os precedentes judiciais como ferramenta de segurança jurídica

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IV CONGRESSO NACIONAL DA FEPODI DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL LIVIA GAIGHER BOSIO CAMPELLO MARIANA RIBEIRO SANTIAGO

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IV CONGRESSO NACIONAL DA FEPODI

DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL

LIVIA GAIGHER BOSIO CAMPELLO

MARIANA RIBEIRO SANTIAGO

Copyright © 2016 Federação Nacional Dos Pós-Graduandos Em Direito

Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados sem prévia autorização dos editores.

Diretoria – FEPODI Presidente - Yuri Nathan da Costa Lannes (UNINOVE) 1º vice-presidente: Eudes Vitor Bezerra (PUC-SP) 2º vice-presidente: Marcelo de Mello Vieira (PUC-MG) Secretário Executivo: Leonardo Raphael de Matos (UNINOVE) Tesoureiro: Sérgio Braga (PUCSP) Diretora de Comunicação: Vivian Gregori (USP) 1º Diretora de Políticas Institucionais: Cyntia Farias (PUC-SP) Diretor de Relações Internacionais: Valter Moura do Carmo (UFSC) Diretor de Instituições Particulares: Pedro Gomes Andrade (Dom Helder Câmara) Diretor de Instituições Públicas: Nevitton Souza (UFES) Diretor de Eventos Acadêmicos: Abimael Ortiz Barros (UNICURITIBA) Diretora de Pós-Graduação Lato Sensu: Thais Estevão Saconato (UNIVEM) Vice-Presidente Regional Sul: Glauce Cazassa de Arruda (UNICURITIBA) Vice-Presidente Regional Sudeste: Jackson Passos (PUCSP) Vice-Presidente Regional Norte: Almério Augusto Cabral dos Anjos de Castro e Costa (UEA) Vice-Presidente Regional Nordeste: Osvaldo Resende Neto (UFS) COLABORADORES: Ana Claudia Rui Cardia Ana Cristina Lemos Roque Daniele de Andrade Rodrigues Stephanie Detmer di Martin Vienna Tiago Antunes Rezende

ET84

Ética, ciência e cultura jurídica: IV Congresso Nacional da FEPODI: [Recurso eletrônico on-line]

organização FEPODI/ CONPEDI/ANPG/PUC-SP/UNINOVE;

coordenadores: Livia Gaigher Bosio Campello, Mariana Ribeiro Santiago – São Paulo:

FEPODI, 2015.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-143-2

Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Ética, ciência e cultura jurídica

1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Congressos. 2. Ética. 3. Ciência. 4.

Cultura jurídica. I. Congresso Nacional da FEPODI. (4. : 2015 : São Paulo, SP).

CDU: 34

www.fepodi.org

IV CONGRESSO NACIONAL DA FEPODI

DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL

Apresentação

Apresentamos à toda a comunidade acadêmica, com grande satisfação, os anais do IV

Congresso Nacional da Federação de Pós-Graduandos em Direito – FEPODI, sediado na

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –PUC/SP, entre os dias 01 e 02 de outubro de

2015, com o tema “Ética, Ciência e Cultura Jurídica”.

Na quarta edição destes anais, como resultado de um trabalho desenvolvido por toda a equipe

FEPODI em torno desta quarta edição do Congresso, se tem aproximadamente 300 trabalhos

aprovados e apresentados no evento, divididos em 17 Grupos de Trabalhos, nas mais

variadas áreas do direito, reunindo alunos das cinco regiões do Brasil e de diversas

universidades.

A participação desses alunos mostra à comunidade acadêmica que é preciso criar mais

espaços para o diálogo, para a reflexão e para a trota e propagação de experiências,

reafirmando o papel de responsabilidade científica e acadêmica que a FEPODI tem com o

direito e com o Brasil.

O Formato para a apresentação dos trabalhos (resumos expandidos) auxilia sobremaneira este

desenvolvimento acadêmico, ao passo que se apresenta ideias iniciais sobre uma determinada

temática, permite com considerável flexibilidade a absorção de sugestões e nortes, tornando

proveitoso aqueles momentos utilizados nos Grupos de Trabalho.

