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UNIVERSIDADE DE LISBOA Faculdade de Direito Os resíduos sólidos urbanos sob um olhar econômico- fiscal SARAH ROSIGNOLI SOUZA Lisboa 2010

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

Faculdade de Direito

Os resduos slidos urbanos sob um olhar econmico-

fiscal

SARAH ROSIGNOLI SOUZA

Lisboa

2010

2

Sarah Rosignoli Souza

Os resduos slidos urbanos sob um olhar econmico-

fiscal

Relatrio desenvolvido no mbito da disciplina

de Economia do Ambiente, referente ao Mestrado

Cientfico na rea Jurdico-Ambiental, com

orientao do Prof. Dr. Carlos Baptista Lobo.

Lisboa

2010

3

Lista de Siglas

BR Brasil

CRFB Constituio da Repblica Federativa do Brasil

CRP Constituio da Repblica Portuguesa

CTN Cdigo Tributrio Nacional

DL Decreto-Lei

EPAL Empresa Portuguesa das guas Livres S.A

ERSAR Entidade Reguladora dos Servios de guas e Resduos

IPTU Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

LFL Lei das Finanas Locais

LGT Lei Geral Tributria

ONU Organizao das Naes Unidas

PERSU II Plano Estratgico dos Resduos Slidos Urbanos

PPP Princpio do Poluidor-Pagador

PT Portugal

RSGU - Sistema de Gesto da Informao sobre Resduos

RSUs Resduos Slidos Urbanos

TCR Taxa de Coleta de Resduos Slidos Urbanos

TJMG Tribunal de Justia de Minas Gerais

WWF World Wildlife Fund

4

SUMRIO

1 Introduo ................................................................................................................................ 5

2 A questo dos resduos da liberdade de atuao regulamentao ..................................... 7

2.1 Os resduos slidos ........................................................................................................... 7

2.2 Os resduos slidos como baldios: uma breve comparao ............................................. 9

2.3 A necessidade de regulamentao .................................................................................. 13

3 A questo econmica externalidades e timo social .......................................................... 15

4 Princpios Ambientais ........................................................................................................... 20

4.1 Princpio da solidariedade intergeracional ..................................................................... 20

4.2 Princpio da preveno e da precauo........................................................................... 21

4.3 Princpio do poluidor-pagador ........................................................................................ 23

5 A tributao ambiental por via das taxas ............................................................................... 25

5.1 Instrumentos econmicos ............................................................................................... 25

5.2 As taxas ambientais ........................................................................................................ 27

5.3 Princpio da Equivalncia ............................................................................................... 29

6 Os regimes brasileiro e portugus ......................................................................................... 30

7 Concluso .............................................................................................................................. 36

8 Referncias Bibliogrficas ..................................................................................................... 38

9 Anexos ................................................................................................................................... 45

9.1. Regime Geral da Gesto de Resduos............................................................................ 45

9.2 Poltica Nacional de Resduos Slidos ........................................................................... 79

9.3 Regulamento Geral de Taxas, Preos e outras Receitas do Municpio de Lisboa........ 105

9.4 Lei Municipal de Belo Horizonte ................................................................................ 121

5

1 Introduo

Vivemos, atualmente, numa sociedade de amplo consumo e, por consequncia, de

amplo descarte, produzindo lixo urbano numa dimenso em que o planeta no suporta gerir.

Dentre muitos outros, um dos presentes desafios das gestes pblicas e que, dia aps dia, vem

sido analisado e tratado mais cuidadosamente, a questo do lixo.

Em Portugal, os dados provisrios do Sistema de Gesto da Informao sobre

Resduos (RSGU), de 2005, relativos produo destes, de que cada portugus produza em

torno de 1,24 Kg de resduos slidos urbanos por dia, o que atinge a soma anual de 4,5

milhes de toneladas em Portugal Continental.1

A Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental2 no Brasil, do Ministrio das

Cidades, fez uma anlise comparativa entre os dados de 1989 e de 2000 da Pesquisa Nacional

de Saneamento Bsico e concluiu que, em parte por decorrncia do aumento dos ndices de

coleta e em parte por decorrncia de mudanas nos padres de consumo (uma vez que na

ltima dcada se consumiu muito mais embalagens e produtos descartveis), ocorreu um

aumento significativo na quantidade de lixo coletado. Houve um crescimento da massa de

lixo coletada de 54%, ampliada de 100 mil toneladas em 1989 para 154 mil toneladas em

2000. Enquanto a massa de lixo coletada cresceu em metade, a populao brasileira, entre

1991 e 2000, cresceu em apenas 15,6%.

Dentro de uma noo de desenvolvimento sustentvel, impossvel estabelecer um

nvel zero de degradao ambiental, mas necessrio que haja uma interveno reguladora.

Dadas as propores quantitativas de produo residual, mister se faz que haja uma preveno

de resduos, diminuindo a quantidade gerada e, assim, prevenindo e minimizando os impactos

ambientais negativos e os danos adversos.

Alm de ser uma questo de leses ambientais, o aumento descontrolado e a m

administrao do lixo de forma mais precisa, dos resduos slidos urbanos tambm um

problema de sade pblica.

Na busca pelo equilbrio entre desenvolvimento e ambiente, os instrumentos econmicos

so utilizados para dar um preo de mercado poluio, tendo em vista limitar a produo e,

1 PORTUGAL. Sistema de Gesto da Informao sobre Resduos (RSGU), 2005. Disponvel em:

http://www.maotdr.gov.pt/Admin/Files/Documents/PERSU.pdf. Data de acesso: 23 de agosto de 2010. 2 BRASIL. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, Ministrio das Cidades: Diagnstico Analtico da

Situao da Gesto Municipal de Resduos Slidos no Brasil. Disponvel em:

http://www.ibam.org.br/publique/media/Boletim1a.pdf. Data de acesso: 23 de agosto de 2010.

http://www.maotdr.gov.pt/Admin/Files/Documents/PERSU.pdfhttp://www.ibam.org.br/publique/media/Boletim1a.pdf

6

em especial, o descarte desenfreado de resduos, atravs da tributao ambiental, matria na

qual, no correr do presente estudo, buscamos analisar dentro das perspectivas portuguesa e

brasileira.

7

2 A questo dos resduos da liberdade de atuao regulamentao

2.1 Os resduos slidos

Os resduos slidos, no Brasil, eram antes definidos pela norma ABNT NBR

10.004/20043, mas agora so tratados no artigo 3, inciso XVI da novssima Poltica Nacional

de Resduos Slidos4, que assim os conceitua:

Art. 3, XVI - resduos slidos: material, substncia, objeto ou bem

descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja

destinao final se procede, se prope proceder ou se est obrigado a

proceder, nos estados slido ou semisslido, bem como gases contidos em

recipientes e lquidos cujas particularidades tornem invivel o seu

lanamento na rede pblica de esgotos ou em corpos dgua, ou exijam para

isso solues tcnica ou economicamente inviveis em face da melhor

tecnologia disponvel; 5

E institui sobre os resduos slidos urbanos, em seu artigo 13, inciso I, que os

classifica:

I - quanto origem:

a) resduos domiciliares: os originrios de atividades domsticas em

residncias urbanas;

b) resduos de limpeza urbana: os originrios da varrio, limpeza de

logradouros e vias pblicas e outros servios de limpeza urbana;

c) resduos slidos urbanos: os englobados nas alneas a e b;

d) resduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de servios: os

gerados nessas atividades, excetuados os referidos nas alneas b, e, g,

h e j;

(...)

Pargrafo nico. Respeitado o disposto no art. 20, os resduos referidos na

alnea d do inciso I do caput, se caracterizados como no perigosos,

podem, em razo de sua natureza, composio ou volume, ser equiparados

aos resduos domiciliares pelo poder pblico municipal.

Em Portugal, o conceito de resduo trazido na alnea u do artigo 3 do Decreto-Lei

178/2006, de 05 de setembro, que transpe para a ordem jurdica portuguesa a Directiva n.

3 Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT). NBR 10.004/2004. Disponvel em

http://www.aslaa.com.br/legislacoes/NBR%20n%2010004-2004.pdf. Data de acesso: 17 de agosto de 2010. 4 Depois de vinte e um anos de trmite no Congresso Nacional Brasileiro, a Poltica Nacional de Resduos

Slidos (Lei 12.305/10) acabada de ser aprovada em 06 de agosto de 2010, sendo matria extremamente recente. 5 A Poltica Nacional de Resduos Slidos trouxe uma inovao, diferenciando resduos e rejeitos, sendo que o

segundo qualificado como sendo resduos slidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de

tratamento e recuperao por processos tecnolgicos disponveis e economicamente viveis, no apresentem

outra possibilidade que no a disposio final ambientalmente adequada.

http://www.aslaa.com.br/legislacoes/NBR%20n%2010004-2004.pdf

8

2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril, e a Directiva n.

91/689/CEE, tambm do Conselho, de 12 de dezembro e assim institui:

Art. 3 - Para os efeitos do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:

u) Resduo qualquer substncia ou objecto de que o detentor se desfaz ou

tem a inteno ou a obrigao de se desfazer, nomeadamente os

identificados na Lista Europia de Resduos.

E, ainda na sequncia deste mesmo artigo, o decreto-lei tambm qualifica mais

especificamente:

dd) Resduo urbano o resduo proveniente de habitaes bem como outro

resduo que, pela sua natureza ou composio, seja semelhante ao resduo

proveniente de habitaes;

Segundo ARAGO6, importante ter bem definido o conceito jurdico de resduo

para se determinar o emprego do regulamento de gesto de resduos. Quando o legislador

utiliza-se da palavra desfazer-se, no contexto de que o resduo slido a substncia ou

objeto que o detentor se desfaz ou tem a inteno de se desfazer (grifos nossos), o verbo

pode ser visto sob dois contextos.

O primeiro contexto uma viso objetiva e engloba tanto os resduos que tero destino

de pura e simples eliminao, quanto aqueles que sero valorizveis economicamente. um

entendimento mais abrangente do verbo desfazer-se. A questo que se coloca a de saber

se um resduo somente aquilo que no aproveita mais a ningum ou se pode ser tambm

aquilo que, no aproveitando a um, pode ser aproveitvel por outro.

Tem-se ento que se a operao de gesto tem como finalidade a reintegrao dos

resduos descartados, obtendo aproveitamento econmico, ento uma operao de

valorizao. Mas se, por outro lado, essa operao destina-se somente a tirar esses resduos de

circulao, ento se dir que h uma operao de pura eliminao.

