os prazos nas medidas de segurança

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1 OS PRAZOS NAS MEDIDAS DE SEGURANÇA E A ADOÇÃO DO SISTEMA VICARIANTE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO Caio Margon Ribeiro da Cunha Graduando pela Universidade Federal de Uberlândia Sumário: Introdução – 1. A evolução da aplicação de medida segurança – 1.1 Influência da Escola Positiva nas medidas de segurança – 1.2 Consolidação das medidas de segurança – 1.3 Evolução das medidas de segurança no Brasil – 2. Comparações entre pena e medida de segurança – 3. Sistemas de aplicação de medida de segurança – 4.Espécies de medida de segurança no Brasil – 5. Locais de internação e tratamento – 6. Prescrição das medidas de segurança – 7. Duração das medidas de segurança – 8. Exame de verificação da cessação de periculosidade – 8.1 Desinternação ou liberação condicional – 9. Princípios penais aplicados às medidas de segurança Resumo: O presente trabalho está localizado no tema de medidas de segurança, demonstrando sua evolução ao longo do tempo no mundo e no Brasil, além de pontos importantes da teoria, como os princípios inerentes à medida de segurança e a comparação desta com a pena. Nele, objetiva-se discutir o completo afastamento do duplo binário e adoção vicariante em relação às medidas de segurança no atual Código Penal brasileiro, no qual

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Os prazos das medidas de segurança vistos sob a perspectiva dos direitos humanos e sob o caráter social da pena.

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1

OS PRAZOS NAS MEDIDAS DE SEGURANÇA E A ADOÇÃO DO

SISTEMA VICARIANTE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Caio Margon Ribeiro da Cunha

Graduando pela Universidade Federal de Uberlândia

Sumário:

Introdução – 1. A evolução da aplicação de medida segurança – 1.1

Influência da Escola Positiva nas medidas de segurança – 1.2 Consolidação das

medidas de segurança – 1.3 Evolução das medidas de segurança no Brasil – 2.

Comparações entre pena e medida de segurança – 3. Sistemas de aplicação de

medida de segurança – 4.Espécies de medida de segurança no Brasil – 5. Locais de

internação e tratamento – 6. Prescrição das medidas de segurança – 7. Duração das

medidas de segurança – 8. Exame de verificação da cessação de periculosidade –

8.1 Desinternação ou liberação condicional – 9. Princípios penais aplicados às

medidas de segurança

Resumo:

O presente trabalho está localizado no tema de medidas de segurança,

demonstrando sua evolução ao longo do tempo no mundo e no Brasil, além de

pontos importantes da teoria, como os princípios inerentes à medida de segurança e

a comparação desta com a pena. Nele, objetiva-se discutir o completo afastamento

do duplo binário e adoção vicariante em relação às medidas de segurança no atual

Código Penal brasileiro, no qual há a proibição de acumular pena restritiva de

liberdade com medida de segurança. Além disso, vem à tona o debate acerca da

constitucionalidade de aplicação de medida de segurança por tempo indeterminado,

o qual tem instigado várias discussões entre renomados juristas, levando à

comparação entre a natureza e as consequências de pena e medida de segurança.

Palavras-chave:

2

Periculosidade - Semi-imputáveis e inimputáveis – Sistema vicariante – Prazo

ilimitado – Lei de Execução Penal

Introdução

As medidas de segurança são de enorme valia para o Direito Penal em todo o

mundo, tendo função diferente da pena, apesar de ambas terem suas semelhanças.

É preciso entender seu modo de aplicação e suas regras específicas para

reconhecer suas vantagens e desvantagens para o ordenamento jurídico brasileiro,

e, consequentemente, para a sociedade em geral.

1. A evolução da aplicação de medida segurança

A medida de segurança traz a idéia de prevenção, na qual é preciso evitar

que crimes sejam cometidos por atuais ou futuros criminosos, assim é uma forma de

que se evite o delito antes de que este cause maiores estragos. Essa prevenção se

funda na periculosidade do autor, a qual é calculada de acordo com a probabilidade

dele cometer um novo crime, analisando-se seu histórico criminal e, principalmente,

sua cognição mental.

Desde o Direito romano são aplicadas medidas de segurança, as quais eram

prescritas ao menores e aos loucos (considerados inimputáveis). Os impúberes

(menores na faixa dos 7 aos 12 anos) eram submetidos à verberatio, uma espécie

de admoestação, e os loucos que não eram contidos por suas respectivas famílias,

eram destinados ao aprisionamento. Na Europa do século XVI, eram aplicadas

medidas com caráter corretivo a vagabundos e mendigos, com penas de prisão em

casas de trabalho e correção, revelando assim a semelhança entre tais costumes

com medidas preventivas.

A Inglaterra é o melhor exemplo de pioneira no tratamento psiquiátrico de

criminosos com doenças mentais, o qual foi previsto no Criminal Lunatic Asylum Act

(1860), que determinava o recolhimento a um asilo de internados, os delituosos

penalmente irresponsáveis. O Cógido Penal francês de 1810, no seu artigo 271,

submetia os insanos à segregação por tempo indeterminado, ao mesmo tempo que

destinava medidas de caráter educativo aos menores. A partir de 1832, os mendigos

e vagabundos que fossem liberados das prisões eram submetidos a uma vigilância

3

especial da polícia, ato que foi incorporado por outros códigos surgidos até então e

que serviu de embrião para uma futura medida de segurança adotada no Brasil.

1.1 Influência da Escola Positiva nas medidas de segurança

Foi somente em fins do século XIX que houve um encontro do naturalismo

com o Direito Penal, a partir do surgimento da Escola Positiva, com o uso do método

científico na ciência criminal, na qual destacam-se Lombroso, Ferri e Garofalo. Tal

Escola jurídica deu uma melhor contribuição para a atual definição de medida de

segurança, priorizando o estudo da periculosidade como base da responsabilida e à

prevenção especial como fim da pena. Sob essa linha de raciocínio, o crime não é

mais julgado como um episódio isolado, ganhando destaque as características

físicas e psíquicas de quem o praticou. O foco deixa de ser a distinção entre

imputáveis e inimputáveis e a periculosidade se torna a base da atuação penal.

