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6 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ELAINE SAMPAIO BARBOSA OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A INTERNET E OS DESAFIOS PARA O DIREITO À PRIVACIDADE EM ESPAÇOS PÚBLICOS NITERÓI 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ELAINE SAMPAIO BARBOSA

OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A INTERNET E OS DESAFIOS PARA O DIREITO À PRIVACIDADE EM

ESPAÇOS PÚBLICOS

NITERÓI 2017

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ELAINE SAMPAIO BARBOSA

OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A INTERNET E OS DESAFIOS PARA O DIREITO À PRIVACIDADE EM

ESPAÇOS PÚBLICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Campo de Confluência: Sociologia Jurídica e Direito Civil

Orientador: Prof. Esp. Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão

NITERÓI 2017

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Universidade Federal Fluminense

Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direto

B

238

Barbosa, Elaine Sampaio.

Os novos direitos na Sociedade de Informação: o direito

à privacidade em locais públicos / Elaine Sampaio Barbosa.

– Niterói, 2017.

84 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em

Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2017.

1. Sociedade da Informação. 2. Internet. 3. Cultura. 4.

Direito à intimidade. 5. Privacidade. I. Universidade Federal

Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável.

II. Título.

CDD 340.2

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ELAINE SAMPAIO BARBOSA

OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A INTERNET E OS DESAFIOS PARA O DIREITO À PRIVACIDADE EM

ESPAÇOS PÚBLICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Campo de Confluência: Sociologia Jurídica e Direito Civil

Aprovada em 21 de julho de 2017

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão – UFF

Orientador

_______________________________________________________________ Examinadora 1

Paloma Abreu Monteiro – UFF

_______________________________________________________________

Examinadora 2

Carolina Lopes de Oliveira – PUC-Rio

NITERÓI

2017

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Ao meu pai (in memoriam), quem eu gostaria de abraçar em cada uma das minhas conquistas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor Ronaldo Lobão, que me ajudou com gentileza e

boa vontade desde o primeiro momento – inclusive da graduação. Sem dúvida

foi uma honra ter começado e terminado a faculdade orientada pelo seu

trabalho e suas ideias. Tenho muito carinho e gratidão, também, por todos os

outros professores que me ajudaram ao longo dessa jornada.

Ao escolher a UFF, escolhi viver o desafio da graduação entre duas

cidades, certa de que haveria uma fonte de onde eu poderia sempre obter as

forças necessárias para completar esse ciclo. Essa fonte foi: meu pai, minha

eterna referência de princípios, sem o qual eu não teria tanto orgulho de mim

especialmente nesse momento; minha mãe, que abraçou meu desafio com

amor desde o primeiro instante e resistiu pacientemente ao convívio diário com

tantas indecisões, urgências e incertezas; meus irmãos, que estimularam meu

amadurecimento e dividiram comigo seus lares e toda a minha família

amorosa, que sempre me incentivou. O amor que tenho deles e que tenho por

eles foi a base de tudo.

Também tive sempre o apoio de amigos e pessoas queridas, aos quais

agradeço em partes.

Sou muito grata às pessoas queridas da UFF, que sempre me

tranquilizaram no meio de mil e uma tarefas e me ajudaram lembrando horários

e informações importantes – além de terem sido ótimas companhias nas

partidas de sueca, cervejas e conversas, claro. Olhar para trás dá o melhor

aperto no peito que eu poderia sentir. Não consigo citar todos os que se

dispuseram a me ajudar e foram fundamentais para que eu esteja finalizando

essa etapa, mas dois deles são, sem dúvida, os que melhor representam as

pessoas com as quais compartilhei tantos momentos e vou lembrar sempre

com o coração: Pamela e Stefano, MUITO obrigada.

Sou igualmente grata à Luzia, pelo tempo e atenção sempre tão

dedicados e a todos os amigos que me dividiram com a UFF porque, mesmo

de fora, me ajudaram a passar pelos perrengues da graduação. Todo o

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incentivo, confiança, carinho, compreensão, todas as conversas e momentos

que passamos juntos ajudaram muito no meu caminho durante esses cinco

anos e nas minhas buscas pessoais. A presença de cada um na minha vida fez

e faz com que eu lembre sempre quem eu sou. Tenho tido os melhores

confortos que eu poderia encontrar em abraços profundamente fraternos no

meu começo de vida adulta. Especialmente à Carol, Dani, Gabs, Gabi,

Marcello, Martin, Nathalia, Pamela, Taty e Vanessa; meus parceiros de vida:

amo vocês.