E se atribumos os mesmos deveres aos gestores de resduos de eliminao, em p de

igualdade, o que acontecer que no ser vantajoso valorizar o resduo e estaremos a

desencentivar a valorizao e a reciclagem dos resduos slidos, e a incentivar apenas a

eliminao.

J a viso subjetiva de desfazer-se afasta os resduos passveis de serem valorizados

financeiramente, e mantm somente aqueles que tm como destino a pura eliminao. Os

6 Em dilogo com o pensamento de ARAGO, Maria Alexandra de Sousa. Direito dos resduos. Cadernos

CEDOUA. Coimbra: Almedina, 2003. p. 23 e ss. Tambm a mesma autora debate sobre o tema em ARAGO,

Maria Alexandra de Sousa. Direito administrativo dos resduos. In: Tratado de direito administrativo especial.

Vol. I. Coimbra: Almedina, 2009, p. 47 e ss.

9

custos de eliminao de resduos em aterros sanitrios so cada vez mais altos e o que se

busca primariamente que seja possvel valorizar uma maior gama de resduos, diminuindo a

quantidade dos detritos que sero destinados eliminao.

Quando um resduo valorizvel, como acontece quando se recicla o plstico e o

papel, o mercado ganha e o meio ambiente tambm. Embora ambas operaes tanto a

eliminao, quanto a valorizao possam causar danos ambientais, esta d novas

destinaes aos resduos gerados pela sociedade, enquanto aquela s se transforma

unicamente em rejeitos e estorvo ambiental.

De tal forma, o que se busca que haja um aumento da valorizao e uma diminuio

na produo de resduos slidos que sero simplesmente descartados.

2.2 Os resduos slidos como baldios: uma breve comparao

A populao mundial cresce cada vez mais e, naturalmente, cresce tambm a produo

e o consumo. So ndices diretamente proporcionais. Numa sociedade tendencialmente

consumista, adquirir produtos cada vez mais fcil e rpido. Assim, acaba-se por,

obviamente, ser no s uma sociedade de amplo consumo, como tambm de amplo descarte.

Os produtos fabricados so, em geral, de menor qualidade, e consequentemente tm

uma vida til menor e se tornam cada vez mais descartveis. Trata-se de numa sociedade de

produo descartvel. Estragou, compra-se outro. Compra-se outro, joga-se o antigo fora.

Assim, a sociedade produz lixo num volume e numa quantidade incrivelmente rpidos,

numa velocidade que o planeta no consegue suportar. Segundo o Relatrio Planeta Vivo de

2008 da WWF7, a procura por recursos naturais, ou seja, a nossa pegada ecolgica maior

que a biocapacidade do planeta ou de um pas e superior a trinta por cento da habilidade do

mundo de se reconstituir, de se regenerar. O relatrio diz que, se continuarmos assim, seriam

necessrios dois planetas Terra para mantermos-nos produzindo a mesma quantidade de lixo.

Os EUA, a China e a ndia so pases que, de acordo com seus nveis de crescimento

populacional e consequente consumo, tm dficits ecolgicos negativos, vez que possuem

7 World Wildlife Fund, WWF, Relatrio Planeta Vivo 2008, p. 2. Disponvel em:

http://assets.wwf.org.br/downloads/sumario_imprensa_relatorio_planeta_vivo_2008_28_10_08.pdf. Data de

acesso: 16 de agosto de 2010.

http://assets.wwf.org.br/downloads/sumario_imprensa_relatorio_planeta_vivo_2008_28_10_08.pdf

10

uma pegada superior a sua biocapacidade nacional, ou seja, a demanda por recursos naturais

e os resduos lanados maior do que podem oferecer e absorver. Com essas pssimas

notcias e uma sociedade de consumo desenfreado, necessrio regular e diminuir a

quantidade de lixo8 produzido, minimizando assim o nvel de poluio sobre os recursos

naturais.

Assim, os resduos slidos, mais especificamente os resduos slidos urbanos (RSUs),

a partir do momento em que deixam de ser desejveis ao particular, so descartados na rua e

quando abandonados passam a integrar um recurso comum a todos, qual seja a via pblica9.

A rua um bem pblico, de toda a sociedade, e ilimitadamente disponvel, sendo que

todos podem tirar proveito desse acesso irrestrito e maximizar o seu uso depositando toda a

quantidade de lixo indesejvel, e assim gerando um abuso do recurso que um terreno de

todos, um puro baldio. Assim, o particular que despeja e abandona o lixo na via pblica

maximiza o seu uso, mas internaliza apenas uma parte disso10

.

Garett Hardin11

exemplifica os baldios com o comportamento de um pastor de ovelhas

que usufrui de um monte para pastagem. Suponhamos que existam mais pastores que se

utilizam do mesmo monte: este monte ento um terreno baldio, pois no de ningum e

todos utilizam. Assim, quando o pastor adiciona mais um animal ao seu rebanho, este animal

tambm pastar ali e o pastor obter maiores lucros com isto, mas no arcar com os custos da

sua deciso sozinho pois, estes sero repartidos por todos os outros pastores, que tero um

pouco menos de grama de pastagem, mas no obtero nenhum lucro com isto.

Visualizar-se- assim que a deciso do primeiro pastor reverte integralmente em seu

prprio benefcio, mas os custos advindos sobre o baldio incidem somente numa pequena

poro sobre ele, vez que estes custos acabam sendo divididos entre todos os outros. De tal

maneira, o pastor inicial externaliza sobre o baldio, que um recurso comum a todos, porm

internaliza s uma parcela reduzida da sua externalizao.

O que acontece que pela observao do pastor, o entendimento a que este chegar e

todos os outros de que a diferena de ganhos ser maior do que a de custos e, logicamente,

8 No presente estudo, a abordagem de regulao e diminuio da produo de lixo se constitui especificamente

em resduos slidos urbanos, vez que o lixo em si pode se constituir de outros tipos de resduos que no o

urbano. Porm, aqui, utilizaremos o vocbulo geral lixo para designar especificamente os resduos slidos

urbanos. 9 Utilizamos as terminologias rua e via pblica no sentido fsico de expulso ou abandono dos resduos

slidos urbanos em um local pblico, perdendo a caracterstica de bem privado e passando a ser um bem e uma,

consequente, responsabilidade pblica. 10

ARAJO, Fernando. Introduo economia. Vol. II. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 983 e ss. 11

A partir daqui, em dilogo com a abordagem de ARAJO, Fernando. A tragdia dos baldios e dos anti-

baldios: o problema econmico do nvel ptimo de apropriao. Coimbra: Almedina, 2008, p. 63 e ss, que

caracteriza em seu livro o pensamento de Garrett Hardin intitulado The tragedy of the commons.

11

ele ir continuar a maximizar a sua externalizao e minimizar a sua internalizao. E todos

faro a mesma coisa, at que haja uma sobreutilizao do monte, ou do recurso comum em si,

e a sua consequente devastao: chegar-se- a uma tragdia dos baldios.

Essa tragdia dos baldios decorre da ausncia de valor monetrio do bem pblico, o

que faz com que no haja ningum nem interessado em utilizar-se moderadamente do bem,

nem em restringir o seu uso. Esse acesso livre no faz com que os seus utilizadores procurem

proteger e salvaguardar o bem; pelo contrrio, faz com que disputem entre si, pois se um dos

utilizadores deixa de cooperar, ele ento repassa o custo a todos, mas retira sozinho os

benefcios da sua no-cooperao12

.

Erroneamente, esses recursos naturais utilizveis eram antes considerados bens livres

e, baseando-se na crena de que eram inesgotveis, no possuam um valor de troca, ou seja,

um preo de mercado que freasse o seu consumo ilimitado. Eram considerados res nullium ou

res communes: coisa nula ou comum a todos, e assim no haviam direitos definidos sobre

eles, no sendo tarefa de ningum impor a outrem a guarda destes ou a responsabilidade pelo

inquinamento. Eram bens de livre acesso, diferentemente dos bens econmicos, que possuem

a caracterstica de escassez e por isso tm um valor prprio de mercado.

Os resduos slidos foram classificados dentro dos res nullius como res derelictae, ou

seja, bens que no so desejveis por ningum, e perfazem da caracterstica daquele da

irresponsabilidade de todos pelo seu abandono.

Mas a partir do momento em que o descarte imoderado dos resduos slidos nas vias

pblicas se torna um contributo degradao ambiental, a rua deixa de ser um bem pblico e

passa a ser um recurso comum. Quando o aumento significativo das ovelhas do rebanho fizer

com que a pastagem do monte deixe de ser farta a todos, haveremos uma escassez do bem e

uma consequente rivalidade no consumo, tornando a pastagem do monte um recurso comum.

Essa rivalidade acontece quando o recurso escasso disputado por mais de um

utilizador e o bem que se visa tem como caracterstica uma acessibilidade difcil de restringir.

Diz-se que o utilizador tem acesso a um bem quando este tem a capacidade de dele tirar

proveito. E, consequentemente, necessrio limitar essa acessibilidade, atravs da excluso

de acesso, que a possibilidade de fixar as prerrogativas tanto de ingresso, quanto da

possibilidade de se beneficiar do recurso comum, estabelecendo-se as abrangncias dos

12

Tambm neste entendimento SILVRA, Isabel Marques da. O princpio do poluidor-pagador. In: Estudos de

direito do ambiente. Coleo Actas. ROCHA, Mrio de Melo (Coord.). Porto: Publicaes Universidade

Catlica, 2003, p. 107 e ss.

12

limites possveis de acesso e explorao13

.

Assim, os bens pblicos possuem essa difcil ou impossvel excluso de acesso, porm

tm uma baixa rivalidade no uso. J os recursos comuns so tambm bens de livre acesso a

todos, ou difceis de se realizar a excluso, porm, diferentemente daquele, possuem uma

grande rivalidade no uso. E essa rivalidade que denuncia o congestionamento, a degradao

e o esgotamento dos recursos naturais por excesso de acesso14

.

O que acontece que cada um dos proprietrios dos rebanhos, ou proprietrios dos

resduos slidos, externaliza para o recurso comum o monte ou a via pblica mas obtm

s uma nfima parte do custo da sua ao. O ganho de despejo de resduos slidos nas vias

pblicas obtido individualmente, mas o custo da sua deciso repartido pela coletividade,

que obter a consequente degradao ambiental15

.

