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PATRÍCIA HONORATO ZERLOTTI OS SABERES LOCAIS DOS ALUNOS SOBRE O AMBIENTE NATURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO CURRÍCULO ESCOLAR: UM ESTUDO NA ESCOLA DAS ÁGUAS – EXTENSÃO SÃO LOURENÇO, NO PANTANAL DE MATO GROSSO DO SUL UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO Campo Grande – MS Junho - 2014

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Page 1: OS SABERES LOCAIS DOS ALUNOS SOBRE O ......ZERLOTTI, Patrícia Honorato. Os saberes locais dos alunos sobre o ambiente natural e suas implicações no currículo escolar: um estudo

PATRÍCIA HONORATO ZERLOTTI

OS SABERES LOCAIS DOS ALUNOS SOBRE O AMBIENTE NATURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO CURRÍCULO ESCOLAR: UM ESTUDO NA ESCOLA DAS ÁGUAS –

EXTENSÃO SÃO LOURENÇO, NO PANTANAL DE MATO GROSSO DO SUL

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO Campo Grande – MS

Junho - 2014

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PATRÍCIA HONORATO ZERLOTTI

OS SABERES LOCAIS DOS ALUNOS SOBRE O AMBIENTE NATURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO CURRÍCULO ESCOLAR: UM ESTUDO NA ESCOLA DAS ÁGUAS –

EXTENSÃO SÃO LOURENÇO, NO PANTANAL DE MATO GROSSO DO SUL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco, área de concentração: Práticas Pedagógicas e suas Relações com a Formação Docente, para obtenção do título de Mestre em Educação.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO Campo Grande – MS

Junho - 2014

Orientadora: Profª Drª Maria Aparecida de Souza Perrelli

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AGRADECIMENTOS

Quero manifestar os meus agradecimentos a todos aqueles que contribuíram para

que fosse possível a realização deste estudo.

À minha orientadora, professora doutora Maria Aparecida de Souza Perrelli, por

me mostrar os caminhos, por respeitar meu tempo de aprendizado, pela dedicação, pelas

valiosas contribuições, pela sua paciência durante as orientações e, sobretudo, por me ensinar

valores e princípios que levarei por toda a vida.

Aos professores doutores Antônio Fernando Silveira Guerra e Heitor Queiroz de

Medeiros pelas críticas, sugestões e recomendações para o aprimoramento deste trabalho.

Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e

Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco, pelas reflexões e interlocuções durante as

disciplinas e fora delas.

Aos colegas do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Professor Iniciante, pela

recepção, aconchego, amizade e discussões durante esses dois anos de convivência.

À Secretaria Municipal de Educação de Corumbá por ter autorizado a realização

desta pesquisa. Em especial as professoras, coordenadora e diretora que sempre foram

atenciosas e dispostas em colaborar com o meu trabalho.

Aos alunos e alunas da Extensão Escolar São Lourenço, que contribuíram

ativamente com a pesquisa e me surpreenderam a cada encontro, proporcionando diferentes

aprendizados sobre eles e sobre o ambiente natural.

À ECOA, Organização Não Governamental que forneceu o apoio logístico

necessário para que a pesquisa fosse realizada. Em especial ao colega de viagem Luiz André

Siqueira pelas trocas de ideias e informações.

Aos meus colegas de mestrado pela cooperação, compreensão e solidariedade. Em

especial ao Pedro Miranda, a Wanessa Pucciariello Ramos e Elidiana Marques Scariot.

Aos meus amigos que contribuíram diretamente com a pesquisa, Luís Augusto

Akasaki, Fernanda Prado, Natali Portela, Yara Medeiros e Vanessa Spacki.

Aos meus familiares, que compreenderam a minha ausência e me incentivaram

em todos os momentos.

Ao meu esposo, Alexey Martin Figur, por me encorajar a ingressar em uma pós-

graduação e pela paciência durante esse período.

Muito obrigada!

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ZERLOTTI, Patrícia Honorato. Os saberes locais dos alunos sobre o ambiente natural e suas implicações no currículo escolar: um estudo na Escola das Águas - Extensão São Lourenço, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. 2014. 128 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2014.

RESUMO

Este trabalho, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e Doutorado (PPGE), da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), e à linha de pesquisa “Práticas pedagógicas e suas relações com a formação docente”, tem como objeto de pesquisa os saberes dos alunos e a sua inserção no currículo escolar. Trata-se de um estudo exploratório, descritivo e explicativo, com abordagem qualitativa. A pesquisa foi realizada na Escola Municipal Rural Polo Porto Esperança – Extensão São Lourenço, na região do Pantanal de Mato Grosso do Sul. Os dados a respeito dos saberes dos alunos dessa Escola foram obtidos por meio da metodologia “geradora de dados” (descrita por Posey, 1986), tendo como sujeitos 12 estudantes, do 2º ao 5º ano que expressaram seus saberes durante a realização de entrevistas abertas (individuais e grupais), conversas informais, análises imagéticas, produção de desenhos, observações da região, entre outros procedimentos. Para a obtenção de dados sobre a presença dos saberes no currículo escolar, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com as duas professoras, a coordenadora pedagógica e a diretora da Escola, além de análise de documentos da escola (Proposta Político Pedagógica), do professor (diário de classe) e dos alunos (cadernos), além do livro didático utilizado. O referencial teórico que auxiliou a reflexão sobre os dados obtidos se pautou nos estudos de autores como Antônio Carlos Diegues e Manuela Carneiro da Cunha, que conceituam e caracterizam o saber local ou tradicional, de Michael Apple, Tomaz Tadeu da Silva e Antônio Flavio Moreira, que discutem o currículo como uma construção social, e de Kenneth Zeichner, Paulo Freire, Peter McLaren e Vera Candau, que discutem a multiculturalidade e o diálogo intercultural no currículo, além de Enrique Leff, com o conceito de “saber ambiental” que sinaliza para a possibilidade de construção de um novo conhecimento produzido na interação dos saberes locais e o saber científico. A análise dos dados indica que os alunos detêm saberes diversos sobre a fauna, flora, o rio e as lendas relacionadas ao ambiente local. De modo geral, esses saberes são desconhecidos e pouco valorizados pela escola. Entre as razões desse fato está a lacuna na formação dos professores para o diálogo com os saberes dos alunos, bem como a precarização das condições de trabalho docente. Por outro lado, os dados também apontam para um potencial a ser explorado na construção de um currículo multicultural crítico, como por exemplo, a abertura e disposição das professoras, coordenadora e direção da escola para o diálogo com a comunidade local e os espaços nas formações continuadas oferecidas pelos órgãos gestores. PALAVRAS-CHAVE: Saber local; Currículo multicultural; Formação de professores

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ZERLOTTI, Patrícia Honorato. The local knowledge of students about the natural environment and its implications in the school curriculum: a study in the Escola das Águas - Extensão São Lourenço, in the Pantanal of Mato Grosso do Sul. 2014. 128 pages. Dissertation (Master’s Degree in Education) – Dom Bosco Catholic University, Campo Grande, 2014.

ABSTRACT

This work , linked to the Graduate Program in Education - Master and Doctorate (PPGE), from the Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), and the research program in "pedagogical practices and their relations with teacher training", has as its object of research the knowledge of students and their integration into the school curriculum. This is an exploratory, descriptive and explanatory study with a qualitative approach. The research was conducted at the Municipal School at a rural zone called “Escola Municipal Rural Polo Porto Esperança – Extensão São Lourenço”, in the region of the Pantanal, located at the state of Mato Grosso do Sul. The data about the students' knowledge was obtained using the methodology "generating data " (described by Posey, 1986) having as subject 12 students, from the 2nd to 5th grades, in a way they could express their knowledge freely during open interviews (individually and with groups), informal conversations, imagery analysis, producing of drawings, observations of the region, and other procedures. To obtain data on the presence of knowledge in the school curriculum, semi-structured interviews with two teachers, the educational coordinator and director of the school, and in addition with the analysis of the school documents (Political Pedagogical Proposal), of the teachers (gradebooks) and the students (notebooks). The textbook used in class was also analyzed. The theoretical framework that helped to reflect on the data collected was based on studies by authors such as Antonio Carlos Diegues and Manuela Carneiro da Cunha which works is to conceptualize and characterize local knowledge or traditional; Michael Apple, Tomaz Tadeu da Silva and Antonio Flavio Moreira discussing the curriculum as a social construction; Kenneth Zeichner, Paulo Freire, Peter McLaren and Vera Candau discussing multiculturalism and intercultural dialogue in the curriculum, and Enrique Leff whose concept of “environmental knowledge” indicates possibility of building a new knowledge produced in the interaction of local knowledge and scientific knowledge. Data analysis indicates that students have different knowledge about the local environment, information in most of the cases unknown and/or undervalued by the school. One of the reasons for this fact is the gap on the teachers education for dialogue with the knowledge of the students as well as the precarious working conditions of teachers. The data collected indicates a rich potential that can be exploited building a critical and a multicultural curriculum, for example, such as the openness and willingness of the teachers and the school management coordinator for dialogue with the local community, the spaces in the educations continuing offered by management agencies. KEYWORDS: Local knowledge; Multicultural curriculum; Teachers education

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SIGLAS

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

EAD – Educação a Distância

E.M.R.P – Escola Municipal Rural Polo

IES – Instituição de Ensino Superior

MPF - Ministério Público Federal

ONG – Organização Não Governamental

PEA - Programa Escola Ativa

PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PRONACAMPO – Programa Nacional de Educação do Campo

PPP – Proposta Político Pedagógica

RPPN - Reserva Particular do Patrimônio Natural

SPU - Secretaria do Patrimônio da União

TAUS - Termo de Autorização de Uso Sustentável

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mosaico apresentando as diferentes embarcações que navegam pelo rio

Paraguai no Pantanal Sul

20

Figura 2: Mapa dos 11 Pantanais 22

Figura 3: Localização das Escolas das Águas no Pantanal de Mato Grosso do Sul 23

Figura 4: Mosaico apresentando as edificações das Extensões escolares das Escolas das Águas

24

Figura 5: Serra do Amolar 27

Figura 6: O rio como uma das principais diversões das crianças 33

Figura 7: Mosaico representando a estrutura física da Extensão São Lourenço 37

Figura 8: Fotografias do ambiente local utilizadas como recurso imagético 65

Figura 9: Tabuleiro do Saber Local 69

Figura 10: Jogo da Memória 69

Figura 11: Peixes utilizados no jogo Stop dos Peixes 70

Figura 12: Pacus pendurados para secar 81

Figura 13: Desenho de alunos do 2° e 3° ano (9 e 10 anos) 90

Figura 14: Desenho de alunos de 2° e 5° ano (7 e 11 anos) 90

Figura 15: Desenho de alunos do 5° ano (12 a 18 anos) 90

Figura 16: Desenho de alunos do 6° ao 8° ano 90

Figura 17: Foto da embarcação “chata” 92

Figura 18: Foto da embarcação “barco hotel” 92

Figura 19: Fragmentos dos registros do caderno do aluno exibindo as atividades

propostas no LD sobre o tema água

109

Figura 20 – Texto complementar à lenda 110

Figura 21 – Atividades propostas sobre a lenda 110

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Perfil dos alunos sujeitos da pesquisa 60

Quadro 2: Animais citados pelos alunos da Extensão Escolar São Lourenço 75

Quadro 3: Iscas e petrechos para pesca, citados pelos alunos Extensão Escolar São

Lourenço

82

Quadro 4: Plantas conhecidas pelos alunos da escola e respectivas utilizações 84

Quadro 5: Plantas medicinais e enfermidades para a qual são indicadas na percepção

dos alunos

86

Quadro 6: Habilidades e competências na PPP das Escolas das Águas que relacionam

as disciplinas com a realidade do aluno

97

Quadro 7: Conteúdos que abordam a realidade local ensinados na escola, conforme

registro no Diário de Classe

106

Quadro 8: Comparativo entre alguns saberes expressos pela professora e pelos alunos

sobre a realidade local

112

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LISTA DE APÊNDICES

Apêndice 1: Modelo de roteiro de entrevista semiestruturada 129

Apêndice 2: Perguntas do jogo de tabuleiro Saber local 130

Apêndice 3: Questionário aplicado a professora relacionados aos saberes locais sobre o

ambiente natural

133

Apêndice 4: Termo de consentimento livre e esclarecido 134

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

Uma jornalista à procura de respostas na área da educação 12

Começando a vida de pesquisadora na academia 14

A estruturação da pesquisa 17

CAPÍTULO I 19

O LUGAR DA PESQUISA 19

1.1 A região do Pantanal de Mato Grosso do Sul 19

1.2 As Escolas das Águas no contexto na Rede Municipal de Ensino de Corumbá 23

1.2.1 Os professores das Escolas das Águas 25

1.2.2 Os alunos das Escolas das Águas 26

1.3 A Comunidade da Barra do São Lourenço no Pantanal sul-mato-grossense 27

1.3.1 O contexto histórico da Comunidade da Barra do São Lourenço 28

1.3.2 O Perfil Socioeconômico da Comunidade 30

1.3.3 As crianças da Barra do São Lourenço 32

1.3.4 Mitos e Lendas presentes na Comunidade 34

1.3.5 A Extensão Escolar São Lourenço 36

CAPÍTULO II 40

SABERES LOCAIS E O CURRÍCULO ESCOLAR 40

2.1 Conceituando de comunidades tradicionais 41

2.2 O Saber Local 43

2.3 Saber ambiental: uma nova racionalidade 46

2.4 O currículo escolar: diferentes olhares 48

2.5 A diversidade cultural no currículo escolar 53

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CAPÍTULO III 55

O PERCURSO DA PESQUISA 55

3.1 Viajando... 55

3.2 Traçando os caminhos da pesquisa 57

3.3 Os sujeitos da pesquisa 59

3.4 Os procedimentos metodológicos 62

3.5 Organizando os dados para análise 71

CAPÍTULO IV 73

OS SABERES DOS ALUNOS DA ESCOLA DAS ÁGUAS E AS RELAÇÕES

COM O CURRÍCULO ESCOLAR

73

4.1 Os saberes dos alunos sobre o ambiente local 73

4.1.1 Saberes dos alunos sobre a fauna 74

4.1.2 Saberes dos alunos sobre a flora 83

4.1.3 Saberes dos alunos relacionados ao rio 89

4.2 O diálogo de saberes na Escola das Águas - Extensão São Lourenço: limites e

possibilidades

96

4.2.1 A formação do professor das Escolas das Águas para o diálogo com a cultura

local

99

4.2.2 No cotidiano escolar os (des)compassos do diálogo com a cultura do aluno

Considerações finais

105

CONSIDERAÇÕES FINAIS 115

REFERÊNCIAS 121

APÊNDICES 128

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INTRODUÇÃO

Uma jornalista à procura de respostas na área da educação

Para narrar como as inquietudes relacionadas à educação, em especial à educação

voltada às comunidades tradicionais, surgiram em meu percurso profissional, peço licença ao

leitor para voltar alguns anos na minha história e pontuar certos momentos que marcaram e

deslocaram a minha trajetória de jornalista para a de educadora preocupada com as questões

ambientais.

Entre 2009 e 2011, quando trabalhava na ONG Ecoa-Ecologia e Ação1, tive a

oportunidade de coordenar e desenvolver o Projeto Crianças das Águas – Pantanal: identidade

e cidadania, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Corumbá. O Projeto era

organizado em quatro eixos: saúde, educação, meio ambiente e comunicação.

Para desenvolver as ações de “saúde” foram convidados professores, enfermeiros,

médicos e estudantes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Os componentes de

“comunicação” e “meio ambiente” ficaram sob a minha responsabilidade, por eu ser formada

em jornalismo e trabalhar há oito anos no Pantanal. Com relação ao componente de

“educação” foram convidados professores e pesquisadores da área para auxiliar no

planejamento. A maioria das atividades foi executada e coordenada por mim.

No desenvolver do projeto foram realizadas ações voltadas à formação dos

professores e, também, diversas oficinas para os alunos das Extensões Escolares da Escola

Municipal Rural Polo Porto Esperança e da Escola Municipal Rural Polo Luís de

Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, pertencentes ao município de Corumbá, no estado de

Mato Grosso do Sul. Essas Extensões Escolares estão localizadas em locais de difícil acesso,

dentro do Pantanal. Devido a essa localização e à interferência do ciclo das águas no Pantanal

(cheia, vazante e seca), as escolas ficaram conhecidas informalmente na região como Escolas

das Águas.

Foi durante esse percurso que outro mundo se abriu em minha vida profissional.

Foram muitos os desafios enfrentados. O trabalho me aproximou muito dos professores. Eles

1 A Ecoa é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 1989. Com sede em Campo Grande, MS, atua no Pantanal Sul por meio de projetos socioambientais que buscam aliar o conhecimento científico ao conhecimento das comunidades tradicionais. Mais informações estão disponíveis no www.ecoa.org.br.

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relatavam suas dificuldades em um local tão peculiar. Porém, também ressaltavam o quanto

aprendiam vivendo em uma região como o Pantanal, um lugar, segundo os professores, “onde

tudo é longe, tudo é difícil, mas nenhum dia é igual ao outro”. Para as professoras, todas de

Corumbá, era um desafio morar naquela região isolada, sobre a qual pouco conheciam.

A aproximação com os alunos também ocorreu naturalmente, na convivência

diária, nas conversas e brincadeiras no horário do recreio, nas observações do seu cotidiano

fora da escola. Com essa convivência pude conhecer melhor como era o modo de vida

daquelas crianças no Pantanal. Chamava-me a atenção a relação que eles tinham com o

ambiente local. Entravam no rio sem medo de jacarés e piranhas, reconheciam os pássaros

pelo seu cantar, achavam frutos no meio da mata, identificavam se ia chover e sabiam a

melhor hora para pescar.

O Projeto finalizou em junho de 2011. Em três anos de execução do Projeto,

aprendi muitas coisas e ensinei outras aos professores, diretores e alunos das Escolas das

Águas. Todos eles se manifestaram satisfeitos com o trabalho realizado.

Porém, ao fazer uma autoavaliação, identifiquei não só o que resultou de positivo

no trabalho, mas também as minhas limitações. Em vários momentos a insegurança tomava

conta de mim e me via incapaz de colaborar com os professores tanto o quanto deveria e

como esperavam, por não ter conhecimentos específicos da área de educação.

Com interesse em aproveitar a rica experiência vivida e buscar alguns dos

conhecimentos que me faltavam, ingressei em março de 2012 no Programa de Pós-Graduação

em Educação – Mestrado e Doutorado, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), na

linha de pesquisa “Práticas pedagógicas e suas relações com a formação docente”.

Estar inserida nesse Programa (cursar disciplinas, participar de grupos de estudo e

discussões, vivenciar a pesquisa acadêmica) foi uma oportunidade de ampliar o meu olhar

para a educação. Compreendi que ser professora não é uma tarefa fácil. A profissão docente

exige diversos saberes que vão além do “bom senso” e da experiência.

As leituras realizadas me possibilitaram refletir sobre diferentes aspectos da

experiência que vivi com os professores e as crianças das Escolas das Águas no Pantanal. Fui

me interessando pelas discussões a respeito do conhecimento escolar, em especial da

hegemonia do conhecimento ocidental e do silenciamento dos saberes de outras culturas no

currículo escolar.

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Lembrava-me do Pantanal, das crianças, do quanto me impressionaram pelo que

conheciam a respeito do ambiente local. Foi adquirindo sentido a ideia de conhecer um pouco

mais sobre os seus saberes. Quais eram? Seriam eles valorizados pela escola? De que forma?

Inquietada com essas questões, encaminhei a minha pesquisa de mestrado nessa

direção. E voltei diversas vezes ao Pantanal, à comunidade com a qual convivi durante os

anos em que desenvolvi o projeto, agora com o olhar de pesquisadora. E tudo me pareceu

muito mais complexo do que eu teria imaginado quando lá estive pela primeira vez.

Começando a vida de pesquisadora na academia

A fim de aguçar o olhar para o fenômeno que iria investigar, iniciei a minha

pesquisa percorrendo a literatura, buscando estudos já realizados nos Programas de Pós-

Graduação que abordassem a relação do saber local com o currículo escolar.

Demarquei como critério de busca os anos de 2000 a 2013 e como fonte de

consulta as Teses e Dissertações, disponibilizadas no banco de dados da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES – www.capes.gov.br). Também

utilizei o buscador Google para localizar dissertações, teses e artigos sobre a temática.

A pesquisa se restringiu à área de conhecimento da Educação e aos Programas de

Pós-Graduação em Educação, Educação e Currículo. Utilizando as palavras-chave “saber

local e currículo”, “saberes populares e currículo”, “saber ambiental e currículo”, “currículo

multicultural”, “conhecimento tradicional e currículo multicultural”, “saberes tradicionais e

currículo” foram encontradas quatro dissertações. As outras quatro pesquisas de mestrado

foram encontradas aleatoriamente pelo buscador Google.

O uso de diferentes palavras chave foi necessário, devido a abrangência dos

termos relacionados ao saber local (conhecimento tradicional, saber cultural, saber popular,

entre outros) que designam um tipo de conhecimento próprio das populações e povos

tradicionais, produzidos e modificados no seu cotidiano e transmitidos de geração em

geração.

A maioria dos estudos (seis) que encontrei nessa busca foi desenvolvida na região

norte do Brasil, nas universidades do Pará e Amazônia. Os demais foram produzidos no Mato

Grosso (um), em São Paulo (um).

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Lendo esses trabalhos, pude organizá-los em três grupos: (1) aquelas que fazem

uma análise a partir do currículo escolar - quatro estudos; (2) analisam o discurso e a prática

dos professores - duas pesquisas e (3) fazem análise a partir dos saberes dos alunos - duas

pesquisas.

Os estudos que analisaram os currículos escolares, geralmente, referiam-se a

propostas diferenciadas para trabalhar a relação entre o saber local e o saber escolar. Nesse

grupo estão os seguintes trabalhos: (1) de Natamias de Lima (2011)2, com o título “Saberes

culturais e modos de vida de ribeirinhos e sua relação com o currículo escolar: um estudo no

município de Breves/PA”, cujo objetivo foi refletir sobre o currículo escolar assumido nas

escolas multisseriadas ribeirinhas da Amazônia; (2) “Os saberes locais e o novo currículo do

ensino básico”, de Guilherme Basílio (2006)3, que faz uma reflexão sobre a inclusão dos

saberes locais no currículo do Ensino Básico de Moçambique no qual 20% da carga horária é

destinado ao tratamento de conteúdos locais; (3) Maria do Socorro Dias de Pinheiro (2009),

com a pesquisa “Currículo e seus significados para os sujeitos de uma escola ribeirinha,

multisseriada no município de Cametá-PA” que identifica quais os significados atribuídos ao

currículo escolar pelos alunos, pais, comunitários e professores e (4) Marinez Franca de Souza

(2005)4, com a pesquisa “Currículo das Águas: vida, escola e formação ribeirinha no

Município de Nova Olinda do Norte/AM”, que faz uma reflexão sobre a problemática da

Educação ribeirinha, uma especificidade amazônica.

Os resultados das pesquisas citadas apresentam duas realidades em relação ao

currículo. A primeira, que os saberes locais estão presentes no currículo escolar, até porque

houve uma exigência de modificação, do órgão gestor e/ou comunidade, no currículo com

esse objetivo. Porém, ainda aparecem de maneira pouca expressiva, falta material didático

sobre os saberes locais, há dificuldade na própria estrutura do currículo escolar, muitas vezes

o esforço de promover o diálogo é apenas do professor e o mesmo carece de formação para

integrar o currículo da escola com o saber local. Nesse contexto, faz-se necessário

investimento na formação do professor. A segunda realidade apontada pelos estudos diz que

as escolas ribeirinhas precisam reformular o currículo em uma perspectiva multicultural,

porque o que se tem atualmente é um currículo descontextualizado e com uma organização

2 As pesquisas dos autores identificados com os números 1 e 3 foram produzidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará, na Linha de Pesquisa Currículo e Formação de Professores. 3 Pesquisa produzida no âmbito do Convênio interinstitucional entre a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Educação/Currículo, e a Universidade Pedagógica de Moçambique. 4 Pesquisa produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas.

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“urbanocêntrica”. Há a necessidade de formação continuada para os docentes, bem como de

políticas públicas que visem uma educação voltada à diversidade cultural.

Os estudos de Kézia Siméia Barbosa da Silva Martins (2010)5, com o título

“Currículo escolar e saberes locais: ressignificação da prática curricular docente”, e de Neide

da Silva Campos (2011)6, intitulado “Há fogo sobre as brasas? Sentidos das práticas culturais

populares na educação escolar”, verificam a relação do saber local no currículo a partir do

discurso e da prática dos professores. Eles indicam que os saberes locais são abordados de

forma pontual em algumas disciplinas, o que os tornam superficiais e sem contextualização.

Apontam para uma necessária revisão do currículo escolar, pois ainda persiste uma visão

tradicional com uma perspectiva cultural conservadora, que fixa o conhecimento como fato,

como informação. Apontam ainda a necessidade de pensar em uma formação de professores

desde a inicial, perpassando pela continuada, com objetivo de compreender o real sentido e o

papel social do currículo escolar, frente a necessidade de valorização dos saberes locais.

Os dois trabalhos que analisam o currículo a partir da identidade de sujeitos são

das pesquisadoras Ana Claudia Peixoto Cristo (2007)7, intitulada “Cartografia da educação na

Amazônia Rural ribeirinha: Estudo do currículo, imagens, saberes e identidade em uma escola

do município de Breves/PA” e Maria Barbosa da Costa Cardoso (2012)8, com o título

“Saberes ribeirinhos quilombolas e sua relação com a educação de Jovens e Adultos da

comunidade de São João”. Ambas as pesquisas pontuam a relevância dos saberes locais no

currículo escolar. Mostram também que, na escola, apesar de apresentar algumas mudanças,

como a participação dos educadores ribeirinhos no planejamento curricular, ainda não houve

uma mudança pedagógica que expressasse os saberes, a cultura e a identidade da população

local.

Com esse levantamento foi possível identificar que nenhuma das pesquisas citadas

analisa a questão dos saberes locais no currículo escolar tendo como sujeitos os alunos dos

anos iniciais do Ensino Fundamental. As duas pesquisas que trazem a perspectiva dos alunos

são da Educação de Jovens e Adultos e do Ensino Médio. Ambas destacam as dificuldades de

integrar o saber local no currículo escolar, principalmente porque há falta de material

5 Pesquisa produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas. 6 Pesquisa produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, na Área de Concentração Educação, Cultura e Sociedade e na Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular. 7 Pesquisa produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Pará, na Linha de Pesquisa Currículo e Formação de Professores. 8 Pesquisa produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará, na Linha de Pesquisa Currículo e Formação de Professores.

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didático/apoio para que o professor conheça esses saberes e consiga desenvolvê-los em sala

de aula. Apontam a necessidade de formação inicial e continuada para os professores

trabalharam um currículo multicultural.

Os resultados desses trabalhos justificam a importância de realizar mais pesquisas

que tenham como temática a relação entre os saberes locais e o currículo escolar. Visando

contribuir para ampliação do conhecimento em torno dessa questão, foi encaminhado o

presente estudo, na perspectiva de identificar os saberes locais dos alunos do Ensino

Fundamental, moradores em uma comunidade ribeirinha do Pantanal, bem como analisar de

que modo esses saberes são contemplados no currículo escolar. Com esse trabalho espero

poder sinalizar para alternativas de construção da multiculturalidade no currículo.

A estruturação da pesquisa

O presente trabalho tem como temática a relação entre os saberes locais dos

alunos de uma comunidade tradicional do Pantanal e o currículo escolar da Extensão São

Lourenço. O seu objetivo é identificar os saberes dos alunos das Escolas das Águas

relacionados ao ambiente pantaneiro e analisar como estes são contemplados no currículo

escolar. Para tanto, teve como objetivos específicos: descrever o histórico das Escolas das

Águas, a sua estrutura e a Proposta Pedagógica, com especial interesse nas informações

relacionadas aos saberes locais; caracterizar a comunidade atendida pela Escola Municipal

Rural Porto Esperança - Extensão Barra do São Lourenço; identificar os saberes dos alunos

das Escolas das Águas sobre o ambiente natural (fauna, flora, rio e, lendas,) e analisar a

incorporação dos saberes no currículo a partir das perspectivas teóricas que defendem o

diálogo cultural.

O texto desta dissertação está dividido em quatro capítulos.

No primeiro capítulo apresento as Escolas das Águas, lócus onde a pesquisa é

desenvolvida. Contextualizo a comunidade tradicional na qual a escola está localizada,

atentando para as características do bioma pantaneiro, ambiente no qual os seus moradores

constroem seus saberes locais.

O segundo capítulo apresenta o quadro teórico da pesquisa. Trago discussões dos

antropólogos Antônio Carlos Diegues e Manuela Carneiro da Cunha para compreender e

fundamentar os conceitos de comunidade tradicional e saber local. Em busca da promoção do

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diálogo entre os saberes local e o escolar, apresento como uma possibilidade o conceito de

saber ambiental, de Enrique Leff. Para abordar o currículo escolar, utilizo como referências

principalmente Tomaz Tadeu da Silva e Antônio Flavio Moreira, que discutem o currículo

como uma construção social. Apresento a questão da multiculturalidade e da diversidade no

currículo com base em autores como Kenneth Zeichner, Paulo Freire, Peter McLaren e Vera

Candau.

O delineamento metodológico da pesquisa está presente no capítulo três. Faço

uma descrição da estruturação das viagens a campo e apresento as opções e as justificativas

das escolhas metodológicas. Apresento, ainda, os sujeitos e o local da pesquisa e faço uma

cuidadosa descrição dos instrumentos realizados para coleta de dados.

No quarto capítulo apresento os achados da pesquisa, isto é, os saberes locais

identificados junto aos alunos, em relação à fauna, flora e ao rio. Discuto, ainda, se e como

estes estão presentes no currículo escolar. As teorizações formuladas no capítulo 2 orientam

as discussões desses achados. Os trabalhos citados na revisão de literatura também são

trazidos nesse momento para o cotejamento dos dados encontrados.

Para finalizar, faço uma síntese da trajetória da pesquisa, das mudanças que este

estudo provocou em mim e ressalto, para reflexão, alguns fatores que limitam e que

possibilitam a construção de um currículo multicultural crítico no contexto investigado.

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CAPÍTULO I - O LUGAR DA PESQUISA

As ações humanas estão situadas em um tempo e um espaço que conferem sentido

e significado às questões que as movem. Por conseguinte, a pesquisa, como uma ação

humana, também está situada num contexto – histórico, social, geográfico, cultural,

econômico, epistemológico, etc. – e as questões que as movem, assim como as respostas e as

interpretações que fazemos delas, só podem ser compreendidas a partir do “lugar” da

pesquisa. “Lugar”, como concebe Hall (1997)9, citado por Perrelli (2007, p.55), tem a ver com

os “processos, marcados pela fluidez, pelo fluxo e o movimento que têm impacto sobre os

modos como nos posicionamos no mundo”.

Nessa compreensão, a intenção deste capítulo é situar alguns dos lugares que

conferiram as marcas deste trabalho: o lugar geográfico (no Pantanal sul-mato-grossense), o

lugar social (a comunidade da Barra do São Lourenço e a Escola das Águas) como espaços e

tempos em movimento nos quais os sujeitos (professores, alunos, comunidade) constroem

crenças, costumes, valores, artefatos, comportamentos e cosmovisões com os quais

interpretam, participam e transformam o mundo em que vivem.

1.1 A região do Pantanal de Mato Grosso do Sul

A Extensão Escolar São Lourenço, uma Escola das Águas, lócus desta pesquisa,

está localizada no Pantanal sul-mato-grossense, um bioma conhecido internacionalmente por

ter um elevado grau de conservação ambiental e grande diversidade biológica. Devido a sua

importância foi declarado como Patrimônio Nacional pela Constituição Federal do País e

Reserva da Biosfera pela UNESCO.

O Pantanal está localizado na Bacia do Alto Paraguai (BAP), sendo o rio Paraguai

seu principal tributário. Sua extensa área inundável e seus afluentes formam o Pantanal Mato-

Grossense, uma das maiores áreas úmidas do mundo, com 138.183 km² (CALHEIROS;

9 HALL, Stuart. The centrality of culture: notes on the cultural revolutions of our time. In: THOMPSON, K. (Ed.). Media and cultural regulation. London, Tousand Oaks, New Delhi: The Open University, SAGE Publications, 1997, cap. 5.

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OLIVEIRA, 2010). Sua localização abrange os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do

Sul, em território brasileiro, e uma pequena área em terras bolivianas e paraguaias.

O rio Paraguai, uma das melhores vias navegáveis em seu estado natural, foi

importante na formação histórica da região. Por ele chegaram habitantes pré-históricos, os

ancestrais dos índios que foram se adaptando ao longo de suas margens. Foi palco de lutas

entre portugueses, espanhóis e índios pela conquista e posse da terra. Na guerra do Paraguai

(1865-1870) foi utilizado por diversas vezes como cemitério (PROENÇA, 1997).

Por volta de 1995, houve um aumento expressivo da navegação, impulsionado

pela privatização do setor (CALHEIROS; OLIVEIRA, 2010). Encontramos no rio Paraguai

diferentes embarcações fluviais, como os grandes comboios de barcaças que partem de

Corumbá (MS) com destino à Argentina transportando, principalmente, minério de ferro. A

Marinha do Brasil navega nas águas do Paraguai realizando atendimentos de saúde e

treinamentos de guerra.

Também encontramos no rio diversos tipos de embarcações: os “barcos hotéis” de

grande porte, destinados ao turismo de pesca, as “freteiras” de porte médio, destinadas a

transportar mantimentos, gado e também passageiros, as rabetas – canoa com motor

econômico, muito utilizada pela população ribeirinha - e as “canoas de um pau”, de produção

artesanal, ainda muito presentes na região. As diferentes proporções entre uma canoa e um

barco hotel chamam atenção na paisagem (Figura 1).

