira de fundamento a todos as contelidos curricula res para a
constitui\,ao da identidade e 0 exercicio da cidadania (2000, p.92).
•Compreender e usar a Lingua Portuguesa como lingua materna, geradorade significagao e integradora da organizagAo do mundo e da propriaidentidade; (2000, P.95)
As linguagens sao constituintes dos conhecimentos e das identidades dos
alunos. A utilizac;ao dos c6digos que dao suporte as linguagens nao visa apenas 0
dominio tecnico, mas principalmente a competencia de desempenho, ao saber usar
as linguagens em diferentes situac;oes au contextos, considerando inclusive os
interlocutores ou publicos (2000, p.92).
Ao longo da historia, apresentada por Eagleton, a lingua inglesa nutria urn
sentimento nacional no cidadao britanico, na era do imperialismo e da guerra, sendo
fundamental na cria\,ao de urn senso de missao e identidade nacional (EAGLETON,
2006). Alem de, cultivar no povo uma cultura pOliticade obediencia e pratica de seus
deveres, a Estado recorre a literatura, utilizando-se de her6is hist6ricos, patri6ticos e
lendas de forma atraente ao povo (EAGLETON, 2006). Como tarefa ideologica, a
literatura atua explorando a experiemcia e 0 sentimento, porem, a sentimento
predominante do dominador, e preciso alimentar 0 sentimenta, ° respeito, a
tolerancia ao seu senhor. Alem disso, a literatura como entretenimento ganha
espac;o na mente da classe operaria. Eagleton aponta que a verdade era menos
importante do que 0 sentimento, a literatura devia se deter em apresentar verdades
Sl
atemporais, desta forma, distrair as massas de seus interesses, e com isso
assegurar a sobrevivencia da propriedade privada (2006).
Na hist6ria da Inglaterra dos seculos XIX e XX apresentada por Eagleton,
alguns fatores podem ser relacionados com a realidade atual brasileira. 0
sentimento de identidade nacional despertado na sociedade inglesa, como distrayao
para a massa se repete nos dias atuais. Jovens trabalhadores au futuros
trabalhadores sao formados, segundo a DCNEM, com 0 sentimento de identidade
nacional, resta saber se tal valor ideologico teria como objetivo a distrayao da
populayao de uma reflexao em sua realidade e a abdicayao seus direitos, desta
forma favorecendo a manutenyao do sistema capitalista.
A lingua e apresentada pela DCNEM, neste item, aplicada a textos,
"relacionando textos com seus contextos [...] de acordo com as condiyoes de
prodw;ao e recepc;ao",a que leva a crer a usa, principalmente da literatura .
• Analisar, inlerpretar e aplicar as recursos expressivos das linguagens,relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, funyc3o,organizayc3oe estrutura das manifestayoes, de acordo com as condiyOes deproduyao e recepyao; (2000, P.95)
A lingua ganha destaque sob a aspecto literario. A literatura mais uma vez
tern papel coadjuvante ao longa da hist6ria e utilizada como meio para se ensinar
lingua ou linguagern, muitas vezes por meio da literatura. Como ocorreu na hist6ria
britanica, a literatura e um instrumenta poderosissimo na educac;aode urn pavo. Ela
muitas vezes carrega consigo uma especie de "aurea", tendo em si mesma, a
conceito da escrita correta e da escrita errada. Questoes estas que sao
extremamente pautadas em juizos de valor, pais seria necessaria definir a que vern
a ser correto e errado do ponto de vista da diversidade social, na qual estiio
52
inseridos os falantes da lingua. Alem disso, 0 uso de fragmentos literiuios sao na
maioria das vezes, sao utilizados como meio, e nao como tim em si mesmo, para um
ponto de partida a compara90es discriminat6rias de qual seja a linguagem ideal. A
literatura e concebida como objeto, trata se de uma reitica~ao da obra literaria.
Assim deixando de lade 0 carater da vida, do bem em si mesmo, inerentes a
literatura.
Oiante da pluralidade de ideias, diferentes classes sociais, etnia, genera, que
compoe a sociedade e mais particularmente a escola. Pensa-se em uma politica da
gestao publica que contemple, de fato, a diversidade nas deliberayoes coletivas.
