os suíços de superagui: colonização e imigração no paraná do século xix

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CAIUBI MARTINS DYSARZ OS SUÍÇOS DE SUPERAGUI: COLONIZAÇÃO E IMIGRAÇÃO NO PARANÁ DO SÉCULO XIX CURITIBA 2013

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    CAIUBI MARTINS DYSARZ

    OS SUOS DE SUPERAGUI:

    COLONIZAO E IMIGRAO NO PARAN DO SCULO XIX

    CURITIBA

    2013

  • CAIUBI MARTINS DYSARZ

    OS SUOS DE SUPERAGUI:

    COLONIZAO E IMIGRAO NO PARAN DO SCULO XIX

    CURITIBA

    2013

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-

    Graduao em Histria, do Setor de Cincias

    Humanas, Letras e Artes da Universidade Fe-

    deral do Paran, como requisito parcial ob-

    teno do ttulo de Mestre em Histria.

    Orientador: Prof. Dr. Sergio Odilon Nadalin

  • Catalogao na publicao Fernanda Emanola Nogueira CRB 9/1607

    Biblioteca de Cincias Humanas e Educao - UFPR

    Dysarz, Caiubi Martins Os suos de Superagui : colonizao e imigrao no Paran do

    sculo XIX / . Curitiba, 2013. 206 f. Orientador: Prof. Dr. Sergio Odilon Nadalin

    Dissertao (Mestrado em Histria) Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paran.

    1. Superagui, Ilha do (PR) - Colonizao 2. Imigrantes suos -

    Paran. 3. Imigrao Histria - Paran. I.Titulo. CDD 325.343098162

  • AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer primeiramente ao professor Sergio Odilon Nadalin, por

    todo apoio dado durante a graduao e no mestrado para a elaborao do presente proje-

    to de pesquisa, bem como pelo incentivo e pelas orientaes dadas no decorrer da minha

    trajetria acadmica.

    Agradeo tambm aos demais professores do Programa de Ps-Graduao em

    Histria que confiaram no presente projeto desde o processo seletivo e durante o decor-

    rer do curso de mestrado. Destes destaco a professora Joseli Mendona, cujo interesse

    na colonizao ocorrida s margens da Baa de Paranagu despertou-se antes mesmo da

    minha entrada na ps-graduao. Agradeo tambm professora Maria Luiza Andreaz-

    za, em funo da assistncia prestada durante os seminrios da linha de pesquisa Espa-

    o e Sociabilidades, demonstrando igual interesse na minha pesquisa e contribuindo

    para o desenvolvimento da presente dissertao. Ambas as professoras participaram da

    minha banca de qualificao e espero ter contemplado neste trabalho final grande parte

    de suas observaes.

    No deixo de mencionar outros professores que participaram de maneira menos

    intensa no decorrer da produo deste trabalho, como os professores Magnus Roberto

    de Mello Pereira e Martha Daisson Hameister, com os quais tive contato apenas como

    aluno. Agradeo professora Roseli Boschilia por me permitir participar de sua disci-

    plina de graduao, por ocasio do estgio obrigatrio em docncia. Aproveito para

    agradecer tambm aos demais professores do Programa de Ps-Graduao, embora no

    tenham participado diretamente da presente pesquisa.

    No poderia deixar de mencionar tambm todos aqueles que auxiliaram no de-

    correr da trajetria do mestrado, embora no tivessem envolvidos de alguma forma na

    produo da pesquisa. Em especial, agradeo a Maria Cristina, secretria do PGHIS,

    extremamente atenciosa em todos os momentos em que precisei do auxlio. Os funcio-

    nrios do Arquivo Pblico do Paran, embora me tenham escapados seus nomes, apro-

    veito este momento para lembrar deles e lhes agradecer.

    Por fim, agradeo a Capes pelo auxlio durante todo o perodo do mestrado.

  • RESUMO

    Este estudo tem como temtica principal o desenvolvimento de um determinado projeto

    de colonizao no litoral paranaense em face das diretrizes da poltica imigratria ento

    encampada na regio do Paran. O projeto de colonizao refere-se Colnia de Supe-

    ragui, fundada em 1851, pelo Cnsul Geral da Sua no Brasil, Carlos Perret Gentil,

    apologista da imigrao dirigida s fazendas cafeicultoras do Oeste Paulista. A poltica

    imigratria regional diz respeito, num primeiro momento, s diferentes tentativas de

    colonizao ocorridas no territrio do Paran anteriores a sua emancipao. Posterior-

    mente, tal poltica traduziu-se nos reclames para necessidade de colonizao como me-

    dida para o desenvolvimento agrcola da regio no decorrer do decnio de 1850. Final-

    mente, destacamos as modificaes nos empreendimentos de colonizao durante os

    decnios de 1860 e 1870, marcados pelo abandono das tentativas de constituio de

    colnias remotas caracterstica presente na colonizao de Superagui em detrimento

    do estabelecimento de colonos europeus nas cercanias de centros urbanos, em especial

    Curitiba. Da anlise pretende-se identificar alguns pontos de tangncia entre o projeto

    colonial de Carlos Perret Gentil e as iniciativas de mbito regional, destacando-se algu-

    mas inflexes no empreendimento de Superagui.

    Palavras-chave: Colnia de Superagui, colonizao no Paran, Carlos Perret Gentil,

    sistema de parceria, imigrao.

  • ABSTRACT

    This study has as its main subject the development of a specific colonization project in

    the Parans coast in comparison with the immigratory policy guidelines implemented

    in the region of Paran. The project itself refers to the Colony of Superagui, founded in

    1851 by the General Swiss Consul in Brazil, Carlos Perret Gentil, apologist of the im-

    migration directed to the coffee States in the So Paulos West. The immigratory policy

    refers, in a first moment, to the different attempts of colonization occurred in the Paran

    territory before its emancipation from the Province of So Paulo ; afterwards, that poli-

    cy presented itself in the advertisements to the necessity of colonization as a measure to

    the farming development of the region during the 1850s decade. Finally, we empha-

    sized the changes in the colonization enterprises during the 1860s and the 1870s dec-

    ades, marked by the abandonment of the establishment attempts of remote colonies a

    feature present in the colonization of Superagui to the detriment of the establishment

    of European colonists near great cities, specially Curitiba. From the analyses, we intend

    to identify some points regarding the colonial project of Carlos Perret Gentil and the

    similar initiatives in the regional scope, emphasizing some inflections in the Superagui

    enterprise.

    Key-words: Colony of Superagui, colonization in Paran, Carlos Perret Gentil, parceria

    system, immigration.

  • RESUM

    Cette tude a comme thmatique principale le dveloppement dun dtermin projet de

    colonisation dans le littoral de la Province du Paran en face des directrices de la

    politique dimmigration mise en place lpoque dans la mme rgion. Le projet de

    colonisation concerne la Colonie du Superagui, qui a t fonde en 1851, par le Consul

    General de la Suisse au Brsil, Carlos Perret Gentil, apologiste de limmigration

    destine aux exploitations agricoles du Ouest Paulista. La politique dimmigration fait

    un lien, dans le premier moment, aux diffrentes tentatives de colonisation qui ont lieu

    dans le territoire du Paran avant son mancipation de la Province de So Paulo.

    Subsquemment, cette politique sest traduite en publicits par le besoin de colonisation

    comme mesure pour le dveloppement agricole de la rgion pendant la dcennie de

    1850. Finalement, nous soulignons les changements dans les entreprises de colonisation

    pendant les dcennies de 1860 et 1870 qui ont t remarqus par labandonne des

    tentatives de constitution de colonies lointaines caractristique prsent dans la

    colonisation de Superagui en dtriment dtablissement de colons europens autour de

    grandes villes, notamment de Curitiba. En ayant lappui de cette analyse nous avons

    lintention didentifier quelques points de proximit entre le projet colonial de Carlos

    Perret Gentil et les initiatives similaires dans le cadre rgional, soulignement quelques

    inflexions dans lentreprise du Superagui.

    Mots-cl : Colonie du Superagui, colonisation au Paran, Carlos Perret Gentil,

    immigration, systme de parceria

  • SUMRIO

    Introduo............................................................................................................................................

    Captulo 1: De Ibicaba a Superagui: uma parceria em prol da colonizao...............................

    1.1. Os usos e abusos dos colonos europeus no recm-criado Imprio do Brasil...........................

    1.2. Um certo cnsul suo....................................................................................................................

    1.3. Uma nova colnia, em uma regio perdida pela Provncia de So Paulo................................

    1.4. E Superagui no corresponde fazenda modelo........................................................................

    Captulo 2: Superagui e a poltica de abastecimento com base no trabalho imigrante................

    2.1. Um Paran Diferente: a proposta de introduo de colonos de Carlos Perret Gentil............

    2.1.1. A resposta de Zacarias................................................................................................ ..................

    2.2. Finalmente, uma poltica regional de introduo de colonos europeus...................................

    2.3. A crise regional tambm uma crise nacional:

    novamente a carestia de gneros alimentcios....................................................................................

    Captulo 3: Superagui e a Grande Lavoura: imbricao de algumas

    propostas para introduo de europeus...........................................................................................

    3.1. O registro paroquial de terras em Paranagu...........................................................................

    3.2. Um episdio da grande lavoura..................................................................................................

    3.3. As propostas de auxlio para a Colnia de Superagui..............................................................

    3.4. E o fundador de Superagui abandona os seus colonos..............................................................

    Captulo 4: O desenvolvimento de Superagui de forma independente

    em comparao a outras tentativas de introduo de imigrantes no Paran.................................

    4.1. A colnia sem seu fundador: novos rumos para Superagui......................................................

    4.2. Uma colnia esquecida? Colonizaes paralelas na Provncia do Paran..............................

    4.3. Instituies em ncleos coloniais: igrejas e escolas....................................................................

    4.4. Uma colonizao centrpeta: o cinturo verde de Curitiba.......................................................

    4.5. guisa da concluso.....................................................................................................................

    Consideraes finais.............................................................................................................................

    FONTES................................................................................................................................................

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..............................................................................................

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  • 1

    Introduo

    A Colnia de Superagui e a Poltica Imigratria no Paran Provincial

    A vista do que se achava patente debaixo dos meus proprios olhos, persuadi-me sem restrico

    que o Sr. Vergueiro traava a verdadeira vereda de attingir o resultado real da colonisao, e

    formei ento o projecto de dedicar-me a agricultura sobre as bases do seu systema quando por

    ventura occorresse circunstancias imprevistas me obrigassem a deixar o meu estabelecimento

    para em votar a outra empreza. Acho-me portanto agora neste caso em consequencia de uma grave e longa enfermidade, que me no permittindo mais de velar no andamento e progresso

    da minha fabrica, me tem forado a deixa la. Impellido pois nesta nova carreira pela necessi-dade que tem o Brazil de chamar a si muitos emigrantes, por cauza da perseguio acerrima que o seu governo actualmente faz ao contrabando dos negros, tenho querido dedicar-me in-

    teiramente a agricultura e colonisao no firme proposito de poder ser util ao Brasil aonde re-

    sido desde 16 annos, e aos mesmos colonos fazendo-lhe aproveitar das experiencias que te-nho obtido das minhas lucubraes, dos meus trabalhos e das minhas viagens.