O clima no Pantanal é ameno e seco no inverno. No verão é quente e chuvoso,

sendo o período das chuvas entre dezembro e março. Pode parecer estranho, mas o ciclo de

Figura 1: Mosaico apresentando as diferentes embarcações que navegam pelo rio Paraguai no Pantanal Sul. Fonte: Arquivo Ecoa

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cheia e seca no Pantanal não coincide exatamente com o período de chuva. A cheia no

Pantanal acontece em períodos diferenciados e se deve à baixa declividade do relevo e

sinuosidade do rio Paraguai, isto é, do Norte para Sul, a planície tem declividade praticamente

inexpressiva, em média de um centímetro para cada quilômetro, e no sentido de Leste ao

Oeste varia entre três a cinco centímetros. A pouca inclinação dificulta o escoamento das

águas (CALHEIROS; OLIVEIRA 2010), ou seja, essa condição faz com que as águas desçam

vagarosamente no leito do rio. Exemplificando: na parte superior do Pantanal, nos municípios

de Cáceres, Poconé, Santo Antônio de Leverger e Barão de Melgaço no Estado de Mato

Grosso, as enchentes ocorrem de janeiro a março, coincidindo com o período das chuvas

(outubro-março) nesses locais. No entanto, em Corumbá e Ladário que já estão mais sul, em

Mato Grosso do Sul, a cheia do rio Paraguai ocorre com um atraso de dois a três meses em

relação ao norte. O pico de cheia é maio-junho nessa região. Em Porto Murtinho, também em

Mato Grosso do Sul, o período de cheia é ainda mais tardio, cerca de cinco meses depois da

chuva (julho). Em resumo, as maiores vazões do rio Paraguai ocorrem entre junho e agosto e

as menores entre janeiro e dezembro (DA SILVA, 2007).

De acordo com Calheiros e Oliveira (2010), é considerada “cheia” no Pantanal Sul

quando o nível máximo anual do rio Paraguai, em Ladário (MS), é igual ou superior a 4m. As

cheias são classificadas como pequenas, quando o nível varia de 4 a 5m; de 5 a 6m são

consideras normais, e acima de 6m são consideradas grandes cheias. A maior cheia da história

aconteceu em 1988 quando atingiu 6,64m. Em 1995 ocorreu a terceira marca do século, com

6,56m. Com esse volume, o rio Paraguai, no Pantanal, expande seu leito de inundação,

alcançando até 20 km de largura.

Um fenômeno relacionado a esta variação de águas é a “dequada” ou “decoada”

pode ser vista anualmente no rio Paraguai, com maior ou menor intensidade. De acordo com

Calheiros e Ferreira (1996, p. 8) as “dequada” ou “diquada” como são popularmente

conhecidas na região, referem-se a alterações naturais que provocam a mortandade de peixes

e “resultam de um fenômeno limnológico altamente complexo, sem paralelo no mundo quanto

à magnitude e extensão e ainda pouco estudado em todas as suas implicações ecológicas”. O

fenômeno ocorre com o início do período das cheias. As regiões que estão secas e repletas de

vegetação terrestre passam a ficar submersas, pequenas lâminas de águas rasas vão cobrindo

vagarosamente toda a planície. Neste processo, a qualidade da água é alterada, porque a

vegetação alagada naturalmente passa a se decompor - utilizando todo oxigênio e liberando

grande quantidade de dióxido de carbono.

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Para os ribeirinhos não é um período bom, pois, além da mortandade dos peixes, a

água fica imprópria para o consumo.

O regime hidrológico do Pantanal, como já mencionado, é o processo responsável

pela manutenção e pelo equilíbrio ecológico de todo o bioma. No período de enchente,

quando as águas começam a subir formando banhados, lagoas (baías) e corixos temporários,

os peixes migram para esses locais em busca de frutos que caem das árvores. Quando inicia a

vazante, momento em que os rios retornam aos seus leitos, milhares de peixes ficam

aprisionados nas lagoas e corixos servindo de alimento para jacarés e aves. As baías repletas

de peixes e iscas também favorecem a vida dos pescadores artesanais que dependem desse

recurso para sobreviver.

Como se pode notar pelas descrições apresentadas, o Pantanal não é um

ecossistema homogêneo, pois há muitas variações de uma região para outra da planície. Cada

tipo possui um período de inundação, um tipo de solo, de relevo e vegetação. Seguindo essas

diferenças podem ser elencados 11 diferentes pantanais, conforme mostra a Figura 2.

Figura 2: Mapa dos 11 Pantanais. Fonte: Silva e Abdon (1998) apud Embrapa Pantanal. Disponível em <http://www.cpap.embrapa.br/mapa.html>. Acesso em: 15 abr. 2014.

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1.2 As Escolas das Águas no contexto na Rede Municipal de Ensino de Corumbá

O entorno de Corumbá, denominado como área rural, é povoado por pescadores,

comunidades ribeirinhas, agricultores, assentados e pequenos proprietários dos distritos de

Paiaguás, Nhecolândia e Albuquerque. A Rede Municipal de Ensino de Corumbá atende a

essa população com seis escolas polos e 25 extensões, totalizando cerca de 1400 alunos.

Dessas seis escolas, cinco são mais próximas do perímetro urbano. Uma delas,

com dez extensões, está localizada dentro do pantanal, sendo esta a Escola Municipal Rural

Polo Porto Esperança e Extensões, criada no ano de 2005. Por estarem situadas em regiões de

difícil acesso e sofrerem a influência do ciclo das águas do pantanal, são denominadas,

informalmente, pela Secretaria e pelas comunidades, de Escolas das Águas.

As Escolas das Águas são compostas, portanto, por uma Unidade Polo (sediada no

Distrito de Porto Esperança, situada a 95 km de Corumbá) e dez Extensões Escolares que

estão distribuídas nas sub-regiões do Pantanal do Paraguai e do Paiaguás (Figura 3).

Figura 3: Localização das Escolas das Águas no Pantanal de Mato Grosso do Sul Fonte: Google Earth. Adaptado com as coordenadas geográficas das Extensões Escolares. Acesso em: 12 set. 2012.

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A Escola Municipal Rural Polo Porto Esperança (E.M.R.P. Porto Esperança) tem a

seguinte estrutura administrativa e pedagógica: Colegiado Escolar, Direção, Coordenação

Pedagógica, Secretaria, Corpo Docente, Corpo Discente, Conselho de Professores, Conselho

de Classe, Associação de Pais e Mestres, serviços auxiliares: agente de serviço administrativo,

auxiliar de apoio educacional, agentes de serviço institucional I e II, piloteiro10 de transporte

escolar e monitor de transporte escolar. O número de professores nas Extensões Escolares

varia de dois a quatro e está relacionado à quantidade de alunos.

A gestão das Extensões Jatobazinho e Santa Mônica difere das demais por ser

público-privada. A parceria entre a Secretaria Municipal de Educação e os proprietários rurais

resultou em uma escola com melhor infraestrutura, maior número de funcionários e a

presença de uma coordenadora pedagógica em tempo integral. As demais Extensões contam

com uma estrutura básica e algumas, pode-se assim dizer, estão em condições precárias

(Figura 4), funcionando em antigas casas que são cedidas pelo proprietário por meio de

parceria ou comodato com a Secretaria de Educação.

Figura 4: Mosaico apresentando as edificações das Extensões escolares das Escolas das Águas. Fonte: Acervo da E.M.R.P. Porto Esperança.

10 Piloteiro é o nome dado, na região, ao profissional que possui a documentação necessária para pilotar barcos.

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A maioria das Extensões Escolares possui duas salas de aula, dormitório para

professores, cozinha e banheiro e utilizam energia gerada por um grupo-gerador a diesel.

Algumas, ainda, têm dormitório para os estudantes, mobiliados com beliches e redes.

A comunicação entre a Direção da Escola, sediada em Corumbá, e as Extensões é

feita através de telefone celular rural, da fazenda ou vizinhos, telefone público ou internet via

satélite. Até 2002 havia quatro Extensões com acesso à internet.

Nas Escolas das Águas, as salas de aula são multisseriadas, sendo divididas, na

maioria das vezes, em duas turmas: uma do 1° ao 5° anos e outra do 6° ano 9°. É importante

ressaltar que nem todas oferecem o nono ano. As escolas vão ofertando ano a ano conforme a

demanda. No início do ano letivo, geralmente, cada sala possui cerca de 20 alunos, mas ao

final, o número é consideravelmente menor devido à evasão destes.

1.2.1 Os professores das Escolas das Águas

As Escolas das Águas, atualmente, de acordo com as informações fornecidas pela

direção escolar, têm em seu quadro de funcionários um total de 35 professores. Desses,

apenas dois são das próprias comunidades onde as Extensões estão inseridas. Os demais são

oriundos da cidade de Corumbá.

Os professores das Escolas das Águas têm um regime de trabalho diferenciado

dos demais profissionais da zona urbana, porque precisam morar nas extensões escolares

durante o período das aulas. Retornam para suas casas, em Corumbá, ao final de cada

bimestre e permanecem nessa cidade por sete ou 15 dias. Nesse período têm compromissos

escolares, como entrega de notas e relatórios, elaboração de planejamento do próximo

bimestre, cursos, entre outros.

Dados de 2013, segundo a coordenação pedagógica, mostram que a maioria dos

professores dessas Escolas (29) é do sexo feminino e licenciada em Pedagogia. Apenas quatro

têm formação em Letras, História e Educação Física.

O perfil desse profissional, conforme orienta a Proposta Político Pedagógica

(PPP) da Escola, deve ser de um educador que compreenda a diversidade cultural das regiões

em que atuará, sem interferir moralmente nas ações da comunidade; tenha disponibilidade

para morar na extensão e cumprir as normas de rotina da Unidade e vir à cidade aos finais de

cada bimestre letivo, além de garantir a imagem positiva da Unidade onde está lotado

(CORUMBÁ, 2011a).

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Segundo informações obtidas da Direção da escola da Extensão São Lourenço, é

realizado um processo diferenciado para seleção dos professores das Escolas das Águas.

Assim que selecionados, eles participam de uma formação de cerca de oito horas, na qual são

abordados aspectos referentes à estrutura e funcionamento escolar. Nesse momento, não se

aprofundam nas questões pedagógicas, pois estas deverão ser contempladas na formação

continuada.

Há alta rotatividade desses profissionais, seja por demissão, desistência ou por

pedidos de mudança, pois eles preferem trabalhar nas extensões escolares mais próximas a

Corumbá e com melhor infraestrutura.

1.2.2 Os alunos das Escolas das Águas

Conforme informações fornecidas pela diretora da E. M. R. P. Porto Esperança, a

população estudantil das Escolas das Águas é composta de 322 alunos, sendo filhos de peões,

aposentados, pensionistas, professores, pescadores profissionais, piloteiros, militares,

ribeirinhos entre outros. Devido à dificuldade de acesso, muitos dos alunos são atendidos em

regime de internato, retornando para casa de seus familiares a cada 15 dias e/ou no final de

cada bimestre, permanecendo por uma semana, ou o mesmo período dos professores. A idade

dos alunos varia entre seis e 23 anos.

Outra característica singular é que as Escolas das Águas é o primeiro espaço

institucional de ensino conhecido por eles e, às vezes, o único. De acordo com o Diagnóstico

das Comunidades das Águas, realizado em 2010, pela Ecoa, em parceria com a Embrapa

Pantanal, as crianças pantaneiras são muito carentes em relação aos fatores determinantes e

condicionantes da saúde, entre eles, alimentação, moradia e educação. Essas informações

foram apresentadas pelos próprios moradores durante as entrevistas realizadas com as famílias

da Barra do São Lourenço.

A casa e a escola constituem o principal espaço de convivência para as crianças, e

as brincadeiras desenvolvidas estão profundamente relacionadas com as atividades

desenvolvidas pelos adultos, especialmente, por seus pais. Elas participam de todos os

momentos da vida da comunidade, no trabalho, em casa, no lazer e nas atividades religiosas.

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1.3 A Comunidade da Barra do São Lourenço no Pantanal sul-mato-grossense

A comunidade da Barra do São Lourenço reside à margem direita do rio Paraguai,

distante cerca de 220 km da cidade de Corumbá (MS), quase na divisa com o estado do Mato

Grosso, nas coordenadas geográficas 17°54’56,09” e 57°27’46,18”.

A área ocupada pelas famílias fica na zona de amortecimento do Parque Nacional

do Pantanal Mato-Grossense e na frente da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)

Acurizal.

O acesso à comunidade é realizado apenas por embarcações fluviais. Em um

barco equipado com motor de 100 hp, a viagem demora em média cinco horas. Já nas

“freteiras” que transportam mantimentos e passageiros, os ribeirinhos do Pantanal levam em

média 24 horas para percorrerem o mesmo trecho.

É impossível falar da comunidade da Barra do São Lourenço sem mencionar a

paisagem cênica que a envolve e que os moradores reconhecem e apreciam. Do local se avista

a morraria da Serra do Amolar (Figura 5), uma formação rochosa, com aproximadamente 80

quilômetros de extensão, que marca o relevo da planície pantaneira e constrói um desenho

sinuoso para o rio Paraguai.

Figura 5: Serra do Amolar. Fonte: Acervo da pesquisadora

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A Serra faz parte do Maciço do Amolar, que é composto pela Ilha Ínsua e as

morrarias Novos Dourados, Santa Tereza, Castelo e outras. Esta região é considerada uma

área prioritária para conservação, pois o Maciço regula a umidade local, beneficiando a vida

de suas florestas que servem de abrigo para animais que fogem das águas durante a cheia

(BORTOLOTTO, 2005).

Diferentemente das outras regiões, a intensidade das águas também limita a

presença dos animais terrestres, pois eles não podem caminhar em busca de alimentos. A onça

pintada se adaptou a esse território, ficando geralmente nas partes mais altas, nas franjas das

montanhas (ZANATTA, 2010). É possível observar com maior frequência os mamíferos que

vivem às margens dos rios e lagos como lontras e capivaras.

A região da Serra apresenta uma maior diversidade florística em relação às partes

mais baixas, em função de ser uma área não inundável. Em relação à fauna, algumas espécies

estão na lista oficial brasileira de animais ameaçados de extinção como a onça-pintada

(Panthera onca palustris), onça-parda (Puma concolor), tamanduá-bandeira (Myrmecophaga

tridactyla), catita (Monodelphis kunsi), tatu canastra (Priodontes maximus) entre outros.

(BORTOLOTTO, 2005).

Segundo Zanatta (2010), as montanhas, de certa forma, ajudaram a represar a água

na região, originando a formação de duas grandes baías - Baía Infinita e Baía do Burro - e três

grandes Lagoas da região - Lagoa Mandioré, Lagoa Gaíva e a maior delas, a Lagoa Uberaba.

1.3.1 O contexto histórico da Comunidade da Barra do São Lourenço

A Barra do São Lourenço pode ser considerada uma comunidade recente, pois os

moradores estão nesta área há apenas 16 anos. Entretanto, as famílias ali residentes têm sua

história de vida atrelada às margens dos rios pantaneiros. Antes de ocuparem a Barra, as

famílias moravam, há mais de 40 anos, do outro lado da margem do rio Paraguai, na fazenda

Acurizal. Aquele local era conhecido como Flor da Serra, nome dado ao local pelos

moradores porque havia muitos pés de piúva (ipês) e quando floridos deixavam o lugar ainda

mais bonito (ZANATTA, 2010).

De acordo com Zanatta (2010), o ritmo de vida da comunidade naquele tempo era

tranquilo e harmonioso. As famílias eram contratadas para trabalhar na fazenda para

desenvolverem atividades na lavoura, cuidar do gado, fazer manutenção no entorno, pilotar os

barcos, cozinhar etc.

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Em 1996 a Fazenda Acurizal foi vendida à Fundação de Apoio à Vida nos

Trópicos – Ecotrópica, uma organização não governamental, sem fins lucrativos, instituída em

Cuiabá, MT, em 21 de junho de 1989, e que tem como missão: contribuir para a conservação

e preservação dos recursos naturais e a manutenção da qualidade de vida nos ecossistemas

tropicais brasileiros. A Fundação transformou a propriedade em uma RPPN e solicitou que

todos os moradores fossem retirados da área.

Zanatta (2010, p.38) traz em sua pesquisa a narrativa de uma moradora da

comunidade da Barra do São Lourenço, relatando as dificuldades enfrentadas quando tiveram

que sair da área onde viviam.

Meu esposo pelotiava, ajudava o caseiro a rastilhá, carpi, tacá fogo no mato, pegá lenha e a mantê o zelo dos rancho. Nóis morava lá e vivia daquilo. Tinha época que o serviço aumentava, nóis tinha que limpá a invernada, era muito bão. Mas, com o tempo, aquilo ali foi vendido pra um outro povo que pegô aquilo ali pra se um parque de ecologia. [...] Ai logo que eles compraram, veio um tal de Divino, antigo piloteiro da fazenda, dando o aviso. Ele chegou e disse assim: ‘Olha eu vim aqui porque os donos mandaram avisá vocês que agora essa terra é uma reserva e que eles não qué que corta mais um gaio de pau, eles não qué mais que roce, que queime, que mais nada e que vocês desocupem o lugar’. [...] Na hora eu pensei: pra onde nóis vai se esse é nosso trabalho? Naquele ano, o turismo ainda não era forte na região, e nóis não tinha nem onde morá. Nem paia e pau nóis pudemo cortá pra montá nossas casa. Nossa sorte foi que o cumpadi Vando morava aqui nessa ilha e convidô nóis pra vim pra cá. Embarcamo na nossa canoa e viemo, depois o resto do povo começou a vim e limpá cada um o seu pedaço de terra. Lembro como se fosse hoje, aquela mosquitada, aquela chuva [...] Nóis emprestamo do cumpadi Vando um pedaço de lona, fincamo uns pau. Quando a chuva parava, nóis continuava o trabalho... Aquele capinzal sujo, a tempo de ter uma cobra, as criança chorando por causa dos mosquitos. Dava até um desespero, nóis não tinha mais nenhuma parede, nóis não tinha mais nada. Mas, nós lidemo até consegui nosso lugar.

Experiências semelhantes à relatada também ocorreram em outras localidades no

Brasil, principalmente entre os anos de 1970 a 1986, período em que foram criadas várias

Unidades de Conservação na forma de Parques Nacionais. Nesse período, em pleno regime

militar, as áreas para conservação foram criadas “sem consultar as regiões envolvidas, ou as

populações afetadas em seu modo de vida pelas restrições que lhe eram impostas quanto ao

uso dos recursos naturais” (DIEGUES, 2001, p.70). O conflito territorial se acentuou em

1989, com a reavaliação do Sistema de Unidades de Conservação estabelecido em 1979,

gerando o documento Sistema Nacional de Unidades de Conservação: Aspectos Conceituais e

Legais, Brasília, 1989, o qual, segundo Diegues (2001, p.70), seguiu os mesmos “princípios

que nortearam o estabelecimento de unidades de conservação nos países industrializados, sem

atentar para a especificidade existente em países do Terceiro Mundo, como o Brasil”. Para o

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autor, a proposta não apresentava nenhum item sobre o uso sustentável do ambiente natural e

não considerava o comportamento das populações tradicionais que, na maioria das vezes,

contribui para a manutenção da diversidade biológica e dos ecossistemas. “A única inovação

incluída, ainda que desconfortavelmente, nessa proposta é a da reserva extrativista, na verdade

uma categoria que brotou da luta das populações de seringueiros da Amazônia (DIEGUES,

2001, p.71).

Dentro das novas categorias de Unidades de Conservação criadas estão as

Unidades de Proteção Integral, entre as quais se inclui a categoria RPPN (Reserva Particular

do Patrimônio Natural), regulamentada pela Lei N°9.985 de 2000, que legitima as intenções

conservacionistas de proprietários rurais.

Nesse contexto, com a finalidade de tranquilizar às famílias ribeirinhas da

comunidade da Barra do São Lourenço, que tinham medo de serem expulsas da região em

razão da possibilidade de ali serem criadas novas Unidades de Conservação, o Ministério

Público Federal (MPF) solicitou a expedição do Termo de Autorização de Uso Sustentável

(TAUS) – documento que confere a permanência das populações tradicionais em áreas da

União ocupadas há centenas de anos no Pantanal11. A Secretaria do Patrimônio da União

(SPU) emitiu, em julho de 2011, o documento TAUS, que é intransferível e de uso exclusivo

dos ribeirinhos e de suas famílias. As áreas continuam de propriedade da União, mas as

comunidades têm assegurado o direito do uso sustentável da terra (ECOA, 2012).

1.3.2 O perfil socioeconômico da Comunidade

A comunidade da Barra do São Lourenço é formada por 19 famílias, totalizando

106 pessoas. Os moradores têm baixa escolaridade, há quantidade significativa de analfabetos

e 51% possuem apenas o ensino fundamental incompleto. As famílias estão organizadas

socialmente no formato de associação (Associação dos Ribeirinhos da Barra do São

Lourenço) (ZERLOTTI et al., 2010).

Na comunidade há um templo evangélico, apesar de a maioria dos moradores

serem católicos, inclusive as festas mais frequentes no local são as festas religiosas. As casas

são bem próximas umas das outras e situam-se na beira do rio, o que facilita a mobilidade e

protege dos animais mais perigosos. Zanatta (2010) relata que as moradias são simples e até

11 Notícia veiculada no site da Ecoa-Ecologia e Ação. Disponível em: http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Ribeirinhos+ganham+direito+de+permanencia+em+areas+tradicionais+do+Pantanal/17953. Acesso em: 20 jan. de 2013.

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mesmo precárias, com estrutura de madeira e cobertura com folhas da palmeira de acuri

(Scheelea phalerata). A autora informa que havia um problema para conseguir a folha do

acuri, pois, apesar de a planta ser abundante no Pantanal e na região, é encontrada nas partes

mais altas e na área das reservas ambientais, o que tornava necessária a autorização dos

órgãos oficiais para a sua retirada, algo nem sempre permitido.

Atualmente, pode-se perceber uma mudança na infraestrutura das moradias da

comunidade. Algumas casas estão maiores, há cômodos de alvenaria e coberturas de telhas de

cimento.

A comunidade não possui energia elétrica, e nem tratamento de água; o lixo quase

sempre é queimado ou enterrado (COSTA et al., 2010). Tudo gira em torno do rio: as pessoas

utilizam a água do rio para higiene pessoal, afazeres domésticos e consumo como beber e

cozinhar. Para o tratamento da água algumas famílias utilizam o hipoclorito de sódio e

algumas famílias possuem filtro caseiro, doado por uma igreja evangélica (ZERLOTTI et al.,

2010).

Pode-se dizer que na comunidade, os moradores do local dependem quase que exclusivamente dos recursos naturais, tanto para construir suas moradias, como para se tratar de alguma doença e principalmente para se alimentar; diante disso, é nítida a integração que há entre o homem e a natureza. (COSTA et al., 2010, p.11)

A economia do local está baseada principalmente na pesca, tanto de pescado para

consumo humano quanto de iscas vivas para o mercado do turismo de pesca esportiva

(COSTA et al., 2010). A pesca é desenvolvida por todos os moradores, inclusive mulheres e

jovens. A isca viva é vendida para os barcos hotéis que saem de Corumbá e sobem o rio

Paraguai repletos de turistas (ZERLOTTI et al., 2010). Zanatta (2011, p.43) explica como é a

relação dos ribeirinhos com os barcos hotéis:

As famílias da Barra de São Lourenço fecham contratos com dois, três ou mais barcos de turismo, isso depende da capacidade de coleta de cada família. A partir daí, o compromisso é assumido, e a quantidade estipulada no contrato deve ser entregue semanalmente para o contratante. Isso obriga a todos os integrantes da família se mobilizarem e somarem esforços na busca pelo pescado e pelas iscas que precisam ser entregues.

Os tipos de iscas comercializadas são o caranguejo e os peixes tuvira e cascudo.

Em 2010, a média do preço comercializado era de R$0,30 a unidade. Uma família chega a

coletar, por mês, até cinco mil unidades. Essa mesma isca é revendida aos turistas por R$1,20.

(ZANATTA, 2010).

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De acordo com informações da ECOA, após uma ação do Ministério Público

Federal (MPF), em 2011, para estipular o preço justo para isca visando melhorar a qualidade

de vida das comunidades e diminuir a pressão dos recursos naturais, os pescadores da Barra

do São Lourenço passaram a vender a isca por R$1,00. Essa alteração do valor da isca pode

ser a responsável por várias mudanças na comunidade, principalmente as relacionadas com a

infraestrutura e a organização social. Pode-se citar, por exemplo, o fato de a comunidade junto

com outras instituições, terem conseguido mais benfeitorias para a localidade, como o

telefone público, o TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) e a doação de

equipamentos de segurança12 para pesca de iscas, pelo Ministério do Trabalho.

O Diagnóstico das Comunidades das Águas, de 2010, realizado pela Ecoa em

parceria com a Embrapa Pantanal, mostra que apesar de a renda dos ribeirinhos da Barra do

São Lourenço ser baixa, os moradores preferem continuar na comunidade, porque acreditam

que nunca lhes faltará sustento e trabalho, uma realidade diferente da cidade. Mas, a

comunidade ainda tem muitos anseios em relação aos serviços públicos, como, por exemplo, a

melhoria das moradias, um posto de saúde local, ampliação da escola, energia elétrica,

embarcação de emergência para a comunidade e aterro sanitário.

Os moradores fazem as roças em áreas de várzea onde a terra é mais rica em

nutrientes. Nas pequenas plantações trabalham homens, mulheres e crianças. Os principais

cultivos são a mandioca, a bananinha (banana-maçã), a batata-doce, a batata-inglesa, o milho,

a abóbora e a cana-de-açúcar, que também vira rapadura. Uma minoria comercializa ou troca

seus produtos, pois as plantações são pequenas e os produtos usados basicamente na

alimentação da família. Plantas medicinais também são cultivadas para uso próprio

(ZERLOTTI et al., 2010).

1.3.3 As crianças da Barra do São Lourenço

A maioria das informações a respeito das crianças, conforme as apresento a seguir

são frutos da minha convivência com elas. É importante ressaltar, que essa aproximação não

ocorreu apenas durante a realização desta pesquisa. O convívio iniciou em 2008, quando

comecei a desenvolver ações na comunidade. Na ocasião tive a oportunidade de me

12 Os pescadores e pescadoras de iscas receberam macacões impermeáveis. A pesca de isca viva é realizada no período da noite, os pescadores entram em lagoas e corixos com telas, ficando com a água até o peito, até cinco horas.

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aproximar e conhecer o modo de ser das crianças da Barra do São Lourenço, principalmente

aquelas em idade escolar.

As crianças são muito livres para ir e vir por toda a comunidade. Passam boa parte

do seu tempo brincando. Brincam de ‘faz-de-conta’, com os animais de estimação, correm nos

terreiros, sobem em árvores, nadam no rio (Figura 6) e passeiam de canoa.

Os barcos hotéis que ali trafegam também são um atrativo para as crianças. Elas

adoram vê-los passar e expressam detalhes dessas embarcações nos seus desenhos. Com os

ouvidos apurados reconhecem que há embarcação se aproximando, mesmo a uma distância

considerável.

Gostam de assistir a desenhos e filmes. Como não há energia elétrica na

comunidade e muitos não possuem gerador em casa, essa atividade acontece na escola.

Têm medo de encontrar uma onça pintada e muitas até sonham em caçá-las. Elas

ficam muito impressionadas com os constantes ataques desses animais aos galinheiros e

chiqueiros das famílias. Todas conhecem diversos casos contados pelos adultos que

conseguiram fugir de uma onça.

Figura 6: O rio como uma das principais diversões das crianças. Fonte: Acervo do biólogo André Siqueira

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1.3.4 Mitos e lendas presentes na Comunidade

Na relação cotidiana, a população constrói uma percepção de mundo na qual

natureza, comunidade, cultura, mitos e lendas são percebidos como faces de um mesmo

universo.

O aparecimento dos mitos vem com a necessidade de a humanidade compreender

a sua existência, sua origem e o que está além da vida material. Vem, portanto, da necessidade

humana de compreender os fatos que nem sempre têm uma explicação palpável (BRASIL;

DMENGEON, 2012).

Esta é a originalidade do pensamento mitológico – desempenhar o papel do pensamento conceptual: um animal suscetível de ser usado como, diria eu, um operador binário, pode ter, de um ponto de vista lógico, uma relação com um problema que também é um problema binário (LÉVI-STRAUSS, 1987, p.24).

O mito nos remete à visão de mundo dos indivíduos e sua maneira de vivenciar a

realidade. Ele é algo que não se justifica, não se fundamenta nos conceitos da ciência

ocidental e, portanto, não se presta ao questionamento, à crítica ou à correção, com base na

lógica científica. Ele pressupõe a adesão, a aceitação, por parte dos indivíduos de determinada

cultura.

O mito, é o aspecto que dá a dimensão da realidade inatingível racionalmente, com significado e consistência, pondo limite a reflexão filosófica, que é rigorosamente racional, a tradição milenar de determinadas sociedades comprovam essa consistência mítica, ao mesmo tempo em que cria ou estabelece relação da identidade do homem com o mito, como forma de explicar sua existência e a existência da própria sociedade (OLIVEIRA; LIMA, 2006, p. 9).

Uma característica do mito é de organizar as relações sociais legitimando

permissões e obrigações. Auxiliando na educação e regularizando a vida comunitária,

principalmente, na relação do ser humano com o ambiente natural. Neste sentido, o Brasil tem

diferentes mitos e lendas como a Mãe d’água, parente da sereia, mas sem rabo de peixe,

sempre vista em cima de uma grande pedra se penteando. Pode benzer o anzol do pescador

para ele não pescar nada, como também ao contrário fazer uma boa pescaria se algo for

ofertada a ela (BRASIL; DMENGEON, 2012).

A lenda é uma narrativa que contextualiza o mito, situando-o. Não é uma ficção,

fábula ou romance, mas uma história que, quando contada, sofre alterações que estão

relacionadas ao ambiente do narrador. Uma mesma versão pode apresentar diferentes

possibilidades de interpretação de uma mesma realidade e, ainda assim, manter a essência da

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história perpetuando o mito. O que contribuiu para manter o mito vivo (GARCIA-

WATANABE, 2006).

A dinâmica das águas influencia diretamente a criação dos mitos e lendas

pantaneiras. Os chamados mitos d’água se espalham e se tornam reais no Pantanal. Há

horários proibidos, há locais perigosos, há espaços que pertencem aos mitos.

Os mitos, tabus, rituais fornecem exemplos de mecanismos de internalização cultural e suas regras limitam a exploração dos recursos naturais, ou seja, ajudam na interpretação do ambiente de forma adequada, quando essas tradições são fortes e se mantém, as pessoas simplesmente praticam sua cultura, portanto os mitos reforçam a coesão da comunidade, pois neles, o direito ao recurso e sua gestão estão vinculados (BERKES et al., 199813 apud ALMEIDA; DA SILVA 2012, p.89).

Um desses mitos/lendas é o do “Negrinho d’água”, também conhecido em outras

regiões do Brasil como Caboclo d’água. É um moleque negro que brinca com os pecadores,

dizem que é o Saci-Pererê do rio. Vira canoas e barcos, enrola e emaranha linhas e anzóis

embaixo d’água. São muitos, andam em bandos e, no fundo dos rios. De vez em quando, eles

pegam pescadores e levam para o fundo do rio.

Outro mito muito conhecido no Pantanal, tanto Norte quanto Sul, é o do

Minhocão ou Minhocoçu, difundido também na região Sul do Brasil, na Amazônia e no rio

São Francisco, em Minas Gerais. Para os ribeirinhos trata-se de um grande monstro em forma

de serpente, que perambula pelos rios e águas do Pantanal, virando as canoas, devorando os

pescadores, levantando grandes ondas e desmoronando barrancos do rio.

É um mito que se perpetua no imaginário do barranqueiro, sendo a lenda mais conhecida em todo o Estado do Mato Grosso. Alguns descrevem o Minhocão como uma serpente descomunal com olhos esbugalhados e luminosos. Diz a lenda, que planava sobre as calmas águas, num silêncio profundo com sua cabeça alta parecendo à proa de um barco. Seus olhos pareciam dois faróis a luminar seus caminhos. O monstro ao encurralar sua presa soltava um gemido ensurdecedor e apavorante capaz de paralisar a presa por alguns instantes, tempo suficiente para saboreá-la. Tão logo saciado, saracoteava a cauda espanando as águas ou seu redor formando ondas gigantescas capazes de solaparem encostas, devastando margens (GARCIA-WATANABE, 2006, p.33).

O Minhocão, a exemplo do Negrinho d’água, também possui um poder

sobrenatural mais amplo que o possibilita transformar-se, por um processo de metamorfose,

em outras coisas. No primeiro estágio, deixa a forma serpente e transforma-se em um jacá. O

13 BERKES, F.: COLDING, J. e FOLKE, C. Rediscovery of traditional ecological knowledge as adaptive management. In: BERKES, F. & FOLKE, C. Linking Social and Ecological Systems - Management Practices and Social Mechanisms for Building Resiliense. Cambridge University Press, 1998.

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jacá é uma espécie de cesto grande colocado dentro do rio, metade dentro da água e metade

fora. Esse utensílio tem a função, como uma gaiola, de guardar os peixes pescados vivos por

alguns dias até que o pescador os coma ou venda. Nessa fase pode ser confundido com um

“batelão” virado (trata-se de uma canoa grande, geralmente de fabricação artesanal, muito

utilizada pelos pescadores para a pesca e meio de locomoção). O mito do Minhocão, mesmo

em sua metamorfose em jacá e em seu disfarce em batelão, está inteiramente inserido no

contexto pantaneiro num jogo de familiaridade e cotidiano, uma vez que esses objetos, jacá e

batelão, são parte do dia a dia da vida pantaneira (MATO GROSSO, 2004). Como em outras

regiões do Brasil, na Comunidade da Barra são difundidos os mitos do “Caipora/Curupira”;

“Saci-Pererê”; “Mãe da Mata/Boitatá”; “Pé-de-Garrafa”, entre outros14.

1.3.5 A Extensão Escolar São Lourenço

A Escola São Lourenço, uma das Extensões das Escolas das Águas, foi criada

para atender a reivindicação da comunidade local, que entendia a necessidade de suas crianças

estudarem sem que para isso tivessem de deixar o convívio com seus familiares. Antes da

criação da Extensão, as crianças em idade escolar tinham duas opções, estudar em Corumbá,

cidade mais próxima da comunidade, ou na Extensão Paraguai-Mirim, que na época já

ultrapassava o limite máximo de alunos.

Assim, foi criada a Escola Municipal Rural Polo – Extensão São Lourenço, no

ano de 2005. A princípio uma escola muito simples, com uma estrutura básica, apenas uma

sala de aula, cozinha, banheiro e dormitório. Em oito anos a escola ampliou suas instalações

trazendo mais conforto e segurança para professores e alunos, melhorando a infraestrutura

pedagógica, incluindo a aquisição de livros e recursos tecnológicos.

