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8 Recursos Humanos Estelle M. Morin Psicóloga e Professora Titular da HEC – Ecole des Hautes Etudes Commerciales. E-mail: [email protected] OS SENTIDOS DO TRABALHO RESUMO O trabalho representa um valor importante nas sociedades ocidentais contemporâneas, exercendo uma influência considerável sobre a motivação dos trabalhadores, assim como sobre sua satisfação e sua produtividade. Compreender os sentidos do trabalho hoje é um desafio importante para os administradores, tendo em vista as múltiplas transformações que têm atingido as organizações e os “mundos do trabalho”. O objetivo deste artigo é determinar, identificar e comentar as características que o trabalho deveria apresentar a fim de ter um sentido para aqueles que o realizam. Acreditamos que os momentos de transformação organizacional constituem, potencialmente, uma oportunidade para reorganizar o trabalho de tal forma que a qualidade de vida e a eficácia organizacional sejam melhoradas e que as características que se atribuem a um trabalho que tem um sentido possam orientar as decisões e as intervenções dos responsáveis pelos processos de transformação organizacional. ABSTRACT Work represents an important value in contemporary western societies, and exerts a considerable influence on workers’ motivation, as well as on their satisfaction and productivity. Understanding the meanings of work represents an important challenge for managers, considering the many and multiple transformations that organizations and the “worlds of work” have been going on. The main objective of this article is to establish, to identify and to comment the main characteristics that work should have in order to be meaningful for those who accomplish it. In these moments of organizational transformations, there are many potential and important opportunities to reorganize the work organization. To improve the quality of life and the organizational effectiveness, it is important that the characteristics related to meaningful work may guide the decisions of those who are responsible for the processes of organizational transformations. PALAVRAS-CHAVE Trabalho, sentidos do trabalho, organização do trabalho, comprometimento no trabalho, mudança organizacional. KEY WORDS Work, meanings of work, organization of work, commitment at work, organizational change. RAE - Revista de Administração de Empresas Jul./Set. 2001 São Paulo, v. 41 n. 3 p. 8-19 Tradução: Angelo Soares, Professor de Comportamento Organizacional da Université du Québec à Montréal (UQAM).

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Page 1: Os Sentidos Do Trabalho-estelle Morin

8 RAE • v. 41 • n. 3 • Jul./Set. 2001

Recursos Humanos

Estelle M. MorinPsicóloga e Professora Titular da HEC – Ecole des Hautes Etudes Commerciales.

E-mail: [email protected]

OS SENTIDOS

DO TRABALHO

RESUMOO trabalho representa um valor importante nas sociedades ocidentais contemporâneas, exercendo uma

influência considerável sobre a motivação dos trabalhadores, assim como sobre sua satisfação e suaprodutividade. Compreender os sentidos do trabalho hoje é um desafio importante para os administradores,tendo em vista as múltiplas transformações que têm atingido as organizações e os “mundos do trabalho”. O

objetivo deste artigo é determinar, identificar e comentar as características que o trabalho deveria apresentar afim de ter um sentido para aqueles que o realizam. Acreditamos que os momentos de transformação

organizacional constituem, potencialmente, uma oportunidade para reorganizar o trabalho de tal forma que aqualidade de vida e a eficácia organizacional sejam melhoradas e que as características que se atribuem a umtrabalho que tem um sentido possam orientar as decisões e as intervenções dos responsáveis pelos processos

de transformação organizacional.

ABSTRACTWork represents an important value in contemporary western societies, and exerts a considerable influence on

workers’ motivation, as well as on their satisfaction and productivity. Understanding the meanings of workrepresents an important challenge for managers, considering the many and multiple transformations that

organizations and the “worlds of work” have been going on. The main objective of this article is to establish,to identify and to comment the main characteristics that work should have in order to be meaningful for those

who accomplish it. In these moments of organizational transformations, there are many potential andimportant opportunities to reorganize the work organization. To improve the quality of life and the

organizational effectiveness, it is important that the characteristics related to meaningful work may guide thedecisions of those who are responsible for the processes of organizational transformations.

PALAVRAS-CHAVETrabalho, sentidos do trabalho, organização do trabalho, comprometimento no trabalho, mudança

organizacional.

KEY WORDSWork, meanings of work, organization of work, commitment at work, organizational change.

RAE - Revista de Administração de Empresas • Jul./Set. 2001 São Paulo, v. 41 • n. 3 • p. 8-19

Tradução: Angelo Soares, Professor de ComportamentoOrganizacional da Université du Québec à Montréal (UQAM).

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©2001, RAE - Revista de Administração de Empresas/FGV/EAESP, São Paulo, Brasil.

INTRODUÇÃO

Assistimos hoje a transformações importantes nomundo do trabalho. Novas formas de organização apa-recem, e a natureza se modifica. Observamos o desa-parecimento de empregos permanentes e, simultanea-mente, aparecem novas tecnologias e formas inovado-ras de organização do trabalho. Ao mesmo tempo emque milhares de pessoas sofrem pela falta de uma vaga,outras sofrem pelo fato de terem que trabalhar excessi-vamente.

O trabalho conserva um lugar importante na socieda-de. Para a pergunta: “se você tivesse bastante dinheiropara viver o resto da sua vida confortavelmente sem tra-balhar, o que você faria com relação ao seu trabalho?”,mais de 80% das pessoas pesquisadas respondem que tra-balhariam mesmo assim (Morin, 1997; Morse e Weiss,1955; Tausky, 1969; Kaplan e Tausky, 1974; MOW, 1987;Vecchio, 1990). As principais razões são as seguintes: parase relacionar com outras pessoas, para ter o sentimentode vinculação, para ter algo que fazer, para evitar o tédioe para se ter um objetivo na vida.

O trabalho representa um valor importante, exerce umainfluência considerável sobre a motivação dos trabalha-dores e também sobre sua satisfação e sua produtividade(Herzberg, 1966, 1980, 1996; Hackman e Suttle, 1977).Vale a pena, então, tentar compreender o sentido do tra-balho hoje e determinar as características que deveriaapresentar a fim de que ele tenha um sentido para aquelesque o realizam.