    Carlos Perret Gentil

    Je ne veux influencer personne venir au Brsil, tu penses bien que si ctait refaire, je ne quitterais certainement pas la Suisse pour aucun pays du monde (...) Que de bonnes annes

    perdues en venant ici au Brsil, et que nous aurons passer ensemble; mais la jeunesse est bte

    comme tout, et naccepte pas de conseils... Willliam Michaud

    Ao final da graduao, por ocasio da escolha do tema a ser desenvolvido no

    trabalho de concluso de curso, encontrava-me sem qualquer ideia sobre que assunto

    escolher, quando me sugeriram fazer algo sobre a regio de Guaraqueaba, no litoral do

    Paran, cuja histria ainda est por ser escrita. Dos acontecimentos da regio, todos

    muito pouco explorados, o que mais me chamou ateno foi a fundao da Colnia de

    Superagui, em 1851, pelo cnsul da Sua no Brasil, Carlos Perret Gentil. Pensava que o

    assunto era de alcance limitado e tacanho, reduzido a pequenas propores, chegando

    meu orientador inclusive a sugerir o abandono do tema, uma vez que to pouco se es-

    crevera e se falara no empreendimento que parecia quase impossvel pesquisar algo a

    respeito. Contudo, eu no sabia, e aqueles que me precederam no estudo da colnia no

    o perceberam, que a fundao e o desenvolvimento Colnia de Superagui ultrapassa-

    vam, em muito, as dimenses modestas que lhe foram atribudas.

    Superagui foi criada por Carlos Perret Gentil sob inspirao da primeira tenta-

    tiva de substituio da mo de obra escrava por imigrantes europeus no decorrer dos

    oitocentos: o sistema de parceria da fazenda paulista de Ibicaba, no ano de 1847. Por

    mais que o ncleo fundado no litoral paranaense no correspondesse de todo experi-

    ncia paulista, tal indicao nos mostra que, ao contrrio do que eu havia pensado, pro-

  • 2

    blemas de grande amplitude cerceavam a constituio do ncleo, cativando-me mais

    sobre o assunto. Em funo de Superagui ter sido fundada por Perret Gentil, acompa-

    nharemos em boa parte sua trajetria de vida e sua participao em diferentes empreen-

    dimentos de colonizao, afinal, ele era o principal representante de Superagui, era

    quem intercedia entre o ncleo e o aparato governamental de ento. Outras pessoas, da

    mesma forma, representaram outras caractersticas da colnia do litoral paranaense,

    como o colono William Michaud, pelo qual conseguimos capturar algumas impresses

    sobre a experincia de ter imigrado e da vida no litoral paranaense.

    Por ocasio da elaborao do projeto de pesquisa, a problemtica por mim es-

    colhida foi a Colnia de Superagui e a Poltica Imigratria no Paran Provincial, pres-

    suposto pelo qual eu pretendia verificar como esta colnia seguiu determinados parme-

    tros do projeto de colonizao em voga, bem como os possveis retornos provinciais ao

    ncleo, geralmente na forma de investimento pecunirio. Nesse sentido, meu ponto de

    partida foi um pequeno trabalho de Altiva Pilatti Balhana, intitulado Poltica Imigrat-

    ria do Paran1, do qual me apropriei para a criao da problemtica deste trabalho, em

    especial o tpico imigrao para criar agricultura de abastecimento. Para os objetivos

    da pesquisa, foi-me necessrio discriminar o termo poltica imigratria, embora a au-

    tora qual me reporto no o tivesse feito. Para os leitores, penso que h poucas dvidas

    sobre a acepo de imigratria que utilizamos, porm, sobre a palavra poltica deve-

    remos nos deter um pouco mais para justificar a problemtica por ns apresentada.

    A poltica aqui definida de imigrao supe o poder de deciso e, na cir-

    cunscrio provincial, tal prerrogativa recaa, de um lado, aos burocratas oriundos do

    poder imperial, os Presidentes de Provncia e, do outro, Assembleia Legislativa Pro-

    vincial, dominada no Paran por representantes dos grandes proprietrios e pecuaristas

    dos Campos Gerais. A incumbncia de decidir sobre uma poltica de colonizao cabia

    aos poderes institudos por ns discriminados, exercendo, assim, o Estado no apenas

    sua atribuio do monoplio da coero e da tributao2, mas sua face produtiva, volta-

    da justamente para o benefcio e a preocupao da populao3. Entretanto, a poltica de

    colonizao seria apenas uma imposio de alto a baixo ou haveria alguma correlao

    1 BALHANA, Altiva Pilatti. Poltica Imigratria do Paran BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de

    Fiori, vol.I / Ceclia Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. 2 PERES, Wilma Costa. A Economia Mercantil Escravista Nacional e o Processo de Construo do Esta-

    do no Brasil (1808-1850). SZMRECSANYI, Tamas; LAPA, Jose Roberto do Amaral (org.) Histria

    econmica da Independncia e do Imprio . So Paulo; Hucitec, 2002, p. 148. 3 FOUCAULT, Michel. A governamentalidade. Microfsica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2001, p.

    289.

  • 3

    de foras entre a elite poltica e os agentes da colonizao, neste caso os prprios colo-

    nos e empreendedores imigrantistas? Pressupomos que sim, na hierarquia da poltica

    imigratria no nos podia ser concebvel, no caso do Paran, mas tambm no Imprio

    como um todo, que no houvesse uma contraparte dos maiores interessados, enfim, um

    condicionamento recproco entre o pice da hierarquia e os objetos de sua interveno

    para a consecuo dos objetivos da poltica desenvolvida, seja na ocupao de territ-

    rios, seja na produtividade agrcola4.

    Tal contraparte reflete-se, em nossa pesquisa, nas inmeras objees feitas por

    Perret Gentil com relao s diretrizes de colonizao, intrometendo-se muitas vezes em

    assuntos que no lhe competiam, tal como no projeto que apresentara ao Governo Pro-

    vincial (captulo 2) ou quando reclamara por diversas vezes a necessidade de auxlio aos

    projetos de colonizao (captulo 3). Por vezes, a prpria resposta dos colonos determi-

    nou alguns padres a serem seguidos pela Provncia do Paran, como no estmulo para

    estabelecer imigrantes nas cercanias de Curitiba, iniciado em parte de forma espontnea

    pelos alemes oriundos de Santa Catarina (captulos 2 e 4). Da mesma forma, os pssi-

    mos resultados obtidos pelas colnias fundadas custa do errio pblico determinaram

    o encerramento de tais empreendimentos (captulo 4). Por outro lado, no deixamos de

    observar a interferncia das autoridades provinciais nos projetos de colonizao, especi-

    ficamente para Superagui, como na fundao da escola do ncleo colonial (captulo 4)

    ou nos diversos momentos em que os pedidos para auxlio so negados (captulos 2 e 3).

    ***

    Por ocasio do projeto de mestrado, elenquei diversos referenciais e tendncias

    historiogrficas com as quais pretendia analisar meu objeto de pesquisa. As abordagens

    por mim selecionadas na poca referiam-se aos conceitos de imigrao e coloniza-

    o; a economia como objeto de estudo; a histria comparada como aporte para a reso-

    luo de determinadas questes; e, por fim, problemticas oriundas da histria agrria.

    Penso que, por mais amplo que fosse o filtro pelo qual analisaria nosso objeto de estudo,

    a Colnia de Superagui, consegui contemplar minimamente as propostas metodolgicas

    do projeto de pesquisa.

    4 _________________. O olho do poder. Op. Cit., p. 221.

  • 4

    Os conceitos de imigrao e colonizao referem-se principalmente s diver-

    gncias com relao utilizao da mo de obra imigrante durante o Imprio do Brasil e

    nos alvores da Repblica. De um lado, promoveu-se um vasto programa de colonizao

    de terras desocupadas ou esparsamente ocupadas os supostos vazios demogrficos

    com a concesso de terras a colonos europeus, quer por iniciativas diretas da adminis-

    trao imperial, quer por empresas particulares, com intuitos de renovar a produo a-

    grcola e defender o territrio. Se tais medidas de colonizao foram incentivadas, por

    outro lado, parte da elite imperial no deixou de reprovar os investimentos em tais pro-

    jetos, defendendo a utilizao do colono europeu preferencialmente nas grandes propri-

    edades em especial da Provncia de So Paulo com o intuito de minorar a suposta

    falta de braos enfrentada pela agricultura em funo da extino do trfico de escravos

    e da escravatura. Os conceitos por ns aventados acima so convenes historiogrficas

    que definem duas tendncias diferentes do emprego da mo de obra imigrante; por imi-

    grao, entenderamos a mobilizao de colonos europeus para os trabalhos na cafeicul-

    tura, enquanto colonizao abarcaria os diferentes empreendimentos de cesso de terras

    a colonos imigrantes5. No fundo, a distino mais historiogrfica que coetnea, uma

    vez que a introduo de imigrantes na lavoura paulista foi denominada colonizao

    diz respeito maneira como o colono exerceria seu trabalho: de um lado, proletarizado

    e desprovido de seus meios de produo; do outro, produtor independente e pequeno

    proprietrio. As discusses sobre as formas de aproveitamento do contingente imigrado

    atravessam a problemtica desenvolvida no decorrer deste trabalho.

    No que tange economia comoobjeto de estudo, procurei muito mais evidenci-

    ar alguns campos de estudo ditos econmicos, como a produo, o consumo, as rela-

    es de trabalho6 e o conceito de empresa agrcola7 que abarca questes sobre mo

    de obra rural e comercializao dos produtos da terra. De fato, no h nenhuma teoria

    econmica subjacente pela qual se observem as questes levantadas no correr da disser-

    5 BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro; WESTPHALEN, Ceclia Maria. Alguns As-pectos Relativos Aos Estudos de Colonizao e Imigrao. In: BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino

    de Fiori, vol.I / Ceclia Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002, p. 266. MACHADO, Paulo Pinheiro. Colonizar para Atrair: A Montagem da Estrutura Imperial de Colonizao no Rio Gran-

    de do Sul (1845-1880). 165 f. Dissertao (Mestrado em Histria). Instituto de Filosofia e Cincias Hu-

    manas, Unicamp, Campinas, 1996, p.3; PETRONE, Maria Thereza Schorer. O Imigrante e a Pequena

    Propriedade (1824-1930). So Paulo: Brasiliense, 1982, p. 24; SEYFERTH, Giralda. Imigrao e Cultu-

    ra no Brasil. Braslia: Editora UNB, 1990, p. 14. 6 FRAGOSO, Joo; MANOLO, Florentino. Histria Econmica In: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS,

    Ronaldo (org.). Domnios da Histria. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 39. 7 CARDOSO, Ciro F; BRIGNOLI, Hector P. Conceitos, Mtodos e Tcnicas de Histria Econmica In:

    Mtodos da Histria. Rio de Janeiro: Graal, 1983, p. 341.

