os primos o enigma do castelo templário

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[13] O Enigma do Castelo Templário / Mafalda Moutinho I O BOTICÁRIO Entrem, entrem! – disse uma vozinha esganiçada, vinda do interior da loja. O Outono tinha começado há pouco, mas o seu testemunho já se fazia sentir. As manhãs tornavam-se cada vez mais frescas e os dias mais curtos. As folhas, amareladas e em tons cor de fogo, caíam delicadamente no chão, ou esvoaçavam transportadas pelo vento, por entre as ruas antigas da aldeia. Ana, Maria e André encontravam-se em Castelo Novo, uma misteriosa aldeia histórica, no centro de Portugal. Outrora território oferecido pelos monarcas portugueses aos Templários, tinha uma carta de foral tão antiga que já vinha de 1202. A loja não era uma loja normal. Aliás, deveria tratar-se de uma farmácia, mas nem sequer tinha aspecto de farmácia. Olhando para o interior, fazia lembrar a fusão entre uma adega e uma antiga ervanária, com tecto em traves de

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[13] O Enigma do Castelo Templário / Mafalda Moutinho

I

O BOTICÁRIO ⎯ Entrem, entrem! – disse uma vozinha esganiçada,

vinda do interior da loja. O Outono tinha começado há pouco, mas o seu

testemunho já se fazia sentir. As manhãs tornavam-se cada vez mais frescas e os dias mais curtos. As folhas, amareladas e em tons cor de fogo, caíam delicadamente no chão, ou esvoaçavam transportadas pelo vento, por entre as ruas antigas da aldeia.

Ana, Maria e André encontravam-se em Castelo Novo, uma misteriosa aldeia histórica, no centro de Portugal. Outrora território oferecido pelos monarcas portugueses aos Templários, tinha uma carta de foral tão antiga que já vinha de 1202.

A loja não era uma loja normal. Aliás, deveria tratar-se de uma farmácia, mas nem sequer tinha aspecto de farmácia. Olhando para o interior, fazia lembrar a fusão entre uma adega e uma antiga ervanária, com tecto em traves de

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madeira e paredes de pedra. Os primos estavam ali a pedido do chefe dos escuteiros

de André, Gaspar Valcourt, um canadiano de aspecto enigmático, responsável pelo grupo internacional de jovens. Queria um xarope para a tosse que o andava a incomodar há já várias semanas. Ainda não tinha tomado nada, mas de repente, ao acordar, viera-lhe a pressa, talvez por estar de cama há três dias.

⎯ Então? Não entram? – voltou a insistir a mesma voz sibilante, ao aperceber-se da hesitação dos primos. ⎯ Não se enganaram, não! Esta é mesmo a farmácia da aldeia. Ou melhor, o boticário.

O boticário ficava a meio da Rua da Gardunha, a mais oriental de todas, a caminho da Igreja Matriz. Vista de fora, era uma casa antiga, feita de blocos de pedra granítica, que seguia a construção típica das Beiras: umas escadas levavam a um pequeno patamar, delimitado por uma grade de ferro batido e uma exígua porta de madeira com uma janela quadriculada no topo. Nada a distinguia das demais casas, informando os visitantes que se tratava de um boticário.

Os primos continuavam a espreitar lá para dentro, atropelando-se no patamar estreito. André decidiu-se, por fim, a entrar. Se aquela sempre era a farmácia da aldeia, boticário ou não, estavam no sítio certo. E o melhor era despacharem-se, pois Gaspar era um tipo muito azedo.

⎯ Precisávamos de um xarope para a tosse… - pediu, passando a mão pelos cabelos lisos arruivados e tentando vislumbrar a proveniência da voz estranha, enquanto habituava os olhos à luz do compartimento, bem mais escassa que a exterior.

Ana e Maria seguiram-no, curiosas. Levaram algum tempo a transpor a soleira da porta, pasmadas a olhar para os inúmeros frascos que forravam as prateleiras do recinto.

Eram frascos antigos, como facilmente demonstravam quer a qualidade da cerâmica, quer as letras pintadas em cada

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um deles. Nalguns casos o conteúdo era descrito em latim, noutros em português antigo, numa letra gótica muito desenhada, com ortografia anterior às reformas dos anos Trinta, onde proliferavam os ph, os th, os ae e os oe.

Ana notou logo que alguns frascos tinham um símbolo estranho, pintado mesmo por debaixo da tampa. Fazia-lhe lembrar a cruz dos Templários, mas tinha cinco pontas, em vez de quatro, e um traço que a dividia ao meio. “O que significará? Talvez represente uma flor rara”, pensou.

