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OS PRAZOS NAS MEDIDAS DE SEGURANÇA E A ADOÇÃO DO
SISTEMA VICARIANTE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
Caio Margon Ribeiro da Cunha
Graduando pela Universidade Federal de Uberlândia
Sumário:
Introdução – 1. A evolução da aplicação de medida segurança – 1.1
Influência da Escola Positiva nas medidas de segurança – 1.2 Consolidação das
medidas de segurança – 1.3 Evolução das medidas de segurança no Brasil – 2.
Comparações entre pena e medida de segurança – 3. Sistemas de aplicação de
medida de segurança – 4.Espécies de medida de segurança no Brasil – 5. Locais de
internação e tratamento – 6. Prescrição das medidas de segurança – 7. Duração das
medidas de segurança – 8. Exame de verificação da cessação de periculosidade –
8.1 Desinternação ou liberação condicional – 9. Princípios penais aplicados às
medidas de segurança
Resumo:
O presente trabalho está localizado no tema de medidas de segurança,
demonstrando sua evolução ao longo do tempo no mundo e no Brasil, além de
pontos importantes da teoria, como os princípios inerentes à medida de segurança e
a comparação desta com a pena. Nele, objetiva-se discutir o completo afastamento
do duplo binário e adoção vicariante em relação às medidas de segurança no atual
Código Penal brasileiro, no qual há a proibição de acumular pena restritiva de
liberdade com medida de segurança. Além disso, vem à tona o debate acerca da
constitucionalidade de aplicação de medida de segurança por tempo indeterminado,
o qual tem instigado várias discussões entre renomados juristas, levando à
comparação entre a natureza e as consequências de pena e medida de segurança.
Palavras-chave:
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Periculosidade - Semi-imputáveis e inimputáveis – Sistema vicariante – Prazo
ilimitado – Lei de Execução Penal
Introdução
As medidas de segurança são de enorme valia para o Direito Penal em todo o
mundo, tendo função diferente da pena, apesar de ambas terem suas semelhanças.
É preciso entender seu modo de aplicação e suas regras específicas para
reconhecer suas vantagens e desvantagens para o ordenamento jurídico brasileiro,
e, consequentemente, para a sociedade em geral.
1. A evolução da aplicação de medida segurança
A medida de segurança traz a idéia de prevenção, na qual é preciso evitar
que crimes sejam cometidos por atuais ou futuros criminosos, assim é uma forma de
que se evite o delito antes de que este cause maiores estragos. Essa prevenção se
funda na periculosidade do autor, a qual é calculada de acordo com a probabilidade
dele cometer um novo crime, analisando-se seu histórico criminal e, principalmente,
sua cognição mental.
Desde o Direito romano são aplicadas medidas de segurança, as quais eram
prescritas ao menores e aos loucos (considerados inimputáveis). Os impúberes
(menores na faixa dos 7 aos 12 anos) eram submetidos à verberatio, uma espécie
de admoestação, e os loucos que não eram contidos por suas respectivas famílias,
eram destinados ao aprisionamento. Na Europa do século XVI, eram aplicadas
medidas com caráter corretivo a vagabundos e mendigos, com penas de prisão em
casas de trabalho e correção, revelando assim a semelhança entre tais costumes
com medidas preventivas.
A Inglaterra é o melhor exemplo de pioneira no tratamento psiquiátrico de
criminosos com doenças mentais, o qual foi previsto no Criminal Lunatic Asylum Act
(1860), que determinava o recolhimento a um asilo de internados, os delituosos
penalmente irresponsáveis. O Cógido Penal francês de 1810, no seu artigo 271,
submetia os insanos à segregação por tempo indeterminado, ao mesmo tempo que
destinava medidas de caráter educativo aos menores. A partir de 1832, os mendigos
e vagabundos que fossem liberados das prisões eram submetidos a uma vigilância
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especial da polícia, ato que foi incorporado por outros códigos surgidos até então e
que serviu de embrião para uma futura medida de segurança adotada no Brasil.
1.1 Influência da Escola Positiva nas medidas de segurança
Foi somente em fins do século XIX que houve um encontro do naturalismo
com o Direito Penal, a partir do surgimento da Escola Positiva, com o uso do método
científico na ciência criminal, na qual destacam-se Lombroso, Ferri e Garofalo. Tal
Escola jurídica deu uma melhor contribuição para a atual definição de medida de
segurança, priorizando o estudo da periculosidade como base da responsabilida e à
prevenção especial como fim da pena. Sob essa linha de raciocínio, o crime não é
mais julgado como um episódio isolado, ganhando destaque as características
físicas e psíquicas de quem o praticou. O foco deixa de ser a distinção entre
imputáveis e inimputáveis e a periculosidade se torna a base da atuação penal.
Desse modo, todos os delinquentes são tidos como perigosos, em menor ou
maior grau. Nesse caso, a pena tradicional perde sua importância e a prevenção
especial terá valor no tratamento do infrator a fim de possibilitá-lo a reconviver em
sociedade. A preocupação passa a ser com a prevenção e o autor do crime seria
posteriormente posto sob o tratamento mais correto para a tentativa de “consertar”
seus desvios de conduta, de modo que pode-se atribuir à Escola Positiva o
desenvolvimento das medidas de segurança, o estudo sobre as características do
delinquente e uma melhor individualização das penas.