O objetivo deste artigo é identificar e comentar as ca-racterísticas atribuídas a um trabalho que tem um sentidocom o objetivo de orientar as decisões e as intervençõesdas pessoas responsáveis por processos de transformaçãoque têm impacto sobre a organização do trabalho.

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Os problemas de desempenho representam uma parteimportante das preocupações dos administradores. Pararesolvê-los, foram construídos mecanismos de gestão quevisam identificar rapidamente os desvios de desempenho,determinar suas origens e corrigi-los. Apesar dos esfor-ços investidos nas atividades de controle, vários proble-mas de produtividade persistem, fazendo os administra-dores acreditarem que o desempenho organizacional de-pende das decisões e dos comportamentos daqueles querealizam o trabalho e daqueles que são responsáveis pelaadministração de sua progressão. Entretanto, os esforçospara reorientar os comportamentos fora dos padrões e parareforçar os comportamentos produtivos ainda não são su-ficientes para solucionar os problemas de produtividadeenfrentados pelas empresas. Ketchum e Trist (1992) acre-ditam que os problemas de desempenho organizacional

dependem da organização do trabalho e, mais precisa-mente, do grau de correspondência entre as característi-cas das pessoas e as propriedades das atividades desem-penhadas.

O princípio que guia a organização do trabalho é o demodificar os comportamentos de tal forma que, gradual-mente, os trabalhadores sejam conduzidos a desenvolveratitudes positivas com relação às funções executadas, àempresa que os emprega e a eles próprios. É o compro-metimento com o trabalho que constitui o principal indi-cador de uma organização eficaz.

Vários modelos foram propostos para organizar o tra-balho a fim de estimular o comprometimento. A seguir,descreveremos dois modelos: o das características do em-prego de Hackman e Oldham e a concepção de sistemassociotécnicos de Emery e Trist. Esses modelos constitu-em o ponto de partida dos resultados que serão apresenta-dos em nossa pesquisa.

Características do emprego Hackman e Oldham (1976) propuseram um modelo

que tenta explicar como as interações, as característicasde um emprego e as diferenças individuais influenciama motivação, a satisfação e a produtividade dos traba-lhadores. A Figura 1 mostra as principais variáveis des-se modelo.

Como mostra a figura, as cinco características doemprego conduzem a três estados psicológicos que en-gendram conseqüências sobre as atitudes e os comporta-mentos das pessoas. As relações entre esses três conjun-tos de variáveis seriam moderadas pela necessidade decrescimento da pessoa: um indivíduo com uma forte ne-cessidade de crescimento seria mais sensível a um em-prego enriquecido que um indivíduo com uma fraca ne-cessidade.

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

DEVE OFERECER AOS TRABALHADORES

A POSSIBILIDADE DE REALIZAR

ALGO QUE TENHA SENTIDO, DE

PRATICAR E DE DESENVOLVER SUAS

COMPETÊNCIAS, DE EXERCER SEUS

JULGAMENTOS E SEU LIVRE-ARBÍTRIO,DE CONHECER A EVOLUÇÃO DE SEUS

DESEMPENHOS E DE SE AJUSTAR.

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Três estados psicológicos teriam, assim, um impactoimportante na motivação e na satisfação de uma pessoano seu trabalho: o sentido que uma pessoa encontra nafunção exercida, o sentimento de responsabilidade queela vivencia em relação aos resultados obtidos e o conhe-cimento de seu desempenho no trabalho. Para Hackmane Oldham, um trabalho tem sentido para uma pessoa quan-do ela o acha importante, útil e legítimo.

Segundo o modelo de Hackman e Oldham, três carac-terísticas contribuem para dar sentido ao trabalho:1. A variedade das tarefas: a capacidade de um trabalho

requerer uma variedade de tarefas que exijam uma va-riedade de competências.

2. A identidade do trabalho: a capacidade de um traba-lho permitir a realização de algo do começo ao fim,com um resultado tangível, identificável.

3. O significado do trabalho: a capacidade de um traba-lho ter um impacto significativo sobre o bem-estar ousobre o trabalho de outras pessoas, seja na sua organi-zação, seja no ambiente social.A autonomia, ou seja, a capacidade de um trabalho

deixar uma boa margem de liberdade, de independência ede discrição à pessoa para ela determinar as maneiras derealizá-lo, traz consigo o sentimento de responsabilidadepela realização das tarefas e pela obtenção dos objetivosfixados.

Finalmente, o feedback: a capacidade de realizar astarefas resulta da informação que o indivíduo obtém di-retamente do seu desempenho, permitindo-lhe fazer osajustes necessários para que alcance os objetivos de de-sempenho.

A partir desse modelo, Hackman e Oldham elabora-ram cinco princípios de organização do trabalho, buscan-do conferir uma ou várias características do emprego: areunião de tarefas, a formação da unidade natural de tra-balho – o que deu lugar à formação de equipes de traba-lho (semi) autônomas –, o estabelecimento de relaçõesdo tipo cliente–fornecedor, o enriquecimento das tarefase a colocação em prática de mecanismos de feedback so-bre o desempenho.

A concepção dos sistemassociotécnicos

A partir de 1950, Eric Trist,do Instituto Tavistock de Lon-dres, mostrava que a insatisfa-ção dos trabalhadores no setorde minas no Reino Unido eracausada menos pelo salário doque pela organização do traba-lho. Em suas pesquisas, ele pro-curou compreender quais são ascondições que levam ao com-prometimento do indivíduo noseu trabalho. Com seus colegas,

propôs a chamada abordagem sociotécnica. Esse mode-lo visa organizar o trabalho de tal forma que o compro-metimento dos indivíduos seja estimulado e que o de-sempenho organizacional possa ser melhorado. Trata-se,de fato, de organizar o trabalho de maneira a corresponderàs motivações intrínsecas e extrínsecas dos trabalhadores(Ketchum e Trist, 1992). O Quadro 1 expõe as proprieda-des que tal trabalho apresenta.