Oesta forma distanciando-se de uma concep9ao utilitarista liberal, que preza por
politicas universalistas, de maximiza9ao do bern comum, ou seja, que propoe
beneticiar 0 maior numero de pessoas. De outra forma, politicas universalistas
acabam par generalizar as necessidades dos individuos nao atingindo 0 objetivo
proposto pela educa9ao, de urn modo geral, 0 qual e a diversidade.
Para tanto, se apresenta a concep~ao comunitarista que tern como base a
democracia, com a participac;ao do cidadao, com referenda a comunidade e as
tradiyoes democraticas, iguais a todo cidadao, nas delibera~oescoletivas e nao com
o foco no individuo. Concebe-se a pessoa que toma decisoes, pertencente a uma
comunidade ou tradi9ao (SILVA, 2009).
Quanta a educayao a concep~ao comunitarista da educa~ao pressupoe que
deve haver urn continuo entre a cultura local e 0 curriculo escolar. Os prafessores
nao poderiam ser agentes estranhos a comunidade, ensinando saberes e valores
em virtude apenas de sua suposta universalidade, racionalidade e cientificidade. A
53
identidade, portanto, e formada a partir da pertenya a uma comunidade, sem a qual
uma pessoa nao poderia descrever a si mesma. (SILVA, p. 121 - 122). Pensa-se,
portanto, na importancia da participa~ao do cidadilo em decisoes que Ihe afetam,
como parte da dignidade humana. A diversidade deve ser contemplada nao apenas
em documentos e leis acerca da educayao, mas na pnitica cotidiana da vida
comunitaria. Devem-se criar politicas que viabilizem a presenya do trabalhador na
vida em sociedade. As deliberayoes coletivas nao devem ser ditadas por um 6rgao,
ou grupo de pessoas segundo interesses pr6prios, mas deve ser comum a todos os
cidadaos.
Eagleton define diversidade da seguinte forma: ninguem "tem um tipo de
pigmentayao da pele porque outra pessoa tern outra, nem e homem porque alguem
mais e mulher, mas certas pessoas s6 sao trabalhadores sem terra porque outros
sao senhores fazendeiros" (EAGLETON, 1998, p.63). Grosso modo, poder-se-ia
afirmar, a partir de Egleton, que as diferen~as nao dependem de outra diferen~a
para existirem, mas a desigualdade sim.
Prop6e, portanto, segundo os documentos analisados, em uma escola, cuja
comunidade seja ativarnente participativa, na qual a diversidade seja contemplada, a
fim de superar as desigualdades econornicas, rna is e necessario superar tambem os
mandos e desmandos do Estado ou instituic;:6esque possarn influenciar a educac;:ao.
Mas 0 risco e a fragmentac;:ao e 0 relativismo. Mas perante a atual discussao sobre
um plano nacional de educac;:ao, como pensar uma literatura cornprometida com urn
projeto nacional, no sentido de expressar nao s6 as diferenc;:as, mas 0 que temos em
cornum, os valores que devem ser partilhados universalmente?
54
CONSIDERA<;OES FINAlS
o guia dos livros didaticos adota parametros para a selegao de produgoes
textuais, que representem a diversidade etnica, regional, linguistica e cultural, de
genera em textos e imagens prestigiando teda a cultura nacional. AI!§m de excluir as
colec;oes que naD se adequarem as exigencias dos estatutos oficiais e principios
eticos para a construc;;ao da cidadania e convivio social republica no. Porem
questiona-se qual 0 grupo social que sera utilizado como referimcia, ou ponto de
partida para definir 0 que representa a diversidade cultural nacional, au quais textos
serao escolhidos, OU ainda no casa da publicidade, quais empresas e imagens serao
veiculadas no livro didatico, quais serao prestigiadas e quais empresas serao
suprimidas, quais as criterios serao utilizados em tal seleryao?
Nesse sentido, percebe-se que muitas vezes ha um juizo de valor que norteia
as decisoes tomadas por um grupo especifico, que afetara a coletividade. A minoria
e quem determina quais grupos da sociedade representarao a diversidade brasileira
no livre didatico. Neste caso, a setor privado, instituiryao financeira e orgaos do
governo responsaveis pela educaryao brasileira.
