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29 Marcelo Di Rezende Bernardes* OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO ETHICAL PRINCIPLES AND THEIR APPLICATION IN LAW LOS PRINCIPIOS ÉTICOS Y SU APLICACIÓN AL DERECHO Resumo: Diante dos fatos explícitos na realidade brasileira, que apontam para a transgressão ética em massa e, consequentemente, do pro- gressivo desrespeito às normas de moral e conduta, urge um re- torno aos princípios éticos em todas as camadas sociais. O presente artigo tem por finalidade relacionar os conceitos de Ética e de Direito, destacando aspectos gerais, mas não menos impor- tantes, de ambos. Nesse sentido, este artigo tratará de questões relacionadas à ética e, em específico, referentes ao Direito e a seu profissional. Abstract: Face to the explicit facts in the Brazilian reality, pointing to ethical transgression in mass and, consequently progressive disregard of moral and of conduct standards, urges a return to ethical prin- ciples in all social strata. The purpose of this article is to relate the concepts of ethics and law, highlighting general aspects, but no less important in both. In that sense, this paper addresses is- sues related to ethics and, in specific, related to law and its pro- fessional. * Mestre em Direito. Especialista em Ciências Criminais, Direito Penal, Processual Penal, Constitucional e Empresarial. Professor Universitário, membro da Academia Goiana de Direito, da Academia Goianiense de Letras, do Instituto Brasileiro de Di- reito Processual e do Instituto dos Advogados Brasileiros. Advogado.

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Diante dos fatos explícitos na realidade brasileira, que apontam para a transgressão ética em massa e, consequentemente, do progressivo desrespeito às normas de moral e conduta, urge um retorno aos princípios éticos em todas as camadas sociais.

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Page 1: OS PRINCÍPIOS ÉTICOSE SUA APLICAÇÃO NO DIREITO

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Marcelo Di Rezende Bernardes*

OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO

ETHICAL PRINCIPLESAND THEIR APPLICATION IN LAW

LOS PRINCIPIOS ÉTICOS Y SU APLICACIÓN AL DERECHO

Resumo:

Diante dos fatos explícitos na realidade brasileira, que apontampara a transgressão ética em massa e, consequentemente, do pro-gressivo desrespeito às normas de moral e conduta, urge um re-torno aos princípios éticos em todas as camadas sociais. Opresente artigo tem por finalidade relacionar os conceitos de Éticae de Direito, destacando aspectos gerais, mas não menos impor-tantes, de ambos. Nesse sentido, este artigo tratará de questõesrelacionadas à ética e, em específico, referentes ao Direito e a seuprofissional.

Abstract:

Face to the explicit facts in the Brazilian reality, pointing to ethicaltransgression in mass and, consequently progressive disregardof moral and of conduct standards, urges a return to ethical prin-ciples in all social strata. The purpose of this article is to relatethe concepts of ethics and law, highlighting general aspects, butno less important in both. In that sense, this paper addresses is-sues related to ethics and, in specific, related to law and its pro-fessional.

* Mestre em Direito. Especialista em Ciências Criminais, Direito Penal, ProcessualPenal, Constitucional e Empresarial. Professor Universitário, membro da AcademiaGoiana de Direito, da Academia Goianiense de Letras, do Instituto Brasileiro de Di-reito Processual e do Instituto dos Advogados Brasileiros. Advogado.

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Resumen:

Delante de los hechos explícitos de la realidad brasileña, que mues-tran a la transgresión ética en masa y, en consecuencia, de la pro-gresiva indiferencia de las normas morales y de conducta, insta aun retorno a los principios éticos en todos los estratos sociales. Esteartículo tiene como objetivo relacionar los conceptos de Ética y deDerecho, poniendo de relieve los aspectos generales, pero nomenos importantes, de ellos. En ese sentido, en este artículo seabordarán cuestiones relacionadas con la ética y, en particular, conrespecto al Derecho y a su profesional.

Palavras-chaves:

Ética, moral, Direito.

Keywords:

Ethics, moral, Law.

Palabras clave:

Ética, moral, Derecho.

