os princípios científicos do treinamento desportivo · o treinamento, já aceito há algum tempo...

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-- "I, ," I ' 1 11'~lti , i It"" : "::"." "i'"" CAPÍTULOlU Os Princípios Científicos do Treinamento Desportivo 1.0 Princípio da Individualidade Biológica ~.O Princípio da Adaptação 3.0 Princípio da Sobrecarga 4.0 Princípio da Continuidade 5.0 Princípio da Interdependência Volume-Intensidade 6.0 Princípio da Treinabilidade 7.0 Princípio da Especificidade .. "

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CAPÍTULOlU

Os Princípios Científicosdo Treinamento Desportivo

1.0 Princípio da Individualidade Biológica

~.O Princípio da Adaptação

3.0 Princípio da Sobrecarga

4.0 Princípio da Continuidade

5.0 Princípio da Interdependência Volume-Intensidade

6.0 Princípio da Treinabilidade

7.0 Princípio da Especificidade

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Page 2: Os Princípios Científicos do Treinamento Desportivo · o treinamento, já aceito há algum tempo como ciência, ... ambiental, isto significa que para cada estimulo haverá uma

otreinamento, já aceito há algum tempo como ciência, tem a sua posição científica refor-

çada com referências consideradas essenciais para todos os que buscarem um alto rendimento

atlético. Essas referências são expressas em forma de princípios, e embora essa pontuação

varie um pouco, de acordo com diferentes autores, à primeira vista, a colocação de sete

princípios satisfaz como referencial durante o desenvolvimento de um processo de preparação.

Estes sete fundamentos científicos do Treinamento DespOltivo são:

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1) OPrincípio da Individualidade Biológica

~) O Princípio da Adaptação

3) O Princípio da Sobrecarga

4) O Princípio da Continuidade

5) O Princípio da Interdependência Volume- Intensidade

6) O Princípio da Treinabilidade

7) O Princípio da Especificidade

Antes de passar ao estudo isolado de cada princípio, é importante enfatizar que os

sete princípios se inter-relacionam em todas as suas aplicações.

1 - O PRINcíPIO DAINDMDUALIDADEBIOLÓGICA

Chama-se individualidade biológica o fenômeno que explica a variabilidade entre

elementos da mesma espécie, o que faz com que se reconheça que não existem pessoas

iguais entre si. Cada ser humano possui uma estrutura física e uma formação psíquica

própria, o que obriga a estabelecer-se diferentes tipos de condicionamento para um

processo de preparação esportiva que atenda às características físicas e psíquicas individuais

dos atletas. Nesses condicionamentos físicos e psíquicos, os indicadores usados para revelar

as possibilidades e as necessidades individuais são os testes, que podem servir como medidas

para uma avaliação do treinamento até então empregado.

Em termos de preparação esportiva científica, não devem existir classes

heterogêneas, mas sim pequenos grupos homogêneos com características e índices quase

semelhantes. As investigações têm mostrado que o treinamento altamente especializado

e individual favorece as grandes performances desportivas. O trabalho por grupos

homogêneos facilita os esquemas de treinamento, principalmente quando há escassez

de treinadores ou falta de horários disponíveis.

A identificação dos pontos fortes e pontos fracos de um atleta facilitará muitíssimo a

individualização do Treinamento Desportivo. Os ponto.s, fortes deverão ser cada vez maispotencializados para que possa haver um melhor aproveitamento deles durante a perfor-

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94 Metodologia Científica do Treinamento Desportivo -

. ~:'mance, enquanto que os pontos fracos deverão ser corrigidos, melhorados, ou então

neutralizados por esquematizações táticas.

O Princípio da Individualidade Biológica é uma referência obrigatória no Es-

porte - Lazer.

~ - O PRINCÍPIO DA ADAPTAÇÁO

Este princípio científico do Treinamento Desportivo está intimamente ligado ao

fenômeno do estresse. As investigações sobre o estresse tiveram início em 19:40com

CANNON e HUSSAY,e foram objeto de uma grande ênfase no período entre 1950 e 197°,

onde praticamente surgiu uma literatura científica básica sobre o assunto. Para uma idéia

da quantidade de estudos importantes sobre esse fenômeno, a tabela 3.1 reúne citações

de importantes investigadores desse período:

Tab. 3.1 - cronologia dos principais estudos do fenômeno do stress no periodo entre 195° - 197°

SELYE Ü95°)

ECLER E LUFT Ü 95~)

ECLER E IIELLNEIl Ü95~)

SELYE E HOIlAVA Ü95~)

SELYE Ü 95~)

DUNNER (953)

SELYE (953)

SATÁXE Ü 954)

FRANKSSON, GEMZELL E Eu LER (954)

EULEIl E LUNDBEIlG Ü 951-)

SELYE E HEUJER (954)

Eu LER. HELlNER- BJORKMANN E ORWEN(955)

WADA. SEO E ARE Ü95S)

SELYE E HEUJER (955)

KARKI (956)

DOLE (956)

SELYE E IIEUJER (1956)

GOODALL, STONE E IIAYNES (957)

BIRKE ETALII. Ü 957)

IIslEH E CARLSON (957)

SUNDlN (958)

SUTIIEnLAND E RALL Ü96o)

PEKKARINEN ETALII. Ü96r)

LEDUC Ú96r)

FRANKENHAEUSER, STERKY E JAEIlPE Ú96~)

BLOOM, FRANKENHAEUSEIl E EULER (963)

MOORE E UNDERWOOD (963)

CARLYLE Ú 963)

IOHNsoN (966)

LEVI(967)

TUBINO (969)

Eu LER (969)

Como é fácil verificar, o austríaco HANS SELYEe o sueco VON EÜLER foram os

cientistas que com suas pesquisas se tornaram referências literárias obrigatórias em

qualquer estudo sobre o stress.

