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OS PROCESSOS DA ESCRITA INFANTIL: UMA ANÁLISE DO NÍVEL DE CONHECIMENTO DOS ALUNOS DO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Érika Matos Baranovski (UEM) 1 Leila Pessôa Da Costa (UEM) 2 Resumo: O objetivo desse trabalho foi o de investigar os conhecimentos sobre o sistema de escrita em alunos do 1º ano do Ensino Fundamental a partir de uma pesquisa de campo desenvolvida com 19 crianças desse ano de ensino de uma escola pública do Estado do Paraná. A análise do nível de conhecimento considerou os estudos relativos à psicogênese da língua escrita de Ferreiro que subsidiou a elaboração de materiais para a coleta de dados. Foram ainda utilizados os dados da entrevista com os alunos a fim de caracterizar o grupo e seu conhecimento sobre a escrita, enquanto objeto social. Observou-se que os alunos frequentam a escola desde a educação infantil, mas que isso não demonstra uma melhoria na qualidade do conhecimento que tem sobre esse objeto social. Na análise observou-se alguns aspectos sobre esse conhecimento adquiridos pelas crianças. Palavras chave: Ensino Fundamental. Alfabetização. Psicogênese. Escrita. Avaliação. Abstract: The goal of this work was to investigate the knowledge about the writing system on students in the 1st year of elementary school. The study was based on a research developed with 19 children of a public school in the State of Paraná. The analysis of the level of children's knowledge considered Ferreiro's studies that related to the psychogenesis of the written language. It supported the elaboration of materials for the data collection. We also used data from the research in order to characterize the group and their knowledge about writing as a social object. Althought the students attend school since elementary school, they do not demonstrate an improvement in the quality of the knowledge about writing as a social object. In this analysis we observed some aspects about the knowlegde acquire by children. Key words: Elementary School. Literacy. Psychogenesis. Writing. Evaluation. 1 Graduanda do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá. [email protected] 2 Professora Adjunta do Departamento de Teoria e Pratica da Educação da Universidade Estadual de Maringá. [email protected]

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OS PROCESSOS DA ESCRITA INFANTIL: UMA ANÁLISE DO NÍVEL DE

CONHECIMENTO DOS ALUNOS DO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Érika Matos Baranovski (UEM)1

Leila Pessôa Da Costa (UEM)2

Resumo: O objetivo desse trabalho foi o de investigar os conhecimentos sobre o sistema de escrita em alunos do 1º ano do Ensino Fundamental a partir de uma pesquisa de campo desenvolvida com 19 crianças desse ano de ensino de uma escola pública do Estado do Paraná. A análise do nível de conhecimento considerou os estudos relativos à psicogênese da língua escrita de Ferreiro que subsidiou a elaboração de materiais para a coleta de dados. Foram ainda utilizados os dados da entrevista com os alunos a fim de caracterizar o grupo e seu conhecimento sobre a escrita, enquanto objeto social. Observou-se que os alunos frequentam a escola desde a educação infantil, mas que isso não demonstra uma melhoria na qualidade do conhecimento que tem sobre esse objeto social. Na análise observou-se alguns aspectos sobre esse conhecimento adquiridos pelas crianças.

Palavras chave: Ensino Fundamental. Alfabetização. Psicogênese. Escrita. Avaliação. Abstract: The goal of this work was to investigate the knowledge about the writing system on students in the 1st year of elementary school. The study was based on a research developed with 19 children of a public school in the State of Paraná. The analysis of the level of children's knowledge considered Ferreiro's studies that related to the psychogenesis of the written language. It supported the elaboration of materials for the data collection. We also used data from the research in order to characterize the group and their knowledge about writing as a social object. Althought the students attend school since elementary school, they do not demonstrate an improvement in the quality of the knowledge about writing as a social object. In this analysis we observed some aspects about the knowlegde acquire by children. Key words: Elementary School. Literacy. Psychogenesis. Writing. Evaluation.

1 Graduanda do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá. [email protected] 2 Professora Adjunta do Departamento de Teoria e Pratica da Educação da Universidade Estadual de Maringá. [email protected]

Introdução

Este trabalho teve como objetivo geral investigar os conhecimentos

sobre o sistema de escrita em alunos do 1º ano do Ensino Fundamental de

uma escola situada na região noroeste do estado do Paraná.

Observou-se, a partir de dados censitários de avaliações nacionais e

internacionais (Prova Brasil, Provinha Brasil, PISA, etc), que o ensino não tem

promovido um grau de aprendizagem satisfatório.

No mapa abaixo, observamos o resultado do Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Básica (SAEB) do ano de 2015, em relação a

proficiências do 5º ano do Ensino Fundamental e relação à Língua Portuguesa:

Figura 1: Resultados do SAEB 2015: proficiências médias por Município

Fonte: Diretoria de Avaliação da Educação Básica – DAEB/INEP

Pesquisas realizadas pelo Instituto Paulo Montenegro demonstram que

a alfabetização ou o nível de alfabetismo do brasileiro é ainda preocupante, o

que pode ser constatado pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF)3 de

2016.

3 O INAF - Indicador de Alfabetismo Funcional é uma pesquisa idealizada em parceria entre o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa e realizado com o apoio do IBOPE com o

O INAF estabelece uma escala de proficiência que considera os

seguintes aspectos:

QUADRO 1: Escala de Proficiência

Grupos

Escala especial para estudo Alfabetismo e mundo do trabalho

Analfabeto

Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de telefone, preços, etc.).