INTRODUÇÃO

Na atualidade, o papel da ética tem sido foco de significa-tivas discussões nos meios acadêmicos e profissionais. Isso por-que, na sociedade contemporânea, desventurosamente, tem setornado comum a exposição de condutas antiéticas nas diferentesáreas profissionais e do conhecimento.

É bem verdade que a conduta humana não está sempreem conformidade com as leis éticas, contudo, existe a necessidadede se ressaltar a importância da ética na fundamentação da açãohumana, pois o conteúdo ético é universal na humanidade e ca-racterístico da espécie humana, diga-se, universal, porém não es-tático.

Segundo Leonardo Boff (2003), a crise moral e ética que

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se instalou na atualidade propicia a desintegração das relações in-terpessoais, justificada na grande tensão encontrada pela tentativade funcionamento em torno de interesses particulares em detri-mento dos interesses do direito e da justiça. Assim, afirma: “Talfato se agrava ainda mais por causa da própria lógica dominanteda economia e do mercado que se rege pela competição, que criaoposições e exclusões, e não pela cooperação que harmoniza einclui” (BOFF, 2003, p. 27).

O fato ético, em interface com as transformações sociais,detém proporcionalmente a possibilidade de atualizações. Se-gundo Ashley et al. (2003, p. 60), “da mesma forma que as socie-dades transformam-se ao longo do tempo, os valores culturais deque os indivíduos se servem para organizar sua realidade e suasações também tendem a sofrer modificações”.

Desse modo, o conteúdo ético mencionado está sujeito aalterações da mesma maneira que ocorre com o meio social. Con-ceitos outrora considerados éticos podem perder tal status por oraou definitivamente. A reorganização produz uma nova realidade.Trata-se de um movimento que deve estar sempre em análise,pois a sociedade é dinâmica e está em processo contínuo de mu-dança, como expressa muito bem a perspectiva dialética.

A ética relaciona-se com as ações do homem, sendo di-recionada para as inter-relações sociais. Sob o ponto de vista dia-lético, o ideal ético fundamenta-se em uma vida social igualitária ejusta, ou seja, a ética, nessa visão, tem como pedra angular o bemcoletivo (BRAGA, 2006).

OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E SUA APLICAÇÃO NO EXERCÍCIODO DIREITO

A conceituação de toda e qualquer categoria inserida nasCiências Sociais e Humanas, ao longo da história da Filosofia, seconstitui em tarefa árdua devido à grande variedade de pontos devista. Entretanto, se faz necessário tal exercício no sentido de

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apresentar, em maior ou menor grau, a objetividade dos significa-dos, com a finalidade de contribuir para a melhor compreensão doassunto.

Na tentativa de se conceituar “Ética”, a realidade relatadase comprova: "A ética é daquelas coisas que todo mundo sabe oque são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém per-gunta" (VALLS, 1993, p. 7). Para Augusto Comte (1798-1857), ci-tado por Lima (2007), a Ética consiste na:

[...] a suprema ciência, do amor por princípio, do amor sem ca-beça, moral cósmica, naturalista e social, pois recompõe oslaços do universo da natureza com o universo da moralidade evê nas regras do comportamento humano um caso das leis quepresidem a ordem universal. Ética em que o homem está sub-metido, em virtude de sua submissão à humanidade [...].

De acordo com Vázquez (1984, p. 12), “Ética é um con-junto sistemático de conhecimentos racionais e objetivos a respeitodo comportamento humano moral, melhor dizendo, é a teoria ouciência do comportamento moral do homem em sociedade”.

Durkeim (apud OLIVEIRA, 2006) conceitua Ética da se-guinte forma: “Tudo que é relativo aos bons costumes ou às nor-mas de comportamento admitidas e observadas, em certa época,numa dada sociedade”.

Segundo Moore (1975, p. 4), “a Ética é a investigaçãogeral sobre aquilo que é bom, isso se dá porque o maior objetivoda Ética é tentar aproximar o ser humano da perfeição, alcançar asua realização pessoal”.