A Extensão São Lourenço, hoje, atende cerca de 40 alunos, do 1° ao 8° ano, em

salas de aulas multisseriadas. Em uma sala ficam os alunos do 1° ao 5° ano, com idade entre

seis e 18 anos; em outra ficam os alunos do 6° ao 8° ano, com idade entre 13 e 22 anos. São

14 Os mitos e as lendas são aspectos da cultura dos ribeirinhos do pantanal que merecem ser aprofundados. Certamente eles exercem um papel importante na conservação da sua tradição. Não é objeto deste trabalho esse aprofundamento. Pesquisas como esse enfoque, como por exemplo, as de Mário Cezar Silva Leite “A Poética do Sobre natural o Homem Ribeirinho: o Minhocão” e “Águas Encantadas de Chacororé: Paisagens e Mitos do Pantanal”; Ivan Cesar Corrêa do Belém em “Mitos pantaneiros e africanos nos círculos de aprendizagens ambientais”; Dolores Aparecida Garcia-Watanabe em “Águas Pantaneiras nos ritos, mitos e gritos da educação ambiental”; Álvaro Banducci Júnior em “Sociedade e Natureza no Pensamento Pantaneiro: representação de mundo e o sobrenatural entre os peões das fazendas de gado na Nhecolândia”, entre outros.

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12 alunos alojados, sendo cinco meninas e sete meninos. Há uma rotina para os alunos

internos, eles colaboram para manter o alojamento limpo e organizado.

A equipe da escola é composta por três professores, duas têm formação em

pedagogia e um em educação física. Uma professora é responsável pelos anos iniciais do

ensino fundamental e os outros dois pelos anos finais. Há também uma merendeira, um

piloteiro e um zelador.

A estrutura da escola é a seguinte: duas salas de aula, uma brinquedoteca15, uma

sala de informática com quatro computadores (desatualizados), TV, DVD, acesso à internet

via satélite, além de dois dormitórios, uma cozinha, três banheiros e um pequeno espaço de

convivência para os internos (Figura 7).

Figura 7: Mosaico representando a estrutura física da Extensão São Lourenço. Fonte: Acervo da pesquisadora

A Extensão está equipada com um grupo-gerador a diesel (há horários agendados

para sua utilização), água tratada localmente e um barco-escola que faz o transporte dos

alunos.

Os alunos do 1° ao 5° anos ficam na escola até às 15 horas. Isso porque, a partir

de 2013, a escola passou a seguir a matriz curricular da escola integral. Nos anos anteriores,

os alunos também permaneciam na escola nos dois períodos, mas essa situação era decorrente

da jornada ampliada oferecida pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). A

diferença entre esses dois momentos está nas disciplinas ofertadas: no período do PETI os

15 A brinquedoteca foi inaugurada em 2013, e construída por um projeto financiado pela Fundação Telefônica Vivo e executado pela ONG Ecoa-Ecologia e Ação e pelo Instituto Acaia, uma organização sem fins lucrativos que administra junto com a Secretaria de Educação de Corumbá a Extensão Escolar Jatobazinho.

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alunos permaneciam na escola para aulas de reforço ou oficinas de artesanato; com a Escola

Integral eles cursam outras disciplinas nesse horário como Formação Cidadã, Identidade da

Autonomia, Juventude em Ação e Projeto Pesquisa.

Quanto ao calendário escolar, a escola possui uma flexibilidade, a exemplo do que

ocorre com diversas escolas da área rural. Como há alunos e professores alojados (dois

professores residem na escola e uma professora mora na comunidade), a cada final de

bimestre há uma pausa de sete ou 15 dias no trabalho na escola. Nesse período os alojados e

os professores retornam para suas casas.

Esta flexibilidade de alterar o período escolar de estudos é importante para atender

as peculiaridades locais, inclusive as relativas ao clima que dificultam o acesso e a frequência

regular dos alunos à escola, como no período das cheias quando algumas extensões ficam

inundadas. Assim, em 2011, a escola ficou fechada por cerca de dois meses, porque a cheia do

rio Paraguai fez a margem chegar à porta da escola. Com as águas mais baixas todos

retornam, um novo calendário é organizado para repor as aulas e continuar o ano letivo.

Quanto às diretrizes pedagógicas, a Extensão São Lourenço, desde a sua criação

em 2005, até 2012, seguiu as orientações do Programa da Escola Ativa (PEA). A partir de

2013 vigoram nessa escola as orientações do programa Pronacampo16.

O Programa Escola Ativa (PEA), uma iniciativa do Ministério da Educação

voltada aos anos iniciais do Ensino Fundamental, especificamente as classes multisseriadas do

campo. Entre as principais diretrizes desse Programa estão a implantação de recursos

pedagógicos que estimulem a construção do conhecimento do aluno e também a capacitação

permanente dos professores. O Programa foi implementado no Brasil a partir de 1997, no

marco de um convênio com o Banco Mundial.

Já o Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo), criado em 2012,

tem como objetivo oferecer apoio técnico e financeiro para implementação da política de

educação do campo17. Os investimentos serão feitos na gestão e práticas pedagógicas,

16 Das Extensões escolares, a única que difere quanto às orientações é a Jatobazinho que segue a da Fundação Bradesco. 17 As Constituições brasileiras anteriores à atual nunca se referiram à educação rural como uma forma específica de trabalhar na sala de aula, valorizando diferenças étnicas e culturais, o trabalho agrícola e a vida da população do campo. Somente a Constituição de 1988, no seu artigo 212, proclama a educação como "direito de todos e dever do Estado", transformando-a assim, em direito público subjetivo e independentemente de se residir na área urbana ou rural (BRASIL, 1988). Movimentos sociais da década de 90 reivindicaram uma Educação do Campo, na qual se buscasse a melhoria das condições de vida da população rural, isto é, uma educação voltada aos interesses da vida no campo. Em 2002, o Movimento pela Educação do Campo conquista aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (BRASIL, 2002). A Educação do Campo é alvo de diversas críticas. Em geral, as pesquisas apontam que ela ainda é tratada com algo periférico no contexto das políticas pública educacionais. O estudo de Pinheiro (2007, p.12) mostra que os sujeitos sociais do

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formação de professores, educação de jovens e adultos e educação profissional e tecnológica.

Com base nessas ações o Programa pretende ampliar o acesso e a qualificação da oferta da

educação básica e superior, investir na formação inicial e continuada de professores, produzir

e disponibilizar material específico aos estudantes do campo e quilombola, em todas as etapas

e modalidades de ensino.

Os alunos da Extensão Escolar São Lourenço são pessoas que possuem uma

cultura diferenciada em relação ao meio urbano, com características bastante relacionadas

com o ambiente natural em que vivem. As especificidades do local fizeram com que as

famílias que vivem às margens dos rios pantaneiros desenvolvessem conhecimentos que

permitissem a sobrevivência naquele ambiente. Mesmo estando longe da cidade, a

comunidade da Barra do São Lourenço tem relações com a cultura urbana, e cada vez mais se

nota a inserção das tecnologias, muitas vezes trazidas pela própria escola. A comunidade de

hoje, portanto, incorpora ao conjunto de saberes da sua tradição, os saberes e práticas

produzidos pela ciência moderna ou por outras pessoas que se relacionaram com os

moradores locais.

Entendo que a escola, inserida nesse contexto, precisa promover o diálogo entre

os saberes dessas diferentes culturas. No próximo capítulo, apresento algumas teorizações

com a finalidade de fundamentar essa convicção e auxiliar na análise dos dados obtidos nesta

pesquisa.

campo também “almejam uma escola, não só para ler, escrever e contar, mas para se profissionalizar a partir de uma formação que não renegue uma cultura para sobrepor outra”. Assim, poderiam ter condições de ter uma carreira e escolher se irão permanecer no campo ou na cidade. A pesquisadora chama atenção para o fato de que a educação no campo “urbanizou-se, mas não com as mesmas oportunidades”. Nas comunidades é oferecido o ensino fundamental, mas com condições físicas e pedagógicas precárias.

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CAPÍTULO II - SABERES LOCAIS E O CURRÍCULO ESCOLAR

Uma temática que tem merecido a atenção dos estudiosos do campo educacional é

a questão da cultura como elemento central nas discussões acerca do currículo escolar.

Coloca-se em relevo, na atualidade, a problemática da hegemonia, no currículo escolar, dos

conhecimentos científicos ditos “universais”, os quais, na verdade, representam apenas um

tipo de saber produzido em uma determinada cultura, na lógica ocidental eurocêntrica,

herdeira da racionalidade da ciência moderna.

Entendendo o currículo como um campo de disputas no qual as relações de poder

determinam quais saberes são considerados legítimos ou não, pode-se pensar na possibilidade

de a escola abrir espaços a outros saberes, produzidos por outras culturas, cuja validade tem

sido colocada à prova ao longo dos anos, mas que foram historicamente silenciados e

subalternizados pelo colonizador.

Nesse sentido, sem negar a importância desses conhecimentos e nem o

conhecimento científico ocidental, propõe-se a ideia de um currículo que contemple a

diversidade dos saberes produzidos por diferentes culturas e se promova o diálogo entre eles.

Assim, a sala de aula se constituiria um local de diálogo entre pessoas diferentes que trazem

consigo saberes diversos que poderiam ser valorizados e partilhados entre todos. Essa não é

uma tarefa fácil. Ao contrário, é complexa e conflituosa.

Para empreendermos esforços nesse sentido, é preciso aprofundarmos estudos

acerca das especificidades dos saberes produzidos por outras culturas. Além disso, é preciso

nos fundamentarmos acerca das teorizações que discutem a correlação entre currículo, cultura

e relações de poder e defendem a inserção de outros saberes na escola, em especial os

produzidos por grupos culturais subalternizados.

É exatamente essa a intenção deste capítulo. Nele serão abordadas questões

relacionadas às comunidades tradicionais e os saberes locais e as concepções que discutem o

multiculturalismo no currículo escolar.

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2.1 Conceituando comunidades tradicionais

No Brasil, o Decreto n.° 6.040, de 7 de 2007, refere-se ao termo populações

tradicionais como povos ou comunidades tradicionais, os quais são definidos pelo Artigo 3°

como:

Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (BRASIL, 2007).

Diegues (2000a, p. 22) utiliza a noção de “sociedades tradicionais” para se referir

a grupos humanos que se diferem culturalmente das sociedades urbano-industrial, possuem

um modo de vida, de forma mais ou menos isolada, “com base em modos de cooperação

social e formas específicas de relações com a natureza, caracterizadas tradicionalmente pelo

manejo sustentado do meio ambiente”. Essa noção pode ser atribuída tanto a povos indígenas

quanto a outras populações que desenvolveram modos particulares de existência em um

ambiente específico.

O termo “populações tradicionais” não possui um conceito consensual. Uma das

razões para esse fato são os diferentes interesses que estão relacionados “às políticas

ambientais, territoriais e tecnológica”, como apontam Pereira e Diegues (2010, p.39).

O cientista social Mauro Almeida (2009) afirma que o termo é “propositalmente

abrangente”, porém, as diferenças de pensamentos em relação ao significado de populações

tradicionais não devem ser entendidas como uma “confusão conceitual”. Se a definição for

embasada somente pela “adesão à tradição seria contraditório com os conhecimentos

antropológicos atuais”. E eleger que são populações ecologicamente sustentáveis, “seria mera

tautologia” (ALMEIDA, 2009, p.278). Para a autora, há um consenso que as populações

tradicionais possuem características comuns, mas também há diferenças que tornam cada

povo único.

Nessa linha de pensamento, podem ser elencados alguns critérios para

considerar/denominar um determinado conjunto de pessoas como uma população ou

comunidade tradicional.

O relatório “Os Saberes Tradicionais e a biodiversidade no Brasil”, organizado

por Diegues (2000a), cita como exemplos de populações tradicionais as comunidades

caiçaras, as comunidades quilombolas, as comunidades ribeirinhas, os pescadores artesanais,

os grupos extrativistas e indígenas. Para o autor, um dos critérios mais importantes para a

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definição de culturas ou comunidades tradicionais, além do modo de vida, é o reconhecer-se

como pertencente aquele grupo social particular (grifo do autor).

Um aspecto relevante na definição dessas culturas tradicionais é a existência de sistema de manejo dos recursos naturais marcados pelo respeito aos ciclos naturais, e pelo uso dentro da capacidade de recuperação das espécies de animais e plantas utilizadas. Esses sistemas tradicionais de manejo não são somente formas de exploração econômica dos recursos naturais, mas revelam a existência de um complexo de conhecimentos adquiridos pela tradição herdada dos mais velhos, por intermédio de mitos e símbolos que levam à manutenção e ao uso sustentado dos ecossistemas naturais. (DIEGUES, 2000a, p. 23).

A transmissão oral como mecanismo de difusão de conhecimentos e práticas é

uma particularidade das comunidades tradicionais (PEREIRA; DIEGUES, 2010, p.40). Os

autores citam Lenclud (1994)18 para afirmar que “conhecimentos, valores, linguagens,

representações, visões do mundo e práticas são transmitidos entre os sujeitos” via oralidade

“permitindo a continuidade do tempo passado no tempo presente”. Também se baseiam em

Becquelin (1992)19 para dizer que a “transmissão oral envolve outros processos durante seu

desenvolvimento, tais como a interpretação e a construção de ações constantes, o que garante

a transformação do conteúdo propagado”. (PEREIRA; DIEGUES, 2010, p. 41).

Outra característica das populações tradicionais referida por Cunha (1999) está

relacionada às condições de conservação da natureza. Elas enxergam o ambiente natural não

como um “recurso natural”, mas sim como seres que tem um valor simbólico que integram

uma complexa cosmologia (DIEGUES, 2000a).

Essas populações “são grupos que conquistaram ou estão lutando para conquistar

(prática ou simbolicamente) uma identidade pública conservacionista”. (ALMEIDA, 2009, p.

300), com algumas características:

[...] uso de técnicas ambientais de baixo impacto, formas equitativas de organização social, presença de instituições com legitimidade para fazer cumprir suas leis, liderança local e, por fim, traços culturais que são seletivamente reafirmados e reelaborados.

Considerando essas definições e características da população/comunidade

tradicional, bem como as descrições do lugar desta pesquisa apresentadas no capítulo anterior,

utilizarei indistintamente os termos “população’ ou “comunidade tradicional” ao remeter aos

18 LENCLUD, G. Qu’est ce que la tradition? In: DETIENNE, M. Transcrire les mythologies. Paris: AlbinMiche, p. 25-43, 1994. 19 BECQUELIN, A. Temps du récit, temps de l’oubli. In: La mémoire de la tradition. Paris: Société d’Ethnologie, p. 21-50, 1992.

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habitantes da comunidade da Barra do São Lourenço, incluindo os alunos, sujeitos desta

pesquisa, que ali residem e que frequentam a Escola. O termo população/comunidade

tradicional foi considerado adequado ao contexto desta pesquisa, uma vez que as pessoas que

moram na Barra se reconhecem e se denominam como membros de comunidades ribeirinhas e

apresentam as diversas características de uma comunidade tradicional: a compreensão e o

respeito pelos ciclos da natureza, uma forte relação com o ambiente natural, a realização do

manejo sustentável dos recursos naturais, além da transmissão dos seus saberes para os mais

jovens por meio da oralidade.

2.2 O Saber Local

Desde o surgimento da espécie humana, a relação do ser humano com a

natureza promove a construção de um conhecimento. Ao tentar dominar a natureza para sua

sobrevivência, o ser humano foi aprendendo, por meio de acertos e erros, e assim produzindo

saberes que foram se acumulando.

As populações tradicionais desenvolveram muitos conhecimentos ao longo de

sua história de relação com o ambiente natural, superando os desafios do cotidiano, buscando

compreender e aprender com o que está ao seu redor. Esse conhecimento é referenciado na

literatura como “conhecimento tradicional”.

Essa expressão começou aparecer com mais destaque nos últimos trinta anos,

devido à crescente preocupação da humanidade com a conservação da natureza. Dentro deste

contexto, as comunidades tradicionais passaram a ser consideradas importantes atores

responsáveis pela proteção do ambiente natural, uma vez que são detentoras de um saber

específico acerca do lugar onde vivem.

Alguns consideram que as culturas e os saberes tradicionais podem contribuir para a manutenção da biodiversidade dos ecossistemas. Em numerosas situações, na verdade, esses saberes são o resultado de uma co-evolução entre as sociedades e seus ambientes naturais, o que permitiu a conservação de um equilíbrio entre ambos. (DIEGUES, 2000b, p.38).

O conhecimento tradicional é associado, erroneamente, pela maioria das pessoas,

a um conhecimento antigo, estático, genuíno, puro (sem mistura), ou seja, um patrimônio

intelectual imutável, quando na verdade com o passar do tempo sofre modificações e

renovações.

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Cunha (1999) discorda dessa ideia e entende o termo “tradicional” como sendo o

processo, o modo como o saber é usado e adquirido, e não o produto ou as informações

geradas. Para a antropóloga, o conhecimento tradicional, assim como o conhecimento

científico, é uma obra aberta, inacabada e que se faz constantemente.

Esses saberes não podem ser entendidos separados de suas identidades,

organização social, sistemas de valores, enfim de sua visão cosmológica (CUNHA, 1999).

Para Diegues (2000a, p.30) o conhecimento tradicional é o conjunto de “saberes e saber-

fazer” próprios dessas populações a respeito do mundo natural, sobrenatural, transmitido

oralmente de geração em geração. “Para muitas dessas sociedades, sobretudo para as

indígenas, existe uma interligação orgânica entre o mundo natural, o sobrenatural e a

organização social”.

Com base em Becquelin (1992), Ellen (1997)20, Toledo (2001)21 e Mello (2008)22,

os autores Pereira e Diegues (2010, p. 42) consideram que os conhecimentos tradicionais não

podem ser limitados ao conteúdo, “bem como o processo de transmissão não pode ser

entendido como um transporte de informações, pois ambos são dependentes do contexto no

qual se propagam”. Nessa perspectiva, os autores fazem a reflexão de que os “conhecimentos

tradicionais devem ser interpretados a partir do contexto no qual foram produzidos”.

Os saberes tradicionais foram, ao longo dos últimos séculos, silenciados,

ignorados por não se enquadrarem dentro do paradigma dominante23 do conhecimento

científico do mundo natural. A visão de superioridade do colonizador compreendia esses

saberes como uma forma primitiva de pensar, isto é, um conhecimento apenas utilitário e

prático (CUNHA 1999; DIEGUES 2010 e ROUÉ 2000).

Lévi-Strauss (1989)24, em “O Pensamento Selvagem”, rebate essa ideia e mostra,

em sua pesquisa, que o conhecimento das populações indígenas demanda técnicas complexas

como, por exemplo, como utilizar raízes tóxicas em alimento. “Há uma atitude científica,

uma curiosidade assídua e alerta, uma vontade de conhecer pelo prazer de conhecer [...]”

(LÉVI-STRAUSS, 1989, apud DIEGUES, 2000, p.30). Nesse sentido, Diegues (2000a) cita

20 ELLEN, R. Indigenous Knowledge of Rainforest: Perception,Extraction and Conservation. University of Kent at Canterbury,1997. 21 TOLEDO, V. M. Indigenous Knowledge on Soils: an ethno ecological conceptualization. In: BARRERA-BASSOS, N.; ZINCK, J. A. Ethno ecology in a worldwide perspective: an annotated bibliography. Enschede: International Institute for Aerospace. Survey and Earth Sciences, 2000. p. 1-9. 22 MELLO, M. M. Mutações de olhar: as vias de dialogo entre o campo e o arquivo. Revista Sociedade e Cultura, v. 11, n.1, p. 41-49, 2008. 23 O termo paradigma dominante, conforme Boaventura de Souza Santos (1997), refere-se ao modelo de racionalidade criado pela ciência moderna, desenvolvido a partir da revolução científica do século XVI centrada no campo das ciências naturais. 24 LÉVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 1989.

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Michael Balick e Paul Cox (1996)25, que defendem a ideia da proximidade epistemológica

entre o conhecimento científico e o saber tradicional porque ambos se baseiam no empirismo.

Perrelli (2007, p. 219) menciona os estudos de Ellen e Harris (1996)26 ao afirmar

que o conhecimento científico se constituiu e absorveu diversos conhecimentos locais pré-

existentes: “[...] sabe-se que inúmeros inventários, diagnósticos, classificações, descrições,

técnicas de coleta etc., utilizados pela ciência e tecnologia ocidentais emanam do

conhecimento indígena”.

Para Cunha (1999), ao entendermos o tradicional como uma combinação de

pressupostos, formas de aprendizado, de pesquisa e de experimentação e não apenas como

conteúdos ancestrais específicos, a palavra tradicional passa a ser equivalente a local (grifos

da autora). Ainda na opinião da autora a expressão, além de englobar o saber tradicional ou o

saber indígena, causa menos confusão. Para a autora “a escolha dos termos não é fortuita.

Saber local, como qualquer saber, refere-se a um produto histórico que se reconstrói e se

modifica, e não a um patrimônio intelectual imutável, que se transmite de geração a geração”

(CUNHA, 1999, p. 156).

Roué (2000, p.74), referindo-se à etnoecologia, chama atenção para que se tenha

cuidado e não se cometa nenhum excesso acreditando na “perfeição dos saberes e práticas

locais. Os povos tradicionais estão longe de ter vivido sempre em harmonia com a natureza;

utilizaram, às vezes, seus recursos naturais de maneira abusiva”. Diegues (2000b, p. 41)

concorda e enfatiza a necessidade de “afastar a visão romântica pela qual as comunidades

tradicionais são vistas como conservacionistas natas” (grifo do autor).

Considerando essas reflexões, optei por utilizar ao longo desta pesquisa o termo

“saber local” sempre que me referir a um conhecimento de origem local, produzido por seus

habitantes num determinado espaço geográfico, a partir de suas experiências cotidianas com o

meio ambiente, das relações sociais e da religiosidade. São transmitidos oralmente, por meio

da imitação e da demonstração e sofrem modificações e renovações durante este processo, o

que torna esses saberes únicos.

É importante ressaltar, lembrando Boaventura Souza Santos (1997), que essa

localidade não se refere, apenas, ao espaço geográfico, mas sim aos discursos educativos

25 ANDERSON, A. Land use strategies for successful extractive economies. In: SIMPOSIO EXTRATIVE ECONOMIES IN TROPICAL COUNTRIES: a course for action. Proceedings.... Washingnton, Natural Wildlife Federation, 1989. 26 ELLEN, R.; HARRIS, H. Concepts of indigenous environmental knowledge in scientific and development studies literature: a critical assessment. In: EAST-WEST ENVIRONMENTAL LINKAGES NET WORKSHOP, 3, Proceedings... Canterbury, 1996. Mimeo.

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produzidos pelos sujeitos do grupo/comunidade. Importa também considerar a importância do

conhecimento tradicional na conservação ambiental, sem romantismos, como lembra Diegues

(2000b).

2.3 Saber Ambiental: uma nova racionalidade

Os saberes locais são discutidos por Enrique Leff em uma perspectiva que

defende uma nova racionalidade, sustentada por valores capazes de abrir o diálogo entre

distintos saberes. Para o autor, os conflitos socioambientais não podem ser resolvidos

“mediante uma administração científica da natureza”. Essa solução estaria na construção de

uma racionalidade ambiental que considera “valores, interesses e fins que não são imanentes à

racionalidade científica” (LEFF, 2007, p. 179), ou seja, é preciso envolver outros saberes além

do campo científico.

Essa nova concepção de racionalidade, segundo o autor, inclui novos princípios

teóricos e novas ferramentas que reformulam a gestão do uso dos recursos naturais pelo ser

humano.

Esta racionalidade está sustentada por valores (qualidade de vida, identidades culturais, sentidos da existência) que não aspiram a alcançar um status de cientificidade. Abre-se dessa forma um diálogo entre ciência e saber, entre tradição e modernidade. Este encontro de saberes implica processos de hibridação cultural (García Canclini, 1990), onde se revalorizam os conhecimentos indígenas e os saberes populares produzidos por diferentes culturas em sua coevolução com a natureza. (LEFF, 2007, p. 168-169)

Para configurar essa nova racionalidade social, com ressonâncias no campo da

produção e do conhecimento, da política e das práticas educativas, Enrique Leff (2007)

propõe três pilares teóricos: a racionalidade ambiental, o saber ambiental e o diálogo dos

saberes.

A construção de uma nova racionalidade ambiental implica, segundo o autor, ter

uma visão diferenciada do ambiente. Ele deixa de ser um meio biológico para ser uma

“categoria sociológica, relativa a uma racionalidade social configurada por comportamentos,

valores e saberes, bem como por novos potenciais produtivos”. Ou seja, o próprio ambiente

estabelece limites e “formas de exploração, condicionando os processos de valorização

acumulação e reprodução do capital” (LEFF, 2007, p.160).

Nesta linha de pensamento, Leff (2011) assinala a importância da construção de

um saber ambiental amplo, que além de considerar as formas de objetivação do ser e do

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conhecer, também se aproprie da subjetividade da realidade. O saber ambiental, segundo o

autor, é um saber composto de identidades coletivas que dão sentido a racionalidades e

práticas culturais diferenciadas.

O saber ambiental reconhece as identidades dos povos, suas cosmologias e seus saberes tradicionais como parte de suas formas culturais de apropriação de seu patrimônio de recursos naturais. [...] Emergem daí novas formas de subjetividade na produção de saberes, na definição de sentidos da existência e na qualidade de vida dos indivíduos, em diversos contextos culturais. Neste sentido, mais que reforço da racionalidade científica prevalecente, o saber ambiental impulsiona novas estratégias conceituais para construir uma racionalidade social. (LEFF, 2007, p.169).

O saber ambiental busca o que as ciências ignoram, ele “ultrapassa o campo da

racionalidade científica e da objetividade do conhecimento”. É um saber que emerge de novos

conceitos e propõe a “revalorização de um conjunto de saberes sem pretensão de

cientificidade”. (LEFF, 2007, p. 168).

Leff (2007, p.163) ressalta que o saber ambiental está em processo de construção

e ainda não tem uma “‘dimensão’ neutra e homogênea para ser assimilada pelos paradigmas

atuais de conhecimento. Pelo contrário, o saber ambiental depende do contexto ecológico e

sociocultural no qual emerge e se aplica”. Esta característica gera conceitos e métodos

diferenciados quando relacionados aos diferentes campos do conhecimento científico. Este

“processo vai-se definindo o ‘ambiental’ de cada ciência centrada em seu objeto de

conhecimento que leva a sua transformação para internalizar o saber ambiental que emerge

em seu entorno”, resultando em uma “articulação interdisciplinar do saber ambiental.”

A concepção do saber ambiental, apresentada por Leff (2007), promove a

revalorização das identidades culturais e das práticas tradicionais e abre um diálogo entre

conhecimento e saber no encontro do tradicional com o moderno, ou seja, reconhece a

identidade de cada povo.

O saber ambiental levanta a questão da diversidade cultural no conhecimento da realidade, mas também o problema da apropriação de conhecimentos e saberes dentro de diferentes ordens culturais e identidades étnicas. O saber ambiental não só gera um conhecimento científico mais objetivo e abrangente, mas também produz novas significações sociais novas formas de subjetividade e de posicionamento diante do mundo. (LEFF, 2011, p. 231)

A proposta de Leff é, portanto, reconhecer o valor dos saberes locais na

construção de um “novo” conhecimento – o saber ambiental – abrindo o diálogo do

conhecimento científico com os saberes organizados pela cultura, em um movimento contínuo

de atualização e renovação. O autor ressalta que o diálogo de saberes não desconhece e nem

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abandona a potência do conhecimento gerado pelas ciências, mas enfatiza o reconhecimento

dos saberes que legitimados em outras matrizes de racionalidade.

O diálogo de saberes ao qual convoca a complexidade ambiental não é um relativismo e um ecletismo epistemológico, mas o encontro de tradições e formas de conhecimento legitimadas por diferentes matrizes de racionalidade, por saberes arraigados em identidades próprias que não só entram em jogo num processo de tomada de decisões, mas que ‘se hibridam’ na co-determinação de processos materiais. [...]. Nas sociedades tradicionais, a natureza foi conservada e transformada através de formas culturais de valorização e de significação, de maneira que a evolução biológica foi ‘guiada’ pela intervenção do homem na seleção das espécies – maneira que é mais próprio falar de uma coevolução ecológico-cultural orientada por saberes e práticas tradicionais -; hoje a vida está sendo intervinda – determinada – pela tecnologia e pela economia. (LEFF, 2007, p.180)

Na área da educação ambiental, verifica-se a fecundidade do pensamento de

Leff com o conceito de saber ambiental fundamentando discussões sobre a relação entre

educação ambiental e mudança social e na defesa de uma educação ambiental integradora,

que respeita e dialoga com as múltiplas realidades e diferentes visões de mundo27.

Concebendo a importância do diálogo entre os saberes locais e os produzidos

pelas ciências ocidentais, e admitindo que a escola pode propiciar essa interação por meio do

currículo, diversos teóricos da área da educação argumentam nessa direção, como veremos

seguir.

2.4 O currículo escolar: diferentes olhares

O currículo que predomina hoje nas escolas é um currículo de matriz eurocêntrica

que valoriza e entende como legítimos apenas os conhecimentos produzidos pela ciência

ocidental. Essa questão vem sendo debatida nas últimas décadas quando se começa a

compreender que a construção do currículo escolar não é neutra, imparcial, desinteressada.

Silva (2004) apresenta três correntes teóricas sobre o que se concebe como

currículo: as tradicionais, as críticas e pós-críticas.

27 Boeira (2002, p.3) faz críticas a algumas construções teóricas de Leff presentes na obra “Saber Ambiental”. Chama atenção para os conceitos racionalidade ambiental e saber ambiental, sinalizando que falta uma clara distinção entre estes. O crítico também aponta que as abordagens da teoria geral dos sistemas de Bertalanffy e do paradigma da complexidade de Morin, utilizados com frequência por Leff, não apresentam aprofundamento conceitual necessário. Tais críticas, na minha compreensão, não diminuem o potencial do conceito de “saber ambiental” com o qual opero neste trabalho. Trago-o como uma ideia que se soma ao pensamento daqueles que defendem a possibilidade de diálogo entre distintos saberes, de modo a construir um novo conhecimento que promova melhores relações das pessoas entre si e o meio em que vivem.

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De forma breve, pode-se dizer que as teorias tradicionais do currículo atrelam essa

ideia a um saber técnico, isto é “o quê?” e “como?” são os saberes e conhecimentos mais

relevantes. Nesse modelo teórico, o conhecimento existente é considerado como um dado,

inquestionável, no âmbito da sua validade epistemológica.

Já as teorias críticas e pós-críticas estão “preocupadas com as conexões entre

saber, identidade e poder”. Para Silva (2004, p. 16),

É precisamente a questão do poder que vai separar as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas do currículo. As teorias tradicionais pretendem ser apenas isso: “teorias” neutras, científicas, desinteressadas. As teorias críticas e as teorias pós-críticas, em contraste, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que está, inevitavelmente, implicada em relações de poder. (SILVA, 2004, p.16).

Essas teorias não estão limitadas a duas perguntas, como a teoria tradicional, elas

vão além do tecnicismo buscando questionar o “por quê?’. “Por que esse conhecimento e não

outro? Quais interesses fazem com que esse conhecimento e não outro esteja no currículo?

Por que privilegiar um determinado tipo de identidade ou subjetividade e não outro?” (SILVA,

2004, p.17).

Currículo e poder são os pilares que sustentam as teorias críticas da qual Michael

Apple é um dos teóricos mais referenciados. Para o autor, “O currículo e as questões

educacionais mais genéricas sempre estiveram atrelados à história dos conflitos de classes,

raça, sexo e religião, tanto nos Estados Unidos quanto em outros países”. (APPLE, 2000,

p.39).

Na análise de Apple, a questão não é saber qual conhecimento tem validade

epistemológica, qual é verdadeiro, mas qual é considerado verdadeiro. Nesse sentido, Apple

propõe a indagação de como certos conhecimentos, e não outros, são considerados como

legítimos (SILVA, p.46 e 47).

[...] a decisão de se definir o conhecimento de alguns grupos como digno de ser transmitido às gerações futuras, enquanto a história e a cultura de outros mal veem a luz do dia, revela algo extremamente importante acerca de quem detém o poder na sociedade. [...]. (APPLE, 2000, p. 42)

Ao estabelecer conexões entre o currículo, o saber e o poder é possível considerar

o currículo como:

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Um artefato social e cultural. Isso significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua historia, de sua produção contextual. O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. (MOREIRA e SILVA, 2000, p. 7-8).

Nessa perspectiva, não se pode compreender o currículo e, por sua vez, não se

pode transformá-lo, se não questionarmos as suas conexões com relações de poder. É preciso

perguntar:

Como as formas de divisão da sociedade afetam o currículo? [...] Qual conhecimento – de quem – é privilegiado no currículo? Quais grupos se beneficiam e quais grupos são prejudicados pela forma como o currículo está organizado? Como se formam resistências e oposições ao currículo oficial? (SILVA, 2004, p.49)

Nessa direção, argumentam Giroux e Simon (2000):

[...] As escolas são formas sociais que ampliam as capacidades humanas, a fim de habilitar as pessoas a intervir na formação de suas próprias subjetividades e a serem capazes de exercer poder com vistas a transformar as condições ideológicas e materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento do poder social e demonstrem as possibilidades da democracia. [...] Nas escolas, os significados são produzidos pela construção de formas de poder, experiências e identidades que precisam ser analisadas em seu sentido político-cultural mais amplo. (GIROUX e SIMON, 2000, p.95 e 96).

As conexões entre saber, identidade e poder na concepção de currículo trouxeram

importantes contribuições à educação, formulando questionamentos que desvelaram as

relações de poder, os interesses particulares, as ideologias como condicionantes do currículo

escolar.

Na perspectiva pós-crítica, a questão do poder continua importante no currículo,

mas encontra-se descentrado, isto é, espalhado por toda a rede social, ampliado para incluir os

processos de dominação centrado na etnia, gênero e sexualidade. O currículo é concebido a

partir do discurso, de códigos de significados do qual ficaram a margem muitas histórias e

muitas vozes foram silenciadas. A análise pós-crítica do currículo, ao invés de preocupar-se

com o conceito de verdade, questiona como algo se tornou verdade. Questiona, por exemplo,

como os conhecimentos científicos foram legitimados, enquanto outros foram desvalorizados.

Dado que o objeto desta pesquisa guarda estreita relação com a questão

multicultural, convém aprofundar um pouco mais a compreensão desse conceito e articulá-lo

como o currículo escolar na perspectiva pós-crítica.

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Há diferentes concepções e vertentes sobre multiculturalismo. Utilizo, neste

estudo, abordagem apresentada por Peter McLaren (2000). Ancorado na pedagogia crítica, o

autor agrupa em quatro grandes tendências as concepções de multiculturalismo:

multiculturalismo conservador; o multiculturalismo humanista liberal; o multiculturalismo

liberal de esquerda e o multiculturalismo crítico.