Esses anais trazem uma parcela do que representa este grande evento científico, como se

fosse um retrato de um momento histórico, com a capacidade de transmitir uma parcela de

conhecimento, com objetivo de propiciar a consulta e auxiliar no desenvolvimento de novos

trabalhos.

Assim, é com esse grande propósito, que nos orgulhamos de trazer ao público estes anais

que, há alguns anos, têm contribuindo para a pesquisa no direito, nas suas várias

especialidades, trazendo ao público cada vez melhores e mais qualificados debates,

corroborando o nosso apostolado com a defesa da pós-graduação no Brasil. Desejamos a

você uma proveitosa leitura!

São Paulo, outubro de 2015.

Yuri Nathan da Costa Lannes

OS PRECEDENTES JUDICIAIS COMO FERRAMENTA DE SEGURANÇA JURÍDICA, IGUALDADE E ACESSO À JUSTIÇA NO SISTEMA JURÍDICO

BRASILEIRO.

THE JUDICIAL PRECEDENTS AS TOOL OF JURIDICAL SAFETY, EQUALITY AND ACCESS TO THE JUSTICE IN THE BRAZILIAN JURIDICAL SYSTEM.

Roberto da Freiria EstevãoThais Estevão Saconato

Resumo

Trata-se de trabalho fruto de pesquisa bibliográfica relacionada à teoria dos precedentes

judiciais no sistema jurídico brasileiro, mais especificamente da importância dos precedentes

para a garantia da segurança jurídica, da igualdade e do acesso à justiça. Inicialmente, aborda-

se o conceito de precedentes e suas características. Na sequência, alude-se sobre a

importância da jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro e na fundamentação das

decisões dos magistrados, busca-se apontar a diferença entre jurisprudência e os precedentes,

bem como a necessidade da adoção de ambos como ferramentas garantidoras da efetivação

da segurança jurídica, da igualdade e da justiça na resolução de conflitos no atual cenário

jurídico do país, o que se consolidará com a vigência do Novo Código de Processo Civil, em

março de 2016.

Palavras-chave: Precedentes judiciais, Segurança jurídica, Acesso à justiça

Abstract/Resumen/Résumé

Its about a work resulted from bibliographic research related to the theory of the judicial

precedents in the Brazilian juridical system, more specifically to the importance of the

precedents for the juridical safety's warranty, of the equality and of the access to the justice.

Initially, its approached the concept of precedents and their characteristics. In the sequence it

is mentioned on the importance of the jurisprudence in the Brazilian law and in the reasons

for decisions of the magistrates, its looked for to point the difference between jurisprudence

and the precedents, as well as the need of the adoption of both as tools guaranteeing the

effectiveness of juridical safety, of the equality and of the justice in the resolution of conflicts

in the current juridical scenery of the country, what will consolidate with the validity of the

New Code of Civil Process, in March of 2016.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Judicial precedents, Juridical safety, Access to the justice

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INTRODUÇÃO

O precedente judicial é fruto de uma atividade jurisdicional, e propicia a tomada de

decisões que, inevitavelmente, poderão se tornar modelos de solução de conflitos em

julgamentos de casos futuros semelhantes.

No sistema jurídico brasileiro atual há uma crise em função do excessivo número de

demandas processuais e os infinitos recursos para os tribunais superiores. Isto tem gerado

incerteza do direito, sua imprevisibilidade, causando insegurança jurídica.

A atual ordem constitucional tem dado ênfase aos princípios fundamentais do

Direito. A aproximação do sistema civil law, de origem romano-germânica, adotado pelo

direito brasileiro, ao sistema common law, de origem anglo-saxônica, acarretou a valorização

da jurisprudência como fonte do Direito.

Apesar de certa contrariedade existente, tem crescido diariamente a utilização dos

precedentes judiciais no Brasil, não se podendo mais ignorar tal realidade.

A justiça e a igualdade são fundamentos da vinculação dos precedentes, pois

permitem que casos semelhantes sejam julgados de forma semelhante, evitando a injustiça e a

insegurança jurídica que permeia as decisões judiciais.

Deste modo, a igualdade de decisões em casos iguais e a desigualdade em casos

desiguais, defendida por Aristóteles - que via na figura do juiz o guardião da igualdade e da

justiça -, corrobora a doutrina do precedente.