Sob o ponto de vista de Jean-Paul Sartre (1905-1980), deacordo com Lima (2007), a ética é:

[...] uma moral da ambigüidade e da situação. Vai da liberdadeabsoluta e inútil à liberdade histórica, da náusea diante da gra-tuidade das coisas, do em si e o para si, do ser e do nada, doser para outros, do existencialismo como humanismo, da críticada razão dialética. É o homem, o ser humano, isto é, cada indi-víduo em determinadas circunstâncias, em determinada "situa-ção", que por sua livre escolha cria o valor de seu ato. Todos osvalores são relativizados, exceto aquele que a liberdade outorga

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a si mesma, quando se considera fim supremo [...].

Segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, Éticaé "o estudo dos juízos de apreciação que se referem à condutahumana susceptível de qualificação do ponto de vista do bem edo mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de modoabsoluto".

Etimologicamente observado, a Ética origina-se do gregoethos e encontra correlação no latim morale, com o significado si-nônimo de conduta ou, ainda, referente aos costumes. Podemosconcluir que, etimologicamente, ética e moral são palavras iguais,porém, será apresentada posteriormente a diferenciação básicaentre ambas.

Uma das configurações atribuídas à palavra Ética é decunho filosófico. A Ética, enquanto parte da Filosofia, diz respeitoa uma direção para reflexão sobre a complexa questão da moralno ser humano, relacionado ao meio social em que está inserido.

O autor Henrique Cláudio de Lima Vaz (2002, p. 63), emobra intitulada Ética e Direito, alerta para o perigo das teorias con-sideradas na atualidade, que questionam a validade da Ética filo-sófica, dizendo:

[...] parece difícil admitir que uma teoria do ethos no sentido fi-losófico da sua justificação ou fundamentação racional possadesaparecer do horizonte cultural da nossa civilização, a menosque desapareça a própria filosofia e a civilização venha a mudarde alma e de destino.

A Ética, como categoria filosófica, impulsiona o exercíciocrítico-reflexivo das bases moralistas, quando necessária elucida-ção à dos fatos morais. Dessa forma, é notável que a Ética, na Fi-losofia, não oferece um código de normas, antes incentiva ohomem, como ser racional e social, a praticar o senso crítico e au-toavaliativo em suas atitudes e modo de agir. Nesse sentido, o pro-fessor Ângelo V. Cenci (2002, p. 88) afirma:

A ética não pode prescrever conteúdos ao agir, nem pode ins-trumentalizá-lo; não é seu papel fornecer soluções concretas ao

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agir humano. A ética precisa contar com a capacidade de os in-divíduos encontrarem saídas plausíveis, racionais para o seuagir. A ética filosófica (formal e universalista) não pode, pater-nalisticamente, dizer o que o indivíduo deve fazer, prescrevendoações; ela não pode se constituir em um receituário para a con-duta cotidiana dos indivíduos, nem servir de desculpa para jus-tificar seu agir mediante motivos puramente externos.A justa medida requerida pela ética não é extraída por intermé-dio de fórmula alguma; ela é medida qualitativamente, por issorequer mediania.

De acordo com Marilena Chauí (1998), o que foi apresen-tado por Cenci (2002) corresponde ao principal pilar da diferencia-ção entre Moral e Ética, pois para ela toda moral é normativaenquanto designada a ditar aos sujeitos os padrões de conduta in-dividual e/ou social, assim como os valores e os costumes das so-ciedades das quais participam. Já a ética não é necessariamentenormativa. A professora ainda sistematiza a subdivisão de éticaem normativa e não normativa. Normativa seria a ética de deverese obrigações, e não normativa a ética que tem como objeto de es-tudo as ações e paixões humanas embasadas no ideal da felici-dade de acordo com o critério da relação razão – vontade –liberdade.

De qualquer forma, não se pode pensar filosoficamente aÉtica se não relacionada ao agente ético. Nesse sentido, seria res-ponsabilidade da Ética a definição da figura do agente ético e desuas atitudes. De acordo com esse paradigma, o agente ético cor-responde ao sujeito consciente que sabe o que são suas ações,sendo livre para escolher o que faz e responsável pelas conse-quências de seus atos (CHAUÍ, 1998).