O multiculturalismo conservador abusa da ideia de diversidade para sustentar a

posição superior da branquidade, considerando as demais etnias como agregados sem

qualquer valor cultural, o outro é considerado como selvagem e primitivo e inferior,

resultando no domínio e exploração de uma cultura sobre as demais.

O multiculturalismo humanista liberal tenta convencer que existe uma igualdade

natural entre os homens e mulheres. Argumenta que não há a desigualdade entre as culturas e

sim uma falta de oportunidades sociais ou educativas e que essas restrições podem ser

modificadas e reformadas com a finalidade de se alcançar uma igualdade.

Já o multiculturalismo liberal de esquerda se opõe a este pensamento. Defende a

pluralidade cultural, ao mesmo tempo em que afirma que há desigualdade entre raças. Porém,

ignora por completo o contexto histórico e cultural e “trata a diferença como uma essência”,

retirando todo o significado político e cultural (MCLAREN, 2000, p. 120).

O multiculturalismo crítico, ou também denominado como multiculturalismo

revolucionário, vê a cultura de maneira conflituosa, desarmônica e sem consenso. Entende

que todos devem ter uma vida digna independente das diferenças e busca a transformação

social. “Enfatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e institucionais

nas quais os significados são gerados”. (MCLAREN, 2000, p. 123). Para o autor:

A perspectiva que estou chamando de multiculturalismo crítico compreende a representação de raça, classe e gênero como o resultado de lutas sociais mais amplas sobre signos e significações e, neste sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e o deslocamento metafórico como forma de resistência (como no caso do multiculturalismo liberal de esquerda), mas enfatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais os significados são gerados. (MCLAREN, 2000, p. 123).

McLaren entende que as diferenças são resultados dos processos históricos, de

ideologias e relações de poder e, dessa maneira, mobilizam processos políticos e sociais.

(CANDAU, 2005). Com essa percepção, ele vê o educador como um agente revolucionário,

que “deve trabalhar na perspectiva de construção da democracia inserida em uma política

crítica e de compromisso com a justiça social”. (SILVA, 2003, p.37).

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Trazendo a questão do aluno e sua cultura na perspectiva do multiculturalismo, a

abordagem de James Banks (1999)28 sobre a diferença cultural lança algumas luzes para

compreender a cultura do aluno no currículo escolar.

Segundo o autor, a cultura dos alunos possui linguagens, valores, símbolos

diferentes da escolar, e as relações entre elas não podem ser analisadas a partir de uma visão

hierárquica. “O que precisa ser mudado não é a cultura do aluno, mas a cultura da escola, que

é construída com base em um único modelo cultural, o hegemônico, apresentando um caráter

monocultural”. (CANDAU, 2005, p.26). Nessa perspectiva, a principal finalidade da

educação é:

favorecer que todos os estudantes desenvolvam “habilidades, atitudes e conhecimentos necessários para atuar no contexto da sua própria cultura étnica, no da cultura dominante, assim como para interagir com outras culturas e situar-se em contextos diferentes dos de sua origem (BANKS, 1999 apud CANDAU, 2005, p.26)

A educação multicultural deve ser entendida como um conceito complexo e

multidimensional e não apenas como uma inclusão de “diferentes grupos étnicos no currículo,

ou a redução do preconceito, ou a celebração de festas relacionadas às diferentes culturas”.

Para a escola trabalhar em uma perspectiva multicultural deve integrá-la a uma proposta

macro e não em ações isoladas (CANDAU, 2005, p.27).

A concepção de multiculturalismo crítico e revolucionário de McLaren se

aproxima do conceito de interculturalidade no currículo. Essa concepção “orienta processos

que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas de

discriminação e desigualdade social”. A interculturalidade busca “promover relações

dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes,

trabalhando conflitos inerentes a essa realidade”. (CANDAU, 2005, p. 32).

Nessa perspectiva, de acordo com Silva (2003, p. 47), importa promover o

intercâmbio e a compreensão das diferentes culturas. “Fomentar a intercultura significa

superar de vez a assimilação e a coexistência passiva de uma diversidade de culturas para

desenvolver a autoestima, assim como o respeito e a compreensão aos outros”. Candau (2005,

p.35) entende essa questão como uma “educação para a negociação cultural”.

Azibeiro (2003) levanta um aspecto fundamental do diálogo entre culturas: o

reconhecimento as diferenças entre os saberes e valores e, sobretudo, a compreensão dos

contextos nos quais eles são gerados. Assim diz a autora:

28 BANKS, J. An introduction to multicultural education. 2. ed. Nova Jersey: Allyn and Bacon, 1999.

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Em vez de ser apenas um meio de transmissão dos saberes e valores da cultura dominante, a escola pode configurar seus processos educativos com base nas relações interculturais: a interação critica e dialógica se torna muito mais fecunda e educativa na medida em que as pessoas buscam compreender não só o que cada uma quer dizer, mas também os contextos culturais a partir dos quais seus atos e suas palavras adquirem significados (AZIBEIRO, 2003, p.87, grifo nosso)

2.5 A diversidade cultural no currículo escolar

A sociedade mundial está composta por diferentes culturas. Essa diversidade

cultural, cada vez mais presente nas diferentes sociedades, tem se cruzado, como apresenta

Candau (2005), com problemáticas de caráter político, social, econômico, artístico,

tecnológico, religioso e educativo. E no espaço escolar não é diferente. A escola não está

isenta desse processo e o professor está desafiado a desenvolver suas práticas pedagógicas em

uma sala de aula multicultural, com a presença de alunos de diferentes visões de mundo.

É neste universo complexo e dinâmico que a perspectiva intercultural da educação

busca formas de promover uma interação entre o saber escolar com os saberes sociais e

culturais dos alunos.

Candau (2005) apresenta algumas possibilidades de ações com a finalidade de

superar esse desafio e promover uma educação intercultural na perspectiva crítica e

emancipatória. São elas: desconstruir, articular, resgatar e promover.

Para a autora, a ação “desconstruir” está relacionada com a necessidade de ver a

nossa sociedade exatamente como ela é, com um caráter desigual, discriminador e racista. É

preciso questionar este perfil monocultural e etnocêntrico da escola e das políticas educativas

e, também, os critérios utilizados para selecionar e justificar os conteúdos escolares.

Em relação a ação “articular”, propõe-se trabalhar a igualdade e a diferença nas

políticas e nas práticas pedagógicas de maneira igualitária, beneficiando a todos. A ação de

“resgatar” está relacionada a recuperar os processos de construção das identidades culturais,

tanto no nível pessoal como no coletivo.

A ação de “promover” abrange diferentes aspectos, como a promoção de

experiências sistemática de interação com os “outros”; formular projetos/propostas que

promovam o diálogo e a construção entre as diferentes pessoas/grupos; reconstruir a dinâmica

educacional, ou seja, tais projetos não devem ser pontuais ou realizados em momentos

específicos e, principalmente, essas atividades devem promover o empoderamento dos

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sujeitos, orientando justamente, aqueles que tiveram menos poder na sociedade, ou seja,

menos influência nos processos coletivos (CANDAU, 2005).

Um estudo apresentado por Canen (1997) mostra que a diversidade cultural do

aluno é frequentemente ignorada nas práticas pedagógico-curriculares desenvolvidas pelos

professores. Tal fato aponta para a necessidade da formação de um professor criticamente

comprometido para compreender e valorizar a diversidade cultural dos seus alunos e

suficientemente competente para pautar sua ação pedagógica a partir deste universo cultural.

Para Candau (2001), a formação de professores para um contexto multicultural

deve ser aquela que prepara o professor para compreender que a diversidade existente na sala

de aula é um fator enriquecedor da prática pedagógica e não um obstáculo.

Canen e Xavier (2001) enfatizam a importância da formação de professores para

refletirem e atuarem com a diversidade cultural no contexto escolar. É uma oportunidade para

“abrir espaços que permitam a transformação da escola em um local em que as diferentes

identidades são respeitadas e valorizadas, consideradas fatores enriquecedores da cidadania".

Ainda pensando nas atribuições deste professor no contexto multicultural,

Zeichner (1993, p.86) ressalta que uma das funções é o de “facilitar a entrada, na sala de aula,

de elementos culturais que são relevantes para os alunos”. O autor assinala que, para o

professor construir essa ponte e reger as aulas seguindo o princípio da inclusão, é preciso que

tenha, entre outros saberes, o saber “sociocultural”, isto é, os conhecimentos acerca das

especificidades das culturas e particularidades dos seus alunos.

Concebendo a escola como lugar de possibilidade de diálogo entre culturas, numa

perspectiva ancorada nos conceitos apresentados neste capítulo - multiculturalismo crítico,

interculturalismo, o saber ambiental, delineei um caminho metodológico que pudesse dar voz

às crianças e aos adolescentes, alunos de uma Escola das Águas, e seus saberes tradicionais.

Identificados esses saberes, busquei compreender se Escola os valoriza e promove o diálogo

intercultural. Esse percurso será detalhado no capítulo a seguir.

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CAPÍTULO III - O PERCURSO DA PESQUISA

Apresentar os caminhos percorridos de uma pesquisa, dos mais tranquilos até os

mais turbulentos, é uma oportunidade de compartilhar os obstáculos superados e as

aprendizagens ao longo do percurso. Com esse objetivo descrevo neste capítulo a metodologia

utilizada na pesquisa, o porquê de algumas escolhas e direcionamentos, os momentos de

dificuldades e as dúvidas vivenciadas.

3.1 Viajando...

Pesquisar na Escola das Águas, no meio do Pantanal, não foi uma tarefa simples.

Chegar até lá, um lugar distante, só foi possível com o auxílio da equipe que compõe a

Organização Não Governamental ECOA - Ecologia e Ação. Sem esse apoio, a pesquisa seria

inviável, devido à dificuldade da logística e à precariedade dos serviços de transporte

oferecidos nos rios do Pantanal.

As viagens foram longas e cansativas, mas também divertidas. A equipe,

composta de profissionais de diferentes áreas de conhecimento, tais como biólogo, jornalista,

engenheiro, nunca era a mesma, o que enriquecia, ainda mais, as discussões em cada viagem.

O único membro da equipe que esteve em todas as viagens foi biólogo André Siqueira29,

responsável por toda a logística. Uma viagem dessas requer uma logística complexa e, por

isso, o planejamento deve ser muito detalhado.

É preciso comprar combustível para o barco e o gerador do Núcleo, e isso tem que

subir o rio de barco, antes do embarque da equipe, devido à carga de suporte do barco. Leva-

se combustível suficiente apenas para chegar ao ponto final (cerca de 150 litros de gasolina).

Também é necessário fazer compra de gêneros alimentícios para prover a equipe por quatro

ou cinco dias, além de galões de água para beber e cozinhar.

29 Andre Siqueira é presidente da ONG e coordena projeto para melhoria da qualidade de vida das comunidades pantaneiras, com enfoque na geração de renda e saúde.

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Ainda em Campo Grande era necessário enviar um recado pelo “Alô Pantanal”30,

avisando a dona Olinfa da chegada da nossa equipe (é ela quem prepara o Núcleo da Ecoa

para nossa chegada, e sempre nos recebe com alegria e panelas cheias). Para ir de Campo

Grande a Corumbá levávamos em média, cinco horas de viagem de carro, com uma parada

em Miranda. Em Corumbá, antes de partirmos em direção ao nosso destino, André fazia

vistoria no barco, verificava a lona, os coletes, conferia se a freteira tinha subido o rio com o

combustível e resolvia algumas pendências burocráticas.

Ao amanhecer, partíamos em direção à Serra do Amolar. Na maioria das vezes,

conseguíamos sair às seis da manhã do Porto Figueira, em Corumbá. Esse trajeto levava cerca

de cinco horas, considerando o motor do barco que anda a 60 km/h, se não estiver muito

pesado e também se não acontecer nenhum imprevisto. Quais seriam esses imprevistos?

Os imprevistos que vivenciei foram a chuva no caminho, o que fazia o piloteiro

diminuir a velocidade do motor e, consequentemente, prolongar a viagem. Também enfrentei

o vento sul31 que, quando foi muito forte, nos obrigou a atracar o barco na margem do rio.

Isso porque o vento provoca ondas no rio Paraguai que dificultam a navegação e trazem riscos

à segurança. Outro imprevisto, apesar de todas as precauções, foi a falha mecânica no motor

do barco. O piloteiro é um profissional muito importante nesta ocasião. Além de conhecer

todos os braços e baías do rio Paraguai, ele deve entender da mecânica do barco. Ter um

piloteiro responsável e de confiança é fundamental para viajar em segurança pelo Pantanal.

Em síntese, no total eram aproximadamente 10 horas de viagem, tendo um

pernoite em Corumbá. Fazíamos uma parada no meio do caminho, após duas horas e meia de

viagem, na Extensão Escolar do Paraguai-Mirim. Nessa parada aproveitávamos para

conversar com as professoras. Depois seguíamos viagem até o Núcleo da Ecoa, na Serra do

Amolar, que está a 30 minutos (barco) da comunidade da Barra do São Lourenço. Ali

descarregávamos o barco, organizávamos a casa e planejávamos a agenda no próximo dia.

Descansávamos e, no outro dia, pela manhã, seguíamos para a Extensão Escolar São

Lourenço, lugar de realização desta pesquisa.

A volta para casa era sempre mais tranquila. Saíamos, geralmente, às cinco horas

da manhã da Serra do Amolar. A descida do rio era mais rápida, levando em média quatro

30 Alô Pantanal é um programa de rádio utilizado pelos moradores da cidade de Corumbá para se comunicar com os moradores do Pantanal (ribeirinhos e peões). 31 Vento sul é o como os moradores do Pantanal sul denominam o forte vento que vem da Cordilheira dos Andes. O vento provoca fortes ondas no rio e faz a temperatura cair drasticamente. Geralmente chega de surpresa e altera a rotina dos ribeirinhos, pescadores e todos que precisam navegar pelo rio Paraguai.

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horas, caso não houvesse imprevistos. Almoçávamos em Corumbá e, logo em seguida,

partíamos para Campo Grande, chegando ao final do dia.

É preciso esclarecer que a viagem de cinco horas de barco não pode ser

comparada a cinco horas de carro. O barco é bem mais cansativo, pois não tem muito espaço

para acomodação, viaja-se sob o sol, vento ou chuva, e o barulho do motor dificulta a

conversa. Mas, apesar de cansativa, a paisagem é compensadora e sempre tem algo a nos

revelar e ensinar. A dinâmica das águas, a migração das aves, o florescer das árvores, o

comportamento da fauna fazem com que cada viagem ao Pantanal seja única.

Todo esse contexto, de uma forma ou outra, motivou a escolha do lugar desta

pesquisa. O Pantanal, a sua gente, a escola que ali se instalou, as relações que a comunidade

estabelece com a escola, os desafios enfrentados pelos professores, enfim, as particularidades

desse universo muito me inquietaram e instigaram as questões que orientam esta pesquisa.

Além disso, conhecia algumas pesquisas realizadas com a comunidade da Barra do São

Lourenço com vistas à conservação, ao ecoturismo, tendo como objeto de estudo os

etnoconhecimentos dos moradores32. Contudo, os estudos identificados não tinham como

objeto de interesse a educação escolar. Isso reforçou o meu interesse pela escola como lócus

da pesquisa, tendo seus integrantes (alunos, professores, gestores) os sujeitos da pesquisa.

3.2 Traçando os caminhos da pesquisa...

Para não me perder nos atraentes desvios da pesquisa (e que não foram poucos,

pois a cada nova leitura me deparava com um novo olhar e outra maneira de enxergar o

mundo da escola), trouxe comigo sempre um lembrete de que deveria pesquisar os saberes do

aluno e o currículo escolar, como havia sido determinado.

32 Há várias pesquisas na região com interesse nos etnoconhecimentos. A título de exemplo, cito (1) Cristiane Lima Façanha, intitulada Conhecimento Ecológico Tradicional: base para o desenvolvimento da educação ambiental e do turismo ecológico no Parque Nacional do Pantanal/ MT, cujo objetivo foi levantar o conhecimento ecológico da comunidade, relacionado aos lugares que conhece e a suas potencialidades para o desenvolvimento de atividades de educação ambiental e turismo ecológico; (2) Maria Auxiliadora Almeida que investigou “O conhecimento ecológico tradicional sobre as aves para a gestão do ecoturismo no Parque Nacional do Pantanal Matogrossense” e teve como sujeitos pessoas das comunidades da Barra de São Lourenço e Amolar; (3) Ieda Maria Bortolotto, desenvolveu a pesquisa “Etnobotânica de Plantas Alimentícias no Pantanal e Cerrado” com objetivo identificar as plantas conhecidas e usadas pelos moradores das comunidades da Barra do São Lourenço, Amolar, Porto da Manga e Assentamento Andalucia para fins alimentícios e avaliar o potencial de aproveitamento sustentável dessas espécies.

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Tendo claro o objetivo geral deste estudo (qual seja o de identificar os saberes dos

alunos das Escolas das Águas, relacionados ao ambiente pantaneiro, e analisar como estes

estão contemplados no currículo escolar), delimitei como objetivos específicos: (a) Descrever

o histórico das Escolas das Águas, estrutura e projeto pedagógico, com especial interesse nas

informações relacionadas aos saberes locais; (b) Caracterizar a comunidade atendida pela

Escola Municipal Rural Porto Esperança - Extensão São Lourenço; (c) Identificar os saberes

dos alunos acerca do ambiente pantaneiro (fauna, flora, rio e lendas); (d) Analisar a

incorporação desses saberes no currículo.

Como percorro um caminho acadêmico e científico, devo fazer algumas escolhas

metodológicas que respaldem e tornem mais seguros os caminhos a trilhar na pesquisa.

Assim, entre as diferentes possibilidades metodológicas, optei por fazer esta

pesquisa com uma abordagem qualitativa. Esta abordagem estimula e faz emergir os aspectos

subjetivos da investigação e, segundo Alves (1991, p. 54), parte do pressuposto de que "[...] as

pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos e valores e seu

comportamento tem sempre um sentido, um significado que não se dá a conhecer de modo

imediato, precisando ser desvelado".

Há diversas modalidades de pesquisas qualitativas. Autores como Gil (2008) e

Triviños (2009) classificam-nas de acordo com as suas finalidades, categorizando os seguintes

tipos: exploratória, descritiva e explicativa.

Considerando essa classificação, este trabalho pode ser caracterizado como uma

pesquisa exploratória, descritiva e explicativa. Trata-se de uma pesquisa exploratória uma vez

que objetiva familiarizar-se com um assunto pouco explorado como objeto da pesquisa. Sendo

assim, a modalidade escolhida propicia uma visão geral do fato estudado, constituindo-se

como a primeira etapa para uma investigação mais ampla no futuro. “As pesquisas

exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e

ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis

para estudos posteriores” (GIL, 2011, p. 27).

É classificada como uma pesquisa descritiva porque teve o propósito de explicitar

variáveis como, por exemplo, as tipologias dos saberes dos alunos, como são construídos,

quem os detêm e como são contemplados pelo currículo escolar. Como pesquisa explicativa,

buscou compreender as razões ou fatores que determinam ou contribuem para ocorrência do

fenômeno. Para Gil (2008)

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Este é o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas. Por isso mesmo é o tipo mais complexo e delicado, já que o risco de cometer erros aumenta consideravelmente. (GIL, 2008, p. 28).

3.3 Os sujeitos da pesquisa

Para contemplar as questões relacionadas à presença dos saberes dos alunos no

currículo escolar, os sujeitos que me auxiliaram a respondê-las foram, de um lado, as

professoras, a coordenadora pedagógica e a diretora da escola - Extensão São Lourenço; de

outro, os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

São duas as professoras que lecionavam na escola quando se iniciou esta pesquisa,

no ano de 2012. Atualmente elas estão trabalhando em outras extensões das Escolas das

Águas. São formadas em Pedagogia e trabalham na região do Pantanal há mais de cinco anos.

Ambas ministravam aulas na escola, para os alunos sujeitos desta pesquisa, sendo uma delas

responsável pelas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e Estudos Sociais e

a outra por Artes e Jogos. Com a colaboração dessas professoras, por meio de seus

depoimentos, a disponibilização dos diários e livros utilizados, foi possível obter alguns

indicadores de como os saberes dos alunos estavam presentes no currículo escolar.

A coordenadora pedagógica tem formação em Pedagogia, com especialização em

Administração Escolar, e atua na educação do campo há 10 anos. Ela coordena as 11

extensões escolares das Escolas das Águas e desempenha esta função desde 2008. A partir do

ano de 2013, a Escola Porto Esperança passou a ter duas coordenadoras pedagógicas.

A diretora também possui formação em Pedagogia e ocupa esse cargo desde 2005.

Possui 15 anos de experiência em educação do campo, atuando sempre como coordenadora

pedagógica ou diretora.

Em relação aos alunos, foram definidos como sujeitos os que estudavam entre o

2° e 5° anos. Essa escolha deveu-se ao fato de todos estudarem na mesma sala de aula

(lembrando que na escola as salas são multisseriadas). No Quadro 1 apresento mais

informações sobre os sujeitos alunos que, espontaneamente, dispuseram-se a participar da

pesquisa. Os nomes a eles atribuídos são fictícios.

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Quadro 1: Perfil dos alunos sujeitos da pesquisa Aluno Ano Idade Sexo Residente

na Escola Pedro 4° ano 9 anos Masculino Sim

Ana 3° ano 10 anos Feminino Sim

Bete 3° ano 8 anos Feminino Não

João 4° ano 12 anos Masculino Não

Carlos 2° ano 7 anos Masculino Não

Augusto 5° ano 13 anos Masculino Sim

Laura 5° ano 18 anos Feminino Não

Maria 5° ano 11 anos Feminino Não

Cristina 5° ano 11 anos Feminino Sim

Flávia 5° ano 12 anos Feminino Não

Mario 5° ano 14 anos Masculino Não

Bianca 5° ano 12 anos Feminino Não

O aluno Pedro é alojado na escola e primo da aluna Cristina. Participou de todas

as atividades durante a pesquisa, às vezes meio sem querer, no início, mas depois se envolvia

com elas. Afirma que gosta de morar na comunidade, mas só quando pode brincar no rio;

quando não pode, não gosta.

Ana está no terceiro ano e sempre estudou no São Lourenço como aluna alojada.

Ela participou de todas as atividades da pesquisa. Nas divisões dos grupos, sempre escolhia

ficar com os alunos menores, pois preferia ficar desenhando. Comentou que tem muitas

saudades da sua casa e de seus irmãos e que prefere sua casa à escola. Uma opinião diferente

da Cristina que prefere ficar na escola porque, segundo ela, é “mais legal”.

As alunas Bete e Maria são irmãs, sempre moraram na comunidade da Barra,

próximo da escola, e para lá vão a pé, exceto no período de cheia, quando usam o barco.

Quando se sentem à vontade falam sobre os assuntos em pauta. Bete é sempre risonha e gosta

de brincar de pega-pega com os meninos menores e participou da maioria das atividades

realizadas. Já, Maria, participou de todas e demonstrou grande conhecimento sobre o

Pantanal, principalmente sobre o rio, apesar de não poder nadar e pescar no rio quando queria.

A mãe dessas meninas é uma liderança na comunidade.

O aluno João sempre morou na comunidade, mas sua casa fica longe da escola,

por isso precisa usar o barco para lá chegar. Não participou de algumas atividades da

pesquisa. Gosta de ficar com os meninos jogando bola. Alguns colegas demonstraram ter

pouca paciência com ele e, por vezes, foi alvo de piadinhas por ser meio atrapalhado.

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Carlos é comunicativo e participou de todas as atividades, sempre com muita

disposição. Em alguns momentos se dispersava e gostava de ficar brincando de pega-pega

com a Bete. Adora desenhar barcos. Em seu caderno de desenho só se vê barcos, e apenas

dois tipos: a canoa de rabeta e o outro, segundo ele, o barco que vende mantimentos na

comunidade.

Augusto é considerado pelas professoras como um bom aluno “porque se

comporta e faz todas as tarefas”. Ele é alojado na escola e irmão da Ana. Participou das

atividades do primeiro encontro e também dos jogos posteriormente. Mesmo falando pouco,

mostrou ter vários conhecimentos sobre o ambiente natural da região.

Laura é a mais velha da turma, 18 anos, e sempre morou na Barra do São

Lourenço. Durante a realização das atividades mostrou ter muitos conhecimentos sobre as

plantas e possui uma boa noção espacial da comunidade. Destacava do que era apresentado

pelos demais alunos pela riqueza de detalhes. É irmã da Flávia, que também está no 5° ano.

Flávia se destaca pelos conhecimentos sobre as plantas medicinais e os peixes. A mãe dessas

meninas já foi, por muito tempo, presidente da Associação de Moradores.

Cristina é uma aluna que não mora na comunidade e, por esse motivo, fica alojada

na escola. Está na Extensão Escolar São Lourenço há dois anos. Já morou em outras regiões

do Pantanal e estudou em diferentes escolas. É criada por uma tia que sempre está presente

em suas histórias. É uma boa aluna, segundo as professoras. Ela interage bem com os colegas

e participou de todas as atividades. Disse que, provavelmente, em 2014 irá morar em

Corumbá porque sua tia ganhou uma casa da prefeitura.

Mário é o mais velho do grupo dos meninos e também o mais alto. Ele sempre

morou na comunidade. Das atividades da pesquisa participou apenas dos jogos realizados no

terceiro encontro. Foi o único aluno que soube falar sobre os conhecimentos relacionados à

construção da canoa de um pau só.

Bianca nasceu na comunidade e sempre frequentou a escola. Ela participou de

todas as atividades e interagiu muito com os colegas. Ela dizia que realizava atividades que,

em geral, só os meninos diziam saber fazer, como por exemplo, pescar, remar e brincar no rio.

Dizia que não era proibida de fazer nada. O barco-escola vai buscá-la todos os dias.

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3.4 Os procedimentos metodológicos

Dados para a caracterização e contextualização da comunidade onde está

localizada a escola foram obtidos por meio de pesquisa bibliográfica em dissertações, teses e

artigos.

Os dados sobre a Escola Porto Esperança – Extensão São Lourenço foram

levantados por meio da análise dos documentos curriculares oficiais (projeto pedagógico,

regimento interno, matriz curricular da escola). Nesses documentos também procurei menções

a respeito dos conhecimentos locais no currículo. Essa opção deveu-se ao entendimento de

que a análise documental é uma abordagem valiosa de dados qualitativos, seja para

complementar, validar ou ratificar informações obtidas por outras técnicas ou revelar novos

aspectos sobre o tema. Além de ser uma fonte oficial que auxilia evidenciar e fundamentar os

argumentos do pesquisador (LÜDKE e ANDRÉ, 1986).

Para identificar como os saberes dos alunos são contemplados nas aulas, foram

analisados os diários de classe, os cadernos dos alunos e o livro didático utilizado no ano de

2012.

O procedimento da entrevista semiestruturada foi utilizado para levantar as

informações com as professoras, a coordenadora pedagógica e a diretora da escola. Conforme

Gil (2008), a entrevista é uma ferramenta vantajosa por possibilitar a obtenção de informações

sobre os mais diversos aspectos da vida social, ser eficiente no levantamento de dados em

profundidade acerca do comportamento humano e obter dados, tanto qualitativos quanto

quantitativos.

Tanto as professoras, quanto a coordenadora e a diretora foram entrevistadas

(Apêndice 1) individualmente, na escola, com intuito de verificar se, e como, a escola

contempla os saberes dos alunos. Foram levantadas questões sobre a formação das professoras

para atuarem na realidade da Escola das Águas, as metodologias que utilizam, a articulação

dos conhecimentos escolares com os conhecimentos que os alunos trazem para a escola e

como percebem as diferenças culturais, entre outras. Com as professoras foi necessário fazer

uma segunda entrevista, buscando esclarecer pontos obscuros e levantar dados suscitados ao

analisar os dados da primeira. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e,

posteriormente, transcritas na íntegra por mim. Essa opção foi baseada em Szymanski (2004,

p.74) ao reforçar que o processo de transcrição, quando realizado pelo pesquisador, é também

um momento de análise: “Ao transcrever, revive-se a cena da entrevista, e aspectos da

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interação são relembrados. Cada reencontro com a fala do entrevistado é um novo momento

de reviver e refletir”.

Para o levantamento os saberes dos alunos em relação ao ambiente local, foi

utilizada uma metodologia inspirada no que o antropólogo Darrel Posey (1986) concebe como

“metodologia geradora de dados”. Para o autor, deve-se proporcionar ao sujeito da pesquisa

condições para que ele exponha livremente suas opiniões, de acordo com sua lógica e suas

concepções.

Questionar, pura e simplesmente, conduz à inibição do fluxo de informações por parte do informante. [...]. De um modo geral, quanto mais aberta a pergunta, isto é, menos restritiva, maior é a liberdade deixada ao informante para responder segundo sua própria lógica e conceitos. Melhor dito, quanto menos perguntas, melhor é. Recomenda-se por isso, uma metodologia ‘geradora de dados’. [...]. Ou seja, na medida em que o informante propõe tópicos e explicações corre-se menos riscos de prejudicar a informação. (POSEY, 1986, p.24)

Nessa perspectiva, Posey (1986) propõe iniciar a conversa com os sujeitos com

algo como “fale-me sobre...”. No caso desta pesquisa, as entrevistas abertas com os alunos

podiam começar, por exemplo, com “fale-me sobre os bichos/animais que vivem aqui”. Ao

longo da conversa, foram emergindo tópicos que puderam ser mais aprofundados durante a

entrevista ou, quando necessário, em outro momento, utilizando outros procedimentos que

possibilitaram o aluno a se expressar.

Além de Posey (1986), também procurei seguir as recomendações de Campos

(2002, p. 47), que sugere para quando o pesquisador (etnógrafo) estiver no campo, ele tenha

compreensão do ‘outro’ de maneira cíclica, variando entre o familiar e o estranho. Para tanto,

considera “necessário que durante os momentos de estranhamentos nas leituras do mundo do

‘outro’, esforcemo-nos em eliminar ao máximo nossas bagagens disciplinares e pré-

conceitos”.

Além dos procedimentos que envolveram a participação ativa do aluno (estes

serão descritos mais adiante), foi utilizada a observação simples do comportamento dos

alunos no ambiente onde expressavam espontaneamente seus saberes. Gil (2011, p.101) nos

diz que nesta prática o pesquisador é um espectador e que tal procedimento também pode ser

chamado de “observação-reportagem, já que apresenta certa similaridade com as técnicas

empregadas pelos jornalistas”. Os dados das observações realizadas neste período foram

registrados em um diário de campo e complementados com outras informações que eu já

detinha, sobre o modo de viver e se comportar das famílias, o que vai ao encontro das

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recomendações de Gil (2011, p. 102), de que é “necessário que o pesquisador esteja dotado de

conhecimentos prévios acerca da cultura do grupo que pretende observar”.

O diário de campo, inspirado na pesquisa social antropológica, foi utilizado como

um aporte à memória do pesquisador e um “instrumento precioso para futuros insights, que

podem ou não confirmar algumas previsões baseadas em teorias científicas” (VIERTLER,

2002, p.18). Assim, o diário continha anotações sobre os vários momentos da pesquisa, tais

como as observações, impressões subjetivas após um dia de trabalho, palavras-chave da

metodologia que seria desenvolvida, anotações sobre os dados levantados durante as escutas

dos áudios, dúvidas, reflexões e possíveis descobertas. É importante ressaltar que essas

anotações sempre foram feitas em momentos privados, de reflexão, e não durante as

atividades executadas com os sujeitos.

Os dados sobre os saberes dos alunos foram obtidos no decorrer de quatro

encontros, em ocasiões diferentes, todos na comunidade da Barra do São Lourenço onde está

localizada a escola. Nesses encontros foram realizadas diversas atividades com a finalidade

de instigar os alunos a falarem sobre seu modo de viver e ver a natureza que está no seu

entorno. Essas atividades incluíram desde rodas de conversa, jogos, caminhadas de

observação do local, visualização e discussão de imagens, até fotografias e filmagens. Ao

final de cada encontro, os dados obtidos eram organizados, apresentados e discutidos com a

orientadora da pesquisa, para, juntas, definirmos os passos seguintes.

Os encontros nos quais foram obtidos os dados com os alunos, professores, diretor

e coordenadora serão descritos a seguir.

O primeiro encontro:

Fiz um planejamento detalhado do trabalho a ser realizado com os alunos no

primeiro encontro, pensando em todas as intervenções possíveis nas conversas com os alunos.

Para mim, estava perfeito! Mas, não foi bem assim quando cheguei e comecei as atividades de

campo. Logo percebi que todo meu planejamento teria que ser adaptado de acordo com a

participação e envolvimento dos alunos.

O encontro aconteceu em março de 2013. Cheguei à escola na sexta-feira pela

manhã para convidar os alunos a participarem das atividades planejadas. Para motivá-los,

promovi um campeonato de bolitas (bolinhas de gude). Eles adoraram. Nessa oportunidade,

expliquei a eles o que eu estava fazendo ali e eles aceitaram participar do trabalho.

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De acordo com o calendário escolar, há aulas intercaladas aos sábados. Sendo

assim, no sábado em que eu estaria na escola não haveria aula. Dessa maneira, eu teria que

providenciar o transporte dos alunos que moravam próximos da escola. A Ecoa cedeu o barco

e, assim, foi possível transportá-los. Convém explicitar que durante a pesquisa, tentei não

utilizar nenhum recurso da escola, sobretudo combustível e alimentação. Sabia das

dificuldades da escola para suprir essas necessidades da Extensão, devido à distância.

Nesse primeiro encontro do sábado, houve a participação de nove alunos. Iniciou-

se com uma roda de conversa. Na oportunidade, quis saber sobre como era o dia a dia de cada

um, o que gostavam de comer, se sabiam pescar, nadar etc. Eles falaram livremente a respeito.

Uns falavam mais do que os outros; as meninas se mostraram mais desinibidas. No começo da

conversa utilizei a filmadora, mas percebi que alguns se calavam diante da câmera. Então,

optei em utilizar apenas o gravador de áudio.

Depois de ouvi-los falar de si, mostrei a eles fotografias (Figura 8) do ambiente

local (acompanhadas de questões do tipo (a) vocês (re)conhecem? (b) falem-me sobre isso.

Esse recurso imagético tinha como finalidade mobilizar a memória dos alunos para falarem

sobre o que conheciam e como percebiam aquele ambiente.