A partir das pesquisas realizadas por Emery (1964,1976) e Trist (1978), o trabalho deve apresentar seis pro-priedades para estimular o comprometimento daquele queo realiza:1. A variedade e o desafio: o trabalho deve ser razoavel-

mente exigente – em outros termos que o de resistên-cia física – e incluir variedade. Esse aspecto permitereconhecer o prazer que podem trazer o exercício dascompetências e a resolução dos problemas.

2. A aprendizagem contínua: o trabalho deve ofereceroportunidades de aprendizagem em uma base regular.Isso permite estimular a necessidade de crescimentopessoal.

3. Uma margem de manobra e a autonomia: o trabalho deveinvocar a capacidade de decisão da pessoa. Deve-se re-conhecer a necessidade de autonomia e o prazer retiradodo exercício de julgamentos pessoais no trabalho.

4. O reconhecimento e o apoio: o trabalho deve ser re-conhecido e apoiado pelos outros na organização.Esse aspecto estimula a necessidade de afiliação evinculação.

5. Uma contribuição social que faz sentido: o trabalhodeve permitir a união entre o exercício de atividades esuas conseqüências sociais. Isto contribui à constru-ção da identidade social e protege a dignidade pesso-al. Esse âmbito do trabalho reconhece o prazer de con-tribuir para a sociedade.

6. Um futuro desejável: o trabalho deve permitir a con-sideração de um futuro desejável, incluindo ativida-des de aperfeiçoamento e orientação profissional. Issoreconhece a esperança como um direito humano.

Quadro 1 – Propriedades do trabalho

• Variedade e desafios

• Aprendizagem contínua

• Margem de manobra, autonomia

• Reconhecimento e apoio

• Contribuição social que faz sentido

• Um futuro desejável

• Um salário justo e aceitável

• Estabilidade no emprego

• Vantagens apropriadas

• A segurança

• A saúde

• Processos adequados

Condições do emprego O trabalho em si

Fonte: Ketchum e Trist (1992, p. 11).

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Além desses aspectos intrínsecos ao trabalho, a con-cepção dos sistemas sociotécnicos considera vários aspec-tos extrínsecos que podem afetar o comprometimento notrabalho, tais como o salário, as condições físicas e materi-ais e as regras organizacionais. Embora existam diferençasindividuais e fatores do contexto que podem influenciar ocomprometimento com o trabalho, esses 12 fatores contri-buem apreciavelmente para a melhoria da qualidade de vidano trabalho e para o desempenho organizacional.

Esses dois modelos têm vários pontos em comum.Entre outros, eles recomendam uma organização do tra-balho que ofereça aos trabalhadores a possibilidade derealizar algo que tenha sentido, de praticar e de desenvol-ver suas competências, de exercer seus julgamentos e seulivre-arbítrio, de conhecer a evolução de seus desempe-nhos e de se ajustar. Parece-nos igualmente importanteque os trabalhadores possam desenvolver o sentimentode vinculação e que possam trabalhar em condições apro-priadas.

Desde a publicação desses modelos, as organizaçõestêm vivido mudanças profundas, colocando o trabalho emquestão. É justo então perguntar se as características enun-ciadas acima ainda são importantes atualmente. Nossaspesquisas sobre o sentido do trabalho, realizadas de 1994a 1998, permitem responder a essa pergunta.

PESQUISA DE CAMPO

Para estudar o sentido do trabalho, dois métodos depesquisa são utilizados: o questionário e a entrevista semi-estruturada.

O questionário foi desenvolvido a partir do utilizadopelo grupo MOW (1987) e inclui cinco partes:

1. Opiniões e valores sobre o trabalho (6 perguntas).2. Opiniões sobre a vida em geral (escala da interioridade/

exterioridade e confiança).3. Informações pessoais (18 perguntas).4. Expectativas com relação ao trabalho (6 perguntas).5. Descrição do trabalho atual (10 perguntas).

O roteiro da entrevista possui nove perguntas por meiodas quais podemos explicitar os múltiplos sentidos queos indivíduos atribuem ao trabalho, com o mínimo de in-tervenção possível dos pesquisadores. Em média, a dura-ção das entrevistas foi de 40 minutos. Elas foram grava-das após o consentimento dos entrevistados.

Foram feitas duas amostras: uma de estudantes deadministração e outra de administradores. A primeiraamostra contém 542 estudantes inscritos na HEC em 1994,dos quais 269 são mulheres e 273, homens, com umamédia de idade de 20,2 anos. A amostra de administrado-res contém 75 administradores, de médio e alto escalãoem empresas de diversos setores, dos quais 36 são doQuebec e 39 da França. A média de idade dos administra-dores do Quebec é de 40,8 anos e dos administradores daFrança é de 42,1. Ao todo, são 24 mulheres: 12 do Quebece 12 da França.

A amostragem foi composta com a colaboração devários profissionais de recursos humanos, o que, cer-tamente, afeta a validação externa dos resultados danossa pesquisa. Porém, como ainda estamos num es-tágio de exploração, o objetivo visado não é de veri-ficar hipóteses, mas de compreender melhor a pro-blemática do sentido do trabalho para os administra-dores e de destacar hipóteses de pesquisa que poderãoser verificadas posteriormente mediante uma amostra-gem representativa.