Segundo Luiz Regis Prado1, Lombroso buscava a caracterização do
delinqüente pela antropobiologia, onde foi feito um estudo com mais 25.000 presos
para chegar a essa concepção. Ferri, como discípulo de Lombroso, além da
antropobiologia, também deu um enfoque sociológico ao delinquente, em que as
condições sociais do homem também dariam causa ao crime. Após a concepção do
delinqüente por fatores biológicos em que é influenciado por taras atávicas e fatores
patológicos em conjunto com fatores sociais, e desta forma ficou a Garófalo, a
responsabilidade de sistematizar a ciência jurídica, traduzindo os postulados
positivistas para o direito penal e de tal maneira desenvolveu a “temibilidade” que
por sua vez deu lugar a periculosidade.
1 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro - parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.458
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Segundo Eduardo Reale Ferrari2, o positivismo criminal teve grande
importância ao ressaltar que o direito penal deve focar a realidade humana,
atentando que o delito é um ato do homem, sujeito às leis do seu comportamento e,
principalmente, ter lançado a idéia do delito como um estado de desajustamento
social de suas causas antropo-sociológicas.
1.2 Consolidação das medidas de segurança
A sistematização das medidas de segurança só ocorreram de fato com o
anteprojeto do Código Penal suíço, de 1893 (elaborado por Carl Stooss), o qual
determinava a internação dos multireincidentes, substituindo a sanção penal, além
de prever a internação facultativa em casa de trabalho e o asilo para ébrios
contumazes, dentro outros. O artigo 40 desse Código estabelecia que, se
constatada a possibilidade de reincidência do condenado, este poderia ser internado
em um estabelecimento adequado por um período de 10 a 20 anos.
O primeiro sistema completo de medidas de segurança surgiu na Itália em
1930, apesar de ter havido alguns esboços nos Códigos Penais de Portugal (1896),
Noruega (1902) e Argentina (1921). O projeto do Código Penal italiano foi
primeiramente elaborado por Ferri, o qual escolhia pela unificação das sanções
penais, com a adoção de um sistema vicariante, em que pena e medida de
segurança seriam unificadas sob a denominação de “sanções penais”, aplicadas de
acordo com o critério de periculosidade subjetiva. Tal projeto não obteve êxito, e
então Arturo Rocco elaborou o novo Código Penal, no qual foi estabelecido o
sistema dualístico (cumprimento cumulativo de pena e medida de segurança). Na
Alemanha, todos os projetos que datam a partir de 1909 contemplavam medidas de
segurança, que foram introduzidas pela lei de deliquentes habituais (1933).
1.3 Evolução da medida de segurança no Brasil
No Brasil, Código Criminal do Império (1830) determinava que os insanos
deveriam ser entregues às suas famílias ou internados em casas especialmente
destinadas a acolhê-los, além de que os loucos não seriam julgados criminosos, a
2 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 157
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não ser que tivessem infringido as normas durante algum estado de lucidez. O artigo
64 previa que os deliquentes considerados loucos não seriam punidos enquanto se
conservassem em tal estado.O Código Penal de 1890 não alterou a norma que
tratava sobre o local que seriam encaminhados os loucos. Uma grande falha foi a
falta de referência aos semi-imputáveis, sendo incluídos, na maioria das vezes, na
categoria dos que se achavam completamente desprovidos de inteligência no
momento do crime.
O primeiro projeto do primeiro Código Penal republicano foi de Vieira de
Araújo, em 1893, o qual pretendia segregar o alienados em hospício penal até a
completa cura ou total inofensividade. No Código adotou-se o sistema duplo binário.
O criminoso primeiramente cumpria a pena e depois era internado em casa de
custódia e tratamento. Esse sistema era falho, pois, segundo Damásio de Jesus, em
alguns casos, a execução sucessiva da pena e da medida de segurança detentiva
significava apenas a transferência do detento de uma para outra ala do mesmo
estabelecimento penitenciário.
Em 1913, o projeto Galdino Siqueira pretendia a internação dos inimputáveis
perigosos em manicômios judiciários ou em hospitais de alienados, embora tal
projeto sequer chegou a ser alvo de deliberação legislativa. A sistematização das
medidas de segurança só ocorreu com o anteprojeto de Virgílio de Sá Pereira(1927),
no qual houve o reconhecimento da responsabilidade diminuída ou atenuada, além
da adoção do sistema do duplo binário.
O projeto de Alcântara Machado (1939), estabeleceu o princípio da legalidade
para as medidas de segurança e dividiu-as em medidas de natureza detentiva e
não-detentiva. O duplo binário foi mantido sob a justificação dos princípios
constitucionais que proibiam a pena indeterminada. O Código Penal de 1940 definiu
como critério da responsabilidade penal, a capacidade do indíviduo de entender se
determinada ação tem ou não caráter delituoso, classificando o inimputável como
aquele que é inteiramente incapaz de compreender o caráter delituoso do fato e o
semi-imputável como o que não possui total capacidade compreensão. A este último
é aplicada pena e medida de segurança, ao tempo que o inimputável é aplicada
apenas medida de segurança.
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As medidas do Código de 1940 eram divididas entre pessoais e patrimoniais.
As pessoais eram detentivas ( internação em manicômio judicial, casa de custódia e
tratamento, colônia agrícola, instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino
profissional) ou não-detentivas (liberdade vigiada, proibição de frequentar
determinados lugares, exílio local). As medidas patrimoniais se resumiam a
interdição de estabelecimento ou sede de sociedade ou associação e confisco. De
acordo com Luiz Régis Prado esse Código3 considerou inimputável aquele
completamente incapaz de entender o caráter delituoso de algum ato e de direcionar
sua atuação de acordo com esse caráter. Neste diploma também ficou previsto que
a periculosidade não podia ser presumida por lei
O anteprojeto do Código Penal de 1969 não modificou muito o seu
antecessor, embora permitisse aos semi-imputáveis a aplicação de pena atenuada
ou até mesmo a substituição desta por internação em manicômio judiciário ou em
outro estabelecimento psiquiátrico anexo. Se curado, era permitido retornar para
cumprir o restante da pena, garantindo o seu direito ao livramento condicional. Mas
se após o fim da do prazo da internação o indíviduo não demonstrasse estar com
boa saúde mental, ele ficaria internado por prazo indeterminado, sendo essa norma
a precursora da implantação do sistema vicariante.