Para Souto e Souto (1981), o sujeito, desde que em per-feito estado de juízo, já possui a ideia do que é certo ou errado emsuas atitudes. Nas sociedades em geral existem os códigos deconduta estabelecendo o que deve ser considerado como certoao agir. Dessa forma, existe a ideia de como fazer.

O jurista João Baptista Herkenhoff (1987, p. 83) enunciao seu entendimento acerca de Ética ditando: "o mundo ético é omundo do "dever ser” (mundo dos juízos de valor) em contraposi-ção ao mundo do "ser" (mundo dos juízos de realidade)”. Já a

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moral, segundo Herkenhoff (1987, p. 85), “é a parte subjetiva daética” que ordena o comportamento humano para consigo mesmo,além de englobar os costumes, obrigações, maneiras e procedên-cia do homem em convívio com os demais. A moral é compreen-dida na forma de uma conduta voluntária isenta de pressõesexternas ao indivíduo.

Assim, a moral pode ser entendida como a listagem denormas de ação específica, estando então implícita em códigos,normatizações e leis que regulamentam a ação do ser humano nomeio social. Por ocasião da exposição de definições da palavramoral, é importante ressaltar que alguns a igualam à Ética, masna realidade contemporânea ambas são, por certo, aplicadas di-ferentemente.

Segundo Vázquez (1984), a moral deriva da necessidadecomum aos indivíduos de se relacionarem buscando o bem paraa coletividade, podendo ser definida também como um conjuntode normas e regras que tem a finalidade reguladora das interaçõesentre os indivíduos, dividindo o mesmo espaço em um mesmotempo. A moral, dessa forma, consiste em um dado histórico mu-tável e dinâmico, que evolui conforme as transformações políticas,econômicas e sociais, tendo em vista que a existência de princí-pios morais estáticos seria impossível.

Segundo Nicola Abbagnano (1970, p. 652), em seu Dicio-nário de Filosofia, moral é um substantivo configurado de diferen-tes formas, tais como: 1- O mesmo que Ética; 2- O objeto da Ética,que consiste na conduta direcionada por normas.

Para Sören Aabye Kierkegaard (1813-1855), citado porLima (2007), a moral é existente em uma vida que levou a sério ocristianismo, do poeta cristão, do indivíduo diante de Deus.

Existe a definição que circula em torno do entrelaçamentoentre Ética e Moral no sentido de que existiria um método científicopara se estudar a Moral, baseado em uma teoria que propicia adescrição das normas e dos valores comportamentais: “A Ética éuma ciência da moral, pois questiona ao buscar por que e emquais condições determinada ação é considerada boa ou má, atéque ponto ajuda a construir a identidade de uma nação, grupo oupessoa” (RIBEIRO, 2000, p. 137).

Mesmo diante de tantos percalços controversos, a distinção

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entre ética e moral é necessária, pois verifica-se que, sem a moral,a ética se tornaria uma inutilidade no sentido de consistir em abs-trata reflexão de experiência.

Em resumo, a diferenciação entre Moral e Ética podeacontecer de várias maneiras: ética é princípio, moral são aspec-tos particulares de determinado tipo de conduta; ética é perma-nente, moral é temporária; a ética possui a propriedade dauniversalidade, enquanto a moral é restrita à dada cultura; ética éregra, moral é prática de tal regra; ética é teoria, moral é a práticadessa teoria.

Definindo, verifica-se que Direito é uma palavra oriundado latim directum, derivada do verbo dirigere, que tem o significadode ordenar. Conclui-se, etimologicamente falando, que o vocábuloDireito significa “aquilo que é reto”, “que está coerente com a jus-tiça e equidade”. Portanto, pode-se dizer que Direito é a disciplinada qual se originam as normas a serem observadas pelo homeme engloba direitos e deveres dos quais ninguém se isenta. Con-forme Pinho (1995), o Direito pode ser entendido como “aquilo queé” ou “que deve ser”. Assim, o Direito surgiu em resposta à neces-sidade de se estabelecerem regras gerais para o convívio dohomem em sociedade. O Direito é considerado, antes de tudo,uma instituição ética que trabalha no sentido de aplicar as leis, osprincípios morais, tais como: igualdade, justiça, liberdade, dentreoutros, na solução de controvérsias.