Assim, o cidado ganha individualmente em se beneficiar do recurso comum, e

externaliza negativamente, mas, numa viso simplista e individualmente considerada, nenhum

dos cidados ganha em arcar sozinho com os custos dos benefcios comuns da proteo

ambiental. A racionalidade dir ao cidado comum que continue a poluir, porque, na esfera

imediata, obtm um ganho maior do que um custo. Ocorre ento que todos produziro uma

quantidade grande de resduos slidos e esgotaro o recurso comum com o descarte de lixo,

gerando um empobrecimento coletivo pelo inquinamento ambiental: a tragdia dos baldios.

Se a humanidade produz mais resduos do que o planeta Terra pode absorver,

estaremos a poluir num nvel em que, a um dado momento, no nos ser permitido retroceder.

A degradao do meio ambiente ser, inevitavelmente, um custo repartido entre todos, j que

precisamos dele para sobreviver. Um saco de lixo no produz grandes efeitos, mas a

quantidade coletiva capaz de causar significativo impacto ambiental, poluindo as guas, o

solo e o ar. O custo ambiental um custo demasiado alto.

Para que no suceda a tragdia dos baldios seria necessria uma ao coordenada para

se limitar o acesso ao recurso comum, reduzindo o nmero de resduos slidos urbanos

produzidos a uma quantia restrita correspondente a cada particular, para que tal possa ser

suportado pelo baldio. A interrupo do acesso livre dar-se- pela criao de barreiras de

excluso.

Para haver a excluso, impedindo que sobrevenham puros baldios de livre acesso,

Hardin conclui ento que dever-se-ia admitir a apropriao privada dos baldios: ou

13

ARAJO, Fernando. A tragdia dos..., cit., p. 32 a 39. 14

ARAJO, Fernando. A tragdia dos..., cit., p. 69 e 70. 15

Em dilogo com o pensamento de ARAJO, Fernando. Introduo economia..., cit., p. 1.006 e ss.

13

designando a propriedade a um s dono ou fracionando a propriedade privada aos que

disputam a utilizao do recurso comum16

. Seja pela via da privatizao ou da estatizao, o

fato que reunem-se os custos e os benefcios em um mesmo titular, o que faz com que haja

menos externalizaes no internalizadas.

Mas poucos sero aqueles que iro espontaneamente adotar as solues anti-

tragdia, principalmente antes de se ocorrer um alto nvel de degradao do recurso comum,

porque, primeiro, que o ser humano no acredita que havero resultados realmente negativos

na sua conduta at que os veja, segundo, que possuem um pensamento egosta que

menospreza a culpa prpria e intensifica a alheia e, ainda, porque quando se acredita na idia

de que se tem direitos pessoais e adquiridos, embora se queira uma soluo, ningum se

dispe a renunciar de seus interesses diretos17

.

E uma vez que no h uma mobilizao voluntria de coordenao do problema, numa

situao em que a produo de resduos slidos urbanos s amplia e a qualidade ambiental s

diminui, para que no haja uma tragdia dos baldios em prejuzo da coletividade e,

consequentemente, em prejuzo do prprio interesse individual, mister se faz que haja uma

coordenao do Estado, visando regular a produo dos RSUs18

.

2.3 A necessidade de regulamentao

Considerando a esgotabilidade dos recursos naturais e do ambiente em si, cada dia

mais a sociedade busca alternativas de polticas de ambiente que visem a diminuio dos

custos da poluio. Sendo assim, naturalmente que uma das vias para se alcanar esse

objetivo atravs dos instrumentos econmicos, que do a possibilidade de se atribuir preos

de mercado poluio, fazendo com que o incitamento econmico reflita no prprio

poluidor19

.

16

ARAJO, Fernando, A tragdia dos..., cit. p. 63. 17

ARAJO, Fernando. A tragdia dos..., cit., p. 106. 18

ARAJO, Fernando. Introduo economia, cit., p. 1.012. 19

Em dilogo com o pensamento de ROSMANINHO, Maria Isabel; NETO, Maria Susana. Os instrumentos

econmicos na gesto dos resduos slidos. Estudos. Lisboa: GEPAT (Gabinete de Estudos e Planejamento da

Administrao do Territrio), 1988, p. 8 e ss.

14

Cria-se assim um mercado de poluio, que, atravs dos instrumentos econmicos,

estimula ou desestimula o agente a atuar de determinada forma, visando a proteo do

ambiente atravs das taxas de poluio. Esses instrumentos so empregados em associao

com os instrumentos regulamentares do Estado. Mas, para tal, segundo ROSMANINHO20

,

deve-se considerar as perspectivas prticas da sua utilizao, tais como as tcnicas de

clculo, as disposies legais e institucionais, as modalidades de combinao com a

regulamentao e a aplicabilidade a diferentes domnios e, ainda, preciso visualizar

socialmente os aspectos econmicos, como por exemplo, a funo de financiamento ou de

incentivo, o efeito redistributivo, a conformidade com o princpio do poluidor-pagador e o

custo de sua aplicao. A autora ressalta tambm que preciso utilizar-se dos instrumentos

econmicos em conformidade com as perspectivas polticas contemporneas, pois estes tm

de ser aceitos pela sociedade, adentrando paulatinamente no ritmo de vida social.

O uso dos instrumentos econmicos se fundamenta no seu efetivo resultado e na sua

caracterstica redistributiva. J que a natureza um bem coletivo e indivisvel, se um cidado

quer utilizar-se dos recursos naturais que so de todos , ento ele tem o dever de arcar com

os custos dos seus atos. justo que um cidado precise produzir mais resduos slidos, seja

em decorrncia da sua atividade comercial ou pelo nmero de habitantes da casa, ou por

qualquer outro motivo, mas tambm justo que se ele usufrui mais de um bem coletivo,

consequentemente pague mais por ele.

Tambm neste sentido, a imposio das taxas de poluio faro com que os cidados

consumam menos do ambiente, estimulando-os a poupar o seu dinheiro e, assim, o recurso

ambiental. A lgica econmica simples. Os poluidores tero maiores vantagens em

encontrar formas menos poluentes do que o custo de pagar as referidas taxas. O que acontece

que o cidado vai buscar formas de diminuir a quantidade de RSUs que ele produz,

economizando no bolso e no ambiente. Alm disso, o montante arrecadado atravs da coleta

das taxas de RSUs podem e devem ser destinados aos programas de gesto do ambiente.

20

ROSMANINHO, Maria Isabel; NETO, Maria Susana. Os instrumentos econmicos..., cit., p. 9.

15

3 A questo econmica externalidades e timo social

Dentro de uma coletividade, quando uma atividade de produo ou de consumo

suscita efeitos positivos ou negativos em terceiros ou sobre interesses comuns, dir-se-

que a atividade gera externalidades. E, uma vez que no h um mercado de negociao

desses efeitos, os valores dos custos gerados sero difceis de serem computados e

compensados. Quando a atividade de um cidado afeta positivamente outro sem receber nada

em troca, ou, quando a afetao negativa da atividade no sustenta o seu prprio custo, h

uma ausncia de moeda de troca ou, mais especificamente, uma falha de mercado, uma

externalidade no internalizada21

.

A externalidade negativa existe quando a prtica de um particular (ou empresa) suscita

uma perda de bem-estar em algum e esta perda no reparada22

. Vejamos um exemplo:

quando uma fbrica de sapatos funciona, o preo de mercado do calado engloba os materiais

usados, o pagamento dos funcionrios e as despesas gerais da fbrica, mas o nvel de poluio

que a fbrica dispende na atmosfera e nas guas no se reflete no preo do sapato: essa uma

externalidade negativa. Da que o consumidor pagar um preo menor pelo sapato do que o

seu preo real, considerando que a poluio tambm gera um custo, porm esse custo

disperso pela sociedade. Ou seja, o custo social maior do que o custo privado da poluio23

e

a complementao da diferena entre estes o que se busca: o timo de Pareto24

.

Porm, se o produtor-poluidor resolve voluntariamente adotar medidas de correo e

21

A partir daqui, em dilogo com o pensamento de ARAJO, Fernando. Introduo economia, cit., p. 933 e ss.

O exemplo do sapato trazido pelo autor, mais especificamente, s pginas 939 e 940. 22

Sobre a perda de bem-estar e externalidades, ver PILLET, Gonzague. Economia ecolgica. Introduo

economia do ambiente e recursos naturais. Trad. de MARTINHO, Lucinda. Lisboa: Instituto Piaget, 1993, p. 28

e ss. Tambm LOBO, Carlos Baptista. Imposto ambiental Anlise jurdico-financeira. In Revista Jurdica do

Urbanismo e do Ambiente, n. 2, Dez/1994. Lisboa: IDUA, 1994, p. 22 e ss; e ARAGO, Maria Alexandra de

Sousa. O princpio do poluidor-pagador. Pedra angular da poltica comunitria do ambiente. Studia Iuridica n.

23. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 35 e ss. 23

O custo social o conjunto dos custos impostos por uma atividade coletividade. Uma parte deste custo

social compensada pelos pagamentos efetuados pelo agente que est na origem da atividade: tais so, por

exemplo, os custos das matrias-primas ou do fator trabalho. Estes so custos privados do agente.

FAUCHEUX, Sylvie. NOL, Jean-Franois. Economia dos recursos naturais e do meio ambiente. Trad. de

MATIAS, Omar. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 216 e ss. 24

No caso dos bens e dos riscos ambientais, se os preos no transmitem corretamente as preferncias da

sociedade, o mercado no consegue operar uma afetao eficiente dos recursos de acordo com o timo de

Pareto, ou seja, ainda ser possvel, atravs de uma nova distribuio dos recursos, melhorar a situao de

algum sem piorar a de ningum. Porquanto, o decisor privado desconhece ou no conhece com rigor o valor do

bem em causa e, por essa razo, o que o indivduo quer no coincide com o que a sociedade quer (grifos

nossos). SOARES, Cludia Alexandra Dias. O imposto ecolgico contributo para o estudo dos instrumentos

econmicos de defesa do ambiente. In: Studia Iuridica n. 58. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade

de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 77.

16

preveno da poluio de sua fbrica, ele aumentar o seu valor de custo, o que refletir no

preo que ser disposto aos consumidores pelo sapato. Mas ele no haver em troca nenhum

benefcio, pois assim como a poluio se difunde pela coletividade, tambm o benefcio da

proteo do ambiente se difundir pelo mesmo nmero de pessoas e, devido a esta diluio,

seria impossvel cobrar uma retribuio monetria pelo benefcio causado.