O artigo 26 da nova Parte Geral do Código Penal (1984) repete literalmente o
texto do antigo artigo 22 do texto original (1940), mas adiciona ao seu final uma
alteração que permite a substituição da pena pela medida de segurança ao semi-
imputável que necessite de especial tratamento curativo. Também afasta a medida
de segurança para o imputável, restando-lhe somente a pena. Grande mudança foi
também o afastamento do duplo binário, que estava em completo descrédito e a
restrição das medidas de segurança, restando apenas a internação em hospital de
custódia e o tratamento ambulatorial. Cezar Roberto Bitencourt4 define que a
aplicação conjunta de pena e medida de segurança lesa o princípio do ne bis in
idem, o qual ordena que não se deve haver duas punições sobre um mesmo delito.
3 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro - parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 460
4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1. 11. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 141
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A atual Lei Federal 10.210/2000 prescreve que os doentes mentais tem
direito a tratamentos realizados com humanidade e respeito, tendo assegurados a
proteção contra qualquer forma de exploração e direito a receber informações a
respeito de sua doença. Nota-se que as leis atuais buscam por medidas mais
humanas e que possam buscar o objetivo de cura do paciente submetido a
tratamento, evitando assim abusos cometidos em épocas passadas, os quais
colocavam os deliquentes em condições sub-humanas, impedindo qualquer chance
de melhoramento da saúde mental dos condenados.
2. Comparações entre pena e medida de segurança
Conforme entende José Frederico Marques5, penas e medidas de segurança
são dois caminhos utilizados para reparar um mesmo mal (o delito), com o mesmo
objetivo (a defesa social), cada uma com características próprias.
A primeira diferença entre pena e medida de segurança é o fundamento de
ambas, enquanto a pena baseia-se na culpabilidade do agente, a medida de
segurança preocupa-se com a periculosidade do agente, ou seja, um eventual risco
que poderá correr a sociedade de acordo com as características psíquicas de
determinado indivíduo. Para estabelecer um limite para a medida de segurança, é
medida a periculosidade do sujeito ativo, ao passo que a pena é calculada de acordo
com a gravidade do delito, estando envolvido ne cálculo o injusto e a culpabilidade.
Eduardo Reale Ferrari6 faz uma ressalva acerca da socialização, dizendo que
esta não justifica a medida de segurança, o que justifica sua aplicação é o fato de se
tentar evitar a prática de crimes futuros. Periculosidade não é ensejo a uma
socialização forçada.
De acordo com os ensinamentos de Maggiore7, a pena é uma sanção
repressiva, que intervém após o delito, e serve não para impedir ulteriores delitos,
5 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. v. III, 1ª ed. atual. Campinas, Millennium, 1999. p. 104
6 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 60
7 MAGGIORE, Diritto penale, Bologna, 1958, p. 793 apud Nelson Hungria; Heleno Cláudio Fragoso, Comentários ao Código Penal, 1 v., T. II, 5ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 452.
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mas para retribuir o mal do crime com um outro mal. A pena não previne, não
defende, não cura, não ressocializa, não reabilita: pune. A pena repousa somente
sobre a culpa: pressupõe homens livres e imputáveis e não pessoas destituídas de
liberdade e imputabilidade. A medida de segurança serve como providência
preventiva, tendo lugar após o crime, mas não por causa dele; não visa a retribuir
uma culpa, mas impedir um perigo; logo não pretende ser um mal (embora possa
fazer sofrer), mas apenas uma medida que impede a pessoa perigosa de prejudicar
ou de prejudicar mais. A medida de segurança, pois, não pressupõe homens livres
culpáveis e imputáveis, mas indivíduos que estão eventualmente fora do mundo
moral"
O sujeito será o principal alvo de análise para definir a aplicação de pena ou
medida de segurança. Os imputáveis sofrerão a pena e os inimputáveis receberão a
medida de segurança. O detalhe está nos semi-imputáveis: poderão tanto receber
pena ou medida de segurança, a diferença é que os que necessitarem de especial
tratamento curativo sofrerão esta última opção, aos demais caberá a pena. O
objetivo da pena é a busca pela reafirmação do ordenamento jurídico, objetivando
ao cumprimento das normas e atendendo às exigências relacionadas à prevenção
geral; a medida de segurança foca na prevenção, tentando tratar o delituoso e
também evitando que sociedade seja vítima de sua ação, a qual muitas vezes é feita
de forma inconsciente.
Assim, percebe-se que embora pena e medida de segurança apliquem
sanções a sujeitos infratores, o objetivo delas é diverso, principalmente pelo fato de
tratarem de indivíduos com capacidade mental inferior. Na medida de segurança
percebe-se a preocupação em tratar o doente mental, uma vez que o próprio pode
causar danos a si próprio e a sociedade, além de que o mesmo não consegue
distinguir uma ação passível ou não de punição. Não seria razoável aplicar uma
pena a inimputável, pois a pena não teria o efeito desejado, pois provavelmente tal
indivíduo não seria capaz de assimilar a pena como uma punição por determinado
ato que infringiu as normas jurídicas e também tal indivíduo não se recuperaria
mentalmente se fosse apenas encarcerado ou se continuasse posto em liberdade.