Por tudo e a todos, minha imensurável gratidão.

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Memória

“Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.”

Carlos Drummond de Andrade

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RESUMO

A base da Sociedade da Informação é a internet, uma inovação tecnológica que traz e promete trazer cada vez mais transformações importantes na vida em sociedade. Com isso, traz, também, a necessidade de que o Direito acompanhe as mudanças nos padrões sociais, para que sejam amparadas futuras questões legais advindas dessa relação inédita do indivíduo com a tecnologia. O presente trabalho monográfico tem por objetivo analisar os aspectos jurídicos trazidos por essa nova onda tecnológica para o direito à privacidade em locais públicos a partir de um prisma sociológico sobre o devir histórico e as concepções sobre o que é público e o que é privado, bem como sobre o direito positivo e os mecanismos já existentes no que tange à proteção desses direitos pessoais e as novas percepções no universo jurídico. Assim, buscar-se-á perscrutar novos olhares dentro deste cenário social permanentemente em construção.

Palavras-chave: Sociedade da Informação. Internet. Cultura. Privacidade.

Espaços Públicos.

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ABSTRACT

The basis of the Information Society is the internet, a technological innovation that brings and promises to bring ever more important transformations in life in society. With this, it also brings the need for law to accompany changes in social standards, so that future legal issues arising from this unprecedented relationship of the individual with technology are supported. The present monographic work aims to analyze the legal aspects brought by this new technological wave for the right to privacy in public places from a sociological prism on the historical becoming and conceptions about what is public and what is private as well as on Positive Law and the existing mechanisms regarding the protection of these personal rights and the new perceptions in the legal universe. Thus, it will be sought to peer new looks within this social scene permanently under construction. Keywords: Information Society. Internet. Culture. Personal Privacy. Public Spaces.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................. 5

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 6

1. SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E PADRÕES SÓCIO-CULTURAIS .. 12

1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS DA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO ........ 12

1.1.1 A Sociedade da Informação e outras sociedades .................................. 12

1.1.2 Tecnologia, sociedade e cultura ............................................................. 14

1.2 A INFORMAÇÃO COMO ELEMENTO DE PODER ................................ 17

1.2.1 O conceito de informação ...................................................................... 17

1.2.2 Poder da Informação e a Informação líquida ......................................... 18

1.3 O CIBERESPAÇO ................................................................................. 22

1.3.1 A internet – o meio ................................................................................. 24

1.4 A VULNERABILIDADE PESSOAL ......................................................... 26

1.4.1 Produção, compartilhamento e disseminação da informação................ 28

2 A PRIVACIDADE E SEUS ASPECTOS SÓCIO-JURÍDICOS ............... 29

2.1 A ORIGEM DO DIREITO À PRIVACIDADE ............................................ 29

2.2 O DIREITO À PRIVACIDADE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ......... 31

2.2.1 A privacidade e o princípio da dignidade da pessoa humana ................ 31

2.2.2 A transnacionalização do direito à privacidade ...................................... 33

2.2.3 O direito à privacidade no Brasil ............................................................ 36

2.3 A PRIVACIDADE E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO ............................ 38

2.4 O DIREITO À PRIVACIDADE E DIREITO À INTIMIDADE ..................... 39

2.5 A PRIVACIDADE SOB A ÓTICA DO DIREITO DE PERSONALIDADE .. 40

3 ESPAÇOS PÚBLICOS E ESPAÇOS PRIVADOS ................................. 44

4 A PRIVACIDADE EM ESPAÇOS PÚBLICOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO ...................................................................................... 51