Estas externalidades geradas podem ser tanto na produo como no consumo e podem

ser negativas ou positivas25

: no primeiro, suscitam um custo, no segundo, geram um

benefcio. E se no se atribui custos aos poluidores que produzem demais e lucros aos que

produzem de menos, o nvel timo se desequilibra, gerando externalidades que causaro as

falhas de mercado porque, no universo dos recursos ambientais, no haveria um mercado que

se relaciona livremente, onde a oferta e a procura estabeleam por si s o seu nvel timo.

Fato que, diante das externalidades negativas no ambiente, ningum toma frente

situao espontaneamente, e todos acabam por esperar uma carona ou uma bolia26

daquele que tomar partido, retirando os benefcios mas no arcando com custos nenhum.

Mas as externalidades so frutos de dois lados, so bilaterais27

, ou seja, a externalidade

s existe, tanto a negativa quanto a positiva, quando esto presentes dois integrantes de uma

relao: um causador e uma vtima. Se a poluio da fbrica no refletisse em ningum nem

em nada (no ambiente) ou se ela no tivesse qualquer efeito, no haveria uma externalidade,

pois no haveria o outro lado da relao. Ou seja, o poluidor s externaliza quando h uma

vtima (mesmo que essa vtima seja a coletividade). E a vtima, pelo fato de existir, tambm

externaliza, efetivando a bilateralidade das externalidades.

Assim temos dois lados que externalizam reciprocamente, atribuindo mutuamente

custos ou benefcios provenientes das suas decises e, uma vez que temos dois plos, temos a

possibilidade de criar um mercado de internalizao das externalidades, mesmo que

forado, na busca do timo social atravs de medidas de travagem pelo Estado.

Assim, a atribuio dos direitos de propriedade a um nico titular que pode gerir os

seus custos e benefcios, qual seja, o Estado, vem ento corrigir as externalidades,

internalizando-as para promover a eficincia econmico-ambiental. Claro que a melhor

25

Externalidade positiva e negativa podem tambm ser chamadas de economia externa ou deseconomia externa,

respectivamente. Externa, aqui, no sentido de externa troca comercial. FAUCHEUX, Sylvie. NOL, Jean-

Franois. Economia dos recursos..., cit., p. 216. 26

Sobre o problema da bolia, ver ARAJO, Fernando. Introduo economia, cit., p. 993 e ss. 27

Para Ronald Coase, a internalizao uma relao bilateral entre causador e vtima, onde se se deixa de lesar

A, lesar-se- B. A questo saber qual leso menos razovel de se permitir. Para mais, ver FAUCHEUX,

Sylvie. NOL, Jean-Franois. Economia dos recursos..., cit., p. 221 e ss; ARAGO, Maria Alexandra de Sousa.

O princpio do..., cit., p. 37 e ss; e ARAJO, Fernando. Introduo economia. cit., p. 938 e ss.

17

soluo possvel seria a no-interveno estatal, corrigindo-se as falhas atravs de solues

negociadas. o que diz o Teorema de Coase, que remete a uma maior eficincia atravs da

negociao das solues de mercado, mas tal s ocorre quando existem baixos custos de

transao28

na internalizao das externalidades (ou numa suposta situao de custos nulos).

Na negociao entre poucas pessoas possvel se chegar a um consenso com baixos

nveis de custo de transao, mas se o nmero de pessoas implicadas aumenta, os custos

tambm ampliaro e no ser mais financeiramente vivel a soluo negocial. Assim, tendo-se

em vista que todos os cidados produzem RSUs, o nmero de envolvidos na coordenao do

problema significativo. Enquanto os custos de negociao so baixos, as externalidades

podem se corrigir de forma mais rpida, mas quando esse custo aumenta devido

quantidade de pessoas envolvidas , a via recorrvel ser o Estado, que pode tomar decises

coletivas e forar ento o poluidor a internalizar a externalidade gerada.

O cidado comum produtor de resduos, que o poluidor in casu, ter um custo menor

para si do que o custo que essa poluio provoca para a coletividade, que obrigada a

sustentar os altos custos da quantidade de lixo produzido e a irresponsabilidade do seu

abandono, dando margem degradao ambiental. Se porventura existe um comerciante que

produz menos lixo e que dispende esforos para produzir menos, sempre existir um que

produza mais RSUs. Assim no ser justo que o primeiro, sem receber nenhum lucro por isto,

arque com as despesas do ltimo por igual. O custo social ficar maior do que o custo privado

e a diferena entre eles ser igual ao valor da externalidade negativa29

.

O papel do Estado30

ser forar o poluidor-produtor de resduos slidos a internalizar a

sua externalidade negativa de poluio, incorporando o custo social de nvel timo no seu

custo pessoal, v.g., atravs de um tributo, fazendo com que o cidado produtor de resduos, ou

diminua a sua produo a um nvel sustentvel optando por medidas que diminuem os

impactos externalizadores , ou pague para poder produzir resduos em maior quantidade,

ajustando o equilbrio social com o privado.

28

Custos de transao significam os recursos dispendidos com a obteno, manuteno ou alterao dos

direitos de propriedade. SOARES, Cludia Alexandra Dias. O imposto ecolgico..., cit., p. 78. 29

ARAJO, Fernando. Introduo economia. cit., p. 943. Tambm neste sentido, SILVA, Isabel Marques da.

O princpio do..., cit., p. 108 e ss. 30

H. E. Daly, em caricatura mo invisvel de Adam Smith, afirma que, no caso da utilizao dos recursos

naturais, o equilbrio entre os interesses privado e social so guiados por um p invisvel, caracterizando assim

que o mercado por si s, neste caso, incapaz de traduzir a economia a um nvel timo, devido ausncia de

excluso de acesso aos recursos naturais e a irresponsabilidade (pelo abandono dos resduos slidos),

necessitando assim da interferncia estatal. ARAGO, Maria Alexandra de Sousa. O princpio do..., cit., p. 34.

18

So trs as vantagens que ARAJO31

ressalta na interveno estatal para se corrigir as

externalidades: que o Estado, como representante do povo, tem a possibilidade de tomada de

solues de forma coletiva, sem que para isso tenha que ouvir um por um, podendo

generalizar em prol do bem comum; que, pela sua estrutura hierarquizada, as suas decises

so cumpridas por todos com uma nfima oposio, fazendo com que haja baixos custos de

execuo; e, ainda, o Estado tem uma caracterstica coercitiva, impondo a todos as solues

adotadas, aquelas que sejam mais eficazes a nvel coletivo. De tal maneira, no h delongas

em se coordenar e negociar, na busca de uma soluo, que , afinal, imposta.

Assim, na presena de externalidades, a regulao pelo Estado se legitima, neste caso,

pelos altos custos de transao de se lidar com uma coletividade, onde as trocas

involuntrias geraro maior eficincia na regulao do problema de internalizao. O

Estado, ento, deve regular as atividades geradoras de externalidades negativas, restringindo

limites, vetando ou estabelecendo comportamentos adequados e fiscalizando a atuao dos

particulares. Pode ainda regular atravs da atribuio de estmulos e desetmulos econmicos

a determinadas prticas.

Essa regulao pode dar-se atravs da soluo de comando e controle (command-and-

control), onde o Estado regulamenta e controla as atividades poluentes e o uso dos recursos

naturais, nomeadamente atravs de normas e regras de padres ambientais, expedio de

licenas, sanes administrativas, etc., ou atravs dos instrumentos econmicos, recorrendo a

tributos e subsdios. Os economistas em geral32

preferem a adoo dos instrumentos

econmicos, atravs da utilizao do mercado na busca do nvel timo, tambm no caso dos

resduos slidos urbanos.

O instrumento econmico utilizado no caso de internalizao das externalidades o

imposto ou taxa pigouviana33

, que, atravs do tributo, aumenta o custo privado do poluidor,

31

Porm o autor ressalta tambm que as falhas de interveno so um fato to comum e relevante como as

prprias falhas de mercado. ARAJO, Fernando. Introduo economia. cit., p. 966. 32

A informao de ARAJO, Fernando, Introduo economia, cit., p. 972. 33

Em homenagem a Arthur C. Pigou, que primeiro a props no seu texto Economics of Welfare, em 1920. PILLET, Gonzague. Economia ecolgica., cit., p. 37. O mestre Fernando Arajo se refere a impostos

pigouvianos e no a taxas, mas adverte que tais no deveriam ser assim chamados vez que, no provocam

perdas de bem-estar nem desvios daquele timo social que pode resultar da afectao de recursos atravs do

mercado, antes promovem uma aproximao a esse timo social, mas tambm so impostos na medida em que

atravs deles se obtm uma receita pblica ao mesmo tempo que se promove a coincidncia dos valores do custo

social marginal e do benefcio social marginal um duplo benefcio de qualidade ambiental e de eficincia

econmica que faz muitos entusiasmarem-se com esta soluo tributria. ARAJO, Fernando. Introduo

economia, cit., p. 973.

19

buscando obter uma poluio a nvel timo34

. Assim, se paga mais imposto se se polui mais, e

se paga menos, se poluir menos, baseando-se nos princpios norteadores do direito ambiental.

34

Para mais sobre o nvel timo de poluio, ver FAUCHEUX, Sylvie. NOL, Jean-Franois. Economia dos

recursos..., cit., p. 223 e ss. Tambm ARAGO, Maria Alexandra de Sousa. O princpio do..., cit., p. 221 e ss,

onde a autora traz crticas ao nvel timo de poluio e diz que deve-se substituir o conceito de nvel timo

por nvel aceitvel de poluio.

20

4 Princpios Ambientais

4.1 Princpio da solidariedade intergeracional

O primeiro princpio que norteia a preocupao social de preservao do meio

ambiente o princpio da solidariedade intergeneracional, que visa garantir um sentimento de

identificao com os problemas ambientais que alimentamos na presente gerao, mas que se

perpetuaro tambm para as futuras geraes: os nossos filhos e os nossos netos, enquanto o

planeta Terra existir. O direito e a solidariedade ambiental esto no tempo presente mas no

s neste tempo , sendo que as geraes vindouras tambm tm direito e dever de usufruir de

modo sustentvel dos recursos naturais35

.

Partamos de uma crena que estes recursos ambientais eram inesgotveis, mas no o

so. Considerando o tamanho da populao mundial atualmente e de que vivemos numa

sociedade de produo intensificada, produzimos alm daquilo que o planeta pode suportar.