Figura 8: Fotografias do ambiente local utilizadas como recurso imagético. Fonte: Acervo de fotos da Ecoa.

Em um terceiro momento foi solicitado aos alunos que desenhassem o que mais

gostavam da paisagem da região. Eles trabalharam em duplas.) Os alunos, principalmente, as

meninas alojadas, divertiram-se muito com as atividades. Uma delas comentou que se não

tivesse participado passaria o final de semana sem fazer nada, restrita ao espaço da escola.

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Ao final do dia, quando voltei para o Núcleo da Ecoa, escutei todas as gravações,

fiz uma síntese das informações obtidas e pensei em algumas perguntas e temas que poderiam

ser mais explorados no dia seguinte.

No domingo, busquei novamente as crianças no período da tarde. Elas pareciam

animadas, pois quando viram o barco, saíram correndo para se arrumar. Quando chegamos ao

Tablado, comecei a fazer mais perguntas, mas percebi que a conversa não chegaria a um bom

termo. Até mesmo as alunas mais falantes no dia anterior estavam caladas e só respondiam

“não sei”! Além do mais, havia muitos mosquitos. Para as crianças isso não parecia um

problema, mas para mim estava insuportável. Assim, pedi a eles para que, juntos,

pensássemos em uma atividade que pudesse ser feita em movimento (o que aliviaria o ataque

dos mosquitos).

Uma aluna sugeriu que fôssemos entrevistar os moradores mais velhos sobre os

remédios caseiros. Alguns meninos não quiseram participar dessa atividade e voltaram para a

escola (eram alunos alojados). As meninas, entretanto, se mostraram animadas com a

atividade. Passei as instruções, pois conduziriam toda a entrevista e ainda teriam de fazer as

anotações e fotografar.

A atividade foi bastante produtiva. Vários dados sobre a flora e sua utilização

como medicamento emergiram, embora a coleta desses dados não tenha sido o foco deste

trabalho. Ao caminharmos entre uma casa e outra, foi possível conversar com as alunas a

respeito do seu cotidiano, e novas informações sobre os seus saberes emergiram

espontaneamente.

Finalizado esse primeiro encontro, fiz uma reflexão sobre as dificuldades

vivenciadas. No início, fazer com que as crianças falassem não foi uma tarefa fácil. Elas se

intimidaram com a filmadora e se calaram. Outro problema enfrentado foi o barulho do

gerador de energia elétrica existente na escola, que atrapalhou a qualidade da gravação.

Também houve uma falha minha na organização do trabalho: esqueci de providenciar o

lanche das crianças33. Elas passariam muito tempo comigo e precisavam lanchar. Quando me

dei conta disso, tive de recorrer à Ecoa e pegar emprestado algumas bolachas e massa de bolo

semipronta. Consegui, dessa forma, satisfazer as crianças, que adoraram o bolo de chocolate.

No intervalo entre o primeiro e segundo encontros, visitei a direção da escola em

Corumbá, com a finalidade de acessar aos documentos oficiais, planejamentos, diários de

classe, livros didáticos, enfim, registros que oferecessem pistas dos conteúdos que foram

33 Na sexta-feira, quando visitei a escola para pedir autorização das professoras para trabalhar no final de semana com as crianças, uma delas me lembrou de que seria necessário trazer o lanche.

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desenvolvidos durante o ano letivo. Tive acesso aos diários de classe de 2012 das professoras,

a Proposta Político Pedagógico e a matriz curricular. Li todo o conteúdo registrado e

selecionei aqueles que, na minha concepção, poderiam ter sido explorados considerando o

contexto local e os saberes dos alunos.

Estando ainda em Corumbá, pude realizar a primeira entrevista com as

professoras que trabalharam na Escola em 2012 (vale lembrar que ambas não estão mais

lotadas na Extensão Escolar São Lourenço e sim em outras Escolas da Águas, o que torna

possível nosso encontro apenas quando elas estão na cidade para entregar notas e participar

das formações).

Com base nas informações obtidas nesses registros, nas entrevistas e nos dados

levantados com os alunos no primeiro encontro, planejei o segundo.

O segundo encontro:

Nesse encontro, a ideia foi ouvir os alunos com a finalidade de entender como os

conteúdos eram trabalhados pelos professores em sala de aula. Depois, iria explorar alguns

temas relacionados à realidade local mencionados pelos alunos no encontro anterior, como a

piracema e a dequada, entre outros. Esperava encontrar elementos que me auxiliassem a

pensar sobre como a escola colocava em diálogo o saber local e o conhecimento escolar.

O encontro ocorreu no final de maio e teve a participação de 12 alunos. As

atividades aconteceram na escola, em sala de aula, mas sem a presença da professora. Optei

em ficar sozinha com os alunos para evitar a influência da professora nas respostas. Como a

sala é multisseriada, os alunos do primeiro ano também permaneceram no local, embora não

fossem os sujeitos desta pesquisa.

Para iniciar os trabalhos comecei a perguntar o que eles tinham aprendido no ano

anterior e como eram as aulas, se havia pesquisa em livros, entrevista com os familiares,

envolvimento da comunidade, entre outros. Tomando os conteúdos registrados no diário de

classe (aqueles que eu havia levantado como potencial para dialogar com os saberes dos

alunos, como por exemplo, o lixo, flora e fauna, zona rural e urbana, entre outros) busquei

ouvir dos alunos como esses temas tinham sido trabalhados na escola.

Nesse mesmo encontro, em outro momento, iniciei uma discussão sobre alguns

temas relacionados ao ambiente local, mencionados pelos alunos no encontro anterior (entre

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estes a dequada, a piracema e algumas lendas), buscando conhecer um pouco mais a respeito

do saber que eles detinham a respeito.

Em um terceiro momento, dividi os alunos do 4° e 5° ano em dois grupos. Cada

grupo recebeu uma filmadora e instruções para gravarem paisagens transformadas pelo ser

humano, um conteúdo que havia sido trabalhado pela professora, conforme registrado no

diário e, também, informado pelos alunos. Nessa atividade a ideia inicial era acompanhá-los e

durante as filmagens instigá-los à discussão. Mas, eles fizeram a atividade sem a minha

presença, pois houve um contratempo que me fez permanecer na escola com os alunos

menores. Com estes, propus uma atividade de desenhar e pintar figuras da fauna do pantanal.

Ao final do dia, já de volta ao Núcleo da Ecoa, pude assistir às filmagens e

gravações que os alunos fizeram. Com a filmagem foi possível identificar alguns de seus

saberes sobre a fauna, a vegetação aquática, os impactos do gado no local.

Não houve possibilidade de realizar as demais atividades programadas para esse

encontro. A data coincidiu com um feriado e não houve aula na escola. Também não consegui

buscar os alunos em suas casas, como havia feito anteriormente, porque houve problema com

o motor do barco da Ecoa e, também, previsão de chuva.

Apesar desses contratempos, nesse encontro tive a oportunidade de recolher mais

alguns livros didáticos utilizados na Escola e um caderno de uma aluna, pois era a única que

ainda guardara esse material. Naquele momento foi possível perceber que seria muito difícil

obter um caderno completo para analisar, pois os alunos estão sempre com caderno novo, seja

porque a prefeitura doa, seja porque os pais quando vão à cidade trazem um caderno como

presente.

Após esse segundo encontro os dados foram apresentados e discutidos com a

orientadora. Iniciei uma primeira organização, agrupando-os por categorias. Procurei

encontrar também as lacunas, de forma a direcionar as atividades do terceiro encontro para

preenchê-las.

O terceiro encontro:

A análise inicial dos dados levantados permitiu organizar os saberes dos alunos

em quatro grandes agrupamentos (fauna, flora, rio e lendas). Percebi que poderia ampliar e

aprofundar os dados obtidos. Assim, planejei outras atividades, mais especificamente

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brincadeiras (jogos, gincanas) na expectativa de que, por meio delas, os alunos se sentissem

mais livres para expressar seus conhecimentos a respeito do ambiente local.

Planejei alguns jogos para serem utilizados, de modo que todos pudessem

participar. O material de alguns Jogos foi elaborado por mim, como o Tabuleiro do Saber

Local (Figura 9) e o Stop dos peixes (explicado mais adiante). O Jogo da Memória (Figura

10), foi adaptado de um jogo produzido pelo SOS Pantanal34. Para os alunos do 1° e 2° ano

planejei atividades com desenhos e massinhas de modelar.

Figura 9: Tabuleiro do Saber Local. Fonte: Acervo da pesquisadora

O Jogo da Memória constou de diferentes fotos da fauna e flora local. Quando o

aluno encontrava o par correto devia apresentar três características do animal ou da planta

selecionada. A adaptação que fiz consistiu, apenas, no fato de ser solicitado ao aluno três

características da figura, com objetivo de levantar mais conhecimentos dos alunos sobre a

região.

O jogo do Saber local foi elaborado por mim, com base no jogo Vida e Mar,

criado pelo Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar-USP) e no

livro Pantanal de A a Z, de Paulo Robson de Souza35. Consiste em fichas de perguntas

divididas em falso e verdadeiro, quem sou eu e perguntas objetivas (Apêndice 2). A finalidade

do jogo era levantar mais dados sobre os saberes dos alunos a respeito do ambiente local.

O jogo Stop dos peixes tem as mesmas características do jogo de Stop muito

comum entre as crianças. Optei em fazer essa brincadeira porque observei, por duas vezes, os

34 O Instituto Socioambiental da Bacia do Alto Paraguai - SOS Pantanal é uma organização não governamental, tem a missão de informar e promover o diálogo para um Pantanal sustentável. 35 Paulo Robson de Souza é professor da Universidade Federal de Mato Grosso do sul, em Campo Grande (MS). Atua também na divulgação cientifica e na educação ambiental produzindo materiais didáticos, fotografias de natureza, músicas e poemas como instrumentos de apoio a essas atividades. Mais informações sobre os materiais produzidos estão disponíveis em seu blog “O Caçuá do Paulo Robson”. <HTTP://paulorobsondesouza.blogspot.com/>

Figura 10: Jogo da Memória. Fonte: Acervo da pesquisadora

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alunos brincando de Stop durante as aulas. Foi distribuída uma folha em branco para cada um,

na qual deveriam preencher alguns itens em relação aos peixes (nome, cor, isca, local de

pesca, como se pesca, medida, escama ou couro), à medida que eu apresentava a eles

diferentes figuras de peixes da região (Figura 11). O primeiro aluno que conseguisse

preencher todos os itens falava “stop” e os demais paravam de escrever. Cada item preenchido

valia 10 pontos. Vencia o jogo quem fizesse mais pontos. Para essa brincadeira foram usados

10 desenhos de peixes .

Figura 11: Peixes utilizados no jogo Stop dos Peixes. Fonte: (BRITSKI et al., 2007).

Nesse terceiro encontro, as atividades iniciaram no período vespertino, com o

Tabuleiro do Saber Local. Participaram quatro alunos (duas duplas) que estavam alojados na

escola. Em seguida brincaram com o Jogo da Memória. Dessas brincadeiras, vários dados

foram coletados sobre o saber dos alunos ao ambiente da região. Os demais alunos não

estavam na escola nesse dia porque o barco-escola estava avariado.

No dia seguinte, pela manhã, já com a presença de todos os alunos, a brincadeira

escolhida foi o Stop dos Peixes. Em continuidade a essa atividade, os alunos passaram a

identificar apenas visualmente outros desenhos de peixes e a expor oralmente o que sabiam

sobre eles. Ao final, foi possível levantar um volume expressivo de dados a respeito dos

saberes dos alunos sobre peixes e a atividade pesqueira. As brincadeiras foram registradas em

áudio e algumas em vídeo.

Para o período vespertino foi organizada outra atividade. Enquanto o grupo de

meninos brincava com o Tabuleiro do Saber Local e o Jogo da Memória, as meninas foram

divididas em dois grupos e filmaram e fotografaram as plantas existentes no entorno da escola

e que são utilizadas como remédio, explicando para qual enfermidade eram indicadas e como

deveria ser o preparo. Em um segundo momento, as meninas brincaram com o Tabuleiro e

com o Jogo da Memória. Os meninos foram jogar bola. Ao final do dia agradeci a

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participação de todos e distribui presentes: lápis, caneta, borracha e estojo. Eles ficaram muito

felizes.

Merece registro um acontecimento que contribuiu para a coleta de dados da

pesquisa, e que não estava previsto no delineamento metodológico. Na data do terceiro estava

presente na comunidade uma pesquisadora36 da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

levantando dados para o seu trabalho. Para tanto, pediu aos alunos do 5° ao 8° ano que

fizessem um desenho detalhado de como viam a comunidade. Como os alunos do quinto ano,

sujeitos da minha pesquisa, estavam presentes, com a devida autorização da pesquisadora,

fotografei o desenho que fizeram e somei esse material aos demais dados da minha pesquisa.

Quarto encontro:

Esse encontro foi realizado em dezembro, no último dia de aula, e contou com a

participação de seis alunos. Iniciei a conversa com eles apresentando os vídeos, produzidos

pelas alunas, sobre as plantas medicinais. Nesse momento, não avançamos muito sobre as

informações já levantadas. Os alunos deram preferência aos comentários relacionados ao

desempenho das meninas.

Posteriormente, iniciamos uma conversa sobre os peixes da região. Meu objetivo era

obter mais informações sobre o modo como eles os reconhecem, diferenciam, nomeiam e

classificam. Dessa conversa também surgiram novas informações sobre o modo como

preparam os peixes para alimentação e conservação.

3.5 Organizando os dados para análise

A organização e análise dos dados estiveram presentes nos diferentes estágios da

pesquisa. Iniciaram com os trabalhos de campo e se intensificaram ao final do estudo.

Baseada em Ludke e André (1986, p.45), organizei os dados na busca de “identificar

tendências e padrões relevantes” para definir alguns conjuntos dos saberes dos alunos. Assim,

36 Beatriz de Paula, pesquisadora e professora adjunta do Departamento de Geografia da UFMS – Campus Pantanal. Atividade com os alunos faz parte do projeto de pesquisa Cartografia Social da comunidade da Barra do São Lourenço.

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fiz algumas correlações, formei subconjuntos até chegar a três grandes conjuntos de saberes:

fauna, flora e rio.

Ressalto, nesse exercício, a afirmação de Ludke e André (1986, p.3) acerca da

impossibilidade de um pesquisador se anular em seu estudo, pois “[...] a visão do mundo, os

pontos de partida, os fundamentos para a compreensão e explicação desse mundo irão

influenciar a maneira de como ele propõe suas pesquisas”. Da mesma forma, “os pressupostos

que orientam seu pensamento vão também nortear sua abordagem de pesquisa” (1986, p.3).

Assim, a forma como agrupei os saberes dos alunos está, certamente, influenciada pelo modo

como organizo o mundo natural, forjado ao longo dos anos que frequentei a escola que nos

ensina a classificá-lo com as categorias da ciência ocidental.

Após organizar esses dados, busquei estabelecer as relações destes com o

currículo escolar. Em busca dessa resposta direcionei o olhar inicialmente para o livro

didático utilizado pelo professor, levantando os conteúdos, buscando cotejá-los com o

conjunto dos saberes dos alunos, levantados ao longo da pesquisa. Posteriormente, e com o

mesmo objetivo, analisei a Proposta Pedagógica e os diários de classe. As entrevistas com as

professoras e a gestão da escola vieram esclarecer e ampliar os dados obtidos (os conteúdos

trabalhados, a prática e as reflexões que os professores fazem sobre as aulas, as dificuldades e

os sucessos alcançados ao trabalharem os saberes dos alunos, as formações continuadas, entre

outros.

Para fazer as discussões, parti da compreensão de que um currículo multicultural é

aquele que reconhece, valoriza as diferenças e insere a realidade local do aluno, em sala de

aula, nos diferentes aspectos da vida (social, cultural, econômico, político e ambiental).

Busquei articular as teorizações de Enrique Leff (2007, 2011), Tomaz Tadeu da Silva (2004),

Antônio Flávio Barbosa Moreira (2000), Kenneth Zeichner (1993), Paulo Freire (1996), Peter

McLaren (1997, 2000), Vera Candau (2001, 2005). Também dialoguei com algumas

pesquisas que investigaram a inserção do conhecimento local, tradicional, popular no

currículo escolar.

Os resultados encontrados ao longo dessa caminhada de pesquisa serão o objeto

do próximo capítulo. Optei por apresentar inicialmente os saberes dos alunos com intuito de

demonstrar uma parcela da riqueza desse conhecimento, o que me levou a pensar, amparada

nos teóricos sobre multiculturalismo no currículo, sobre a possibilidade de serem

contemplados no currículo escolar. Em seguida exploro essa questão, apresentando as análises

de como essa realidade se configura na Escola das Águas.

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CAPÍTULO IV - OS SABERES DOS ALUNOS DA ESCOLA DAS ÁGUAS

E AS RELAÇÕES COM O CURRÍCULO ESCOLAR

Os resultados e discussões da pesquisa serão apresentados, neste capítulo, em dois

momentos. No primeiro, apresento os saberes dos alunos agrupados em três conjuntos: fauna,

flora e rio. A razão desse agrupamento foi o fato de esses elementos terem estado presentes de

forma marcante nas falas e nos desenhos dos alunos, em todas as fases da pesquisa. No

segundo momento, discorro sobre a presença desses saberes no currículo escolar. Para tanto,

exponho como são contemplados no livro didático e nos diversos documentos do aluno, do

professor e da escola e o que dizem a esse respeito os professores, a coordenadora e a diretora

da escola.

4.1 Os saberes dos alunos sobre o ambiente local

Antes de apresentar os dados obtidos acerca dos saberes dos alunos, convém

destacar o conceito de saber local com o qual esta pesquisa opera. Sintetizando, como

discorrido no segundo capítulo, o saber local é o conjunto de “saberes e saber-fazer” a

respeito do mundo natural (DIEGUES, 2000a, p.30) e construído através da observação,

sendo, portanto, dependente do contexto local (CUNHA, 1999). Partindo dessa concepção,

foram levantados os saberes dos alunos da Escola das Águas – Extensão São Lourenço a

respeito do ambiente em que vivem.

Assim, os saberes locais desses alunos, como todo e qualquer saber local, não são

expressos de maneira compartimentada. A lógica das crianças vem carregada de diferentes

elementos do contexto do cotidiano, o que a torna diferente e exclusiva.

Entretanto, ao apresentar esses saberes neste trabalho, o faço de modo

compartimentado, pois a minha lógica e o meu modo de organizá-los estão fortemente

influenciados pela minha formação, moldada nas categorias classificatórias baseadas e

explicadas pela lógica da ciência ocidental, ou seja, numa perspectiva segmentada do

ambiente natural, da qual, como bem diz Bachelard (1996, p.18), não me foi possível libertar

“de um só golpe”.

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É preciso explicitar que no decorrer das seções algumas falas estão identificadas

com os nomes fictícios dos sujeitos alunos, mas outras não. Isso se deve ao fato de que a

maioria das atividades realizadas com eles foi realizada em grupos e registrada em áudio.

Devido a esse procedimento houve certa dificuldade em identificar os sujeitos e as respectivas

falas audiogravadas, principalmente porque muitas vezes eles falavam ao mesmo tempo e/ou

um complementava a ideia do outro.

4.1.1 Saberes dos alunos sobre a fauna

O conhecimento tradicional ou saber local não é algo estático, pelo contrário,

sempre está se renovando. Cunha (1999) entende o termo “tradicional” como sendo, o modo

como o saber é usado, e não o produto gerado. Para a autora, o saber local, assim como o

conhecimento científico, é uma obra aberta e que se faz constantemente. Essas características

permitem reconhecer nos saberes dos alunos a condição de um saber local.

Os saberes locais dos alunos sobre a fauna foram construídos na vida cotidiana e

estão diretamente ligados a uma localidade específica, no caso o Pantanal, na comunidade da

Barra do São Lourenço, onde eles vivem. São saberes que se constroem e sofrem

modificações com o passar do tempo, pois o ambiente também se modifica e, portanto,

desafia os moradores da Barra a construírem novos conhecimentos na interação com o meio.

Os animais estiveram sempre presentes nos relatos das crianças. Quando falavam

sobre sua vida cotidiana mencionavam a interação com os animais e destes entre si. Eram

comuns os relatos do tipo “No porto da minha casa tinha uma sucuri comendo o jacaré”. A

interação com a fauna inclui relações utilitárias (“eu tava limpando o peixe”), mas também a

simples convivência diária (“[...] perereca já acostumei! Elas ficam pulando no mosquiteiro

da gente”). O dia a dia, muitas vezes, ensina às crianças a tomarem cuidado com certos

animais. Disse Bianca: “Eu tava tomando banho e ela [piranha] mordeu meu dedo... eu saí da

água correndo”.

a- Alguns animais conhecidos pelos alunos

Dos relatos dos alunos, obtidos nos diferentes instrumentos metodológicos

utilizados, emergiram dados sobre vários animais da fauna local, a maioria endêmica da

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região e alguns introduzidos. Desses últimos, temos, por exemplo, cavalo, boi, porco,

cachorro e gato que são criados pelas famílias e utilizados no seu cotidiano.

Os animais citados nos relatos dos alunos e/ou presentes nos seus desenhos estão

apresentados no Quadro 2.

Quadro 2– Animais citados pelos alunos da Extensão Escolar São Lourenço Animais citados

Répteis Jacaré, sucuri, boca de sapo, lagartixa, cascavel, jararaca.

Anelídeo Minhoca

Anfíbios Sapo, perereca, rã.

Insetos Mosquito, formiga, barata, borboleta, cupim, grilo.

Mamíferos Onça, capivara, ariranha, lontra, veado, bugio, tatu, queixada, porco, boi, cavalo, gato, rato, macaco, búfalo, tamanduá bandeira, cachorro.

Molusco Caramujo.

Crustáceos Caranguejo.

Aracnídeos Escorpião, aranha.

Aves Biguá, garça branca, tuiuiú ou jaburu, tucano toco, coruja, urubu, arara canindé, arara azul, anhuma, gavião, pato, galinha.

Peixes Dourado, pintado, pacu, cachara, jurupoca, surubin, muçum, lambari, pequirinha, jurupensém, acari, palmito, jaú, barbado, bagre, piraputanga, curimbatá, piau, armal, acará, peixe cachorro, corvina, curimbá, sauá (sagua), arraia, piranha, tuvira e tucunaré.

Fonte: Dados da pesquisa (2013).

b- Os animais e suas relações com o meio

Os saberes dos alunos sobre a fauna vão além da listagem desses animais. Eles

conhecem o habitat, a cadeia alimentar, o comportamento, a morfologia externa e a utilização

para a sobrevivência.

Em relação ao habitat, eles sabem com precisão o local onde se encontram os

animais. Por exemplo, sabem que próximo de suas casas não há tatu, “eles estão só no

morro”. Em compensação, há jacarés, mas a maior população destes está na área do Parque

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Nacional do Pantanal37 (“atrás do Parque tem muito jacaré”). Sobre as ariranhas, os alunos

discorrem que elas estão na região, mas são encontradas “mais para baixo, onde não há

casas” (Augusto). A lontra “vive no fundo do rio e sai pra tomar sol” (João). “Ela faz a casa

dela [...] no barranco..”(Augusto).

Eles sabem diferenciar animais parecidos. Sobre os primatas, Pedro revela: “Aqui

não tem só bugio. Tem também desses pequenininho”. Já as diferenças entre a lontra e a

ariranha são assim relatadas: “lontra é mais mansa e ariranha é mais brava”; “a lontra é

mais pequena e ariranha é mais grande”(Laura).

A observação da lontra no ambiente também possibilitou a construção de saberes

sobre o comportamento reprodutivo desse animal:

Quando ela está com filhote ela não deixa nada encostar perto (Flávia).

Ela carrega os filhotes nas costas. E se o filhote dela não quer tomar banho, ela joga ele lá dentro d’água (Bete).

Ele [filhote] não sabe nadar por isso que ela anda com eles nas costas (Carlos).

Alguns desses saberes são atravessados por uma visão antropomórfica dos

animais. Assim, eles explicam o comportamento conforme suas representações da

constituição familiar, o cuidado parenteral, a relação pais e filhos.

Dos animais exóticos, Cristina, que já morou em diferentes regiões do Pantanal,

disse conhecer um búfalo. Sabe-se que este é animal introduzido e que pode ser encontrado

em algumas fazendas localizadas na Estrada Parque Pantanal38. Disse ela que esse animal

pode ser visto também na região do Taquari.

Eu já comi queijo e bebi leite de búfalo. No Taquari uma mulher criava ele. São bravo, mas lá eles eram domésticos. Ela tirava leite deles (Cristina).

A fauna introduzida na região pode acarretar problemas e estes são identificados

pelos alunos:

37 O Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense é uma unidade de conservação, criada em 1981, com objetivo de preservar o bioma pantaneiro, possibilitar a realização de pesquisas científicas, realizar atividades educacionais e recreação e turismo ecológico, por meio do contato com a natureza. Está localizado a noroeste de Mato Grosso do Sul e a sudoeste de Mato Grosso. 38 A Estrada Parque Pantanal (EPP), com 120 Km, tem início na rodovia BR-262, na localidade chamada de Buraco das Piranhas. Diferencia-se de uma estrada convencional por fatores ligados a valores ambientais, pois atravessa quatro sub-regiões do Pantanal: Miranda, Abobral, Nhecolândia e Paraguai.

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Aqui é uma roça, mas tá tudo comido pelo gado. O gado vem lá de cima e destrói. Ficam solto aqui. Os moradores reclamam muito, mas o que adianta?( Mario).

Os alunos conhecem a cadeia alimentar na qual se inserem os animais com os

quais convivem no cotidiano. Espontaneamente, ou quando interrogados a respeito, as

informações vieram e pareciam estar “na ponta da língua”. Assim relatam:

Tuiuiú come peixes e caramujos.

Em casa tem uma cobra que come os sapos (Carlos).

Capivara se alimenta de raízes e capim (Cristina).

A onça come de tudo, come sucuri, jacaré...

Garça se alimenta de peixes e fica na beira do rio (Augusto)

Jacaré se alimenta de peixes e de pequenos animais.

Tamanduá bandeira se alimenta de formigas e cupins. Acho que só esses dois, mosquito não...(Cristina)

Uma lontra se alimenta de peixe .

Com base nas informações levantadas e nas falas dos alunos pode-se dizer que o

conhecimento que eles detêm sobre a cadeia alimentar relativa à fauna local foi construído,

principalmente, por meio da observação. Esta é uma das características do saber local. Nesse

sentido, como afirma Diegues (2000a) existe uma proximidade epistemológica entre o

conhecimento científico e o saber tradicional porque ambos se baseiam no empirismo.

A relação das pessoas com os animais da região são orientadas por diferentes

fatores, entre eles, a noção do perigo, seja para si mesmo, seja para as espécies das quais

dependem para sobreviver. Um dos alunos comenta:

O sapo come o grilo, a cobra come o sapo, o gavião come a cobra e o homem mata o gavião...

Ao mencionar a sucuri, o aluno Carlos declara: “se a gente não mata, ela mata nós”

Como as crianças aprendem, desde muito cedo, como se dão essas relações.

Como? Disse Augusto: “O pai da gente ensina, ele sabe”. Laura explicita: “O pai precisa

ensinar, porque quando a gente é pequeno não sabe de nada do perigo”.

É no cotidiano, pois, que se constroem esses saberes, um amálgama de

conhecimentos provenientes da observação, da própria experiência, das informações

repassadas pelos familiares e moradores da comunidade. Como afirmam Pereira e Diegues

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(2010, p.42), o conhecimento tradicional (o conteúdo e o processo de transmissão) “são

dependentes do contexto no qual se propagam”.

Esses saberes são repassados durante a realização de diferentes tarefas do dia a

dia, como lavar louça, pescar, cozinhar, plantar, entre outros. Sendo assim, são conhecimentos

relacionados a um contexto específico, e devem ser interpretados de acordo com essa

realidade.

c- Animais e sua utilização pela comunidade

As crianças da comunidade da Barra do São Lourenço convivem com a fauna em

diversos momentos do cotidiano, como, por exemplo, durante o lazer. As crianças nadam no

rio, brincam com alguns filhotes e também se divertem pescando. Os adultos se relacionam

com a fauna local numa perspectiva mais utilitarista. Os animais são usados para diferentes

fins, como segurança, medicamento, transporte e, principalmente, alimentação.

Na fala dos alunos pode-se identificar o cão (filhote) e o gado como animais

relacionados ao lazer. Enquanto filhote, o cão é um “companheiro” de brincadeiras para as

crianças. Os alunos veem o gado também como uma opção de diversão. Faz parte das

brincadeiras na comunidade o ato de dominar o boi, montá-lo. Tanto os meninos quanto as

meninas se divertem desafiando o boi.

O cavalo é presença recente na comunidade. Este é usado como meio de

transporte das pessoas no meio da mata.

No que diz respeito à segurança, os alunos referem-se aos cães, quando adultos.

Para as famílias o cachorro sempre está atento, e é importante tê-los para alertá-los,

principalmente, quando onça se aproxima da casa e dos outros animais de criação.

Poucas foram as informações obtidas a respeito do uso dos animais como

medicamento. A esse respeito, os alunos citaram, em conversa informal, o osso da sucuri

(Eunectes murinus) como sendo ótimo remédio para coluna. Para tanto, deve ser preparado

da seguinte forma:

Bota no forno... a hora que ficar preto, torrado, aí bate ele com vinho de mesa, coloca no paninho para coar e coloca dentro da garrafa. Minha mãe tem em casa (Flávia).

Dados obtidos por mim, antes de iniciar esta pesquisa, sobre o uso dos animais

pelas comunidades ribeirinhas, mostram que além do osso da sucuri, é comum o uso da

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gordura (“banha”) desse animal como remédio. Com base nesta informação, lancei a questão

aos alunos e eles confirmaram tal dado, mas disseram que nunca utilizaram e que

desconhecem o modo de preparo e uso.

Os animais são muito utilizados na alimentação. Faz parte da culinária local o

jacaré, típico do Pantanal. A maioria dos alunos já experimentou e aprecia o sabor (“É bom,

parece com peixe”, disse Bianca). Desse animal aproveita-se a carne (“Come o rabo dele”,

comenta Maria) e os ovos (“o ovo é gostoso”, ela complementa).

Outros animais foram citados como sendo utilizados na alimentação: galinha,

porco e pato, todos criados na comunidade para esse fim. Também foram citados animais

silvestres que fazem parte da sua alimentação: a capivara, o veado e as cobras. Mesmo sem

nunca terem saído para caçar (geralmente essa tarefa cabe aos pais e irmãos mais velhos) já

sabem algo a respeito, e explicam que a caça da capivara é feita “com arma” ou “com arpão”

e que para o preparo “tem que deixar a carne pingando”. Em relação às cobras, Bianca disse:

“Eu já ouvi falar que faz farofa e fica gostosa... nunca comi, mas diz que tem que tirar o

veneno dela primeiro”. Sobre a sucuri Flávia explica que “não dá para comer porque tem um

cheiro forte, ela cheira a dequada”.

De todos os saberes dos alunos relacionados à fauna na alimentação, é notável o

que conhecem sobre os peixes dos rios próximos da comunidade. Todos souberam falar dos

que são mais consumidos como alimento. Muitos souberam informar, ainda, sobre os mais

utilizados na comercialização, as iscas, os petrechos de pesca, o modo de preparo e

conservação.

Dos 24 peixes apresentados aos alunos no jogo Stop (como descrito na

metodologia) os alunos reconheceram 20 deles. Os peixes reconhecidos foram: dourado

(Salminus maxillosus), pintado (Pseudoplatystoma corruscans), pacu (Piaractus

mesopotamicus), pacupeva (Mylossoma paraguayensis) piranha (Pygocentrus nattereri),

surubim (Pseudoplatystoma punctifer), cachara (Pseudoplatystoma fasciatum), jurupoca

(Hemisorubim platyrhynchos), jurupensém (Sorubim cf. lima), palmito (Ageneiosus brevifilis),

corvina (Plagioscion spp), jaú (Zungaro zungaro), barbado (Pinirampus pirinampu), bagre

(Pimelodus maculatus), piraputanga (Brycon microlepis), piau (Leporinus macrocephalus),

armal, acará (Astronotus ocellatus), curimba (Prochilodus spp.) e peixe-cachorro

(Acestrorhynchus pantaneiro).

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Já os peixes não reconhecidos pelos alunos são os encontrados na Bacia

Amazônica39, sendo eles bicuda (Boulengerella spp), sardinhão (Pellona flavipinnis), aruana

(Osteoglossum bicirrhosum) e dourada (Brachyplatystoma rousseauxii). Esse dado é mais um

indicador dos saberes desses alunos sobre a fauna local.

É importante ressaltar que as crianças têm um modo próprio para reconhecer os

peixes. Isso era um dado esperado, pois, como afirma Diegues (2000a, p. 31) “as populações

tradicionais não só convivem com a biodiversidade, mas também nomeiam e classificam as

espécies vivas segundo suas próprias categorias e nomes”.

Nas falas dos alunos, nota-se a utilização de critérios variados para reconhecer os

animais, prevalecendo os que são relacionados à morfologia externa. O peixe cachorro, por

exemplo, é reconhecido pela sua mandíbula/maxila, diferenciada da dos demais (“Ele tem a

cara feia”) e pela quantidade de espinhos (“O peixe cachorro tem mais espinho ainda que o

dourado”). O pintado distingue-se do acará pela distribuição das cores (“Pintado é de bolinha

e acará é listrado”). Os dois tipos de pacu existentes na região também são diferenciados

pelos alunos. Para as crianças o que diferencia o pacu do pacupeva é que o primeiro é “preto”,

“grande” e “tem escama mais grossa” e o pacupeva é “pequeno”, “amarelo” e possui

“escama mais fina”.

Com base na observação externa do peixe, os alunos dividem esse grupo em dois

subgrupos: “peixes de couro” e “peixes de escama”.

O peixe está muito presente na alimentação das famílias ribeirinhas. Entre os mais

consumidos, segundo informaram os alunos, estão a piranha, o pacu e o bagre. Da piranha se

faz ensopado, caldo e pirão. Alguns alunos apontaram seus peixes preferidos como alimento:

“armal frito” e “pintado frito”. A preferência é pelo peixe com pouco ou sem nenhum

espinho. Isso explica o fato de peixes como o dourado e o cachorro não serem muito

apreciados pelos alunos (“Dourado é bom, mas tem muito espinho”).

Quanto ao preparo, destaca-se a preferência pelo peixe frito ou ensopado. Apenas

Cristina mencionou outra forma de consumo: “Pintado cru também é bom. Joga limão e sal

nele, coloca em uma folha de alface e come”. Essa aluna, do quinto ano, explicou que

aprendeu a comer dessa maneira com seu primo.

