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Tópicos Destacados na Gestão do Judiciário Catarinense – Volume 1 39 Os reflexos da automação na organização do trabalho no judiciário catarinense Adriana Kátia Ternes Moresco Ari Dorvalino Schurhaus 1 Introdução A economia mundial passa por transformações que afetam di- retamente a competitividade das organizações. Os recursos naturais e financeiros, bem como o capital humano, visto apenas como mão de obra de produção, se posicionam em um plano secundário no momento em que as competências individuais e organizacionais as- sumem seu devido valor e importância, não só para a melhoria dos processos internos das empresas, mas também garantindo a sobrevi- vência das mesmas. Esta realidade atinge também as empresas públicas, as quais estão sendo desafiadas pelas pressões do mundo globalizado, pelas exigências relacionadas à reforma do Estado, pelo aumento do con- trole de custos e, principalmente, pelas exigências da sociedade por serviços de qualidade. Assim, adequando-se a estas demandas, as organizações públicas necessitam realizar mudanças estratégicas que passam não somente pela aplicação das novas tecnologias, mas tam- bém pela necessidade de mudanças na forma de gerenciar as organi- zações, provocadas por estas inovações tecnológicas. Este artigo apresenta um breve relato das inovações tecnológi- cas ocorridas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina com destaque para a virtualização dos processos iniciada a partir da publicação da Lei n. 11.419/2006. As inovações tecnológicas no Poder Judiciário Catarinense atendem também à necessidade de tornar o processo ju-

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Tópicos Destacados na Gestão do Judiciário Catarinense – Volume 1 39

Os reflexos da automação na organização do trabalho no judiciário catarinense

Adriana Kátia Ternes MorescoAri Dorvalino Schurhaus

1 Introdução

A economia mundial passa por transformações que afetam di-retamente a competitividade das organizações. Os recursos naturais e financeiros, bem como o capital humano, visto apenas como mão de obra de produção, se posicionam em um plano secundário no momento em que as competências individuais e organizacionais as-sumem seu devido valor e importância, não só para a melhoria dos processos internos das empresas, mas também garantindo a sobrevi-vência das mesmas.

Esta realidade atinge também as empresas públicas, as quais estão sendo desafiadas pelas pressões do mundo globalizado, pelas exigências relacionadas à reforma do Estado, pelo aumento do con-trole de custos e, principalmente, pelas exigências da sociedade por serviços de qualidade. Assim, adequando-se a estas demandas, as organizações públicas necessitam realizar mudanças estratégicas que passam não somente pela aplicação das novas tecnologias, mas tam-bém pela necessidade de mudanças na forma de gerenciar as organi-zações, provocadas por estas inovações tecnológicas.

Este artigo apresenta um breve relato das inovações tecnológi-cas ocorridas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina com destaque para a virtualização dos processos iniciada a partir da publicação da Lei n. 11.419/2006. As inovações tecnológicas no Poder Judiciário Catarinense atendem também à necessidade de tornar o processo ju-

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dicial mais célere, com maior qualidade e com economia de recursos. Destaca-se aqui que a implantação destas tecnologias influencia a organização e o trabalho desenvolvido, exigindo uma adequação de sua forma de gestão para que os resultados obtidos estejam em con-formidade com os previamente estabelecidos. Para compreender esta relação foi realizada uma fundamentação do trabalho, sua evolução e significado, com destaque para a ergonomia, chegando à sua forma mais recente: a macroergonomia.

A macroergonomia objetiva a melhoria das condições do tra-balho e o aumento da produtividade. Por intermédio de uma de suas ferramentas, a ergonomia participativa, possibilita compreender as mudanças organizacionais provocadas pelas inovações tecnológicas, esclarecendo as relações existentes entre as pessoas, a organização do trabalho e o desenvolvimento tecnológico.

A macroergonomia coloca a inovação tecnológica em seu de-vido lugar: ela não tem “fim em si mesma”, nem consegue obter o aumento de produtividade esperado caso não haja uma preparação de toda a organização, que deve destinar todos os recursos para a sua implantação. Assim como as influências negativas de suas inova-ções, apontadas pelo sofrimento físico e cognitivo dos trabalhadores, só poderão ser minimizadas com ações abrangentes que vão muito além das análises ergonômicas do posto de trabalho e da sugestão de utilização de assessórios ergonômicos. As ações abrangentes devem adequar a organização às suas novas características, provenientes das inovações tecnológicas, como a revisão das tarefas determinadas para cada cargo, diminuição dos níveis hierárquicos, mudanças das exigências de conhecimento, habilidades e atitudes para o desenvol-vimento de cada função, extinção de cargos, etc.

2 Fundamentação teórica

2.1 Trabalho e ergonomia

A compreensão do sentido do trabalho é de fundamental im-portância para percebermos a influência que este exerce sobre os in-

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divíduos. A qualidade de vida do indivíduo é influenciada pela quali-dade de toda a sua vida funcional e do espaço que o trabalho ocupa em sua existência.

O trabalho vem sofrendo mudanças de sentido e características durante a existência humana, em consequência das éticas vigentes, como observa Ferrigno (1990, p. 30): “[...] o trabalho, modo de so-brevivência, mas também de desenvolvimento histórico, transfigurou--se em modo de exploração de um homem por outro”.

A organização científica do trabalho desapropria o indivíduo de seu saber profissional, seu know how técnico. O trabalhador não possui mais nenhuma forma de saber, nem liberdade de invenção e intervenção. Ele perde os meios para adaptar a organização de seu trabalho às necessidades do organismo, e sua originalidade fica perdi-da. O sistema de trabalho taylorizado proíbe qualquer atividade inte-lectual e cognitiva do indivíduo.