⎯ Tosse devido a quê? – indagou a boticária, limpando

as mãos a uma toalha de linho. Devia ter mais de sessenta anos, um ar bem disposto e

um sorriso resplandecente, estampado entre as duas covinhas do rosto já um pouco enrugado. Tinha as costas ligeiramente arqueadas e vestia-se toda de preto, talvez por estar de luto, com uma saia e uma camisola muito simples e um lenço na cabeça, a cobrir-lhe os cabelos cinzentos.

Ana observou-a, curiosa. À primeira vista a senhora fazia-a lembrar uma feiticeira, com unhas compridas e olhos semi-cerrados, que logo imaginou à volta de uma bola de cristal gigantesca. Mas tal impressão devia-se, simplesmente,

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à presença daqueles frascos enigmáticos à sua volta. ⎯ Espero que a tosse não seja devida aos cigarros! –

perscrutou a senhora, de sobrolho franzido, analisando o aspecto de cada um dos primos. ⎯ Hoje em dia há tantos jovens que fumam! Não sabem o mal que aquele veneno faz aos pulmões!

⎯ Não se preocupe – garantiu André. ⎯ Nenhum de nós fuma e o xarope não é para nós.

⎯ Uhmm… já te tinha visto antes – disse a boticária, pondo de lado a conversa dos cigarros. ⎯ Fazes parte do grupo dos arqueólogos, não é?

⎯ Bem, não sou propriamente um arqueólogo – corrigiu o rapaz, contente com o elogio e endireitando as costas, para ganhar mais alguns centímetros de altura.

Era óbvio que a senhora não o tinha observado com atenção, senão ter-se-ia apercebido da farda inconfundível que trazia vestida.

⎯ Sou escuteiro e chamo-me André – explicou, afagando o lenço às riscas azuis e brancas, que trazia ao pescoço. ⎯ Vim ajudar os arqueólogos no projecto de recuperação da aldeia histórica e do antigo castelo.

⎯ Ah, sim? Então tenho razão em dizer que já te tinha

visto por aí. ⎯ É natural, estou cá desde o início das férias do Verão.

As minhas primas é que só chegaram ontem – explicou

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André, apresentando Ana e Maria. ⎯ Vieram ajudar nos trabalhos, antes de começarem as aulas. Normalmente são elas que me convidam a passar férias com elas, mas desta vez fui eu que as convidei.

⎯ E ainda bem – garantiu Ana. ⎯ Esta aldeia parece ferver com tanta actividade! Há escuteiros e arqueólogos por todo o lado, a esquadrinhar o terreno e a analisar vestígios misteriosos.

⎯ É pena só podermos ficar por uma semana - lamentou-se Maria. ⎯ Depois temos de regressar para junto dos nossos pais, ao Egipto.

⎯ Ao Egipto? – estranhou a boticária. ⎯ Porquê ao Egipto?

Ana e Maria explicaram-lhe que o pai era diplomata. Era por isso normal que a família seguisse o embaixador Torres nos vários destacamentos, por períodos de dois ou três anos. O último tinha-os conduzido de Paris ao Cairo, onde viviam naquele momento e onde tinham descoberto o Segredo do Mapa Egípcio. Às vezes o pai tinha missões diplomáticas mais curtas, entre destacamentos. Na Páscoa, por exemplo, tinham-se deslocado a Roma, ao Vaticano.

⎯ A Roma? – perguntou a boticária com ar sonhador. ⎯ A sorte que vocês têm! A viajar tanto e ainda por cima visitando sítios como o Egipto, Roma!… Quem me dera!

Os primos entreolharam-se, pensando nos momentos passados a desvendar o Mistério das Catacumbas Romanas. As ervas e mezinhas nas prateleiras do boticário fizeram-lhes recordar Dragos, o amigo romeno.

Quem sabe se Castelo Novo não teria também algo interessante que pudessem bisbilhotar?

Entretanto, um novo cliente acabara de entrar, pondo-se a ouvir a conversa e fingindo-se distraído a observar as prateleiras.

⎯ Então estão todos na Casa Paroquial, no Largo da Bica, não é?

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Maria e André acenaram afirmativamente. ⎯ É uma casa antiga, do séc. XIX, sabiam? Ana nem sequer ouviu. Estava distraída. Olhava perplexa

para todos aqueles frascos à sua frente. Admirava-a, sobretudo, a enorme variedade de ervas.

⎯ E onde é que arranja todas estas plantas? Tem tempo para as colher? – perguntou, curiosa.

⎯ Realmente não tenho. A maior parte é-me trazida pela Eremita da Gardunha. Os frascos com este desenho têm ervas colhidas por ela… - e apontou para o símbolo que pouco antes despertara a curiosidade da rapariga.

O cliente resmungou, visivelmente contrariado. ⎯ Se quiser, pode passar à nossa frente – propôs Ana. Agora que sabia da existência de uma eremita na serra,

estava em pulgas para desvendar mais pormenores. Só lhe faltava que a impaciência do cliente apressasse a boticária!