Ao investigar a presenc;a de valores na literatura, percebemos quae instaveis
eles se constituem, ja que estao sujeitos a epocas e seus interesses especificos. 0
que pode ser observado nos criterios especificos para 0 componente curricular
Lingua Portuguesa, no qual, a criterio leitura preve a exclusao de colec;oes que nao
preporcionarem atividades de compreensao e interpretac;ao do texto com objetivo
final a formac;ao do leitor (inclusive a do leitor literario) e 0 desenvolvimento da
"proficiencia em leitura". Portanto, s6 podem constituir-se como tais na medida em
55
que, entre outras atribui~6es desenvolvam estrategias e capacidades de leitura,
tanto as relacionadas aos gemeros propostos, quanta as inerentes ao nivel de
proficiemcia que se pretende levar a aluno a atingir. T emos mais informa~6es do que
vern a ser a "proficiencia em leitura", quando a guia apresenta as cole~6es
resenhadas sob as patamares de qualidade por eixo de ensino:
"profich~nciaem leitura esta contemplado em todas as coler;:oesdeste Guia.Exploram-se significativamente capacidades leitoras como a resgate deaspectos relevantes das condir;:Oesde produr;:a.odo texto, a reconhecimentodo genera e/ou do tipo de texto em jogo, a compreensao global, alocalizar;:ao de informar;:Oes explfcitas, a infer~ncia de informar;:oesimpltcitas, a articula~o entre diferentes partes do texto, a compreensao dosentido de vocabulos a partir de sua ocorr~ncia em contextos determinadosetc.(PNLD, 2011, p.31)
Ao que parece a conceito "proficiencia em leitura" esta muito mais relacionado
a tecnicas de leitura do que de fato relacionado a uma "releitura", do texto litera rio
que possibilitaria uma postura critica e autonoma do aluno. 0 mesmo ocorre com a
que se espera pela formac;ao do leitor, citado abaixo:
MO letramento e a forma~o do leitor, mais amplamente entendida,manifestam-se nas atividades que, na maioria das coler;:oes, tomam comoobjeto de reflexao a suporte, a autoria, a contexto de publicar;:ao e/oucircula~o, a obra de que a fragmento selecionado faz parte, a conjunto daobra do autor etc. Nesses casas, as atividades tendem a reconhecer asmodos de ler demandados por cada genera especffico; e ao menos metadedas coler;:6esexplora em algum grau as especificidades do texto literario edo pacta ficcional- (PNlD, 2011, p.31)
Em relac;ao aos textos literarios afirma-se existir fragmentos significativos,
proporcionando ao jovem leitor um cantata efetivo com obras e auto res
representativos, principal mente da literatura brasileira contemporanea. Classicos
nacionais e estrangeiros, entretanto, ainda sao pouco presentes, dificultando a
percep~o, pelo atuno, da dimensao hist6rica da produ~ao litera ria. Mais uma vez
percebe-se tanto em relac;ao a leitura, formac;ao do leilor e nas escolhas de
fragmentos litenirios pretendidas pelo PNLD, documento oficial do Ministerio da
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educa9ao, os valores atribuidos a quest5es de como devem ser realizadas leituras
literarias, bem como a formac;ao do leitor a partir de recortes textuais apresentados
no livro didatico. Contraditoriamente, 0 guia estabelece valores e normas para todas
as escolas brasileiras ou sistema de ensino, contudo eles propoem que se deve
respeitar a diversidade dos povos e etnias, bem como das localidades. Assim a
respeito a diversidade e posta como um valor universal.
"A pretensao de que a conhecimento deve ser "isento de valores", e em si, um
juizo de valor". (EAGLETON, 2006 p. 21). Tal pretensao pode ser notada ao nos
depararmos com um contra sensa, no qual objetiva a exposic;aodos alunos a temas
e questOes que contribuam para sua forma9ao, enquanto cidadao, como 0
preconceito de cor, par meio do livro didatico e par outro lado priva-Ios do cantata
com obras renomadas, de implica90es universais, como a obra de Monteiro Lobato,
por ser denunciada como disseminadora de preconceito de cor. Alem disso, e
preciso dar espa90 para que 0 jovem leitor de a obra uma interpretat;:ao pessoal e
seja capaz de arguir sabre a tema abordado no texto, em sala de aula e de entender
como tal obra e produto de seu tempo e de como as valores mudam. Primeiramente
falamos de valores embutidos na escolha de conteudos escolares que norteiam a
eduCa9aOdos alunos, par conseguinte, constatamos com a possivel proibic;ao da
obra de Monteiro Lobato que as valores estao presentes na proposta de formar
cidadaos aut6nomos com principlos eticos pelo PNLD. A democracia e a justit;:a
exigem a valorizat;:aoda diversidade, 0 preconceito de cor, compoe a diversidade, e
deve ser discutido de forma democratica na sala de aula. Mas isso exige tambem
dlscutir valores humanos que sao universalmente partilhaveis, como 0 direito a vida,
a liberdade e a uma existencia digna e decente, bern como a necessidade de
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com bater as desigualdades socia is que impedem que isso seja uma realidade para
todos.