Por isso, mostra-se oportuno compreender o significado do precedente judicial no

direito brasileiro.

A teoria dos precedentes judiciais ganhou maior destaque com a inclusão do tema no

então projeto do Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei n.º 8.046/2010), atualmente a

Lei 13.105/2015.

Apesar de terem sido retirados do texto da nova lei os artigos que tratavam

especificamente sobre os precedentes, o instituto se acha presente de forma esparsa no novo

Código de Processo Civil.

Assim, a adoção do sistema de precedentes como ferramenta de segurança jurídica,

igualdade e acesso à justiça no cenário jurídico do país será consolidada com a entrada em

vigor do Novo Código de Processo Civil, em março de 2016.

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DESENVOLVIMENTO

No Brasil, com sua tradição romano-germânica, sempre vigorou o sistema do civil

law, já que a lei sempre foi a fonte primária do direito, com fundamento no positivismo

jurídico, conforme expressamente disposto no artigo 5.º, inciso II, da Constituição Federal, de

acordo com o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei”. A partir de tais influências construiu-se um sistema todo escrito.

Ocorre que, nos países que empregam o common law (Inglaterra e Estados Unidos),

foi desenvolvida a doutrina dos precedentes judiciais, que, em regra, possuem força

vinculante (binding authority), fundada no princípio do stare decisis. Ou seja, no stare decisis

há a atribuição de força vinculante das decisões proferidas pelos tribunais superiores aos

tribunais inferiores quando se tratar de casos análogos.

Deste modo, o significado de precedente decorre da consideração do seu conteúdo,

especialmente das partes internas que identificam o que o tribunal realmente pensa acerca de

determinada questão jurídica. Precedente não se confunde com decisão judicial. Só se fala em

precedente quando se tem uma decisão dotada, basicamente, da potencialidade de se firmar

como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados. (MARINONI,

2013, pp. 212-213).

De acordo com o entendimento de Rupert Cross e J.W. Harris (apud WAMBIER,

2009, p. 121), “entende-se que um precedente é um pronunciamento do juiz sobre o direito e

que as questões de fato não integram o precedente. Mas é extremamente importante se dizer

que as decisões devem ser lidas e compreendidas à luz dos fatos.”

Para Didier Jr., Braga e Oliveira (2009, p. 381), precedente judicial pode ser definido

como “a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir

como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos.”

Logo, os precedentes judiciais estão relacionados aos casos concretos que os

originaram, e não podem ser considerados fórmulas abstratas e genéricas.

O precedente orienta as pessoas e obriga os juízes, mas não tem a pretensão de

engessar as relações sociais ou impedir a jurisdição de produzir um direito adequado com a

realidade social, permitindo que o direito se desenvolva à medida que novas situações

litigiosas surjam. (MARINONI, 2013, pp. 212-213).

Neste sentido, as decisões devem acompanhar as transformações sociais e as

exigências da sociedade, colaborando para o progresso e modernização do direito.

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Por isso o precedente não é eterno, devendo sempre se adequar à realidade da

sociedade, quebrando paradigmas.

Nesta esteira, Ovídio Baptista da Silva comenta:

Esse sentido transformador do precedente, através do qual a ordem jurídica

se rejuvenesce, para acompanhar as exigências sociais, permite que as cortes

supremas contribuam para o progresso e constante modernização do Direito,

assegurando-lhe a unidade, função primordial e indispensável a ser exercida

pelas supremas cortes e que as nossas dificilmente poderão exercer em sua

plenitude, assoberbadas como estão por um volume extraordinário,

absolutamente despropositado, de recursos que os torna, por isso mesmo,

questões do exclusivo interesse dos respectivos litigantes. (SILVA, 1999, p.

494).

A expressão em latim stare decisis et non quieta movere (mantenha aquilo que já foi

decidido e não altere aquilo que já foi estabelecido), revela a importância do respeito aos

precedentes e é utilizada para dar nome a teoria do stare decisis, segundo a qual os juízes

estão vinculados às decisões anteriores de casos análogos.

A teoria do stare decisis vincula o Judiciário a casos futuros, sem previsão normativa

expressa acerca desse efeito vinculante (binding effect).