⎯ Não, senhora – disse o homem, num tom seco, surpreendendo-a. ⎯ Espero pela minha vez.

Endireitou a boina de camponês e deu mais uma volta às prateleiras, de mãos entrelaçadas atrás das costas.

⎯ Tem a certeza? – insistiu a boticária. O camponês voltou a resmungar, encolhendo os ombros

e fazendo de conta que examinava atentamente um dos frascos antigos.

⎯ Há mesmo uma eremita na Serra da Gardunha? Parece coisa de lendas…

⎯ Pois parece… - murmurou a boticária, pensativa. ⎯ Já ali vive há muitos anos, sempre sozinha. Conhece muito bem a serra, todas as ervas medicinais, os abrigos abandonados… Até as tocas dos coelhos!

⎯ Então também deve conhecer esconderijos antigos! – sugeriu André, já a imaginar grandes segredos, ocultos no interior da serra.

⎯ Sim, sim – respondeu a senhora. ⎯ Esconderijos é que não devem faltar. A serra tem um bosque apinhado de

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carvalhos, castanheiros e pinheiros. A floresta é tão densa que às vezes até parece assombrada…

⎯ Parece, não! – interrompeu o camponês, fixando-a com ar insolente e com o indicador espetado no ar. ⎯ É!

⎯ Houve alturas – continuou a boticária, ignorando a intromissão – em que os camponeses a utilizavam para se esconderem. Aliás, foi assim que se salvou muita gente durante as invasões francesas.

⎯ E se salvaram também muitos criminosos! – prosseguiu o homem. ⎯ Gente ruim que assaltava os aldeões e depois se refugiava na serra.

⎯ Diga lá, Sr. António. De que é que precisa? Do remédio para os calos, não é? – inquiriu a boticária, tentando despachar o camponês.

⎯ O que eu preciso é que a senhora não defenda a Eremita! Essa mulher é louca e nunca fez bem a ninguém! E se este é o Ano das Bruxas, é tudo por causa dela! É de más carnes. Nem os lobos a querem comer!

⎯ Tome, tome! – insistiu a boticária. ⎯ Leve o seu medicamento. Mas não se esqueça: quando se sentir melhor, agradeça-o à Eremita!

⎯ Ninguém tem nada que agradecer a essa bruxa. Ela é que tem de nos agradecer a nós por ainda não a termos expulsado da nossa serra. E faça o favor de meter isto na conta! – pediu o homem, em voz muito alta.

Agarrou no pacote que a boticária lhe estendeu, puxou a boina para a frente e saiu pela porta fora.

⎯ Que simpatia de homem! – riu André. ⎯ Bem, temos de nos despachar. O Gaspar…

⎯ O Gaspar que espere ⎯ disse Maria, interrompendo-o. ⎯ Ele falou no Ano das Bruxas… A que se referia? - perguntou, curiosa, roendo a unha do dedo mindinho.

⎯ Disparates! – afirmou a boticária. ⎯ Só disparates. Coisas antigas que as pessoas ignorantes não esquecem.

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⎯ E que coisas antigas são essas? – insistiu a rapariga. ⎯ Bem… - balbuciou a senhora, hesitante. ⎯ Nada,

esqueçam. Não é importante. ⎯ Vá lá! – implorou Maria. ⎯ Não nos vai deixar sair

daqui a morrer de curiosidade, pois não? ⎯ Que curiosos vocês me saíram! Estas histórias estão

melhor esquecidas do que relembradas… Os primos encresparam a testa e os lábios, fazendo uma

cara de cachorrinhos entusiasmados tão ternurenta que a boticária não resistiu.

⎯ Pronto, está bem. Conto-vos um bocadinho da história da Eremita – e saiu detrás do balcão para correr as cortinas da porta de entrada.

Os jovens apreciaram o gesto. Assim não teriam mais clientes para os interromper. Além disso, a atmosfera particular tornava o relato muito mais convidativo.

⎯ Conta-se que a Eremita vem de uma família muito antiga, os Vaz, uma das primeiras que para aqui veio, no séc. XIII. Na altura, Castelo Novo ainda se chamava Alpreada.

“Era uma família cristã, gente de bom coração, que fazia caridade e ajudava os pobres. Ao longo dos tempos foi-se tornando muito rica e influente e por isso passou a ser invejada pelos criados e aldeões. Os azares começaram aí.”

“Quando mais tarde, no séc. XIV, o clero, a aristocracia e os reis portugueses seguiram o exemplo da Espanha e iniciaram a perseguição aos judeus, a inveja dos aldeões levou-os a acusarem a família Vaz de ser judaica. O facto de terem um nome que muitos cristãos-novos adoptavam não os ajudou. Ninguém os defendeu, mesmo quem os conhecia desde sempre e sabia que as acusações eram falsas.”