Figura 1 – Modelo de características do emprego de Hackman e Oldham (1976)

CARACTERÍSTICASDO EMPREGO

ESTADOSPSICOLÓGICOS

RESULTADOS

Variedade das tarefasIdentidade do trabalhoSignificado do trabalho

Autonomia

Feedback

} Sentido

Responsabilidade

Conhecimentodos resultados

Forte motivaçãoAlto desempenhoGrande satisfação

Baixo absenteísmo

Baixa taxa de rotatividadeda mão-de-obra

}Força da necessidade de

crescimento

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O que é o trabalho?Quando estudamos o trabalho, é importante saber o

que os indivíduos pensam quando falam dele. De fato, otrabalho pode ser definido de várias maneiras. SegundoBrief e Nord (1990), o único elemento que reúne os múl-tiplos significados é: uma atividade que tem um objetivo.Geralmente, essa noção designa um gasto de energia me-diante um conjunto de atividades coordenadas que visamproduzir algo de útil (Fryer e Payne, 1984; Shepherdson,1984). O trabalho pode ser agradável ou desagradável;ele pode ser associado ou não a trocas de natureza econô-mica. Ele pode ser executado ou não dentro de um em-prego. De acordo com Fryer e Payne (1984), o trabalhoseria uma atividade útil, determinada por um objetivodefinido além do prazer gerado por sua execução.

Quanto ao emprego, trata-se da ocupação de uma pes-soa, correspondendo ao conjunto de atividades remunera-das em um sistema organizado economicamente. A noção

de emprego implica quase necessariamente a noção de sa-lário e do consentimento do indivíduo em permitir que umaoutra pessoa dite suas condições de trabalho.

Para conhecer as diferentes definições do trabalho,os pesquisadores afiliados ao grupo MOW – Meaningof Work – investigaram mais de 14.700 indivíduos emoito países: Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Israel, Japão,Holanda, Estados Unidos e ex-Iugoslávia. England eWhiteley (1990), que fazem parte dessa equipe, encon-traram seis padrões de definições do trabalho. Em to-dos, o salário constitui um elemento importante na defi-nição, levando a crer que, para a maioria dos indivídu-os, existem poucas diferenças entre trabalho e emprego.Entretanto, existem várias definições do trabalho que sereferem a diferentes sistemas de representações, comoindicado no Quadro 2.

Os padrões A, B e C correspondem a concepções po-sitivas do trabalho. O padrão A descreve o trabalho como

Quadro 2 – Padrões de definição do trabalho determinados por England e Whiteley (1990)

• Realizando isto, você tem osentimento de vinculação

• Você recebe dinheiro pararealizar isto

• Você faz para contribuir àsociedade

• Faz parte de suas tarefas

• Acrescenta valor a qualquercoisa

• Você deve prestar conta disto

• Faz parte de suas tarefas

• Você recebe dinheiro parafazer isto

Padrão A10,6%

Padrão B27,6%

Padrão C17,6%

• Outros se beneficiam disto

• Você recebe dinheiro pararealizar isto

• Você faz para contribuir àsociedade

• Acrescenta valor a qualquer coisa

• É fisicamente exigente

Padrão D21,7%

Padrão E10,6%

• Você recebe dinheiro pararealizar isto

• Faz parte de suas tarefas

• Você realiza em um local detrabalho

• Você deve fazer isto

• Alguém lhe diz o que fazer

• Não é agradável

• É mentalmente exigente

• É fisicamente exigente

• Você recebe dinheiro parafazer isto

• Faz parte de suas tarefas

• Isto não está agradando

Padrão F11,8%

• Você realiza seguindo um horário

• Você realiza em um local detrabalho

• Você recebe dinheiro para fazeristo

• Faz parte de suas tarefas

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uma atividade, geralmente agradável, que acrescenta umvalor a alguma coisa e pela qual tem que se prestar contados resultados. O padrão B parece ser a definição maiscomum: ele descreve o trabalho como uma atividade queproporciona a quem o realiza um sentimento de vincula-ção e que traz uma contribuição para a sociedade. O pa-drão C define o trabalho como uma atividade que benefi-cia aos outros, que traz uma contribuição para a socieda-de e que gera um valor agregado. Esses três padrões valo-rizam o caráter social do trabalho.

Os padrões D e E correspondem às concepções ne-gativas do trabalho. O padrão D define o trabalho comouma atividade que não é agradável, mas que deve serrealizada por alguém em um lugar específico, sob a su-pervisão de uma outra pessoa. O padrão E descreve otrabalho como uma atividade desagradável que comportaexigências físicas e mentais. Como podemos facilmenteobservar, esses dois padrões apresentam o trabalho comouma atividade que somos obrigados a realizar para ga-nhar a vida.

O padrão F apresenta uma concepção neutra do tra-balho: uma atividade que segue um horário regular, emum local de trabalho e pela qual se recebe um salário.

De acordo com England e Whiteley (1990), é no Ja-pão que está concentrada a maior porcentagem de traba-lhadores que têm uma concepção positiva do trabalho.Com exceção da Alemanha e dos Estados Unidos, elesencontraram uma pequena diferença nas porcentagens de

trabalhadores que têm uma concepção positiva compara-tivamente às outras concepções. Na Alemanha e nos Es-tados Unidos, a maioria de trabalhadores tem uma con-cepção neutra do trabalho.

Para determinar os padrões de definição que pode-mos encontrar no Quebec e na França, apresentamos osmesmos elementos de definição aos indivíduos das duasamostras e pedimos que eles os ordenassem segundo aimportância atribuída. No Quadro 3, apresentamos as res-postas dos estudantes e dos administradores.

Os estudantes pesquisados possuem uma concepçãopositiva do trabalho; eles têm tendência a definir o traba-lho como uma atividade lucrativa que lhes permite melho-rar, que acrescenta um valor a alguma coisa, que lhes dáum sentimento de vinculação e que contribui à sociedade.

Os administradores pesquisados também possuem umaconcepção positiva do trabalho. Os administradores doQuebec definem o trabalho como uma atividade lucrati-va que acrescenta um valor a alguma coisa, que é exigen-te mentalmente, que contribui à sociedade e pela qual elestêm que prestar contas. Os administradores franceses de-finem o trabalho como uma atividade que acrescenta umvalor a alguma coisa, que contribui à sociedade, que lhespermite melhorar, pela qual eles recebem um salário eque lhes dá um sentimento de vinculação.