Rudimentar

Localiza uma ou mais informações explícitas, expressas de forma literal, em textos muito simples (calendários, tabelas simples, cartazes informativos) compostos de sentenças ou palavras que exploram situações familiares do cotidiano doméstico.

iares (horários, preços, cédulas/moedas, telefone) identificando o maior/menor valor.

matemáticas elementares (com ou sem uso da calculadora) ou estabelecendo relações entre grandezas e unidades de medida.

etc.) pelo nome ou função.

Elementar

Seleciona uma ou mais unidades de informação, observando certas condições, em textos diversos de extensão média realizando pequenas inferências.

ordem do milhar, que exigem certo grau de planejamento e controle (total de uma compra, troco, valor de prestações sem juros).

extuais expressas em gráficos ou tabelas simples, envolvendo situações de contexto cotidiano doméstico ou social.

sentido de uma grandeza (valores negativos, valores anteriores ou abaixo daquele tomado como referência).

Intermediário (jornalístico e/ou científico) realizando pequenas inferências.

complexas (cálculo de porcentagens e proporções) da ordem dos milhões, que exigem critérios de seleção de informações, elaboração e controle em situações diversas (valor total de compras, cálculos de juros simples, medidas de área e escalas);

de textos diversos (narrativos, jornalísticos, científicos), relacionando regras com casos particulares a partir do reconhecimento de evidências e argumentos e confrontando a moral da história com sua própria opinião ou senso comum.

de sentido ou estético de escolhas lexicais ou sintáticas, de figuras de linguagem ou sinais de pontuação.

Proficiente exposição ou argumentação) com base em elementos de um contexto

dado e opina sobre o posicionamento ou estilo do autor do texto.

compreendendo elementos que caracterizam certos modos de representação de informação quantitativa (escolha do intervalo, escala, sistema de medidas ou padrões de comparação) reconhecendo efeitos de sentido (ênfases, distorções, tendências, projeções).

-problema relativos a tarefas de contextos

objetivo de mensurar o nível de alfabetismo da população brasileira entre 15 e 64 anos, avaliando suas habilidades e práticas de leitura, de escrita e de matemática aplicadas ao cotidiano. Os relatórios com os dados estão disponível in: http://ipm.org.br/relatorios. Acesso em 30 out. 2017.

diversos, que envolvem diversas etapas de planejamento, controle e elaboração, que exigem retomada de resultados parciais e o uso de inferências.

Fonte: IPM/INAF, 2016, p. 5.

Ao analisar as relações existentes entre o alfabetismo e a escolaridade,

o relatório constata que:

Entre as pessoas que não frequentaram a escola ou têm no máximo quatro anos de escolaridade, mais de dois terços (67%) permanecem na condição de analfabetismo funcional, com 49% chegando ao grupo Rudimentar. O grupo Elementar concentra 27% desse segmento, 4% chegam ao grupo Intermediário e somente 1% atinge a condição de alfabetismo condizente com o último grupo da escala (INAF, 2016, p. 8).

E ainda que:

A maior parte dos indivíduos que ingressaram ou concluíram os anos finais do Ensino Fundamental atinge a condição de alfabetismo condizente com o grupo Elementar da escala (53%). Vale notar, no entanto, que mais de um terço das pessoas nessa faixa de escolarização (34%) ainda podem ser classificadas na condição de analfabetismo funcional (INAF, 2016, p. 8).

Pelos dados observados, podemos afirmar que os alunos dos anos

iniciais do Ensino Fundamental estão em um patamar de analfabeto ou

rudimentar, que corresponde à capacidade de localizar uma informação

explícita em textos curtos e familiares.

Nesse boletim observamos ainda que mesmo chegando ao Ensino

Superior o aluno não possui um número alto na escala de alfabetismo. Nessa

população os dados demonstram que 3% estão no nível rudimentar, 13% no

elementar, 31% no intermediário e apenas 45% podem ser considerados

proficientes.

Tendo em vista esse quadro, a alfabetização tem sido priorizada nos

últimos governos com a criação de alguns programas de formação de

professores, entre eles o Pró-Letramento um programa com apoio das

universidades que oferecem a formação continuada para professores e que

visa melhorar a qualidade da leitura, escrita e de matemática para os alunos

dos anos iniciais do Ensino Fundamental e o Pacto Nacional pela Alfabetização

na Idade Certa (PNAIC) que é um compromisso assumido pelos governos para

que todas as crianças sejam alfabetizadas até aos oito anos de idade, ou seja,

até o 3º ano do Ensino Fundamental.

De acordo com o Ministério de Educação (MEC) até aos oito anos a

criança precisa compreender o sistema de escrita e a correspondência

grafofônica, porém uma nova Base Comum Curricular Nacional - BCCN está

em debate, com o intuito de adiantar o processo de alfabetização para sete

anos, ou seja, nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental.

Apesar da política estabelecida em relação ao tempo de alfabetização,

temos observado que nem sempre as escolas têm conseguido atingir índices

de sucesso nessa trajetória.