Então, é necessária a medida de segurança para que possa dar uma atenção
especial ao infrator que não tenha toda ou nenhuma capacidade de discernimento.
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3. Sistemas de aplicação das Medidas de Segurança
Existem três sistemas existentes no direito quanto à aplicação das Medidas
de Segurança, o Sistema Dualista, Sistema Monista, Sistema Vicariante.O primeiro,
é mais denominado Duplo Binário, é resultado da concepção de Stoss, que
propugna a vinculação da pena à culpabilidade e da medida de Segurança à
periculosidade. De acordo com esse sistema, é permitida a imposição cumulativa da
pena e da medida de segurança. Tal sistema era o usado na redação pretérita do
Código Penal Brasileiro de 1940.
O Sistema Monista conjuga três tendências: absorção da pena à culpabilidade
e da medida de segurança à medida de segurança à segurança; absorção da
medida de segurança pela pena; unificação das penas e das medidas de segurança
em outra sanção distinta, com duração mínima proporcional à gravidade do delito e
máxima indeterminada, sendo a execução ajustada à personalidade do delinqüente
e fins de readaptação social.
E, por último, o sistema vicariante, usado atualmente no nosso código penal
a partir da reforma de 1984.Este sistema é o da substituição, caracterizado por ser
uma variante do sistema dualista, pela qual determina a aplicação de pena reduzida,
e um a dois terços, ou medida de segurança aos semi-imputáveis, não podendo
haver cumulação entre ambas.
Um dos maiores críticos do sistema de duplo binário e defensor do sistema
vicariante é Álvaro Mayrink8, o qual relata que enquanto era diretor de
estabelecimento penal (em 1966), o duplo-binário era uma fantasia e não uma
realidade. Não havia estabelecimentos penais próprios para custodiar os semi-
imputáveis, e as medidas de segurança aplicáveis aos imputáveis eram
transformadas em liberdade vigiada após simbólico exame de verificação de
cessação de periculosidade. Ou seja, a nova legislação é muito mais racional ao
deixar válido o sistema vicariante, pois acaba tendo mais êxito na prática, além de
não ferir o ordenamento constitucional.
4. Espécies de medidas de segurança no Brasil
8 COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 3, p. 930.
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O artigo 96 do atual Código Penal brasileiro prevê duas espécies de medida
de segurança: internação em hospital de custódia e tratamento psiquíatrico; sujeição
a tratamento ambulatorial.
Júlio Mirabete9 ressalta que a internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico representa, a rigor, a fusão de medidas de segurança previstas na
legislação anterior: a internação em manicômio judiciário e internação em casa em
casa de custódia e tratamento. Estabeleceu-se uma medida idêntica para os
inimputáveis e semi-inimputáveis, que deverão ser submetidos a tratamento,
assegurada a custódia dos internados.
A internação em hospital de custódia e o tratamento psiquiátrico foram postos
na tentativa de proteger a sociedade da ação de indivíduos mentalmente doentes e
com possibilidade de transgredirem a norma penal novamente. O internado será
submetido a exames psiquiátrico, criminológico e de personalidade, de acordo com
os artigos 8º e 9º da Lei de Execução Penal (Lei 7210/84). Tal punição é de caráter
detentivo e destina-se obrigatoriamente aos inimputáveis que tenham cometido
crime punível com pena de reclusão e facultativamente aos que tenham praticado
delito cuja natureza da pena abstratamente cominada é de detenção, tal qual está
no artigo 97 do Código Penal.
O artigo 98 determina que o semi-imputável poderá ter a pena privativa de
liberdade substituída por medida de segurança, inclusive na modalidade de
internação, necessitando da comprovação para o especial tratamento curativo.
O tratamento ambulatorial não tem caráter detentivo tem caráter restritivo, no
qual há uma série de cuidados médicos reservados à pessoa em tratamento,
embora não haja internação deste. O deliquente submetido a tratamento
ambulatorial deve comparecer nos dias que lhe forem determinados pelo médico,
para a aplicação da modalidade terapêutica prescrita. Os indivíduos passíveis de
sofrer essa punição são os inimputáveis e semi-inimputáveis cuja pena privativa de
liberdade seja de detenção.
O parágrafo 4º do artigo 97 do CP orienta que em qualquer fase do
tratamento ambulatorial, o juiz poderá determinar a internação do agente, no caso
9 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2007
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de necessidade para fins curativos. Doutrinariamente, o tratamento ambulatorial é
visto apenas como uma possibilidade, sendo que a regra geral é a internação. É
necessário provar que o infrator pode ficar em regime ambulatorial, se não for
comprovada essa compatibilidade do agente com essa medidad de segurança, será
utilizado o método da internação.
É correto a precaução adotada pelo legislador em permitir ou não que certos
agentes possam desfrutar do tratamento ambulatorial. A análise das condições
individuais do agente deve ser cuidadosa, sob risco de colocar no convívio social um
perigoso indivíduo, o qual poderá causar novos danos à sociedade. Então, na
dúvida, não pode haver brechas para novos delitos, não podendo apressar o
tratamento do doente mental.
5. Locais de internação e tratamento
A legislação de 1940 previa a internação em manicômios judiciários.
Atualmente, os manicômios foram substituídos pelo hospital de custódia, embora
este não seja comum na maioria dos lugares, dando lugar aos antigos manicômios.
O artigo 14 da Lei de Execução Penal indica que se o local não estiver ajustado para
realizar um bom tratamento médico psiquiátrico, o mesmo pode ser prestado em
outro lugar mediante autorização da direção do estabelecimento. O caput do artigo
43 da LEP libera a contratação de um médico pessoal para acompanhar o
tratamento, sendo que qualquer divergência no tratamento entre o médico oficial e o
particular será resolvida pelo juiz da execução.