O indivíduo resultante da administração científica é desprovido da ética da convicção, dos atos substantivos baseados em conheci-mentos. O trabalhador possui somente a ação racional e de cálculos que possibilitem atingir os fins estabelecidos.

A divisão do trabalho retira do indivíduo o sentido e o conhe-cimento do destino da tarefa que executa. Esta é certamente a maior violência que o sistema taylorizado exerce no funcionamento mental do indivíduo. Ferrigno (1990, p. 30) destaca que a “grande maioria dos trabalhadores, além de toda sorte de dificuldades ocasionadas pela insuficiente remuneração que recebem, executam tarefas que, pelo modo como são produzidas, causam-lhes estranheza, frustração, tédio e revolta”.

O trabalhador passa por um processo de autoalienação, onde o indivíduo não se reconhece na relação de trabalho, sente-se estranho a si mesmo, homem-objeto, coisificado. Neste sistema organizacional o homem é transformado em uma unidade abstrata, instrumento pas-sivo, que em troca de salários cumpre tarefas que foram autocratica-mente determinadas.

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O local de trabalho é desta forma um lugar de sofrimento, pois a realização de tarefas repetitivas, que separam o trabalho da ocupa-ção, faz com que o homem feche a sua consciência ao pensamento organizado, vindo do seu interior. O trabalhador que sofre este pro-cesso de repressão psíquica perde aos poucos também a capacidade de desempenhar um papel ativo no meio social, nas relações afetivas e familiares.

A organização do trabalho da sociedade atual exclui do indiví-duo a sua capacidade criadora e de participação na empresa, refle-tindo também na relação alienante com a sociedade. O trabalho não tem apenas a função de satisfazer as necessidades financeiras básicas, ele possibilita o convívio e a criação de relações, com os indivíduos que compõem o grupo bem como com o próprio fruto e processo do trabalho.

Dejours afirma que:

A atividade profissional não é só um meio de ganhar a vida – é também uma forma de inserção social onde as-pectos psíquicos e físicos estão fortemente implicados. O trabalho pode ser um fator de deterioração, de envelhe-cimento e de doenças graves, mas pode, também, cons-tituir um fator de equilíbrio e desenvolvimento. A possibi-lidade da segunda hipótese está vinculada a um trabalho que permita a cada indivíduo aliar as necessidades físicas, o desejo de executar a tarefa.” (DEJOURS, 1991).

O trabalho então deve ser um fator de equilíbrio na vida do indivíduo, pois este é uma forma de inserção social onde aspectos psíquicos e físicos estão fortemente implicados. Da maneira como é organizado o trabalho, o mesmo pode ser um fator de equilíbrio e de desenvolvimento, significando saúde.

O trabalho para ser considerado saudável deverá envolver a pessoa como um todo, através das suas potencialidades físicas, psí-quicas e sociais. Pessoas, portanto, capazes de mobilizarem-se em fa-

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vor de metas significativas, com emoções, responsabilidades e expe-riências combinadas com suas expectativas e crenças, individuais e culturais. Para tal deverá permitir a participação do indivíduo em to-das as suas dimensões, deixando de ser um trabalhador sinônimo de objeto, sem permissão para pensar, criar e influenciar a atividade re-alizada, transformando-se em ser pensante, estando presente no tra-balho física e mentalmente, envolvendo-se mental e emocionalmente, com liberdade de questionar e criar, ou seja, participar. A participa-ção, segundo Chiavenato (1992, p. 58) é “o envolvimento mental e emocional das pessoas em situações de grupo que as encorajam a contribuir para os objetivos do grupo e assumir responsabilidades de alcançá-los”.

A ergonomia apresenta caminhos para que o homem novamen-te ocupe a centralidade do trabalho e a sua importância, e aponta os desgastes do indivíduo advindos com a coisificação do trabalho que não reconhece o conhecimento de quem o realiza.

A ergonomia é conceituada por Wisner como um “Conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários para a concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, de segurança e de eficácia” (SANTOS, 1995). Nasceu da necessidade de responder às questões importantes levantadas por situações de trabalho insatisfatórias e suas ações foram baseadas na experimentação, atitude científica.

Segundo a ABERGO, Associação Brasileira de Ergonomia, a IEA – Associação Internacional de Ergonomia adotou em agosto de 2000 a seguinte definição oficial:

A Ergonomia (ou Fatores Humanos) é uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações en-tre os seres humanos e outros elementos ou sistemas e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos a proje-tos, a fim de otimizar o bem-estar humano e o desempe-nho global do sistema.

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A ergonomia visa conceber ações de trabalho que não alterem a saúde dos trabalhadores e também possibilitem que estes exerçam suas competências assim como encontrem condições para valoriza-ção de suas potencialidades em plano individual e coletivo. Para a organização, a ergonomia contribui para o alcance de seus objetivos econômicos através da melhoria da produtividade, quando diminui índices como o retrabalho e o absenteísmo.

A ergonomia tem como características a utilização de diversos saberes científicos com um único objetivo, o da melhoria das con-dições de trabalho, ouvindo os trabalhadores e buscando seus co-nhecimentos para construir as novas condições, com a valorização do saber do trabalhador, esclarecendo a relação entre as atividades desenvolvidas, as condições de trabalho e as consequências sobre o indivíduo e a produtividade.

Não há nunca uma solução ergonômica universal. Aquela que fez maravilhas aqui pode muito bem revelar-se lamentável em outra situação, mesmo se as condições são aparentemente pouco diferen-tes. A otimização ergonômica só é obtida no fim da aplicação de uma metodologia de análise, passando em revista o conjunto dos fatores que definem a situação do trabalho, sob os critérios dos quais a er-gonomia atribui alguma importância, e não por um check-list de nor-mas ou de receitas milagrosas.