Sobre esse objeto de conhecimento há diferentes aspectos a serem

considerados, como por exemplo, a questão do letramento evidenciado por

Soares (2004) sobre a necessidade de conceituar as práticas sociais de leitura

e escrita, e a importância de alfabetizar letrando porque a entrada da criança

no mundo da escrita ocorre por meio da aprendizagem do código e dos usos

sociais.

A metodologia para alfabetizar é um dos focos de discussão quando se

discute a dificuldade de se alfabetizar. Mortatti (2006) apontou que os métodos

foi e ainda são considerados como um dos fatores que mais se destacam nas

discussões acerca desse processo nos mais diferentes momentos da história

da alfabetização.

A autora divide esse processo em quatro momentos, tendo como

referência a história deles no ensino paulista, como por exemplo, a busca por

um método (sintético, fônico ou silabação), seguido pelo uso do método

analítico, posteriormente os métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético ou

sintético-analítico) e por fim o construtivismo e desmetodização.

O uso ou não dos métodos para se alfabetizar, ou ainda, como cada um

deles é aplicado, é ainda um dos aspectos importante e necessário de ser

aprofundado, mas é apenas uma das problemáticas desse processo, que

apesar de ser um objeto de conhecimento e alvo de diferentes pesquisas, é

ainda pouco claro para aqueles que atuam na alfabetização.

Outro aspecto que tem permeado as pesquisas é em relação ao

conhecimento do aluno sobre esse objeto cultural, ou como se desenvolve

essa aprendizagem. Nessa perspectiva dois autores contribuem para o debate:

Luria (1988) e Ferreiro (1999).

Apoiado na psicologia histórico cultural, Luria (apud AZENHA, 1995),

pesquisou o conhecimento de alunos em fase pré-escolar e teve como questão

central em sua investigação a compreensão de como a criança opera através

de signos.

O pesquisador, de acordo com Azenha (1995, p. 65), demonstra “como a

criança constrói a relação funcional com os signos na fase pré-escolar e a

investigação de Ferreiro descreve como os sujeitos estabelecem a

compreensão do funcionamento do sistema simbólico convencional, que

implica identificar as relações entre escrita e leitura”.

A autora afirma ainda que “é possível encontrar conceitos paralelos

entre escrita imitativa (Luria, 1988) e unigráfica (Ferreiro e Teberosky, 1999),

por exemplo, igualmente observados em ambas as investigações”. Nesse

sentido, as autoras afirmam que, desde muito pequenas, as crianças assistem

a diversos atos de leitura e de escrita e são capazes de produzir de forma

imitativa algumas escritas. Luria (1988) observou também esse caráter imitativo

da escrita das crianças pequenas, dissociada da finalidade de uso da escrita

como forma de lembrar.

Ambos, de acordo com Azenha (1995, p. 18) “para a descrição e a

explicação do percurso genético, tanto Luria quanto Ferreiro lançam mão do

recurso auxiliar da história da constituição social da escrita como objeto

cultural, pesquisando possíveis analogias iluminadoras da aquisição individual”.

Contudo, para fins desse trabalho, consideramos a exigência em relação

ao tempo necessário para que uma criança se alfabetize estabelecido pela Lei

Nº 11.274 de 2006, que dispõe sobre a duração de 9 (nove) anos para o

Ensino Fundamental. Essa ampliação do Ensino Fundamental fez com que os

alunos ingressam com 6 (seis) anos de idade nesse nível de ensino, ou ainda,

como no caso do Paraná, sem o corte da faixa etária, alguns alunos ingressam

antes mesmo de completar essa idade, podendo completa-lo até o final do ano.

Assim, considerando o conhecimento prévio das crianças sobre a

escrita, observado nas pesquisas apontadas, bem como o tempo atualmente

destinado à alfabetização, o ingresso mais cedo dos alunos no Ensino

Fundamental e os resultados das avaliações sobre esse processo, é que essa

pesquisa intenciona contribuir, investigando sobre esse conhecimento que os

alunos em fase inicial de alfabetização apresentam sobre o sistema de escrita.

Acreditamos desta forma contribuir para a organização do trabalho pedagógico

nessa faixa etária tendo como referência o trabalho desenvolvido por Ferreiro e

Teberosky.

Da pesquisa de Ferreiro e Teberosky

Emilia Ferreiro desenvolveu na Universidade de Buenos Aires uma série

de experimentos com crianças, a qual expôs as conclusões do estudo na obra

Psicogênese da Língua Escrita, juntamente com a pedagoga Ana Teberosky.

A pesquisa das autoras durou três anos tendo como objetivo o de

investigar o processo de conhecimento da escrita da criança. Foram

selecionadas crianças entre quatro e seis anos, de classe social baixa e média

que se submeteram a interrogatórios individuais, com o objetivo de identificar o

que conheciam sobre a escrita.

Os interrogatórios eram compostos de situações de leitura para que as

crianças dissessem o que sabiam a respeito de uma determinada produção

escrita, porém a intenção não era saber o que a criança ainda precisava

aprender, mas sim o que ela tinha de conhecimento sobre esse objeto cultural.

Com os resultados obtidos foi possível descobrir que para a criança se

apropriar da escrita ela passa por um percurso que foram definidos em: pré-

silábico, intermediário I, silábico, intermediário II ou silábico-alfabético e

alfabético.

A pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1999) considera, em termos gerais,

que a fase pré-silábica é aquela na qual as crianças entendem que escrever é

"reproduzir os traços típicos da escrita", sem critérios na escolha das letras

para compor a palavra. Nessa fase que a criança escreve de acordo com a

característicafísica do animal, objeto, pessoa, etc, ou seja, para coisas grandes

muitas letras para coisas pequenas poucas letras.

A criança não diferencia o desenho da escrita e quando solicitado que

escreva a palavra, usa o desenho como forma de registrá-la. Outras

características desse período são a utilização de números na palavra e o uso

de muitas letras para escrever:

Figura 2: Escrita pré-silábica

Fonte: em http://educacaopublica.cederj.edu.br/revista/artigos/emilia-ferreiro-ana-

teberosky-e-a-genese-da-lingua-escrita. Acesso em 01 nov. 2017.

No nível subsequente, denominado de Intermediário I, a criança elabora a

hipótese de que para poder ler uma palavra ela deve ter uma variedade e

quantidade de grafismos, normalmente nunca menor que três letras. Escreve

uma letra após outra e mantém uma certa variação nas letras ou pseudo letras

que escreve. Nesse nível, as crianças apresentam uma produção que varia,

segundo a pesquisa, tanto no eixo quantitativo quanto qualitativo.

Figura 3: Escrita Intermediário I

Fonte: em http://educacaopublica.cederj.edu.br/revista/artigos/emilia-ferreiro-ana-

teberosky-e-a-genese-da-lingua-escrita. Acesso em 01 nov. 2017.

Posteriormente as crianças adentram a fase denominada de silábica,

nível no qual elas atribuem um valor sonoro para cada uma das letras que

compõem a palavra, ou seja, para cada sílaba uma letra é capaz de

representa-la.

Esse é um período muito importante na alfabetização, também é

conhecida como hipótese silábica e as letras podem ou não representar o

sonoro pretendido.

Figura 4: Escrita silábica sem valor sonoro

Fonte: em http://educaipo.blogspot.com.br/2013/08/hipoteses-de-

escrita.html#.WfkhPvlSzIU Acesso em 01 nov. 2017

.

Figura 5: Escrita silábica com valor sonoro

Fonte: em http://educacaopublica.cederj.edu.br/revista/artigos/emilia-ferreiro-ana-

teberosky-e-a-genese-da-lingua-escrita. Acesso em 01 nov. 2017.

A fase posterior, denominada de Intermediário II ou Silábico-alfabética:é

considerada como uma transição da hipótese silábica para a alfabética, quando

as crianças começam a perceber que algumas sílabas possuem mais de uma

letra:

Figura 6: Escrita Intermediário II ou Silábico-alfabética

Fonte: em http://educacaopublica.cederj.edu.br/revista/artigos/emilia-ferreiro-ana-

teberosky-e-a-genese-da-lingua-escrita. Acesso em 01 nov. 2017.

Por fim, as autoras identificaram o nível alfabético, que é quando a

criança consegue escrever uma palavra completa, ou seja, compreendeu o

código e tem um domínio razoável do sistema de escrita, mas sem o domínio

da ortografia das palavras:

Figura 7: Escrita Alfabética

Fonte: em http://educacaopublica.cederj.edu.br/revista/artigos/emilia-ferreiro-ana-

teberosky-e-a-genese-da-lingua-escrita. Acesso em 01 nov. 2017.

O trabalho de Ferreiro e Teberosky (1999) serviu como base para a

organização e seleção de materiais que foram utilizados na pesquisa

desenvolvida.

Da pesquisa desenvolvida4

4A realização da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá, sob o protocolo de nº CAAE 70037617.4.0000.0104.

Adotamos nesse trabalho a pesquisa qualitativa a partir de um estudo de

caso a fim de “investigar fenômenos educacionais no contexto natural em que

ocorrem” (ANDRÉ, 2013, p. 97).

O objetivo foi o deverificar os conhecimentos de alunos do 1º ano do

Ensino Fundamental sobre o sistema de escrita, tendo como referência a

pesquisa desenvolvida por Ferreiro (1999).

O público alvo de nossa investigação foram dezenove alunos

provenientes de duas classes de 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola

situada na região noroeste do estado do Paraná.

A escolha das crianças que participaram dessa pesquisa foi feita pelas

professoras de cada uma das turmas, tendo como critério a de selecionarem

alunos que tivessem mais dificuldades no processo de alfabetização.

Após a escolha dos alunos a pesquisadora participou no

desenvolvimento de algumas tarefas realizadas na sala de aula com as

professoras, para que as crianças pudessem conhecer a pesquisadora e assim

não se intimidarem durante o procedimento de investigação.

Para a análise do conhecimento dos alunos sobre a escrita foi elaborado

um material composto por fichas de leitura com números, palavras, frases e

textos, além de figuras de cenas do cotidiano e embalagens de produtos, que

serviram de apoio para a leitura e a escrita, além do recurso do desenho como

forma de registro para algumas crianças.

As tarefas foram realizadas em um encontro individual, ou mais de um,

quando a pesquisadora percebia que o tempo da criança para esse trabalho,

havia se esgotado.

Os desenvolvimentos dessas sessões com os alunos foram registrados

em gravações de áudio que posteriormente foram transcritas, bem como foram

feitas anotações no diário de bordo da pesquisadora e foram produzidos alguns

registros pelos alunos.