O artigo 101 da LEP permite que o local do tratamento ambulatorial seja
diverso do hospital de custódia, desde que tenha um aparelhamento médico
adequado. Ou seja, é possível que o atendimento no tratamento ambulatorial se
efetue em qualquer local que tenha todos os requisitos necessários para um bom
atendimento médio. Dessa forma a lei facilita a execução dos procedimentos
médicos e até afasta de certa forma o risco de superlotação dos hospitais de
custódia.
6. Prescrição das medidas de segurança
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De acordo com Celso Demanto10, prescrição é quando o Estado perde o
direito de punir devido ao decurso de tempo, ou, em outras palavras, o Estado, por
sua inércia, perde o direito de punir. A primeira figura do inciso IV, do artigo 107, do
Código Penal, prevê a prescrição como causa de extinção da punibilidade. A
extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva
abrange a medida de segurança imposta na sentença, conforme preceitua o art. 96
do Código Penal. A própria Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos XLII e
XLIV preve essas únicas hipóteses de imprescritibilidade punitiva.
No entanto, a doutrina apresenta várias correntes quanto à possibilidade de
aplicação da prescrição executória. Guilherme Nucci11 lista três correntes
doutrinárias diversas.
A primeira corrente defende que só se aplica a prescrição da pretensão
punitiva, porque para a executória exige-se a fixação da pena, o que não acontece
nos casos de medida de segurança. Portanto, antes da decisão, é possível, depois,
não.
Uma segunda corrente defende que aplicam-se ambas as prescrições,
pretensão punitiva e pretensão executória. No caso da executória, justificam que
deve ser aplicada, uma vez que não há pena e sim medida de segurança,
calculando-se a prescrição pela pena máxima em abstrato fixada ao crime.
Por fim, há quem defenda que, em se tratando de medida de segurança,
aplica-se normalmente a prescrição da pretensão punitiva, quando antes da decisão;
após, diante do silêncio da lei, o melhor a fazer é verificar, antes de efetivar a
medida de segurança de internação ao foragido, se o seu estado permanece o
mesmo, ou seja, se continua perigoso e doente. Caso tenha superado a
periculosidade, não mais se cumpre medida de segurança.
No entendimento de Nucci, a melhor posição é a segunda, podendo, ainda,
ser considerada a terceira em casos especiais, em face de seu caráter utilitário.
10 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6. ed. atual. e ampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 273
11 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6. ed. atual. e ampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 273
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Afinal, existindo decisão demonstrativa da enfermidade e da periculosidade, pode-se
então executá-la sem necessidade de reingresso na área cível.
7. Duração das medidas de segurança
O artigo 171 da Lei de Execução Penal determina que a medida de segurança
só será executada após o trânsito em julgado da sentença. Para que se execute a
medida de segurança é necessário a expedição do guia de internamento ou do
tratamento ambulatorial, de acordo com o artigo 173 da LEP. Passa a ser proibido
impor medida de segurança provisória, como previa o Código Penal de 1940,
resguardando essa regra a garantia individual de liberdade.
A legislação brasileira prevê prazos mínimo e máximo para a medida de
segurança. O prazo mínimo fixado pelos artigos 97 e 98 do Código Penal é de um a
três anos, independentemente do delito praticado. O critério para fixação do prazo
mínimo exato depende do grau de maior ou menor periculosidade do agente,
diferentemente da legislação passada, que relacionava o prazo de acordo com a
quantidade da pena privativa de liberdade cominada ao delito.
O parágrafo 1º do artigo 97 do Código Penal determina que a internação e o
tratamento ambulatorial são por tempo indeterminado, sendo que somente a perícia
médica poderá a cessação da periculosidade. Tal dispositivo é bastante polêmico,
uma vez que contraria a proibição de penas perpétuas. O princípio da legalidade dos
delitos e das penas garante ao condenado o direito de saber a duração da sanção
que lhe será imposta, impedindo assim uma reclusão por tempo indetermiando,
podendo até mesmo ser perpétua. Há quem defenda a imposição de medida de
segurança de acordo com o tempo máximo da pena que seria aplicada ao delito
cometido para os inimputáveis, e no caso dos semi-imputáveis, pela quantidade de
pena que seria cumprida por ele, se não tivesse sido substituída.
Entretanto esse assunto merece uma maior discussão, não sendo tão simples
assim sua solução, pois a lei não prevê essa analogia entre pena e medida de
segurança. Tais aplicações, como anteriormente visto, tem diferenças fundamentais
pois não atingem as mesmas pessoas, tem objetivos e fundamentos diferentes.
Assim, é necessário que a lei sofra modificações para que corrija esse “erro” gerado
por tal artigo do Código Penal.
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Para Eduardo Reale Ferrari12, num Estado de Direito não faz sentido a
imposição de limites mínimos obrigatórios a qualquer ilícito-típico pelo legislador,
sendo que é uma garantia jurídica a possibilidade de verificar-se a cessação da
periculosidade a qualquer tempo. É inconcebível a admissibilidade de limites
mínimos obrigatórios, já que é possível a cessação da anomalia do delinquente-
doente a qualquer tempo.
A própria lesgislação prevê a possibilidade de o exame de cessação da
periculosidade ser realizado antes mesmo do término do prazo mínimo (exame
extraordinário), até mesmo no prazo inferior a um ano. Assim, Ferrari13 acredita que
falta ao Código Penal brasileiro definir sobre a inexistência de limites mínimos
obrigatórios de duração dos prazos das medidas de segurança, tornando possível a
realização da perícia médica a qualquer tempo, fazendo valer a concepção isolada
prevista no artigo 176 da Lei de Execução Penal.