Tanto as meninas quanto os meninos dos 4° e 5° ano mostraram ter conhecimento

das técnicas utilizadas no preparo do peixe e diferenciam como fazer para limpar a escama ou

o couro. Assim ensinam:

39 Informações retiradas do site do Ministério da Pesca e da Aquicultura <http://www.mpa.gov.br/index.php/topicos/33-amadora/1163-peixes-esportivos-de-agua-doce>.

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O de couro é só tirar o filé para salgar. Se for assado. Pega água quente e joga em cima dele para tirar o limo. O de escama é só tirar a espinha dele, aquela parte de cima.

Os moradores da Barra do São Lourenço, assim como ribeirinhos de outras

comunidades da região, usam uma técnica própria de preparo do peixe, principalmente do

pacu. Para retirar os espinhos eles “ticam” (cortam) o peixe em cortes transversais como

mostra a Figura 12. As alunas não descreveram a técnica de “ticar” o peixe, mas citaram que

em suas casas é feito o varal de peixe com a finalidade de secá-los. Durante o período de

campo foi possível observar que os alunos alojados do 7° e 8° ano eram os responsáveis por

limpar os peixes que seriam consumidos na escola.

Outro saber relacionado a preparação do peixe está na conservação. Apesar de os

alunos relatarem que se alimentam principalmente de peixes frescos, alguns (principalmente

as meninas) citaram que também se salga o peixe para conservá-lo. Como não há energia

elétrica na região, e a maioria dos moradores não possui gerador, a técnica de salgar o peixe

ou a carne é a forma utilizada pelas comunidades ribeirinhas para conservação do alimento.

Assim descrevem as alunas sobre essa técnica:

Minha mãe abre ele e passa sal em tudinho (Maria).

Meu irmão faz salmoura e coloca ele, depois coloca para secar. Às vezes sai tudo o sal dele e tem que passar salmoura de novo (Cristina).

Durante as conversas informais, foi possível perceber que, para a comunidade, a

pesca é mais do que uma atividade de subsistência. É também uma diversão, principalmente,

Figura 12: Pacus pendurados para secar Fonte: (BRITSKI et al., 2007, p.24).

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para os meninos. Eles gostam de acompanhar os pais e os irmãos. Entretanto, aos mais novos

essa tarefa nem sempre é permitida, pelo potencial que oferece de perigo. Isso pode justificar

o fato de que os alunos mais novos detêm menos conhecimentos sobre os peixes do que os

mais velhos.

Sobre as iscas e petrechos, os alunos citaram diversos e específicos para cada tipo

de peixe. Vale ressaltar que as iscas são obtidas do ambiente natural (Quadro 3).

Quadro 3: Iscas e petrechos para pesca, citados pelos alunos da Extensão Escolar São Lourenço

Peixe

Isca

Petrecho

Pintado Chimboré, sardinha Linhada, anzol de galho, vara, barranco,

Bagre Angu, sardinha, pirão, carne Linhada, vara

Curimbá Sardinha, lodo, sauá Linhada, vara, tarrafa, barranco,

Peixe cachorro

Sardinha, chimboré, angu, sauá, cascudo, acari

Linhada, vara

Piraputanga Carne, sardinha, chorão, sauá Vara, Linhada,

Piau Carne, sardinha, sauá, pirão Vara, linhada

Piranha Sardinha, sauá Linhada

Armal Chimboré, sardinha, carne, manga, tuvira

Linhada, caniço

Pacu Tucum Vara, linhada

Fonte: Dados da pesquisa, 2013.

Os conhecimentos dos alunos em relação aos peixes variam em abrangência e

profundidade, conforme a idade.

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As análises dos dados indicam que os saberes dos alunos mais novos (do 2° e 3°

ano, que tem entre 8 a 10 anos) estão mais restritos aos peixes presentes no dia a dia,

principalmente, na alimentação e na forma de iscas para comercialização. Essas crianças

reconhecem principalmente os peixes pacu, pintado, piranha, dourado, bagre e peixe cachorro.

Sobre as iscas sabem qual a melhor opção para pescar cada um (identificam como iscas o

tucum e o sauá). Sabem também qual o melhor petrecho para pescá-los.

Já os saberes dos alunos mais velhos, do 4° e 5° ano, em relação aos peixes vêm

acrescidos de mais informações e/ou com maior detalhamento. Esse fato pode estar

relacionado à participação ativa desses alunos nas atividades pesqueiras, junto com seus pais,

algo que nem sempre é permitido aos mais novos, por envolver certo grau de perigo.

Quanto aos locais mais propícios à pesca, os alunos mais velhos citaram o

Moquem, Baía do Engasal e o rio São Lourenço. Já os mais novos citaram apenas os portos

de suas casas e o meio do rio como bom local para pesca.

4.1.2 Saberes dos alunos sobre a flora

O Pantanal é reconhecido por sua riqueza natural. A flora representa parte

significativa dessa riqueza. Quase 2000 espécies de plantas já foram identificadas e

classificadas de acordo com seu potencial, inclusive o medicinal (POTT et al., 2004; POTT et

al., 2009).

Assim como os animais, as plantas têm presença marcante na vida e na cultura das

pessoas que moram na região do Pantanal. Nesse lugar isolado, elas estão em contato estreito

com o ambiente local e vão construindo seus próprios conhecimentos acerca do ambiente

natural. Esses saberes são transmitidos de geração em geração.

Nesse contexto vivem os alunos da Extensão Escolar São Lourenço, situada na

comunidade da Barra do São Lourenço. Os saberes específicos que eles detêm sobre a flora

local, transmitidos pelos antepassados e/ou frutos de sua própria experiência no meio em que

vivem serão o objeto de estudos apresentados nesta seção.

Com os diferentes procedimentos metodológicos empregados nesta pesquisa, foi

possível identificar diferentes saberes dos alunos sobre a flora local.

A maioria das informações obtidas veio dos alunos do 3° ao 5° ano, notadamente

das meninas. Vale dizer que elas demonstram muito orgulho dos seus conhecimentos acerca da

flora local. As plantas são reconhecidas pelos tipos de folhas, flores e frutos. É comum ver as

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meninas caminhando pela região, arrancando uma ou outra folha, cheirando-a e esfregando-a

entre os dedos. Grande parte dos saberes que os alunos detêm sobre as plantas está relacionado

ao uso que fazem no dia a dia, na alimentação, para fins medicinais e como matéria prima para

construção. Os alunos também conhecem algumas plantas tóxicas (Quadro 4).

Quadro 4: Plantas conhecidas pelos alunos da escola e respectivas utilizações Uso

Plantas Nome popular (Nome científico)40

Alimentação

Abóbora (Cucurbita spp. L.) Acaiá (Spondias lutea L.) Acerola (Malpighia glabra L.) Arroz do campo (Oryza sp. L.) Banana (Musa sp. L.) Bocaiuva (Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart.) Caju (Anacardium occidentale L.) Flor de camalote (Eichhornia crassipes (Mart.) Solms) Goiaba (Psidium guajava L.) Ingá (Inga marginata Willd.) Laranjinha (Pouteira glomerata (Miq.) Radlk.) Mamão (Carica papaya L.) Mandioca (Manihot esculenta Crantz) Manga (Mangifera indica L.) Melancia (Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai) Milho (Zea mays L.) Seriguela (Spondias purpurea L.) Tucum (Bactris glaucescens Drude) Uvinha do mato

Fins medicinais

Arruda (Ruta graveolens L.) Boldo (Plectranthus barbatus Andrews) Erva Santa Maria (Chenopodium ambrosioides L.) Fedegoso (Cassia occidentalis L.) Goiabinha (Psidium firmum O. Berg) Japecanga (Smilax sp. L.) Jatobá (Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne) Laranja (Citrus sinensis (L.) Osbeck) Lima (Citrus sp. L.) Limão (Citrus limon (L.) Osbeck) Terramicina (Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze) Vassourinha (Scoparia dulcis L.)

Matéria prima

Aguapé (Eichhornia crassipes (Mart.) Solms) Acuri (Scheelea phalerata (Mart. ex Spreng.) Burret) Piúva (Tabebuia spp. Gomes ex DC.) Taquara Cambará (Vochysia divergens Pohl.)

Plantas tóxicas

Figueirinha do mato (Ficus sp. L.) Cipó mucuna (Mucuna sp. Adans.)

Fonte: Dados da pesquisa (2013).

Da listagem das plantas do Quadro 4, muitas são frutíferas, sendo algumas da flora

local (acaiá, goiaba, goiabinha, ingá, laranjinha, seriguela, tucum e uvinha do mato) e outras

40 Os nomes científicos são presumidos, pois as plantas citadas não foram coletadas para identificação e catalogação.

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introduzidas (acerola, banana, caju, lima, limão, laranja, manga, melancia e mamão). Há

também as cultivadas, como a mandioca, o milho e a abóbora. O cultivo ocorre após o ciclo

das cheias, para complementar a alimentação.

As técnicas de plantio dependem das condições naturais do ambiente. As alunas

demonstraram possuir esse conhecimento. Laura descreve em detalhes, por exemplo, o

procedimento para plantar melancia.

Tira o caroço dele, cavuca e coloca a semente lá e tampa. Tem vez que demora, mas tem vez que não. Ela demora só em época da seca porque não tem água, mas põe um pouquinho de água. Mas se estiver

muito seco, mesmo que molha, ela não fica muito bom.

Durante as visitas à comunidade, também foi possível observar que os alunos

consomem com frequência os frutos ingá, bocaiúva e manga. Por serem produzidos em

diferentes épocas do ano, as crianças sempre têm à sua disposição algum fruto para o

consumo.

A coleta dos frutos representa, para os alunos, além de obtenção de alimento, uma

brincadeira. É um desafio, principalmente para os menores, conseguir pegar o ingá e a manga.

A dificuldade acaba se transformando em uma diversão e quase sempre os alunos menores

recebem ajuda dos mais velhos. Para coletar manga e ingá utilizam um pau para bater no fruto.

Uma vez que acham uma madeira com um bom tamanho, esta fica ao lado da árvore para que

seja utilizada por todos. Já a coco bocaiúva é recolhida do chão próximo da palmeira. O

período de bocaiúva é fácil de reconhecer, porque as crianças estão sempre com a bochecha

saltada, pois colocam o coco na boca e ficam chupando por horas. É importante destacar que

eles recolhem, apenas, o que vão consumir.

Algumas plantas são mais apreciadas pelas crianças como alimento do que outras.

Por exemplo, ao se referir ao aguapé, Pedro disse: “a flor é doce, a gente come” (Pedro). Em

oposição, o arroz do campo, colhido no Pantanal, segundo eles, “tem gosto ruim”(Bete). Esse

tipo de arroz, conhecido como arroz do mato ou selvagem, apesar de não apreciado pelas

crianças, é iguaria fina e de custo elevado na gastronomia urbana.

Outro uso da flora, citado pelos alunos, está relacionado com a produção de

remédios caseiros. As famílias que sempre residiram às margens do rio desenvolveram, ao

longo dos anos, diversos conhecimentos para minimizar problemas de saúde que enfrentam no

cotidiano. Segundo Pott et al., (2004), no Pantanal há longa tradição de uso de plantas

medicinais. Para o povo pantaneiro, a “farmácia do mato”, muitas vezes, é a única solução, já

que estão distantes das cidades.

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No decorrer desta pesquisa foi possível perceber que esse é um conhecimento da

tradição que desperta muita atenção dos alunos, principalmente nas meninas do 3° ao 5° ano,

todas muito interessadas em falar sobre as plantas medicinais.

O interesse das meninas pelas plantas medicinais remete a fala de Lévi-Strauss

(1989) ao relatar que no conhecimento tradicional “há uma atitude científica, uma curiosidade

assídua e alerta, uma vontade de conhecer pelo prazer de conhecer”. Ou seja, o saber não é

construído apenas pela necessidade (LÉVI-STRAUSS, 1989, apud DIEGUES, 2000, p.30).

O conhecimento que essas alunas possuem sobre as plantas medicinais foi

identificado durante a atividade da filmagem (no terceiro encontro), conversas informais e nas

brincadeiras das quais participaram. As plantas e as respectivas enfermidades para as quais

seriam indicadas, na percepção das alunas estão descritas no Quadro 5.

Quadro 5: Plantas medicinais e enfermidades para a qual são indicadas na percepção dos alunos Plantas

Nome popular (Nome científico)41

Enfermidades

Arruda (Ruta graveolens)

Dor de dente

Terramicina (Alternanthera brasiliana) Dor de dente

Ingá (casca) (Inga marginata Willd)

Tosse

Laranja (Citrus sinensis) Gripe

Erva Santa Maria (Chenopodium ambrosioides L.)

Verme

Fedegoso (Cassia occidentalis L.) Limpeza do sangue, Verme.

Goiabinha (Psidium firmum) Dor de estômago e diarreia

Japecanga (Smilax sp.) Micose (“mancha branca na pele”)

Lima (Citrus) Pressão alta

Vassourinha (Scoparia dulcis L.) Problemas renais, de estômago e intestino, dor na coluna.

Fonte: Dados da pesquisa, 2013

As alunas reconhecem as plantas e as apontam no ambiente natural (“Esse é um pé de

lima. Os moradores daqui que plantaram a lima”), relacionando-as às enfermidades para as

quais são indicadas para tratamento (“Esse limão serve para gripe”) e sabem como deve ser o

preparo de cada remédio. O limão, por exemplo, pode ser assim preparado:

41

Id. Nota Rodapé 17

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A gente torra ele junto com cravo de defunto e um pouquinho de açúcar. Depois coloca água e abafa por umas duas horas (Flávia).

Você pode colocar um pouco de água num copo e cinco folhinhas, abafar um pouco e tomar

(Bianca).

Todas as alunas afirmaram que aprenderam o que sabem sobre o uso das plantas

medicinais com os mais velhos (pai, mãe, tia e vizinhos).

Ao falarem das plantas medicinais, diferentes informações emergiam e quando não

coincidiam, as meninas permaneciam discutindo até chegarem a um acordo. Por vezes, seus

conhecimentos divergiam em pequenos detalhes, o que era suficiente para prolongar a

discussão. Quase sempre as discussões eram encerradas com afirmação “minha mãe (ou tia, ou

avó) faz assim”.

Os moradores da comunidade têm a preocupação de cultivar espécies de plantas

medicinais, pois nem todas são componentes da flora local. Cristina, aluna alojada na escola,

durante uma das caminhadas que fizemos pela comunidade, se empenhou em encontrar plantas

medicinais que não existiam próximas da sua casa, a fim de levar algumas mudas quando

retornasse.

Além das plantas usadas na alimentação ou como remédio, os alunos conhecem

também outras utilizadas como matéria prima na fabricação de algum objeto para atender a

uma necessidade específica. Por exemplo, a canoa de um pau, um meio de transporte ainda

utilizado no Pantanal, tradição que vem dos índios canoeiros Guató. A respeito da construção

dessa canoa, disse Augusto do quinto ano:

Torando uma árvore no machado. Usa cambará e piúva. Tem que escolher a árvore, porque tem umas que não serve. O remo faz da mesma árvore.

Apenas esse aluno expressou tal conhecimento em relação à construção da canoa.

Os demais disseram que nem eles, nem seus pais sabiam nada a respeito, mas que ainda há

algumas pessoas na comunidade que detêm esse conhecimento42.

Outro instrumento presente no dia a dia das famílias ribeirinhas é o arpão. A

construção dessa ferramenta é descrita por Bianca e Cristina alunas do quinto ano.

42 Baseada na minha própria experiência, pois trabalhei por alguns anos com as comunidades ribeirinhas do Pantanal, é possível perceber que as famílias estão utilizando cada vez menos a canoa de um pau. Utilizam-na apenas para percorrer distâncias menores e, principalmente, no período da cheia. Em contrapartida, as embarcações industrializadas com motores de rabeta estão cada vez mais presentes nas comunidades.

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O cabo dele é de taquara. Pega um ferro grande faz uma ponta bem fina tipo ponta de anzol, com

aquela curvinha, depois emenda na taquara. Ele tem aquele trequinho na ponta igual anzol pra poder enganchar, é feito no fogo.

O arpão é utilizado de diferentes maneiras pela comunidade. De acordo com as

alunas e alunos, pode ser usado como um petrecho de pesca ou de caça e até uma arma de

defesa contra sucuri. Assim disseram:

No porto da minha casa tinha uma sucuri comendo o jacaré. Aí meu pai matou ela com o arpão e o jacaré foi embora.

A gente tava lavando roupa quando ouvimo o barulho ... mas era sucuri. Tentamo matar ela, mas

escapou do arpão e foi embora e depois nos escutamo ela embaixo da tábua. Ela ia pegar o meu primo, mas minha prima viu e mataram ela. Ela já tinha o sinal do arpão.

A flora também é usada na produção de artesanato. Segundo Maria, o aguapé serve

para fazer diferentes produtos para serem usados nas atividades domésticas, no vestuário e até

mesmo no lazer. Disse ela: “Com esse aguapé a gente pode fazer bolsas, cintos, um monte de

coisa; pode fazer até sanfona”.

O uso do aguapé para produção de corda, cinto, chapéu, entre outros, é uma

herança cultural dos índios Guató43. Eles utilizam o talo da folha do aguapé, depois de seco,

para trançar e fazer os diferentes produtos. Como na comunidade da Barra do São Lourenço há

descendentes desses indígenas, algumas alunas detêm este saber.

Sabe-se que além do aguapé, o acuri é uma planta muito utilizada pelos moradores

da comunidade. Como mencionado no capítulo anterior, os ribeirinhos do Pantanal cobriam

suas casas com palha de acuri, uma palmeira típica da região. Os alunos detêm esta

informação, sabem reconhecer a planta e dizem que é fácil encontrá-la. Entretanto, Zanatta

(2010) revela a dificuldade de os moradores de conseguirem ter acesso ao acuri porque as

palmeiras estão localizadas nas partes altas e nas áreas das reservas ambientais, o que exige

uma autorização para retirada. O que se pode perceber no local é que, em decorrência disso, a

comunidade está vivenciando transformações culturais e algumas casas estão sendo refeitas

com cobertura de telhas de cimento.

Em relação às plantas tóxicas, apenas duas foram mencionadas pelos alunos:

figueirinha do mato e cipó mucuna. De acordo com os alunos, estas não podem ser

43 Mais informações sobre o artesanato produzido pela etnia Guató está disponível no site OECO. Disponível em<http://www.oeco.org.br/reportagens/25916-artesa-da-etnia-guato-e-remanescente-de-pratica-sustentavel-secular> Acesso em: 20 dez. 2013.

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consumidas (“Os pais ensina pra não colocar na boca” porque “alguns mata, o pó do

mucuna mata”).

Os dados obtidos acerca dos saberes dos alunos sobre a flora, embora mostrem um

quantitativo expressivo de plantas conhecidas, pode revelar bem menos do que de fato eles

sabem. Por exemplo, não foram citados pelos alunos a alface, a couve, a cebolinha e o coentro,

entre outras plantas que sabemos que são cultivadas no local, inclusive na horta da escola.

4.1.3 Saberes dos alunos relacionados ao rio

Os rios, com suas características específicas, orientam muitas ações das pessoas

que convivem diretamente com eles. Nesse convívio os ribeirinhos constroem saberes acerca

do período da cheia e da seca, das condições de navegação, da melhor época e do melhor local

para pescar, dos lugares mais perigosos, dos seres que habitam as suas águas, entre outros. O

rio representa uma fonte de alimento, possibilita o deslocamento das pessoas em viagem ou

passeio e é também lugar de lazer. Guarda também “mistérios” e lendas que influenciam a

vida da população ribeirinha.

As águas dos rios do Pantanal são responsáveis por grande parcela do equilíbrio

ecológico desse bioma. Os ciclos de cheia e seca são fundamentais para manutenção e

sobrevivência de todas as espécies de fauna e flora local. Nesse contexto, as famílias

ribeirinhas desenvolveram um modo particular para ali viverem (DA SILVA, 1995). Para os

ribeirinhos da região do Pantanal, a grande cheia não é vista como um problema, mas sim um

fenômeno natural importante que trará fartura de peixes.

A comunidade da Barra do São Lourenço está localizada a margem direita do rio

Paraguai. Este é o principal tributário da Bacia do Alto Paraguai. É um rio caudaloso, sinuoso

e de grandes extensões, abrange uma área de drenagem de 1.095.000 km², sendo 33% no

Brasil e o restante dividido entre Bolívia, Paraguai e Argentina. Outro rio muito presente na

vida dos moradores da comunidade é o rio São Lourenço, um dos afluentes do rio Paraguai.

Com uma extensão de 600 km deságua no rio Paraguai, próximo da comunidade, por isso o

nome Barra do São Lourenço.

O rio está fortemente presente na vida da comunidade da Barra do São Lourenço.

Para os ribeirinhos o rio é a rua, a estrada, o meio de transporte, o lazer, a diversão, o perigo, a

fonte de renda e de alimentação.

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O rio é lugar de “tomar banho”, “tirar camalote”, “pescar peixe e tuvira”, “tirar

caranguejo”, “tirar artesanato”, “lavar roupa”, “beber água [...] quando tá limpo”.

Nos desenhos dos alunos, desde o 2º ao 5º ano, o rio está quase sempre presente

quando retratam a realidade local. Nas figuras 13 e 14 pode-se ver uma mostra de alguns

desenhos das crianças nos quais o rio é retratado. Já nas figuras 15 e 1644 têm-se os desenhos

dos alunos mais velhos, onde é possível perceber que possuem uma visão espacial da

comunidade.

Figura 13: Desenho de alunos do 2° e 3° ano (9 e

10 anos)

Figura 14: Desenho de alunos de 2° e 5° ano (7 e

11 anos)

Figura 15: Desenho de alunos do 5° ano (12 a 18

anos)

Figura 16: Desenho de alunos do 6° ao 8° ano

Com as observações cotidianas, interpretando as mudanças, fazendo correlações e

ouvindo as pessoas mais experientes, os alunos constroem diversos saberes sobre o rio e

também sobre outros fenômenos ou elementos da natureza, cuja leitura é feita a partir das

44 Os dois desenhos são resultantes da atividade do Projeto Cartografia Social desenvolvido com os alunos do 5° ao 9° ano da Extensão São Lourenço como mencionado na metodologia da pesquisa.

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mudanças neles observadas. Assim, por exemplo, quando o rio está enchendo, isso é

percebido pelos alunos quando “a água vem subindo e o barranco vai ficando pequeno” e

porque se vê “um monte de camalote”. A cheia também tem outros indicadores como “o rio

enche, os mosquitos vão embora”.

Os alunos, assim como os demais moradores da comunidade, usam diferentes

pontos do rio como referência. Esses pontos, na maioria das vezes, são nomeados pelas

pessoas do local. Assim, por exemplo, cada barranco localizado na frente das casas é nomeado

“porto” (o Porto Nossa Senhora Aparecida é o barranco na frente da casa da Dona Maria) e

cada local por onde navegam (os braços menores, os corixos, as baías) também são nomeados.

As crianças não conhecem todos esses lugares, mas sabem que existem, que “tem um monte

de nome que as pessoas dão e ele fica” como, por exemplo, “baía boca do burro”, “baía

arranca rabo”.

A “dequada”, um fenômeno natural do rio Paraguai, também conhecida dos

alunos em alguns de seus aspectos. Indagados sobre o que sabiam a respeito, eles fizeram

diversas correlações entre a dequada e outros fenômenos, como a queimada, a poluição, a

mudança de comportamento das aves aquáticas, entre outros. Os alunos falam da dequada,

suas causas e consequências:

A dequada vem porque tem a queimada, aí vem a enchente e os peixes começam a morrer porque dá falta de ar nele.

Vem da poluição do rio.

Quando o rio tá muito escuro e os peixes começam a morrer.

É os passarinhos que dão o alerta que vem água ruim. Quando não tem passarinho [nas margens

do rio] não tem dequada.

Olha os biguá lá, nós estamos no tempo da dequada.

Em tempo de dequada tem bastante urubu no rio, por causa dos peixes que morrem. Eles sobem em cima do baceiro e até brigam por causa do peixe.

A piracema está presente na vida dos alunos e eles a veem como um período em

que “tá fechada a pesca”, o rio “pára, ai passa o fim de ano abre de novo”, os peixes “ficam

livres” e depois desse período “aparece bastante peixe”. Também sabem da repercussão do

fenômeno na rotina das famílias e na economia local. Os pais não saem com a mesma

frequência para pescar (só o fazem para a própria subsistência) e o turismo no local diminui.

Sendo assim, “tem que economizar o que a gente tem, porque não pode pescar”.

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Além da subsistência, o rio sempre foi uma fonte de lazer para as pessoas da

comunidade. Há algum tempo, as crianças comumente eram vistas nadando no rio. Sabiam

dos perigos e tomavam os cuidados necessários, como, por exemplo, “não entrar no rebojo”,

porque “tudo que cai lá, ele leva para o fundo”. Mas, o hábito de brincar no rio parece estar

mudando. Os alunos disseram que não nadam mais “porque tem muita piranha”. Maria

complementa a explicação e dá outra razão para não entrar no rio:

Antes tomava [banho]. Porque teve uma vez [...] no ano novo, uma menininha sumiu. Ela caiu no

rio e as piranhas comeram ela. Ninguém sabe o que aconteceu com ela. Ela tava na tábua.

Depois desse fato, os pais proibiram as crianças, principalmente os menores, de

brincarem no rio45.

O rio é a única via de transporte utilizada pelos moradores e isso contribuiu para a

construção de diversos saberes relacionados às embarcações próprias para trafegar nas

condições que ele oferece.

Os alunos explicam, por exemplo, que uma “chata” (Figura 17) produz mais

ondas no rio do que um barco-hotel (Figura 18) “porque são dois motor”, “a água bate na

chata dela e faz onda”.

Quando o tema de discussão com os alunos foram os motores e os barcos, os

meninos apresentaram mais interesse do que as meninas. A maioria dos alunos consegue

identificar a embarcação (freteira, voadeira, rabeta, pocpoc, barco-hotel) que se aproxima da

45 Tal informação causou-me inquietude. Procurei os adultos da comunidade para entender o que havia acontecido. Eles relataram que em 2011 houve um acidente com um bebê de 18 meses, de uma família que visitava a comunidade. Os pais estavam limpando peixe na beira do rio, a criança estava próxima e sumiu.

Figura 17: Foto da embarcação “chata” Fonte: Acervo Ecoa

Figura 18: Foto da embarcação “barco hotel” Fonte: Arquivo Ecoa

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comunidade mesmo sem avistá-la, usando como indicador apenas o som do motor. Alguns

também conseguem distinguir pelo som, inclusive, os diferentes tipos de barcos-hotel.

Bianca disse conhecer o “V8, é o (motor) da luz”. É interessante, que o

conhecimento da aluna está relacionado ao motor que gera energia para casa e não ao motor

do barco. Mas ela também sabe dizer o motor do barco de seu pai, “tem motor de polpa. É um

25”. Nenhuma outra aluna participou da conversar ativamente, apenas ficaram escutando.

Os alunos mais velhos, tanto meninos quanto meninas, disseram saber navegar na

canoa de um pau, o meio de transporte típico da região. Porém, nem todos os pais permitem

que naveguem sozinhos.

Em relação ao uso da água do rio, sabe-se que todas as famílias da comunidade,

inclusive a escola, utilizam a água do rio para cozinhar, beber, tomar banho, lavar louça, roupa

e limpar a casa. A água do rio é tratada pelos moradores para ser consumida. Cristina do

quinto ano explica como se faz o tratamento da água em sua casa.

[...] coloca cloro na água, tem a quantidade certa que a gente coloca. Porque se coloca demais, aí

sim que dá dor de barriga na gente. O cloro que a gente coloca tem limite, se colocar uma colher em um balde de um litro fica muito forte. Minha tia ensinou e também tem alguns que vem escrito (na embalagem). Daí você coloca e desce aquela sujeira da água, fica bem branco. Então, quando você olha desce a areia e a água fica

limpa.

Todas as famílias realizam este procedimento para tratar a água que será

consumida. Após a aplicação de cloro, a água é colocada no filtro e está pronta para o

consumo. Este não é um saber tradicional, uma vez que o tratamento utiliza uma “nova

tecnologia” que é comercializada nas cidades. Entretanto, este novo conhecimento acaba

sendo incorporado aos saberes locais, o que denota a dinâmica da produção do saber local,

que está relacionado sempre às demandas e às modificações do ambiente e do modo de viver

das famílias.

Certos saberes dos alunos, relacionados ao rio, agregam elementos míticos que

contribuem para a orientação do seu cotidiano na comunidade.

Na relação cotidiana com o ambiente as populações tradicionais constroem

percepções e relações com o mundo nas quais a natureza, a cultura, os mitos e lendas são

faces de um mesmo universo. Para Pereira e Diegues (2010), a visão cosmológica das

populações tradicionais, principalmente dos povos indígenas, está diretamente ligada ao

manejo do ambiente natural. Os mitos, regras, valores e conhecimentos são importantes para

definir período de plantação, da caça ou da pesca, e podem ser considerados como “elementos

culturais regulatórios”. Castro (2000, p. 167) assinala: “Nas sociedades ditas ‘tradicionais’ e

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no seio de certos grupos agroextrativos, o trabalho encerra dimensões múltiplas, reunindo

elementos técnicos com o mágico, o ritual, e enfim, o simbólico”.

Os mitos e as lendas relacionados ao rio (e a outros elementos da natureza)

difundem-se pela comunidade ribeirinha no Pantanal. Ali há horários proibidos, locais

perigosos e espaços que pertencem aos mitos e lendas. Relatos sobre seres sobrenaturais que

habitam o rio também foram encontrados por Da Silva e Silva (1995) em pesquisa no

Pantanal Matogrossense. Segundo as autoras, o sobrenatural é um mecanismo tradicional de

regulação e equilíbrio da pescaria no Pantanal.

Uma das lendas bastante presente na comunidade é a do Minhocão. Para os

ribeirinhos pantaneiros o Minhocão é um grande monstro em forma de serpente que

perambula pelos rios e águas do Pantanal virando canoas, devorando pescadores, levantando

grandes ondas e desmoronando barrancos do rio (GARCIA-WATANABE, 2006).

Os alunos conhecem essa lenda e durante as conversas informais foram trazendo

diferentes elementos que a compõem. De acordo com eles, o Minhocão é “um tipo de uma

cobra e pode se transformar em vários tipos de bicho”. “Ele mora no rebojo” e “pode levar

a gente”. O Minhocão “derruba tudo o barranco da gente quando tá bravo”. “Quando ele tá

bravo o rebojo começa a criar espuma” e ele “derruba o barranco só pra tomar a espuma”.

Os alunos demonstraram ter muito medo do Minhocão. Por acreditarem nele, não entravam no

rio sem a autorização dos adultos.

Uma característica do mito e das lendas é de organizar as relações sociais

legitimando permissões e obrigações, auxiliando na educação e regularizando a vida

comunitária, principalmente na relação do ser humano com o ambiente natural. Neste sentido,

pode-se entender que a lenda do Minhocão auxilia aos pais no cuidado com os filhos,

evitando que os filhos entrem no rio inadvertidamente.

Assim diz Ana a respeito do seu comportamento, guiado pela lenda do Minhocão:

A minha tia não deixa eu tomar banho no rio, porque ela tem medo de alguma coisa pegar nós.. do Minhocão pegar nós.

O modo como as crianças se referem ao Minhocão expressa a mistura entre o real

e a fantasia. Menezes (2008) baseia-se na ideia de Balandier (1997)46 para explicar que o mito

tem o papel de materializar o que não é concreto e a função de explicar algo que não se vê,

mas que se acredita. O relato a seguir é ilustrativo: 46 BALANDIER, Georges. El desorden: la teoria del caos e las ciencias sociales. Elogio de la fecundidad del movimiento. Barcelona: editorial Gedisa, 1997.

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Não sei quem contou de uma mulher e um bebezinho. A mulher tava lavando roupa, ela foi estender a roupa e esqueceu o bebe dela lá. Diz que o Minhocão pegou a criança e levou pro fundo do rio. Ela foi vê não tava mais lá. Chamaram o bombeiro e diz que os bombeiros acharam a criança tudo sugado, sem sangue, branca, e com a cabeça cortada e o Minhocão tava bem do lado da criança e não deixava ninguém

encostar na criança. Até os bombeiros ficaram com medo dele (Cristina).

Outro aluno relata:

Meu tio conta que já viu o Minhocão. Ele viu aquele rebojo na água, aquele negócio espumando,

foi cutucar para ver o que era. Cutucava, entrava pra dentro e quando ele parava vinha pra fora. Depois o Minhocão veio e derrubou tudo o barranco da casa dele (Mário).

A lenda do Minhocão, como se pode perceber, compõe o universo cultural dos

alunos e pode ser concebida como uma alternativa de apoio às famílias na educação para a

convivência com o rio, protegendo suas crianças dos perigos que oferece.

A influência das lendas na educação das crianças é uma característica das

populações tradicionais. As lendas estão relacionadas com a construção do saber local.

Diegues (2000a, p.30) explica que “para muitas dessas sociedades, sobretudo para as

indígenas, existe uma interligação orgânica entre o mundo natural, o sobrenatural e a

organização social”.

Lima (2011, p.102) realizou um estudo na comunidade ribeirinha Santa Maria, no

município de Breves, no Pará, e constatou também essa forte relação da comunidade com o

rio, “a vida na comunidade Santa Maria tem uma ligação visceral com a água”. Os demais

saberes levantados, os quais o autor apresenta como Saberes da Água, da Terra e da Mata,

também se assemelham com os dessa pesquisa.

As informações levantadas sobre a flora, a fauna e o rio, com as crianças,

confirmam o pressuposto que moveu esta pesquisa de que os alunos da Extensão Escolar São

Lourenço possuem saberes locais sobre o ambiente natural em que vivem. A pesquisa

evidenciou, entre outros saberes, principalmente aqueles relacionados ao uso que as famílias

fazem do ambiente natural para alimentação, geração de renda, lazer, saúde, construção de

utensílios domésticos e artesanatos. Esses saberes não são repassados igualmente para

meninas e meninos. Os saberes sobre os usos medicinais da flora fazem parte da vida das

meninas desde muito cedo. Já para os meninos é um tema desconhecido. Porém, eles

dominam os saberes relacionados ao meio de transporte, enquanto as meninas têm poucas

informações (ou mais superficiais) a respeito. Os saberes sobre os peixes e a pesca são

comuns para ambos os sexos, porém os mais velhos detêm mais saberes do que os mais

novos. Diante do exposto, e baseando nas definições de Diegues (1999, 2000) e Cunha (1999)

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acredito que se pode conceber os saberes dos alunos como sendo de origem local, em um

espaço geográfico particular, produzidos por seus habitantes, a partir de suas experiências

cotidianas com o meio ambiente e das relações sociais. São transmitidos oralmente, por meio

da imitação e da demonstração e sofrem modificações e renovações em função dos diferentes

acontecimentos da história. O saber local torna os alunos possuidores de uma cultura

diferenciada das crianças do meio urbano. Mas isso não quer dizer que são crianças

“atrasadas” e menos capazes. Pelo contrário, são alunos que possuem saberes específicos da

localidade onde residem e que querem e podem ampliar este conhecimento com auxílio da

escola.