Desse modo, todos os delinquentes são tidos como perigosos, em menor ou

maior grau. Nesse caso, a pena tradicional perde sua importância e a prevenção

especial terá valor no tratamento do infrator a fim de possibilitá-lo a reconviver em

sociedade. A preocupação passa a ser com a prevenção e o autor do crime seria

posteriormente posto sob o tratamento mais correto para a tentativa de “consertar”

seus desvios de conduta, de modo que pode-se atribuir à Escola Positiva o

desenvolvimento das medidas de segurança, o estudo sobre as características do

delinquente e uma melhor individualização das penas.

 Segundo Luiz Regis Prado1, Lombroso buscava a caracterização do

delinqüente pela antropobiologia, onde foi feito um estudo com mais 25.000 presos

para chegar a essa concepção. Ferri, como discípulo de Lombroso, além da

antropobiologia, também deu um enfoque sociológico ao delinquente, em que as

condições sociais do homem também dariam causa ao crime. Após a concepção do

delinqüente por fatores biológicos em que é influenciado por taras atávicas e fatores

patológicos em conjunto com fatores sociais, e desta forma ficou a Garófalo, a

responsabilidade de sistematizar a ciência jurídica, traduzindo os postulados

positivistas para o direito penal e de tal maneira desenvolveu a “temibilidade” que

por sua vez deu lugar a periculosidade.

1 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro - parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.458

4

Segundo Eduardo Reale Ferrari2, o positivismo criminal teve grande

importância ao ressaltar que o direito penal deve focar a realidade humana,

atentando que o delito é um ato do homem, sujeito às leis do seu comportamento e,

principalmente, ter lançado a idéia do delito como um estado de desajustamento

social de suas causas antropo-sociológicas.

1.2 Consolidação das medidas de segurança

A sistematização das medidas de segurança só ocorreram de fato com o

anteprojeto do Código Penal suíço, de 1893 (elaborado por Carl Stooss), o qual

determinava a internação dos multireincidentes, substituindo a sanção penal, além

de prever a internação facultativa em casa de trabalho e o asilo para ébrios

contumazes, dentro outros. O artigo 40 desse Código estabelecia que, se

constatada a possibilidade de reincidência do condenado, este poderia ser internado

em um estabelecimento adequado por um período de 10 a 20 anos.

O primeiro sistema completo de medidas de segurança surgiu na Itália em

1930, apesar de ter havido alguns esboços nos Códigos Penais de Portugal (1896),

Noruega (1902) e Argentina (1921). O projeto do Código Penal italiano foi

primeiramente elaborado por Ferri, o qual escolhia pela unificação das sanções

penais, com a adoção de um sistema vicariante, em que pena e medida de

segurança seriam unificadas sob a denominação de “sanções penais”, aplicadas de

acordo com o critério de periculosidade subjetiva. Tal projeto não obteve êxito, e

então Arturo Rocco elaborou o novo Código Penal, no qual foi estabelecido o

sistema dualístico (cumprimento cumulativo de pena e medida de segurança). Na

Alemanha, todos os projetos que datam a partir de 1909 contemplavam medidas de

segurança, que foram introduzidas pela lei de deliquentes habituais (1933).

1.3 Evolução da medida de segurança no Brasil

No Brasil, Código Criminal do Império (1830) determinava que os insanos

deveriam ser entregues às suas famílias ou internados em casas especialmente

destinadas a acolhê-los, além de que os loucos não seriam julgados criminosos, a

2 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 157

5

não ser que tivessem infringido as normas durante algum estado de lucidez. O artigo

64 previa que os deliquentes considerados loucos não seriam punidos enquanto se

conservassem em tal estado.O Código Penal de 1890 não alterou a norma que

tratava sobre o local que seriam encaminhados os loucos. Uma grande falha foi a

falta de referência aos semi-imputáveis, sendo incluídos, na maioria das vezes, na

categoria dos que se achavam completamente desprovidos de inteligência no

momento do crime.

O primeiro projeto do primeiro Código Penal republicano foi de Vieira de

Araújo, em 1893, o qual pretendia segregar o alienados em hospício penal até a

completa cura ou total inofensividade. No Código adotou-se o sistema duplo binário.

O criminoso primeiramente cumpria a pena e depois era internado em casa de

custódia e tratamento. Esse sistema era falho, pois, segundo Damásio de Jesus, em

alguns casos, a execução sucessiva da pena e da medida de segurança detentiva

significava apenas a transferência do detento de uma para outra ala do mesmo

estabelecimento penitenciário.

Em 1913, o projeto Galdino Siqueira pretendia a internação dos inimputáveis

perigosos em manicômios judiciários ou em hospitais de alienados, embora tal

projeto sequer chegou a ser alvo de deliberação legislativa. A sistematização das

medidas de segurança só ocorreu com o anteprojeto de Virgílio de Sá Pereira(1927),

no qual houve o reconhecimento da responsabilidade diminuída ou atenuada, além

da adoção do sistema do duplo binário.

O projeto de Alcântara Machado (1939), estabeleceu o princípio da legalidade

para as medidas de segurança e dividiu-as em medidas de natureza detentiva e

não-detentiva. O duplo binário foi mantido sob a justificação dos princípios

constitucionais que proibiam a pena indeterminada. O Código Penal de 1940 definiu

como critério da responsabilidade penal, a capacidade do indíviduo de entender se

determinada ação tem ou não caráter delituoso, classificando o inimputável como

aquele que é inteiramente incapaz de compreender o caráter delituoso do fato e o

semi-imputável como o que não possui total capacidade compreensão. A este último

é aplicada pena e medida de segurança, ao tempo que o inimputável é aplicada

apenas medida de segurança.