Comparado aos padrões de definição encontrados porEngland e Whiteley, o padrão que resulta de nossas pes-quisas se aproxima dos padrões B e C. As pessoas pes-

Quadro 3 – Classificação da importância dos elementos de definição do trabalhoescolhidos por estudantes de administração e administradores do Quebec e da França

9,0

13,0

14,0

5,0

6,0

7,0

3,0

15,0

1,0

8,0

11,0

10,0

2,0

10,5

10,5

15,0

6,5

4,5

3,0

2,0

12,5

1,0

4,5

8,0

9,0

6,5

13,0

12,0

14,0

9,0

2,0

8,0

1,0

15,0

4,0

7,0

10,0

6,0

3,0

Estudantes(n1 = 542)

Administradores franceses(n3 = 39)

Administradores do Quebec(n2 = 36)O que eu faço é trabalho se:

Eu faço em um local de trabalho

Alguém me diz o que fazer

É fisicamente exigente

Faz parte de minhas tarefas

Eu faço para contribuir à sociedade

É mentalmente exigente

Acrescenta valor a alguma coisa

Não é agradável

Eu recebo dinheiro para realizar

Eu tenho que prestar contas

Eu sou obrigado(a) a realizar

Outros se beneficiam

Permite que eu melhore

Eu faço isto em um dadomomento (por ex.: das 8 h às 17 h)

Eu tenho um sentimento devinculação enquanto realizo

4,0 12,5 5,0

12,0 14,0 11,0

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quisadas, sejam elas jovens ou não, no Quebec ou na Fran-ça, possuem uma concepção positiva do trabalho.

Por trabalho, os indivíduos de nossas amostragenscompreendem uma atividade remunerada, que apresen-

ta um valor agregado, que lhes permite melhorar e quetraz uma contribuição para a sociedade. Essa concepçãoprediz as características que deveria ter um trabalho quetem sentido.

Características de um trabalho que tem sentido

Para os estudantes de administraçãoOs estudantes de administração têm uma concepção po-

sitiva do trabalho. Para conhecer as razões que os motivam atrabalhar, eles classificaram os tópicos geralmente mencio-nados. Dado o número de indivíduos, foi possível realizaruma análise das respostas por meio da análise dos compo-nentes principais. Cinco motivos resultaram dessa análise:1. Para realizar-se e atualizar seu potencial: trabalhar é

interessante e satisfaz em si, permite exercer a criati-vidade e realizar-se, possibilita concretizar e desen-volver seus talentos.

2. Para adquirir segurança e ser autônomo: trabalhar per-mite suprir as necessidades de base, dá sentimento desegurança, possibilita ser autônomo e independente.

3. Para relacionar-se com os outros e ter o sentimento devinculação: trabalhar permite ter contatos interessantescom os outros, possibilita fazer parte de um grupo.

4. Para prestar um serviço e fazer sua contribuição à so-ciedade: trabalhar dá a oportunidade de prestar umserviço aos outros, permite contribuir à melhoria daqualidade de vida da comunidade.

5. Para ter um sentido: trabalhar mantém ocupado, é ummodo de preencher as funções espirituais, dá um sen-tido à vida. A simples leitura desses resultados mostra o trabalho

como um meio de emancipação. Pelo salário que ele possi-

bilita, o indivíduo afirma sua independência; por meio desuas atividades, o trabalho desenvolve o potencial e fortale-ce a identidade dos indivíduos; pelas relações que o trabalhogera, ele consolida a identidade social; pelos seus resulta-dos, permite ao indivíduo contribuir ao mundo e dar umsentido à sua existência. O trabalho, assim apresentado pelosestudantes, é muito mais que um simples “ganha-pão”.

Para compreender o sentido que os estudantes dão aotrabalho, eles classificaram em ordem de importância ascaracterísticas do trabalho que eles procuram ao final dosestudos. A análise dos componentes principais permitiudeterminar três conjuntos de características:1. Boas condições de trabalho: um trabalho que corres-

ponda às competências do empregado, que forneçaoportunidades de valorização pessoal, um horário detrabalho conveniente, um bom salário, além de con-dições que preservem a saúde.

2. Oportunidades para aprender e prestar serviços: mui-tas oportunidades para aprender, boas relações comos outros, oportunidades para prestar serviços.

3. Um trabalho interessante, variado, com muita auto-nomia: um trabalho de que realmente gostem, muitavariedade, poder decidir como fazê-lo.As características do trabalho que eles procuram são

coerentes com os motivos que lhes estimulam a traba-lhar. É interessante observar que os estudantes associamas exigências do trabalho em termos de competências ede oportunidades de valorização pessoal às condições detrabalho. Mais da metade dos estudantes pesquisados ti-nha um emprego em tempo parcial no momento destapesquisa. Poderia-se acreditar que a concepção que elesfazem do trabalho seja o reflexo da falta de experiênciano mercado de trabalho e que o exercício das funçõesassociadas à administração poderia fazer a maioria delesdesenvolver um outro ponto de vista. Isso é possível, masnão há como verificar.

Para os administradoresTambém entrevistamos administradores, de níveis

médio e superior, para conhecer o sentido que eles dão aotrabalho e as características que nele procuram.

Foram entrevistados administradores no Quebec e naFrança a fim de observar se existe ou não a influênciade diferenças culturais. O Quadro 4 mostra os resulta-dos. As respostas estão apresentadas segundo a classifi-cação de freqüências.

O que nos surpreende é a semelhança entre as res-postas fornecidas pelos dois grupos. Sejam eles doQuebec, sejam da França, os administradores têm umaconcepção positiva do trabalho, o que confirma os re-sultados obtidos pelo grupo MOW (1987) com popula-ções semelhantes. Se fizermos um julgamento com basenos resultados obtidos, um trabalho tem sentido se forfeito de maneira eficiente, se conduz a alguma coisa, sebeneficia a outras pessoas, se ele corresponde aos inte-

É IMPORTANTE QUE A

ORGANIZAÇÃO DAS TAREFAS

E DAS ATIVIDADES TORNE-SE

FAVORÁVEL À EFICIÊNCIA E QUE

OS OBJETIVOS VISADOS E OS

RESULTADOS ESPERADOS SEJAM

CLAROS E SIGNIFICATIVOS PARA

AS PESSOAS QUE O REALIZAM.