A ABERGO apresenta ainda os domínios de especialização da ergonomia:

•Ergonomia física – está relacionada com as características da anatomia humana, antropometria, fisiologia e biomecâ-nica em sua relação à atividade física. Os tópicos relevantes incluem o estudo da postura no trabalho, manuseio de ma-teriais, movimentos repetitivos, distúrbios musculoesqueléti-cos relacionados ao trabalho, projeto de posto de trabalho, segurança e saúde.

•Ergonomia cognitiva – refere-se aos processos mentais, tais como percepção, memória, raciocínio e resposta motora conforme afetem as interações entre seres humanos e ou-

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tros elementos de um sistema. Os tópicos relevantes incluem o estudo da carga mental de trabalho, tomada de decisão, desempenho especializado, interação homem computador, stress e treinamento conforme esses se relacionem a proje-tos envolvendo seres humanos e sistemas.

•Ergonomia organizacional – concerne à otimização dos sis-temas sóciotécnicos, incluindo suas estruturas organizacio-nais, políticas e de processos. Os tópicos relevantes incluem comunicações, gerenciamento de recursos de tripulações (CRM – domínio aeronáutico), projeto de trabalho, orga-nização temporal do trabalho, trabalho em grupo, projeto participativo, novos paradigmas do trabalho, trabalho coo-perativo, cultura organizacional, organizações em rede, tele trabalho e gestão da qualidade (ABERGO, 2011).

A ergonomia organizacional também é conhecida como macroer-gonomia, pois considera que para se compreender o espaço de tra-balho devemos realizar uma análise sistêmica avaliando o processo, considerando assim as influências e promovendo uma análise e su-gestões que poderão ser consideradas para a implantação do sistema organizacional produtivo evitando os riscos de fracasso de implanta-ção de novas tecnologias.

A macroergonomia se caracteriza pela aplicação de conheci-mentos sobre pessoas e organizações, implantação e uso de tecnolo-gias e surge devido às constantes mudanças decorrentes da organiza-ção do trabalho e pelo desenvolvimento tecnológico.

Como destacado por Van Der Linden, a análise ergonômica através da abordagem macroergonômica contribui com a avaliação dos aspectos organizacionais, políticos, sociais e psicológicos envolvi-dos no trabalho, assim como com a própria inovação, seja ela tecno-lógica ou organizacional.

O núcleo de interesse da ergonomia moderna se deslocou para os conjuntos completos e caros constituídos pelos sistemas de produ-ção automatizados e os complexos informatizados do setor terciário.

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A ergonomia tem uma característica sistêmica de trabalho e, em sua prática, ela exige que os ergonomistas tenham uma aborda-gem holística de todo o campo de ação da disciplina e considerem tanto os aspectos físicos e cognitivos, como sociais, organizacionais, ambientais etc., deixando para trás o conceito que a popularizou, de especificações de mobiliários e análises pontuais de postos de traba-lho, dos problemas ambientais, ferramentais e as posturas associadas. A análise de postos de trabalho deixa de ser fim em si para tornar-se um dos itens necessários para a compreensão do sistema produtivo assim como meio para conhecer a atividade produtiva e compor com suas informações, soluções tecnológicas mais adequadas às deman-das, necessidades organizacionais e condições do trabalhador. “O er-gonomista tem um papel importante a desempenhar, com a condição de que possa fazer o inventário das atividades futuras prováveis ou passíveis.” (DANIELLOU, 1989).

Para implantação da visão macroergonômica, alguns métodos foram desenvolvidos. Um dos métodos desenvolvidos ou adaptados para a sua implantação é a metodologia da ergonomia participati-va. Através de técnicas acessíveis, a ergonomia participativa permite a aplicação da macroergonomia através do envolvimento dos traba-lhadores em todas as fases da intervenção ergonômica. O método participativo envolve o trabalhador promovendo o envolvimento e a cumplicidade do mesmo na implantação das mudanças e soluções re-comendadas, transformando-os em agentes da melhoria das condições de trabalho. Assim a metodologia deixa de ser apenas um processo, em que o ergonomista estuda o problema e recomenda soluções.

A ergonomia participativa busca ouvir todos os envolvidos no sistema sem deixar de considerar também a opinião dos agentes ex-ternos, como dos especialistas, pois são visões complementares que apresentam faces diversas da mesma situação.

Com o desenvolvimento cada vez maior de novas tecnologias, que conduzem à automação de fábricas e escritórios, tem aumentado a consciência do impacto da tecnologia sobre os sistemas organiza-cionais. Diversos projetos tecnológicos malsucedidos têm mostrado a

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necessidade de considerar-se a interação entre o contexto psicossocial e a tecnologia.

Considerando o processo de implantação da automação do tra-balho proveniente do processo digital como uma inovação tecnológi-ca, tecnologia externa que foi transferida, deve-se levar em conta as considerações ergonômicas citadas por Wisner (1994), para que se tenham critérios que evitem problemas como:

•Efeitos negativos no aumento da produtividade;•Dificuldade de coordenação e controle pela chefia;•Duplicação de esforços para executar determinadas ativida-

des;•Maior dificuldade de normatização e de padronização;•Ineficiência na utilização de recursos humanos, materiais e

tecnológicos da empresa;•Dificuldade da chefia em coordenar as atividades que en-

volvam alto nível de interdependência.

Meshkati (1988) destaca algumas considerações ergonômicas essenciais no processo de transferência de tecnologia, relativas a fato-res de natureza microergonômica e macroergonômica. Os fatores de natureza microergonômicas estão relacionados aos aspectos estrutu-rais e operações de ajustamento de tecnologia envolvendo as carac-terísticas sociais e educacionais. Já os de macroergonomia, ao efeito das variáveis culturais e transferência de métodos gerenciais e organi-zacionais.