6

As medidas do Código de 1940 eram divididas entre pessoais e patrimoniais.

As pessoais eram detentivas ( internação em manicômio judicial, casa de custódia e

tratamento, colônia agrícola, instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino

profissional) ou não-detentivas (liberdade vigiada, proibição de frequentar

determinados lugares, exílio local). As medidas patrimoniais se resumiam a

interdição de estabelecimento ou sede de sociedade ou associação e confisco. De

acordo com Luiz Régis Prado esse Código3 considerou inimputável aquele

completamente incapaz de entender o caráter delituoso de algum ato e de direcionar

sua atuação de acordo com esse caráter. Neste diploma também ficou previsto que

a periculosidade não podia ser presumida por lei

O anteprojeto do Código Penal de 1969 não modificou muito o seu

antecessor, embora permitisse aos semi-imputáveis a aplicação de pena atenuada

ou até mesmo a substituição desta por internação em manicômio judiciário ou em

outro estabelecimento psiquiátrico anexo. Se curado, era permitido retornar para

cumprir o restante da pena, garantindo o seu direito ao livramento condicional. Mas

se após o fim da do prazo da internação o indíviduo não demonstrasse estar com

boa saúde mental, ele ficaria internado por prazo indeterminado, sendo essa norma

a precursora da implantação do sistema vicariante.

O artigo 26 da nova Parte Geral do Código Penal (1984) repete literalmente o

texto do antigo artigo 22 do texto original (1940), mas adiciona ao seu final uma

alteração que permite a substituição da pena pela medida de segurança ao semi-

imputável que necessite de especial tratamento curativo. Também afasta a medida

de segurança para o imputável, restando-lhe somente a pena. Grande mudança foi

também o afastamento do duplo binário, que estava em completo descrédito e a

restrição das medidas de segurança, restando apenas a internação em hospital de

custódia e o tratamento ambulatorial. Cezar Roberto Bitencourt4 define que a

aplicação conjunta de pena e medida de segurança lesa o princípio do ne bis in

idem, o qual ordena que não se deve haver duas punições sobre um mesmo delito.

3 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro - parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 460

4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1. 11. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 141

7

A atual Lei Federal 10.210/2000 prescreve que os doentes mentais tem

direito a tratamentos realizados com humanidade e respeito, tendo assegurados a

proteção contra qualquer forma de exploração e direito a receber informações a

respeito de sua doença. Nota-se que as leis atuais buscam por medidas mais

humanas e que possam buscar o objetivo de cura do paciente submetido a

tratamento, evitando assim abusos cometidos em épocas passadas, os quais

colocavam os deliquentes em condições sub-humanas, impedindo qualquer chance

de melhoramento da saúde mental dos condenados.

2. Comparações entre pena e medida de segurança

Conforme entende José Frederico Marques5, penas e medidas de segurança

são dois caminhos utilizados para reparar um mesmo mal (o delito), com o mesmo

objetivo (a defesa social), cada uma com características próprias.

A primeira diferença entre pena e medida de segurança é o fundamento de

ambas, enquanto a pena baseia-se na culpabilidade do agente, a medida de

segurança preocupa-se com a periculosidade do agente, ou seja, um eventual risco

que poderá correr a sociedade de acordo com as características psíquicas de

determinado indivíduo. Para estabelecer um limite para a medida de segurança, é

medida a periculosidade do sujeito ativo, ao passo que a pena é calculada de acordo

com a gravidade do delito, estando envolvido ne cálculo o injusto e a culpabilidade.

Eduardo Reale Ferrari6 faz uma ressalva acerca da socialização, dizendo que

esta não justifica a medida de segurança, o que justifica sua aplicação é o fato de se

tentar evitar a prática de crimes futuros. Periculosidade não é ensejo a uma

socialização forçada.

De acordo com os ensinamentos de Maggiore7, a pena é uma sanção

repressiva, que intervém após o delito, e serve não para impedir ulteriores delitos,

5 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. v. III, 1ª ed. atual. Campinas, Millennium, 1999. p. 104

6 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 60

7 MAGGIORE, Diritto penale, Bologna, 1958, p. 793 apud Nelson Hungria; Heleno Cláudio Fragoso, Comentários ao Código Penal, 1 v., T. II, 5ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 452.

8

mas para retribuir o mal do crime com um outro mal. A pena não previne, não

defende, não cura, não ressocializa, não reabilita: pune. A pena repousa somente

sobre a culpa: pressupõe homens livres e imputáveis e não pessoas destituídas de

liberdade e imputabilidade. A medida de segurança serve como providência

preventiva, tendo lugar após o crime, mas não por causa dele; não visa a retribuir

uma culpa, mas impedir um perigo; logo não pretende ser um mal (embora possa

fazer sofrer), mas apenas uma medida que impede a pessoa perigosa de prejudicar

ou de prejudicar mais. A medida de segurança, pois, não pressupõe homens livres

culpáveis e imputáveis, mas indivíduos que estão eventualmente fora do mundo

moral"

O sujeito será o principal alvo de análise para definir a aplicação de pena ou

medida de segurança. Os imputáveis sofrerão a pena e os inimputáveis receberão a

medida de segurança. O detalhe está nos semi-imputáveis: poderão tanto receber

pena ou medida de segurança, a diferença é que os que necessitarem de especial

tratamento curativo sofrerão esta última opção, aos demais caberá a pena. O

objetivo da pena é a busca pela reafirmação do ordenamento jurídico, objetivando

ao cumprimento das normas e atendendo às exigências relacionadas à prevenção

geral; a medida de segurança foca na prevenção, tentando tratar o delituoso e

também evitando que sociedade seja vítima de sua ação, a qual muitas vezes é feita

de forma inconsciente.