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resses e às competências das pessoas, se ele permiteaprender, realizar-se e superar-se e se ele permite expri-mir-se e exercer seu poder.

Quando perguntamos aos administradores do que elessentem ou sentiriam mais falta se eles não trabalhassemmais, eles tenderam a responder: ter alguma coisa parafazer, ser produtivo, sentir-se útil, ter dignidade pessoal,manter as relações com os outros, o sentimento de fazerparte de um grupo e o salário.

ORGANIZAR O TRABALHOPARA QUE ELE TENHA UM SENTIDO

Os resultados de nossa pesquisa permitem determinaras características do trabalho que tem um sentido. Em umprimeiro momento, elas não são sensivelmente diferen-tes das características apresentadas por Hackman eOldham ou por Emery e Trist. Algumas diferenças mere-cem ser ressaltadas. Podemos relacioná-las aos princípi-

Quadro 4 – Conteúdo das respostas mais freqüentes dos administradores do Quebec e da França nas entrevistas

• Permite atualizar seu potencial,aprender e se ultrapassar

• É interessante, dá prazer

• Beneficia aos outros

• Faz sentir-se útil, valorizado

• Feito de maneira eficiente, leva aalgum lugar

• Feito com outras pessoas

• Feito de maneira eficiente, leva aalgum lugar

• Beneficia aos outros

• Permite atualizar seu potencial,aprender e se ultrapassar

• É interessante, dá prazer

• Permite se expressar, exercer seupoder

Um trabalho temsentido se...

Administradores da França(n3 = 39)

Administradores do Quebec(n2 = 36)

Um trabalho não temsentido se...

• Feito de maneira ineficiente, leva alugar algum

• Rotineiro

• Inútil, não beneficia ninguém

• Não corresponde às suascompetências nem aos seusinteresses

• Feito em um lugar que prega valoresque não são compartilhados por você

• Feito sem interesse e sem prazer

• Não permite se expressar nemexercer seu poder

• Feito de maneira ineficiente, leva alugar algum

• Rotineiro

• Inútil, não beneficia ninguém

• Não corresponde às suascompetências nem aos seus interesses

• É desvalorizador

• Não serve para prover as necessidadesbásicas, trabalhar só pelo salário

• Feito em um lugar que prega valoresque não são compartilhados por você

O que eu procuro... • A possibilidade de me realizar edesenvolver meus talentos, de exercerminha criatividade e me completar

• Contatos interessantes com outraspessoas e o sentimento de vinculação

• Boas condições de trabalho

• A possibilidade de me expressar eexercer meu poder

• Um trabalho interessante, com muitaautonomia

• A possibilidade de me realizar edesenvolver meus talentos, deexercer minha criatividade e mecompletar

• Boas condições de trabalho

• Poder dar um sentido à minha vida

Do que eu sentiriamais falta...

• Ter algo para fazer

• Fazer algo de produtivo

• Sentir-me útil, dignidade pessoal

• As relações com os outros, osentimento de fazer parte de umgrupo

• O salário

• Sentir-me útil, dignidade pessoal

• As relações com os outros, osentimento de fazer parte de umgrupo

• Ter algo para fazer

• Fazer algo de produtivo

• O salário

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os de organização, como fizeram Hackman e Oldham, afim de sugerir formas concretas de organizar o trabalhodurante as transformações organizacionais.

Um trabalho que tem sentido é feitode maneira eficiente e leva a alguma coisa

O trabalho é uma atividade produtiva que agrega va-lor a alguma coisa: temos aqui um aspecto que é novo,comparativamente aos modelos de organização do traba-lho apresentados anteriormente. As pessoas entrevistadasconsideram que é importante que o trabalho seja organi-zado de maneira eficiente, cuja realização conduza a re-sultados úteis, gastando-se energia de maneira rentável.Em sua forma negativa, essa característica do trabalhocontribui extensivamente à sua absurdez.

A maneira como os indivíduos trabalham e o queeles produzem têm um impacto sobre o que pensam e namaneira como percebem sua liberdade e sua indepen-dência. O processo de trabalho, assim como seu fruto,ajuda o indivíduo a descobrir e formar sua identidade.Acontece que a organização do trabalho em si mesmaconta muito: é importante que a organização das tare-fas e das atividades torne-se favorável à eficiência eque os objetivos visados, assim como os resultados es-perados, sejam claros e significativos para as pessoasque o realizam.

Um trabalho que tem sentidoé intrinsecamente satisfatório

O prazer e o sentimento de realização que podem serobtidos na execução de tarefas dão um sentido ao traba-lho. A execução de tarefas permite exercer seus talentose suas competências, resolver problemas, fazer novasexperiências, aprender novas competências, resumindo,realizar-se, atualizar seu potencial e aumentar sua auto-nomia. Essas características são encontradas nos dois mo-delos apresentados previamente.

O interesse do trabalho em si mesmo parece estar as-sociado, por um lado, ao grau de correspondência entre

as exigências do trabalho e, por outro lado, ao conjuntode valores, de interesses e de competências do indivíduo.Efetivamente, muitas pessoas relataram que um trabalhoque tem sentido é aquele que corresponde à personalida-de, aos talentos e aos desejos delas.

O interesse de tal trabalho também se origina das pos-sibilidades que ele oferece para provar seus valores pes-soais e para realizar suas ambições. O trabalho permiterealização, dando oportunidades para vencer desafios ouperseguir ideais.

O interesse do trabalho também resulta das possibili-dades de desenvolver sua autonomia e perceber seu sen-so de responsabilidades. Isso é oferecido por uma organi-zação que deixa os empregados serem os administrado-res de suas atividades e que, por meio da presença de me-canismos de feedback, lhes mantém informados sobre aevolução do seu desempenho e lhes permite fazer os ajus-tes necessários para melhorá-lo.