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17

4.1 A VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DA

INFORMAÇÃO ...................................................................................... 51

4.2 O DIREITO À INVISIBILIDADE NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO ... 51

4.2.1 No Brasil ................................................................................................ 52

4.2.2 Caso Daniela Cicarelli............................................................................ 56

4.2.3 Casos anônimos .................................................................................... 59

4.2.4 O princípio da fraternidade e a liberdade ............................................... 63

5 CONCLUSÃO ........................................................................................ 67

REFERÊNCIAS ..................................................................................... 70

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5

APRESENTAÇÃO

Nos anos 90, enquanto eu crescia e tomava consciência de mim como

indivíduo e como parte de uma coletividade, acompanhei de perto a evolução

sem precedentes das tecnologias de massa e, consequentemente, a mudança

brusca dos padrões sociais no que diz respeito às relações pessoais e ao

entendimento do que é virtual e o que é real. Vi o telefone ser objeto de status

– valorizado e negociado como um carro –, ao passo que hoje as pessoas

sequer cogitam a possibilidade de ter uma linha fixa em casa, devido à sua

obsolescência. Durante essa transição, o computador despontou, então, como

o objeto de desejo. E a partir dele, o acesso à internet. O devir estava

completamente mudado.

Com o começo da vida em um ambiente informatizado, a virtualização

ganhou proporções inimagináveis até que, pela referência analógica que eu

tinha, percebi que mesmo para mim e pessoas da minha geração, que estavam

se desenvolvendo junto dessas tecnologias, era difícil entender onde começava

e terminava a própria identidade dentro e fora do mundo interconectado.

Durante a faculdade de Direito passei a ter um olhar mais crítico, sobre

os conflitos, inclusive geracionais, causados pelo advento da tecnologia como

foi instituída na vida cotidiana da minha geração, de modo que sentia sempre a

necessidade de que fossem discutidos os padrões, e redefinidos os conceitos

ou acolhidos os novos conceitos, principalmente no ambiente jurídico.

Para entender melhor os caminhos jurídicos sobre o assunto, vi no

trabalho monográfico uma oportunidade de me debruçar sobre o tema a fim de

entender melhor as nuances das mudanças e os pontos nodulares que

deveriam ser trazidos à luz para que a sociedade evolua da melhor maneira

possível. Assim, espero ajudar a levar a discussão da privacidade em locais

públicos a melhores reflexões dentro não só do ambiente jurídico, mas também

da sociedade como um todo.

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INTRODUÇÃO

Na Sociedade da Informação, onde a fusão de tecnologia com a vida

cotidiana transpõe as fronteiras entre o físico, o biológico e o digital, tem

grande importância a análise da privacidade – entendida como o direito de

estar só e, assim, fora do alcance da percepção alheia – nos espaços públicos,

concebidos como ambientes de livre acesso, onde a presença do indivíduo fica

plenamente manifestada, visto que é nesse momento de exposição que a

questão da privacidade vem à tona. Mesmo que a princípio pareça incoerente

associar o espaço público à ideia de reserva pessoal, é imprescindível pensar

na preservação do indivíduo no sentido de que lhe seja garantido o direito de

não ter sua presença captada e divulgada arbitrariamente, sem o seu

conhecimento.

A internet – fruto dos progressos das Tecnologias da Informação e

Comunicação (TICs)1 – atualmente é o veículo mais utilizado para as

atividades de comunicação e conta com um aparato comunicacional de

características de interatividade radicalmente diferentes dos demais meios de

comunicação (Castells, 2003a; Nicolacida-Costa, 2002c e 2003; Terêncio e

Soares, 2003)2, pois é a única capaz de tornar possível o envio e recebimento

de mensagens à distância em tempo real, além de facilitar o entretenimento, a

pesquisa e a troca de informações para a estruturação e difusão do

conhecimento, do comércio e do desenvolvimento de atividades de trabalho.

Até mesmo as atividades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário

incorporaram o uso da internet (com sistemas informacionais ligados aos

poderes administrativos em rede, por exemplo), devido à capacidade de

armazenamento de dados e alcance comunicacional, que possibilita atender

com maior praticidade e celeridade às necessidades dos cidadãos.

Nas últimas décadas, e principalmente nos últimos anos, a internet,

pelas suas características ultraeficazes de interatividade, tornou-se um

elemento extremamente presente na rotina social, e seus dispositivos – os

1 Atualmente, a internet já é tratada como uma nova mídia de massa (Hohlfeldt, Martino &

França, 2001; Moraes, apud SILVEIRA, 2004, p. 43). 2 Apud SILVEIRA.