O primeiro cientista a reconhecer que o organismo humano era capaz de en-

frentar variações ambientais externas pela manutenção de um meio interno em

constante equilíbrio, foi o francês CLAUDEBERNARDno século XIX.

Em 1865, ele relatava que o organismo é construído de tal maneira que, de um

lado há uma comunicação plena com o ambiente externo, mas de outro, existem meca-

nismos de proteção que estocam reservas nutritivas e mantêm a temperatura interna,

os fluidos corporais e outras variáveis fisiológicas inalteradas, de forma a permitir a

vida. Quando esse processo não é eficiente, adviriam as doenças ou até mesmo a morte.

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- Manoel José Gomes Tubino &Sergio Bastos Moreira 95 "'I"",,~J..'I'

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Em 19~9, o fisiologista CANNONrefinou o trabalho de BERNARD,mostrando que

as células respondiam aos estímulos perturbadores por meio de variações dentro de certos

limites compatíveis com a atividade vital, trabalhando portanto num processo de

equilíbrio dinâmico e não numa estabilidade rígida com valores fixos e imutáveis.

CANNON chamou esta tendência do organismo à manutenção de um equilíbrio interno

apesar das mudanças ambientais externas, de homeostase.

Na década de 195°, o médico austríaco HANS SELYE realizou estudos experimentais

pioneiros sobre um fenômeno que ficou conhecido como" estresse", definindo - o como

uma "síndrome de adaptação geral" (S.A.G.). Esses estudos são de grande relevância,

pois eles investigaram as respostas do organismo a estímulos de diversas naturezas, aos

quais HANS SELYE denominou" agentes estressores".

Em condições normais, numa temperatura de cerca de ~o°C e pressão atmosférica

de 101,08kPa, sem riscos iminentes à nossa integridade física, sem grandes preocupações

e com alimentação sadia, todos os nossos sistemas orgânicos funcionam em perfeita

harmonia. Quando qualquerfator altera as condições normais, o equilíbrio homeostático

é quebrado e o organismo, então, lança mão de vários mecanismos de compensação para

recuperar a homeostase.

Todos os estímulos atuantes sobre o organismo podem se tornarfatores estressantes,

dependendo da magnitude da sua influência. Como esses agentes provocadores de

estresse podem ser de qualquer natureza, VON EÜLER, um estudioso sueco, classificou o

estresse, segundo a origem dos agentes estressores, em três tipos clássicos, aos quais

denominou: estresse físico, estresse bioquímico e estresse mental.

O estresse físico é provocado por qualquer agente de natureza física, como a

temperatura, a umidade, o vento, os choques ou o esforço muscular.

Os estresses mentais são todos aqueles que têm sua origem na mente, provocados

por fatores estressantes como a ansiedade ou as preocupações.

Os estresses bioquímicos são desencadeados.por qualquer agente de natureza..!

farmacológica, como calmantes, anestésicos, estimulantes, tóxicos e drogas em geral.

Todos nós estamos a todo momento recebendo a influência de fatores estressantes

dos três tipos descritos. O que determinará se conseguiremos nos adaptar a eles será, a

grandeza da atuação somada de todos esses estímulos.

Assim, sabendo-se que o equilíbrio homeostático modifica -se por qualquer alteração

ambiental, isto significa que para cada estimulo haverá uma resposta. E entendendo-se

por estímulos: o calor, os exercícios físicos, as emoções, as infecções, e outros, com base

num grande número de experiências eobservações de ~.iversos autores, concluiu-se que:a) estímulos débeis - não acarretam conseqüências;

b) estímulos médios - apenas excitam;

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96 Metodologia Científica do Treinamento Desportivo -.

~c) estímulos médios para fortes - provocam adaptações;

d) estimulos muito fortes - causam danos.. i::

Quando o organismo é estimulado, imediatamente aparecem mecanismos de com-

pensação para responder a um aumento de necessidades fisiológicas. Assim, após

constatar-se que existe uma relação entre a adaptação a estímulos de treinamento e o

fenômeno de estresse (base do princípio cientifico da adaptação), é preciso frisar que o

estresse ou síndrome de adaptação geral (S.A.G.), segundo SELYE (956), é a reação do

organismo aos estimulos que provocam adaptações ou danos ao mesmo.

AS.A.G. é dividida em três fases que podem se suceder até que o agente estressante,

na sua ação sobre o organismo, atinja o limite da capacidade fisiológica de compensação

do mesmo.

1 - Fase de alarme;

:4- Fase de resistência (adaptação);

3 - Fase da exaustão.

N a fase de alarme, mecanismos auxiliares são mobilizados para proteger a vida,

colocando o organismo num" estado de alerta". É caracterizada por um certo

desconforto, e está subdividida em duas partes: choque e contra choque, sendo o

choque a resposta inicial do organismo a estímulos aos quais não está adaptado e

pode provocar, por exemplo, a diminuição da pressão sangüínea, enquanto que o

contrachoque, neste caso, ocasionaria uma inversão da situação, isto é, um aumento

da pressão sangüínea.

A fase de resistência é a fase da adaptação, a qual é obtida pelo desenvolvimento

adequado dos canais específicos de defesa, sendo esta etapa caracterizada pela ação do

organismo resistindo ao agente estressante inicial. É a fase que realmente mais interessa

ao Treinamento Desportivo.