  • 5

    tao8, mas as ilaes so feitas a partir de referenciais historiogrficos, alicerados

    muitas vezes na descrio da economia paranaense de ento, como a realizada pelos

    professores Pedro Calil Padis, Ceclia Westphalen e Carlos Roberto Antunes dos San-

    tos, entre outros (captulo 2). Outras vezes, utilizo-me de exemplos distantes no tempo e

    no espao para responder a determinadas questes, como o custo de vida em Paranagu

    (captulo 2), com base em Giovanni Levi e Witold Kula, ou ainda para descrever a co-

    mercializao dos gneros dos colonos de Superagui a partir de Edward Thompson (ca-

    ptulo 4).

    Os problemas oriundos da histria agrria no deixam, a nosso ver, de estar re-

    lacionados com os da histria econmica, uma vez que seu principal objeto de pesquisa

    so justamente as formas de apropriao da terra e a organizao do trabalho rural9. De

    fato, se Thompson e Levi so arrolados para responder nossas questes sobre a econo-

    mia paranaense, tambm contribuem para delinear certos aspectos da aquisio e legiti-

    mao de propriedades na regio de Superagui (captulos 3 e 4). Em funo das circuns-

    tncias da poca aqui trabalhada, resgatamos algumas inferncias historiogrficas sobre

    a Lei de Terras (captulo 3).

    Por fim, pretendi no fazer uma histria comparada, mas sim usar o mtodo

    comparativo para responder determinados problemas levantados no correr da disserta-

    o; em suma, encontrar as explicaes dos acontecimentos por ns coligidos, evidenci-

    ando seus padres ou mesmo destacando suas singularidades10

    . Procuramos fazer isso

    principalmente quando nos deparamos com os pedidos de auxlio para Superagui, mo-

    mento no qual fomos obrigados a coligir exemplos coetneos para elaborar nossa expli-

    cao para a recusa de investimentos ao ncleo (captulo 3 e 4). Por conseguinte, elabo-

    ramos padres a partir da observao emprica, como nas respostas das Cmaras Muni-

    cipais do Paran a respeito do encarecimento de gneros (captulo 2) e na constatao de

    que todos os ncleos do Paran fundados at a dcada de 1860 utilizaram-se grande-

    mente de mo de obra nacional, bem como fracassaram em funo de sua localizao

    geogrfica (captulo 4).

    8 CIPOLLA, Carlo M. Entre la Historia y la Economa Introduccin a la historia econmica. Barcelo-na: Editorial Crtica, 1991, p. 51. 9 LINHARES, Maria Yedda. Histria Agrria, In: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS, Ronaldo (org.). Do-

    mnios da Histria. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 168. 10 A esse respeito, Cf. CARDOSO, Ciro F; BRIGNOLI, Hector. O Mtodo Comparativo na Histria In:

    Mtodos da Histria. Rio de Janeiro: Graal, 1983, p. 411; FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando. Brasil e

    Argentina. Um ensaio de histria comparada (1850-2002). So Paulo; Editora 34, 2004, p. 25.

  • 6

    Tantos quadros interpretativos talvez possam parecer excessivos como de fa-

    to o so; contudo, os assuntos relativos temtica principal so igualmente variados,

    como escolas em ncleos coloniais ou o abandono de imigrantes dos empreendimentos

    aos quais foram engajados, redundando em sua coero. Entretanto, no deixei de coli-

    gir novas metodologias que estavam no bojo das minhas consideraes, embora quase

    nunca nos dssemos conta de sua presena. A primeira delas diz respeito constituio

    de uma histria narrativa, tal como a defendida por Jacques Le Goff: toda histria seria

    narrativa e seu desenvolvimento desembocaria em questes pertinentes a uma histria

    problema ou histria estrutural11

    . A opo pela histria narrativa segue um padro cro-

    nolgico e no temtico dos acontecimentos, entendendo que os prprios agentes hist-

    ricos, por sua vez, encadeiam sua prpria histria numa coerncia lgica12

    . Em conse-

    quncia disso, a narrativa pontuada com algumas trajetrias individuais para respon-

    dermos s indagaes provenientes de nosso projeto original Superagui e a poltica

    imigratria no Paran; em outras palavras, inclumos diversos dados biogrficos dos

    personagens que figuraram em nossa narrativa13

    .

    Um ltimo aspecto que havia nos escapado completamente, mas que jazia nos

    princpios de nosso projeto de pesquisa, diz respeito abordagem micro-histrica do

    nosso estudo. A micro-histria no se resumiria apenas reduo da escala de observa-

    o, mas partiria do pressuposto de que essa reduo de escala, o estudo do detalhe,

    responda questes de maior amplitude, fornecendo um panorama novo sobre objetos de

    estudo maiores que o original14

    . E, de fato, a Colnia de Superagui fornece-nos respos-

    tas para questes maiores da colonizao e imigrao de europeus no Paran, que, no

    fundo, estiveram sempre acessveis ao pesquisador disposto a pesquis-las, mas que s

    foram relevadas para responder s singularidades do ncleo colonial no litoral para-

    naense. Nessa perspectiva, a histria por ns escrita um fragmento de uma histria

    11 LE GOFF, Jacques. So Lus biografia. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 23. 12 SCHAMA, Simon. Cidados: uma crnica da Revoluo Francesa. So Paulo: Cia das Letras 2000, p.

    15. 13 A respeito das utilizaes da biografia na histria, Cf. LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas: a experincia da microanlise. Rio de Janeiro: Editora da

    FGV, 1998, p. 227-228. 14 LEVI, Giovanni. Sobre a micro-histria. In: BURKE, Peter (org.) A Escrita da Histria : Novas Pers-

    pectivas. So Paulo : Unesp, 2000, p. 141; REVEL, Jacques. A histria ao rs do cho In: LEVI, Giovan-

    ni. A Herana Imaterial Trajetria de um exorcista no Piemonte do sculo XVII. Rio de Janeiro: Civili-zao Brasileira, 2000, p. 17-18.

  • 7

    regional atravessada pelos mesmos problemas de uma histria dedicada a objetos

    mais dilatados, fornecendo, talvez, explicaes mais seguras15

    .

    ***

    O ponto de partida para o estudo da imigrao europeia no Paran talvez seja o

    livro de Romrio Martins Quantos Somos e Quem Somos, publicado em 1941, cujo

    interesse principal foi quantificar a populao do territrio paranaense, tanto a de ori-

    gem luso-brasileira quanto aquela proveniente da imigrao realizada a partir dos oito-

    centos. da autoria de Martins a proposta da cifra de aproximadamente cem mil colo-

    nos europeus entrados na regio at 193416

    . Contudo, em funo do contexto do Estado

    Novo, caracterizado pela restrio imigrao estrangeira e pela poltica de nacionali-

    zao, o livro carrega consigo alguns esteretipos, como a observao de enquistamen-

    tos tnicos e isolamento por parte dos imigrantes europeus, afirmando seu autor que no

    pretendia fazer uma crtica da colonizao europia17. O livro em questo foi lanado

    numa poca de tendncia crescente de estudos demogrficos, penetrando o meio acad-

    mico e determinando as orientaes para os estudos de grupos imigrantes no Paran.

    Outro estudo tangencial academia Um Brasil Diferente, de Wilson Mar-

    tins, publicado em 1955 e j devidamente criticado por diversos historiadores pela insis-

    tncia de Martins em superestimar o papel dos imigrantes europeus na formao da po-

    pulao do Paran. Na definio que apresenta do homem paranaense, o autor o con-

    sidera formado prioritariamente pelo caldeamento das diferentes populaes imigrantes

    e com mnima participao de negros e ndios18

    . Wilson Martins afirmou em todas as

    letras que no houve escravatura no Paran; todavia, sua afirmao dizia respeito a-

    penas ao tipo de escravido do latifndio monocultor, no deixando de utilizar dados e

    15

    WESTPHALEN, Ceclia Maria. Histria Nacional, Histria Regional. Estudos Brasileiros. Curitiba, v.2, n.3, 1977, p. 27-29. 16

    NADALIN, Sergio Odilon. Paran: Ocupao do Territrio, Populao e Migraes. Curitiba: SEED, 2002. , p. 79; BALHANA, Altiva Pilatti. Poltica Imigratria do Paran. In: BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol.I / Ceclia Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002, p. 371. 17 MARTINS, Romrio. Quanto somos e quem Somos, dados para a histria e a estatstica do povoamen-to do Paran. Curitiba: Empreza Grafica Paranaense, 1941, p. 55 apud: BALHANA, Altiva Pilatti. Co-

    mentrios obra de Romrio Martins Quantos Somos e Quem Somos Dados para a Histria e a Estats-tica do povoamento do Paran. In: BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol.I / Ceclia Ma-

    ria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002, p. 408-409. 18 MARTINS, Wilson. Um Brasil Diferente: ensaio sobre fenmenos de aculturao no Paran. So

    Paulo: T. A. Queiroz, 1989, p. 108.

  • 8

    estatsticas da poca sobre a populao de cor e escrava19

    . No fundo, a predominncia

    dos imigrantes europeus no Paran no era ressaltada por seu nmero absoluto, mas sim

    pelo seu predomnio cultural, perpassando geraes e sobrepujando a porcentagem pe-

    quena do contingente de outrora20

    .

    Todavia, na academia a tendncia vencedora foi a dedicada quantificao da

    populao, tal como no trabalho de Romrio Martins, encontrando sua correspondncia

    na histria demogrfica, cujo mtodo parte de anlise de dados proto-estatsticos para

    reconstituir os comportamentos demogrficos da populao, elencando para isso uma

    srie de assuntos correlatos, como famlia, casamento e sexualidade21

    . A histria demo-

    grfica refletia a tendncia historiogrfica dos anos de 1960, pautada pela quantificao

    e seriao da documentao, procedimento adotado para os registros paroquiais no caso

    dos estudos histrico-demogrficos. A precursora de pesquisas sobre imigrantes e seu

    comportamento demogrfico foi a professora Altiva Pilatti Balhana e seus diversos tra-

    balhos sobre a parquia de Santa Felicidade22

    . Tais trabalhos, justamente por lidar com

    uma documentao religiosa e referente a matrimnios, fizeram alguma meno s con-

    cepes religiosas dos imigrantes e sobre ncleos famliares, assuntos correlatos cultu-

    ra dos grupos imigrados. Nesse sentido, outros profissionais procederam de maneira

    anloga aos estudos da professora Altiva Balhana, tais como Sergio Odilon Nadalin e

    Ruy Christovam Wachowicz. Um analisara a documentao da parquia evanglica

    luterana de Curitiba, constituda por colonos alemes, outro se deteve sobre a parquia

    do Abranches, formada por poloneses. Estudo mais recente nessa abordagem foi o de

    Maria Luiza Andreazza a respeito dos ucranianos estabelecidos na regio dos Campos

    Gerais23

    .