Eduardo chama a atenção à incoerência e desigualdade existente entre os
limites máximos das medidas de segurança criminais para o inimputável se
comparado ao imputável, que cumpre no máximo 30 anos de prisão (de acordo com
o artigo 75 do Código Penal). Para uma melhor interpretação dessa questão, deve-
se pensar na necessidade de restrição à intervenção estatal, fazendo necessário a
fixação de um prazo máximo para a execução das medidas de segurança.
É necessário que se atente aos princípios da igualdade e proporcionalidade,
devendo calcular o prazo da medida de segurança de acordo com a pena
abstratamente cominada aos seus ilícitos-típicos cometidos. Dessa forma, deve-se
pensar que tão logo alcançado o prazo máximo da pena abstratamente cominada ao
ilícito-típico praticado pelo inimputável ou semi-imputável, será dada a liberação do
delinquente, lembrando que deverá ser declarada a interdição civil para os
inimputáveis e até mesmo para os semi-imputáveis, de acordo com os casos
previstos em lei.
12 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 43
13 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 195
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Eduardo Ferrari14 afirma que não se legitima a permanência do infrator em
hospital de custódia ou em tratamento psiquiátrico após atingir o suposto prazo
máximo, pois já não representa proteção criminal, uma vez que a própria lei também
prevê limites às penas. O doente mental não pode ser punido por falhas cometidas
pelo Estado, sendo que o processo final seria a reinserção do indíviduo na
sociedade de forma gradativa, levando a uma adaptação do indivíduo com sua nova
realidade.
O fato do Estado não se dispor a oferecer tratamento ao delinquente recém-
saído de uma medida de segurança deve-se, provavelmente, ao fato de aumentar
seus encargos e também responsabilidade sobre o delinquente e a sociedade como
um todo. É preciso que se entenda a medida de segurança não só como uma
intervenção do Estado na esfera penal mas também como uma preocupação com a
saúde coletiva. Há a proposta de uma desinternação progressiva, com a
manutenção de tratamentos psicológicos e atividades que possam de fato reinserir o
paciente no mundo “real”.
Nessa mesma corrente de pensamento, Lara Gomides de Souza15 afirma que
é perfeitamente possível o pensamento de que as medidas de segurança também
não poderiam ultrapassar o prazo de 30 anos de duração. Mesmo porque, se o que
se busca com a internação é o tratamento e a cura, ou recuperação do internado e
não sua punição, 30 anos é um prazo bastante razoável para se conseguir esse fim.
O caso mais famoso e assombroso no Brasil é, sem sombra de dúvida, o do Índio
Febrônio do Brasil, que ficou 57 anos num hospital de custódia no Rio de Janeiro. Lá
entrou com 27 e morreu com 84 anos, prazo que cumpriu integralmente dentro do
hospital, sendo submetido à medida de segurança.
Eugenio Zaffaroni e José Piarangeli16 alegam que não é constitucionalmente
aceitável que, sob a alegação de tratamento, se coloque a possibilidade de uma
14 Idem p.19215 SOUZA, Lara Gomides de. O Caráter Perpétuo das Medidas de Segurança. 09 de agosto de 2006. Texto
extraído de: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20060809115009620 .> Acessado em 10 de outubro de 2011.
16 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIARANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte geral. 5º ed. São Paulo. RT 2004. p. 858
16
privação de liberdade perpétua como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite
máximo é o interprete quem tem a obrigação de fazê-lo.
Por outro lado, Rogério Greco17 entende que enquanto houver necessidade
de tratamento para solucionar a doença mental do inimputável, não é possível fixar
prazo certo de duração. Para este autor, somente quando a perícia médica constatar
a cessação da periculosidade do agente é que este poderá ser liberado. Poderá
ocorrer até mesmo que o paciente fique sob medida de segurança até sua morte.
Desse modo, Greco posiciona-se a favor de uma intrepretação restritiva da lei, sob a
alegação de que um doente mental em liberdade poderá causar graves danos a si
mesmo e à sociedade, por isso a necessidade de internação por tempo
indeterminado.
O Supremo Tribunal Federal já emitiu parecer sobre a indeterminação do
prazo na medida de segurança. O processo HC 84219/SP, DJ 23/09/2005 garantiu
que a medida de segurança acompanharia a pena em relação à sua duração
máxima, utilizando a analogia de acordo com o artigo 75 do Código Penal, de tal
forma que essa decisão faria com que os demais órgãos judiciários também
decidissem de modo semelhante em todo o território nacional. Logo, abre-se um
precedente fundamental para que não se aplique a regra equivocada de
indeterminação do prazo na medida de segurança, garantindo que os direitos dos
cidadãos sejam cumpridos e que a interpretação da lei pelos juristas seja a mais
plausível possível, respeitando todos os princípios inerentes ao ordenamento jurídico
brasileiro.
8. Exame de verificação da cessação de periculosidade
O Código Penal, em seu artigo 97, define que a perícia médica para
verificação da cessação da periculosidade será realizada ao fim do prazo mínimo
fixado por lei, sendo repetida de ano em ano ou a qualquer tempo, de acordo com a
determinação do juiz da execução. Decorrido o prazo mínimo o juiz pode determinar
ex officio a repetição desse exame a qualquer tempo. Há uma exceção a essa regra,
na qual o Ministério Público ou qualquer interesssado pode requerer a realização do
17 GRECO, Rogério. Curso de direito Penal – Parte Geral. Volume I. Niterói-RJ: Editora Impetus. 2006. p.729
17
da perícia antes de um ano após findo o prazo mínimo, de acordo com a Lei de
Execução Penal, artigo 176.