A fase da exaustão é aquela em que as reações se disseminam, em conseqüência da

saturação dos canais apropriados de defesa. Ela tem como característica a ocorrência do

colapso, podendo chegar até à morte.."

Outro aspecto de relevância no estudo do estresse em relação ao Treinamento

Desportivo é a conclusão das investigações de EÜLER (1969), verificando que os agentes

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- Manoel José Gomes Tubino & Sergio Bastos Moreira 97~. 1"

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estressantes, independentemente de suas naturezas, provocam no organismo um

aumento da secreção de catecolaminas (epinefrina, noraepinefrina e cortisol). A

eliminação urinária constitui o indicador da constatação da secreção da epinefrina e

noraepinefrina na ação dos mecanismos de compensação fisiológica de organismos

estimulados por agentes estressantes. Foi assim que EÜLER observou e classificou os

três tipos de estresse, de acordo com a origem dos estímulos estressantes.

Os estresses físicos (ex.postura, exercício muscular e outros) provocam um forte

aumento de epinefrina e noraepinefrina, sendo que o trabalho físico modesto tem um

efeito muito leve sobre a secreção de catecolaminas, ao passo que o trabalho físico rigo-

roso produz um aumento notável da secreção, sendo importante ressaltar que em

situações de estresses prevalentemente físicos, ocorre um aumento mais significativo

de noraepinefrina.

Nos estresses bioquímicos (tal como o induzido pelo uso de "doping"), há um aumen-

to considerável da secreção de epinefrina, enquanto a noraepinefrina permanece estável.

Os estresses mentais de qualquer tipo, provocam um aumento na secreção de

catecolaminas (principalmente de epinefrina) diretamente proporcional ao trabalho

realizado e às condições em que o trabalho é desenvolvido.

Quando o organismo consegue neutralizar um agente estressor, dizemos que ocorreu

uma adaptação. As adaptações de curta duração são chamadas acomodações. Adaptações

de média duração são conhecidas como aclimatações e aclimatizações. Já as adaptações

de longa duração são adaptações genéticas.

As acomodações se referem a alterações fisiológicas imediatas na sensibilidade de

uma célula ou tecido a certas mudanças no ambiente externo.

A aclimatação e a aclimatização envolvem diversas respostas adaptativas encadeadas.

De acordo comArmstrong (4000), o termo aclimatação se refere a experimentos induzidos

artificialmente, enquanto que a aclimatização é induzida por ambientes naturais.

As adaptações genéticas são mudanças que ocorrem após muitas gerações e que

favorecem a sobrevivência num ambiente específico.

Na tabela 3.4 são comparados alguns tipos de adaptações adquiridas e herdadas pelo

ser humano, e que lhe tem permitido sobreviver na Terra.

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'.., 98 Metodologia Científica do Treinamento Desportivo -

II Tab.3.~ - Adaptações herdadas ou adquiridas pelo ser humano, e que lhe permitem

manter a estabilidade celular, a saúde e o desempenho na vida.«tio

a vida

TEMPO REQUERIDO

PARAAADAPTAÇÃO

ExEMPLOSTIPO DE

ADAPTAÇÃO

Minutos ou horas secreção hormonal ou

alleração ematividade enzimática

Adquirida

durante dias

hipelirofia. hiperplasia

dias ou semanas

aclimatização a grandes altitudes

Hereditária anos ou gerações mudanças nas características

de uma população

Durante muito tempo, três sistemas do organismo foram considerados como

independentes em sua participação na reação do corpo aos agentes estressores: o sistema

imunológico, o sistema endócrino e o sistema nervoso. Hoje, entretanto, é sabido que

esses três sistemas interagem como se constituíssem um único sistema.

Quando se pratica atividades físicas em um ambiente adverso, o corpo precisa

sentir as mudanças em seu meio externo, tanto quanto as alterações homeostáticas no

interior das células.

Em outras palavras, ele precisa ativar processos fisiológicos específicos, e coordenar

as respostas de vários sistemas que se mobilizam para contraporem-se às mudanças

produzidas no equilíbrio do meio interno. E apenas o Sistema Nervoso Central é capaz de

realizar esta complexa tarefa de coordenação.

Assim que o S.N.C. percebe os fatores estressantes externos e seus conseqüentes

desequilíbrios internos, ele comanda alterações nas taxas de certos hormônios.

Um hormônio, sendo uma substância química que é lançada na corrente sangüínea

por uma glândula de secreção interna (endócrina), para exercer sua influência sobre um

órgão-alvo após cumprir sua função, é removido do sangue.

Todos esses eventos são regulados pelo S.N.C. que, por sua vez, também é influen-

ciado por certos hormônios. Em alguns casos, um hormônio provoca a secreção de outros

e ambos estimulam a secreção de um terceiro.

As seqüências de ações dos hormônios são designadas como eixos hormonais. E

quando uma pessoa enfrenta um ambiente adverso, dois eixos hormonais são ativados: o

eixo simpático-adrenal-medular (S.A.M.) e o eixo hipotalâmico-hipofisário-

adrenocortical (H.HA).