Assim, percebe-se que embora pena e medida de segurança apliquem

sanções a sujeitos infratores, o objetivo delas é diverso, principalmente pelo fato de

tratarem de indivíduos com capacidade mental inferior. Na medida de segurança

percebe-se a preocupação em tratar o doente mental, uma vez que o próprio pode

causar danos a si próprio e a sociedade, além de que o mesmo não consegue

distinguir uma ação passível ou não de punição. Não seria razoável aplicar uma

pena a inimputável, pois a pena não teria o efeito desejado, pois provavelmente tal

indivíduo não seria capaz de assimilar a pena como uma punição por determinado

ato que infringiu as normas jurídicas e também tal indivíduo não se recuperaria

mentalmente se fosse apenas encarcerado ou se continuasse posto em liberdade.

Então, é necessária a medida de segurança para que possa dar uma atenção

especial ao infrator que não tenha toda ou nenhuma capacidade de discernimento.

9

3. Sistemas de aplicação das Medidas de Segurança

Existem três sistemas existentes no direito quanto à aplicação das Medidas

de Segurança, o Sistema Dualista, Sistema Monista, Sistema Vicariante.O primeiro,

é mais denominado Duplo Binário, é resultado da concepção de Stoss, que

propugna a vinculação da pena à culpabilidade e da medida de Segurança à

periculosidade. De acordo com esse sistema, é permitida a imposição cumulativa da

pena e da medida de segurança. Tal sistema era o usado na redação pretérita do

Código Penal Brasileiro de 1940.

O Sistema Monista conjuga três tendências: absorção da pena à culpabilidade

e da medida de segurança à medida de segurança à segurança; absorção da

medida de segurança pela pena; unificação das penas e das medidas de segurança

em outra sanção distinta, com duração mínima proporcional à gravidade do delito e

máxima indeterminada, sendo a execução ajustada à personalidade do delinqüente

e fins de readaptação social.

E, por último, o sistema vicariante, usado atualmente no nosso código penal

a partir da reforma de 1984.Este sistema é o da substituição, caracterizado por ser

uma variante do sistema dualista, pela qual determina a aplicação de pena reduzida,

e um a dois terços, ou medida de segurança aos semi-imputáveis, não podendo

haver cumulação entre ambas.

Um dos maiores críticos do sistema de duplo binário e defensor do sistema

vicariante é Álvaro Mayrink8, o qual relata que enquanto era diretor de

estabelecimento penal (em 1966), o duplo-binário era uma fantasia e não uma

realidade. Não havia estabelecimentos penais próprios para custodiar os semi-

imputáveis, e as medidas de segurança aplicáveis aos imputáveis eram

transformadas em liberdade vigiada após simbólico exame de verificação de

cessação de periculosidade. Ou seja, a nova legislação é muito mais racional ao

deixar válido o sistema vicariante, pois acaba tendo mais êxito na prática, além de

não ferir o ordenamento constitucional.

4. Espécies de medidas de segurança no Brasil

8 COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 3, p. 930.

10

O artigo 96 do atual Código Penal brasileiro prevê duas espécies de medida

de segurança: internação em hospital de custódia e tratamento psiquíatrico; sujeição

a tratamento ambulatorial.

Júlio Mirabete9 ressalta que a internação em hospital de custódia e tratamento

psiquiátrico representa, a rigor, a fusão de medidas de segurança previstas na

legislação anterior: a internação em manicômio judiciário e internação em casa em

casa de custódia e tratamento. Estabeleceu-se uma medida idêntica para os

inimputáveis e semi-inimputáveis, que deverão ser submetidos a tratamento,

assegurada a custódia dos internados.

A internação em hospital de custódia e o tratamento psiquiátrico foram postos

na tentativa de proteger a sociedade da ação de indivíduos mentalmente doentes e

com possibilidade de transgredirem a norma penal novamente. O internado será

submetido a exames psiquiátrico, criminológico e de personalidade, de acordo com

os artigos 8º e 9º da Lei de Execução Penal (Lei 7210/84). Tal punição é de caráter

detentivo e destina-se obrigatoriamente aos inimputáveis que tenham cometido

crime punível com pena de reclusão e facultativamente aos que tenham praticado

delito cuja natureza da pena abstratamente cominada é de detenção, tal qual está

no artigo 97 do Código Penal.

O artigo 98 determina que o semi-imputável poderá ter a pena privativa de

liberdade substituída por medida de segurança, inclusive na modalidade de

internação, necessitando da comprovação para o especial tratamento curativo.

O tratamento ambulatorial não tem caráter detentivo tem caráter restritivo, no

qual há uma série de cuidados médicos reservados à pessoa em tratamento,

embora não haja internação deste. O deliquente submetido a tratamento

ambulatorial deve comparecer nos dias que lhe forem determinados pelo médico,

para a aplicação da modalidade terapêutica prescrita. Os indivíduos passíveis de

sofrer essa punição são os inimputáveis e semi-inimputáveis cuja pena privativa de

liberdade seja de detenção.

O parágrafo 4º do artigo 97 do CP orienta que em qualquer fase do

tratamento ambulatorial, o juiz poderá determinar a internação do agente, no caso

9 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2007

11

de necessidade para fins curativos. Doutrinariamente, o tratamento ambulatorial é

visto apenas como uma possibilidade, sendo que a regra geral é a internação. É

necessário provar que o infrator pode ficar em regime ambulatorial, se não for

comprovada essa compatibilidade do agente com essa medidad de segurança, será

utilizado o método da internação.

É correto a precaução adotada pelo legislador em permitir ou não que certos

agentes possam desfrutar do tratamento ambulatorial. A análise das condições

individuais do agente deve ser cuidadosa, sob risco de colocar no convívio social um

perigoso indivíduo, o qual poderá causar novos danos à sociedade. Então, na

dúvida, não pode haver brechas para novos delitos, não podendo apressar o

tratamento do doente mental.