Da metodologia empregada

Adotamos nesse trabalho a pesquisa qualitativa a partir de um estudo de

caso a fim de “investigar fenômenos educacionais no contexto natural em que

ocorrem” (ANDRÉ, 2013, p. 97).

Iniciamos com a análise do referencial teórico acerca da psicogênese da

língua escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999), evidenciando os aspectos

relacionados ao conhecimento dos alunos sobre o sistema de escrita.

Considerando os conhecimentos a serem investigados, foram

elaborados materiais para esta coleta de dados, que foram posteriormente

aplicados e analisados, cujos resultados encontram-se descritos nesse

trabalho.

Dos sujeitos da pesquisa

O público alvo de nossa investigação foram os alunos do 1º ano do

Ensino Fundamental de um Colégio de Aplicação de uma universidade situada

na região noroeste do Estado do Paraná.

A pesquisa foi composta por 19 alunos, sendo 4 crianças com 5 anos de

idade e as demais com 6 anos de idade.

Com relação a escolarização anterior, a tabela 1 apresenta o número de

alunos que frequentaram a Educação Infantil. Pode-se perceber que da

população pesquisada, apenas duas delas não haviam frequentado a escola

anteriormente:

Quadro 2: Número de alunos que frequentaram a Educação Infantil

Frequentaram a Ed. Infantil Não Frequentaram a Educação Infantil

17 2

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

Observamos que nesse grupo há algumas crianças, que em função de

não haver corte na faixa etária quanto ao ingresso no 1º ano do Ensino

Fundamental, iniciaram o 1º ano de ensino muito novas. Essa diferença de

idade, nessa faixa etária é significativa quanto ao desenvolvimento dos alunos,

mas vamos perceber que essa diferença, não é tão significativa em relação ao

conhecimento que possuem sobre a escrita.

Dos materiais elaborados

Um dos materiais apresentado às crianças foram as embalagens de

produtos que fazem parte do cotidiano delas para que pudéssemos avaliar se a

criança identifica o nome do produto, ou alguma letra desse nome ou ainda, se

fazia uma leitura global a partir da associação da imagem ao produto:

Figura 8: Embalagens de produtos

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

Outro material utilizado foi um cartão com as palavras EU, ARARA e

AIETOP com o objetivo de verificar se eles conheciam as letras e liam as

palavras.

Como as palavras selecionadas eram também compostas de duas

letras, buscou-se perceber se já haviam estabelecido a hipótese da variação

qualitativa e quantitativa de letras para ler uma palavra, o mesmo ocorrendo no

caso da palavra AIETOP.

Foi ainda confeccionado um cartão com os números (158960) para

avaliar se elas já discriminavam os números de letras. Nessa avaliação foram

ainda incluídos cartões com letras variadas e em maior quantidade

(DFIVHRLO) e ainda a mistura de letras, números e sinais (ER4,J7E!A).

Outro recurso avaliativo foi a confecção de um cartão com desenho de

um urso de pelúcia e três outros cartõescom a palavra brinquedo escrito

detrês formas diferentes: letra cursiva, imprensa maiúscula e minúscula.Esse

material teve como objetivo verificar se eram capazes de ler a palavra escrita,

ou se, associavam o escrito com a palavra urso ou ursinho, ou outra ainda do

universo da figura.

Além da leitura, foi também observado com esse material se os alunos

conheciam outras formas de escrita.

Figura 9: Figura e escrita da palavra

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

Para identificar o conhecimento dos alunos que por ventura fossem

alfabéticos e ainda, a compreensão da leitura, foram elaborados cartões com

duas figuras: uma de uma boneca e outra de um caminhão.

As crianças deveriam primeiramente identificar as figuras para

posteriormente serem apresentadas frases, escritas em duas linhas, para que

as lessem e nos dissessem o seu significado.

Figura 10: Imagem e frase de duas linhas

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

Figura 11: Imagem e frase de duas linhas

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

Por fim, para analisar o letramento e a possibilidade de escrita desses

alunos, foi selecionada uma história em sequência, para que observassem as

imagens e, posteriormente, elaborassem oralmente um enredo.

Em seguida eram apresentados cartões com frases pertinentes ao

enredo para que lessem e colocassem na ordem.

Figura 12: História em sequência e fichas de leitura.

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

Dos dados coletados

- Da leitura dos rótulos:

Com relação a “leitura” dos rótulos, o gráfico 1 sintetiza a resposta das

crianças:

Gráfico 1: Leitura das embalagens

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

Observa-se que houve tentativas de leitura a partir da natureza do

produto, ou seja, no local que está escrito TIROL a criança lia LEITE; no rótulo

do doce LOLO lia CHOCOLATE; no rótulo do creme dental SORRISO lia

CREME DENTAL e no rótulo do sabonete ALBANY lia SABONETE.

As crianças que faziam essa leitura pelo nome da marca não

conseguiam fazer a leitura de outras palavras na embalagem.

Algumas crianças realizaram a leitura de palavras na embalagem,

quando perguntado se havia algo para ser lido apontavam a palavra em

destaque que é a marca e realizavam a leitura da mesma. Nenhuma criança

apontou outra palavra.

A embalagem de chocolate contém letras de imprensa minúscula e

apenas uma criança conseguiu realizar a leitura da palavra “Nestlé”. As outras

crianças disseram não conhecer a letra apresentada na embalagem ou diziam

que estava escrito outras palavras, tais como CAIXA DE BOMBOM ou

CHOCOLOTATE COM LEITE. Uma criança disse que a letra da caixa de

chocolate é muito feia e não é possível ser lida.