Ambos os eixos abrangem duas glândulas achatadas, situadas cada uma sobre um

dos rins (glândulas suprarrenais). Essas glândulas possuem uma porção superficial (o

córtex da suprarrenal) e uma parte interna (a medula da suprarrenal). Como cada uma

LOCALIZAÇÃODA EFEITOSOBRE

ADAPTAÇÃO

células Reações

bioquímicas

tecidos e órgãos Estrutura

membranas

citoplasmasistemas

orgânicos função

população traços genéticos

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- Manoel José Gomes Tubino & Sergio Bastos Moreira 99'''I"Í""

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dessas partes secreta hormônios diferentes, elas são consideradas como se fossem

glândulas distintas.

A medula da suprarrenal pertence ao eixo S.AM., enquanto que o córtex da suprar-

renal integra o eixo H.H.A A medula libera os hormônios epinefrina e noraepinefrina

na corrente sangüínea. São os hormônios das reações de luta ou fuga, e sua secreção pode

ser estimulada por uma baixa glicemia, por uma redução na pressão ou no volume

sangüíneos, pela atividade física e/ou por agentes estressores ambientais.

A medula da suprarrenal é ativada principalmente por ramificações simpáticas do

Sistema Nervoso Autônomo. Alguns nervos simpáticos também estimulam a secreção de

noraepinefrina em certos órgãos e na corrente sangüínea. O resultado é uma elevação da

pressão sangüínea, da freqüência cardíaca e o sangue é desviado do estômago, intestinos,

fígado e rins para a musculatura ativa.

Outros efeitos benéficos incluem um aumento na glicemia e na mobilização de ácidos

graxos livres no sangue, além de um incremento do metabolismo celular em todo o corpoe de um aumento da atividade mental.

O córtex da suprarrenal produz, armazena e libera outros tipos de hormônios,

conhecidos como corticosteróides. E o mais importante deles é o cortisol. Ele incrementa

a produção de carboidratos a partir de proteínas, aumenta os níveis sangüíneos de ácidos

graxos , proteínas e glicose, reduz as inflamações e inibe o sistema imunológico.

A secreção de cortisol pelo córtex suprarrenal é controlada pela secreção de um

outro hormônio produzido pela porção anterior da glândula hipófise. Este hormônio é

conhecido pela sigla ACTH.

Por sua vez, a liberação de ACTH é regulada pela secreção do hormônio CRH no hipo-

tálamo. Dessa forma, o hipotálamo está envolvido nas reações de estresse empreendidas

tanto no eixo S.AM. como no eixo H.H.A E os agentes estressores externos, aliados ao

estresse de natureza mental (preocupações e ansiedade), podem aumentar rapidamente

a produção de ACTH em mais de vinte vezes.

Os efeitos da atuação isolada de um dos eixos hormonais complementam o outro

eixo de tal forma, que os produtos finais de ambos (a epinefrina, a noraepinefrina e o

cortisol) mobilizam e redistribuem os combustíveis metabólicos (carboidratos, gorduras

e proteínas) e aumentam a eficácia do sistema cardiovascular, incrementando a freqüência

e a força das contrações miocárdicas, e alterando o diâmetro dos vasos sangüíneos.

Se o estresse físico ambiental provocar alguma lesão traumática, elevados níveis de

cortisol atuam como anti -inflamatórios e reduzem respostas imunológicas severas,

contribuindo para evitar maiores danos e ameniza..ndo uma eventual queda no desem-

penho individual.

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~

~I','I., 100 Metodologia Cientifica do Treinamento Desportivo -

~I A noraepinefrina e o CRH também produzem outras reações adaptativas aos

agentes estressores, agindo como neurotransmissores em neurônios cerebrais e

aumentando a vigilância e a agressividade, enquanto inibem comportamentos de

reprodução, crescimento, ovulação, atividade sexual e o apetite, de modo a favorecer

o restabelecimento do equilíbrio homeostático interno.

Assim como estes hormônios, outros neurotransmissores cerebrais também

desempenham um importante papel na coordenação das respostas do corpo aos agentes

estressores: a dopamina, que é precursora da noraepinefrina, tem sua secreção aumentada

no cérebro sob a ação de inúmeros fatores estressantes. A serotonina, por sua vez, afeta

diretamente as secreções de ACTH e prolactina. A acetilcolina estimula a secreção de

CRH, enquanto que o neurotransmissor chamado ácido gama-aminobutírico (GABA)inibe o funcionamento do eixo H.H.A.

. {:'.

Tudo isso mostra a complexidade das reações corporais ao estresse, e evidência

que os eixos hormonais não são os únicos caminhos de resposta do organismo.

Na verdade, em complemento às atividades dos eixos S.A.M. e H.H.A., as secreções

de outros hormônios são alteradas durante o estresse. Alguns deles, como a insulina, o

estrogênio e a testosterona são classificados como hormônios anabólicos, pois estimulam

a construção de tecidos. Outros, como atiroxina, a prolactina e ohormônio do crescimento

são classificados como catabólicos, já que estimulam a destruição tissular.

O que ocorre durante os períodos de exposição a fortes agentes estressores é um

aumento na secreção de hormônios catabólicos, dos quais também fazem parte a

epinefrina, a noraepinefrina e o cortisol. O resultado é que, enquanto a experiência

estressante perdura, há uma mobilização das reservas energéticas.

Passada a ação dos fatores estressantes, há um incremento na secreção dos hormônios

anabólicos e uma diminuição na liberação dos hormônios catabólicos. Isto favorece o

recompletamento dos estoques energéticos e a reposição dos tecidos destruidos.

Quando, aos agentes estressores ambientais, se acrescenta o estresse da atividade

física, o desequilíbrio homeostático resultante pode assumir magnitudes muito maiores

do que aconteceria sem o esforço físico.