Diante da escorreita explicitação de tais conceitos, é pos-sível observar a Ética, em interface com o Direito, acata a definiçãode conduta amparada na aplicação de regras morais no meio deconvívio social, ou seja, a caracterização do homem enquanto serrelacional. É essa face normativa da Ética que a relaciona intima-mente com o Direito. Nesse sentido, a contínua discussão da Éticadentro do Direito encontra respaldo no fato de ser uma área dasCiências Humanas que busca a consolidação e a manutenção dajustiça e da moralidade social.

Faz-se apropriada, aqui, a definição de Cenci (2002, p.90) para Ética, que “nasce amparada no ideal grego da justa me-dida, do equilíbrio das ações”. Ângelo Cenci ainda esclarece que“a justa medida é a busca do agenciamento do agir humano de talforma que o mesmo seja bom para todos”. Para tanto, indaga-se:

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e não é esse o fundamento para o exercício cotidiano dos profis-sionais do Direito? Resta evidente, embora alguns até discordem,que os valores éticos e morais devem ser o fundamento da cons-trução do profissional do Direito, no sentido da aplicação dos prin-cípios morais enumerados pela Ética geral aplicada ao campoprofissional, possibilitando a prática da ética profissional:

A pessoa tem que estar imbuída de certos princípios ou valorespróprios do ser humano para vivenciá-lo nas suas atividades detrabalho. De um lado, ela exige a deontologia, isto é, o estudodos deveres específicos que orientam o agir humano no seucampo profissional; de outro lado, exige a diciologia, isto é, oestudo dos direitos que a pessoa tem ao exercer suas ativida-des. (CAMARGO, 1999, p. 33)

O Direito, se analisado sob o ponto de vista cultural,abarca o sentido de ser uma realidade referente a valores, pos-suindo como missão intrínseca a progressiva busca pela segu-rança jurídica, que consiste em bem social e da justiça. Taisobjetivos são comuns à Ética, contudo, não se pode atribuir ànorma ética o valor imperativo da norma jurídica. São definidascomo normas éticas:

[...] as normas que disciplinam o comportamento do homem,quer o íntimo e subjetivo, quer o exterior e social. Prescrevemdeveres para a realização de valores. Não implicam apenas emjuízos de valor, mas impõem a escolha de uma diretriz conside-rada obrigatória, numa determinada coletividade. Caracterizam-se pela possibilidade de serem violadas. (HERKENHOFF, 1987,p. 87)

Acresce-se, ainda, a validade da norma jurídica, só verifi-cável quando esta resguarda os princípios éticos. Pode-se tomarcomo exemplo da prerrogativa de retorno aos valores morais e davinculação entre Ética e Direito Constitucionalismo. A ideologia dedemocracia materializa-se com a indelével proteção dos direitos edas garantias fundamentais do cidadão, por intermédio da Cons-tituição que rege o país.

O saudoso jurisconsulto Miguel Reale, em seu livro Lições

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Preliminares de Direito, já defendia que “[...] as normas éticas nãoenvolvem apenas um juízo de valor sobre os comportamentos hu-manos, mas culminam na escolha de uma diretriz considerada ob-rigatória numa coletividade” (REALE, 2002, p. 33). Nessaperspectiva, a ética pode ser entendida como uma tomada de de-cisão, uma escolha embasada em um conjunto de valores organi-zadores de uma determinada sociedade. De acordo com Reale(2002, p. 35), “toda norma ética expressa um juízo de valor, aoqual se liga uma sanção [...]”.

A ética, nesse sentido, corresponde a uma obrigação, eseu cumprimento tem como pressuposto a ideia do que é justodiante da sociedade, que pode ser aceita ou não de acordo com ojuízo de valor de cada um.

Miguel Reale (2002, p. 42) afirma que “a teoria do mínimoético consiste em dizer que o Direito representa apenas o mínimode Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobre-viver”, relacionando Direito e Moral, ambos inseridos em um com-plexo ético, pois o viver de forma ética corresponde ao ato deacrescer uma regra moral de uma norma jurídica a uma situaçãoqualquer.