Particularmente, ressalta-se:

•Atitudes com relação ao trabalho;•Atitudes com relação à tecnologia;•Atitudes com relação à organização e os hábitos de trabalho:

indivíduos e grupos acostumados a uma indústria orientada por tarefas manuais têm tido considerável dificuldade em ajustar-se a técnicas, disciplinas e organização associadas às formas modernas de produção;

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•Complexidade cognitiva: a principal área cuja base cultural tem tido especial importância devido ao seu efeito sobre a complexidade cognitiva dos indivíduos tem sido o projeto de interfaces homem-computador e de sistemas de apoio à decisão.

A transferência de métodos gerenciais e organizacionais sem uma cuidadosa e adequada análise dos fatores gerenciais envolvidos no processo de transferência de tecnologia tende ao insucesso. Os fa-tores a serem considerados são: filosofia e estilo gerencial (atitudes dos gerentes em relação aos subordinados e ao ambiente externo), práticas gerenciais (atividade de planejamento, organização, controle e liderança) e condições ambientais que determinam as ações geren-ciais na empresa (fatores socioeconômicos, políticos e legais).

A causa mais comum para o fracasso da implantação de novas tecnologias é considerar a solução ou ferramenta tecnológica como um fim em si mesma, uma solução isolada, sem considerar as carac-terísticas organizacionais e as características humanas.

A macroergonomia, através de suas metodologias como a er-gonomia participativa e a consideração das correlações entre as ino-vações tecnológicas, a organização, os trabalhadores e o meio, tem demonstrado uma forma de adequar as organizações às grandes mu-danças tecnológicas como a virtualização das operações e as conse-quências destas para todo o sistema organizacional e de trabalho.

2.2 Impactos das novas tecnologias na organização do trabalho

A velocidade das mudanças da sociedade, dentre elas as inova-ções tecnológicas, são fatores que influenciam as organizações e ge-ram mudanças nas formas de gerenciar as organizações.

Gonçalves (1993) agrupou as principais conclusões referentes ao impacto da implantação das novas ferramentas tecnológicas na organização:

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•Mudançasnarealizaçãodotrabalho: as mudanças na forma de realizar a tarefa através da alteração dos métodos manuais para o eletrônico informatizado, mudam a caracte-rística do trabalho de concreto para abstrato. Assim, as exi-gências para o cumprimento das tarefas passam a ser mais cognitivas e os ritmos antes estabelecidos por variáveis con-cretas e físicas, como solicitações de clientes internos e ex-ternos por meio físico, são agora definidos pelo sistema. O impacto destas mudanças pode alterar a sensação de ser ca-paz com a conclusão da atividade, diminuindo a satisfação sentida com a realização do trabalho.

•Mudanças no nível de emprego: as mudanças tecno-lógicas são inseridas para aperfeiçoar a produtividade dos sistemas e minimizar os custos. O trabalhador é comumen-te considerado como custo; assim um dos objetivos secun-dários das inovações tecnológicas é reduzir o número de empregados, sendo esta uma das principais tendências. Contudo, com a melhoria geral dos sistemas produtivos e da economia em geral, novos postos de trabalho podem ser abertos, equilibrando o sistema econômico.

•Mudanças na estrutura organizacional: as alterações nos processos de trabalho como consequência da implanta-ção das novas tecnologias, onde atividades deixam inclusive de existir, como recebimento de documentos, simples digi-tação, numeração de páginas, exigem das organizações re-definições que vão desde novos layouts até a reestruturação da organização, como diminuição de níveis hierárquicos, cargos e das características e aptidões dos trabalhadores.A diminuição dos níveis hierárquicos é gerada pelas novas características das atividades que tendem a serem mais es-pecializadas, necessitando serem ocupadas por pessoas mais qualificadas, o que por sua vez diminui a necessidade de supervisores diretos. A supervisão direta passa a ser feita pelo próprio sistema, que poderá registrar o período de tra-balho, apontar erros e estabelecer o ritmo de trabalho.

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A implantação do sistema informatizado é um grande facili-tador do controle organizacional, já que possibilita o acesso aos dados produtivos, apresentando um retrato da organi-zação, aumentando as variáveis de gerenciamento, através das possibilidades de correlações entre causa e efeito e a identificação de gargalos produtivos.

•Mudanças na forma de gerenciamento: as mudanças na forma de gerenciamento são uma consequência de to-das as mudanças organizacionais apontadas, como a dimi-nuição do nível hierárquico, do perfil do gerenciado, mais qualificado, o aumento de informações passíveis de serem gerenciadas, a integração entre as áreas e a comunicação realizada através das novas ferramentas de comunicação. O trabalho exclusivamente operacional, principalmente, está ameaçado, remodelando o conteúdo dos cargos. Neste pro-cesso as organizações se transformam, as necessidades de mão de obra e os níveis de gerência intermediária são redu-zidos e a cúpula se aproxima da base.

A sofisticação dos quadros da organização é outra consequência importante da inovação tecnológica. O trabalho dos que permane-cem na organização é nivelado por cima, os trabalhadores necessitam ter mais qualificação para lidar com as novas tecnologias.

As novas organizações necessitam de menos pessoas, porém com maior qualificação e que estejam envolvidas nos processos e nas decisões. Os grupos de trabalho que compõem a estrutura orga-nizacional devem possuir um grau maior de conhecimento que lhes permita controlar e planejar a produção, controlar a qualidade dos produtos e serviços, solucionar problemas e gerir suprimentos. Traba-lho em equipe, mais autonomia e responsabilidade funcional são os novos paradigmas para os recursos humanos organizacionais.