O fato de que o indivíduo tem que resolver problemasdurante a realização do trabalho e exercer seu julgamentopara tomar decisões relativas à organização das suas ati-vidades reforça o sentimento de competência e eficáciapessoal; isso tem uma influência direta não somente nodesenvolvimento da autonomia pessoal mas também namotivação. Além disso, o fato de ter que resolver proble-mas e vencer dificuldades estimula a criatividade dos in-divíduos. Finalmente, a presença de mecanismos defeedback mantém os empregados informados sobre a evo-lução do desempenho deles, facilita a regulação das ativi-dades e estimula o senso de responsabilidades.

Um trabalho que temsentido é moralmente aceitável

O trabalho é uma atividade que se inscreve no desen-volvimento de uma sociedade; ele deve, conseqüentemen-te, respeitar as prescrições relativas ao dever e ao saberviver em sociedade, tanto na sua execução como nos ob-jetivos que ele almeja e nas relações que ele estabelece.Em outras palavras, o trabalho deve ser feito de maneirasocialmente responsável. Essa idéia foi desenvolvida es-pecialmente pela abordagem sociotécnica. Ela foi expressaclaramente por vários administradores que encontramose que exprimiram um certo mal-estar em trabalhar em ummeio que exalta valores que eles não compartilham, quetolera práticas desrespeitosas, injustas, contraprodutivasou até mesmo desonestas ou imorais.

Vários administradores se mostraram preocupadoscom as contribuições do trabalho para a sociedade. O fatode fazer um trabalho que não serve para nada, que nãocomporta nenhum interesse humano, em um meio ambi-ente onde as relações são superficiais, contribui para tor-nar o trabalho absurdo. É por isso que é necessário tam-bém considerar, na organização do trabalho, as implica-ções dele para si mesmo, para os outros e para a socieda-de em geral. Finalmente, para muitos administradores, o

O FATO DE FAZER UM

TRABALHO QUE NÃO COMPORTA

NENHUM INTERESSE HUMANO,EM UM MEIO AMBIENTE

ONDE AS RELAÇÕES SÃO

SUPERFICIAIS, CONTRIBUI

PARA TORNÁ-LO ABSURDO.

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trabalho é um dos meios para transcender seus interessesparticulares, dedicando-se a uma causa importante e sig-nificativa. Isso corresponde, então, a uma verdadeira buscado sentido nas organizações (Pauchant, 1996).

Um trabalho que tem sentido é fontede experiências de relações humanas satisfatórias

O trabalho é também uma atividade que coloca as pes-soas em relação umas com as outras, o que contribui para odesenvolvimento da identidade delas. Essa característicaaparece de maneira consistente nas pesquisas – sinal desua importância para a organização do trabalho. Váriosadministradores reportaram que um trabalho que tem sen-tido é um trabalho que lhes permite encontrar pessoas dequalidade, seja no seu departamento, na sua empresa ounos ambientes empresariais, pessoas com quem os conta-tos podem ser francos, honestos, com quem se pode terprazer em trabalhar, mesmo em projetos difíceis. Um tra-balho que tem muito sentido permite ajudar os outros aresolver seus problemas, prestar-lhes um serviço, ter umimpacto sobre as decisões tomadas pelos dirigentes, ser re-conhecido por suas habilidades e contribuições ao sucessodos negócios, etc. As satisfações podem ser adquiridas naassociação com os outros no trabalho e durante as trocascom os clientes, superiores e colaboradores. A satisfaçãonão é retirada somente dos serviços prestados mas tambémdas afiliações encontradas no seu trabalho.

O fato de estar em contato com os outros, de manterrelações numerosas, e às vezes intensas, age como umverdadeiro estimulante para si mesmo, não somente parao desenvolvimento de sua identidade pessoal e social mastambém para o desenvolvimento de laços de afeição du-ráveis, procurando por vezes a segurança e a autonomiapessoal. Contribuindo para o desenvolvimento dos laçossociais, o trabalho permite aos administradores escapardo sentimento de isolamento, viver melhor sua solidão eencontrar seu lugar na comunidade. Neste sentido, o tra-balho permite passar por cima dos problemas existenci-ais, como a solidão e a morte (Fox, 1980).

Um trabalho que tem sentidogarante a segurança e a autonomia

O trabalho está claramente associado à noção de em-prego; o salário que ele propicia permite prover as necessi-dades de base, dá um sentimento de segurança e possibilitaser autônomo e independente. Na verdade, geralmente,associamos o salário a elementos de prestígio, enquantoestá claro aqui que o salário é associado principalmenteaos elementos de segurança e de independência. Mais ain-da, para a maioria dos administradores, ganhar a vida ésinônimo de ganhar o respeito dos outros e, assim, preser-var sua dignidade pessoal aos olhos dos outros. Assim comono modelo apresentado por Ketchum e Trist, o salário pa-rece constituir um elemento de organização que deve serdistinguido das outras condições de trabalho.

Isso não nos impede de ter que considerar as condi-ções nas quais o trabalho se realiza, pois elas são impor-tantes aos olhos dos trabalhadores. Além do mais, paraos administradores entrevistados, as exigências de desem-penho e o estresse são os principais fatores que contribu-em para deteriorar a experiência deles no trabalho. Alémdisso, muitos procuram um equilíbrio entre vida profissi-onal e vida privada.

Um trabalho que tem sentidoé um trabalho que mantém ocupado

O trabalho também é uma atividade programada, comum começo e um fim, com horários e uma rotina diária.Ele estrutura o tempo: os dias, as semanas, os meses, osanos, a vida profissional. Ele dá sentido aos períodos deférias. É, dessa maneira, uma atividade que estrutura epermite organizar a vida diária e, por extensão, a história

pessoal. Isso é ainda mais marcante para os administra-dores que perderam seu emprego. Estes últimos dizemque o trabalho é uma necessidade, uma dimensão impor-tante de suas vidas, que lhes ajuda a se situar, que ocupa otempo da vida e que lhe dá um sentido, sobretudo quandoeles têm a possibilidade de escolher seu caminho e fazerqualquer coisa que esteja de acordo com suas personali-dades e valores. Esses resultados confirmam os de Warr(1987), que pesquisou os desempregados norte-america-nos. Por outro lado, ter um trabalho significa estar ocupa-do fazendo alguma coisa; os administradores relataramque ser pago para não fazer nada não tem sentido. O quesignifica que, mesmo empregado, pode-se sofrer por faltade trabalho.