5. Locais de internação e tratamento

A legislação de 1940 previa a internação em manicômios judiciários.

Atualmente, os manicômios foram substituídos pelo hospital de custódia, embora

este não seja comum na maioria dos lugares, dando lugar aos antigos manicômios.

O artigo 14 da Lei de Execução Penal indica que se o local não estiver ajustado para

realizar um bom tratamento médico psiquiátrico, o mesmo pode ser prestado em

outro lugar mediante autorização da direção do estabelecimento. O caput do artigo

43 da LEP libera a contratação de um médico pessoal para acompanhar o

tratamento, sendo que qualquer divergência no tratamento entre o médico oficial e o

particular será resolvida pelo juiz da execução.

O artigo 101 da LEP permite que o local do tratamento ambulatorial seja

diverso do hospital de custódia, desde que tenha um aparelhamento médico

adequado. Ou seja, é possível que o atendimento no tratamento ambulatorial se

efetue em qualquer local que tenha todos os requisitos necessários para um bom

atendimento médio. Dessa forma a lei facilita a execução dos procedimentos

médicos e até afasta de certa forma o risco de superlotação dos hospitais de

custódia.

6. Prescrição das medidas de segurança

12

De acordo com Celso Demanto10, prescrição é quando o Estado perde o

direito de punir devido ao decurso de tempo, ou, em outras palavras, o Estado, por

sua inércia, perde o direito de punir. A primeira figura do inciso IV, do artigo 107, do

Código Penal, prevê a prescrição como causa de extinção da punibilidade. A

extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva

abrange a medida de segurança imposta na sentença, conforme preceitua o art. 96

do Código Penal. A própria Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos XLII e

XLIV preve essas únicas hipóteses de imprescritibilidade punitiva.

No entanto, a doutrina apresenta várias correntes quanto à possibilidade de

aplicação da prescrição executória. Guilherme Nucci11 lista três correntes

doutrinárias diversas.

A primeira corrente defende que só se aplica a prescrição da pretensão

punitiva, porque para a executória exige-se a fixação da pena, o que não acontece

nos casos de medida de segurança. Portanto, antes da decisão, é possível, depois,

não.

Uma segunda corrente defende que aplicam-se ambas as prescrições,

pretensão punitiva e pretensão executória. No caso da executória, justificam que

deve ser aplicada, uma vez que não há pena e sim medida de segurança,

calculando-se a prescrição pela pena máxima em abstrato fixada ao crime.

Por fim, há quem defenda que, em se tratando de medida de segurança,

aplica-se normalmente a prescrição da pretensão punitiva, quando antes da decisão;

após, diante do silêncio da lei, o melhor a fazer é verificar, antes de efetivar a

medida de segurança de internação ao foragido, se o seu estado permanece o

mesmo, ou seja, se continua perigoso e doente. Caso tenha superado a

periculosidade, não mais se cumpre medida de segurança.

No entendimento de Nucci, a melhor posição é a segunda, podendo, ainda,

ser considerada a terceira em casos especiais, em face de seu caráter utilitário.

10 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6. ed. atual. e ampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 273

11 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6. ed. atual. e ampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 273

13

Afinal, existindo decisão demonstrativa da enfermidade e da periculosidade, pode-se

então executá-la sem necessidade de reingresso na área cível.

7. Duração das medidas de segurança

O artigo 171 da Lei de Execução Penal determina que a medida de segurança

só será executada após o trânsito em julgado da sentença. Para que se execute a

medida de segurança é necessário a expedição do guia de internamento ou do

tratamento ambulatorial, de acordo com o artigo 173 da LEP. Passa a ser proibido

impor medida de segurança provisória, como previa o Código Penal de 1940,

resguardando essa regra a garantia individual de liberdade.

A legislação brasileira prevê prazos mínimo e máximo para a medida de

segurança. O prazo mínimo fixado pelos artigos 97 e 98 do Código Penal é de um a

três anos, independentemente do delito praticado. O critério para fixação do prazo

mínimo exato depende do grau de maior ou menor periculosidade do agente,

diferentemente da legislação passada, que relacionava o prazo de acordo com a

quantidade da pena privativa de liberdade cominada ao delito.

O parágrafo 1º do artigo 97 do Código Penal determina que a internação e o

tratamento ambulatorial são por tempo indeterminado, sendo que somente a perícia

médica poderá a cessação da periculosidade. Tal dispositivo é bastante polêmico,

uma vez que contraria a proibição de penas perpétuas. O princípio da legalidade dos

delitos e das penas garante ao condenado o direito de saber a duração da sanção

que lhe será imposta, impedindo assim uma reclusão por tempo indetermiando,

podendo até mesmo ser perpétua. Há quem defenda a imposição de medida de

segurança de acordo com o tempo máximo da pena que seria aplicada ao delito

cometido para os inimputáveis, e no caso dos semi-imputáveis, pela quantidade de

pena que seria cumprida por ele, se não tivesse sido substituída.

Entretanto esse assunto merece uma maior discussão, não sendo tão simples

assim sua solução, pois a lei não prevê essa analogia entre pena e medida de

segurança. Tais aplicações, como anteriormente visto, tem diferenças fundamentais

pois não atingem as mesmas pessoas, tem objetivos e fundamentos diferentes.

Assim, é necessário que a lei sofra modificações para que corrija esse “erro” gerado

por tal artigo do Código Penal.

14

Para Eduardo Reale Ferrari12, num Estado de Direito não faz sentido a

imposição de limites mínimos obrigatórios a qualquer ilícito-típico pelo legislador,

sendo que é uma garantia jurídica a possibilidade de verificar-se a cessação da

periculosidade a qualquer tempo. É inconcebível a admissibilidade de limites

mínimos obrigatórios, já que é possível a cessação da anomalia do delinquente-

doente a qualquer tempo.