Uma criança disse não conhecer a embalagem de creme dental, mas

realizou a leitura da palavra SORRISO e após a pesquisadora informou do que

se tratava a embalagem, a criança então disse saber o que é, mas nunca tinha

visto aquela embalagem.

- Das Fichas com as palavras EU, ARARA e AIETOP:

No gráfico 2 é possível observar quantas crianças leram as palavras EU,

ARARA, AIETOP e compreenderam seu sentido.

Dez delas justificaram que as palavras apresentadas não eram

"possíveis ler" e justificaram que a palavra EU não tem letras o suficiente para

ser lida.

Uma criança, ao identificar o que estava escrito, disse que ainda não

sabe o que significa porque a mãe não explicou e quando chegasse em sua

casa iria perguntar.

Já, na palavra ARARA dez crianças apontaram que não é possível lê-la

por conter letras repetidas. Uma criança disse que não é uma palavra e sim um

padrão que deve ser seguido, uma letra A, uma R, outra A, outra R e assim

sucessivamente.

Para essa palavra houve tentativas de leituras, as crianças diziam estar

escrito RARRA, ARRARRA e ARRARA para elas o significado foi unânime

diziam ser “um modo de rir”, uma criança leu RARRARA e explicou dizendo

que “essa palavra é quando a gente mata um rato, mas ele não morre e foge

para casinha dele”.

Houve ainda duas crianças leram a palavra corretamente e não

compreenderam o seu sentido e não responderam nada a respeito do

significado.

Gráfico 2: Respostas dos alunos para a leitura das palavras EU, ARARA, AIETOP:

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

- Das fichas com 158960, DFIVHRLO e ER4,J7E!A

No gráfico 3 observa-se a quantidade de crianças que conhecem os

números e os identificam como ser para contar, para realizar contas, em

números de telefone, casas, a idade, contar moedas e aprender.

Porém, alguns alunos acreditam que mesmo sendo números servem

para ler e os soletram ou ainda tentam falar os números todos juntos.

Todo o grupo diferenciou números de letras, mesmo não tendo claro a

finalidade deles no processo de leitura.

Quando apresentada a sequência de letras, os alunos afirmaram que

podiam ser lidas, porém, não conhecem os sons das sílabas. Duas crianças

disseram que para ler precisa tirar a letra H, pois a mesma não tem som e

outras duas inferiram uma palavra a partir da letra inicial: DEFERVILO e

DEFINIDADE e disseram não saber o significado do que leram.

Gráfico 3: Número de alunos que identifica número como números, que não distingue números de letras e que diz que da para ler e soletra.

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

- Das fichas com o desenho do urso e as três formas de escrita da palavra

BRINQUEDO.

No gráfico 4 foi possível verificar que algumas crianças tentaram inferir o

significado da palavra BRINQUEDO. Para essas, a escrita significavam:

benevidade, biniquedo, pelúcia, ursinho, do lar, burso, berre e urso.

Algumas crianças realizaram a leitura com a letra de imprensa maiúscula

e, somente uma delas identificou a palavra em imprensa minúscula. Ao ser

questionada sobre de onde conhecia a letra, informou que faz inglês e que é

usada somente essa letra.

Todas relataram não conhecer as letras escritas em cursiva. Uma

criança relatou que somente sua irmã a conhece por ser maior e quando ela

crescer também irá aprender e outra que as letras estão todas grudadas e por

isso não era possível de ser lida.

Gráfico 4: Respostas da leitura da palavra BRINQUEDO em formas

diferentes

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

- Das fichas com o desenho do caminhão e da boneca seguida de frase.

O gráfico 5 contém a quantidade de alunos que não quiseram se arriscar

na leitura, alegando haver muita coisa para ler e não realizaram a leitura.

Os demais, realizaram a leitura, porém somente três deles leram a frase

corretamente. Alguns leram da seguinte forma:

ela é uma boneca rosa

a boneca está sentada

boneca que fala e a roupa é linda

brinquedo trator

o caminhão é vermelho.

Uma criança relatou que ia ler, mas que ia tirar as letras que estavam

sozinhas no cartão porque não daria para ler, ela se referia as letras A e É que

estão no início da linha.

Outra criança ao ler a palavra rosa e questionada quanto ao seu sentido,

disse que rosa era uma flor.

Gráfico 5: Resultado da leitura das fichas com frase de duas

linhas.

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

- Das fichas com história em sequência

O gráfico 6 representa a quantidade de crianças que montaram um

contexto para cada cartão da história e quantas elaboraram frases curtas e

com detalhe.

As crianças organizavam os cartões sobre a mesa e contavam a história

partir da sequência ou organização que fizeram. Duas delas organizaram em

forma quadrangular, uma da direita para esquerda, uma não organizou e

contou apontando para os cartões espalhados e os demais organizaram da

esquerda para a direita.

Pudemos perceber que, de todas as atividades, essa foi a que as

crianças ficaram felizes ao serem solicitadas para criar a história.

Algumas das histórias elaboradas foram:

O cachorro pulou na lama, depois foi tomar banho, depois pulou e

não se sujou na lama e teve uma ideia e chacoalhou.