O médico particular, previsto no artigo 43 da LEP, poderá participar como
assistente técnico no exame de verificação de periculosidade, baseando-se no
princípio constitucional da ampla defesa (artigo 5º, IV).
O exame deve ser remetido ao juiz pela autoridade administrativa
competente, sob a forma de um detalhado relatório, acompanhado do laudo
psiquiátrico, devido ao fato do diagnóstico da periculosidade ser atividade difícil e
imprecisa. Por isso que Nelson Hungria observa que o exame só poderá ser feito por
médicos especializados, cujas conclusões deverão se basear em rigorosas provas,
após atenta apreciação.
De acordo com Saldaña18, a psiquiatria jurídica, assim como a medicina legal,
tem total importância para o bom andamento do Direito penal, pois é ela que vai
oferecer os dados médicos sobre determinado delituoso e poderá definir ou não a
incapacidade intelectual deste. Sem a medicina ficaria muito difícil a ação do Direito,
pois faltaria onde ele se apoiar para praticar a justiça.
Luiz Flávio Gomes19 ressalta que quando cessa a medida de segurança
também cessa a jurisdição da justiça penal e que se a loucura persistir no indivíduo,
ele deverá ser encaminhado para continuar tratamento na rede pública de saúde,
sem qualquer intervenção da justiça penal.
8.1 Desinternação ou liberação condicional
Após comprovada por perícia médica a cessação da periculosidade, o juiz da
execução ordenará a revogação da medida de segurança, com a desinternação ou
liberação, de acordo com o tipo de medida de segurança imposto, aplicando ao
beneficiário as condições próprias do livramente condicional, de acordo com o que
18 SALDAÑA, Quintiliano. Nova criminologia. Traduzido por Alfredo Ulson e V. de Alcântara Carreira. Campinas: Russell Editores, 2006. p.120
19 GOMES, Luiz Flávio. O louco deve cumprir medida de segurança perpetuamente?. Disponível em: . Acesso em 12 de outubro de 2011. http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BB1EB1120-5CB9-4E75-95C7-B82AE42055DC%7D_1.pdf
18
está previsto no artigo 178 da LEP. Fala-se me suspensão da medida de segurança,
pelo fato de que o infrator só terá revogada sua medida se durante um ano não
praticar ato indicativo de persistência da periculosidade, conforme anteriormente
dito.
9. Princípios penais aplicados às medidas de segurança
O ordenamento jurídico contem valores, princípios e regras. Parte-se da idéia
de que esse ordenamento é regido por valores, os quais orientam a intrepretação de
princípios e regras. Tais valores podem ser traduzidos como “saúde”, “educação”,
“justiça”, tendo assim uma natureza bastante abstrata, dificultando uma aplicação
direta nos casos enfrentados pelo judiciário. Em um patamar mais concreto que os
valores encontram-se os princípios, que são os pilares do sistema jurídico, servindo
de parâmetro para a interpretação e integração de todo o conjunto de leis. São mais
gerais e abstratos que as regras, mas revelam maior proximidade com os valores
políticos e jurídicos de uma sociedade.
Assim, os princípios se caracterizam por ser genéricos, na maioria das vezes
não podendo ser direcionar para a solução de um caso específico e determinado,
mas sim de vários casos, pois há várias normas que se regem pelo mesmo princípio
ou uma única norma que contem mais de um princípio. Entretanto, um caso até
pode ser decidido por um princípio quando há a inexistência de uma regra própria.
Desse modo, o magistrado terá que interpretar um princípio, buscando qual a
finalidade do princípio, ou seja, o que ele “quer atingir”.
Eduardo Reale Ferrari20 diz que a Constituição Federal em seu artigo 1º
estabelece o Brasil como um Estado Democrático de Direito. Então, por pertencer a
uma das espécies de sanção penal impostas pelo Estado, a medida de segurança
criminal deve observar todas as garantias e princípios constitucionais inerentes à
pena.
Os princípios são: da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade da lei
penal, intervenção mínima, da proporcionalidade, da humanidade das respostas
penais, da lesividade (ou da exclusiva proteção dos bens jurídicos), da
responsabilidade pessoal, da presunção de inocência, da individualização.
20 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.91
19
O princípio da legalidade é um dos mais importantes do Direito Penal, no qual
há a garantia de que nenhum fato pode ser considerado delituoso, nem tampouco
uma sanção penal poderá ser aplicada sem que haja uma lei que tenha previsto
alguma forma de punição para o fato praticado. Dentro do princípio da legalidade há
outros subprincípios, como o Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia, que a lei
deve ser anterior ao fato que se deseja incriminar e que somente a lei mais benéfica
poderá retroagir em favor do réu. Conforme Santiago Mir Puig, Nullum crimen, nulla
poena sine lege scripta garante que somente a lei formal escrita, editada pelo Poder
Legislativo, pode determinar crime e cominar sanção penal. O Nullum crimem, nulla
poena sine lege certa traz a idéia de que a lei penal que impõe delitos e comina
sanções deve possuir clareza, sem a utilização de termos vagos, genéricos, vazios,
ambíguos.
O princípio da anterioridade e da irretroatividade da lei penal é uma
consequência do princípio da legalidade, no qual a lei somente pode regular
condutas que tenham sido praticadas após a sua edição, incidindo somente sobre
atos futuros, pois somente com a lei é que o indivíduo poderá ter consciência se
determinado ato será passível ou não de pena. O princípio da intervenção mínima
garante que o Estado deverá buscar a solução menos conflituosa possível para
reparar os danos de uma ação delituosa.