4.2 O diálogo de saberes na Escola das Águas - Extensão São Lourenço: limites e

possibilidades

Para proceder a análise da “Proposta Político Pedagógica das Escolas das Águas”

foi realizada a leitura do documento na íntegra, buscando identificar os trechos que fizessem

menção à realidade local e ao conhecimento científico presente no currículo escolar. Em

seguida, esses trechos foram analisados à luz das teorizações sintetizadas na seção anterior e

que fundamentam este trabalho.

A Proposta Político Pedagógica (PPP) das Escolas das Águas (2011a, p.5) tem

como filosofia “construir uma educação por excelência, ao homem do campo” e concebe o

currículo escolar como “um conjunto de saberes que, em dado momento, precisa ser

trabalhado na escola para formar pessoas que vivem em um contexto social e cultural”. A

escola é vista como um “instrumento que deve transmitir os conhecimentos, o legado cultural

de uma geração a outra, oportunizando que cada pessoa possa construir a sua própria

história”. (CORUMBÁ, 2011a, p.24, grifo nosso).

Nesse sentido, as Escolas das Águas propõem desenvolver um currículo tendo em

vista a formação de “cidadãos conscientes, capazes de compreender, criticar a realidade,

atuando na busca da superação das desigualdades e do respeito ao ser humano”,

proporcionando “a equidade, que é a consciência dos nossos alunos de que pessoas e grupos

em situações desfavoráveis necessitam de atenção e condições especiais” (CORUMBÁ,

2011a, p. 6, grifo nosso).

Como fundamentos éticos e pedagógicos, a Proposta apresenta, entre outros, a

necessidade de a “escola ensinar e aprender a conversar, a ouvir, a refletir, como também

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oferecer instrumentos da cultura, de história, da ciência para que o aluno tenha a

possibilidade de ampliar a compreensão de si no mundo” (CORUMBÁ, 2011a, p. 9, grifo

nosso).

Os temas transversais, entendidos como aqueles que devem ser desenvolvidos de

modo interdisciplinar, estão presentes na PPP das Escolas das Águas. São eles a ética, saúde,

orientação sexual, o meio ambiente, a educação para o trânsito e das relações étnicas raciais.

Esses temas devem ser tratados considerando as “contribuições das várias ciências que

deverão ser criticadas e aperfeiçoadas a cada dia” e relacionados de maneira concreta com o

cotidiano do aluno (CORUMBÁ, 2011a, p. 31, grifo nosso).

As competências e habilidades descritas no PPP revelam também uma

preocupação com o cotidiano do aluno. No Quadro 6 estão transcritas algumas dessas

competências e habilidades, a título de exemplo.

Quadro 6: Habilidades e competências na PPP das Escolas das Águas que relacionam as disciplinas com a realidade do aluno

Disciplinas

Habilidades e competências

Matemática Estabelecer conexões entre a matemática e as demais disciplinas do currículo, bem como entre a

matemática e os problemas do cotidiano.

Geografia Caracterizar a paisagem local: suas origens e organização, as manifestações da natureza e as transformações sofridas ao longo do tempo; Reconhecer as relações entre as pessoas e seu lugar: condições de vida, as histórias, as relações afetivas e de identidade.

História Conhecer e discutir diferenças culturais, raciais, de condição social e gênero. Valorizar e respeitar o patrimônio artístico-cultural, reconhecendo-o como expresso da história de povos, grupos, classes sociais; Discutir as formas e finalidades de apropriação do meio ambiente pelas sociedades humanas.

Ciências Compreender a natureza como um todo dinâmico, sendo o ser humano parte integrante e agente de transformações do mundo em que vive; Identificar relações entre conhecimento científico, produção de tecnologia e condição de vida, no mundo de hoje e em sua evolução histórica.

Fonte: Proposta Político Pedagógica das Escolas das Águas (2011), município de Corumbá, MS. (grifos nossos)

A PPP das Escolas das Águas orienta que a avaliação deve contemplar quatro

eixos, sendo: (1) Abertura ao outro: o documento sustenta que não há aprendizado sem

exposição, sem trocas; assim, é preciso que o professor revele aos alunos seus valores e

crenças e que a história de vida do aluno seja “‘lida’, valorizada e considerada no processo

de elaboração do conhecimento”; (2) Ação dialógica: concebe que a aprendizagem está na

relação aluno e professor, na interação, na troca de ideias, opiniões e conceitos; (3)

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Construção conjunta: o professor e o aluno se colocam como sujeitos do conhecimento; essa

“construção implica abandonar de vez a concepção de que só o professor tem a verdade, de

que apenas sua opinião é a que vale” e (4) Autoavaliação: a fim de analisar todo o trabalho

para ver “se tem qualidade e se ainda pode ser melhorado” (CORUMBÁ, 2011a, p. 40, grifos

do nosso).

Analisando os trechos selecionados da Proposta Político Pedagógica das Escolas

das Águas, foi possível perceber, em diversos momentos do texto, a ideia de construção de um

currículo que abre espaços para uma educação multicultural crítica (como concebe Peter

McLaren) e também de um saber ambiental (como concebido por Enrique Leff ) voltados para

as crianças ribeirinhas, uma vez que propõe (1) considerar o cotidiano dos alunos nas

diferentes disciplinas, (2) contemplar o legado cultural da humanidade, isto é, as contribuições

dos conhecimentos das várias ciências, da história e da cultura, (3) atentar para as “situações

desfavoráveis” e para os que “necessitam de atenção e condições especiais”, (4) reconhecer

as “diferenças culturais, raciais, de condição social e gênero”, (5) valorizar e respeitar as

expressões “da história de povos, grupos e classes sociais”.

Nessa perspectiva, de acordo com o documento, o currículo escolar poderá

favorecer ao aluno “compreender e criticar a realidade” (inclusive as ciências), “ampliar a

compreensão de si no mundo” e, assim, atuar “na busca da superação das desigualdades”.

Para tanto, no processo de ensino e aprendizagem, de acordo com a PPP, é preciso

que o professor não seja concebido como detentor absoluto do conhecimento; ao contrário,

tanto ele quanto o aluno são considerados como detentores de saberes, opiniões e conceitos

que devem ser ouvidos, valorizados, respeitados, refletidos, criticados e partilhados no

processo de elaboração do conhecimento escolar.

Nessas essas ideias presentes na PPP das Escolas das Águas, é possível identificar

uma preocupação com a valorização da realidade dos alunos e a promoção do diálogo entre

seus saberes e aqueles produzidos pelas ciências ocidentais. Entretanto, entendo que o

conhecer a cultura dos alunos deve ultrapassar o limite do conhecer por conhecer. De acordo

com o conceito da educação problematizadora de Freire (1996), nesta situação o

conhecimento passa a ter um conceito fenomenológico de “intenção”, ou seja, o

“conhecimento sempre está dirigido para alguma coisa”. Não há construção de conhecimento

sem uma comunicação com a realidade e a subjetividade do aluno (SILVA, 2004, p.59). E

como essas orientações são contempladas na formação dos professores? Dito de outra forma:

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os professores são formados para desenvolverem na escola uma proposta pedagógica na

perspectiva multicultural crítica e para a construção de um saber ambiental?

4.2.1 A formação do professor das Escolas das Águas para o diálogo com a cultura local

Com o intuito de identificar se e como os docentes das Escolas das Águas são

formados para trabalhar com os saberes dos alunos no currículo escolar, foram entrevistadas

as professoras da Extensão Escolar São Lourenço, a coordenadora e a diretora da Escola Porto

Esperança e Extensões. Além disso, foram analisados os relatórios das formações continuadas

oferecidas pela Secretaria Municipal de Educação de Corumbá nos anos de 2009, 2010 e

201147.

Para a análise dos dados obtidos, parto da concepção de formação do professor

como um processo contínuo que inclui aprendizagens obtidas em cursos de formação

específica para o magistério (formação inicial) e formações continuadas e também ao longo

da vida profissional, na própria prática pedagógica. Discutirei cada um desses momentos,

tendo em vista identificar de que modo concebem e contemplam os saberes dos alunos (mais

especificamente os saberes sobre a fauna, a flora, o rio, enfim, o ambiente natural) no

currículo escolar.

Tanto as professoras quanto a coordenadora pedagógica e a diretora da Escola -

todas pedagogas, formadas em IES de Corumbá, uma delas pela EAD - informaram que a

diversidade cultural no currículo não foi tema de estudos nos seus cursos de graduação. Assim

sendo, o primeiro contato com a realidade de uma escola diferente das que já conheciam no

ambiente urbano ocorreu no primeiro dia de trabalho. Assim disse uma delas: “saí da sala

onde tomei posse, fui direto para zona rural”.

De modo geral, as professoras que chegam às Escolas das Águas não são

concursadas, e sim têm contratos temporários de prestação de serviços à Secretaria Municipal

de Educação de Corumbá, por um período máximo de dois anos. Elas vão para essas Escolas

respondendo a um edital de vagas oferecidas pela Secretaria. Muitas são recém formadas,

outras já são experientes, mas sem vínculo com a Prefeitura por concurso. As professoras ali

47 Não há registros oficiais das formações realizadas em 2012. Este foi o ano de transição do Programa Escola Ativa para o Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo) que forneceram diretrizes para o trabalho das Escolas das Águas. Segundo os técnicos da Secretaria, em 2012 foram realizadas apenas reuniões com os professores para repassar informações operacionais/burocráticas.

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chegam atraídas por incentivos financeiros diversos ou porque é a única possibilidade de

emprego que lhes é oferecida naquele momento.

A preparação para assumir as aulas no contexto das Escolas das Águas se resume

na participação dessas professoras em um ou dois dias, em reuniões com a Diretora e as

coordenadoras e/ou técnicos da Secretaria de educação, nas quais são apresentados a PPP, a

organização, a infraestrutura e o funcionamento, bem como algumas características da cultura

da comunidade (as meninas casam-se muito cedo (12/13 anos) e geralmente com homens

mais velhos, as festas típicas, por exemplo) e fazem recomendações para o bom andamento

das aulas (acompanhar de perto os alunos, procurar saber o motivo das faltas, as regras de

convivência com os alunos alojados, entre outros).

O estranhamento em relação à nova realidade enfrentada fica expresso nas falas

das professoras:

No primeiro ano, eu cheguei lá e parecia que tudo era igual como na cidade. Mas depois eu

vi o difícil acesso, como eles vivem. Descobri outra maneira deles viverem ( Maria).

Eu tive muita dificuldade. Porque é diferente, é outro habitat. Até a maneira deles se comunicar com a gente é diferente. Mas eu me adaptei a eles, gostei muito e gosto até hoje (Lourdes).

Se a formação inicial não discutiu a questão da diversidade cultural no currículo e,

mais especificamente, não promoveu reflexões sobre o diálogo com os saberes dos alunos nas

escolas, as formações continuadas procuraram suprir essa lacuna?

Para responder a essa questão, parto da concepção de formação continuada na

perspectiva de Imbernón (2011, p.58) trazendo como ideia central que esta deve proporcionar

aos sujeitos o desenvolvimento de “instrumentos para facilitar as capacidades reflexivas sobre

a própria prática docente, cuja meta principal é aprender a interpretar, compreender e refletir

sobre a educação e a realidade social de forma comunitária”. Assim, o professor terá

condições de “gerar conhecimento pedagógico por meio da prática educativa” (IMBERNÓN,

2011, p.50).

Segundo as professoras, as formações continuadas oferecidas pela Secretaria e das

quais participaram também não contemplaram a questão da diversidade cultural no currículo

escolar. Essas formações ocorreram ao final de cada bimestre e os conteúdos trabalhados

seguiram as diretrizes de formação do Programa Escola Ativa. De acordo com as falas das

professoras, e também da diretora, as formações enfocavam principalmente a dificuldade de

trabalhar com salas multisseriadas. Assim esclarecem:

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Depois que começou a Escola Ativa mesmo é que nós começamos a estudar a problemática e estudar a metodologia para trabalhar com salas multisseriadas que é a realidade rural das águas. (Diretora).

Sempre nós temos formação de como trabalhar o multisseriado, porque nossas séries são assim

(Maria).

A análise dos relatórios e notícias das formações realizadas pela Secretaria

Municipal de Educação de Corumbá nos anos de 2009, 2010 e 2011 torna mais explícito o

que foi abordado durante a realização desse trabalho.

Nos relatórios de 2009 e 2010 há presença de temáticas relacionadas à realidade

local, com ênfase no ambiente natural (o Pantanal). Em 2009 foi oferecido o curso “Educação

Ambiental nas Águas do Pantanal”, de 40 horas, com objetivo de suprir a necessidade de os

professores conhecerem o bioma Pantanal. Esse curso foi elaborado pela ONG Ecoa, em

parceria com a Secretaria.

O curso contemplou, principalmente, conteúdos relacionados à realidade social,

histórica e econômica das comunidades ribeirinhas e a ecologia do bioma pantanal (fauna,

flora e a hidrodinâmica das águas). Com uma carga horária bem menor foram abordadas

algumas metodologias de ensino que poderiam ser utilizadas com os alunos das Escolas das

Águas, na perspectiva de trazer para a escola a sua cultura. Foram propostas “rodas de

causos” e escrita de poemas ou de outras modalidades de textos inspirados no poeta da região,

Manoel de Barros. Outras atividades, com objetivo de aproximar o professor do aluno, foram

também sugeridas, tais como o teatro e algumas dinâmicas de grupo (ECOA, 2009, 2010).

A formação de 2010 trouxe algumas alterações em relação ao ano anterior. Os

encontros foram organizados novamente pela Ecoa em parceria com a Secretaria, desta vez

com a finalidade de proporcionar a troca de experiência entre os professores. Para tanto, num

primeiro encontro, no início do ano letivo, antes de os professores irem para as suas escolas,

foi oferecida uma oficina de aproximadamente 4 horas sobre “educomunicação”48. Foram

sugeridas algumas ações de educomunicação para serem desenvolvidas pelos professores ao

longo do ano letivo, privilegiando a realidade ambiental da comunidade, mais especificamente

as peculiaridades dos diferentes pantanais (paisagem, fauna, flora etc.).

No início do segundo bimestre houve a continuidade da formação. Nessa

oportunidade foi solicitado aos professores que relatassem as atividades desenvolvidas, bem

48 Segundo o professor Ismar de Oliveira Soares (2000), educomunicação é o conjunto das práticas voltadas para a formação e desenvolvimento de ecossistemas comunicativos em espaços educativos, mediados pelos processos e tecnologias da informação, tendo como objetivo a ampliação das formas de expressão dos membros das comunidades e a melhoria do coeficiente comunicativo das ações educativas, tendo como meta o pleno desenvolvimento da cidadania.

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como as dificuldades enfrentadas e como as superaram (ECOA, 2010). Os bimestres seguintes

seguiram a mesma rotina. Além disso, em todos os bimestres estava na programação a

formação voltada para o trabalho com classes multisseriadas (CORUMBÁ, 2010). Não consta

no relatório um trabalho com os saberes locais e sua inserção no currículo da escola.

No ano de 2011 a formação continuada foi planejada exclusivamente para

propiciar aos professores instrumentos que os apoiassem no processo de ensino em classes

multisseriadas (CORUMBÁ, 2011b). O tema da valorização dos saberes locais no currículo

escolar não foi contemplado nessa formação.

Em suma, nas formações continuadas promovidas pela Secretaria de Educação, da

qual participaram os professores das Escolas das Águas, as reflexões sobre a construção de

um currículo escolar que valoriza os saberes dos alunos ocorreram de modo aligeirado e

incipiente. A realidade do aluno foi contemplada nas formações com maior ênfase nos

conteúdos próprios dos conhecimentos científicos relacionados ao bioma do Pantanal, sem

que isso fosse articulado com a sua realidade cultural, social, econômica e ambiental e os seus

conhecimentos produzidos no cotidiano das comunidades ribeirinhas e repassados de geração

em geração.

Se não houve na formação inicial e nas formações continuadas um enfoque na

diversidade cultural no currículo, tendo em vista a valorização das culturas historicamente

silenciadas, onde e como os professores aprenderam a lidar com essa questão?

De acordo com o que disseram as professoras, os seus conhecimentos a respeito

do trabalho com as crianças ribeirinhas foram sendo construídos com o passar dos anos, na

prática profissional.

Tardif (2002) nos auxilia a compreender essa questão. Para o autor, a formação

dos professores, além de ocorrer nas instituições de ensino que oferecem cursos de magistério,

também se dá na experiência. Os professores constroem seus saberes docentes ao longo da sua

trajetória profissional, saberes estes que são produzidos e transformados no e pelo trabalho.

[...] não creio que se possa falar do saber sem relacioná-lo com os condicionantes e com o contexto do trabalho: o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer. Além disso, o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. (TARDIF, 2002, p. 11, grifo nosso).

O autor explicita nesse texto momentos importantes da formação do professor que

vão além dos cursos de formação inicial e continuada: a história profissional e a experiência

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de vida. Com base nessa ideia, passo analisar como esses dois momentos contribuíram para a

formação das professoras que atuam na Escola das Águas investigada.

O primeiro momento diz respeito à aprendizagem da docência na história

profissional. Pode-se dizer que as professoras, sujeitos desta pesquisa, foram aprendendo,

tanto na prática como no convívio com os alunos no mesmo alojamento, a lidar com algumas

especificidades desse contexto: as razões das ausências dos alunos nas aulas, o seu linguajar e

as salas multisseriadas. Conheceram também alguns elementos da cultura local, como as

lendas, as datas comemorativas, a rotina do homem pantaneiro, a comida dos ribeirinhos,

entre outros.

Nesse contexto, e no cotidiano profissional essas professoras construíram suas

representações sobre o aluno da escola em que atuam. Em suas falas, elas fazem referência a

crianças tranquilas, bastante educadas e humildes, tímidos, introspectivos, que não costumam

brigar e demonstram interesse em aprender, que têm perspectivas de futuro e querem estudar

para ter uma profissão (professor ou médico, por exemplo). Essas crianças, quando instigadas

a falar sobre a vida pessoal ou dos “causos” que circulam na comunidade tornam-se falantes e

participativas. Assim expressa a professora Maria em relação aos seus alunos:

Nesse nosso Taquari aqui eles ainda não tem televisão que vai mostrar coisas diferentes pra eles. São crianças que até hoje te dão bênção, fala “dá licença”, “bom dia”, “por favor” [...]. Eles têm vontade de

crescer, mas a realidade deles é muito difícil...

Em outra fala a professora expressa o que pensa em relação à diferença entre os

alunos da Extensão São Lourenço e os demais (aqueles da escola urbana), bem como o papel

da escola naquele contexto:

De início fiquei bem chocada, mas depois eu fui vendo que é a cultura deles e não adianta a gente ir lá e querer mudar, porque eles não vão mudar. O que eles precisavam mesmo é uma escola. Aprender, pelo

menos, escrever o nome. Porque hoje em dia vai ter até o ensino médio.

Essa fala denota que a professora percebe estar diante de uma cultura diferente.

Contudo, essa “diferença” está associada a “inferioridade”, o que reflete na construção de um

currículo numa perspectiva do multiculturalismo conservador, que subalterniza a cultura do

outro por considerá-lo menos capaz. Para eles, o papel da escola seria, apenas, de ensinar a ler

e escrever e não de oferecer outros conhecimentos e valorizar o saber do aluno, tendo em vista

a instrumentalizá-los para desenvolverem um olhar crítico sobre a realidade.

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Reforçando essa realidade constatada pela fala da professora trago os estudos de

Lima (2011) e Silva (2010), pois ambos apontam, em seus estudos, que ainda persistem nas

escolas das comunidades tradicionais uma prática de currículo conservadora. Nessa

perspectiva os saberes são abordados em situações pontuais e motivadora com objetivo de

ensinar a ler e escrever. Essas práticas tornam os saberes dos alunos superficiais e sem

contextualização.

Analisando o segundo momento proposto por Tardif (2002) no que diz respeito à

aprendizagem da docência, posso dizer que a aprendizagem profissional também ocorreu ao

longo da história de vida dos professores, desde o tempo em que eram alunos, observando o

cotidiano da escola e o fazer docente de seus mestres. No caso investigado, as professoras

iniciantes na Escola das Águas - Extensão São Lourenço ali chegaram com suas concepções -

sobre aluno, professor, as matérias escolares, o livro didático, a gestão do tempo das aulas, o

currículo escolar, os saberes legitimados na escola e o modo de ser e viver das comunidades

ribeirinhas - construídas ao longo da sua história de vida, e em geral não problematizadas ou

discutidas no curso de formação inicial ou nas formações continuadas para o magistério.

Essas concepções orientam suas práticas e, não sendo problematizadas, vão se reafirmando ao

longo do exercício da docência.

Assim, por exemplo, as professoras investigadas colocam em prática no dia a dia

da escola o que aprenderam a respeito do seu funcionamento, não importando o contexto em

que está inserida: fazer fila antes de entrar na sala de aula; sentar com as carteiras enfileiradas;

ter o livro didático como principal instrumento de ensino; proibir a saída dos alunos dos

limites da escola; distribuir horários de aulas e recreio como nas escolas urbanas.

Conclui-se, assim, que a formação do professor para atuar nas Escolas das Águas,

isto é, a construção dos saberes da docência que orientam as suas práticas não é fruto apenas

da formação inicial ou continuada, mas também dos saberes construídos ao longo da vida

pessoal do professor, na própria experiência como aluno e na experiência do exercício da

profissão. Todo esse repertório de saberes vai, de uma forma ou outra, estar presente na

prática do professor, refletindo nas suas concepções sobre a docência, o professor, o aluno e

os conteúdos curriculares que devem ser ensinados na escola.

4.2.2 No cotidiano escolar os (des)compassos do diálogo com a cultura do aluno

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Para identificar se e como a cultura local, mais especificamente os saberes dos

alunos sobre o ambiente em que vivem, é contemplada na prática pedagógica dos professores

da Escola das Águas – Extensão São Lourenço, tomei como fonte de consulta os registros de

seus diários de classe, os cadernos dos alunos, os livros didáticos adotados e também

entrevistei os profissionais que atuaram na escola. Todos os dados foram referentes ao ano de

2012.

Em entrevistas com as professoras pode-se notar, em suas falas, a preocupação

com a realidade dos alunos, ao ensinarem um determinado conteúdo:

Para você trabalhar o semáforo, é difícil! Porque eles nunca vão à cidade. Primeiro você trabalha o rio, porque lá no rio também tem sinalização e depois você traz as informações da cidade. [...] é difícil, mas é

preciso começar pela realidade deles para você chegar à outra.

Segundo as professoras, os alunos fazem várias atividades que contemplam o seu

cotidiano. Disse uma delas:

Nós temos muita atividade assim: Como é a sua comunidade? O que tem em volta da sua comunidade? Como é a sua casa? Que meios de comunicação vocês usam? É dessa maneira que é trabalhado.

Nessas atividades, os alunos fazem descrições de suas casas, produzem maquetes,

mapas e desenhos do local.

Em relação aos saberes locais sobre o ambiente, uma das professoras relata que

desenvolveu com os alunos uma atividade de pesquisa a fim de identificar os conhecimentos

que a sua comunidade detém sobre as plantas medicinais. Para levantar essas informações, os

alunos consultaram seus familiares e os moradores mais idosos. Esse material foi registrado

em um caderno de “receita caseira” que foi exposto na Sala Pedagógica.

A história da comunidade foi contemplada no currículo da escola também por

meio da pesquisa. As professoras relatam que os alunos entrevistaram seus familiares e os

dados obtidos compuseram um texto a esse respeito.

Sobre as lendas, a professora relatou que os alunos já detinham alguns

conhecimentos repassados pelos seus pais, avós e vizinhos. Com base nessas informações foi

elaborado um “livrinho” onde cada texto sobre as lendas era acompanhado de desenhos.

Outros temas trabalhados em sala de aula que contemplavam a realidade local e os

saberes dos alunos foram a Água e o Lixo. De acordo com a professora, foi apresentado o

conteúdo sobre reciclagem do lixo (3Rs – recuperar, reutilizar, reciclar,) e depois foi realizado

um mutirão para coletar o lixo que estava próximo a área da escola. Ela relatou que havia

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muito lixo, porque “as famílias enterram e/ou queimam os resíduos e quando vem a cheia, a

água desenterra espalhando-o por todo local”.

Em relação ao tema Água a professora disse que abordou o tema porque considera

“a água do rio muito suja e contaminada pelo trânsito de embarcações fluviais”. Os conteúdos

ensinados foram os cuidados no uso da água (ferver e filtrar a água antes de ser consumida) e

algumas doenças que veicula.

No Diário de Classe foi possível identificar a presença desses e outros conteúdos

trabalhados na escola e relacionados com a realidade dos alunos (Quadro 7).

Quadro 7: Conteúdos que abordam a realidade local ensinados na escola, conforme registro no Diário de Classe Conteúdos registrados no Diário de Classe

Fauna

2° ano – Geografia � Texto sobre a fauna do Pantanal; � Falar sobre a fauna [...] do Pantanal.

2° ano – Ciências � Os animais do Pantanal e os animais em extinções; � Recortar as figuras de aves do Pantanal e colar.

Flora

2° ano – Ciências � Preservação das plantas, cortes, queimadas e desmatamento;

� Plantas que podem nos prejudicar; � Trabalhando com plantas que podem nos ajudar como remédio.

3°e 4° ano – Ciências � Comentar sobre o tipo de paisagem, árvores típicas da região;

� Falar sobre o Pantanal: flora � Ler o texto reflorestamento, desmatamento e flora.

4º ano – Geografia � As queimadas, desmatamento; � Falar sobre a queimada no Pantanal.

Rio 4° ano – Geografia � Poluição da água. 5° ano – Geografia � A piracema.

Geral (fauna, flora,

rio, outros)

2º ano -Geografia e História

� Observar o caminho da casa para escola, a natureza, o relevo;

� Como a sua comunidade transforma essa paisagem; � Escreva como a natureza está no seu dia a dia.

3º ano - Geografia e História

� Pesquisar alimentos que sua família retira diretamente da natureza.

� Relatar o modo de viver na zona rural. 4º ano - Geografia � Problemas ambientais do município. 5º ano - Geografia � Ler o texto sobre cuidados com o ambiente;

� Fazer uma lista sobre o que você pode colaborar com a higiene de sua casa;

� Meio ambiente, poluição desregula a natureza. Fonte: Diário escolar da Extensão São Lourenço de 2012.

Pode-se observar que as atividades desenvolvidas em sala de aula, de acordo com

o diário de classe, pede para o aluno “falar sobre”, “comentar sobre”, “relatar sobre” o que

pode ser uma tentativa de diálogo entre os saberes escolar e local. Entretanto, como

constatado, as professoras não têm uma formação coerente com essa proposta. Logo, pode-se

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dizer que não tem condições de desenvolverem uma educação que vai além da prática da

educação bancária criticada por Freire (1996). Mesmo pesquisando em diferentes materiais de

apoio às professoras, não conseguem superar a concepção equivocada de ensinar que

aprenderam durante sua história de vida, magistério e trajetória profissional. Essa educação

baseada na transmissão de conhecimentos científicos, realizada de modo vertical, onde o

professor é o detentor do conhecimento, ainda prevalece mesmo que se inicie com o saber do

aluno.

Ainda, pelo que está exposto no Quadro 7, e considerando o que foi apresentado

nas seções anteriores em que foram elencados diversos saberes dos alunos em relação ao

ambiente local, pode-se ter uma ideia do potencial existente para se estabelecer o diálogo

entre estes e os saberes ensinados na escola.

Por exemplo, os saberes escolares sobre a fauna seriam enriquecidos pelo que os

alunos já sabem: a lista dos animais da região, o habitat de cada um, a cadeia alimentar, os

detalhes da morfologia externa, a utilização da fauna pelo ser humano, entre outros. Em

relação à flora, eles conhecem a diversidade de plantas da região, as utilizadas como

remédios, técnicas para plantio de algumas espécies, a utilização de plantas para produção de

artesanato, conhecimentos de frutos e folhas que podem ser utilizadas como alimentos tanto

para as famílias quanto para os animais, além das plantas tóxicas. Sobre o rio, os alunos

conhecem os fenômenos da dequada e da piracema, sabem a diferença entre baía, lagoa,

corixo e rio, conhecem diferentes tipos de iscas e peixes; reconhecem os motores utilizados

pelas embarcações e os melhores lugares para pesca, localizam espacialmente vários pontos

do rio, sabem remar na canoa de um pau.

O diálogo entre os saberes dos alunos e o escolar, além de enriquecer a aula e

motivar a participação dos alunos, irá contribuir para elevar a autoestima das crianças,

resultando no fortalecimento de sua identidade cultural. Ao articular os conhecimentos da

ciência ocidental com o saber local, a escola está propiciando a construção de um novo

conhecimento. É uma oportunidade de problematizar os saberes produzidos pela ciência e

pelas sociedades tradicionais.

Para contribuir com essa prática dialógica, Freire (1996, p.52) traz que o

“fundamental é que o professor e alunos saibam que a postura deles, [...], é aberta, curiosa,

indagadora e não apassivada”. É preciso ultrapassar a curiosidade domesticada para se chegar

ao aprendizado de fato. O importante é que “professor e alunos se assumam

epistemologicamente curiosos”.

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Em relação ao livro didático, não são utilizadas obras que contemplam a realidade

dos alunos dessas escolas ribeirinhas. Uma das professoras informa:

A Secretaria fez uma coleção [para trabalhar na disciplina de artes]! Mas o livro fala para visitar a casa da Dona Izulina, visitar o museu. É dificultoso, como você vai trazer os alunos para conhecer a casa da

Dona Izulina? É voltado para cidade. Mas a gente pesquisava na internet e levava para os alunos.

A diretora também aponta como uma dificuldade para o desenvolvimento do

trabalho das professoras a falta de material para realização de pesquisa. O resultado “são os

planejamentos muito simples, porque não tem acesso a informação”.

Na ausência de material específico, as professoras utilizaram os livros didáticos

do Programa Escola Ativa (na ocasião da pesquisa). Esse Programa conclama a escola a

aprofundar sua relação com a comunidade na qual está inserida e, dessa forma, o livro

didático propõe atividades que vão ao encontro da vida diária, do ambiente natural e social, da

vida cultural e econômica dos alunos e da comunidade. Analisando os livros didáticos

utilizados, foi possível identificar alguns espaços para a promoção do diálogo entre a cultura

local e o saber produzido pela ciência ocidental. O livro sugere que os alunos façam

entrevistas com os moradores mais idosos da comunidade e com os seus familiares, que o

professor promova excursões para observação e descrição do ambiente local, produção de

cartazes, murais e discussões sobre a realidade local a partir das informações trazidas pelos

alunos.

Um exemplo disso pode ser visto no livro de ciências do 4° ano, quando traz o

tema Água, apresentado na Unidade 3. As atividades propostas pelo livro e realizadas no

desenvolver dessa Unidade são registradas nos cadernos, como mostra a Figura 19. Nas

respostas elaboradas pela aluna, percebe-se que ela estabelece relações com a realidade local

quando faz referência à chuva que provoca cheias periódicas no Pantanal. Ao falar de alegria

e tristeza, relaciona esses sentimentos ao alívio do período da seca e, ao mesmo tempo, aos

prejuízos materiais e desconfortos provocados pelas cheias. Nos desenhos notam-se os

aguapés, as lagoas e rios, paisagem típica do ambiente natural pantaneiro, mas há também a

presença de outras realidades diferentes da local, como o mar e o oceano.

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Figura 19: Fragmentos dos registros do caderno do aluno exibindo as atividades propostas no LD sobre o tema água Fonte: Caderno de uma aluna do 4º ano da Extensão São Lourenço, ano 2012

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Outro exemplo da possibilidade do uso do livro didático em articulação com a

realidade local pode ser visto no texto que trata de uma lenda indígena. A lenda da Vitória

Régia está descrita no livro de português do 3° ano e vem acrescida de textos complementares

e atividades que propõem discussões sobre conhecimento científico e conhecimento local,

como mostram as Figuras 20 e 21.

Figura 20 – Texto complementar à lenda

Fonte: Livro Didático do Programa Escola Ativa

Figura 21 – Atividades propostas sobre a lenda

Fonte: Livro Didático do Programa Escola Ativa

O tema da Vitória Régia apresenta, a princípio, um potencial para o diálogo de

saberes na escola, numa perspectiva multicultural crítica. Entretanto, as atividades propostas

reforçam o abismo entre o conhecimento científico e as culturas locais ao considerar o texto

científico como informação e verdade, enquanto a lenda é apenas uma explicação, uma

fantasia. Nesse caso, o que se ensinou, via livro didático, é a superioridade do conhecimento

científico em relação à cultura local. Essa é visão fruto de uma herança colonizadora que

concebe o saber local como uma forma primitiva de pensar porque não se enquadra no

paradigma de ciência/conhecimento.

Cabe lembrar que a escolha dos professores pelo livro didático do Programa da

Escola Ativa, em 2012, deveu-se ao fato de ser o único em quantidade suficiente para atender

todos os alunos. Esses livros foram elaborados para atender as escolas do campo que

trabalham com salas de aula multisseriada e não contemplam as especificidades da realidade

das Escolas das Águas. Apesar de orientarem para a construção de um currículo que promova

a aproximação da comunidade com a escola, deixam a cargo do professor encontrar as formas

de fazê-lo. Os conteúdos e exemplos utilizados nesses livros não diferem muito do que se vê

naqueles voltados para os alunos das escolas urbanas. O livro didático privilegia o

conhecimento científico ocidental e não há menção às questões ambientais, sociais,

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econômicas e políticas das comunidades tradicionais (quilombolas, ribeirinhas, indígenas

entre outros).

Na prática docente, a articulação dos temas propostos no livro didático com a

realidade local ocorre, de modo geral, por meio da execução de projetos específicos pontuais.