Dada essa realidade e a crescente preocupao com o meio ambiente, as atenes

comearam a se voltar para o tema. Primeiro, j em 1972, a Organizao das Naes Unidas

(ONU) na Declarao de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano36

, estabeleceu em seu

Princpio 2, a importncia da manuteno e o cuidado que os povos e governos devem ter em

relao ao meio ambiente. Depois, a Declarao do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (1992)37

, no seu Princpio 3, ressalta a necessidade de preserv-lo para as

geraes atuais e futuras.

Tambm as Constituies brasileira e portuguesa referem-se expressamente em seus

textos ao princpio da solidariedade intergeneracional, determinando a obrigao do Estado e

da coletividade de preservar o meio ambiente: a primeira, em seu artigo 225 e, a segunda, em

seu artigo 66.

35

Em dilogo com MILAR, dis. Direito do ambiente. A gesto ambiental em foco. 6 ed. So Paulo: Revista

dos Tribunais, 2009, p. 819 e 820. Dentro deste princpio, existem duas solidariedades: aquela que em relao

ao tempo atual, designada solidariedade sincrnica, e aquela que ambiciona a qualidade dos tempos prximos,

solidariedade diacrnica. O autor prefere utilizar do termo solidariedade intergeracional, que engloba todos

os dois tempos. 36

Declarao da Conferncia da ONU no Meio Ambiente de Estocolmo, 1972. Disponvel em:

http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=97&ArticleID=1503&l=en. Data de

acesso: 19 de agosto de 2010. 37

Declarao do Rio sobre o Meio Ambiente, 1992. Disponvel em:

http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?documentid=78&articleid=1163. Data de acesso: 19

de agosto de 2010.

http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=97&ArticleID=1503&l=enhttp://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?documentid=78&articleid=1163

21

E dessa necessidade de preservao ambiental que surge a indispensabilidade de se

regular a poluio causada pelos resduos slidos urbanos, que degradam tanto o solo e o ar,

quanto as guas, e inquinam o ambiente de forma irreversvel para as prximas geraes, que

no tero mais meios disponveis de retornar ao estado anterior. Nessa luta, o direito

econmico desempenha um papel fundamental na proteo dos nossos recursos naturais.

4.2 Princpio da preveno e da precauo

Ambos os princpios o da preveno e o da precauo tm como objetivo evitar o

dano ambiental. A preveno se digna no perigo certo de que uma atividade poluidora,

baseando-se em elementos concretos para tal e, assim, estabelecendo providncias de cautela

antes que haja um efetivo dano. J na precauo, os elementos de perigo de dano no so

seguros, so tecnicamente insuficientes e incertos, mas isto no exclui a necessidade de se

tomar medidas para evit-lo38

. Todos dois se baseiam no fato de que existe um perigo de dano

ao ambiente, porm, a diferena est na concretude dos elementos que comprovam o dano39

.

Segundo ARAGO40

, os princpios encontram as suas diferenas no fato de que, no

princpio da precauo, a proteo antecipada do perigo de dano ambiental, baseada em

indcios incertos de risco, vem ainda antes do que no princpio da preveno.

A Constituio Brasileira determina em seu artigo 225, inciso V, que deve haver uma

preocupao em preservar o meio ambiente e, ainda, em controlar a produo, a

comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a

38

O Princpio 15 da Declarao do Rio de 1992 diz que: Visando proteger o meio ambiente, o princpio da

precauo deve ser aplicado pelos Estados de acordo com as suas capacidades. Onde existirem ameaas de srio

ou irreversvel danos, a ausncia de certeza cientfica absoluta no deve ser usado como razo para postergar

medidas efetivas e economicamente viveis na preveno da degradao ambiental (traduo nossa).

Declarao do Rio sobre o Meio Ambiente, 1992. Disponvel em:

http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?documentid=78&articleid=1163. Data de acesso: 19

de agosto de 2010. 39

Segundo Vasco Pereira da Silva, no existe a separao entre os princpios da preveno e o da precauo, e

prefervel adotar um contedo amplo para o princpio da preveno, de modo a incluir nele a considerao tanto

de perigos naturais como de riscos humanos, tanto a antecipao de leses ambientais de carter atual como de

futuro, sempre de acordo com critrios de razoabilidade e de bom-senso. SILVA, Vasco Pereira da. Verde cor

de direito. Lies de direito do ambiente. Coimbra: Almedina, 2003, p. 66 e ss, mais especificamente p. 71. 40

ARAGO, Maria Alexandra de Sousa. Direito Comunitrio do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002, p. 20.

http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?documentid=78&articleid=1163

22

vida e o meio ambiente41

. Tambm a Constituio Portuguesa, em seu artigo 66, n. 2,

alnea a, rege que compete ao Estado prevenir e controlar a poluio e os seus efeitos

(grifos nossos).

Empregando o princpio da preveno no direito dos resduos, temos a preveno de

resduos e a de danos42

. Entende-se, respectivamente, que o Estado (e tambm o cidado)

deve agir buscando evitar a produo de resduos slidos, antes mesmo que eles sejam

gerados. E, diante daqueles que j tenham sido gerados, deve-se ter em conta uma boa gesto

dos resduos, visando prevenir os danos ambientais que estes podem vir a causar. A preveno

de resduos se d num espao temporal anterior produo dos mesmos, enquanto a

preveno de danos, posterior.

A prpria Lei de gesto de resduos em Portugal (Decreto-Lei 178/2006), em seu

artigo 6, institui a necessidade de se evitar e reduzir43

a produo dos resduos slidos,

bem como o seu carter nocivo (...) de risco para a sade humana e para o ambiente. E

ademais, institui a responsabilidade do cidado comum no dever de adotar comportamentos

de carter preventivo em matria de produo de resduos, bem como prticas que facilitem a

respectiva reutilizao e valorizao44

.

Tambm na nova Poltica Nacional de Resduos Slidos do Brasil, a preveno de

resduos e de danos mencionada mais de uma vez e a norma institui uma ordem de gesto:

no gerao, reduo, reutilizao, reciclagem, tratamento dos resduos slidos, bem como

disposio final ambientalmente adequada dos rejeitos45

.

A nova lei foi baseada nos princpios da preveno e da precauo (alm de outros), e

rege que o Poder Pblico pode instituir instrumentos econmicos visando prevenir e diminuir

a quantidade gerada de resduos slidos em seu processo produtivo46

.

O princpio da precauo nos resduos slidos tambm atuante nos casos em que seja

necessrio a adoo de medidas cautelares, em particular, a suspenso das operaes de

41

O caput do artigo 225 da CRFB traz o princpio da preveno, que concretizado implicitamente no correr dos

incisos do 1, enquanto que o princpio da precauo explicitado no mesmo artigo, especificamente no 1,

inc. V. 42

A distino trazida por ARAGO, Maria Alexandra de Sousa. Direito dos resduos..., cit., p. 12. 43

A preveno de danos trazida no artigo 6 do Dec.-Lei 178/2006-PT foi uma novidade, vez que o antigo DL-

PT 239/97, que tratava da gesto de resduos, no fazia nenhuma referncia ao assunto. 44

Artigo 8 do DL-PT 178/2006. 45

Artigo 7, inc. II e 9 da Lei-BR 12.305/10. Disposio final ambientalmente adequada conceituada em seu

artigo 3, VIII como a distribuio ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais especficas

de modo a evitar danos ou riscos sade pblica e segurana e a minimizar os impactos ambientais

adversos (grifos nossos), demonstrando a preocupao do legislador tambm com a preveno de danos

ambientais. 46

Dentro da Lei-BR 12.305/10, sobre Princpio da precauo e preveno, artigo 6 e sobre instrumentos

econmicos, artigo 42.

23

gesto de resduos, quando houver risco de perigo grave sade humana ou ao meio

ambiente47

.

4.3 Princpio do poluidor-pagador

O princpio do poluidor-pagador (PPP) baseado justamente na teoria econmica de

que os custos sociais da produo dos resduos slidos urbanos devem ser internalizados,

atribuindo os valores reais produo de lixo. Quanto mais se polui, mais se paga. O

princpio vem basear a correo destas externalidades, j tantas vezes referidas, impondo aos

cidados os verdadeiros custos da poluio48

.

Este princpio tambm chamado princpio da responsabilidade e visa com que cada

poluidor49

arque com a responsabilidade das suas atitudes no-ambientais. O fato de se pagar

medida da sua poluio no significa que seja um direito a poluir, ou, em outras palavras,

que, pagando-se, o Estado permitir a poluio. Nada disso. Este um princpio que tem

como objetivo dar respaldo aos padres e normas ambientais, evitar o dano ao ambiente e a

poluio desenfreada, e, para tal, utiliza-se do mercado como forma de preveno de resduos.

O PPP deve ser observado em matria ambiental e foi, desde logo, embarcado pela

Declarao do Rio de 1992, em seu princpio 1650

. No Brasil51

, a Poltica Nacional de

Resduos institui a observncia do princpio na gesto dos resduos (artigo 6, inc. II) e

objetiva a:

47

Artigo 72 do DL-PT 178/2006. 48

Em dilogo com MILAR, dis. Direito do ambiente., cit., p. 827 e ss. Tambm sobre o PPP, ver SILVA,

Isabel Marques da. O princpio do..., cit., p. 97 e ss; e ARAGO, Maria Alexandra de Sousa. O princpio do...,

cit. 49

O conceito de poluidor trazido na Comunidade Europia j em 1975, com o n. 3 da Comunicao anexa Recomendao do Conselho 75/436, de 3 de maro de 1975, que o determina como aquele que degrada directa

ou indirectamente o ambiente ou cria condies que levam sua degradao Disponvel em: http://eur-

lex.europa.eu/Notice.do?val=46512:cs&lang=pt&list=517781:cs,467557:cs,260812:cs,256874:cs,303562:cs,187

880:cs,46512:cs,&pos=7&page=1&nbl=7&pgs=10&hwords=Recomendao do Conselho de 3 de Maro de