Era uma vez uma pequena menina que tomou um banho no

cachorro, o cachorro saiu, e pulou da lama e caiu na lama.

A menina lavou o cachorro, o cachorro se lambuzou todo de lama,

ai ela lavou tudo de novo, e ele não se sujou mais.

Gráfico 6: resultado da leitura oral da história em sequência

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

O gráfico 7 apresenta o número de crianças que organizou a história

numa possível sequência de forma a dar sentido e significado a história. Houve

também algumas crianças que realizaram a leitura, porém não compreenderam

as informações que estavam na ficha.

Duas crianças iniciaram a leitura, mas disseram ser muita coisa para ler

e pediram para não fazer. Uma delas disse “ler é muito chato. Por que tem que

ler todo dia?”. Um aluno não quis participar, disse que estava cansado e queria

ficar na sala de aula junto com seus amigos.

Gráfico 7: Resultado da leitura das fichas com a história em sequência

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

- Da escrita das crianças

Foi ainda solicitado as crianças que escrevessem o que acharam da

atividade realizada para fosse possível analisar a escrita de cada uma delas.

Uma criança fez um desenho e quando questionada sobre sua

produção, disse que era um cavalo para mostrar que ele tinha gostado, já que

ele adora cavalos.

Uma criança escreveu: LEGANA.XFACO. para dizer que foi legal e fácil,

quando questionado a letra X no meio me disse que a mãe ensinou que para

separar as palavras deve por um X, assim ela saberia que são duas palavras.

As crianças avaliaram também que foi difícil, disseram que gostaram

mais ou menos, só um pouquinho ou que foi legal e difícil ao mesmo tempo.

Essas produções foram organizadas e o gráfico abaixo apresenta a

analise dos dados coletados:

Gráfico 8: Escrita das crianças em relação as atividades realizadas

Fonte: Autoras da pesquisa (2017)

Da análise dos dados

Observamos a partir dos dados coletados, que as crianças trazem

consigo conhecimentos de outros espaços que não necessariamente a escola,

bem como, são mediadas por outros leitores, como no caso a irmã ou a mãe.

Uma delas ao informar que sua mãe “ensina” sobre a escrita, evidencia a

importância desse objeto cultural no contexto social, e, ainda, nos permite

inferir que há uma expectativa da família sobre a alfabetização.

Outro aspecto significativo foi a afirmação de uma das crianças de que

ela aprende com a irmã, ou a mãe, e o fato dela não saber é porque ainda não

lhes foi ensinado e, por isso, não soube responder.

Além de esse ser um objeto de conhecimento presente no contexto

familiar, observamos ainda que outros contextos se inserem na realidade das

crianças como, por exemplo o fato de uma delas conhecer a letra de imprensa

minúscula a partir do curso de inglês.

Os conhecimentos aprendidos na escola também foi observado pelos

alunos, como por exemplo, ao informarem que a letra H não tem som, ou que

aprendeu a sílaba ÃO com outra professora; ou que aprendeu todas as letras

na escola anterior.

Essas ocorrências corroboram o que Ferreiro e Teberosky (1999)

afirmam sobre o interesse da criança pela escrita, e que ele não tem uma idade

certa para acontecer e pode ocorrer em qualquer momento e o que define esse

interesse é o sujeito e o ambiente em que vive.

Observamos alguns comportamentos durante a aplicação do teste, que

foi por nós compreendidos, como sendo aqueles provenientes do ambiente

escolar, como por exemplo, evitarem manifestar o que achavam ou

compreendiam sobre o material exposto.

Sabemos que as crianças sabem que ainda não sabem, mas hipotetizam

sobre o significado ou sobre a organização da escrita. Contudo, as vezes, em

função de como essas hipóteses são acolhidas, tanto no processo de ensino,

como frente ao grupo ao qual a criança faz parte, ela acaba deixando de

manifestar seu conhecimento.

Durante o desenvolvimento dessas atividades, essas questões foram

evidenciadas através de perguntas e comentários tais como: “pode falar

errado?”; “posso mexer?” ou “posso perguntar se eu não souber?”.

Esse comportamento demonstra que esses hábitos escolares só são

permitidos com a autorização do professor e consideram uma perspectiva da

escola que é trabalhar com os acertos.

De acordo com Ferreiro e Teberosky (1999), não devemos temer o erro,

mas distingui-lo entre o erro construtivo e o não construtivo, ou seja, há erros

que fazem parte do processo de aprendizagem, pois são necessárias, ainda,

algumas estruturas mentais para que possa apreender o objeto em sua

totalidade.

Assim, o erro construtivo é um forte aliado da aprendizagem, pois

evidencia o conhecimento do aluno sobre o objeto de conhecimento e qual

aspecto precisa ser trabalhado pelo professor, contudo, essa prática é

dificilmente aceita na prática pedagógica.

Observamos ainda, que apenas uma das crianças utilizou o desenho para

representar a escrita. Sobre a relação da linguagem escrita com o desenho,

Vygotsky (1991, p. 77) afirma que “o desenvolvimento da linguagem escrita nas

crianças se dá, conforme já foi escrito, pelo deslocamento do desenho de

coisas para o desenho das palavras” e nesse sentido pode ser considerado

estágio preliminar da linguagem escrita. No nosso caso, apenas uma das

crianças pode ser considerada como no estágio preliminar, ou ainda, o fato de

usar o desenho como algo que domina e talvez que a distanciasse do erro.