    19 Ibidem, p. 128-129. 20 Ibidem, p. 124. 21 NADALIN, Sergio Odilon. Histria da populao, histria social. In:Histria e Demografia; elementos

    para um dilogo. Campinas: ABEP, 2004, p. 75-76. 22 BALHANA, Altiva Pilatti. Santa Felicidade: Uma Parquia Vneta no Brasil. Curitiba: Fundao

    Cultural de Curitiba, 1978. ________________________. A Vida Familiar em Santa Felicidade In: BA-

    LHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol.II / Ceclia Maria Westphalen (org.). Curitiba: Im-prensa Oficial, 2002, p. 347-353; 23 Cf. NADALIN, Srgio Odilon. Imigrantes de Origem Germnica no Brasil: Ciclos Matrimoniais e

    Etnicidade. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2001; _____________________. A respeito de uma demografia

    histrica dos contatos culturais In: trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Popula-

    cionais ABEP, Caxambu, 2006; WACHOWICZ, Ruy Christovam. Abranches: parquia da imigrao

    polonesa Um estudo de Histria Demogrfica. 107 p. Dissertao (Mestrado em Histria). Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paran, 1974; ANDREAZZA, Maria Luiza.

    Paraso das Delcias: estudo de um grupo imigrante ucraniano 1895-1995. 392 f. Tese (Doutorado em

    Histria). Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paran, 1996.

  • 9

    Em tais trabalhos, objetivou-se analisar os impactos culturais em decorrncia

    do translado para o Brasil sobre o grupo imigrante, bem como suas estruturas familiares,

    sendo o contexto imigratrio muitas vezes acessrio ao objetivo principal de uma hist-

    ria das famlias ou dos contatos culturais. Em nosso presente estudo, pretendemos deter-

    nos no contexto imigratrio ou de colonizao para a anlise de nosso objeto de pesqui-

    sa. No primeiro captulo, discorreremos sobre as motivaes para a fundao da Colnia

    de Superagui e seu estabelecimento no litoral do Paran, bem como as circunstncias

    que determinaram as modificaes no modo de recrutamento de trabalhadores. No se-

    gundo, observaremos a posio de seu fundador, Carlos Perret Gentil, em relao su-

    posta crise de gneros alimentcios na Provncia do Paran. No terceiro captulo, Supe-

    ragui ser analisada sob a tica de contingncias pouco favorveis, no entanto pertinen-

    tes estrutura fundiria e aos projetos de colonizao desenvolvidos na Provncia de

    So Paulo e no restante do Brasil. No quarto e ltimo captulo, observaremos a deca-

    dncia de Superagui a partir da ausncia de seu fundador e a quase ignorncia de sua

    existncia pelas autoridades provinciais.

  • 10

    Captulo 1:

    De Ibicaba a Superagui: uma parceria em prol da colonizao

    A colonizao levada a cabo em Superagui no apenas fruto do af de seu

    fundador, Carlos Perret Gentil, em obter dividendos para si embora esse fosse seu

    principal objetivo. Antes de tudo, o empreendimento iniciado s margens da Baa de

    Paranagu continha em si as indagaes sobre a colonizao europeia levada a cabo nos

    oitocentos, absorvendo muito das discusses acerca da utilizao da mo de obra dos

    imigrantes e das crticas ao seu emprego. O desenvolvimento posterior de Superagui, a

    partir de sua fundao em 1851, demonstra-nos a absoro dessas tendncias, inclina-

    das, de um lado, a fornecer lotes de terra a estrangeiros e, de outro, em transform-los

    em fora de trabalho substituta dos escravos.

    1.1. Os usos e abusos dos colonos europeus no recm-criado Imprio do Brasil

    Enquanto a Amrica Portuguesa esteve sob a administrao colonial metropoli-

    tana, a entrada de elementos de origem europeia fora restringida pela coroa24

    . Todavia,

    dois movimentos migratrios oriundos do continente europeu foram bastante significa-

    tivos. O primeiro deles foi devido descoberta de veios aurferos na regio de Minas

    Gerais, cuja atividade atraiu entre 300 e 500 mil portugueses para a Amrica Portugue-

    sa25

    . O segundo movimento populacional significativo ocorrido na segunda metade do

    sculo XVIII foi a colonizao por casais, com ilhus portugueses provenientes de

    Aores e Madeira. Entre os anos de 1748 a 1756, ingressaram nas regies de Santa Ca-

    tarina e So Pedro do Rio Grande 4.928 aorianos, aos quais, aps trinta anos de delon-

    gas, foram fornecidos 250 hectares de terras26

    . A introduo desses casais, alm de obje-

    tivos defensivos contra as pretenses da coroa espanhola sobre a regio sulina, tinha

    24 BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro; WESTPHALEN, Ceclia Maria. Alguns

    Aspectos Relativos Aos Estudos de Colonizao e Imigrao. In: BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzoli-

    no de Fiori, vol.I / Ceclia Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002, p. 245. 25 KLEIN, Herbert. Migrao Internacional na Histria das Amrica. In: FAUSTO, Boris (org.). Fazer a

    Amrica. So Paulo: EDUSP, 1999, p. 19.; NADALIN, Sergio Odilon. Paran: Ocupao do Territrio,

    Populao e Migraes. Curitiba: SEED, 2002, p. 56. Klein escreve que foram 400 mil portugueses,

    enquanto outros autores chegam a falar em 800 mil apenas na primeira metade do sculo XVIII. 26 MACHADO, Paulo Pinheiro. Colonizar para Atrair: A Montagem da Estrutura Imperial de Coloniza-

    o no Rio Grande do Sul (1845-1880). 165 f. Dissertao (Mestrado em Histria). Instituto de Filosofia

    e Cincias Humanas, Unicamp, Campinas, 1996, p. 10; BALHANA, Altiva Pilatti. Poltica Imigratria no

    Brasil Meridional. In: Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol.III / Ceclia Maria Westphalen (org.).

    Curitiba: Imprensa Oficial, 2002, p. 131.

  • 11

    como meta modificar a concepo reinante sobre o aspecto degradante do trabalho ma-

    nual e da faina agrcola, sendo desestimulado o uso do trabalho escravo. Entretanto, tais

    providncias no surtiram efeito e os casais aorianos teriam dedicado poucos esforos

    nos trabalhos agrcolas ou utilizado cativos27

    .

    Em 1808, as restries ao movimento populacional caducam e, em compasso

    com as reformas introduzidas por ocasio da transferncia da corte portuguesa ao Brasil,

    o ento prncipe regente D. Joo autorizava o fornecimento de terras em forma de ses-

    maria aos estrangeiros, da mesma maneira que eram concedidas aos sditos da coroa

    portuguesa, com o fito de aumentar a produo agrcola e a populao28

    . Nesse sentido,

    foi incentivada a vinda de portugueses ilhus, tal como no sculo XVIII, alm da con-

    cesso de terras na Bahia a alemes e suos29

    . Porm, o maior projeto de colonizao

    do perodo joanino ocorreria apenas dez anos depois da publicao do referido decreto.

    Em 1818, contratou-se Sebastio Gachet para o transporte de 100 famlias do canto

    suo de Friburgo, com destino regio conhecida como Morro Queimado, em Canta-

    galo, na Provncia do Rio de Janeiro.

    A iniciativa redundou num fracasso completo. O Governo Portugus fez diver-

    sas promessas aos colonos, cumpridas parcialmente e que no conseguiram elevar do

    estado de indigncia a populao instalada em Cantagalo. A alimentao para a viagem,

    providenciada por Gachet e realizada com meses de atraso, contribuiu para a morte de

    aproximadamente dos 2 mil indivduos encaminhados a regio de Morro Queimado.

    A constatao do fracasso da colnia de Nova Friburgo fez com que iniciativas nesse

    sentido fossem desestimuladas durante os anos que antecederiam a Independncia30

    .

    Entretanto, nos esforos de consolidar a emancipao do Brasil, a imigrao de pessoas

    oriundas do norte da Europa seria novamente estimulada, dessa vez com objetivo de

    recrutamento de mercenrios e defesa contra as tropas portuguesas ainda instaladas na

    antiga colnia.

    27 OBERACKER JR., Carlos. A colonizao baseada no regime da pequena propriedade agrcola. In:

    HOLLANDA, Srgio Buarque de. Histria Geral da Civilizao Brasileira. II. O Brasil Monrquico 3.

    Reaes e Transaes. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2004, p.221. 28 BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro; WESTPHALEN, Ceclia Maria. Alguns Aspectos Relativos Aos Estudos de Colonizao e Imigrao. In: BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzoli-

    no de Fiori, vol.I / Ceclia Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002, p. 245; LAZZARI,

    Beatriz Maria. Ideologia e Imigrao: reao do parlamento brasileiro poltica de imigrao e coloni-

    zao (1850-1875). Porto Alegre: Escola Superior de Teologia de So Loureno de Brindes; Universida-

    de de Caxias do Sul, 1980, p. 31. 29

    RIBEIRO, Gladys Sabina. A Liberdade em Construo: Identidade Nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2002, p. 153. 30 MACHADO, Paulo Pinheiro. Op. Cit., p. 11-12; LAZZARI, Beatriz Maria. Op. Cit., p. 32.

  • 12

    O casamento por procurao entre D. Pedro I e D. Leopoldina, de origem aus-

    traca, garantiu ao Imprio nascente o mnimo de articulao poltica com os estados

    alemes e com a Santa Aliana. Por intermdio do major Jorge Antonio Von Schaeffer,

    secretrio da Imperatriz, o Imprio do Brasil conseguiria o apoio poltico necessrio nos

    Estados Germnicos para a sua independncia e recrutamento de soldados e colonos.

    Schaeffer conseguiu aliciar 2 mil soldados e entre 6 e 7 mil colonos31

    . Desse contingen-

    te, alguns acabaram por pelejar contra as tropas lusas estacionadas em provncias seten-

    trionais, como Bahia e Cear, mas a grande maioria acabou por ser encaminhada ao Sul

    do Imprio. A fundao de diversas colnias na parte meridional do Brasil, como Rio

    Negro, Torres, So Pedro de Alcntara e principalmente So Leopoldo tinha finali-

    dade estratgico-militar. Jos Bonifcio fora convencido por Schaeffer a criar ao Sul,

    uma regio de litgio com os pases platinos, colnias agromilitares, nas quais os colo-

    nos eram em primeira instncia lavradores, mas, por ocasio de uma emergncia, toma-

    riam em armas contra os inimigos32

    . O engajamento dos colonos alemes nos conflitos

    de independncia da Provncia Cisplantina e sua localizao nas imediaes do caminho

    do sul do Viamo comprovariam suas atribuies estratgico-militares33. So Leo-

    poldo, pelo seu sucesso e pela quantidade de pessoas engajadas, se tornaria a colnia

    modelo para outros projetos de colonizao e, de todas as colnias formadas na dcada

    de 1820, a nica que de fato conseguiu prosperar, no s servindo de reserva militar s

    regies sulinas, mas tambm abastecendo Porto Alegre com gneros de subsistncia34

    .