1975~&checktexte=checkbox&visu=#texte. Data de acesso: 23 de agosto de 2010. 50

As autoridades nacionais devem se esforar para promover a internalizao dos custos ambientais e o uso dos

instrumentos econmicos, tendo em vista a abordagem de que o poluidor deve, em princpio, arcar com o custos

da sua poluio, em ateno ao interesse pblico e sem acarretar distores no comrcio e nos investimentos

internacionais (traduo nossa). Declarao do Rio sobre o Meio Ambiente, 1992. Disponvel em:

http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?documentid=78&articleid=1163. Data de acesso : 19

de agosto de 2010. 51

O PPP no Brasil foi acolhido primeiramente na Lei 6.938/81, em seu artigo 4, VII, que determina a

imposio, ao poluidor e ao predador, da obrigao de recuperar e/ou indenizar os danos causados.

http://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=46512:cs&lang=pt&list=517781:cs,467557:cs,260812:cs,256874:cs,303562:cs,187880:cs,46512:cs,&pos=7&page=1&nbl=7&pgs=10&hwords=Recomendao%20do%20Conselho%20de%203%20de%20Maro%20de%201975~&checktexte=checkbox&visu=%23textehttp://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=46512:cs&lang=pt&list=517781:cs,467557:cs,260812:cs,256874:cs,303562:cs,187880:cs,46512:cs,&pos=7&page=1&nbl=7&pgs=10&hwords=Recomendao%20do%20Conselho%20de%203%20de%20Maro%20de%201975~&checktexte=checkbox&visu=%23textehttp://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=46512:cs&lang=pt&list=517781:cs,467557:cs,260812:cs,256874:cs,303562:cs,187880:cs,46512:cs,&pos=7&page=1&nbl=7&pgs=10&hwords=Recomendao%20do%20Conselho%20de%203%20de%20Maro%20de%201975~&checktexte=checkbox&visu=%23textehttp://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=46512:cs&lang=pt&list=517781:cs,467557:cs,260812:cs,256874:cs,303562:cs,187880:cs,46512:cs,&pos=7&page=1&nbl=7&pgs=10&hwords=Recomendao%20do%20Conselho%20de%203%20de%20Maro%20de%201975~&checktexte=checkbox&visu=%23textehttp://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?documentid=78&articleid=1163

24

regularidade, continuidade, funcionalidade e universalizao da

prestao dos servios pblicos de limpeza urbana e de manejo de

resduos slidos, com adoo de mecanismos gerenciais e

econmicos que assegurem a recuperao dos custos dos servios

prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional e

financeira...52

(grifos nossos).

Em Portugal53

, o princpio do poluidor-pagador tambm garante que o regime

financeiro da gesto dos resduos slidos deve propor-se cobertura dos seus custos (artigo

64 do DL-PT 178/2006).

Este princpio leva em conta que aqueles que se utilizam de uma atividade poluente

devem se responsabilizar, tambm pela via fiscal, ao equilbrio das externalidades geradas

para a sociedade, atravs do pagamento dos custos diretos e tambm indiretos da poluio.

Cada vez mais, o PPP tambm utilizado para arcar com os custos da reposio ao status quo

do ambiente (at onde possvel faz-lo) e para custear as medidas de preveno e precauo

necessrias para obstar ou diminuir condutas de risco que ocasionem perigo ambiental54

.

O PPP se concretiza atravs dos instrumentos econmicos, nomeadamente, os

impostos, os benefcios fiscais e, no caso dos RSUs, as taxas. O princpio do usurio-

pagador55

(utilizador ou consumidor-pagador), naturalmente, decorre do poluidor-pagador,

que aquele que paga, mesmo que indiretamente, o preo da sua poluio, atravs da taxa

pelo servio prestado pela Administrao Pblica de gesto dos resduos slidos urbanos, que

visa a qualidade de vida dos cidados e do meio ambiente em si.

52

...observada a Lei n 11.445, de 2007, que a Lei de diretrizes para o saneamento bsico. Artigo 7, inciso

X da Lei 12.305/10-BR. 53

O PPP advm desde logo da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), que o

consagrou comunitariamente atravs do Ato nico Europeu, no artigo 174, n. 2 do Tratado da Unio Europia.

A Recomendao C (72)128 da OCDE, datada de 26 de maio de 1972 e intitulada como Princpios Reguladores

da Dimenso Econmica Internacional das Polticas Ambientais(Guiding Principles Concerning International

Economic Aspects of Environment Policies), determina que o poluidor deve suportar as despesas da tomada de

medidas de controle da poluio decididas pelas autoridades pblicas para assegurar que o meio-ambiente se

mantenha num estado aceitvel apud SILVA, Vasco Pereira da. Verde cor de..., cit., p. 74. 54

SILVA, Vasco Pereira da. Verde cor de..., cit., p. 74 e ss. O autor, como exceo doutrinria, considera que o

PPP tenha natureza constitucional, pois a alnea h do n. 2 do artigo 66 da Constituio Portuguesa determina

como dever do Estado assegurar que a poltica fiscal compatibilize desenvolvimento com proteo do ambiente

e qualidade de vida. 55

Alexandra Arago considera que, dentro do princpio do usurio-pagador ou utilizador-pagador (como

chamado em Portugal), as expresses utilizador e consumidor so errneas, primeiro porque deixam de ter a

palavra poluidor, que o que d causa ao princpio e, segundo, porque aquele que utiliza ou consome do recurso

natural, ainda que indiretamente, tambm poluidor. Cf. ARAGO, Maria Alexandra de Sousa. O princpio

do..., cit., p. 193. Sobre a matria no Brasil, ver tambm MILAR, dis. Direito do ambiente., cit., p. 829 e 830.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm

25

5 A tributao ambiental por via das taxas

5.1 Instrumentos econmicos

Baseado nos princpios ambientais, mais especificamente no princpio do poluidor-

pagador e do usurio-pagador, necessrio a correo das falhas de mercado oriundas da

ausncia, ab initio, de um valor econmico dos recursos ambientais, limitando assim o seu

uso e acesso.

Atravs dos instrumentos econmicos, poder-se- criar mercados para promover uma

eficincia a favor da anti-poluio, internalizando as externalidades negativas geradas pelo

poluidor-produtor de resduos slidos urbanos. Na escolha do instrumento econmico a ser

utilizado, busca-se um equilbrio de eficcia ambiental e eficincia econmica. O primeiro a

eficcia na concretizao das metas ambientais, estabelecidas pela autoridade ambiental. O

segundo a obteno da melhor relao custo-eficcia56

, perfazendo as metas ambientais

atravs do menor custo econmico possvel, que deve ser perfilado numa perspectiva

temporal ampla e em constante busca por novas formas tecnolgicas de controle da poluio.

Porm, para o xito de um instrumento econmico, alm da eficcia ambiental e

econmica, mister se faz que haja uma boa aceitao pblica, dando um preo justo ao

recurso que se pretende regular e, assim, fazendo com que os agentes efetivamente cumpram

a legislao ambiental.

Alm disto, a gerao de receitas advindas do instrumento econmico poder ser

designadas aos fundos ou investimentos ambientais especficos, ou, ainda, serem atribudas

manuteno dos prprios custos de operao da gesto dos resduos slidos urbanos,

convertendo a arrecadao de receitas como um instrumento a mais de poltica econmica-

social de ambiente.

56

Em dilogo com SANTOS, Rui Ferreira; ANTUNES, Paula. Instrumentos econmicos da poltica de

ambiente. In Colquio Ambiente, Economia e Sociedade. Lisboa: Conselho Econmico e Social, 1999, p. 160

e ss. Tambm sobre instrumentos econmicos em matria ambiental, ver ROSMANINHO, Maria Isabel.

Utilizao de instrumentos econmicos na poltica do ambiente. Lisboa: GEPAT, 1990, p. 8 e ss.

26

Mas, dentre todos os instrumentos econmicos57

, preciso escolher um ou uma

combinao destes para regular a produo dos RSUs, que faa com que os agentes sejam

estimulados a incorporarem o custo ambiental ao seu custo privado, obtendo um valor real da

sua produo de lixo.

Com a sua aplicao, o objetivo incentivar comportamentos ambientalmente

aceitveis e fazer com que os agentes adotem medidas anti-poluio, atravs da atribuio de

um preo que reflita o dano e a escassez dos recursos ambientais e, consequentemente,

internalize a externalidade gerada. Mas o instrumento no fora a nada, pelo contrrio, d ao

agente o livre arbtrio de decidir qual a melhor forma de adaptar a sua atividade poluente s

necessidades ambientais: seja pagando a mais, ou a menos, pela sua produo de RSUs.

O emprego das tarifas ou tributos ambientais58

um artifcio de correo de preos no

mercado, atravs da aplicao do princpio do poluidor/usurio-pagador. Segundo PORFIRIO

JUNIOR59

, quando se regula fontes de poluio difusas, tal como o descarte de resduos

slidos, a tributao se revela um mecanismo eficaz60

.

Dentro de uma noo de tributao ecolgica, a Agncia Ambiental Europia61

divide

as taxas ambientais em trs esferas: as taxas por servios prestados, as taxas de incentivo e as

taxas fiscais ambientais. A ltima visa, fundamentalmente, a gerao de receitas, e as taxas de

incentivo so designadas para estimular comportamentos dos produtores. J as taxas por

servio prestado, como o prprio nome diz, so aquelas que cobrem os valores dos servios

57

Um instrumento entendido como o meio utilizado pela autoridade ambiental para promover a

implementao das medidas por parte dos agentes, ou para alterar os seus comportamentos. H casos,

principalmente no Leste Europeu, onde os valores das taxas ambientais so estipulados a um nvel em que visam,

basicamente, gerar receitas ao Estado e no tanto a estimular condutas ambientalmente aceitveis, portanto,

deixam de ter a eficcia ambiental visada. As taxas ambientais, para servirem ao propsito de estmulo de

comportamento, devem ser perfiladas com o custo de controle e cumprimento ambiental menor do que o valor da

taxa. SANTOS, Rui Ferreira; ANTUNES, Paula. Instrumentos econmicos da..., cit., p. 166 e ss. 58

Tambm designados como tributos verdes ou ecolgicos. 59

PORFIRIO JNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental. So Paulo:

Malheiros, 2002, p. 98. A Comisso da Europa e pela Organizao de Cooperao e Desenvolvimento

Econmico (OCDE) diz que ao invs de tentar elaborar uma definio formal de taxas ambientais, foi decidido

focar na base de clculo que tenha uma particular relevncia ambiental, e considerar todas as taxas cobradas com

essa base de clculo como taxas ambientais e define tributo ambiental como aquele em que a sua base de

clculo uma unidade fsica (ou algo que se assemelhe a isto) de algo que tenha um comprovado e especfico

impacto negativo no meio ambiente. European Comission. Environment taxes a statistical guide.