No geral as crianças possuem vários conhecimentos sobre a escrita e,

que estão no processo de apreensão desse objeto cultural, contudo, são

consideradas como tendo alguma dificuldade.

Ao analisarmos os resultados obtidos a partir da investigação realizada,

identificamos que os sujeitos da pesquisa possuem muitos conhecimentos

acerca da escrita: diferenciam letras de números e outros sinais gráficos; fazem

leituras incidental se apoiando na função ou utilidade das embalagens;

conhecem várias letras e identificam para que servem os números. Esse

conhecimento não se mostrou diferenciado ou significativamente menor,

considerando a frequência ou não dos alunos na Educação Infantil.

Observamos ainda, que fazem inferências sobre as informações que

observam nas escritas e muitas vezes muito próximas da função, conteúdo ou

utilidade do que se apresenta a elas.

A leitura, observada nas diferentes tarefas propostas, seja com

compreensão ou enquanto processo de decodificação está presente em quase

80% dos alunos pesquisados, o que os faz inferir que antes do término do 1º

ano, as crianças já possuem um repertório de conhecimento útil e necessário

sobre a escrita.

Observamos o processo de inferência presente na maioria das vezes

para realizar a leitura, ou seja, as crianças usam o que sabem sobre a escrita,

para ‘adivinhar’ o que não sabem (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).

A “adivinhação” ou “chute” de forma aleatória, sobre o que significa uma

determinada palavra escrita, ocorreu em aproximadamente 37% dos alunos,

sinalizando que as crianças compreendem que um conjunto de letras é para

ser lida e representa ou possui um determinado significado, mesmo não

sabendo qual é.

Em relação ao conhecimento sobre a história em sequência, todas as

crianças, com exceção de duas delas que não quiseram fazer a atividade,

elaboram uma história usando frases curtas para cada quadro, o que implica

dizer, que já compreenderam a estrutura de um texto narrativo, fruto de um

processo de letramento já empreendido. Contudo, considerando a faixa etária,

essa oralização poderia estar melhor desenvolvida, com a produção de um

texto melhor estruturado e com mais detalhes.

Em relação aos níveis de conhecimento sobre o processo de escrita, 8

dos alunos já atribuem valores sonoros às letras; 2 já são silábicos alfabéticos

e 5 já compreendem a natureza alfabética do nossos sistema de escrita. Assim,

podemos afirmar que antes do final do 1º ano do Ensino Fundamental, esse

grupo de alunos, considerados com dificuldades de alfabetização, possuem um

percurso significativo alunos em direção a aquisição do sistema de escrita e

apenas 3 desse grupo precisam de maior estimulação e um apoio individual

para avançarem nesse caminho.

É importante lembrar dois aspectos observados: o de que a

aprendizagem desse objeto social se faz fora da escola: com a mãe, com

outros professores, etc, tanto de forma incidental como intencional e ainda, que

ao se transformar em objeto escolar, carrega um peso que pode acabar

afastando a criança do prazer da descoberta e da sua apropriação.

Das considerações finais

Com esse trabalho buscamos apresentar o resultado de uma pesquisa

cujo objetivo foi o de investigar os conhecimentos das crianças a respeito do

sistema de escrita com os alunos regularmente matriculados no 1º ano do

Ensino Fundamental.

Percebemos com esse trabalho a importância de avaliar os

conhecimentos que a criança tem sobre esse objeto cultural, para

empreendermos uma ação que desenvolva o que ainda não sabem,

contrariamente ao que normalmente ocorre na escola, quando ao avaliar,

potencializam o aluno não sabe.

Durante a pesquisa observamos a presença frequente do “medo” como

algo inibidor no enfrentamento das dificuldades que são esperadas no

processo de aprendizagem, o que acaba por restringir nos alunos os atos de

busca do conhecimento, o ousar em suas descobertas e com isso, a ausência

do prazer que o processo de aprendizagem nos traz.

Acreditamos ser importante que, durante o processo de ensino, o

professor avalie os alunos pelos conhecimentos que os mesmos possuem,

para assim planejar as atividades e desenvolver o que eles ainda não

conhecem, e, nesse caso específico, contribuir para que o ciclo de

alfabetização seja concluído e as crianças se apropriem do nosso sistema de

escrita.

Aprender exige disciplina, comprometimento e dedicação, mas que

pode ser concebido de forma prazerosa, desde que esse seja esse um

processo que respeite a curiosidade e a impulsividade da criança, que, antes

de serem aspectos negativos nessa trajetória, são ações necessárias para a

aprendizagem.

Acreditamos ser importante que o contexto social seja o ponto de partida

para a sistematização desse conhecimento de forma a poder alavancar a

aquisição desse conhecimento e fazer com que o período destinado para que

esse processo se efetive seja pleno e enriquecedor.

A leitura não pode ser considerada um fardo para essa faixa etária, mas

um objeto a ser descoberto e uma ferramenta importante para o

desenvolvimento cognitivo e na busca de novos conhecimentos.

Referências

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2006/lei/l11274.htm

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MORTATTI, Maria do Rosário. História dos Métodos de Alfabetização no Brasil. Conferência do Seminário Alfabetização e Letramento em Debate. Ministério de Educação, abr. 2006. SOARES, Magda. Letramento e Alfabetização: as muitas facetas. Revista

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