    Tais projetos foram levados a cabo pelos funcionrios do Imprio. Porm, co-

    mo os fazendeiros monocultores e escravagistas, que tentavam controlar o Estado Impe-

    rial por meio do legislativo, observavam tais empreendimentos? No fundo, a poltica

    colonizadora levada a efeito nos primrdios da Independncia colocava novos atores no

    mundo agrrio brasileiro dos oitocentos, no qual o pice da hierarquia era constitudo de

    fazendeiros latifundirios e escravagistas. A introduo de colonos europeus para serem

    pequenos proprietrios apenas enfraquecia o domnio de terras e de homens desta elite

    31 OBERACKER JR, Carlos H. A Contribuio Teuta Formao da Nao Brasileira. Rio de Janeiro:

    Presena, 1985, p. 172. 32 Ibidem, p. 177-179. 33 Ibidem, p. 181;183. O contrato apresentado por Von Schaeffer aos colonos engajados evidencia a ten-

    dncia militar desses empreendimentos, em especial seu artigo 5, que prescreve: Os Colonistas sero obrigados a pegar em armas por q juro fidelidade a S. Mjde o Imperador do Brazil, mas s qdo a Nao

    estiver em perigo; seus fos nascidos no Brazil sero sujeitos ao recrutamento (conscription) SCHFER, George Anton de. Traduo dos artigos do contracto dos colonistas passado em Bremen a 20 de Agosto

    de 1827 por George Anton de Schfer Enviado Imperial do Brazil. Arquivo Pblico do Estado de So

    Paulo (AESP). Acervo Imprio (1822 a 1889) Colnia: CO7213. 34 MACHADO, Paulo Pinheiro. Op. Cit., p. 14; OBERACKER JR., Carlos H. Op. Cit., p. 181.

  • 13

    agrria, uma vez que poderiam adquirir escravos e terras objetos de poder de tais indi-

    vduos como de fato o fizeram. Tornava-se, assim, uma poltica nociva aos interesses

    dos grandes proprietrios, que condenaram por diversas vezes a execuo dos projetos

    de colonizao promovidos pela burocracia imperial, considerados extremamente caros

    e de resultados incuos35

    .

    Entre os crticos dos projetos de colonizao estava o senador Nicolau Pereira

    de Campos Vergueiro, representante da Provncia de So Paulo, bacharel e grande fa-

    zendeiro escravocrata. Sua oposio aos gastos com a introduo de imigrantes euro-

    peus como pequenos proprietrios reverberou principalmente no Conselho da Presidn-

    cia da Provncia de So Paulo, no ano de 1828, em razo da alocao de colonos ale-

    mes na referida Provncia. Nessa oportunidade, Vergueiro redigiu um longo parecer

    contra os investimentos feitos com tal gente, uma vez que: chamar colonos para faz-

    los proprietrios a custas de grandes despesas, uma prodigalidade ostentosa, que no

    se compadece com o apuro de nossas finanas (...) que se acabe o quanto antes com a

    enorme despesa que se est fazendo com eles36. O contingente de alemes, aps as

    crticas com o seu dispndio, seria dirigido para as colnias de Santo Amaro e Rio Ne-

    gro, na Provncia de So Paulo, nas quais obtiveram poucos resultados.

    Entretanto, a viso de homens como Nicolau Vergueiro tornou-se vitoriosa: a

    lei do oramento imperial para os anos de 1831-1832, de 15 de dezembro de 1830, proi-

    bia quaisquer gastos com a colonizao de europeus, bem como o engajamento de regi-

    mentos estrangeiros37

    . O investimento em colonizao s seria retomado com o Ato

    Adicional de 1834, que previa a participao das provncias nesses empreendimentos38

    .

    As iniciativas em prol da imigrao que surgiram no correr da dcada de 1830, como a

    citada acima, a lei de naturalizao de estrangeiros e a formao de Sociedades Patriti-

    cas para incentivar a imigrao, teriam tornado a medida de 1830, segundo alguns auto-

    res, sem significado prtico39

    . Entretanto, tendo em vista que durante os anos de 1829 e

    1846, a entrada de europeus no Imprio foi bastante diminuta e durante alguns anos

    35 LAZZARI, Beatriz Maria. Op. Cit., p. 33;49. Sobre as cises no interior da elite imperial e o papel dos

    fazendeiros no Imprio Cf. ALENCASTRO, Lus Felipe de; RENAUX, Maria Luiza. Caras e Modos dos

    migrantes e imigrantes. In: ALENCASTRO, Lus Felipe de (org.) Histria da vida privada no Brasil volume 2. So Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 295-299. 36 PETRONE, Maria Thereza Schorer. O Imigrante e a Pequena Propriedade (1824-1930). So Paulo: Brasiliense, 1982,p. 22. 37 LAZZARI, Beatriz Maria. Op. Cit., p.49; MACHADO, Paulo Pinheiro. Op. Cit., p. 15. 38 BALHANA, Altiva Pilatti et al. Op. Cit., p. 246. 39

    RIBEIRO, Gladys Sabina. Op.Cit., p. 163.

  • 14

    praticamente nula40

    , os incentivos imigrao na dcada de 1830 nos parece terem ob-

    tido resultados incuos.

    Contudo, no decnio de 1840, esforos efetivos para a introduo de estrangei-

    ros seriam realizados e, num primeiro momento, de forma independente do Governo

    Imperial, pelo mesmo senador Vergueiro citado acima. A partir de 1807, Vergueiro co-

    meou a adquirir propriedades rurais no interior de So Paulo, entre as quais estava a

    sesmaria de Morro Azul, na qual construiu o engenho de Ibicaba que posteriormente

    denominaria a fazenda do senador dedicado produo de acar41. Em 1828, intro-

    duziu-se a cultura do caf no empreendimento rural, dificultada em funo do pouco

    interesse dos administradores e pelas dificuldades do recrutamento de mo de obra42

    .

    Em 1840, Vergueiro introduziu em sua propriedade um contingente significati-

    vo de portugueses oriundos da regio do Minho, para trabalhar no cultivo de gneros ao

    lado do brao escravo. A quantidade de pessoas que afluram em funo dessa experin-

    cia varia, de acordo com alguns autores, de 80 a 70 famlias43

    , mas o nmero era de fato

    muito inferior, perfazendo o contingente de 90 pessoas44

    . As relaes de trabalho a que

    estavam submetidos os colonos tambm so pouco claras. Warren Dean escreveu que os

    trabalhadores portugueses lavravam por pagamento de salrio e como rendeiros de um

    lote no interior da propriedade, trabalhando ao lado dos escravos45

    . Temos razes para

    crer que os portugueses engajados por essa poca j trabalhavam com base no sistema

    de parceria, que marcaria as fazendas paulistas que se utilizaram da imigrao na dcada

    de 1850.

    A parceria, introduzida nos acordos de trabalho praticados com os imigrantes,

    tinha como cerne a diviso do valor obtido com a venda das sacas de caf colhidas pelo

    colono europeu com o fazendeiro, que o contratava razo de 50%. No caso do regime

    de trabalho imposto aos imigrantes, a comercializao da produo era realizada pelo

    cafeicultor, sendo vedada a apropriao por parte do colono do fruto de seu trabalho.

    Outra caracterstica importante em relao produtividade agrcola dizia respeito ces-

    so de um terreno no interior da propriedade para que o colono cultivasse mantimentos

    40 NADALIN, Sergio Odilon. Op. Cit., p. 66. 41 WITTER, Jos Sebastio. A revolta dos parceiros. So Paulo: Brasiliense, 1986, p. 23-24. 42 Ibidem, p. 25. 43 WITTER, Jos Sebastio, Op. Cit., p. 26; DEAN, Warren. Rio Claro: Um Sistema Brasileiro de Gran-

    de Lavoura 1820-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 97. 44 VERGUEIRO, Nicolau Pereira de Campos. Correspondncia enviada ao Presidente da Provncia de

    So Paulo, Jose Thomaz Nabuco DAraujo. Ibicaba, 6 de janeiro de 1852. Arquivo Pblico do Estado de So Paulo (AESP). Acervo Imprio (1822 a 1889) Colnia: CO7213. 45 DEAN, Warren. Op. Cit., p. 96.

  • 15

    e, caso estes fossem comercializados, o fazendeiro teria direito metade do produto da

    venda, tal como na produo cafeeira. Por fim, pelo contrato de parceria, os colonos

    europeus deveriam saldar os dbitos contrados com sua passagem para o Brasil e com

    os adiantamentos fornecidos pelo fazendeiro, reservando, para tal, metade de seu rendi-

    mento obtido com a comercializao de caf46

    .

    Entretanto, menos de dois anos aps a introduo dos colonos portugueses, os

    esforos de Vergueiro no sentido de preservar a agricultura da decadncia em funo

    da abolio do comercio dos escravos47, so todos perdidos e, novamente, em circuns-

    tncias pouco esclarecidas. Durante a revolta liberal de 1842, Nicolau Vergueiro envol-

    veu-se e foi preso; nesse nterim, a maior parte dos portugueses abandonou o empreen-

    dimento, acabando o senador por culpar a represso governamental pelo fato48

    . O sena-

    dor, aps o fracasso da experincia, retomou a ideia de complementar ou substituir a

    mo de obra escrava apenas a convite do Governo Imperial. O oramento de 1846 esta-

    belecia o crdito de 200 contos de ris s empresas de colonizao, devendo tal quantia

    ser restituda aos cofres do Imprio por aqueles que a utilizassem com tal fim49

    . O Imp-

    rio fez o convite para diversos fazendeiros que estivessem dispostos a aceitar a emprei-

    tada. Entretanto, s Nicolau Vergueiro se disponibilizou para tal.

    Achando-se Vergueiro debilitado pela sua idade, convidou seus trs filhos ho-

    mens para fundar uma companhia de colonizao com o fim de trazer colonos para o

    trabalho na lavoura de caf a partir dos subsdios ofertados pelo Governo Imperial. Em

    1846, Nicolau Vergueiro, em associao com seus trs filhos Jos, Lus e Nicolau e

    com a Casa de Comrcio em Santos, estabeleceu a Vergueiro e Cia, com sede na referi-

    da cidade e liderada por Jos Vergueiro50

    . por essa poca que o primognito do sena-

    dor Nicolau Vergueiro iria entrar em contato com aquele que talvez fosse o maior pro-

    pagandista e defensor das empresas da famlia paulista: o Cnsul Geral da Confederao

    Sua no Brasil, Carlos Perret Gentil.

    46

    HOLLANDA, Srgio Buarque de. As colnia de parceria. In: Histria Geral da Civilizao Brasileira.

    II. O Brasil Monrquico 3. Reaes e Transaes. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2004, p. 246-247;

    HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o caf: Caf e sociedade em So Paulo, 1886-1934. Rio de

    Janeiro: Paz e Terras, 1984, p. 112. 47 VERGUEIRO, Nicolau Pereira de Campos. Op. Cit. 48 WITTER, Jos Sebastio, Op. Cit., p. 26; DEAN, Warren. Op. Cit., p. 97. 49 BRASIL. Lei N369, de 18 de setembro de 1845, fixando a despesa e orando a receita para o exerccio

    de 1845-1846. Coleo de Leis do Imprio do Brasil - 1845. Disponvel em: http://www2.camara.gov.br

    /legin/fed/lei/1824-1899/lei-369-18-setembro-1845-560471-publicacaooriginal-83297-pl.html. Acesso

    em: 11/01/2011 50 VERGUEIRO, Nicolau. Correspondncia ao Presidente da Provncia de So Paulo, Manoel Fonseca

    de Lima e Silva. Santos, 1 de agosto de 1846. Arquivo Pblico do Estado de So Paulo (AESP). Acervo

    Imprio (1822 a 1889) Colnia: CO7213.