Luxemburgo: Office for official publications of the European Communities, 2001. Disponvel em

http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/environmental_accounts/documents/2.pdf, acessado em

20/08/2010. 60

Para mais, ver SOARES, Cludia Dias. A inevitabilidade da tributao ambiental. In: Actas de Estudos de

direito do ambiente. Crd. de Mrio de Melo Rocha. Porto: Publicaes Universidade Catlica, 2003, p. 23 e ss. 61

Agncia Ambiental Europia (EEA). Taxas ambientais: implementao e eficcia ambiental. Disponvel em

http://www.eea.europa.eu/pt/publications/92-9167-000-6-sum/pt/page001.html. Data de acesso: 20 de agosto

/08/2010.

http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/environmental_accounts/documents/2.pdfhttp://www.eea.europa.eu/pt/publications/92-9167-000-6-sum/pt/page001.html

27

prestados e a manuteno do funcionamento destes e, tambm, geram receitas que retornam

mesma rea. Mas essas trs funes podem se misturar.

No caso dos resduos slidos urbanos, o interessante a utilizao das taxas por

servio prestado (estas tambm geram receitas e induzem comportamentos), que cobrem o

valor do servio de coleta e tratamento do lixo urbano, fixando um preo de acordo com o

volume de resduos resultantes de cada cidado, sem, contudo, estabelecer limites mximos de

quantidade62

. Cabe a cada um determinar a quantidade de RSUs gerados e obviamente

arcar com os custos da sua poluio.

Como complemento de uma poltica ambiental eficiente, o Estado deve atuar

informando e divulgando a importncia da reduo dos resduos slidos urbanos e a

necessidade da recolha, gesto e reciclagem dos materiais, permitindo aos consumidores

modificarem os seus padres de consumo e escolherem produtos verdes, realizando

escolhas ecologicamente acertadas63

.

5.2 As taxas ambientais

As taxas ambientais so designadas como prestaes pecunirias, exigidas de forma

coercitiva pelo Estado (sujeito ativo), em contraprestao a uma atividade administrativa em

que o sujeito passivo d causa ou retire benefcios dela64

. E a finalidade do valor da taxa

recompensar a mesma prestao que lhe d origem, assim, o valor da taxa estabelecido em

funo da prestao obtida. Ou seja, o fundamento da taxa deve se estabelecer na relao de

troca entre o administrado e a Administrao, compensando o custo da prestao exercida.

No caso da recolha dos RSUs, o fato gerador da prestao a favor da prtica de uma

62

Pode-se tambm utilizar do esquema de depsito-reembolso onde se impe um valor em dinheiro sobre

determinados produtos poluentes, tais como o caso das garrafas de vidro de azxsbebidas, e este valor

reembolsado quando o particular devolve ou destina o produto a um local onde este v ser devidamente

designado ao tratamento e reciclagem. PORFIRIO JNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado...,

cit., p. 101. 63

SANTOS, Rui Ferreira; ANTUNES, Paula. Instrumentos econmicos da..., cit., p. 182 e ss. 64

Em dilogo com VASQUES, Srgio. O princpio da equivalncia como critrio de igualdade tributria.

Coimbra: Almedina, 2008, p. 138 e ss. Para taxa como instrumento de internalizao, ver FAUCHEUX, Sylvie.

NOL, Jean-Franois. Economia dos recursos..., cit., p. 234 e ss. Sobre as taxas em geral no direito brasileiro,

ver COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributrio brasileiro. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense,

2006, p. 613 e ss e, taxas ambientais em DOMINGUES, Jos Marcos. As taxas ambientais no direito brasileiro.

In: Revista do CEDOUA. Ano IX, n. 17, 1.2006, p. 9-34.

28

mera operao material e so taxas de utilizao65

da prestao estatal com receitas para fins

especficos, no qual o Estado cobre o valor das despesas de deposio e tratamento dos

resduos, dando um preo ao servio prestado e garantindo a qualidade da operao. Atravs

da receita gerada, o Estado financia a construo, operao e manuteno das infra-estruturas

de tratamento e deposio dos RSUs (aterros sanitrios). Visa tambm um efeito de estmulo

diminuio da quantidade de resduos gerada pelos cidados66

.

A taxa atribuda quando h uma prestao imprescindvel na vida dos cidados e que

no realizada pelo mercado ou seja, no h concorrncia , e efetuada somente pela

Administrao Pblica67

. Assim, o particular obrigado a depender dela, tal como o a

varrio das vias pblicas e a coleta de RSUs.

No caso da coleta, o tributo de compensao determinado e individual, e exigido em

contraprestao atividade administrativa que efetivamente (ainda que no futuro)

aproveitada pelo cidado: assim, temos a taxa68

. Ainda que a mesma seja cobrada

anteriormente ao servio prestado, o cidado fica no efetivo direito de gozar do servio que

ser prestado. Quanto varrio de ruas, no possvel determinar e individualizar o servio,

pois este um servio aproveitado por todos, perdendo assim a caracterstica de

indivisibilidade que precedente da cobrana de uma taxa, tornando-se impossvel ao Poder

Pblico tribut-lo por este meio.

65

Taxas de utilizao so aquelas que assentam em prestaes de contedo econmico ou social como a recolha

do lixo. Para a diferena entre taxas de utilizao e taxas administrativas, ver VASQUES, Srgio. O princpio

da..., cit., p. 144 e ss. 66

Com relao ao problema das pilhas, que um fator altamente poluente, na Sucia, o Estado, buscando arcar

com os custos de recolha e destinao final e, ainda, de divulgao da informao, aplicou uma taxa sobre as

mesmas, baseando-se no peso e diferenciando os valores para os diversos tipos de pilhas (chumbo, nquel-

cdmio, mercrio) e a base de incidncia da taxa de recolha de pilhas passou para 95%, diminuindo o nmero de

pilhas de mercrio e de nquel-cdmio e possibilitando a reciclagem das pilhas de chumbo. SANTOS, Rui

Ferreira; ANTUNES, Paula. Instrumentos econmicos da..., cit., p. 178. 67

Caso a Administrao Pblica terceirize o servio, atravs de uma concesso, a doutrina passa a divergir se a

remunerao ser taxa ou tarifa. No nosso entendimento, o que define o meio de remunerao a natureza

jurdica da mesma, ou seja, independente de o servio ser delegado por meio de concesso, a natureza continuar

a ser de taxa. Para mais, ver FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. LIXO Limpeza Pblica Urbana. Gesto de

resduos slidos sob o enfoque do direito administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 75 e ss. 68

A Lei Geral Tributria de Portugal, em seu artigo 4, n. 2, rege que as taxas assentam na prestao concreta

de um servio pblico, na utilizao de um bem do domnio pblico ou na remoo de um obstculo jurdico ao

comportamento dos particulares (grifos nossos). No Brasil, o Cdigo Tributrio Nacional (CTN) dispe sobre

as taxas no seu artigo 77 e tambm a atribui utilizao, efetiva ou potencial, de servio pblico especfico e

divisvel, prestado ao contribuinte ou posto sua disposio (grifos nossos).

29

5.3 Princpio da Equivalncia

Uma vez que vivemos em sociedade, cada cidado deve ser responsvel socialmente e

contribuir para o gasto financeiro que desperta e para o proveito que retira. Assim, quando o

cidado utiliza-se da prestao administrativa de recolha dos resduos slidos urbanos, deve-

se ter em conta o critrio da equivalncia, que estabelece a ligao entre o Estado Fiscal e o

Estado Prestador de servio pblico. Segundo VASQUES69

, na relao do tributo cobrado, ao

mesmo tempo em que o Estado representa o papel de credor da taxa, o contribuinte se afigura

como credor da prestao do servio pblico, dando uma perspectiva bilateral ao vnculo.

De tal forma, importa-se do direito privado para o direito pblico, o carter de

primazia do consumidor, passando a determinar a qualidade do servio pblico prestado em

conformidade com o valor da taxa. Cada cidado fica responsvel financeiramente pela

quantidade de resduos slidos que gera, e mutuamente retira da prestao pblica um

benefcio de igual valor, suportando as despesas das suas prprias decises, sem que se

atribua a responsabilidade individual ao coletivo.

O princpio da equivalncia formula-se na compensao da prestao administrativa

em que o cidado, como sujeito passivo, efetivo ou potencial utilizador, determinando uma

relao de troca em que cada indivduo contribui na medida do seu gasto. A taxa a expresso

perfeita do referido princpio e a escolha mais acertada na tributao dos resduos slidos

urbanos, pois a relao bilateral da gesto dos mesmos exprime visivelmente a prestao e a

contraprestao realizadas.

Em suma, sob o aspecto econmico, o cidado, atravs do princpio da equivalncia

aplicado taxa, internaliza a sua prpria externalidade gerada sobre o recurso comum,

fazendo com que este perca a caracterstica de baldio.

69

Em dilogo com o pensamento de VASQUES, Srgio. O princpio da equivalncia..., cit., p. 372 e ss.

Segundo o autor, o princpio da equivalncia extrado do princpio constitucional da igualdade.

30

6 Os regimes brasileiro e portugus

O saneamento bsico engloba, entre outros, o servio de gesto de resduos slidos

urbanos, que so servios de interesse geral, absolutamente necessrios manuteno da

sade pblica, bem-estar social, e preservao do ambiente. So servios de titularidade

estatal ou municipal, que devem garantir a universalidade de acesso, a continuidade e a boa

qualidade do servio, em equilbro com os princpios da eficincia e da eqidade de preos70

.

Em Portugal, foi aprovado pela Portaria n. 187/2007, de 12 de fevereiro, o Plano

Estratgico dos Resduos Slidos Urbanos (PERSU II), que promove, em mbito nacional,

instrumentos de implantao de uma poltica de gesto especfica aos RSUs no perodo de

2006 a 2016, criando sistemas multimunicipais, intermunicipais e especificamente municipais

de ao, que se responsabilizam pela recolha, valorizao e tratamento dos resduos, e que

tambm tem como objetivo conscientizar os cidados da importncia da boa administrao do

lixo. Tambm no Brasil, com a edio da nova Poltica Nacional dos Resduos Slidos (Lei

12.305/10), o legislador determinou a realizao de planos nacionais, estaduais,

microrregionais, intermunicipais e municipais de gesto dos RSUs.