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7

objetos inteligentes e interconectados – têm sido instrumentos cada vez mais

essenciais no funcionamento da vida prática moderna, seja na esfera

econômica, produtiva ou social. Por meio de objetos como computadores e

smartphones, é possível registrar e compartilhar momentos e informações ao

simples toque de um dispositivo. Com isso, inúmeros benefícios foram trazidos

à sociedade, como a facilidade de comunicação, o acesso e compartilhamento

rápidos de informações, além da possibilidade de armazenamento perpétuo

dos registros feitos.

Todo esse intenso e abrangente uso da internet é o que caracteriza a

Sociedade da Informação, e o aumento exponencial na quantidade e qualidade

técnica das informações inseridas em rede trouxe novas alternativas de

interação das pessoas com a própria tecnologia e de diversos tipos de

tecnologia entre si (o que originou a Internet das coisas – IoT3). A maior

transformação, no entanto, está no fato de que a presença dos aparelhos

inteligentes e da internet na vida cotidiana vêm mudando padrões culturais e as

concepções de identidade e comunidade. Consequentemente, surgiram novos

padrões comportamentais, nos quais a vida virtual e a vida real começaram a

se fundir irreversivelmente.

Tecnologia e Direito são ciências bastante diferentes entre si. Porém, o

Direito, concebido como reflexo de um ambiente cultural de determinado lugar

e época (AUGUSTO, 2012)4 e sempre em formação, acompanha a evolução da

sociedade a partir da sua análise por meio da identificação das relações em

transição e suas consequentes demandas e, para trabalhar esse aspecto, a

sociologia jurídica também é requisitada. Considerando que a evolução da

tecnologia é uma das grandes causas de impacto nos sistemas produtivo,

econômico e social, sua influência sobre os indivíduos em sociedade, bem

como sobre o Direito, é inexorável.

3 Internet das coisas ou Internet of Things (IoT) em inglês, é um termo usado para definir a

ideia de conectividade entre diversos tipos de objetos do cotidiano sensíveis à internet, que podem ser eletrodomésticos ou diversos outros equipamentos.

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Não é regra que as transformações tecnológicas sejam sentidas

imediatamente na esfera jurídica. Do mesmo modo, o surgimento de uma nova

ferramenta oriunda do progresso da tecnologia não significa necessariamente

mudanças no Direito. Entretanto, com o passar dos anos, a evolução do

sistema jurídico tem se mostrado imperativa para que as demandas sociais

causadas pelos avanços tecnológicos sejam atendidas.

O impacto das novas tecnologias é tão significativo que os ambientes

políticos e acadêmicos têm incluído cada vez mais em suas pautas debates

como a descentralização do controle na Internet, Cibercrime, Pirataria,

Software Livre, Multiculturalismo, e Propriedade Intelectual, dentre outros.

Devido a essas e outras novas questões, a ONU5 criou a Cúpula da Sociedade

da Informação, WISIS: World Summit of Information Society, e, por meio de

uma proposta da União Internacional de Telecomunicações, aprovou uma

resolução na Assembleia Geral para a promoção de uma Cúpula Internacional

da Sociedade da Informação, com a intenção de um melhor entendimento

sobre essa nova realidade, que tem dimensões transnacionais.

Assim, evidente está que a necessidade de se discutir as

transformações da Sociedade da Informação é latente. Nesse sentido, dentre

os desafios trazidos para o ambiente jurídico, salta aos olhos a discussão dos

direitos do indivíduo, pois nessa nova realidade o indivíduo é primeiramente

representado por informações, ou seja, identificado por dados, números e

outros aspectos informacionais, e esta concepção do indivíduo informacional

alterou o entendimento sobre a proteção de sua privacidade, especialmente por

ser um direito fundamental de primeira geração e um direito de personalidade:

indisponível, intransmissível, inalienável e imprescritível.

Ademais, a privacidade – normalmente compreendida como atributo

que o indivíduo possui no momento em que se recolhe em um local reservado,

como se o ambiente privado representasse um refúgio em relação à

observação, intromissão ou curiosidade alheias – reclama atenção na medida

em que a internet em si própria concebe um novo espaço a ser estudado, de

5 Organização das Nações Unidas (ONU).

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9

modo que o aumento na quantidade de dispositivos, dados e maneiras de

armazenamento, análise e utilização, faz crescer igualmente a pressão para

que padrões sejam determinados do que diz respeito à privacidade, porque

todo o espaço irrestrito, sem controle, sem limites geográficos e políticos da

rede é, por sua própria concepção, insubordinado a um poder punitivo

determinado. Além disso, a discussão sobre a privacidade ganha força no

âmbito dos espaços públicos, visto que as inúmeras inovações tecnológicas

permitem a qualquer um, não só observar, mas também registrar e

compartilhar a presença do outro a partir de dispositivos e equipamentos cada

vez mais potentes e invasivos. Então, quais são os limites da privacidade em

locais públicos para o Direito no âmbito da Sociedade da Informação?