“A maior parte dos membros da família fugiu. Alguns, porém, permaneceram, mas sentiam-se traídos pelos vizinhos. Receando novas acusações, acabaram por se afastar deles e passaram a viver no meio da serra.”

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⎯ Mas essa história do Ano das Bruxas… ⎯ É como vos digo: são só disparates – interrompeu a

boticária. “Ao longo dos séculos, geração após geração, a família

continuou a viver na serra, sem nunca regressar à aldeia. Nunca desciam à povoação e viviam daquilo que a serra lhes dava, aprendendo a conhecer bem a natureza ao seu redor. Tornaram-se famosos na região e muito solicitados por gente à cata de ervas medicinais e mezinhas várias. Porém, com o passar dos tempos, os aldeões mais incultos habituaram-se a dizer que a família estava amaldiçoada, que alguém lhes tinha deitado um mau-olhado.”

⎯ Amaldiçoada? Mas porquê? – perguntou André. ⎯ Porque os azares os acompanhavam sempre. Durante

os séculos seguintes, com a Inquisição e o Tribunal do Santo Ofício, a família voltou a sofrer acusações injustas, desta vez de bruxaria e feitiçaria.

⎯ É incrível como as pessoas podem ser tão más umas para as outras… - murmurou Maria, emocionada.

⎯ Pois é – concordou a boticária, também ela com ar abalado. ⎯ Sobretudo quando se acusa uma família de tradição religiosa tão antiga, de ter um pacto com o diabo…

⎯ São as invejas – disse Ana. ⎯ Lembro-me de ter visto um filme sobre isso: muitas famílias eram acusadas por outras só por serem mais ricas, ou por terem algo que interessava aos acusadores. E a Inquisição aproveitava-se disso.

⎯ É verdade. O que vale é que, em Portugal, a Inquisição raramente queimava as pessoas acusadas de bruxaria. Era mais frequente que fossem repreendidas à frente da população. Sabendo disto, algumas feiticeiras até faziam de propósito para serem apanhadas pelos inquisidores, porque no dia seguinte tinham mais clientes à porta.

“Hoje pensa-se que a Eremita seja o último elemento da família Vaz. Vive no interior da serra, para os lados da Senhora da Penha. Como continua a abastecer a aldeia de

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ervas medicinais, algumas pessoas, como o Sr. António, insistem em dizer que é bruxa.”

⎯ Parece que os azares ainda não acabaram… ⎯ Pois não. Quando sucede algo estranho na aldeia, a

culpa é sempre da Eremita. Nem que seja uma trovoada muito forte, ou um mau ano de colheitas! Imaginem o disparate. Mas esqueçam esta história e não dêem ouvidos às más-línguas.”

Ana, porém, não fazia tenção de deixar o assunto por ali. “Onde há fumo, há fogo”, pensou, enquanto observava os frascos nas prateleiras. “Se este é o Ano das Bruxas, vai ser mesmo por aí que iniciaremos as nossas investigações. Castelo Novo deve estar cheio de segredos!”

Estava entretida nestes pensamentos quando foi interrompida pela boticária, que a observava com interesse ao ver onde a rapariga fixara o olhar:

⎯ Beladona… Uma planta encantadora, mas uma das mais perigosas!

O frasco tinha o símbolo das colheitas da Eremita. Na etiqueta lia-se:

Atropa belladonna

⎯ É extremamente tóxica – explicou a senhora, enquanto

subia a um banquinho de madeira e pegava no frasco em questão. ⎯ Basta uma pequena dose para provocar o estado

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de coma, ou mesmo a morte. Até indirectamente se chega a sofrer os efeitos do veneno, se se comerem animais que ingeriram as suas bagas.

Os primos aproximaram-se do balcão e alongaram os narizes na direcção daquela substância mortífera.

A boticária levantou a tampa e mostrou-lhes o conteúdo. ⎯ Não lhe toques! – gritou sobressaltada, ao ver a mão

de André a aproximar-se. ⎯ As substâncias tóxicas também são absorvidas através da pele!

⎯ Caramba! – disse André assustado, passando a mão pelos cabelos para dissimular o gesto atrevido. ⎯ Mas se é assim tão perigosa, porque é que a tem aqui dentro?

⎯ Como muitas outras plantas venenosas, a beladona também tem usos medicinais – esclareceu a boticária. ⎯ O seu nome vem de Itália. Conta-se que antigamente as senhoras italianas punham gotas de beladona nos olhos para os tornarem mais atraentes, aumentando as pupilas.

⎯ Não me parece uma coisa muito inteligente - murmurou André, pouco convencido da eficiência de semelhante “uso medicinal”.