O princípio da proporcionalidade, em conjunto com o da intervenção mínima,
evita que o Estado pratique abusos na imposição de penas, sendo que estas devem
ser proporcionais ao fato criminoso. Mir Puig21 diz que este princípio apresenta
grande importância para as medidas de segurança, pois evita a imoderação estatal,
até mesmo na imposição de prazo indeterminado. O princípio da humanidade das
respostas penais é consequência de um Estado Democrático de Direito, no qual se
impede a aplicação de penas que transgridam a dignidade humana, proibindo, por
exemplo penas corporais. Em relação às medidas de segurança, esse princípio tem
21 MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal. Parte General, 8a Ed. Reppertor, Barcelona, 2008. p.116
De acordo com Mir Puig: “Con la exigencia de una lex scripta queda, desde luego, excluida la costumbre como posible fuente de delitos y penas. Mas tampoco basta cualquier norma escrita, sino que es preciso que tenga rango de ley emanada del Poder Legislativo, como representación del pueblo. Esto último afecta el sentido de garantía política del principio de legalidad.”
20
total importância, ao garantir que o tratamento em hospitais de custódia e o
ambulatorial respeitem as condições especiais de cada infrator.
O princípio da lesividade ou exclusiva proteção dos bens jurídicos garante
que somente podem ser considerados crimes as ações que ofendam bem jurídico
alheio, impedindo a punição de uma atitude interna, na qual a conduta não exceda o
âmbito do próprio autor. O princípio da responsabilidade pessoal foca na idéia de
que ninguém poderá ser responsabilizado penalmente sem que tenha realizado uma
conduta dolosa ou culposa, evitando assim a responsabilidade penal objetiva ou
presumida.
O princípio da presunção da inocência garante que todos os indivíduos são
inocentes até que haja prova cabal do cometimento de algum delito, respeitando
assim o Estado Democrático de Direito. De acordo com Reale Ferrari, esse princípio
é de fundamental importância pois determina que o acusado não está obrigado a
produzir provas de sua inocência e que o acusado venha a ter sua liberdade
suprimida ou restringida antes do reconhecimento de sua culpa. O princípio da
individualização garante que a pena deve ser individualizada, sendo impossível
abarcar na mesma condenação duas ou mais pessoas, mesmo que elas tenham
participado do mesmo crime. Isso se dá pelo fato de que embora um crime pode ser
praticado por mais de um indivíduo, suas contribuições podem ser diferentes,
levando a penas diferentes. Assim como cada indivíduo tem sua periculosidade, a
medida de segurança não deve ser generalizada.
Conclusão:
Assim como o ordenamento jurídico em geral, a medida de segurança sofreu
importantes alterações ao longo do tempo, adquirindo boa parte do seu formato
atual graças à Escola Positiva, a qual teve papel de destaque ao focar o
comportamento individual nos seus estudos. Outro ponto interessante foi a adoção
do sistema vicariante em detrimento do duplo binário, afastando a possibilidade de
punir um mesmo delito duas vezes, com a aplicação de pena ou medida de
segurança, nunca as duas na mesma condenação.
O assunto mais discutido nesse presente artigo foi os prazos mínimos e
máximo da medida de segurança. Primeiramente, o prazo mínimo é importante para
21
verificar a cessação, possibilitando que o infrator possa ser liberado antes mesmo de
terminar o tempo de sua condenação se for verificada a cessação de periculosidade.
O artigo 176 da Lei de Execução Penal foi um grande acerto do legislador, pois
possibilitou a realização de um exame extraordinário antes mesmo de findar o prazo
mínimo. É correto tal dispositivo pois permite que um indivíduo sem necessidade de
tratamento possa ser liberado da sua condenação, diminuindo o número de pessoas
atendidas pelo Estado e abaixando os gastos deste com o sistema prisional.
Por outro lado, o prazo máximo para as medidas de segurança não atende os
critérios constitucionais e lógicos. A inconstitucionalidade se dá pela existência de
prazo indeterminado para as medidas de segurança, ferindo o princípio da liberdade
individual pois isso poderia levar a um cumprimento perpétuo dessas medidas, uma
vez que a periculosidade de um agente pode durar a vida inteira. É necessário uma
reforma urgente acerca desse prazo indeterminado, pois essa norma fere o artigo 75
do Código Penal, o qual determina que o tempo de cumprimento das penas
privativas de liberdade não ultrapasse 30 anos.
O aspecto positivo acerca dessa indeterminação dos prazos é o julgamento
do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. No julgamento o STF se posicionou
contrário a indeterminação de prazo da medida de segurança, e, em analogia com
as leis que regem sobre a pena, decidiu que a aplicação da medida de segurança
não deve ultrapassar 30 anos, pois não se pode punir com pena privativa de
liberdade com tempo acima deste. Essa decisão vale tanto para hospital de custódia
como para tratamento ambulatorial. Se o infrator cometer outro delito após sua
liberdade é que poderá ser de novo punido, o que acontece com as punições em
geral.
Para concluir, pode-se afirmar que a medida de segurança é fundamental
para o bom andamento da justiça penal, pois ela prevê o tratamento do delinquente
com deficiência mental, protegendo tanto a sociedade quanto o cidadão
transgressor. A prisão comum não solucionaria seu problema, podendo até agravá-
lo, por isso nota-se a importância desse instituto jurídico para a saúde pública,
extendendo a atuação da lei penal, atingindo também a área administrativa. Cabe ao
legislativo a correção da indeterminação do prazo máximo e ao executivo o
22
melhoramento dos tratamentos psiquiátricos para os infratores sem total capacidade
mental.
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