Para analisar essa questão, o presente estudo monográfico irá

debruçar-se sobre o tema trazendo uma perspectiva dual, onde o direito à

privacidade nos espaços públicos será visto através do olhar sociológico com o

intuito de que sejam compreendidos os conceitos envolvidos no tema e as

mudanças culturais trazidas pela Sociedade da Informação e, a partir do

panorama sociológico içado, o olhar procurará recair, também, sobre a Ciência

do Direito, onde os conceitos jurídicos e a observação de casos concretos

servirão de base para compreender quais as temáticas prioritárias para os

operadores do Direito dentro desse contexto. A ideia central, então, é trazer

uma provocação para que seja traçada a interação entre culturas jurídicas

diferentes e a construção social.

Por esse caminho, a pesquisa sobre a privacidade e o direito de

invisibilidade nos espaços públicos pretende desenvolver as questões e os

desafios trazidos pelo advento das novas tecnologias para esse direito

fundamental do indivíduo, bem como seus direitos conexos. Com isso,

procurar-se-á observar a proteção dos direitos fundamentais e a

responsabilidade jurídica da violação desse direito em consonância com o

entendimento doutrinário e analisar se o ordenamento jurídico tem sido

suficiente em reflexão e eficácia para lidar com os desafios trazidos a curto e a

longo prazo.

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Como o tema baseia-se no estudo dos efeitos que os avanços

tecnológicos causaram na sociedade atual, cuja alta velocidade de atualização

faz com que haja vasto material flutuante, esta pesquisa tem um perfil

exploratório. O objetivo deste tipo de pesquisa é a busca por padrões, ideias ou

hipóteses de levantamento bibliográfico e fontes alternativas que possam

contribuir com análises para um maior conhecimento sobre o assunto, de modo

que as questões possam ser mais bem trabalhadas, inclusive a posteriori.

As pesquisas exploratórias, segundo Antônio Carlos Gil (2008), visam

proporcionar uma visão geral de um determinado fato, do tipo aproximativo,

para aumentar o grau de familiaridade com fenômenos relativamente

desconhecidos sobre o tema abordado. Esse tipo de pesquisa tem por objetivo

proporcionar um maior conhecimento para o pesquisador acerca do assunto, a

fim de que a pesquisa resulte no debate de problemas mais precisos ou

hipóteses que possam ser pesquisadas pelos próximos trabalhos sobre a

mesma matéria.

Sendo assim, no primeiro capítulo deste projeto serão utilizados o

método investigatório e o indutivo6 para conceituar a Sociedade da Informação

e explicar a retroalimentação caracterizada no uso e desenvolvimento das

tecnologias. Além disso, serão apresentadas as concepções existentes sobre a

relação do uso das tecnologias com o indivíduo e a coletividade, demonstrando

o caráter de suporte e a posição de poder da informação dentro desse contexto

– o que culmina com a virtualização da vida e, consequentemente, com a

vulnerabilidade da privacidade do indivíduo.

No segundo capítulo serão abordados os aspectos sociais e jurídicos

da privacidade e, nessa trilha buscou-se resgatar a trajetória histórico-social

desse direito para que sejam mais bem compreendidos seus direitos conexos,

bem como sua aplicabilidade jurídica e a relação do indivíduo com esse direito

nos dias atuais.

6 Pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de forma a ter uma

percepção ou conclusão geral. (GIL, 2008, p. 10)

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11

No terceiro capítulo serão explorados os conceitos de espaço público e

espaço privado para que seja explicado com maior clareza possível o que se

entende sobre esse ponto da questão central, tanto para a Sociologia, quanto

para o Direito. Dessa maneira, posteriormente poder-se-á trabalhar a questão

como um todo.