  • 16

    1.2. Um certo cnsul suo...

    Carlos Perret Gentil nasceu em 19 de outubro de 1814, na cidade de Fleurier,

    no Canto de Neuchatel, na Sua, filho de Charles Louis Perret Gentil e Sofia Paulet,

    tendo emigrado para o Brasil por volta dos anos de 1835 e 1836, com aproximadamente

    vinte anos51

    , talvez acompanhado de seu irmo seis anos mais novo, Augusto. Com o

    intuito de elaborar hipteses sobre os motivos de sua emigrao para o Brasil, foi neces-

    srio um exerccio especulativo que tomamos de emprstimo de Giovanni Levi: o con-

    texto histrico usado para compreender as trajetrias individuais52

    . E esse contexto his-

    trico reporta diretamente ao pas de origem de Gentil, a Sua.

    Aps as guerras napolenicas, a Sua teve necessidade de cobrir dficits con-

    trados com a totalidade do continente europeu, e uma das fontes de renda estava no

    comrcio transatlntico, e entre os possveis mercados encontrava-se o Brasil. Para tal,

    foram formadas diversas casas de comisso, companhias de exportao e importao de

    mercadorias a atacado, que, ao contrrio de mercadores, no retiravam seu lucro da

    compra e revenda de mercadorias, mas sim do agenciamento entre compradores e ven-

    dedores nas duas partes do globo, recebendo para tal um pequeno pagamento regular e

    uma comisso sobre as vendas da seu nome. Essas casas de comisso geralmente

    tinham duas sedes uma numa cidade europeia, outra no alm-mar e possuam um

    forte carter familiar, estando ambas as representaes a cargo de parentes ou de suos

    correligionrios, isto , protestantes huguenotes. a partir de 1830 que tais comission-

    rios suos comeam a afluir em maior nmero para o Brasil, compondo-se geralmente

    de homens jovens com o intuito de fazer fortuna53

    . Tal esquema de negcios seguia o

    padro dos comerciantes importadores do Imprio, cuja atuao era pautada pela repre-

    sentao das mercadorias consignadas de casas exportadoras europeias54

    .

    Apesar de no encontrarmos qualquer relato de prprio punho deixado por Per-

    ret Gentil no qual informasse quais foram seus propsitos em emigrar para o Brasil,

    51 SILVA, Joaquim Flix da. Certido de naturalizao do suo Carlos Perret Gentil. Paranagu, 16 de janeiro de 1858. Arquivo Pblico do Paran, AP 54, p. 79-83. 52 LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaina (orgs.).

    Usos e abusos da histria oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996, p. 175. 53VEYRASSAT, Batrice. Les Suisses et la Suisse au Brsil (1817-1930). Le renouvellement des

    communauts de'affaires ou le recul de l'influence conomique de la Suisse franaise. Etudes et Sources,

    1995, n 21, p. 12-13. Disponvel em: http://www.amtsdruckschriften.bar.admin.ch/viewOrigDoc. do?id=80000185. Acesso em 08/02/2012. 54 ALENCASTRO, Lus Felipe; RENAUX, Maria Luiza. Op. Cit., p. 306.

  • 17

    podemos supor que sua viagem estivesse relacionada com a expanso dessas casas de

    comisso e que emigrara na condio de comerciante. Sua emigrao individual segue a

    tendncia geral dos imigrantes europeus que desembarcavam no Rio de Janeiro na po-

    ca. A ttulo de exemplo, os portugueses imigrados na dcada de 1820 no Rio de Janeiro,

    por exemplo, intitulavam-se em sua maioria caixeiros ou que vinham a negcio, algo

    pontuado por outros imigrantes, voltados igualmente s atividades comerciais55

    . De fa-

    to, Perret Gentil fora scio da Terrisse & Cie, companhia fundada por trs irmos gene-

    brinos que se instalaram no Brasil em 1815 e iniciaram suas atividades em 1820, com

    operao no Rio de Janeiro e em Paris56

    . Que tipo de mercadorias a companhia fazia

    consignao, no sabemos precisar, mas cremos que pudesse estar relacionada com a

    importao de tecidos provenientes da Sua ou exportao de gneros tropicais57

    . En-

    tretanto, em 1844, a companhia encerraria suas atividades no Rio de Janeiro, ficando

    sua liquidao a cargo do suo proveniente de Saint-Gaul e emigrado em 1830, Jakob

    Thoman, proprietrio da Thomman, Weber & Cie, e os irmos Terrisse concentrariam

    suas atividades apenas em Paris58

    . Nove anos depois de ter emigrado para o Brasil, Per-

    ret Gentil foi obrigado a dedicar seus capitais em outros empreendimentos.

    Enquanto esteve a cargo da Terrisse & Cie, Perret Gentil fora nomeado cnsul

    da Confederao Sua em 1838, com apenas 23 anos. Gentil atendia na Rua das Violas,

    78, no centro do Rio de Janeiro, onde tambm mantinha seus negcios59

    , conferindo

    despachos a alguns imigrantes suos60

    ou cuidando dos assuntos referentes ao comr-

    cio, como liquidao de empresas suas. Acabaria por persuadir a Confederao Sua

    em transformar a representao existente no Rio de Janeiro em consulado geral, elevan-

    do-se assim frente das representaes existentes em Pernambuco e na Bahia, no ano

    de 1840. O enviado extraordinrio da Sua, Johann Jakob Von Tschudi, em viagem ao

    Brasil para averiguar o estado dos imigrantes helvticos no Imprio no ano de 1860, fez

    algumas observaes sobre as atividades consulares suas em terras brasileiras, sendo

    55 RIBEIRO, Gladys Sabina. Op. Cit., p. 186. 56 VEYRASSAT, Batrice. Op. Cit., p. 14. 57 Ibidem, p. 20-21. 58 Ibidem, p. 14. 59 Industria, Artes, Oficios, Etc. Almanak Administrativo Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do

    Rio de Janeiro para o ano de 1851 organisado e redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro, Oitavo

    ano, 1851, p. 398. 60 Em 1839, por exemplo, pedia para as autoridades brasileiras concederem passaporte ao suo Francisco Monge, que tinha como destino Filadlfia, nos Estados Unidos, responsabilizando-se Gentil pela situao

    do mesmo. GENTIL, Charles Perret, cnsul da Sua no Brasil. Certido do cnsul da Sua, Charles Perrez Gentis, de como Francisco Monge seguia para Filadlfia. Rio de Janeiro, 22 mar. 1839. Bibliote-

    ca Nacional Seo de Manuscritos. Localizao: I 48, 21, 22.

  • 18

    Perret Gentil bastante criticado. Na investigao que fez nos livros do consulado estabe-

    lecido no Rio de Janeiro, encontrara os da administrao de Perret Gentil repletos de

    lacunas61

    . Fez uma acusao grave aos cnsules em geral, relativa criao de cargos

    de vice-cnsul sem a autorizao de seu pas de origem. O cargo em si era venal, e os

    cnsules geralmente o atribuam a terceiros em troca de alguma retribuio, chegando a

    ser vendido por alguns sacos de feijo!62

    E Perret Gentil teria sido o cnsul geral que

    mais se utilizara deste expediente, atribuindo vice-consulados inutilmente e a pessoas

    pouco ciosas das responsabilidades de seus cargos. A ttulo de exemplo, o vice-cnsul

    indicado para a representao do Par foi obrigado a pagar 400 francos para Perret Gen-

    til. Para o Rio Grande do Sul, o nosso cnsul geral criara dois cargos de vice-cnsul,

    atribudos a brasileiros, e at mesmo um dos filhos de Nicolau Vergueiro se tornou vice-

    cnsul em Santos, por ordem de nosso personagem63

    .

    Entretanto, a atividade consular em si no gerava qualquer rendimento aos seus

    ocupantes, muitas vezes selecionados entre os negociantes suos locais. Portanto, com

    a extino da companhia Terrisse & Cie, da qual Perret Gentil fora scio, o cnsul pro-

    curou outras fontes de rendimento. Para tal, teve a ideia de criar um estabelecimento

    voltado iluminao com base no gs hidrognio, pedindo uma srie de favores ao Im-

    perador para tal empreitada. No comeo de 1845, o cnsul apresentara a D. Pedro II as

    vantagens da iluminao feita com gs hidrognio lquido, cuja apresentao foi feita na

    Frana em 1843 e recebera diversos comentrios dos polticos do pas. Confessava que

    suplicava alguns favores, uma vez que tinha a inteno de fundar uma fbrica na cidade

    fluminense de Campos, voltada produo de garrafas e lmpadas com o dito gs, que

    se iluminariam apenas com o simples contato da chama e apagariam com um nico so-

    pro, no deixando odor e produzindo uma luz mais clara que a iluminao feita com

    azeite ou leo de baleia. Perret Gentil pedia como favores o monoplio da produo das

    lmpadas de gs hidrognio lquido e a iseno de direitos sobre os produtos brasileiros

    que utilizasse em sua produo, embora tais auxlios fossem recusados64

    .

    Mesmo sem o subsdio, as atividades do estabelecimento campista iniciam-se,

    produzindo garrafas e lampies para a iluminao privada. Em documento posterior,

    61 TSCHUDI, Johann Jakob Von. Rapport de Mr. de Tschudi, Envoy extraordinaire de la Confdration

    suisse au Brsil, sur les Consulats suisses dans le dit pays. Feuille Fdrale Suisse. Ano 13, Volume 3, N

    63, 31 de dezembro de 1861, p. 277. 62 Ibidem, p. 279. 63 Ibidem, p. 281; Veyrassat, Batrice. Op. Cit., p. 36. 64 GENTIL, Carlos Perret. Requerimento a S.M.I., solicitando privilgio exclusivo para fabricar gs hi-

    drognio lquido para iluminao. Rio de Janeiro. 1845. Biblioteca Nacional Seo de Manuscritos documentos biogrficos. Localizao: C 0777, 069.

  • 19

    Perret Gentil afirmou que o prprio Imperador visitou a sua fbrica65

    . De fato, na visita

    que D. Pedro II fez a Campos, em 1847, assistiu a uma pea no teatro So Salvador,

    iluminado pelas lmpadas da fbrica de Perret Gentil, e at mesmo a cidade fluminense

    veio a ser inteiramente iluminada de lampies equipados com o seu produto no ano se-

    guinte66

    . Durante os anos finais da dcada de 1840, conseguiu consolidar sua produo

    e destin-la no s a Campos e Rio de Janeiro, mas a So Paulo e Santos, usando como

    depsito das garrafas destinadas iluminao o mesmo nmero da Rua das Violas onde

    atendia aqueles que vinham procurar os servios do consulado suo. E numa dessas

    viagens para expandir seus negcios, o encontro com uma personalidade paulista faria

    com que mudasse seus negcios no futuro.