Dados do Diário de Classe e das falas das professoras mostram que nessas atividades os

alunos descrevem, registram e trocam informações entre si a respeito da sua realidade. Assim

revela Lourdes sobre como essa temática é trabalhada:

Eles escrevem, dependendo da série. Apresentam, vão falando, trocando os papéis com os colegas pra ver se bate, se são iguais.

No final do ano fizemos uma Sala Pedagógica e eles apresentaram [os projetos]. Fizemos cartazes, também aproveitamos cartazes sobre animais e trabalhamos os animais que existe no Pantanal. Eles

(alunos) desenharam a maquete da comunidade, a maquete do rio, começando aqui por Corumbá até chegar no rio São Lourenço, onde as crianças moram.

As professoras, assim como a diretora e a coordenadora da escola investigada,

reconhecem que os alunos detêm diversos saberes e que sabem muito mais do que elas a

respeito do ambiente natural.

De fato, alguns dados obtidos nesta pesquisa por meio de um questionário

(Apêndice 3) dirigido à professora Lourdes49, com perguntas sobre o ambiente natural da

região, indicam que os alunos detêm mais informações do que ela sobre o ambiente local

(Quadro 8).

Por um lado, chama atenção nos dados do Quadro 8 certo descompasso entre os

saberes da professora e o dos alunos. Os saberes expressos pela professora não apresentam a

riqueza dos saberes dos alunos (como visto nos dados apresentados nas seções anteriores) e

nem acrescentam a eles os conhecimentos da ciência ocidental. Causa estranheza que, após

quase uma década de trabalho na região do Pantanal, a professora ainda desconheça certos

aspectos do ambiente, tão presentes no dia a dia da comunidade local.

49 A outra professora, Maria, não respondeu ao questionário, pois não pode comparecer ao local no dia em que foi aplicado.

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Quadro 8: Comparativo entre alguns saberes expressos pela professora e pelos alunos sobre a realidade local Saberes da professora Saberes dos alunos

Dequada “Quando o rio está cheio” “É os passarinhos que dão o alerta que vem água

ruim. Quando não tem passarinho não tem dequada”. “Quando o rio tá muito escuro e os peixes começam a morrer”; “Olha os biguá lá, nós estamos no tempo da dequada”

Piracema “Quando os pescadores param de pescar para reprodução de peixe”

“É quando tá fechada a pesca, porque tem que reproduzir”.

Ninhal “Onde as aves se reproduzem” “Essa é uma árvore que eles procuram para ficar, para procurar o peixe e dormir. [...] eles estão em bando. [...] quase todo lugar você encontra árvores assim”.

Baceiro “Quando o rio está cheio as plantas aquáticas começam a descer o rio”

“É maior que camalote. O baceiro vem com terra, com solo dá até para ficar em pé. Ele flutua por causa dos camalotes que estão em cima dele”.

Corixo “Pequenos rios” “É um lugar com água que dá para ver o fundo”.

Embarcações locais

“Navio e barco” “Rabeta”, “freteira”, “voadeira”, “pocpoc”, “motor de polpa”. “‘chata’ faz mais ondas no rio do que um barco-hotel, porque são dois motores”.

Lendas “O minhocão que aparece no rio, quando ele está bravo derruba os barrancos e afunda os navios. Ele é um animal muito feio!”

“Um tipo de um cobra e pode se transformar em vários tipos de bicho”. “Ele mora no rebojo”. “Derruba tudo o barranco da gente quando tá bravo”.

Fonte: Dados da pesquisa, 2013.

Por outro lado, notam-se aproximações entre os saberes dos alunos e da

professora, o que pode ser indicador de que ela adquiriu com seus alunos e/ou com outras

pessoas da comunidade certos conhecimentos sobre fenômenos ambientais ou aspectos

próprios da região, já que em sua formação inicial ou continuada não foi contemplada tal

questão. Lourdes admite que desconhecia a realidade local quando ali chegou e que aprendeu

muito com os alunos.

Eu aprendi bastante coisa com eles. Porque eu não sabia nada sobre pesca, sobre a vida deles, sobre a realidade deles. [...].. As plantas medicinais eu aprendi algumas com a minha avó e outras com meus

alunos do São Lourenço [...]. Porque a gente tá aqui na cidade e não sabe a realidade deles.

Esse dado sugere que há espaços, na comunidade e no contexto da Extensão São

Lourenço, para intercâmbio de informações, para troca de saberes, de tal modo que o

professor ensina, mas também aprende com os alunos.

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De fato, as crianças são mesmo muito “espertas”, como observaram suas

professoras. Este estudo levantou uma quantidade expressiva de saberes dos alunos da

Extensão Escolar São Lourenço referente ao ambiente natural. Os alunos conhecem o habitat

e o comportamento dos animais, a sua cadeia alimentar, as morfo-espécies, os usos destes de

forma sustentável. Em relação à flora, eles mostram conhecer as plantas usadas para

alimentação, para fins medicinais e como matéria prima, além daquelas que podem causar

danos à saúde. Quanto ao rio, o estudo evidenciou que com ele a comunidade local estabelece

uma relação que transcende o mundo real e ultrapassa a dependência de uso do recurso

natural. As mudanças que ocorrem no rio são observadas como indicadores naturais, os

fenômenos naturais são compreendidos e esperados, as embarcações despertam a imaginação

e o interesse dos alunos. As crianças têm no rio a sua principal referência para localização

espacial. Do rio eles também conhecem lendas, como a do minhocão que representa um

componente importante na regulação de seu cotidiano.

De outra parte, a análise da presença desses saberes no currículo da escola

investigada mostra que esta sabe muito pouco daquilo que as crianças sabem e que os saberes

dos alunos são pouco valorizados no currículo escolar. A realidade do aluno, quando

abordada, está relacionada a questões motivacionais, ou seja, tem como função atrair a

atenção deste para o ensino de um determinado conteúdo dito “universal”. Eventualmente

essa realidade é tratada em projetos pontuais e datas festivas. Assim sendo, a realidade local

se apresenta de modo apenas descritivo, não sendo discutida, analisada e problematizada.

Tampouco ocorre a problematização do saber científico ocidental, a discussão sobre as

condições de sua produção e as relações deste com contexto local. Enfim, o saber local e o

diálogo deste com o conhecimento ocidental parece ser algo ainda distante do currículo da

escola.

Numa perspectiva multicultural crítica, a valorização, no currículo, dos saberes e

dos alunos que os detêm requer muito mais do que pontuar aspectos da realidade na forma de

conteúdos estanques. Implica criar condições para construir na sala de aula uma perspectiva

problematizadora no currículo, como orienta Freire (1996). Para o autor, o dever da escola

não é o de simplesmente ensinar a ler e escrever, mas sim ensinar o aluno a fazer uma

releitura do mundo, refletir sobre a realidade existencial para se transformar como sujeito e,

assim, transformar a realidade em que vive.

Ao trabalhar a cultura e o contexto local os alunos se sentem valorizados e

motivados a desenvolverem as atividades propostas pela escola (ZEICHNER, 1993).

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Entretanto, a presença da temática local na sala de aula, por si só, não garante o diálogo

cultural. Os dados obtidos nesta pesquisa mostram que as professoras desconhecem a

realidade dos alunos. Com o tempo e a convivência, vão aprendendo algo sobre os costumes e

modo de viver das crianças e seus familiares. No entanto, esse conhecimento, adquirido na

convivência com a comunidade, não é problematizado e refletido à luz de teorias que

discutem cultura, currículo e relações de poder. Assim, torna-se difícil promover o diálogo

com os alunos, promovendo reflexões que contribuam para a construção de novos olhares

para realidade.

Para a diretora das Escolas das Águas, a inserção da realidade local no currículo

escolar ainda é um desafio, e reconhece as dificuldades vivenciadas pelos professores.

[...] eles [os professores] ainda acham que para trabalhar essas questões tem que fazer uma exposição pedagógica. Eles fazem gavetas. No primeiro bimestre trabalha iscas, no segundo causos, no terceiro

as festas. Não conseguem transversalizar..

A fala da diretora mostra que ela está sensível a essa dificuldade de a escola lidar

com a diversidade cultural no currículo.

Os dados levantados ao longo desta pesquisa evidenciam que essa dificuldade está

relacionada, fundamentalmente, à formação do professor. Esse achado vai ao encontro dos

resultados das pesquisas que compõem a revisão de literatura desta dissertação, tais como os

estudos de Basílio (2006), Campos (2011), Martins (2010), Lima (2011), Pinheiro (2009) e

Souza (2005) . Todos apontam a carência de uma abordagem voltada para diversidade cultural

tanto na formação inicial quanto na continuada. Ressaltam, ainda, que apesar do esforço do

professor, o diálogo entre os saberes não ocorre em sala de aula.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização desta pesquisa possibilitou encontrar respostas às questões que me

afligiam já há alguns anos, desde que me envolvi com um trabalho voltado à formação de

professores das Escolas das Águas, em comunidades ribeirinhas do interior do Pantanal de

Mato Grosso do Sul, no intuito de auxiliá-los a compreender melhor o bioma local e a

construir metodologias de ensino adequadas a essas Escolas.

Durante a concretização daquele trabalho, senti que, na condição de jornalista,

faltavam-me conhecimentos específicos na área da educação para que pudesse alcançar o meu

intento. Essa lacuna me motivou a ingressar no Mestrado em busca de conhecimentos em

educação, com ênfase na formação e prática docente.

Desde então, pude ter acesso a leituras e discussões que auxiliaram a ampliar o

meu olhar para aquelas escolas, seus professores, os alunos e a comunidade em que está

inserida. Com o olhar mais ampliado, fui compreendendo a importância da escola para a

salvaguarda das populações ribeirinhas. Nesse sentido, a escola poderia contribuir para

preservação da cultura local, o seu modo de ser, produzir e transmitir conhecimentos, por

meio de um currículo que valorize a diversidade cultural.

Com essa compreensão, e pretendendo contribuir para a construção de uma escola

nessa perspectiva, realizei a pesquisa relatada nesta dissertação. Percorri duas vias para

construir este trabalho.

A primeira delas me levou a criar diferentes atividades para o levantamento de

dados sobre os saberes dos alunos. Realizei rodas de conversa, desenhos, brincadeiras, usei

recursos imagéticos (fotos, produção de vídeos). Cada encontro com os alunos foi marcado

por descobertas, novos questionamentos, muitas dúvidas, o que tornava o estudo cada vez

mais instigante para mim. Ao final, pude conhecer uma parcela da riqueza dos saberes

tradicionais das comunidades ribeirinhas, mais especificamente dos alunos da Escola das

Águas – Extensão São Lourenço, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Os alunos detêm

diversos saberes sobre a fauna, a flora, o rio, as lendas e os modos como a comunidade usa,

maneja e conserva o ambiente natural local. São “saberes locais”, pois caracterizam-se pela

transmissão oral de geração em geração, pela construção no contato direto com o ambiente e

por meio da observação, são saberes dinâmicos que se modificam e se renovam nos desafios

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do cotidiano. Assim, sua riqueza, como assinala Cunha (1999), não está apenas no produto,

mas no processo de sua produção. As garantias de sua produção devem, portanto, ser

preservadas se quisermos preservar esses saberes.

Aproximar-me dessa questão contribuiu, acima de tudo, para que eu ampliasse

minha visão em relação à comunidade, aos alunos e seus saberes. Antes, os considerava

carentes e detentores de uma cultura diferente. Hoje reconheço a complexidade, a importância

e a riqueza da sua cultura e consigo relacioná-la com o contexto histórico que a silenciou.

Entretanto, essa riqueza de saberes dos alunos é, em grande parte, ainda

desconhecida da escola e pouco valorizada no currículo. Isso foi possível constatar

percorrendo outra via na trajetória desta pesquisa. Nessa caminhada, foi possível identificar

que os saberes dos alunos eram contemplados em apenas algumas atividades pontuais e que

não estavam representados nos livros didáticos utilizados. As professoras, por não terem

formação para atuar na perspectiva de valorização dessa diferença, conservam, em suas

práticas, uma visão de currículo de abordagem monocultural.

Aprofundar-me nesses estudos contribuiu, fundamentalmente, para modificar as

minhas concepções de educação e currículo escolar. Se antes concebia como legítimos no

currículo apenas os conteúdos de matriz eurocêntrica, hoje entendo que o currículo é um

campo de poder, um lugar de disputas de significados pelo que deve ou não ser considerado

legítimo. Comprometida com o empoderamento das culturas historicamente excluídas,

defendo a inserção destas no currículo escolar.

Nessas linhas finais deste trabalho, quero ressaltar, de um lado, os fatores

limitantes à construção, na escola, de um “saber ambiental” (como proposto por Enrique Leff)

e um “currículo multicultural” na perspectiva crítica (como defende Michael Apple e Peter

McLaren, entre outros). De outro, os fatores que se apresentam como possibilidades de a

escola investigada caminhar na construção de um currículo que promova o diálogo dos

diferentes saberes e favoreça a preservação da cultura local.

Entre os fatores limitantes, isto é, aqueles que vêm dificultando a construção de

um currículo multicultural na escola investigada, destaco dois deles para reflexão: (1) a

formação e (2) as condições de trabalho do professor.

No que diz respeito à formação, tanto inicial como continuada, ficaram evidentes

certas lacunas que dificultam a construção de um currículo que valorize a cultura dos alunos.

Uma delas é a ausência, nos cursos de formação dos professores, de conteúdos

específicos relacionados à região em que estão localizadas as Escolas das Águas, isto é, o

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Pantanal em seus aspectos naturais (fauna, flora, hidrografia, geologia, etc.), políticos, sociais,

econômicos e culturais. Os professores que atuam nesses contextos precisam “dispor de

conhecimentos socioculturais específicos acerca das línguas, culturas e particularidades dos

alunos da sua sala de aula” e também “serem capazes de utilizar esses conhecimentos na

organização curricular e da instrução”, como assinala Zeichner (1993, p. 88-89).

Outra lacuna na formação do professor, e que dificulta a construção do diálogo

entre distintas culturas, diz respeito à sua preparação para a pesquisa sobre e com as culturas

diferentes (sua história, seus saberes, suas formas de organização, etc.). Citando Cazden e

Menhan (1990)50, Zeichner (1993) assinala que só será possível dispor desses conhecimentos

socioculturais se o professor for formado para investigar esses e nesses contextos, ou seja,

para “ser capaz de obter informações dos seus alunos e da comunidade local e aprender a usar

essas informações em prol da pedagogia” (ZEICHNER, 1993, p. 90). A formação do professor

para a diversidade cultural na escola inclui, portanto, o aprender a utilizar metodologias de

pesquisa apropriadas a dar voz aos moradores da comunidade, fazendo emergir suas

linguagens, seus valores, seus símbolos, enfim, seus saberes historicamente silenciados e

inferiorizados. Orientados pelos professores, os alunos também deverão fazer parte desse

processo, investigando a sua própria cultura. Assim, a formação do professor deve

proporcionar a construção de competências tanto para a pesquisa como para orientação de

seus alunos na tarefa de pesquisar.

As lacunas apontadas anteriormente são faces de uma mesma moeda: a formação

do professor para a diversidade cultural, conforme defendemos nesta pesquisa, isto é, numa

perspectiva que contemple as reflexões sobre o multiculturalismo e interculturalismo no

currículo e as relações de poder que silenciaram e subalternizaram historicamente certas

culturas e seus saberes. As formações desses professores incluiriam, pois, a análise crítica da

realidade social, ambiental, política, cultural e econômica em que foram produzidas as

diferentes culturas e as possibilidades de diálogo entre elas.

Evidenciadas essas lacunas na formação inicial, destaca-se a importância das

formações continuadas como alternativa para dotar o professor de conhecimentos acerca da

realidade de seus alunos, bem como de saberes relacionados à pesquisa em contextos culturais

distintos, à construção de pontes de interação entre a comunidade e a escola, à utilização

50 CAZDEN, C.; MEHAN, H. Principles from sociology and anthropology: Contex, code, classroom, and culture. In: REYNOLDS, M.(Ed.). Knowledge base for the beginning teacher. Washington, DC: American Association of Colleges for Teacher Education, 1990. p.47-57.

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dessas informações na construção de um currículo que promova o diálogo entre as diferentes

culturas.

Outro fator limitante que trago para reflexão são as condições que o professor tem

para o desenvolvimento do seu trabalho. Isso pode ser evidenciado em diferentes aspectos:

As professoras permanecem na escola por dois meses consecutivos, residindo no

mesmo alojamento dos alunos, convivendo com eles em tempo integral, inclusive na hora de

dormir, sem terem momentos de privacidade para lazer, descanso, preparo das aulas e

aprofundamento nos estudos. A comunicação com a cidade (Corumbá) é precária, o que

dificulta o contanto com seus familiares e a própria direção escolar. Há intensificação do

trabalho das professoras, uma vez que elas eram responsáveis, também, por organizar as

divisões de tarefas entre os alojados (limpeza e cozinha), verificar as condições dos

equipamentos existentes (computadores, gerador, bomba d’água) e comunicar os problemas à

direção central, controlar o estoque de alimentos, entre outros51. Some-se a isso a

responsabilidade quanto à integridade física dos alunos, bem como de evitar as possibilidades

de relacionamento afetivo (namoro) na escola.

Ainda em relação às condições de trabalho, não posso deixar de citar a carência,

no local, de material bibliográfico de apoio ao trabalho do professor. Faltam livros para

pesquisa e também acesso à rede mundial de computadores. Os livros didáticos

disponibilizados para o trabalho com os alunos não atendem as especificidades locais, nem

mesmo aqueles produzidos pela Secretaria de Educação de Corumbá, até porque não foram

produzidos com a participação ativa dos educadores e da comunidade local. Essas condições,

somadas à formação precária para a docência no contexto investigado, dificultam o trabalho

do professor.

Essas pressões decorrentes das condições de trabalho acarretam o mal estar

docente e geram, como consequência, a alta rotatividade de professores nas Escolas das

Águas. A rotatividade também ocorre pelo fato de os profissionais não serem concursados e

terem contratos temporários de prestação de serviços à Secretaria Municipal de Educação de

Corumbá. Diante disso, os professores almejam mudar para escolas mais próximas da cidade.

Essa situação dificulta a continuidade do trabalho na escola.

Apesar de tudo isso, os dados desta pesquisa também indicam que há espaços na

escola para a construção de um currículo multicultural. As falas das professoras, somadas aos

dados obtidos na análise dos Diários de Classe, do caderno dos alunos, do livro didático, bem

51 Em 2013 essa situação melhorou com a contratação de um zelador para cuidar da bomba d’água, do gerador e da limpeza da escola.

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como às orientações da PPP indicam que há certa preocupação com a valorização do aluno e

de seus saberes. Evidenciam-se esforços das professoras em contemplar em suas aulas

aspectos da fauna, da flora, do rio, dos fenômenos naturais e problemas ambientais. Há

também o entendimento da direção escolar de que é necessária a aproximação do currículo da

escola com a comunidade. As comunidades tradicionais possuem uma relação muito próxima

com o ambiente local. Nessa relação constroem conhecimentos que, trazidos para a escola,

numa perspectiva dialógica, crítica e intercultural, podem ser uma oportunidade de construir

um novo conhecimento – o saber ambiental, como propõe Leff (2007), inovador, que

promova uma nova interação dos seres humanos entre si e com o ambiente natural.

A pesquisa mostra que os professores percebem que precisam estar mais bem

formados para poderem atuar no contexto das Escolas das Águas. Eles demonstram interesse

em participar das formações continuadas e vão até elas em busca de respostas para o

enfrentamento dos diferentes desafios de ensinar nessas Escolas. Isso é algo bastante positivo

e que potencializa o trabalho com a diversidade cultural. Contudo, os problemas identificados

por elas e requisitados como objeto de estudo nos cursos de formação são, de modo geral, do

âmbito das metodologias de ensino, do lidar com classes multisseriadas, dos conteúdos

específicos a serem ensinados (de ciências, matemática, português, entre outros), todos tendo

como referência o conhecimento científico ocidental. Elas parecem ainda conceber o currículo

numa perspectiva multicultural conservadora, mas estão em busca de conhecimentos que

possibilitem a construção do diálogo com a cultura local.

Outro potencial a ser explorado é o fato de a escola estar inserida no Programa

Pronacampo, que prevê verbas para a formação inicial e continuada dos professores,

infraestrutura e produção de material didático especifico para essas escolas. Essas propostas

no âmbito do documento formal para se tornarem realidade e atenderem as demandas da

comunidade da Extensão São Lourenço precisam ser discutidas e planejadas com a

participação efetiva de todos os envolvidos com a escola buscando garantir o respeito e as

especificidades de cada uma delas.

Para finalizar, das reflexões propostas no fechamento deste trabalho, ressalto a

importância do investimento na formação do professor. Estou convencida, com base em

Candau (2001), Canen e Xavier (2011), que somente uma formação que prepara o professor

para compreender a diversidade cultural que existe na escola e na sala de aula pode ajudar a

modificar a cultura escolar atual, que ainda se restringe à uma visão homogeneizadora

ocidental. Apoiada em Coppete (2012, p. 207), penso que a formação das professoras para

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atuar nas Escolas das Águas deverá ser fundada em uma perspectiva capaz de provocar

“mudanças cognitivas e emocionais que as levem a compreender como os outros pensam e

sentem; e nesse processo retornem a si mesmas mais conscientes de suas próprias raízes”.

Posso afirmar, olhando para esta minha trajetória de estudos e pesquisa, que isso

está acontecendo comigo, nesse processo, permanente e inconcluso, da minha formação para

trabalhar com a diversidade cultural...

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SOUZA, Marinez França de. Currículo das águas: vida, escola e formação ribeirinha no município de Nova Olinda do Norte/AM. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas: Manaus, 2005.

SZYMANSKI, Heloisa; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de (Org.). A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva. Brasília: Liber Livro, 2004.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2009.

VIERTLER, Renate Brigitte. Métodos Antropológicos como ferramenta para estudos em etnobiologia e etnoecologia. In: AMOROZO, Maria Christina de Mello; MING, Lin Chau; SILVA, Sandra Pereira da. Métodos de Coleta e análise de dados em etnobiologia, etnoecologia e disciplinas correlatas. Rio Claro: Coordenadoria de Área de Ciências Biológicas - Gabinete do Reitor - UNESP/CNPq, 2002. p.11-29.

ZANATTA, Silvia Cristina Santana. Comunidade ribeirinha Barra de São Lourenço: um estudo heurístico sobre desenvolvimento local como projeto endógeno e comunitário. 2010. 161f. Dissertação (Mestrado Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local) –Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande: 2010.

ZEICHNER, Kenneth, M. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Educa Professores, 1993.

ZERLOTTI, Patrícia Honorato; AMÂNCIO, Christiane; COSTA, Kelly da; ZANATTA, Silvia Cristina Santana. Diagnóstico das Comunidades das Águas: Porto da Manga, Baía do Castelo, Paraguai-Mirim e Barra do São Lourenço. Campo Grande: Ecoa, 2010.

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APÊNDICES

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APÊNDICE 1

Modelo de roteiro de entrevista semiestruturada 1. Nome:

2. Data de nascimento:

3. Formação:

4. Primeira vez que leciona em escola da área rural?

5. Tempo de atuação no magistério:

6. Segue a metodologia da Escola Ativa?

7. Participou de alguma formação para lecionar na área rural?

8. Já conhecia o contexto local da Escola e dos alunos?

9. Na sua avaliação quais as principais:

a - Dificuldades

b - Facilidades

c - Recursos pedagógicos utilizados

d - Participação dos alunos

e – Planejamento (o que é considerado)

10. Você teve alguma dificuldade de adaptação?

11. Como é o seu aluno?

12. Você acha que os alunos possuem conhecimentos que não foi aprendido na escola?

Coordenadora e Diretora

1. É passada a orientação para se trabalhar as disciplinas contextualizando com a realidade do

aluno? Como é feita?

2. Quais as principais dificuldades que as professoras encontram?

3. Como são as formações continuadas?

4. Como os alunos das Escolas das Águas são apresentados/perfil para as professor?

5. A Escola consegue entender a cultura do aluno e valorizá-la?

6. As professoras conseguem promover o diálogo entre os conhecimentos dos alunos e os

ensinados na escola?

7. A escola tem a preocupação em trabalhar os aspectos econômicos, sociais e políticos da

realidade dos alunos?

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APÊNDICE 2

I - Perguntas utilizadas no jogo do tabuleiro

É importante explicitar que esse jogo foi realizado no 3° encontro com os alunos e até esse momento já tinham sido levantadas muitas informações a respeito de seus saberes locais. Com objetivo de aprofundar e confirmar alguns dados foram elaboradas perguntas com base nas informações identificadas nos encontros anteriores.

Peixes

1. Qual o maior peixe do rio Paraguai? 2. Qual o menor peixe do Rio Paraguai? 3. É proibido pescar em unidades de conservação como Parques e RPPNs? 4. Descreva o peixe pacu: 5. Quando nascem os filhotes dos peixes? 6. Como nascem os filhotes do peixes? 7. Qual o peixe mais perigoso do rio Paraguai? 8. Como sei identificar quando um peixe é de escama? 9. O que é dequada? 10. Quais os cuidados que temos que ter na cheia, cite 3.

FAUNA 11. Descreva a cobra boca de sapo: 12. Qual ave avisa do perigo com seu grito? 13. Qual época do ano tem mais aves/pássaros na região?

LENDA 14. Conte uma história que conhece sobre o minhocão: 15. Conte uma lenda que você conhece: 16. Conte a história do caboclo d’água:

FLORA 1. Descreva a uvinha do mato: 2. Como você reconhece a árvore de acalhá? 3. Em que período as piúvas florescem?

ORIGEM 1. Explique como se faz uma canoa (madeira)? 2. Além do Brasil, que outros países contêm o bioma Pantanal? 3. O que faz a Polícia Militar Ambiental? 4. Qual o povo indígena conhecido como excelentes canoeiros do Pantanal? 5. Descreva a sua comunidade: 6. Você aprendeu a nadar e pescar com os seus pais. Explique como? 7. Qual o remédio caseiro que você mais usa/toma? 8. Qual o animal que você tem mais medo, por que? 9. Você gostaria de morar na cidade, por que?

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10. O que é associação dos moradores? 11. O que é tarrafa? 12. O que é o Ibama? 13. O que é o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, porque ele foi criado? 14. Você sabe o que é uma RPPN?

QUEM SOU EU?

1. Sou a mais veloz e temida do Pantanal. onça 2. Vivo próximo da água, como peixes, capivaras, meus filhotes nascem de ovos. Jacaré 3. Costumo ficar na lama ou areia de rios e campos alagados. Se pisada, posso atingir o pé ou

pernas das pessoas com um ferrão, causando dor intensa. Arraia 4. Sou grande, de uma asa a outra posso ter quase dois metros. Sou símbolo do Pantanal. Tuiuiu

5. Arbusto de flores rosa em forma de pompom, visitados por abelhas. Tem a capacidade de se fechar ao escurecer ou quando tocados. Dorme-dorme

6. Peixe de escama, carnívoro, de grande porte e saboroso. É chamado pelos pescadores de rei do rio. Um dos mais bonitos e não se entrega fácil quando pescado. Dourado

7. Uma ave da mata que pode ser vista à tardinha ou de manhã cedo. Mas é arisca. Vive aos casais. O macho é preto, tendo a barriga branca. Seu nome imita o seu canto. Mutum

8. Sou pequena, mas venenosa, todos me temem no Pantanal. Boca de sapo 9. Moro na beira do rio, posso comer qualquer coisa, sei pescar, caçar. Estou no Pantanal há

muitos anos. Ribeirinhos 10. Sou um peixe carnívoro de grande porte. Tenho a cabeça achatada e longa, pintas pretas

por quase todo o corpo e listras verticais claras. Vivo no fundo do rio. Pintado 11. Sou bravo até mais perigoso do que onça, posso ser marrom ou preto, tenho os pelos

grossos e arrepiado. Não sou do Pantanal, sou uma espécie de fora, mas que se adaptou muito bem na região. Minha carne é saborosa. Porco monteiro

12. Sou uma pequena samambaia aquática flutuante livre, com folhas em torno de 3 centímetros de comprimento. A forma da minha folha deu origem ao meu nome comum. Orelha-de-onça

13. Habito as profundezas do rio Paraguai. Sou responsável pela formação de perigosos rebojos e pelo desmoronamento de barrancos e de casas à beira-rio. Aparece para pescadores que não são simpáticos ou para testar sua fé. Diz a tradição que para matar sua fome e afastá-lo deve-se jogar uma cabeça de porco no rio. Minhocão

14. Peixe de corpo muito longo, roliço, sem nadadeiras costuma ser confundido com serpentes aquáticas. Muçum

15. Árvore de até 10 metros de altura. O nome refere-se ao aspecto do fruto. Muita azeda, serve para fazer doce cristalizado ou pastoso, suco e picolé. É fácil fazer mudas e plantar na beira do rio. Laranjinha de pacu

FALSO ou VERDADEIRO

1 – uma canoa a deriva no rio Paraguai leva seis meses para atravessá-lo (de Cáceres a Porto Murtinho). 2 – O Pantanal atrai muitos turistas por ser a maior floresta tropical do mundo. 3 – Até 80% do Pantanal fica coberto de água no período da cheia. 4 – Decoada é um fenômeno natural de decomposição da vegetação que ficou embaixo da água quando inicia a cheia.

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5 – Sem o ciclo de cheia e seca o Pantanal seria diferente. 6 – O minhocão mora nos rios do Pantanal e fica no rebojo. 7 – O clima no pantanal é frio e úmido. 8 – A banha de sucuri é boa para curar bronquite. 9 – Na lua cheia é melhor para catar isca. 10 – A coruja quando visita uma casa está trazendo sorte. 11 – Toda cobra é venenosa. 12 – Durante a seca é o período que mais tem peixe. 13 – O período de mais mosquito no Pantanal é de abril a agosto, no inverno. 14 – O Pantanal é a maior região alagada do mundo. 15 – No Pantanal tem mais aves do que mamíferos. 16 – Existem 264 espécies de peixes no rio do Pantanal. 14 – uma sucuri não consegue comer um jacaré. 15 – O minhocão persegue aquelas pessoas que sujam o rio e maltratam os animais. 16 - Os ribeirinhos do Pantanal são descentes de índios. 17 – É muito fácil diferenciar uma capivara macho de uma fêmea, é só prestar atenção no andar dela.

II – Fotos do jogo da memória e das plantas medicinais

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APÊNDICE 3

Questionário aplicado a professora relacionados aos saberes locais sobre o ambiente natural

Extensão Escolar: Tempo de professor nas Escolas das Águas: 1. Você conhece alguma planta medicinal que a comunidade da sua escola utiliza? Sabe

como preparar? Quem te ensinou?

2. Comente em poucas palavras uma lenda da comunidade local? Como você ficou conhecendo esta lenda?

3. Quais aves do Pantanal você conhece?

4. Quais tipos de embarcações fluviais você conhece?

5. Quais são os peixes mais consumidos pelos seus alunos? Você sabe quais iscas são utilizados para pescá-los? Como aprendeu?

6. Cite três peixes de escama:

7. Cite três peixes de couro:

8. Descreva o comportamento de uma ariranha (onde mora, o que come, filhotes entre outros):

9. Monte uma cadeia alimentar do Pantanal:

10. O que é dequada?

11. O que é piracema?

12. O que é ninhal?

13. O que é um baceiro?

14. O que é um corixo?

15. Como aprendeu esses conhecimentos?

16. Conte algo que você aprendeu com os seus alunos ou com a comunidade:

17. Você utiliza os conhecimentos dos alunos durante as aulas? De que forma, explique

rapidamente.

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APÊNDICE 4

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título da Pesquisa: Os saberes ambientais dos alunos das Escolas das Águas no Pantanal de Mato Grosso do Sul e suas implicações no currículo escolar. Pesquisadora: Patrícia Honorato Zerlotti CPF: 830.337.261-00 RG: 747430 SSP/MS TEL: (67) 8445-4813 Endereço: Rua Olinda, Alvez, 1028, Casa 07, Rita Vieira – Campo Grande, MS Orientadora: Maria Aparecida de Souza Perrelli CPF: 099.451.806-49 RG: M 260956- SSP/MG TEL: (67) 8111-8682 Endereço: Rua Amazonas, 2495 – Jardim Autonomista – Campo Grande, MS

A pesquisa acima mencionada tem como finalidade identificar os saberes

ambientais dos alunos das Escolas das Águas relacionados ao rio Paraguai e suas implicações no currículo escolar.

Serão convidados a participar da pesquisa alunos e professores da Escola Rural

Polo Porto Esperança – Extensão Barra do São Lourenço e Escola Rural Polo Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres – Extensão Porto da Manga. Para o levantamento dos dados estão previstas a realização de oficinas, entrevistas aberta individual ou em grupo com os alunos e entrevista semiestruturada com os professores. Também serão consultados documentos oficiais das escolas.

As participações dos alunos não comprometerão as atividades escolares e em momento algum colocarão as crianças em risco. Todos os encontros planejados acontecerão na própria comunidade e de acordo com a disponibilidade dos alunos e consentimento dos responsáveis. Estes serão previamente informados de todos os procedimentos da pesquisa a fim de que não paire nenhuma dúvida.

A participação nesta pesquisa não trará complicações legais a nenhum dos sujeitos, pois os procedimentos usados não oferecem riscos à dignidade do participante, uma vez que estes obedecem aos Critérios de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, conforme Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Considerando as informações constantes dos itens acima e as normas expressas na

Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde consinto, de modo livre e esclarecido, participar da presente pesquisa na condição de participante da pesquisa, sabendo que:

A participação em todos os momentos e fases da pesquisa é voluntária e não implica quaisquer tipos de despesa e/ou ressarcimento financeiro. Em havendo despesas operacionais estas deverão estar previstas no Cronograma de Desembolso Financeiro e em nenhuma hipótese poderão recair sobre o sujeito da pesquisa e/ou seu responsável;

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É garantida a liberdade de retirada do consentimento e da participação no respectivo estudo a qualquer momento, sem qualquer prejuízo, punição ou atitude preconceituosa; É garantido o anonimato; Os dados coletados só serão utilizados para a pesquisa e os resultados poderão ser veiculados em livros, ensaios e/ou artigos científicos em revistas especializadas e/ou em eventos científicos;

A pesquisa aqui proposta foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), que a referenda e O presente Termo está assinado em duas vias. Local e data_______________________________________________

1) _____________________________________________ Nome e assinatura do (a) ( ) Sujeito da pesquisa ( ) Responsável pelo participante Meio de contato: _________________________________ 2) _____________________________________________ Patrícia Honorato Zerlotti 3) _____________________________________________ Maria Aparecida de Souza Perrelli