o que se percebe e que ha uma ideologia movendo a suposta neutralidade
em que 0 guia se pauta. 0 banco mundial interfere diretamente na politica
educacional brasileira, a exist~ncia de urn guia que selecione a adotyao de livros
didaticos e resultado de algumas das exigencias feitas pela instituityao financiadara
da educatyao fundamental, logo se entende que ocorre urn direcionamento a partir
de uma posityBo de interesses privados na farmatyao do aluno, enquanto cidadao.
Sob a 6tica de Eagleton, a ideologia tern relatyao estreita com a estrutura de
poder da sociedade (2006). A classe dominante tern ganhos econ6micos na
manutenty8:o do sistema capitalista reproduzido tambem par meio das escolas, ou
pela educa,ao fundamental brasileira. Portanto as prioridades na "qualidade" da
educatyao estao totalmente ligadas ao tipo de cidadao que a elite espera como
resultado dos anos escolares. Infelizmente, ao que tudo indica, urn cidadao alienado,
que nao reivindica seus direitos, sem voz na sociedade, e, acima de tudo, satisfeito
com sua condity8:o social, como ja ocarria com a sociedade dos seculos XIX e XX na
Inglaterra, na qual a literatura servia tambem como contrale social de massas
impelindo a populaC;8:o ao trabalho assalariado sem posicionamento critico social.
Terry Eagleton em entrevista com a tema: "A religiao e uma for,a ideol6gica
poderosa", realizada par 5ilio Boccanera, no programa mil~nio, da Globo News, no
dia 10 de novembro, fala sobre como 0 marxismo pode ser uti I para entender a
literatura. Para ele, deixando de lado algumas caricaturas da critica literaria a partir
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de Marx, e possivel fazer uma leitura sob as pilares marxista, como e apresentado a
seguir:
GeOrgy Lukacs, que talvez seja °maior critico literario marxista, certa vezdisse que ° mais importante em uma obra literaria, do ponto de vistapolitico, hist6rico e ideol6gico, e a forma, a forma artfstica. Se eu fosse citarurn crltico literario atual que faz isso magistralmente, porque, de certafonna, toda sua obra e sobre isso, eu diria que e Fredric Jameson, nosEstados Unidos. Jameson constantemente tenta demonstrar como aHist6ria reside no texto, nos seus detalhes linguisticos formais maisdelicados e minusculos. Acho que M uma tradi9~o ilustre da critica literariamarxista, que inclui {Walter} Benjamin e{Theodore} Adorno, que tenia fazerexatarnente isso (EAGLETON, 2010).
Para Eagleton, como apresentou na entrevista, a forma artistica e a
aspecto mais importante, do ponto de vista pOlitico, historico e ideologico. A historia
pode ser vista no texto litera rio, nos seus detalhes linguisticos de maneira minuciosa
(EAGLETON, 2010). Conclui-se entao que a forma artistica despensa concep90es
fechadas e misticas, como faziam as estruturalistas, a elite cientifica, que nao
permitem a apreciayao da materialidade do texto, seus processos linguisticos.
tratando a obra literaria como uma "essencia", uma estrutura propria, sem considerar
a alma do autor. Partindo da premissa que a literatura esta intimamente associ ada
ao fator hist6rico, e passive I avaliar que quest6es politicas, ou interesses
particulares, procuram manipular e apropriar-se da literatura, e afasta-Ia do alcance
popular, sobretudo a literatura critica, au oferecendo-a de forma mitigada e seletiva
nos manuais escolares, para assim, utiliza-Ia como um meia poderoso de controle
social au ideologia. oesta forma a escolha de textos, baseada em ideologias
veiculam valores que na verdade sao puramente ideol6gicos e partidarios. Valores
que causarao no leitor 0 sentimento desejado, pela classe dominante. Nesse
sentido, a atual compromisso da literatura escolar com a diversidade torna-se uma
forma de veicular a ideia de que a capitalismo pode ser humanizado e ser a base
para uma sociedade sem exclusao.
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