A própria lesgislação prevê a possibilidade de o exame de cessação da

periculosidade ser realizado antes mesmo do término do prazo mínimo (exame

extraordinário), até mesmo no prazo inferior a um ano. Assim, Ferrari13 acredita que

falta ao Código Penal brasileiro definir sobre a inexistência de limites mínimos

obrigatórios de duração dos prazos das medidas de segurança, tornando possível a

realização da perícia médica a qualquer tempo, fazendo valer a concepção isolada

prevista no artigo 176 da Lei de Execução Penal.

Eduardo chama a atenção à incoerência e desigualdade existente entre os

limites máximos das medidas de segurança criminais para o inimputável se

comparado ao imputável, que cumpre no máximo 30 anos de prisão (de acordo com

o artigo 75 do Código Penal). Para uma melhor interpretação dessa questão, deve-

se pensar na necessidade de restrição à intervenção estatal, fazendo necessário a

fixação de um prazo máximo para a execução das medidas de segurança.

É necessário que se atente aos princípios da igualdade e proporcionalidade,

devendo calcular o prazo da medida de segurança de acordo com a pena

abstratamente cominada aos seus ilícitos-típicos cometidos. Dessa forma, deve-se

pensar que tão logo alcançado o prazo máximo da pena abstratamente cominada ao

ilícito-típico praticado pelo inimputável ou semi-imputável, será dada a liberação do

delinquente, lembrando que deverá ser declarada a interdição civil para os

inimputáveis e até mesmo para os semi-imputáveis, de acordo com os casos

previstos em lei.

12 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 43

13 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 195

15

Eduardo Ferrari14 afirma que não se legitima a permanência do infrator em

hospital de custódia ou em tratamento psiquiátrico após atingir o suposto prazo

máximo, pois já não representa proteção criminal, uma vez que a própria lei também

prevê limites às penas. O doente mental não pode ser punido por falhas cometidas

pelo Estado, sendo que o processo final seria a reinserção do indíviduo na

sociedade de forma gradativa, levando a uma adaptação do indivíduo com sua nova

realidade.

O fato do Estado não se dispor a oferecer tratamento ao delinquente recém-

saído de uma medida de segurança deve-se, provavelmente, ao fato de aumentar

seus encargos e também responsabilidade sobre o delinquente e a sociedade como

um todo. É preciso que se entenda a medida de segurança não só como uma

intervenção do Estado na esfera penal mas também como uma preocupação com a

saúde coletiva. Há a proposta de uma desinternação progressiva, com a

manutenção de tratamentos psicológicos e atividades que possam de fato reinserir o

paciente no mundo “real”.

Nessa mesma corrente de pensamento, Lara Gomides de Souza15 afirma que

é perfeitamente possível o pensamento de que as medidas de segurança também

não poderiam ultrapassar o prazo de 30 anos de duração. Mesmo porque, se o que

se busca com a internação é o tratamento e a cura, ou recuperação do internado e

não sua punição, 30 anos é um prazo bastante razoável para se conseguir esse fim.

O caso mais famoso e assombroso no Brasil é, sem sombra de dúvida, o do Índio

Febrônio do Brasil, que ficou 57 anos num hospital de custódia no Rio de Janeiro. Lá

entrou com 27 e morreu com 84 anos, prazo que cumpriu integralmente dentro do

hospital, sendo submetido à medida de segurança.

Eugenio Zaffaroni e José Piarangeli16 alegam que não é constitucionalmente

aceitável que, sob a alegação de tratamento, se coloque a possibilidade de uma

14 Idem p.19215 SOUZA, Lara Gomides de. O Caráter Perpétuo das Medidas de Segurança. 09 de agosto de 2006. Texto

extraído de: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20060809115009620 .>  Acessado em 10 de outubro de 2011.

16 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIARANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte geral. 5º ed. São Paulo. RT 2004. p. 858

16

privação de liberdade perpétua como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite

máximo é o interprete quem tem a obrigação de fazê-lo.

Por outro lado, Rogério Greco17 entende que enquanto houver necessidade

de tratamento para solucionar a doença mental do inimputável, não é possível fixar

prazo certo de duração. Para este autor, somente quando a perícia médica constatar

a cessação da periculosidade do agente é que este poderá ser liberado. Poderá

ocorrer até mesmo que o paciente fique sob medida de segurança até sua morte.

Desse modo, Greco posiciona-se a favor de uma intrepretação restritiva da lei, sob a

alegação de que um doente mental em liberdade poderá causar graves danos a si

mesmo e à sociedade, por isso a necessidade de internação por tempo

indeterminado.

O Supremo Tribunal Federal já emitiu parecer sobre a indeterminação do

prazo na medida de segurança. O processo HC 84219/SP, DJ 23/09/2005 garantiu

que a medida de segurança acompanharia a pena em relação à sua duração

máxima, utilizando a analogia de acordo com o artigo 75 do Código Penal, de tal

forma que essa decisão faria com que os demais órgãos judiciários também

decidissem de modo semelhante em todo o território nacional. Logo, abre-se um

precedente fundamental para que não se aplique a regra equivocada de

indeterminação do prazo na medida de segurança, garantindo que os direitos dos

cidadãos sejam cumpridos e que a interpretação da lei pelos juristas seja a mais

plausível possível, respeitando todos os princípios inerentes ao ordenamento jurídico

brasileiro.