Os efeitos de uma atividade de alta intensidade, típica de eventos predominantemente

anaeróbios, são secreções aumentadas de epinefrina e "cortisol". Já quando o trabalho é de

menor intensidade e de duração prolongada, a produção energética aeróbica predomina, e

as secreções do hormônio do crescimento, da noraepinefrina, da prolactina e da tiroxinaaumentam acentuadamente.

Assim, fica claro que as ca:r;acterísticasda ativ.i.dadefísica praticada influenciam no

tipo de resposta hormonal ao estresse, como mostra a tabela 3.3.

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, -.-- Manoel José Gomes Tubino & Sergio Bastos Moreira 101

~ '11

~I"r"'"vTab.3.3 - Efeitos do tipo de atividade física na secreção de hormônios relacionados ao estresse

HORMÓNIO DOSAGEM NO SANGUE

Em esforços intensos de curta duração Em esforços moderados de duração prolongadaaumenta não se altera

não se altera aumentaaumenta não se altera

não se altera aumenta

não se altera aumenta

~~~n m~~

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EpinefrinaNoraepinefrina

COl1isol

H. do crescimento

Tiroxina

Prolactina

Os atletas, de um modo geral, submetem -se permanentemente a agentes estressantes

de várias origens. Mas todo atleta, como qualquer ser vivo, possui uma energia de

adaptação limitada. E quando está submetido a um treinamento de grandes solicitações,

os efeitos desses estímulos estressores acumulam-se e consomem esta energia de

adaptação restrita. Por isso, os treinadores devem referenciar-se nos indicadores fisio-

lógicos dos agentes estressantes para determinar uma justa medida das cargas de trei-

namento. Um dos principais propósitos do Treinamento Desportivo é estimular o corpo

do atleta para que chegue a uma forma específica objetivada, por meio da renovação

continuada de determinados exercícios técnicos e físicos. Logo, observando -se que qual-

quer estresse de ordem física ou mental, em grande ou média escala, serve-se da reserva

de energia de adaptação do organismo, e ainda sabendo-se que para agentes está:ssantes,

aos quais o atleta não esteja adaptado, o desgaste físico será bem maior e mais cedo se

poderá chegar à fase de exaustão, o treinamento deverá ser programado de modo que não

ultrapasse a fase de adaptação.

É importante estabelecer que será sempre a adaptação do organismo que dirigirá

o nível de treinamento a ser imposto. Mas essa observação é de difícil constatação no

que diz respeito aos estresses mentais, pois muitas vezes, devido ao excesso de

atividades diárias, os treinadores não conseguem perceber que seus atletas se encon-

tram estimulados continuamente por fortes agentes estressores mentais, como, por

exemplo, reações familiares em relação à "vida de atleta" ou pressões sobre os resul-

tados. A observação mais grave sobre a consideração citada acima será a de que agentes

estressantes inadequados atuando continuamente, provocarão reações fisiológicas com

resultados negativos cumulativos.

CARLYLEÚ97~), ao abordar oprincípio da adaptação, já explicava que esse fenômeno

ocorre devido à capacidade hormonal do organismo para produzir e armazenar certas

substâncias químicas, inclusive verificando-se algumas limitações em certas ocasiões

para essa produção.

Em qualquer esquema de Treinamento Desp°'rtivo podem surgir agentes

estressantes negativos que podem levar os atletas a um estado indesejável de treina-

mento' denominado fadiga orgânica, virada de fio, estafa ou, ainda, sobre-treina-

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, I".

10:4 Metodologia Científica do Treinamento Despo11ivo -

~f mento. CARLYLE (967) chamou este novo fenômeno de "strain", termo que sepas-

sou a adotar pelo simples fato de sua aceitação internacional.

Pode-se listar alguns dos agentes estressantes que podem levar facilmente atletas à

detestável direção do "strain":

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a) Esforço físico acima das capacidades individuais:

b) Alimentação inadequada;

c) Falta de aclimatização: .

d) Presença de condições patológicas:

e) Estado psicológico anormal;

f) Ausência de repouso e revigoramento:

g) Mudanças bruscas das rotinas diárias (provoca alterações nos ritmos circadianos).

Mesmo com todos os cuidados necessários, os atletas submetidos a um trei-

namento de alta competição, podem chegar às portas do "strain", o que certamente

provocará um desequilíbrio psíquico-físico de conseqüências bioquímicas nometabolismo.

Há mais de 30 anos, PICOTTI (967) identificou duas espécies de modificações

negativas que ocorrem paralelamente no estado de fadiga orgânica (" strain"): (a)

modificações fisiológicas indesejáveis produzidas na prática de atividades esportivas de

treinamento e competição, e (b) modificações psicológicas nocivas.

Existe uma série de evidências constatáveis, muitas vezes até visualmente, para

diagnosticar atletas que estejam em "strain":

a) falta de apetite:

b) perda de peso;

e) diminuição do bem-estar geral;

d) dores articulares e musculares;

e) aumento da freqüência cardíaca basal e de repouso:

f) excitabilidade:

g) problemas digestivos;

h) irritabilidade:

i) diminuição da capacidade de concentração;

j) aumento da tensão arterial;

1) angústia:

m) hipóxia;

n) transtornos no metabolismo:

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- Manoel José Gomes Tubino & Sergio Bastos Moreira 103

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o) tensão muscular geral aumentada;

p) diminuição da coordenação motora.

Assim, verifica-se como é importante considerar o princípio da adaptação, onde

qualquer descuido na aplicação das cargas de treinamento (agentes estressantes), poderá

levar os atletas ao strain" .