É oportuno anotar que, no common law, a ratio decidendi é a porção do precedente

que tem efeito vinculante, ou seja, obriga os juízes a respeitá-lo nos julgamentos posteriores.

(MARINONI, 2013, p. 220).

Com relação à ratio decidendi no processo civil brasileiro, Luiz Guilherme Marinoni

anota que:

É preciso sublinhar que a ratio decidendi não tem correspondente no

processo civil adotado no Brasil, pois não se confunde com a fundamentação

e com o dispositivo. A ratio decidendi, no common law, é extraída ou

elaborada a partir dos elementos da decisão, isto é, da fundamentação, do

dispositivo e do relatório. (MARINONI, 2013, p. 220).

Luiz Guilherme Marinoni ainda observa que, no common law, as razões de decidir

são importantes porque a decisão, tida como precedente, não diz respeito apenas às partes,

mas sim aos juízes, cuja função é dar coerência à aplicação do direito, e aos jurisdicionados,

que precisam de segurança jurídica e previsibilidade. Prossegue: “o melhor lugar para se

buscar o significado de um precedente está na sua fundamentação, ou melhor, nas razões

pelas quais se decidiu de certa maneira ou nas razões que levaram à fixação do dispositivo.”

(MARINONI, 2013, p. 219).

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As proposições da decisão que não fazem parte da ratio decidendi definem-se como

obiter dictum. Desempenham papel persuasivo e argumentativo fundamental, podendo ser

relevante o seu uso para fundamentação de situações similares.

É relevante mencionar que os efeitos do precedente judicial são extraídos da razão de

decidir, e não de eventual obiter dictum, sendo, por isso, relevante a distinção entre a ratio

decidendi e o obiter dictum de uma decisão.

Logo, o precedente judicial representa importante ferramenta garantidora da

estabilidade e previsibilidade do Direito.

Assim, se bem empregados, os precedentes podem solucionar o problema de

decisões tão conflitantes em casos tão semelhantes, concretizando-se decisões mais céleres e

justas, transformando a jurisdição em uma atividade criativa da norma jurídica do caso

concreto.

Lenio Luiz Streck (2014, apud SANTOS JR.; FRANZÉ, 2014, p. 10) assinala que no

Brasil não há precedentes como ensinado na common law, sendo equívoco pensar que as

súmulas são como os precedentes:

Não basta a edição de uma súmula, por exemplo, para falar-se que o sistema

nacional se aproxima do sistema common law, porque a parte vital daquele

sistema é que os tribunais não podem exarar regras gerais, em abstrato, mas

apenas em função dos fatos da disputa que são trazidos a exame. (SANTOS

JR.; FRANZÉ, 2014, p. 11-12).

Para Danilo Rinaldi dos Santos Jr. e Luís Henrique Barbante Franzé, o Brasil não

tem a tradição de respeitar os precedentes, tratando-se, portanto, de uma questão cultural,

tendo em vista que o próprio ensino jurídico brasileiro não valoriza as decisões dos tribunais,

preferindo as regras à aplicação do direito em casos concretos. (SANTOS JR.; FRANZÉ,

2014, p. 14).

No atual direito brasileiro a coisa julgada material incide apenas sobre o dispositivo

da sentença, não abrangendo os fundamentos. Este limite da coisa julgada material é uma

característica do civil law, no qual os fundamentos têm importância apenas para as partes, ao

contrário do que ocorre no common law, em que os fundamentos tem importância para os

demais jurisdicionados.

Deste modo, a jurisprudência tem funções importantes no ordenamento jurídico

brasileiro, dentre as quais interpretar e delimitar o alcance da lei e adequá-la no tempo, de

acordo com as necessidades da realidade social no momento de aplicação da lei.

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Ela é reflexo do sistema romano-germânico adotado pelo Brasil e, por isso, tem

caráter complementar ao direito vigente, diferente do que ocorre em países de tradição anglo-

saxônica, nos quais as decisões são fontes do direito, formando precedentes vinculantes.

É notório que a jurisprudência tem influenciado os operadores do direito e tem

fundamentado sentenças dos magistrados brasileiros, consolidando posicionamentos e

entendimentos. Porém, ela não é uma manifestação da teoria dos precedentes vinculantes, e

com eles não pode ser confundida, conforme dispõe o jurista Carlos Maximiliano: “Contribui

como precedentes legislativos, para o Direito Consuetudinário; porém não se confunde com

eles, nem com o uso.” (MAXIMILIANO, 1980, p. 187).