8. Exame de verificação da cessação de periculosidade

O Código Penal, em seu artigo 97, define que a perícia médica para

verificação da cessação da periculosidade será realizada ao fim do prazo mínimo

fixado por lei, sendo repetida de ano em ano ou a qualquer tempo, de acordo com a

determinação do juiz da execução. Decorrido o prazo mínimo o juiz pode determinar

ex officio a repetição desse exame a qualquer tempo. Há uma exceção a essa regra,

na qual o Ministério Público ou qualquer interesssado pode requerer a realização do

17 GRECO, Rogério. Curso de direito Penal – Parte Geral. Volume I. Niterói-RJ: Editora Impetus. 2006. p.729

17

da perícia antes de um ano após findo o prazo mínimo, de acordo com a Lei de

Execução Penal, artigo 176.

O médico particular, previsto no artigo 43 da LEP, poderá participar como

assistente técnico no exame de verificação de periculosidade, baseando-se no

princípio constitucional da ampla defesa (artigo 5º, IV).

O exame deve ser remetido ao juiz pela autoridade administrativa

competente, sob a forma de um detalhado relatório, acompanhado do laudo

psiquiátrico, devido ao fato do diagnóstico da periculosidade ser atividade difícil e

imprecisa. Por isso que Nelson Hungria observa que o exame só poderá ser feito por

médicos especializados, cujas conclusões deverão se basear em rigorosas provas,

após atenta apreciação.

De acordo com Saldaña18, a psiquiatria jurídica, assim como a medicina legal,

tem total importância para o bom andamento do Direito penal, pois é ela que vai

oferecer os dados médicos sobre determinado delituoso e poderá definir ou não a

incapacidade intelectual deste. Sem a medicina ficaria muito difícil a ação do Direito,

pois faltaria onde ele se apoiar para praticar a justiça.

Luiz Flávio Gomes19 ressalta que quando cessa a medida de segurança

também cessa a jurisdição da justiça penal e que se a loucura persistir no indivíduo,

ele deverá ser encaminhado para continuar tratamento na rede pública de saúde,

sem qualquer intervenção da justiça penal.

8.1 Desinternação ou liberação condicional

Após comprovada por perícia médica a cessação da periculosidade, o juiz da

execução ordenará a revogação da medida de segurança, com a desinternação ou

liberação, de acordo com o tipo de medida de segurança imposto, aplicando ao

beneficiário as condições próprias do livramente condicional, de acordo com o que

18 SALDAÑA, Quintiliano. Nova criminologia. Traduzido por Alfredo Ulson e V. de Alcântara Carreira. Campinas: Russell Editores, 2006. p.120

19 GOMES, Luiz Flávio. O louco deve cumprir medida de segurança perpetuamente?. Disponível em: . Acesso em 12 de outubro de 2011. http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BB1EB1120-5CB9-4E75-95C7-B82AE42055DC%7D_1.pdf

18

está previsto no artigo 178 da LEP. Fala-se me suspensão da medida de segurança,

pelo fato de que o infrator só terá revogada sua medida se durante um ano não

praticar ato indicativo de persistência da periculosidade, conforme anteriormente

dito.

9. Princípios penais aplicados às medidas de segurança

O ordenamento jurídico contem valores, princípios e regras. Parte-se da idéia

de que esse ordenamento é regido por valores, os quais orientam a intrepretação de

princípios e regras. Tais valores podem ser traduzidos como “saúde”, “educação”,

“justiça”, tendo assim uma natureza bastante abstrata, dificultando uma aplicação

direta nos casos enfrentados pelo judiciário. Em um patamar mais concreto que os

valores encontram-se os princípios, que são os pilares do sistema jurídico, servindo

de parâmetro para a interpretação e integração de todo o conjunto de leis. São mais

gerais e abstratos que as regras, mas revelam maior proximidade com os valores

políticos e jurídicos de uma sociedade.

Assim, os princípios se caracterizam por ser genéricos, na maioria das vezes

não podendo ser direcionar para a solução de um caso específico e determinado,

mas sim de vários casos, pois há várias normas que se regem pelo mesmo princípio

ou uma única norma que contem mais de um princípio. Entretanto, um caso até

pode ser decidido por um princípio quando há a inexistência de uma regra própria.

Desse modo, o magistrado terá que interpretar um princípio, buscando qual a

finalidade do princípio, ou seja, o que ele “quer atingir”.

Eduardo Reale Ferrari20 diz que a Constituição Federal em seu artigo 1º

estabelece o Brasil como um Estado Democrático de Direito. Então, por pertencer a

uma das espécies de sanção penal impostas pelo Estado, a medida de segurança

criminal deve observar todas as garantias e princípios constitucionais inerentes à

pena.

Os princípios são: da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade da lei

penal, intervenção mínima, da proporcionalidade, da humanidade das respostas

penais, da lesividade (ou da exclusiva proteção dos bens jurídicos), da

responsabilidade pessoal, da presunção de inocência, da individualização.

20 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.91

19

O princípio da legalidade é um dos mais importantes do Direito Penal, no qual

há a garantia de que nenhum fato pode ser considerado delituoso, nem tampouco

uma sanção penal poderá ser aplicada sem que haja uma lei que tenha previsto

alguma forma de punição para o fato praticado. Dentro do princípio da legalidade há

outros subprincípios, como o Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia, que a lei

deve ser anterior ao fato que se deseja incriminar e que somente a lei mais benéfica

poderá retroagir em favor do réu. Conforme Santiago Mir Puig, Nullum crimen, nulla

poena sine lege scripta garante que somente a lei formal escrita, editada pelo Poder

Legislativo, pode determinar crime e cominar sanção penal. O Nullum crimem, nulla

poena sine lege certa traz a idéia de que a lei penal que impõe delitos e comina

sanções deve possuir clareza, sem a utilização de termos vagos, genéricos, vazios,

ambíguos.

O princípio da anterioridade e da irretroatividade da lei penal é uma

consequência do princípio da legalidade, no qual a lei somente pode regular

condutas que tenham sido praticadas após a sua edição, incidindo somente sobre

atos futuros, pois somente com a lei é que o indivíduo poderá ter consciência se

determinado ato será passível ou não de pena. O princípio da intervenção mínima

garante que o Estado deverá buscar a solução menos conflituosa possível para

reparar os danos de uma ação delituosa.