As ações das organizações diante da virtualização de suas ati-vidades se deparam com as consequências destas na saúde dos in-divíduos que a compõem. Diversas são as medidas possíveis para amenizar e adequar as novas situações de trabalho para aqueles que

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as desenvolvem. O mais comum são as análises referentes ao posto de trabalho informatizado, (microergonomia), onde são feitas suges-tões como altura de mesas, cadeiras, iluminação etc. Como resultado destas análises foram desenvolvidos produtos chamados ergonômicos como teclados, cadeiras que se adequam a características do indiví-duo com o intuito de evitar os distúrbios osteomusculares relaciona-dos ao trabalho (DORT), os quais incluem, entre outras doenças do trabalho, as lesões por esforços repetitivos (LER).

As soluções apresentadas através das mudanças no posto de trabalho auxiliam na diminuição do sofrimento físico, mas sozinhas, não conseguem amenizar os problemas relativos à organização do trabalho como as citadas: sobrecarga, falta de treinamento, ferramen-tas inadequadas e problemas relacionados às novas características das funções consequentes da virtualização. Para compreender estas novas características e amenizar os problemas com ela advindos se faz mister a realização de uma abordagem mais ampla, que vai além do posto de trabalho.

As organizações cuja estrutura e processos estão sendo mais amplamente reconfigurados pelo uso intensivo das tecnologias da co-municação e informação, são denominadas de organizações virtuais. O atributo “virtual” é utilizado para denominar uma lógica organi-zacional, onde as fronteiras de tempo, espaço geográfico, unidades organizacionais e acesso a informações são menos importantes, en-quanto que o uso de tecnologias de comunicação é considerado alta-mente útil (AUGUSTIN, s.d.).

As preocupações com a gestão empresarial para a organização virtual deveriam estar baseadas nos seguintes pontos:

•Estratégias de gestão empresarial virtual nos negócios virtu-ais: quais oportunidades e ameaças para a empresa;

•virtualização das atividades: as indústrias tradicionais e os novos setores de conhecimento intensivo estão preparados para a virtualização;

•concepção distribuída de novos produtos: como fazer;

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•marketing: como vão se alterar os nossos hábitos de consu-mo;

• logística: como será realizada a distribuição de produtos tan-gíveis e intangíveis;

•segurança e privacidade: como realizar o acesso à informa-ção, às transações comerciais e financeiras;

• infraestrutura de tecnologias de comunicação e de informa-ção: que equipamentos e serviços potencializam a empresa virtual;

•trabalho real na empresa virtual: quais os limites da desatu-alização espacial e temporal;

•os recursos humanos na empresa virtual: que perfil buscar dos novos colaboradores (RASMESSEN, 1991, p. 108).

As preocupações apontadas acima com a gestão empresarial para a organização são aspectos essenciais a serem avaliados pela organiza-ção quando da implantação de novas ferramentas tecnológicas.

O que podemos observar é que a mudança das organizações que caminham para a virtualização deve ser considerada como uma mudança para a organização como um todo, já que ela exige e gera mudanças para todos os indivíduos que a compõem, através das no-vas características do trabalho e da organização, e consequentemente necessita mudar sua estrutura e sua forma de gerenciar seus servidores.

3 A aplicação da tecnologia do poder judiciário

O Poder Judiciário de Santa Catarina iniciou seu processo de informatização em 1980, em parceria com o governo do Estado, com a aquisição de equipamentos para a estruturação de um CPD (Cen-tro de Processamento de Dados) e sistemas de controle patrimonial, Recursos Humanos e Finanças. Além disso, foram implantados os pri-meiros sistemas ligados à área fim, como o cadastro de processos do 2º grau e a pesquisa de jurisprudência.

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Somente em 1996, após o surgimento dos microcomputadores a informática difundiu-se pelo Estado, com a instalação em todas as comarcas de equipamentos e redes interligando as unidades jurisdi-cionais ao Tribunal de Justiça e conferindo aos postos de trabalho alto poder de processamento de informações.

Assim como as organizações privadas, o Tribunal de Justiça buscava ganhos de produtividade, com a otimização de recursos físi-cos e financeiros. A informatização generalizada era o caminho para realizar o trabalho em menor tempo, com maior controle, transparên-cia e qualidade.

O quadro a seguir demonstra o crescimento da estrutura do Po-der Judiciário e, comparativamente, a evolução da área de TI da ins-tituição nos últimos 15 anos.

Estrutura Funcional 1996 2010 incrEmEnto

Comarcas Instaladas 83 111 34%

Desembargadores 33 90 173%

Juízes de 1º Grau 214 376 76%

Microcomputadores 1000 9800 880%

Bancos de Dados 8 154 1825%

Fonte: relatórios da Diretoria de TI

Surge, então, a necessidade de incrementar as ferramentas tec-nológicas à disposição de magistrados e servidores, culminando com o desenvolvimento do Sistema de Automação da Justiça – SAJ, sis-tema destinado à gestão dos processos judiciais, no âmbito do Poder Judiciário, em primeira e segunda instância.

As funcionalidades existentes no software SAJ abrangem as ativi-dades desenvolvidas nos cartórios judiciais, gabinetes de magistrados e outros setores de fóruns e tribunais, sendo que todo o trâmite pro-cessual existente no Judiciário, desde o cadastro e distribuição de um processo até o seu arquivamento, podem ser controlados pelo sistema.