⎯ Tens razão. Não é propriamente para experimentar em casa. O efeito deve-se à atropina, uma substância hoje usada pelos oftalmologistas para dilatar a pupila. Ajuda muito nas operações aos olhos. De qualquer forma não está à venda. Só a tenho aqui para exposição.

⎯ E já agora, quais são os efeitos maléficos do veneno? – perguntou Ana, fascinada com tudo aquilo.

⎯ Vómitos, náusea, delírio e alucinações, cegueira, palpitações, paralisia, garganta seca…

⎯ Garganta seca… - sussurrou André. Pela expressão atónita estampada na sua cara, via-se que

o elenco aterrorizante tinha surtido efeito. ⎯ Deve ser mesmo muito doloroso – continuou,

engolindo em seco. ⎯ Lembra-me da razão pela qual aqui viemos.

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⎯ Ah, sim! É claro. O xarope para a tosse. Tenho aqui um que é óptimo. Só com ingredientes naturais, claro.

⎯ Que ervas daninhas é que tem lá dentro? ⎯ Ervas? Não, este não tem ervas – disse ela sem ligar ao

adjectivo usado por André. ⎯ É um xarope de caracol. Ana e Maria trocaram olhares com o primo. Teriam

ouvido bem? ⎯ De caracol? – interrogou o rapaz entre dentes. ⎯

Daqueles que põem os pauzinhos ao sol? As irmãs deixaram escapar um risinho. ⎯ Pois, desses mesmo. Trata-se, mais precisamente, de

um extracto de mucosa de caracol, Mucus Helicis Pomatiae – e estendeu a embalagem ao rapaz.

⎯ Com que então, mucosa, eh?!… - disse ele, lendo a informação da caixa. ⎯ Também conhecida, cá pelos leigos, como ranho.

⎯ É aromatizado com sumo de framboesas – assegurou a boticária, ignorando-o. ⎯ E olhem que faz muito bem!

⎯ Imagino… mas se calhar levávamos qualquer coisa mais tradicional. Tipo eucalipto…

⎯ Compreendo. Então experimentem este xarope de própolis. É um antibiótico natural produzido pelas abelhas…

⎯ Muito melhor! – aprovou André. ⎯ … as abelhas também o usam para embalsamar os

corpos mortos dos intrusos que não conseguem transportar para fora da colmeia. Talvez por isso os egípcios o usassem para embalsamar cadáveres.

⎯ Ah… que imagem agradável – interrompeu André já às voltas com o estômago e entregando o dinheiro à senhora. ⎯ Tenho a certeza de que o Gaspar vai ter isso em consideração quando tomar o xarope. Então muito obrigado… e bom dia!

E saíram.

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* * * ⎯ Que senhora tão culta! – disse Ana, admirada. ⎯ Sabia coisas muito interessantes – concordou a irmã. ⎯ E outras um bocadinho menos… - contrapôs André. Caminhava enquanto lia a embalagem do xarope para

certificar-se de que não continha referências a cadáveres ou práticas de embalsamamento. A última coisa que precisava era de ouvir um sermão do Gaspar.

⎯ Acabou por não nos explicar aquela história do Ano das Bruxas.

⎯ Ah, sim… - disse André, voltando a meter o xarope no saco de plástico. ⎯ Eu já tinha ouvido falar disso. Parece que este ano tem havido muitos incidentes estranhos por estas bandas e coisas que vão para além da simples trovoada ou das colheitas fracas.

⎯ A sério? Conta, conta! – pediu Maria. ⎯ Por exemplo, aqui há tempos, o meu grupo ficou a

trabalhar nas ruínas do castelo até mais tarde do que o habitual. Tínhamos acabado de descobrir indícios muito importantes de um incêndio enorme que destruiu o castelo no séc. XIV.

⎯ Ena, que grande sorte! – disse Ana. ⎯ Estávamos tão entretidos com o sucesso das

escavações que continuámos a trabalhar mesmo depois de o Sol se pôr, à luz de lanternas e archotes. O que não esperávamos é que o sino da Torre do Relógio a certa altura começasse a tocar. Imaginem o susto! Mesmo por cima de nós e àquela hora!...

“Assustámo-nos tanto que um dos meus companheiros, distraído a trabalhar na muralha este, caiu num buraco e partiu uma perna. Outro, responsável pela limpeza da torre de menagem, no topo oeste, desequilibrou-se e veio a rebolar pela rocha abaixo, arranhando-se todo e partindo um braço. Um dos chefes dos escuteiros, Simão, quis levá-los de carro

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até ao hospital mais próximo, mas teve dois furos no caminho, um a seguir ao outro, e foi obrigado a chamar uma ambulância. Como se tal não bastasse, e apesar do sol que tinha estado durante o dia, veio um temporal inesperado que deitou algumas árvores abaixo, bloqueando a estrada. O resultado é que só chegaram ao hospital três horas mais tarde.