O princípio da proporcionalidade, em conjunto com o da intervenção mínima,

evita que o Estado pratique abusos na imposição de penas, sendo que estas devem

ser proporcionais ao fato criminoso. Mir Puig21 diz que este princípio apresenta

grande importância para as medidas de segurança, pois evita a imoderação estatal,

até mesmo na imposição de prazo indeterminado. O princípio da humanidade das

respostas penais é consequência de um Estado Democrático de Direito, no qual se

impede a aplicação de penas que transgridam a dignidade humana, proibindo, por

exemplo penas corporais. Em relação às medidas de segurança, esse princípio tem

21 MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal. Parte General, 8a Ed. Reppertor, Barcelona, 2008. p.116

De acordo com Mir Puig: “Con la exigencia de una lex scripta queda, desde luego, excluida la costumbre como posible fuente de delitos y penas. Mas tampoco basta cualquier norma escrita, sino que es preciso que tenga rango de ley emanada del Poder Legislativo, como representación del pueblo. Esto último afecta el sentido de garantía política del principio de legalidad.”

20

total importância, ao garantir que o tratamento em hospitais de custódia e o

ambulatorial respeitem as condições especiais de cada infrator.

O princípio da lesividade ou exclusiva proteção dos bens jurídicos garante

que somente podem ser considerados crimes as ações que ofendam bem jurídico

alheio, impedindo a punição de uma atitude interna, na qual a conduta não exceda o

âmbito do próprio autor. O princípio da responsabilidade pessoal foca na idéia de

que ninguém poderá ser responsabilizado penalmente sem que tenha realizado uma

conduta dolosa ou culposa, evitando assim a responsabilidade penal objetiva ou

presumida.

O princípio da presunção da inocência garante que todos os indivíduos são

inocentes até que haja prova cabal do cometimento de algum delito, respeitando

assim o Estado Democrático de Direito. De acordo com Reale Ferrari, esse princípio

é de fundamental importância pois determina que o acusado não está obrigado a

produzir provas de sua inocência e que o acusado venha a ter sua liberdade

suprimida ou restringida antes do reconhecimento de sua culpa. O princípio da

individualização garante que a pena deve ser individualizada, sendo impossível

abarcar na mesma condenação duas ou mais pessoas, mesmo que elas tenham

participado do mesmo crime. Isso se dá pelo fato de que embora um crime pode ser

praticado por mais de um indivíduo, suas contribuições podem ser diferentes,

levando a penas diferentes. Assim como cada indivíduo tem sua periculosidade, a

medida de segurança não deve ser generalizada.

Conclusão:

Assim como o ordenamento jurídico em geral, a medida de segurança sofreu

importantes alterações ao longo do tempo, adquirindo boa parte do seu formato

atual graças à Escola Positiva, a qual teve papel de destaque ao focar o

comportamento individual nos seus estudos. Outro ponto interessante foi a adoção

do sistema vicariante em detrimento do duplo binário, afastando a possibilidade de

punir um mesmo delito duas vezes, com a aplicação de pena ou medida de

segurança, nunca as duas na mesma condenação.

O assunto mais discutido nesse presente artigo foi os prazos mínimos e

máximo da medida de segurança. Primeiramente, o prazo mínimo é importante para

21

verificar a cessação, possibilitando que o infrator possa ser liberado antes mesmo de

terminar o tempo de sua condenação se for verificada a cessação de periculosidade.

O artigo 176 da Lei de Execução Penal foi um grande acerto do legislador, pois

possibilitou a realização de um exame extraordinário antes mesmo de findar o prazo

mínimo. É correto tal dispositivo pois permite que um indivíduo sem necessidade de

tratamento possa ser liberado da sua condenação, diminuindo o número de pessoas

atendidas pelo Estado e abaixando os gastos deste com o sistema prisional.

Por outro lado, o prazo máximo para as medidas de segurança não atende os

critérios constitucionais e lógicos. A inconstitucionalidade se dá pela existência de

prazo indeterminado para as medidas de segurança, ferindo o princípio da liberdade

individual pois isso poderia levar a um cumprimento perpétuo dessas medidas, uma

vez que a periculosidade de um agente pode durar a vida inteira. É necessário uma

reforma urgente acerca desse prazo indeterminado, pois essa norma fere o artigo 75

do Código Penal, o qual determina que o tempo de cumprimento das penas

privativas de liberdade não ultrapasse 30 anos.

O aspecto positivo acerca dessa indeterminação dos prazos é o julgamento

do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. No julgamento o STF se posicionou

contrário a indeterminação de prazo da medida de segurança, e, em analogia com

as leis que regem sobre a pena, decidiu que a aplicação da medida de segurança

não deve ultrapassar 30 anos, pois não se pode punir com pena privativa de

liberdade com tempo acima deste. Essa decisão vale tanto para hospital de custódia

como para tratamento ambulatorial. Se o infrator cometer outro delito após sua

liberdade é que poderá ser de novo punido, o que acontece com as punições em

geral.

Para concluir, pode-se afirmar que a medida de segurança é fundamental

para o bom andamento da justiça penal, pois ela prevê o tratamento do delinquente

com deficiência mental, protegendo tanto a sociedade quanto o cidadão

transgressor. A prisão comum não solucionaria seu problema, podendo até agravá-

lo, por isso nota-se a importância desse instituto jurídico para a saúde pública,

extendendo a atuação da lei penal, atingindo também a área administrativa. Cabe ao

legislativo a correção da indeterminação do prazo máximo e ao executivo o

22

melhoramento dos tratamentos psiquiátricos para os infratores sem total capacidade

mental.

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