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Os reflexos da automação na organização do trabalho no judiciário catarinense

O SAJ/PG1 foi implantado inicialmente em 1996, na comarca de Lages e evoluiu ao longo de 10 anos em termos de recursos, com-plexidade e abrangência, até que em 2006 foi lançada a versão (5.0) que implementava o processo virtual. As unidades-piloto da referida versão foram as Varas de Execução Fiscal da Capital e de Lages, bem como o Juizado Especial Cível do Fórum Distrital do Norte da Ilha, instalado no Cesusc. A lei federal n. 11.419, publicada em dezembro de 2006 e que dispõe sobre a informatização do processo judicial, es-tabeleceu as condições legais e a segurança jurídica necessária para a operacionalização do processo virtual.

O processo virtual provém da aplicação de recursos tecnológi-cos específicos, que possibilitam a manipulação e tramitação de docu-mentos eletrônicos, com a automação de procedimentos vinculados aos autos. É baseado na tecnologia de workflow, com a aplicação de ferramentas de certificação digital e de gerenciamento eletrônico de documentos. Além da busca incessante por maior produtividade e qualidade na prestação jurisdicional, aspectos como a transparência e o acesso facilitado à Justiça, com serviços completos disponibilizados na Internet e a visualização integral de peças processuais, compõem o conjunto de fatores que motivam os investimentos no processo virtual.

Outra mudança que acompanha a implantação do processo virtual é a eliminação dos autos em papel. Essa medida agiliza so-bremaneira a recuperação de informações processuais e suporta uma gestão documental mais elaborada. Contudo, afeta um dos aspectos mais tradicionais do meio jurídico, proporcionando uma verdadeira quebra de paradigma ao exigir a manipulação do processo em meio digital.

Segundo o Juiz João Alexandre Dobrowolski Neto, integrante do Conselho Gestor de Tecnologia da Informação – CGInfo, em ma-téria publicada no site de Poder Judiciário de Santa Catarina,“Só em 2009, apenas uma pessoa expediu 27 mil ofícios, em virtude da inte-gração do SAJ com os Correios. Em papel, o mesmo trabalho exigi-

1 Por questões práticas, a abordagem deste estudo limita-se ao SAJ/PG, ou seja, os módulos do sistema destinados à gestão de processos de 1º Grau.

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ria uma equipe de 10 pessoas e mesmo assim, não daria conta”. O processo retorna às mãos do juiz com todos os dados necessários, o que, conforme informou o Juiz, proporcionou “no período de janeiro a outubro de 2009, um recolhimento R$ R$ 306 mil nos processos eletrônicos de execução fiscal, contra R$ 68 mil nos processos físicos, com menos de 10% da mão de obra do cartório”.

Não há dúvidas de que o caminho para o futuro passa pela au-tomação dos procedimentos judiciais e a implementação de novas formas de comunicação do Poder Judiciário com aqueles que dele precisam. Contudo, devemos refletir sobre a forma com que estamos adentrando nesta nova realidade e explorar os impactos da aplicação do workflow na implementação do processo virtual, pois é por inter-médio desta tecnologia que a automação se torna mais evidente.

O professor Tadeu Cruz (2000) conceitua o workflow como sen-do “um conjunto de ferramentas que têm por finalidade automatizar processos, racionalizando-os e, consequentemente, aumentando sua produtividade por meio de dois componentes implícitos: organização e tecnologia”.

Nos sistemas tradicionais, a organização do trabalho nos car-tórios judiciais é baseada em escaninhos. São locais físicos nos am-bientes dos cartórios onde os processos são guardados, em função do seu estado atual ou do procedimento que deve ser executado no mesmo. Assim, um processo é transferido ou movimentado de um escaninho para o outro quando satisfeitas as condições estabelecidas para a conclusão daquela etapa.

O workflow implementado no SAJ oferece aos servidores e ma-gistrados os “escaninhos digitais”, chamados de “filas de trabalho” no referido sistema. Tais filas de trabalho são equivalentes às fases de um processo e possuem atividades específicas a serem executadas. De modo a facilitar a interação do usuário com o sistema, somente as filas de trabalho associadas às suas responsabilidades podem ser visualizadas, conduzindo o servidor ou o magistrado pelo caminho preestabelecido.

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Os reflexos da automação na organização do trabalho no judiciário catarinense

O uso de fluxos de trabalho delimita o trabalho realizado pe-los funcionários da unidade judicial. As configurações dos fluxos de trabalho no software refletem as movimentações utilizadas no Poder Judiciário, as quais estabelecem o curso do processo até sua solução final.

Estabelecidas as regras de negócio e os eventos para transição entre as diversas fases de um processo, os fluxos são programados para executar a transição automática dos autos digitais de uma fila para outra. Dessa forma, quando ocorre uma movimentação ou um documento é emitido, o sistema executa tarefas automaticamente para representar o novo estado do processo.

Assim, os fluxos de trabalho auxiliam os usuários a desenvolve-rem suas atividades dentro do que é possível para cada tipo de pro-cesso, facilitando a racionalização dos métodos de trabalhos.

A verdade é que o processo virtual trouxe inovações e melho-rias indiscutíveis à forma como o trabalho no Judiciário é executado, com ganhos reais na produtividade. Porém a complexidade e a fal-ta de padronização dos inúmeros procedimentos judiciais dificulta a elaboração de fluxos automatizados para todos os trâmites existentes. Considerando as peculiaridades dos dispositivos legais relacionados aos diversos ramos do direito e às possibilidades de atuação das par-tes e seus representantes legais no curso de um processo, é pratica-mente impossível estabelecer modelos informatizados que automati-zem todas as demandas apresentadas ao Poder Judiciário.

Segundo Castells (1995, p. 223):

O processo de trabalho situa-se no cerne da estrutura social. A transformação tecnológica e administrativa do trabalho e das relações produtivas dentro e em torno da empresa emergente em rede é o principal instrumento por meio do qual o paradigma informacional e o processo de globalização afetam a sociedade em geral.