⎯ Ena, que grande azar! – disse Maria imitando a irmã. ⎯ O Gaspar, que já aqui está desde Outubro do ano

passado, disse-nos tratar-se, sem dúvida, de mais um desastre do Ano das Bruxas. Quando lhe perguntámos o que é que queria dizer com aquilo, mudou de assunto e recusou-se a explicar.

⎯ Acham que a Eremita tem alguma coisa a ver com tudo isto? – perguntou Maria.

⎯ Claro que não! – cortou a irmã muito depressa. ⎯ Não me digas que acreditas nessas parvoíces?

⎯ Como se costuma dizer: «Eu não acredito em bruxas, mas que as há, há!»

⎯ Há, mas não têm poderes para provocar acidentes estranhos. As bruxas são pessoas que conhecem a natureza e usam os elementos da Terra para o bem. A Eremita não tem nada a ver com os acidentes deste misterioso Ano das Bruxas.

⎯ A boticária disse que vivia na serra. E se fôssemos à procura dela? Assim podíamos tirar as teimas!

⎯ Mas primeiro temos de ir levar o xarope ao Gaspar… - lembrou André.

⎯ Se ele souber que vamos à procura da Eremita, talvez não nos deixe ir.

⎯ Então o xarope vai ter de ficar para depois! – disse Maria. ⎯ Já que esperou duas semanas, mais umas horas não lhe vão fazer diferença!

* * *

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Os três jovens prosseguiram pela Rua da Gardunha e finalmente saíram pelo nordeste da aldeia, enfiando-se pela serra dentro. As cores do Outono tornavam-na tão especial que lhes dava a impressão de entrar na tela de um pintor, onde o verde das árvores de folha perene se contrapunha ao laranja das árvores de folha caduca. E o aroma das plantas e da terra húmida fazia-os abrir as narinas e respirar fundo, com gosto.

Subiram durante algum tempo pela encosta rochosa da serra, por caminhos traçados pelos pastores da montanha, na orla da floresta. À direita, a vegetação era parca, com muitas rochas. À esquerda, os castanheiros e carvalhos roubavam a luz do Sol aos arbustos mais baixos.

De vez em quando viam velhos abrigos, destruídos ou abandonados. Outras vezes avistavam lebres e coelhos que fugiam para dentro das tocas, pouco habituados aos distúrbios de exploradores curiosos.

Sabiam bem onde ficava a Senhora da Penha pois o ponto mais alto da Serra da Gardunha era visível de qualquer lugar. Mas quando lá chegaram não lhes pareceu possível que a Eremita ali pudesse habitar. Para além de um pequeno santuário, não havia praticamente nada a não ser rochas e mais rochas.

⎯ Não acredito que viva aqui! Não há nenhuma casa num raio de cem metros! – declarou André.

⎯ Será que passámos por ela sem darmos conta? ⎯ Vínhamos com tanta atenção! Duvido que nos tivesse

escapado. ⎯ Eu bem achei estranho que a Eremita vivesse “para os

lados da Senhora da Penha” – esclareceu o rapaz, com ar de quem se prepara para dar uma explicação sábia. ⎯ Se é uma eremita a sério, a última coisa que quer é ser avistada pelos aldeões.

⎯ Sobretudo quando faz as suas fogueiras de bruxaria! – sugeriu Maria, voltando a descer a encosta, na direcção da

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aldeia. ⎯ Lá vem ela com a mesma história… - protestou Ana. ⎯ Ai sim? - perguntou a irmã, que ainda conseguira

ouvir o comentário. Estava agora ao pé de uma série de rochas que

circundava, aos pulinhos. ⎯ E isto o que é? Hã? Tinha-se afastado bastante de Ana e André que a

olhavam de longe, curiosos, ao observar a sua cara de triunfo. ⎯ O que é que encontraste? – perguntou o primo,

aproximando-se. ⎯ Uhau! Parece uma pegada! – exclamou Ana, juntando-

se aos outros. ⎯ Que olho de lince! ⎯ Para dizer a verdade, pareceu-me ver um vulto a

passar por aqui quando estávamos lá em cima, por isso vim a correr. Talvez fosse um animal, não deu para perceber…

⎯ Ou talvez fosse a Eremita! – sugeriu a irmã, perscrutando a área em redor.

⎯ Esperem lá… isto não parece um monte de lenha que alguém andou a juntar? – perguntou André, aproximando-se da orla da floresta.

⎯ Tens razão – concordou Ana. ⎯ O vulto que viste não era de nenhum animal…

⎯ A não ser que se trate de um pássaro gigante que ande a juntar pauzinhos para fazer o ninho…

⎯ Pois, pois. Muito divertido. Ficaram em silêncio durante alguns segundos, sempre

alerta. Se realmente andasse ali alguém a juntar lenha, já teria dado conta deles. Era provável que até os estivesse a observar.