Frequentemente as súmulas e jurisprudências são utilizadas sem uma análise

comparativa dos casos, causando confusão entre o real significado da aplicação da

jurisprudência e dos precedentes judiciais. Os trechos de decisões usados fora de contexto,

sem qualquer relação com a situação fática originária, demonstra a crise do sistema jurídico

atual. Já o precedente judicial está relacionado aos fatos de um determinado caso, o que

impossibilita a sua aplicação em casos posteriores a partir da simples verificação da ementa

do julgamento, pois se trata de uma questão jurídica, inseparável do caso que lhe deu origem.

(RAMIRES, 2010, p. 68).

Assim, para que a decisão judicial seja fundamentada em um precedente deve-se

analisar se existe analogia entre os casos.

A liberdade de interpretação dos juízes, calcada no princípio do livre convencimento

motivado do juiz, não pode desestruturar a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões

judiciais.

Um dos direitos fundamentais do cidadão é a segurança, expressa no artigo 5.º da

Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a segurança

jurídica é um direito fundamental, quando do julgamento da ADI 3685/DF.

Gustav Radbruch, filósofo alemão, citado por Gustavo Santana Nogueira, entende

que a justiça, a utilidade e a segurança jurídica são elementos do direito. A justiça é a

igualdade, como tratamento igual de homens e de relações iguais, enquanto a utilidade é a

adequação a um fim. A segurança jurídica “exige positividade do direito: se não se pode

identificar o que é justo, então é necessário estabelecer o que deve ser jurídico, e de uma

posição que esteja em condições de fazer cumprir aquilo que foi estabelecido.”

(RADBRUCH, 2004, p. 108 apud NOGUEIRA, 2013, p. 55).

Ou seja,

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A partir do momento em que não se pode estabelecer a justiça em cada caso

concreto, pelo menos que se dê segurança ao que foi decidido, na presunção

de que a decisão a ser protegida seja a mais justa. Servem as lições não só

como base filosófica da coisa julgada como também como base para a teoria

de vinculação de precedentes. (NOGUEIRA, 2013, p. 55).

A segurança jurídica está vinculada à existência de normas e à sua aplicação de

forma estável e previsível.

O conceito de justiça é algo que vem sendo objeto de estudo desde os tempos

remotos. Entretanto, a teoria que se amolda à doutrina do stare decisis é aquela que vê a

justiça como igualdade:

Com efeito, a partir do momento em que o Tribunal julga um caso

comparando-o com um anterior para que tenham a mesma solução, nos

parece que está tratando a justiça como igualdade, e quem primeiro expôs

essa ideia foi Aristóteles, em seu Ética a Nicômaco. (NOGUEIRA, 2013, p.

59-60).

Ou seja, quando a decisão de um caso é usada como parâmetro à solução de outro

caso análogo, para que ambos tenham a mesma solução, o juiz está aplicando a justiça com

igualdade.

Neste sentido, Aristóteles, em sua obra “Ética a Nicômaco”, define justiça como:

A justiça é aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a

fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo; e de

modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir

injustamente e a desejar o que é injusto. (ARISTÓTELES, 2001, p. 94).

Assim, para Aristóteles o justo é o meio-termo, é o proporcional, e o injusto é o que

viola a proporção. Logo, para ele a justiça pode ser distributiva e corretiva.

A justiça distributiva é aquela que distribui os bens públicos, tendo como ideia

fundamental a igualdade substancial. Cada um recebe aquilo que corresponde aos seus

méritos. A justiça corretiva surge tanto nas transações voluntárias quanto nas involuntárias.

Nesta espécie “a justiça que distribui bens públicos está sempre de acordo com a proporção.

[...] Mas a justiça nas transações entre um homem e outro é efetivamente uma espécie de

igualdade, e a injustiça nessas relações é uma espécie de desigualdade.” (ARISTÓTELES,

2001, p. 101).