3 - O PRINCíPIO DA SOBRECARGA

omomento exato em que se produz a adaptação aos agentes estressantes (estímulos)

é, sem dúvida, um dos pontos mais discutíveis do Treinamento Desportivo. Existem

pontos de vista que estabelecem a adaptação durante os intervalos intermediários dos

treinos, enquanto que outras pesquisas defendem a tese da adaptação após o último

intervalo da sessão de treino. Na verdade, as adaptações ocorrem em ambas as situações,

desde que o tempo de repouso seja adequado.

Segundo HEGEDUS (1969), os diferentes estímulos produzem diversos desgastes,

que são repostos após o término do trabalho, e nisso podemos reconhecer a primeira

reação de adaptação, pois o organismo é capaz de restituir sozinho as energias perdidas

pelos diversos desgastes, e ainda preparar-se para uma carga de trabalho mais forte.

Chama-se este fenômeno de assimilação compensatória. Assim, sabe-se que não só

são repostas as energias perdidas, como também são criadas maiores reservas de energia

de trabalho. A primeira fase, isto é, a que recompõe as energias perdidas, chama -se

periodo de restauração, o qual permite a chegada a um mesmo nível de energia que

existia anteriormente ao estímulo. A segunda fase é chamada de periodo de restauração

ampliada, após o qual o organismo dispõe de uma maior energia para novos estímulos.

Portanto, a equação é:

Assimilação compensatória =período de restauração +

período de restauração ampliada.

Estímulos mais fortes devem sempre ser aplicados por ocasião do final da assi-

milação compensatória, justamente na maior amplitude do período da restauração

ampliada para que seja elevado o limite de adaptação do atleta. Este é o principio da

sobrecarga, também conheéido como principio da progressão gradual, e será sempre

fundamental para qualquer processo de evoluçã~ desportiva.

Para uma representação do princípio da sobrecarga, HEGEDUS apresentou o gráfico

mostrado na Figura n° 3.1:

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Metodologia Cientifica do Treinamento Desportivo -

Fig. 3.1 - Representação gráfica do princípio da sobrecarga, segundo Hegedus (1969)

. li:::1 - período derestauração:

~ - período de restauração ampliada;

a - assimilação compensatória;

x - ponto ótimo para aplicação da sobrecarga.

Entretanto, num processo de treinamento, poderão ocorrer graves prejuízos na

evolução da preparação, caso não haja uma relação ótima entre a aplicação das cargas e as

pausas entre as sessões de treino. Mais uma vez, HEGEDUS (969) ofereceu gráficos

explicativos de situações indesejáveis de treinamento, em que são representadas as

conseqüências negativas em forma de regressão da preparação, causadas pela má relação

entre as aplicações de cargas de treinamento e as pausas entre as sessões de treino. Na

primeira situação (figura n°.3 .~), ocorre que as pausas entre as sessões de preparação são

muito grandes, distanciando exageradamente uma sessão da outra, o que provoca o

aparecimento deum período de decréscimo da restauração, não deixando condições para

um aumento de possibilidades do atleta em relação à absorção de mais cargas.

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- Manoe1 José Gomes Tubino &Sergio Bastos Moreira

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Fig. 3.~ - Progressão da forma fisica prejudicada devido a intervalos

muito grandes entre as sessões de treino

1 - período de restauração:

~ - período de restauração ampliada;

3 - período de decréscimo

da restauração.

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Na segunda situação indesejável (figura n°.3 .3), a aplicação de novas cargas de treina-

mento ocorre quando o período de restauração ainda não se completou, isto é, as sessões

de preparação seguem-se sem que haja um intervalo adequado entre as mesmas, ao

mesmo tempo em que cria condições favoráveis ao aparecimento do sobre-treinamento

("strain").

Fig. 3.3 - Progressão da forma fisica prejudicada devido a

intervalos muito pequenos entre as sessões de treino

1 - período de restauração:

.- aplicação de novas cargas.

Uma outra representação do princípio científiêo da sobrecarga é a de DA COSTA

Ü97~). que pode ser vista na figura n° 3-4-

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Fig. 3.4 - Representação de Da Costa para o principio da sobrecarga

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x ,y

2 5 8

x-y: Nível inicial de capacidade

1-~. 3 - 5. 6 - 8 : Aplicaçãode cargas progressivas

~ - 3. 5 - 6. 8- 9: Recuperação por meio de metabolismo

3 - 4. 6 - 7. 9 - 10: Fases de exaltação

3 6""'9: Cargas assimiladas

9 - 10 : Nível de capacidade aumentado.

ABformas de aplicação da sobrecarga em treinamento variam de acordo com os tipos

de sessões de treino. situação dos atletas dentro do programa de treinamento e outros

fatores. Para uma melhor operacionalização na aplicação do princípio da sobrecarga, a

tabela 3.4 apresenta indicações referenciadas nas variáveis "volume" e "intensidade",

conforme o tipo de treino.

Tiposde treino

Treinamento

contínuo

Treinamentointervalado

Treinamento

em circuito

Trcinamento

com pesoscontrolados

Treinamento

técnico

Tab. 3.4 - Algumas indicações para aplicação de volume ou intensidade no treinamento

VARIÁVEL DE REFEMNCIA

Volume (quantidade) Intensidade (qualidade)

(a) aumento dos percursos

(b) aumento do tempo de trabalho

(a) aumento da velocidade em parte do percurso

(b) aumento do ritmo de execução do trabalho

(a) aumento no n". de estímulos

(b) aumento da duração dos estímulos

(a) aumento da velocidade dos estímulos

(b) redução do tempo de intervalo entre os estímulos

(a) maior n°. de passagens

(b) maior n". de repetições nas estações