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O Juiz do Trabalho aposentado, Sebastião Tavares Pereira, no evento “O Processo Eletrônico e as Novas Tecnologias”, realizado em Florianópolis no ano de 2009, comentou que “há algumas décadas, a pergunta básica para os homens de decisão era: o que automatizar? Os anos tornaram essa pergunta obsoleta. No âmbito jurídico-proces-sual, agora, a pergunta deve ser feita ao contrário: o que não se deve automatizar?”.

A resposta, com certeza, não é trivial. Mas para o Juiz do Traba-lho, por trás dessa questão há dois princípios básicos:

•“A ideia de que há – e haverá sempre, atos processuais não automatizáveis, entregando às tecnologias digitais tudo aquilo que for passível de automação (automação máxima), no sentido de se alcançar, um dia, as fronteiras do não auto-matizável.”

•“A implicação óbvia da revisão dos procedimentos, pois, se-gundo uma velha verdade da análise de sistemas, toda au-tomação dever vir acompanhada da correspondente otimi-zação.”

Em 2008, o CGInfo investiu na ampliação da utilização do pro-cesso virtual em duas unidades: na Execução Fiscal do Município de Florianópolis, e na Vara Regional da Execução Fiscal, estadual e mu-nicipal, da Comarca de Lages.

Naquele momento, esforços foram concentrados no desenho do trâmite processual da execução fiscal, com a elaboração de fluxogra-mas e modelos de expedientes e decisões a serem disponibilizados aos usuários, bem como na definição de parâmetros para a imple-mentação das devidas automatizações no sistema. Ações como a as-sinatura digital pelo magistrado, de uma só vez e em blocos se fosse o caso, para subscrever o despacho inicial determinando a citação e o respectivo expediente (ofício ou mandado) tornaram-se possíveis. A Juíza Maria de Lourdes Simas Porto Vieira, titular da Vara de Execu-ções Fiscais da Comarca da Capital, em entrevista à revista CGInfor-ma, declarou em 2008 que:

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Os reflexos da automação na organização do trabalho no judiciário catarinense

A iniciativa atende as expectativasda sociedade, especial-mente pela agilização imposta na tramitação dosproces-sos. A absoluta ausência depapéis faz com que a movi-mentação processual seja rápida e segura, sendo que o aprimoramento sistemático do programa possibilitará a produçãode inúmeros atos processuais em curtíssimo es-paço de tempo, permitindo ao magistrado dedicar maior atenção aos procedimentos.

Visando diminuir o prazo de disseminação do sistema, o CGIn-fo aprovou, no mesmo ano, o projeto “Cartório Remoto do Processo de Execução Fiscal”. Trata-se de uma unidade judicial centralizada que aproveita as características de disponibilidade do processo vir-tual para operar tarefas de mero expediente e aquelas relacionadas aos atos ordinatórios dos autos que tramitam nas varas instaladas em todo o estado.

O estabelecimento de um cartório remoto racionaliza a utiliza-ção do espaço físico e a necessidade de recursos humanos capaci-tados, limitadores internos para a expansão dos serviços. Além dis-so, traz benefícios no sentido da uniformização de procedimentos e execução de tarefas com maior celeridade. Isso pode ser feito sem prejuízos para magistrados, partes e advogados nas unidades locais, que têm acesso integral aos autos e mais tempo para se dedicar a atividades “mais nobres” do processo judicial, como a elaboração de sentenças e a realização de audiências. No serviço implantado com o apoio do cartório remoto, o trâmite processual é centralizado e o atendimento pessoal permanece descentralizado na vara local.

Percebe-se que nesse momento de transição da forma com que se executa o trabalho, onde as ferramentas e documentos tradicionais são substituídos por equivalentes informatizados, a automação passa a ser perseguida como um objetivo a ser atingido e não como um meio ou plataforma onde as atividades se desenvolvem de maneira diferenciada.

Assim, os recursos que deveriam liberar o servidor para ativida-des cognitivas mais elaboradas passam a exigir sua intervenção para

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a alimentação de dados e controle de operações, na velocidade que o sistema proporciona a partir da execução de rotinas de maneira auto-mática e em bloco.

E, pela característica mais abstrata dessa nova forma de execu-tar as atividades, própria dos sistemas e dos documentos eletrônicos, a atenção dos servidores que desenvolvem as tarefas mais burocráti-cas do rito processual tem que ser redobrada. Nesse contexto, o ser-vidor de cartório confunde-se com um autômato do sistema, numa relação de interdependência com os procedimentos teoricamente au-tomatizados.

Outro ponto que merece atenção é a distância dos servidores que executam tarefas de modo remoto da realidade associada a esta tarefa.

Com os sistemas de informação e de comunicação pre-enchendo a distância física entre os trabalhadores de uma mesma organização e entre os trabalhadores e os clientes, todo administrador aprende rapidamente as novas fron-teiras do local do trabalho. Esta não é mais uma entidade bem definida, tangível. (KUGELMASS, 1996).

Assim, muitas vezes, pela ausência de contato com os atores do processo (magistrados, promotores de justiça, partes e advogados), as referências relacionadas aos casos particulares permanecem em se-gundo plano e o foco de atenção acaba sendo concentrado na execu-ção do procedimento.

George Lima (2003) destaca que há uma tendência em dimi-nuir-se o contato dos advogados com os servidores em virtude da in-corporação de novas tecnologias no processo judicial:

Com o peticionamento eletrônico, o acompanhamento processual através da internet, a publicação on-line do in-teiro teor dasdecisões e as intimações via e-mail, como exemplos dessa nova realidade tendente a virtual, o con-

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tato pessoal com o juiz e servidores da justiça, poderá ser gradativamente eliminado.