Deste modo, quando ocorrem disputas as pessoas recorrem ao juiz. Recorrer ao juiz é

recorrer à justiça, pois as pessoas veem o juiz como um intermediário, um mediador, e

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entendem que, se os litigantes conseguirem o meio-termo, eles obterão o que é justo. “A

natureza do juiz é ser uma espécie de justiça animada.” (ARISTÓTELES, 2001, p. 102).

Então, o papel do juiz é restabelecer a igualdade. O magistrado é um guardião da

justiça e também guardião da igualdade.

Ao falar do papel da lei, Aristóteles estatui que,

A justiça existe apenas entre homens cujas relações mútuas são regidas pela

lei, e a lei existe para os homens entre os quais pode haver injustiça, pois a

justiça legal é a discriminação entre o que é justo e injusto. E, havendo

injustiça entre homens, há também ações injustas (embora a ação injusta

nem sempre resulte em injustiça), e estas consistem em atribuir demais a si

mesmo as coisas boas em si, e muito pouco das coisas más em si. Eis porque

não permitimos que um homem governe, mas sim a lei, visto que um homem

pode governar em seu próprio interesse e tornar-se um tirano.

(ARISTÓTELES, 2001, p. 107).

Assim, Aristóteles tratou com maestria da justiça e da igualdade, e essa igualdade é

um dos fundamentos da vinculação dos precedentes, pois permite que casos semelhantes

sejam julgados de forma semelhante, evitando que o magistrado dê tratamento diferente às

partes e fomente a injustiça. (NOGUEIRA, 2013, p. 62):

Não se busca aqui demonstrar se a decisão utilizada como precedente é justa

ou injusta, mas simplesmente partir de uma premissa inafastável, a saber, a

de que existe um precedente que já julgou um caso anterior e que esse caso

anterior guarda similitudes que justificam a aplicação da regra de direito

deste precedente a casos futuros. (NOGUEIRA, 2013, p. 62).

Demandas iguais não podem ter soluções diferentes. Logo, a noção de justiça

redunda em um critério de isonomia, no qual são ofertadas às partes igualdade de condições.

Deste modo, a teoria aristotélica de justiça, que vê na figura do juiz o guardião da

igualdade e da justiça, corrobora a doutrina do precedente, que é fundamentada na igualdade

substancial, defendida pelo filósofo ao permitir que casos diferentes recebam soluções

distintas. (NOGUEIRA, 2013, p. 63).

Portanto, o direito à igualdade deve ser efetivado pelos poderes Legislativo,

Executivo e Judiciário, tendo em vista que tal direito pode ser entendido como igualdade

perante a lei e igualdade na aplicação da lei, e o sistema de precedentes judiciais é uma

ferramenta importante na efetivação desse e de outros direitos fundamentais.

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CONCLUSÃO

Com a valorização da jurisprudência como fonte do direito brasileiro houve a

adoção, ainda que tímida, dos precedentes no direito brasileiro.

Porém, ainda não há proposições bem definidas, carecendo-se de alterações

legislativas para que seja conferido tratamento sistemático e harmônico ao assunto.

Daí a importância do sistema de precedentes, que, se bem empregado, pode

solucionar o problema de decisões tão divergentes em casos tão semelhantes.

Diante dessa nova realidade dos precedentes judiciais, com o advento do Novo

Código de Processo Civil, resta uma esperança de ver a justiça sendo efetivada por meio de

uma concreta e devida aplicação do direito, com o respeito às decisões já empregadas em

casos solucionados, ressaltando a força vinculante destas para os juízes que irão se manifestar

em casos semelhantes tendo tais decisões como parâmetros, concretizando-se decisões mais

céleres e justas, sem que o Direito deixe de evoluir de modo construtivo.

Assim, compete ao legislador brasileiro acompanhar a evolução constante da

sociedade e proporcionar meios necessários ao acesso à justiça e à isonomia. Compete,

também, aos construtores do direito utilizar as ferramentas disponíveis para solucionar a crise

de eficácia do direito brasileiro e garantir a valorização dos princípios fundamentais, da

segurança jurídica e do acesso à justiça.

Portanto, visualiza-se que o sistema de precedentes é uma poderosa ferramenta para

equalizar as decisões judiciais em casos semelhantes e eliminar a insegurança jurídica que

hoje permeia o sistema jurídico brasileiro.

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