De repente, ouviram um pau a estalar, como se alguém tivesse acabado de o pisar. Foi como se lhes dessem o sinal de partida. Correram na direcção do ruído, que parecia vir detrás de um enorme penedo.

Quando deram a volta à fraga viram uma velhinha vestida de preto, de lenço na cabeça, agachada ao lado de um

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fardo de lenha. Era óbvio que se queria esconder. Ana, Maria e André não sabiam o que dizer, ou fazer. A velhinha desatou a rir, numa gargalhada sonora e

contagiante, cheia de ihihihihs, que os primos depressa imitaram, perdida de riso, como se lhe tivessem contado a anedota mais divertida da sua vida.

“Será ela a Eremita? Pode não ser bruxa, mas tem um riso muito peculiar. Seria louca?”, pensou Maria, recordando as palavras do camponês.

⎯ Sim, sou eu a Eremita – disse por fim, entre soluços hilariantes, como se adivinhasse o pensamento da rapariga. ⎯ E como tal, não é suposto cruzar-me com outras pessoas. Por isso é que me estava a esconder. Mas vocês fizeram-me rir. Já não me lembro da última vez que ri assim tanto! Há muitos anos que não falava com ninguém.

⎯ Olá, eu sou o André… - disse o rapaz, apresentando-se. ⎯ Mas não costuma levar as ervas à boticária?

⎯ Ah, então foi ela que vos disse onde eu vivia… Não, não lhas entrego pessoalmente. O acordo é que lhas deixo num local seguro. Um buraco numa parede de pedra, à entrada da aldeia.

⎯ Ah, estou a ver… E a boticária deixa-lhe o dinheiro do pagamento no mesmo buraco, não é?

⎯ Dinheiro? Ih, ih! Mas para que é que eu quero o dinheiro? - respondeu, divertida. ⎯ Não, o pagamento não é em dinheiro. Costuma deixar-me farinha e outras coisas que me dão jeito. E o que é que vocês andam por aqui a fazer?

⎯ Viemos à sua procura – respondeu Maria muito depressa.

⎯ Ouvimos falar nos desastres do Ano das Bruxas e das acusações que lhe têm feito e decidimos vir falar consigo. É claro que não acreditamos em nada daquilo! – explicou Ana.

⎯ O Ano das Bruxas… - murmurou a Eremita. Os primos viram o sorriso alegre desaparecer-lhe da face.

Era evidente que a história não lhe tinha agradado.

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⎯ O que é que essa gente quer agora de mim? Já não lhes bastam todos estes séculos de perseguição? - respondeu, amargurada.

André começou a juntar de novo a lenha da Eremita. ⎯ Obrigada – agradeceu ela comovida. ⎯ Também não

me lembro da última vez que alguém me ajudou sem eu lhe pedir…

⎯ Se quiser até lha levo a casa – ofereceu-se André. A Eremita olhou-os, desconfiada. Analisou bem a cara de

cada um e depois lá se resolveu a confiar neles. ⎯ Está bem. Já que vieram de tão longe à minha procura,

levo-vos ao meu retiro – concedeu. ⎯ Não me querem levar também aquele outro montezinho de lenha? Apanho-a aqui porque está mais seca, pronta para arder.

Ana e Maria precipitaram-se para a pequena carga, felicíssimas da vida por poderem visitar o retiro da Eremita.

Afastaram-se da Senhora da Penha e meteram pela floresta dentro. Caminharam durante cerca de dez minutos, numa mata cerrada e escura. Perguntavam-se se conseguiriam regressar ali mais tarde, sem ajuda. Era difícil memorizar pontos de referência. As árvores pareciam todas iguais e não se vivam rochas de formatos e tamanhos particulares, ou quaisquer trilhos.

Finalmente chegaram a uma pequena clareira delimitada por quatro grandes penedos a formar um quadrado. No meio destes alguém tinha construído um abrigo com muros de pedras sobrepostas e um telhado de colmo. A entrada do

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retiro era constituída por três blocos de granito, dois ao alto e um que se lhes sobrepunha, formando um rectângulo. Uma porta de madeira velha vedava o espaço intercalar.

⎯ É só por causa das raposas – justificou-se a Eremita. ⎯ Se não fosse por elas nem precisava de porta…

Os primos nem queriam acreditar. Estavam diante de um verdadeiro retiro de uma eremita, no meio da serra, num ambiente singular, envolto em segredos e histórias misteriosas.

Era quase meio-dia, mas a Lua já se vislumbrava por cima do telhado, em quarto crescente, enigmática, intensificando aquela curiosa atmosfera.