Analisando a questão, é verdade que o trabalho conti-nua sendo uma maneira excelente de organizar o tempo ede se manter ocupado. As ocupações por ele engendradasproporcionam uma estrutura de defesa contra a ansiedadeda morte e do vazio. Foi pensando nos trabalhos deJacques (1978) sobre os sistemas sociais como defesasque surgiu essa idéia. Ela também encontra eco nas pes-quisas realizadas por Bracke e Bugental (1996), por

UM TRABALHO QUE TEM

SENTIDO PERMITE ENCONTRAR

PESSOAS COM QUEM OS CONTATOS

PODEM SER FRANCOS, HONESTOS,COM QUEM SE PODE TER PRAZER

EM TRABALHAR, MESMO

EM PROJETOS DIFÍCEIS.

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Pauchant (1996) e por Weil (1951). Notamos claramente,durante as entrevistas, que o trabalho representa para osadministradores algo a fazer, que torna legítimos os perí-odos de descanso e de férias, que preenche os dias, assemanas, os meses e os anos de sua existência e que ritmao tempo da vida. Alguns também encontram palavras paraexpressar a que ponto eles se sentem incomodados e en-vergonhados de não ter nada o que fazer durante o dia ouculpados de não poder ganhar a vida. Tais conteúdos evo-cam as tensões que podemos sentir em face do vazio.

IMPLICAÇÕES PARA A TRANSFORMAÇÃO DASORGANIZAÇÕES E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

No momento em que os administradores sonhamem fazer mudanças nas atividades do trabalho, deveri-am projetar meios para revalorizar o trabalho e lhe darum sentido. No Quadro 5, apresentamos uma síntesedas características do trabalho e os 14 princípios de

Quadro 5 – Síntese das características de um trabalho que tem sentido associadas aos princípios de organização

Finalidade

Eficiência

Clareza e importância dos objetivos

Utilidade, valor dos resultados

Racionalidade das tarefas

Um trabalho que temsentido é um que...

Princípiosda organização

Característicasdo trabalho

É intrinsecamentesatisfatório

Correspondência entre as exigências dotrabalho e as competências da pessoa

Desafios e ideais

Margem de manobra sobre aadministração das atividades e aresolução dos problemas

Feedback sobre o desempenho

Aprendizagem e desenvolvimento dascompetências

Realização e atualização

Criatividade e autonomia

Responsabilidade

É moralmente aceitável

É fonte de experiênciasde relações humanassatisfatórias

Garante a segurança e aautonomia

Mantém ocupado

Regras do dever e do saber viver emsociedade

Valores morais, éticos e espirituais

Trabalho em equipe

Relações do tipo cliente–fornecedor

Salário apropriado e justo

Boas condições de trabalho

Carga de trabalho adequada

Retidão das práticas sociais eorganizacionais

Contribuição social

Afiliação e vinculação

Serviço aos outros

Independência financeira

Saúde e segurança

Ocupação

É realizado de formaeficiente e leva a umresultado

organização. Inspirados nos modelos apresentados noinício deste artigo e a partir de nossas pesquisas, essesprincípios representam recursos concretos para orga-nizar o trabalho.

Para que um trabalho tenha sentido, é importante quequem o realize saiba para onde ele conduz; em outras pa-lavras, é essencial que os objetivos sejam claros e valori-zados e que os resultados tenham valor aos olhos de quemo realiza.

Para que um trabalho seja satisfatório para quem orealiza, parece ser importante que ele apele para suascompetências. Além disso, parece relevante que o tra-balhador tenha a oportunidade de testar suas capacida-des, com o objetivo de estimular suas necessidades decrescimento pessoal e seu senso de responsabilidade.Vários recursos podem ser considerados: a presença dedesafios, a autonomia na administração das atividades eos mecanismos de feedback sobre o desempenho sãofreqüentemente citados.

O trabalho deve se realizar segundo as regras do de-

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ver e do saber viver em sociedade e deveria ser inspira-do pelos valores morais, éticos e espirituais. Examinaras regras e os valores que subentendem as práticas soci-ais e organizacionais que envolvem o trabalho pode pa-recer supérfluo para alguns, mas isso é inevitável emum contexto de diversidade cultural e de promoção dasliberdades individuais.

O trabalho em equipe e o desenvolvimento de rela-ções profissionais positivas, do tipo cliente–fornecedor,são dois princípios que incentivam o desenvolvimentodo sentimento de vinculação e de cooperação dentro dosgrupos de trabalho.

Finalmente, não se deve cometer negligência ao co-locar em prática condições de trabalho que proporcio-nem aos trabalhadores os sentimentos de segurança e de

autonomia necessários para seu desenvolvimento: ossalários e as condições de trabalho devem ser estudadosseriamente. Além disso, é importante que a carga de tra-balho seja adequada, pois não existe nada mais absurdodo que ser pago para não fazer nada. Esta última condi-ção nos leva de volta à primeira, indicando a preocupa-ção com relação à utilidade e à eficácia que apresentamos indivíduos com quem nos encontramos (Morin, 1996).

Os momentos de transformação organizacional cons-tituem potencialmente uma oportunidade para reorgani-zar o trabalho de tal forma que a qualidade de vida e aeficácia organizacional sejam melhoradas. Desejamos quea apresentação dos resultados de nossas pesquisas pos-sam ajudar os administradores a melhorar suas práticasde gestão. �

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Este artigo é fruto de uma pesquisa financiada pelaDireção de Pesquisas da HEC, Montreal.

NOTA