No quarto e último capítulo o tema será trabalhado com todos os seus

elementos e será analisada a privacidade como direito fundamental, discutindo

a conformação da Sociedade da Informação, e nela as novas feições dos

espaços públicos e privados, desaguando, então, na análise de recentes casos

concretos de exposição na Internet da privacidade de pessoas captadas em

espaços públicos. Assim, esta monografia pretende encontrar as melhores

formas de reunir embasamento para a construção teórica e explanação do

tema, de maneira a acrescentar ao meio acadêmico, pessoal e social

informações que conduzam o trabalho à conclusão com o máximo de riqueza e

conhecimento possível.

A propósito, importa salientar que, apesar de reconhecida aqui a

importância da Lei nº 12.965/09, conhecida como o Marco Civil da Internet,

aprovada em 2014 com o objetivo de regular o uso da Internet no Brasil, a

presente monografia não abordará o assunto da privacidade dentro dos

parâmetros da referida lei, para que não sejam negligenciados olhares

importantes à abordagem que se intenta estudar.

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12

1. SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E PADRÕES SÓCIO-CULTURAIS

1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS DA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO

Antes de adentrar o tema das mudanças nos padrões culturais e sociais

trazidas no âmbito Sociedade da Informação e, consequentemente, as

vulnerabilidades desenvolvidas no que concerne à privacidade em espaços

públicos, é indispensável analisar a Sociedade da Informação propriamente

dita, o que significa compreendê-la a partir de um ponto referencial que

exponha suas especificidades históricas, culturais, econômicas, técnico-

comunicacionais e políticas, para que fique esclarecido e delimitado o universo

com o qual será relacionado o direito de privacidade – mesmo porque o mundo

é extremamente vasto e continente de sociedades e culturas diversas.

1.1.1 A Sociedade da Informação e outras sociedades

O conceito de Sociedade da Informação7 tem raízes no contexto pós-

industrial e no processo da globalização neoliberal. Por estar atrelado a esse

símbolo do mundo moderno, pode dar margem ao entendimento equivocado de

que as revoluções tecnológicas constituem o único fator que determina o rumo

do desenvolvimento e, seguindo o raciocínio, os conflitos sociais seriam coisas

do passado – o que não procede.

Assim, é fundamental esclarecer de antemão que não fica legitimada

aqui qualquer concepção tecnocêntrica da sociedade humana como um todo,

visto que existe uma enorme heterogeneidade e diversidade das sociedades

humanas e, evidentemente, as considerações sobre Sociedade da Informação

dizem respeito a um dos tipos de sociedade existentes no mundo.

Para arrematar essa primeira consideração, cabe trazer a lume o

recente estudo da ONU sobre a relação entre a população mundial e o acesso

7 O conceito de Sociedade da Informação surgiu nos trabalhos de Alain Touraine (1969) e

Daniel Bell (1973) sobre as influências dos avanços tecnológicos nas relações de poder, identificando a informação como ponto central da sociedade contemporânea. (GOUVEIA, 2004)

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à internet, onde é explicitado o recorte sobre o qual se debruça o presente

estudo. O relatório8 mostra que 3,9 bilhões de pessoas no mundo não possuem

acesso à internet, o que é equivalente a 53% da população mundial,

atualmente em torno de 7,2 bilhões de pessoas. Logo, ainda que algumas

partes da população mundial, mesmo sem acesso a internet, sejam

influenciadas pela informatização, diversas outras sociedades contidas no

globo permanecem alheias à influência direta das inovações tecnológicas que

configuram a Sociedade da Informação. Essa ideia implica, também, em

reconhecer a possibilidade de que cada sociedade se aproprie das tecnologias

para suas prioridades particulares de desenvolvimento, e não que devam se

adaptar a elas para poder fazer parte de uma suposta única sociedade, qual

seja a da informação, pré-definida como tal.

Ainda no que tange ao aspecto conceitual, importa levar em conta que,

embora tenha sido formada pelo advento tecnológico, a Sociedade da

Informação não se restringe à tecnologia, nem ao mundo informacional/virtual,

até porque, conforme assevera Sally Burch (2005, p. 07), “qualquer definição

que use o termo ‘sociedade’ não pode descrever uma realidade circunscrita à

internet ou às TIC”. Ou seja, a Internet, ao assumir papel de símbolo e

instrumento de um novo modelo de interação social, não se sobrepõe ao

mundo físico, sendo a relação entre internet e Sociedade da informação tão

somente um vínculo no qual esses dois campos, quais sejam o mundo real e o

virtual, se transformam mutuamente. Segundo Luís Manuel Borges Gouveia,

A Sociedade da informação está baseada nas tecnologias de informação e comunicação que envolvem a aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição da informação por meios electrónicos, como a rádio, a televisão, telefone e computadores, entre outros. Estas tecnologias não transformam a sociedade por si só, mas são utilizadas pelas pessoas em seus contextos sociais, econômicos e políticos, criando uma nova

comunidade local e global: a Sociedade da Informação. (GOUVEIA,

2004).