A comunicação interna entre os órgãos judiciários, que hoje ocorre principalmente por intermédio de documentos e meios físicos (ofícios, cartas precatórias, malotes), será substituída por documentos digitais, acessados via Internet e/ou enviados por e-mail.

Estes pontos críticos, observados sob a ótica da macroergono-mia, aliados à exigência de produtividade com vistas à tão desejada celeridade do Poder Judiciário, criam um ambiente desfavorável para a manutenção das condições de saúde e motivação do servidor.

Nesse estágio, a busca pela adequação dos postos de trabalho, com ações relacionadas à microergonomia, trarão poucos efeitos po-sitivos sobre a saúde do servidor. Os pontos que devem ser atacados nesse momento de transição estão associados, principalmente, à for-ma de tramitação de um processo judicial e à capacitação dos servi-dores para atuar nesse novo modelo.

A Teoria das Características do Trabalho, elaborada por Hack-man et al. (1975), apresenta três estados psicológicos que devem es-tar presentes em um indivíduo para proporcionar sua motivação e sa-tisfação no trabalho, desempenho de alta qualidade, além de baixos índices de absenteísmo e de rotatividade:

A experiência da percepção do trabalho como significati-vo, ou seja, o indivíduo perceber seu trabalho como com-pensador ou importante por algum sistema de valores que ele aceita; a responsabilidade experimentada pelos resultados do trabalho, ou seja, a crença do indivíduo de que ele é pessoalmente responsável pelos resultados de seus esforços; e o conhecimento dos resultados do traba-lho, ou seja, a capacidade do indivíduo em determinar se os resultados do trabalho foram ou não satisfatórios. (SABBAGH, 2010).

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Locais de trabalho onde se encontram excluídas a variedade, a iniciativa, a responsabilidade, a participação conjunta e mesmo a sig-nificação tornam-se ambientes destituídos de possibilidade do traba-lhador encontrar um interesse renovado e com melhor probabilidade de ter satisfação e qualidade de vida.

Existem diversos aspectos que podem tornar os cargos mais satisfatórios, refletindo-se indiretamente na produtividade e que in-dependem de elevação do custo operacional com pessoal ou insta-lações. São fatores organizacionais, ambientais e comportamentais que, quando combinados, influenciam o projeto de cargos, elevando o nível de satisfação e a produtividade e que podem ser evidenciados pela macroergonomia.

4 Conclusão

Inegáveis são os benefícios advindos da implantação do proces-so virtual. Seja em prol da sociedade, de uma Justiça mais célere e transparente, ou mesmo na elevação do status funcional do servidor do Judiciário, a automação dos procedimentos judiciais deve conti-nuar seu curso. A correta aplicação da tecnologia pode auxiliar a Jus-tiça brasileira a reposicionar-se no contexto das instituições nacionais de referência.

Nesse sentido, porém, instrumentos e fases processuais preci-sam ser completamente remodelados para extrair da tecnologia todos os benefícios que possibilitarão uma verdadeira automação e conse-quente racionalização de procedimentos e recursos.

A aplicação do workflow nos cartórios judiciais também pode ser muito ampliada. Uma melhor padronização dos fluxos de traba-lho pode ser obtida a partir da criação de varas especializadas. Com isso, respeitados os dispositivos legais, sistemas e servidores do Judi-ciário poderão trabalhar complementarmente e não de maneira inter-dependente, produzindo efeitos altamente positivos no resultado do trabalho executado.

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Paralelamente, o servidor precisa ser preparado para atuar nes-se contexto, de modo que possa compreender sua real responsabili-dade, desenvolver suas competências para agregar valor ao trabalho resultante dos procedimentos já automatizados e auxiliar diretamente nas atividades de elaboração que efetivamente produzem soluções para as demandas apresentadas ao poder Judiciário.

Os empregados dentro de uma organização são seres humanos dotados de uma miríade de aspectos que não admitem cisões, ou seja, ao ingressar no trabalho, o indivíduo carrega consigo todas as dimensões que fazem parte da sua individualidade e não só aquela estritamente necessária à realização da tarefa de que foi incumbido. Os seres humanos não podem ser considerados apenas recursos, dos quais a organização lança mão para alcançar os seus objetivos.

Um ambiente mais saudável, um meio de participação na ges-tão da empresa e a possibilidade de decidir sobre o seu trabalho, são exemplos de medidas que podem ser tomadas para satisfazer às três variáveis, segundo Mattos (1992), através das quais a ação humana se expressa nas organizações: saúde, politização e produção. Mas es-ses três fatores não podem ser tratados como compartimentos estan-ques, pois a fragmentação não traz resultados positivos, nem para o empregado, nem para o empregador; são necessárias a visão do todo e a ação simultânea em todas as frentes.

Neste momento em que as novas concepções e ideologias estão se formando e novos horizontes estão se abrindo, é hora das organi-zações assumirem, de fato, o papel social que têm perante a comuni-dade. E a maneira mais imediata das organizações cumprirem esse compromisso é começando pelo seu próprio empregado.

Enfim, vale o registro do alerta feito por Marco Antônio de Bar-ros e César Eduardo Lavoura Romão:

O Direito precisa renovar e/ou atualizar constantemente as suas formas de resolução de conflitos e demandas ju-diciais, sob pena de entrar em irreversível e danoso des-compasso em relação à realidade social para a qual foi

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criado. Ou adaptamos os nossos instrumentos de realiza-ção da Justiça, ou esta se tornará inoperante e apenas um símbolo distante e abstrato.

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