    No ano de 1846, em viagem num vapor em direo a Santos, Perret Gentil en-

    contrara Jos Vergueiro, nessa poca presidente da Vergueiro e Cia. Foram apresenta-

    dos um ao outro e discutiram diversos assuntos relativos colonizao, bem como as

    formas de utilizar o trabalho livre na lavoura de caf em oposio ao escravo. Aps a

    conversa, Gentil acompanhou Jos Vergueiro at a propriedade da famlia paulista em

    Ibicaba, distante 40 lguas de Santos, na qual encontrara 215 escravos e sete famlias de

    portugueses remanescentes da empreitada de 1840, estes trabalhando na lavoura sob as

    bases do sistema de parceria. O estado em que os encontrou agradou bastante Perret

    Gentil, que fora informado por Jos Vergueiro que a introduo de trabalhadores euro-

    peus no ficaria limitada a essa tentativa. No ano seguinte, vrias famlias viriam finan-

    ciadas pelo fazendeiro, cujo reembolso do investimento seria feito pelos prprios colo-

    nos67

    .

    Tal a histria contada por Carlos Perret Gentil de como passou a se interessar

    pelos assuntos de colonizao em seu livro A Colnia Senador Vergueiro: Considera-

    es, opsculo dedicado ao seu anfitrio em Ibicaba68. O livro trata de dois temas prin-

    cipais: primeiro, as observaes de Perret Gentil a respeito da colonizao, nas quais o

    cnsul conclui que o sistema praticado por Vergueiro seria o nico passvel de sucesso,

    uma vez que todos os demais fracassaram; e, segundo, o estabelecimento dos alemes

    introduzidos em 1847 e sua situao alguns anos depois. Com os auxlios provenientes

    dos cofres imperiais, a Vergueiro e Cia conseguiu angariar 423 colonos hamburgueses,

    65 SILVA, Joaquim Flix da. Certido de naturalizao do suo Carlos Perret Gentil. Paranagu, 16 de

    janeiro de 1858. Arquivo Pblico do Paran, AP 54, p. 79-83. 66 RODRIGUES, Herve Salgado. Na taba dos goytacazes. Niteri: imprensa oficial, 1988, p. 56;60. 67 GENTIL, Carlos Perret. A Colonia Senador Vergueiro Consideraes. Santos : Typographia Impar-cial de F. M. R. de Almeida , 1851, p. 31-33. 68 Ibidem, p. 3; 31.

  • 20

    contando com 32 contos de ris fornecidos pelo Governo Imperial, iniciando em julho

    do mesmo ano as atividades da colnia Senador Vergueiro, na circunscrio da proprie-

    dade de Ibicaba69

    . Em 1851, ano da publicao do livro, Gentil verificou o estado em

    que se encontravam os colonos introduzidos, fornecendo-nos impresses quase naba-

    bescas da vida dos alemes no empreendimento.

    Primeiro, descrevera a opulncia das habitaes dos colonos, que teriam muitos

    itens que no se encontrariam nas casas de aldees ricos europeus, denunciando o

    gro de abastana a que chegaram essas famlias70. Encontrara famlias contentssi-

    mas e felizes, que tinham vveres em fartura, no sofriam frio e nem misria71

    . Durante

    sua estada em Ibicaba, Perret Gentil encontrara um lavrador que possua treze escravos

    pedindo para ser admitido na colnia, uma vez que no seu sitio nunca tinha podido

    chegar a ganhar tanto quanto um colono bem trabalhador72. O elemento principal que

    atrelava os imigrantes administrao colonial as dvidas em funo da passagem

    transatlntica e dos adiantamentos feitos na fazenda seria um ponto facilmente contor-

    nvel pelos colonos europeus; em apenas trs anos, no s teriam saldado todas as dvi-

    das como teriam crdito com a companhia73

    . Tais anncios de uma vida fantstica sob o

    sistema de parceria tinham o objetivo claro de atrair colonos europeus, e a obra de Per-

    ret Gentil e suas derivaes em lnguas europeias foram utilizadas com esse intuito. Os

    relatos de Thomas Davatz e Johann Jakob Von Tschudi apontam para esta concluso. O

    primeiro tinha conhecimento dos escritos do cnsul suo, e esteve decidido a questio-

    n-lo sobre as maravilhas que vira. Tschudi afirmara que Gentil apresentou o sistema de

    maneira muito favorvel, conseguindo assim atrair numerosos europeus atingidos pelo

    pauperismo74

    .

    Entretanto, no bastava apenas convencer os imigrantes do sucesso da emprei-

    tada era necessrio convencer os potenciais clientes da firma Vergueiro: os diversos

    fazendeiros paulistas, escravocratas empedernidos que ainda estavam pouco dispostos a

    aceitar o trabalho de colonos europeus. Perret Gentil argumentava que os fazendeiros

    69 VERGUEIRO, Nicolau. Correspondncia ao Presidente da Provncia de So Paulo, Manoel Fonseca de Lima e Silva. Santos, 1 de agosto de 1846. Arquivo Pblico do Estado de So Paulo (AESP). Acervo

    Imprio (1822 a 1889) Colnia: CO7213. 70 GENTIL, Carlos Perret. Op. Cit., p. 60. 71 Ibidem, p. 63-64. 72 Ibidem, p. 66. 73 Ibidem, p. 90. 74 DAVATZ, Thomas. Memrias de um colono de Brasil (1850). So Paulo: Editora da Universidade de

    So Paulo, 1980, p. 149; TSCHUDI, Johann Jakob Von Tschudi. Viagem s Provncias do Rio de Janeiro

    e So Paulo. Biblioteca Histrica Paulista. So Paulo: Livraria Martins Editora S. A., 1953, p. 140.

  • 21

    poderiam lucrar muito mais com o trabalho livre na base da diviso da venda do caf do

    que com a utilizao de trabalhadores escravos. Jos Vergueiro tinha por fim convencer

    outros proprietrios, uma vez que mediante seu exemplo daria uma prova incontestavel

    contra a opinio geral, de que introduzindo uma populao branca que trabalhasse a

    meias com o proprietario, [...] este ganhava no augmento de valor das terras e obtinha

    safras muito maiores...75.

    Nesse sentido, acusaes so dirigidas aos grandes proprietrios, que so con-

    siderados em parte responsveis pelo insucesso da colonizao no Brasil, por seu trata-

    mento rude com os colonos76

    . O fim do trfico de escravos e da escravido, j vislum-

    brado por Perret Gentil, tornava-se mais uma justificativa para a introduo de imigran-

    tes europeus; entretanto, esbarrava na convico dos grandes fazendeiros, de que os

    colonos no podem prestar os mesmo servios dos escravos, e que a introduco

    daquelles tende a mudar totalmente seus habitos, porque de necessidade deve ser todo

    diverso o regimen a seguir com elles77. Perret Gentil argumenta que, com o interesse

    direto dos colonos no cultivo de caf, a produo dos cafeeiros poderia aumentar; se o

    fazendeiro decidisse continuar com o regime escravocrata, seriam necessrios maiores

    capitais para adquirir mais escravos para lide da terra, enquanto para a introduo do

    sistema dos Vergueiro seriam necessrios capitais menores. Por fim, argumentava que a

    produo decorrente da diviso da venda do caf poderia ser vantajosa aos fazendeiros,

    uma vez que, com o trabalho escravo, a produo ficaria estacionria, ao passo que com

    a introduo de colonos e compra de novas terras, sua safra deveria apenas aumentar:

    (...) quando se falla maior parte dos fazendeiros na partilha dos productos com os colonos, parece que isto equivaleria a arrancar-lhes a alma [...] Calculam smente que tem tantos ne-gros os quaes lhe do um rendimento de tantas arrobas ; e por conseguinte substituindo-os por colonos, e dividindo os productos, apenas teriam metade daquelle redito78

    A insistncia nos ganhos que os cafeicultores poderiam obter com a utilizao

    dos colonos europeus, bem como nas qualidades desses trabalhadores (brancos, est-

    veis, industriosos...), tinha o intuito claro de convencer outros proprietrios no s a

    adotar o sistema proposto por Vergueiro, como tambm a contrat-lo para a remessa de

    tais colonos, como ocorre na dcada de 185079

    . De fato, so criadas durante o perodo

    75 Ibidem, p. 33. 76 Ibidem, p. 6. 77 Ibidem, p. 19. 78 Ibidem, p.27-28. 79 COSTA, Emlia Viotti da. Da Senzala Colnia. So Paulo: Fundao Editora da UNESP, 1998, p.125

  • 22

    42 colnias no interior de fazendas particulares em So Paulo80

    . Entretanto, a resistncia

    dos fazendeiros em substituir os trabalhadores escravos por colonos, mesmo europeus,

    persistiria por dcadas a fio, mesmo que talvez fosse mais caro obter um escravo do que

    trazer uma famlia oriunda da Europa81

    .

    O sistema de colonizao posto em prtica pelos Vergueiro seria to passvel

    de sucesso que o prprio apologista da empresa tornar-se-ia agricultor, fazendo uso das

    experincias obtidas pela famlia paulista. o que nos afirma o prprio Perret Gentil,

    que, encontrando-se enfermo para dar andamento a sua fbrica de gs hidrognio em

    Campos, pretendia dedicar-se a agricultura sobre as bases do seu systema82, atrando

    trabalhadores novos, sendo assim til a sua nova ptria. Garantia que seu projeto no

    tinha natureza especulativa, pelo contrrio, era motivado pela esperana de que os colo-

    nos pudessem enriquecer com seu trabalho nas grandes propriedades. Depois de ter ave-

    riguado as causas do fracasso de todas as empresas de colonizao, teve por plano esta-

    belecer uma companhia para tal, cujo capital proviria da venda de aes. Tal companhia

    deveria comprar uma grande extenso de terra, com escravos ou no, para receber um

    grande nmero de colonos; cada famlia receberia um terreno para explorar de dimen-

    ses em correspondncia com suas foras, devendo dividir seus produtos com a admi-

    nistrao colonial; por fim, as famlias seriam responsveis pelos custos de seu transpor-

    te e no poderiam deixar a empresa sem antes quitar suas dvidas83

    .