Ana reparou no símbolo esculpido na rocha, por cima da porta. Era o mesmo que vira nos frascos da boticária. O símbolo da Eremita. Estava morta por saber o que significava.

Maria, reparando num caldeirão colocado no meio de uma fogueira apagada, à frente do retiro, fez sinal à irmã e ao primo.

A Eremita estava nessa altura de costas, pronta para abrir a porta, mas deteve-se por instantes, dizendo sem se virar:

⎯ É nessa panela de ferro que faço os meus chás medicinais. Cá dentro – disse, entrando no casebre – não tenho muito espaço e a luz é pouca.

Maria arregalou os olhos, amedrontada. Era a segunda vez que a Eremita lhe lia o pensamento. Se não era bruxa, era certamente adivinha!

Os primos seguiram-na para dentro do recinto, levando alguns momentos a habituar os olhos à escuridão.

⎯ A lareira aqui dentro só serve para aquecer e cozinhar. A propósito, querem um chazinho? – e riu-se, enquanto acendia a lareira.

Os jovens não responderam. Não sabiam o que dizer. Se recusassem, talvez a ofendessem. Mas aceitar também não lhes parecia uma boa ideia. Sobretudo depois de verem uma série de papéis colocados por debaixo de vários frascos de

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ervas, cada um deles com aquilo que lhes pareciam ser rezas. Pelos títulos, a maior parte era destinada a combater problemas de saúde, como entorses, borbulhas, cravos e verrugas. Mas algumas tinham cabeçalhos mais sinistros, do tipo “contra o mau-olhado”, ou “para amansar crianças bravas”, ou ainda “contra cães raivosos”. Começavam a ter uma certa dificuldade em acreditar que a Eremita não era uma bruxa.

⎯ Com que então vieram à minha procura? E agora que me encontraram, o que é que vão fazer? Vão contar a toda a gente onde vivo?

⎯ Bem, gostávamos de a conhecer melhor – explicou Ana, com delicadeza. ⎯ Como lhe disse, não acreditamos nessas histórias de bruxas que contam na aldeia…

⎯ Talvez devessem acreditar – sussurrou a Eremita, preparando-se para fechar a porta.

Contudo, o gesto ficou-lhe a metade pois o pé de um intruso bloqueou-a, impedindo-a de fechá-la.

⎯ Talvez devessem mesmo acreditar – disse o intruso, com uma pronúncia conhecida.

Os primos levantaram-se de repente das bancas onde entretanto se tinham sentado, à volta da lareira. Reconheciam perfeitamente a voz masculina, de pronúncia estrangeira, mas não percebiam por que razão se encontrava ali.

⎯ Gaspar… - murmurou André. ⎯ Seja bem vindo – interrompeu a Eremita, convidando

Gaspar a entrar. ⎯ Bem vindo, uma ova! – vociferou o canadiano,

permanecendo de fora. ⎯ Façam o favor de sair deste antro de feitiçaria! O que é que estão aqui a fazer?

⎯ Bem… nós… - iniciou Maria, mas não conseguiu terminar a frase pois Gaspar interrompeu-a.

⎯ Saiam! Já vos disse! E dá-me esse xarope! – bradou, arrancando o pacote das mãos de André e começando a tossir. ⎯ Não vos tinha dito para não se demorarem?

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⎯ Sim… mas… ⎯ Nem mas, nem meio mas! – insistiu o chefe de

escuteiros. André olhou-o com curiosidade. Sempre tivera

dificuldade em determinar a sua idade. Podia ter entre trinta a cinquenta anos. Vestia-se como um jovem, com calças de ganga escuras, t-shirts e ténis modernos, mas tinha um aspecto envelhecido, com várias rugas na cara e nas mãos. Tinha sobretudo uma quantidade de cabelos brancos exagerada que quase pareciam ter sido pintados de propósito.

⎯ Esta mulher é louca e perigosa! – vociferou Gaspar, enquanto fazia os primos sair do abrigo. ⎯ Todos os problemas que têm ocorrido nesta região são provocados por ela. É ela a responsável pelo Ano das Bruxas!

Os primos foram descendo a encosta da serra, em direcção à aldeia. Gaspar seguia atrás deles. A Eremita ficara à porta do retiro, observando-os com ar sábio, mas triste.

André apercebeu-se da sua consternação e acenou-lhe, de longe.

Gaspar obrigou-o a voltar-se para a frente, resmungando qualquer disparate sobre feitiçarias, enquanto tossia. Lembrou-se do xarope que tirara a André e abriu-o, bebendo um gole directamente pelo frasco.

⎯ E este é o teu chefe de escuteiros? – sussurrou Maria, perplexa.

⎯ Mas não tinhas dito que estava de cama? – perguntou Ana.

⎯ Sabem que mais? Só me arrependo de uma coisa: de não ter comprado o xarope de ranho de caracol!

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