Ao contrário do que acontece na realidade, na qual seconstata que na prática jurídica ocorre comumente a conduta an-tiética, principalmente entre aqueles que exercem papel de maispoder, sendo verificada a falta de respeito e de profissionalismode alguns profissionais com relação àqueles que somente neces-sitam e buscam soluções para as lides, a observância dos precei-tos éticos no exercício do Direito se faz necessária por ser umaquestão que merece atenção de todos os envolvidos no assunto,dada a sua relevância ímpar. Uma vez que o Direito vive a cons-tante transformação de acordo com o desenvolvimento sociocul-tural, também a ética se adequa ao Direito sem perder o conteúdode seus princípios.

Ressalta-se, ainda, a relevância da ética no exercício daprofissão do Direito, tendo em vista a natureza da atividade jurídicarelacionada aos principais valores éticos, quais sejam, a justiça ea moralidade.

Referente à conduta ética do profissional do Direito – es-pecificamente do advogado, tem-se que:

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O serviço profissional é bem de consumo e, para ser consu-mido, há de ser divulgado mediante publicidade. Em relação àadvocacia, é necessária uma postura prudencial. Não se pro-cura advogado como se busca um bem de consumo num su-permercado. A contratação do causídico está sempre vinculadaà ameaça ou efetiva lesão de um bem da vida do constituinte.(NALINI, 2006, p. 247)

Esse mesmo autor nos esclarece sobre a responsabili-dade do profissional do Direito no que tange à probidade:

[...] quem escolhe a profissão de advogado deve ser probo. [...]Quem procura um advogado está quase sempre em situaçãode angústia e desespero. Precisa nutrir ao menos a convicçãode estar a tratar com alguém acima de qualquer suspeita. (NA-LINI, 2006, p. 252)

Sobre a Ética e o profissional exercendo o Direito, pode-se salientar ainda que não existe o exercício de defesa da justiçae da equidade sem a aplicação de normas éticas a embasar o or-denamento jurídico. Nesse sentido, comenta com muita proprie-dade Ruy de Azevedo Sodré (1967, p. 32), "a ética profissional doadvogado consiste, portanto, na persistente aspiração de amoldarsua conduta, sua vida, aos princípios básicos dos valores culturaisde sua missão e seus fins, em todas as esferas de suas ativida-des".

Por fim, temos que a Ética é o estudo geral do que é certoou errado, bom ou mal, justo ou injusto, apropriado ou inapro-priado. Assim, é possível a conclusão do objetivo da Ética na fun-damentação de regras estabelecidas pela Moral e pelo Direito,porém, ressaltando que ela se diferencia de ambos na medida emque não dita regras (GLOCK e GOLDIM, 2003).

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CONCLUSÃO

De acordo com o apresentado, é possível afirmar que éde grande valia a recuperação do sentido da ética, enquanto ins-trumento indispensável da vida social, pois é dos fatos concretosinstalados na sociedade que se originam os costumes e o próprioDireito.

Pode-se concluir que a ética norteia a maneira de se com-portar do homem, incluindo tanto as esferas públicas e sociaiscomo as íntimas e subjetivas. A ética não está limitada somenteao conjunto de juízos de valor, mas se sobressai imponente comocódigo de disciplina aprendido obrigatoriamente pela sociedade.

O conjunto de deveres morais é a diretriz da conduta dosujeito na vida e na profissão que exerce, contribuindo tal conjuntopara a conscientização profissional, que deve ser composta depráticas que resultem em integridade, dignidade e probidade, deforma coerente para com o ordenamento jurídico vigente.

Em síntese, o sujeito deve ansiar pela ética profissionalem seu desempenho cotidiano, ressaltando a validade de sua ado-ção como código principal de vida, pois tanto a ética quanto amoral devem ser resguardadas, propiciando crescimento profis-sional. Além disso, é de crucial importância que o profissional doDireito, como agente transformador da sociedade, oriente o serhumano no sentido de uma vida digna, amparada por princípioséticos.

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