(a) maior velocidade de execução

(b) menor intervalo entre as estações ou passagens

(a) maior n". de repetições dos exercícios(b) maior n". de séries de exercícios

(a) aumento da quilagem nos exercícios(a) menor intervalo entre os exercícios

(a) aumento da velocidade de execução dos

movimentos específicos

(a) aumento da velocidade de execução dos

movimentos específicos

(b) redução das pausas de recuperação entre as sériesde exercícíos técnicos

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- Manoel José Gomes Tubino &Sergio Bastos Moreira 1°7

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4 - O PRINcíPIO DA CONTINUIDADE

Sabe-se que a condição atlética só pode ser conseguida após alguns anos seguidos

de efetivo treinamento, isto tudo dentro de uma especialização constante no desporto

eleito. É também consenso na literatura especializada do Treinamento Desportivo, que

existe uma influência bastante significativa das preparações anteriores em qualquer

esquema de treinamento em andamento. Assim, as duas premissas colocadas acima

explicam o chamado principio da continuidade. Pode-se acrescentar que este princí.pio

compreenderá sempre, no treinamento em curso, uma sistematização de trabalho que

não permita uma quebra da continuidade. Em outras palavras, considerando um tempo

maior, o princípio da continuidade é aquela diretriz que não permite interrupções

durante esse período.

Quando se analisa um atleta que chegou a um alto rendimento, será fácil constatar

que ele possui uma importante bagagem, contendo vários processos de treinamento

interconectados, sem as indesejáveis paralisações. Os períodos de transição, previstos

na periodização de processos de treinamento, são fórmulas que servem de elos entre o

desenvolvimento de preparações para duas temporadas consecutivas. A continuidade de

treinamento evita que os treinadores subtraiam etapas importantes na formação atlética

deum desportista.

A figura n° 3.5 exemplifica a continuidade que deve existir em um plano de

treinamento, fazendo com que seus diversos períodos estejam sempre sucessivamente

interligados. É interessante observarmos também a progressão da sobrecarga aplicada

emfunção das diversas fases da preparação.

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Fig. 3.5 - Continuidade de um plano de treinamento

o Cargaaplicada lãSemanade recuperação. Desempenhoprevistoem competição O Periodo de transição

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108 Metodologia Cientifica do Treinamento Desportivo -

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5- O PRINcíPIODAINTERDEPENDÊNCIAVOLUME-INTENSIDADE

Em observações específicas sobre a melhoria do rendimento de meio-fundistas,

KASHLAKOV(197°) constatou que o aumento da performance dos atletas investigados

se devia a maiores quantidades de trabalho, e também a um aumento substancial naintensidade dos estímulos de treinamento.

Concordando com essas observações, pode-se afirmar que, de um modo geral, os

êxitos de atletas de alto-rendimento, independente da especialização esportiva, estão

sempre referenciados numa grande quantidade (volume) e numa alta qualidade (inten-

sidade) de trabalho. E a estimulação predominante dessas duas variáveis (volume e

intensidade) deverá estar sempre adequada às fases de treinamento, seguindo uma

orientação de interdependência entre si. Isto quer dizer que, dependendo de uma série

de fatores e variáveis intervenientes, qualquer ação de incremento do volume provocará

modificações na estimulação da intensidade, sendo que a recíproca será sempre

verdadeira. Na maioria das vezes, o aumento dos estímulos de uma dessas duas variáveis

é acompanhado da diminuição da abordagem em treinamento da outra.

É o próprio KASHLAKOV que, na conclusão de sua pesquisa, revelou que existe uma

alternância entre as conjugações de "grande quantidade - baixa intensidade" e "menor

quantidade - alta intensidade". Essa alternância pode verificar-se em nível demicrociclos e mesociclos de treinamento, e até de macrociclos, em casos excepcionais

de planos de expectativa por várias temporadas O mesmo autor relatou que, no período

de competições, os atletas apresentavam melhores resultados quando direcionavam

os treinos principalmente para a melhoria da capacidade anaeróbica, o que é uma forma

de intensificação da preparação.

Outra interessante pesquisa sobre esse princípio científico do Treinamento

Desportivo foi feita por NABATNIKOWA Ú97~) que, em estudos com 4~ nadadores, tendo

como objetivo discutir possíveis efeitos da variação do volume e da intensidade de

treinamento, estabeleceu algumas pontuações interessantes.

a) Um considerável volume de trabalho realizado com uma velocidade (intensidade)

inferior a 15 á ~o% do ritmo próprio de competição, conduz os atletas a uma forte funda-

mentação de preparação funcional, o que certamente cria condições para uma posterior

elevação do nível de resistência especial, além de aumentar as possibilidades de altos

rendimentos durante o período de competições;

b) Um elevado volume de treinamento a uma velociêlade (intensidade) inferior ao

ritmo de competição também aumenta o rendimento, isto é, contribui para a melhoria

da capacidade especial de performance;

......

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- Manoel José Gomes Tubino &Sergio Bastos Moreira 109

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c)A preparação de nadadores de 100 e ~oo metros, realizada com o emprego de um

elevado volume de trabalho, com a utilização de 30 a 4°% dos exercícios de ritmo

conduzidos em distâncias sup~riores às da especialidade, apresentou resultados de

considerável validade;