Para a aplicao destas diretrizes, estabelecidas em ambas as repblicas, a

Administrao Pblica instituiu as taxas referentes aos servios prestados na recolha e

tratamento dos RSUs. Em Portugal, a competncia municipal para dispor de receita tributria

prpria vem prevista no artigo 254, n. 2 da Constituio Portuguesa. As taxas so

primariamente designadas no artigo 15 da Lei das Finanas Locais (LFL Lei n. 02/2007,

de 15 de janeiro), que d competncia aos municpios para criarem as taxas sobre servios

prestados aos particulares por estas entidades pblicas, subordinando a sua criao aos

princpios da equivalncia, da justa repartio dos encargos pblicos e da publicidade, e

respeitando ainda a Lei Geral Tributria (Dec.-Lei 398/98, de 17 de dezembro).

E o artigo 16, n. 3, alnea c, da LFL71

que determina a prestao pblica dos

70

MAS, Fernanda. Servio pblico de abastecimento de gua, saneamento de guas residuais urbanas e

resduos urbanos. In: FERREIRA, Eduardo Paz. MORAIS, Lus Silva. ANASTCIO, Gonalo. (Coord.)

Regulao em Portugal: novos tempos, novo modelo? Coimbra: Almedina, 2009, p.508 71

Artigo 16 - Preos

1 Os preos e demais instrumentos de remunerao a fixar pelos municpios relativos aos servios prestados e

aos bens fornecidos em gesto directa pelas unidades orgnicas municipais ou pelos servios municipalizados

no devem ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com a prestao desses servios e com o

fornecimento desses bens.

31

servios de gesto dos resduos slidos, que deve ter os seus custos diretos e indiretos

cobertos pelo valor da taxa para assegurar a execuo do servio de acordo com os princpios

de eficincia produtiva. Mais especificamente, o Regime Geral das Taxas das Autarquias

Locais (Lei n. 53-E/2006, de 29 de dezembro) determina, no seu artigo artigo 6, que as taxas

municipais incidem sobre as utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela atividade

dos municpios.

No Brasil, a Constituio Federal d poderes aos municpios, no seu artigo 145, inciso

II, para institurem as suas prprias taxas, com fato gerador em razo do exerccio do poder de

polcia ou pela utilizao, efetiva ou potencial, de servios pblicos especficos e divisveis,

prestados ao contribuinte ou postos a sua disposio, vedando que estas tenham bases de

clculo prprias dos impostos. Essas definies tomam fora no artigo 77 e seguintes do

Cdigo Tributrio Nacional (CTN), que, basicamente, repete a ordem constitucional.

Mas o artigo 79 do CTN vem explicar o que se considera servio pblico utilizado

pelo contribuinte, como sendo aquele que efetivamente usufrudo pelo cidado a qualquer

ttulo, ou o potencialmente, quando, sendo de utilizao compulsria, sejam postos sua

disposio mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento. Vem ainda

esclarecer que o servio especfico aquele que pode ser destacado em unidades autnomas

de interveno, de unidade, ou de necessidades pblicas e divisvel, quando suscetvel

de utilizao, separadamente, por parte de cada um dos seus usurios.

Isso significa que as taxas tm de ser atribudas a um determinado sujeito passivo pelo

servio pblico prestado ou posto disposio do contribuinte, ou, na letra portuguesa, gerada

pela atividade do municpio. E, dado o carter divisvel das taxas, estas s podem ser cobradas

2 Para efeitos do nmero anterior, os custos suportados so medidos em situao de eficincia produtiva e,

quando aplicvel, de acordo com as normas do regulamento tarifrio em vigor.

3 O preos e demais instrumentos de remunerao a cobrar pelos municpios respeitam, designadamente, s

actividades de explorao de sistemas municipais ou intermunicipais de:

(...) c) Gesto de resduos slidos; (...)

5 Salvo disposies contratuais em contrrio, nos casos em que haja receitas municipais ou de servios

municipalizados provenientes de preos e demais instrumentos contratuais associados a uma qualquer das

actividades referidas no n. anterior que sejam realizadas atravs de empresas concessionrias, devem tais

receitas ser transferidas para essas empresas at ao 30. dia do ms seguinte ao registo da respectiva receita,

devendo ser fornecida s empresas informao trimestral actualizada e discriminada dos montantes cobrados.

6 - Cabe entidade reguladora dos sectores de abastecimento pblico de gua, de saneamento de guas residuais

e de gesto de resduos slidos a verificao do disposto nos nmeros 1, 4 e 5 deste artigo, devendo, caso se trate

de gesto directa municipal, de servio municipalizado, empresa municipal ou intermunicipal, informar a

assembleia municipal e a entidade competente da tutela inspectiva caso ocorra violao de algum destes

preceitos, sem prejuzos dos poderes sancionatrios de que disponha.

PORTUGAL. Lei n. 02 de 15 de janeiro de 2007. In: www.dre.pt. Data de acesso: 30 de agosto de 2010.

32

se puderem ser traduzidas em unidades de medida ainda que a forfait72

. E neste ponto que

se encontra o problema da taxa de resduos slidos urbanos.

Tomaremos como exemplo, a gesto dos RSUs no municpio de Lisboa, em Portugal,

que prev a tarifa de saneamento bsico no artigo 40, n. 2, do seu Regulamento Geral de

Taxas, Preos e Outras Receitas Municipais de Lisboa73

, com o objetivo de arcar com os

custos do servio de recolha de resduos prestados aos seus muncipes. Essa tarifa no tem

assento na prestao efetiva do servio, ou seja, no baseada em valores exatos da

quantidade residual que cada cidado produz, ao invs, se baseia na quantidade de gua

consumida por cada casa.

atravs da EPAL (Empresa Portuguesa das guas Livres S.A.), considerada como

concessionria do sistema multimunicipal da rea da grande Lisboa na distribuio

domiciliria de gua74

, que se projeta a quantidade de resduos produzidos por cada cidado,

baseando-se numa presuno de que aquele que consome gua, efetivamente ocupa um

imvel, e produz resduos num nvel quantitativo semelhante ao da gua75

.

Assim, as prestaes administrativas no se realizam a um nvel individual e acabam

por serem feitas, na prtica, de maneira indivisvel. O mais correto que a contabilidade dos

resduos gerados por cada cidado fosse feita de maneira isolada e o tarifrio variasse de

acordo com o peso, o volume e a periculosidade dos resduos que se descarta. Seria o sistema

pay as you throw (PAYT), ou, traduzindo, pague o quanto joga fora, o que, certamente,

orientaria os consumidores preveno de resduos e a escolhas de eco-produtos.

Existem sistemas capazes de faz-lo, determinando o peso e o volume residual por

unidade domstica, atravs de um chip aplicado nos contentores familiares de lixo que,

quando apanhados, faz a pesagem e a medio do volume dos resduos atravs de um sistema

digital, que distingue cada contentor. Ou, ainda, atravs de contentores comuns a todos, que

so programados para receber uma quantidade determinada de lixo e s abrem as suas tampas

com a leitura de um carto magntico, previamente designado ao particular e que pode ser

recarregado. Este tipo de tecnologia tem sido aplicada como experincia em alguns pases

europeus, mas corre-se o risco do produtor simplesmente abandonar os resduos em via

72

Por estimativa. 73

Disponvel em: http://www.cm-lisboa.pt/archive/doc/Doc_1_-_Regulamento_das_TORM_v_21.04.2010_-

_VERSAO_FINAL.pdf. Data de acesso: 07 de setembro de 10. 74

Embora a titularidade, regra geral, do servio de distribuio domiciliria de gua, seja do municpio, no caso

especfico de Lisboa, a EPAL quem realiza o servio, sendo considerada, conforme o artigo 2, n. 2 do DL

362/98, como concessionria do sistema multimunicipal da rea da grande Lisboa, para efeitos da regulao pela

ERSAR (Entidade Reguladora dos Servios de guas e Resduos). MAS, Fernanda. Servio pblico de

abastecimento..., cit., p. 543. 75

Em dilogo com VASQUES, Srgio. O princpio da..., cit., p. 162 e ss.

http://www.cm-lisboa.pt/archive/doc/Doc_1_-_Regulamento_das_TORM_v_21.04.2010_-_VERSAO_FINAL.pdfhttp://www.cm-lisboa.pt/archive/doc/Doc_1_-_Regulamento_das_TORM_v_21.04.2010_-_VERSAO_FINAL.pdf

33

pblica76

.

O que acontece que esses sistemas, embora possveis, so muito onerosos para o

Estado, e as dificuldades acabam levando utilizao de uma presuno que, ainda que no

seja exata, satisfaz razoavelmente uma indicao quantitativa de produo77

.

A experincia mostra que se uma pessoa consome gua da rede pblica, porque

realmente ocupa um imvel, para fins de moradia ou comercial. Suponhamos que numa casa

familiar morem quatro pessoas: o consumo de gua ser tanto quanto necessrio para o

nmero de pessoas habitantes na residncia, e cada uma delas produzir lixo individualmente,

se quatro consomem gua, quatro produziro lixo, adquirindo-se assim um indicador

razoavelmente seguro para se medir a quantidade de resduos gerados por imvel.

A presuno de tal maneira forte que considerada como uma prestao efetiva no

qual se pode basear uma taxa. O Tribunal Constitucional de Portugal, no acrdo n. 76/88, de

7 de abril, no processo que versava justamente sobre a inconstitucionalidade da tarifa de

saneamento lisboeta abrangente do servio de recolha dos RSUs e do tratamento de guas

residuais, decidiu sobre o metdo utilizado para se firmar a tarifa dos resduos (somente no

mbito dos resduos), que o indce escolhido para esse efeito envolve uma presuno muito

forte de que os sujeitos tributados realmente utilizam o servio de recolha, depsito e

tratamento de lixos, pois que, por via de regra, todo o consumidor de gua tambm produtor

de lixo78

.

O Brasil tambm teve vrios processos em tribunal versando sobre o assunto e, por

fim, abrandando a questo, o Supremo Tribunal Federal lanou a smula vinculante n. 19,

publicada em 10/11/2009, que diz que a taxa cobrada exclusivamente em razo dos servios

pblicos de coleta, remoo e tratamento ou destinao de lixo ou resduos provenientes de

imveis, no viola o artigo 145, II, da Constituio Federal79

.

E aqui, como a taxa de RSUs matria municipal, tomaremos como exemplo o

Municpio de Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais, no Brasil. A lei municipal80

n.

76

ARAGO, Maria Alexandra de Sousa.