    Perret Gentil tinha por objetivo iniciar um empreendimento imigrantista que fi-

    zesse uso do esquema de trabalho livre posto em prtica na grande lavoura, aproximan-

    do-se, dessa forma, dos desgnios e projetos de tais empreendimentos. Em funo de os

    fazendeiros do Oeste Paulista empregarem colonos europeus como simples trabalhado-

    res, atacavam no legislativo do Imprio os fornecimentos de terras a tal contingente,

    uma vez que se deveria atender s necessidades prementes do setor mais produtivo da

    economia nacional, abalado em funo do fim do trfico de escravos84

    . As tentativas de

    colonizao de reas inexploradas ou parcialmente exploradas por colonos europeus

    como pequenos proprietrios85

    eram empreendimentos dispendiosos com resultados de

    pouca monta, cujos capitais seriam melhor empregados na imigrao destinada aos

    80 OLIVEIRA, Jos Joaquim Machado de. Relao das colnias existentes em 1860. Repartio das Ter-

    ras Pblicas e Colonizao na Provncia de So Paulo. So Paulo, 13 de dezembro de 1861. Arquivo

    Nacional Srie Agricultura: *IA6 87 (cdice). 81 COSTA, Emlia Viotti. Op. Cit., p. 84 82 GENTIL, Carlos Perret. Op. Cit., p. 33. 83 Ibidem, p. 21-23. 84 BALHANA, Altiva Pilatti et al., p. 240; LAZZARI, Beatriz Maria. Op. Cit., p. 69. 85 BALHANA, Altiva Pilatti et al., Op. Cit., p. 266

  • 23

    grandes latifndios. Mesmo quando o emprego da mo de obra europeia se restringia

    lavoura, ainda havia discordncias no financiamento de sua vinda pelo Governo Imperi-

    al. Os grandes potentados das provncias do Norte do Imprio, por exemplo, no s e-

    ram contrrios vinda de imigrantes como reprovavam o emprego do dinheiro imperial

    nesta atividade86

    . Entretanto, por mais prximo que fosse o projeto de Perret Gentil dos

    empreendimentos da grande lavoura, sofreria transformaes que, no fundo, distancia-

    vam-se de grande parte dos ideais defendidos pelos cafeicultores do Oeste Paulista, a-

    proximando-se muito da colonizao que considerava incua ou improdutiva.

    1.3. Uma nova colnia, em uma regio perdida pela Provncia de So Paulo

    Vimos acima o af de Perret Gentil em tornar-se agricultor sob as bases do

    sistema Vergueiro, como o prprio disse, bem como seu plano de formar uma compa-

    nhia para tratar dos assuntos de colonizao. No mesmo ano em que publicara suas opi-

    nies a respeito da fazenda de Ibicaba, lanara-se em seu prprio projeto de coloniza-

    o, no litoral da 5 Comarca da Provncia de So Paulo. Por volta do ms de outubro de

    1851, o cnsul desembarcou em Paranagu acompanhado de 12 colonos suos, que se

    dirigiram para a pennsula do Superagui, distante algumas lguas da cidade porturia. O

    ncleo pioneiro da futura Colnia de Superagui estabeleceu-se na regio em 19 de outu-

    bro de 185187

    .

    Entrementes, a 5 Comarca de So Paulo estava h algumas dcadas pedindo a

    emancipao da referida provncia e sua elevao a tal categoria. As diversas manifesta-

    es defendendo a separao desde os tempos de D. Joo VI no surtiram efeito. Ape-

    nas quando estourou a Revolta Liberal de 1842, em funo dos desagravos dos liberais

    paulistas e mineiros com o Governo Imperial, medidas nesse sentido foram empreendi-

    das. Joo da Silva Machado, tropeiro da regio que recebera o ttulo de Baro de Anto-

    nina, mobilizara as lideranas liberais da regio em favor do Imprio, com a promessa

    de que isso acarretaria na transformao da Comarca de Curitiba em uma nova provn-

    cia. A proposta contou na poca com a defesa do prprio Presidente de Provncia de So

    Paulo; entretanto, arrastou-se por onze anos at ser efetivada, contando com a resistn-

    86 LAZZARI, Beatriz Maria. Op. Cit., p. 54;59;65 87 GENTIL, Carlos Perret. Mappa da Colonia de Superaguy no ano de 1858. Superagui, 3 de junho de

    1858. Arquivo Pblico do Paran, AP 59, p. 20-24. A data da criao do empreendimento de Perret Gentil, coincidentemente, cairia no mesmo dia de seu aniversrio, quando completara 37 anos.

  • 24

    cia de parlamentares como o prprio Nicolau Vergueiro. A antiga 5 Comarca de So

    Paulo passaria a ser a nova Provncia do Paran, criada em 29 de agosto de 185388

    .

    De fato, a nova circunscrio imperial sofreu algumas tentativas de coloniza-

    o, que se distinguiam do que ocorrera na provncia da qual se separara. No ano de

    1816, a regio da 5 Comarca recebeu 50 casais aorianos a pedido de Joo da Silva

    Machado, para se estabelecerem na regio da Capela da Mata, um dos ramais do Via-

    mo, constantemente atacada por ndios. Uma vez que o Baro de Antonina era tropeiro,

    podemos entender seu pedido. J em 1828, com alemes remanescentes da colnia de

    Santo Amaro, localizada na Provncia de So Paulo, Machado iria instal-los novamente

    na mesma regio, com os mesmos objetivos89

    .

    Outro projeto de colonizao recebido pela regio, quase coetneo ao de Carlos

    Perret Gentil, foi o de iniciativa do mdico francs Joo Maurcio Faivre, a Colnia

    Thereza, s margens do Rio Iva, no interior da 5 Comarca. Argumentando que a agri-

    cultura seria a fonte de riquezas de um pas e que as tentativas de colonizao no Brasil

    tinham fracassado nesse objetivo, Faivre foi animado pela Imperatriz Thereza Cristina a

    constituir um ncleo que lograsse ter sucesso nessas atividades por meio de um novo

    sistema de colonizao. Para isso, engajou 64 franceses do departamento de Jura por

    volta de maio de 1846, partindo em dezembro do mesmo ano com destino a Paranagu,

    onde chegara em 18 de fevereiro de 1847. O projeto de Faivre, ao menos em tese, era

    dotado de certo idealismo90

    , uma vez que a localizao remota tinha como objetivo dei-

    xar os colonos afastados da venda mercantil e dos grandes centros de comrcio, consi-

    derados como incompatveis com uma colnia agrcola. O contato com vendedores e

    com proprietrios de escravos deveria ser evitado a todo custo91

    .

    88 OLIVEIRA, Ricardo Costa de. O silncio dos Vencedores: genealogia, classe dominante e estado no

    Paran. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001, p.139-147; BELOTO, Divonzir Lopes. A criao da Provn-

    cia do Paran: a emancipao conservadora. 102 f. Dissertao (Mestrado em Economia). Departamento

    de Economia da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 1990, p. 55-68. 89 BALHANA, Altiva Pilatti. Poltica Imigratria do Paran. In: BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino

    de Fiori, vol.I / Ceclia Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002, p. 363. 90 A afirmao de que Faivre pudesse ter se inspirado em ideias socialistas utpicas parece pouco confi-vel. Mesmo os argumentos mostrados por Josu Correa Fernandes, de que a constituio da Colnia The-

    reza, pelo fato de ser afastada, agrcola e valorizar o trabalho executado com as prprias mos, tivesse

    sofrido influncia das ideias socialistas, carece de comprovao, uma vez que os ideais referidos eram a

    base de todas as colnias formadas no Imprio. FERNANDES, Josu Corra. Saga da Esperana: socia-

    lismo utpico beira do Iva. Curitiba, Imprensa Oficial 2006, p. 100-107. 91 FAIVRE, Joo Maurcio. Requerimento encaminhado ao Ministrio do Imprio, solicitando uma ajuda

    ate a primeira colheita, os 64 colonos agricultores que formam a colonia Tereza, fundada por ele, as

    margens do rio Ivaly, Sao Paulo, proximo ao porto de Paranagua. Biblioteca Nacional - Documentos

    Biogrficos, C 0090, 022 n 005.

  • 25

    Faivre tinha recebido por emprstimo 6 contos de ris da Imperatriz e despen-

    dido 4 contos do prprio patrimnio, tornando a pedir em novembro de 1847 mais al-

    guns adiantamentos tendo em vista o pagamento de dvidas e auxlio enquanto a primei-

    ra colheita no vicejasse, uma vez que poderiam os actuaes habitantes da Colonia The-

    reza desesperando de sua sorte, abandona[r] a recem nascida povoao92. exatamente

    isso o que aconteceria meses depois, restando apenas seis dos franceses trazidos por

    Faivre. O diretor da colnia iria indicar que seu erro foi no ter procedido de uma esco-

    lha criteriosa dos indivduos que o acompanharam, lamentando a ingratido dos infeli-

    zes que trouxe, uma vez que lhes dera auxlios e terrenos gratuitos, recomendando-lhes

    que em 10 ou 20 anos dessem a mesma ajuda para outros necessitados. Ainda no seu

    propsito filantrpico, angariou brasileiros das cidades de Castro e Guarapuava, que

    eram muitos mais proprios para trabalhar e viver nos sertes do que os estrangeiros.

    As terras teriam sido concedidas gratuitamente a tais colonos, com a obrigao de que

    as lavrassem. Faivre lembrava ao Presidente de Provncia que sua empresa era, mot i-

    vada por hum espirito de caridade e como bem longe dhuma especulao financeira93.

    Conforme pudemos ver, as tentativas de colonizao na regio da futura Pro-

    vncia do Paran pautavam-se pela introduo de colonos europeus como pequenos pro-

    prietrios e em regies ermas, e no pela imigrao destinada ao Oeste Paulista, cujo

    fim era suprir de mo de obra a agricultura de exportao. A iniciativa de Perret Gentil,

    ligado famlia Vergueiro e afirmando que tinha a inteno de reproduzir a experincia

    que vira na propriedade da famlia paulista, no deixa de ser, aos olhos contemporneos,

    paradoxal. O ainda cnsul suo se instalara numa regio com ocupao regular h dois

    sculos ao contrrio de Rio Negro e Thereza e tinha por fito uma empresa semelhan-

    te a que vira na grande lavoura. Entretanto, por diversos fatores, os planos de Perret

    Gentil no seguiriam a trajetria que havia delineado primeiramente.

    O primeiro desafio aos desgnios do empreendedor suo seria a aquisio da

    localidade em que instalou seu ncleo pioneiro, a pennsula de Superagui, propriedade

    particular do ingls David Stevenson. No ano de 1815, Stevenson, associado ao tambm

    ingls Robert Ruxton, adquiriu as terras de Superagui, ento pertencentes regio de

    So Paulo. Ambos os compradores tornaram-se senhores absentestas, transformando a

    regio adquirida numa fazenda de caf relegada a diferentes administradores, cuja es-

    92 Idem. 93 FAIVRE, Joo Mauricio. Correspondncia enviada ao Presidente de Provncia do Paran, Francisco

    Liberato de Mattos. Colnia Thereza, 4 de maro de 1858. Arquivo Pblico do Paran, AP , p. 99-102.

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    cravaria montava em sua poca mais produtiva a 48 indivduos, empregados no trato de

    28 mil cafeeiros94

    . Entretanto, na dcada de 1830, a fazenda interromperia suas ativida-

    des. Stevenson, negociante em Londres, fora obrigado pela coroa inglesa a emancipar os

    escravos que lhe pertenciam, inviabilizando o arroteamento das terras de sua proprieda-

    de95

    . A partir desse momento, podemos supor que Stevenson tencionasse vend-la, uma

    vez que no lhes trazia dividendos. A oferta de vasta extenso de terras interessou Perret

    Gentil, que decidira verificar pessoalmente se a propriedade poderia atender aos seus

    planos de constituir um e