d) O emprego de estímulos de velocidade em distâncias médias e grandes influi

positivamente no rendimento em distâncias curtas.

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1,""'1"

Sendo o principio científico da interdependêneia volume-intensidade um fator

fundamental para a evolução de processos de Treinamento Desportivo, é interessante

apresentar-se sugestões, colocações e indicações relacionadas com a aplicação desse

princípio:

a) A interdependência entre o volume e a intensidade é um dos aspectos do

Treinamento Desportivo em que ocorre grande número de investigações, pois cada vez

mais os estudiosos chegam à confirmação de que a utilização ótima de estímulos dessas

duas variáveis é que pode oferecer condições funcionais excepcionais para níveis

atéticos mais altos, e também para que se chegue ao ápice da forma desportiva no

momento certo;

b) Num treinamento, a ênfase no volume (quantidade) de cargas desempenha um

papel de base para resultados futuros, enquanto que o incremento na intensidade

(qualidade) tem como propósito levar a condição dos atletas ao "peak" da forma desportiva

e à assimilação do volume total de preparação realizada;

c) Qualquer processo de preparação desportiva de alto nível deve seguir uma trajetória

no que diz respeito à ênfase nas duas variáveis em questão. O treinamento deve sair de

uma ênfase na "quantidade " (volume) de trabalho, e chegar à" qualidade" (intensidade)

de preparação.

Afigura 3.6 mostra uma representação típica das variações de volume e intensidade

emumatemporada de treinamento.

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III!!', ."I",. no Metodologia Científica do Treinamento Despoliivo -

~li Fig. 3.6 - Variações típicas de volume e intensidade numa temporada

. ~;:::Período de

Competição

Fase Básica

Fase Específica

É essencial ressaltar que o exemplo da figo 3.6 não é um desenho rígido, mas sim

uma tendência de utilização ótima que poderá oscilar, dependendo das variáveis

envolvidas em cada caso.

N o período de competições que segue o período preparatório, as indicações sobre a

ênfase da estimulação do volume ou da intensidade, deverá ser decidida após estudos de

caso em cada situação-problema encontrada, pois embora exista uma tendência natural

de sua continuação de ênfase na qualidade (intensidade) do preparo, nem sempre isto

ocorre, havendo em inúmeras vezes necessidade de uma inversão total na direção.

Pode - se observar claramente na figura 3.6, a colocação de KASHLAKOV Ü 97°), que

indica uma alternância das conjugações grande quanÜdade - babia intensidade e menor

quantidade - alta intensidade, quando se trata do uso de cargas de treinamento.

A tabela 3.5 apresenta indicações de procedimentos adequados para a aplicação de

sobrecargas de treinamento e uma progressão no volume e na intensidade.

Tab. 3.5 - Sugestões de sobrecargas de treinamento

No VOLUME (QUANTIDADE) NA INTENCIDADE (QUAliDADE)

Maiores percursosMaior n°. de percursos

Maior n". de repetíções

Menor duração nos intervalos entre estimulosMenor n". de intervalos entre estimulos

Maior ~~ocidade de execução

....

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-- Malloel José Gomes Tubillo & Sergio Bastos Moreira 111

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~" ,...1'

6 - PRINcíPIO DA TREINABIUDADE."".",

Quando um atleta se submete a seguidas temporadas encadeadas de treinamento,

é natural que vá, pouco a pouco, se aproximando dos seus limites pessoais de máximo

desempenho. Tanto as qualidades físicas como as psicológicas são em muito influ-

enciadas por peculiaridades genéticas. Destarte, um grande campeão costuma estar já

à beira de suas possibilidades genéticas. Assim, quanto mais treinado um indivíduo

estiver, mais difícil e demorado se tornará galgar, por menor que seja, um degrau em

seu desenvolvimento atlético.

Outro aspecto a ser considerado é que as pessoas, mesmo possuindo idêntica con-

dição inicial, podem responder de maneira diferenciada a uma mesma carga de treino.

Umas progridem rapidamente, enquanto que outras demoram mais para responder ao

treinamento.

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Os dois casos citados nos parágrafos anteriores, por vezes se confundem, mas

refletem uma qualidade abrangente que podemos designar como a "treinabilidade" de

umatleta. Éela que nos obriga a considerar mais este importante princípio ao elaborarmos

umplanejamento em Treinamento Desportivo: o Princípio da Treinabilidade.

7 - PRINcíPIO DAESPECIFICIDADE

Este princípio preconiza que: para desenvolver qualquer fator determinante de

uma "performance" é preciso trabalhá-Io especificamente. Ou seja, se quisermos

melhorar a força da perna direita, será imperioso que façamos exercícios de força com

a perna direita e não exercícios de alongamento com o braço esquerdo. Se quisermos

desenvolver qualidades físicas como a potência aeróbica máxima, a capacidade

anaeróbica, ou as resistências aeróbica e anaeróbica, de que trataremos mais à frente,

deveremos escolher velocidades e durações de esforço que sobrecarreguem especi-

ficamente esses objetivos.

Não existe nenhuma sessão de treinamento que desenvolva simultaneamente e com

igual predominância todos os fatores determinantes de um desempenho. É por isso que

um bom programa de treinamento deve ser variado.-

velocidades e durações de esforço que sobrecarreguem especificamente esses

objetivos.

Nãoexiste nenhuma sessão de treinamento que ~esenvolva simultaneamente e comigualpredominância todos os fatores determinantes de um desempenho. É por isso que

umbom programa de treinamento deve ser variado.

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