8 Relatório divulgado pela Comissão de Banda Larga da ONU para o Desenvolvimento

Sustentável. Disponível em <http://www.broadbandcommission.org/Documents/reports/bb-annualreport2016.pdf>. Acesso em 23/05/2017.

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14

Nessa nova sociedade, a informação e o conhecimento são peças

chaves para entendermos o andamento e as transformações incidentes no

mundo, conforme Castells (apud Coutinho e Lisbôa, 2011, p. 09) ratifica:

O que caracteriza a revolução tecnológica atual não é o caráter central do conhecimento e da informação, mas a aplicação deste conhecimento e informação a aparatos de geração de conhecimento e processamento da informação/comunicação, em um círculo de retroalimentação acumulativa entre a inovação e seus usos.

A informacionalização9 influencia tanto as sociedades, a economia, as

relações de trabalho e o próprio indivíduo em suas relações, que as mudanças,

os termos e as questões relacionadas a esse fenômeno – conectividade,

internet, personal computers, efeitos de rede, softwares, algoritmos, dentre

outras – remetem à história contemporânea em pleno curso, onde a

coletividade e a tecnologia se influenciam mutuamente.

1.1.2 Tecnologia, sociedade e cultura

A tecnologia vem evoluindo em um ritmo cada vez mais frenético, e as

pessoas estão conectadas aos dispositivos tecnológicos de uma forma que o

tempo e o espaço tomaram outro significado, proporção e relevância.

Nessa esteira, Toffler (1998 apud PEZZELLA & GHISI, 2011)

compreende que é como se na Sociedade da Informação dois tipos de relógio

funcionassem ao mesmo tempo: um analógico, regulando a vida humana,

atada aos limites temporais e físicos, enquanto o outro, digital, transcenderia

tais limites, exigindo acesso e ações simultâneas em torno e em razão da

informação, como se houvesse um tempo e espaço paralelos. Por essa

perspectiva, o fato de o novo modelo social prestigiar, antes de qualquer coisa,

a informação – e ser ela o instrumento de poder – faria com que a experiência

vivida e a regulação das relações sociais estivessem em descompasso com o

processo de inovação tecnológica. Quase como se a informação fosse

9 A informacionalização é o fenômeno que define a construção das ciências modernas a partir

de uma tentativa do homem abstrair, projetar, programar e matematizar suas criações, seus pensamentos e suas ideias.

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15

privilegiada em detrimento até mesmo das capacidades humanas reais de ação

e pensamento.

Já por outro ângulo, na concepção de Rodotà (apud DONEDA, 2000, p.

120)10, o descompasso estaria entre a velocidade no mundo da inovação e a

dificuldade do mundo jurídico em acompanhar esse ritmo, conforme o trecho

infra transcrito:

Tem-se a sensação que cresce a distância entre o mundo velocíssimo da inovação tecnológica e o mundo lentíssimo da proteção sócio constitucional. Quase a todo o momento percebe-se a rápida obsolescência das soluções reguladoras de um determinado fenômeno técnico, destinadas à solução de um problema apenas.

Ambas as perspectivas destacadas entendem que no cenário do mundo

contemporâneo, a tecnologia se sobreporia às capacidades humanas de ação

e ao tempo e espaço reais.

Em alternativa, é possível verificar que no olhar de Castells (1999) não

prospera a ideia de aparente desarmonia entre universo tecnológico-

informacional e vida cotidiana, ou a visão de que tecnologias determinam os

rumos sociais, conforme abaixo:

É claro que a tecnologia não determina a sociedade. Nem a sociedade descreve o curso da transformação tecnológica, uma vez que muitos fatores, inclusive criatividade e iniciativa empreendedora, intervêm no processo de descoberta científica, inovação tecnológica e aplicações sociais de forma que o resultado final depende de um complexo padrão interativo. Na verdade, o dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um problema infundado, dado que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas. (CASTELLS,1999,

p. 43) 11

Segundo a lógica de Castells, a tecnologia absorve a sociedade (em

conformidade com as suas demandas), que, por seu turno, utiliza a tecnologia

desenvolvida. Nesse sentido, as novas tecnologias de informação não se

sobreporiam à sociedade, até mesmo porque considerar o movimento de

subordinação da sociedade ante as mudanças tecnológicas passaria pela

10

In: TEPEDINO, Gustavo (org.) Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pp. 111-136. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/8196-8195-1-PB.htm#_ftn1 >. Acesso em 21/06/2017. 11

apud FERREIRA, 2017, p. 15.

Page 24: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

16

premissa de que o ambiente social constitui um mero recebedor, de

comportamento estático, e claramente não o é, pois o ambiente social é feito

de pessoas, que, obviamente, atuam nesse espaço. Sobre esse aspecto,

Silveira explica:

Em alguns casos, o “receptor” torna-se, simultaneamente, comunicador ou, pelo menos, tem o poder de influenciar o comunicador no próprio instante da geração e transmissão de sua mensagem. Além disso, o “receptor” pode selecionar a abrangência e a profundidade com os temas tratados. (SILVEIRA, 2017)

Corroborando com o pensamento dialético de Castells, Lévy (1999, p.

19) preleciona que “não somente as técnicas são imaginadas, fabricadas e

reinterpretadas durante seu uso pelos homens, como também é o próprio uso

intensivo de ferramentas que constitui a humanidade como tal (junto com a

linguagem e as instituições sociais complexas)”.

De fato, a concepção da sociedade defendida por Lévy corresponde à

realidade no ponto em que todas as inovações tecnológicas surgiram de ideias

concebidas pela mente humana e a partir da execução de estudo e trabalho

humano para que fossem realizadas. Além disso, o intuito das inovações

tecnológicas sempre foi o de que as novidades criadas resolvessem um

problema, facilitassem ou melhorassem a vida através do uso pelas pessoas e

pela sociedade em geral – ou seja, a criação da tecnologia consiste em uma

espécie de resposta às demandas sociais. De todo modo, as tecnologias

surgem e penetram no seio social por meio de um processo que depende de

fatores diversos e nem sempre possíveis de se identificar.

No interior dessa sociedade é que o indivíduo se relaciona

simbioticamente com as inovações tecnológicas na sua vida cotidiana, e é

dentro desse novo modelo de comunidade que a tecnologia traz todos os dias

o surgimento de novos entendimentos sobre o tempo e o espaço.

Essa estrutura possui uma configuração única e seu movimento é

sempre no sentido do progresso, pois, uma vez que seja estabelecida a relação

entre as tecnologias e os agentes sociais, isto é, a efetivação de um novo

dispositivo ou método operacional tecnológico no meio social, é possível que

Page 25: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

17

não se possa reverter a relação ao momento passado, porque o contato da

sociedade com a tecnologia faz com que a partir daí, nem a tecnologia é a

mesma, tampouco a sociedade, pois as novidades são incorporadas de tal

modo que desenvolvem-se rotinas e técnicas ainda mais novas baseadas na

tecnologia absorvida no momento anterior.

Nesta senda, a informação desponta como o elemento que confere

suporte às relações humanas e, conforme análise de Pezzella e Ghisi (2011, p.

9) “a informação lapidada é a que confere sólidos sustentáculos à nova e

complexa Sociedade da Informação, e que tem na infraestrutura de tecnologias

de informática e comunicação a propulsão de uma inescondível e veloz

dinamicidade”.

1.2 A INFORMAÇÃO COMO ELEMENTO DE PODER

1.2.1 O conceito de informação

O termo informação é abarcado de significado complexo e, talvez

também pela sua significância, um leque de conceitos lhe é atribuído. Porém,

no presente estudo é necessário esclarecer o conceito de informação, para que

seja corretamente compreendida a informação como elemento ocupante de

uma posição de poder no seio da sociedade moderna.

Do ponto de vista científico, Le Coadic (1996, p. 4) define o termo como

“[...] um conhecimento inscrito (registrado) em forma (impressa ou digital), oral

ou audiovisual, em um suporte”, enquanto na concepção do fundador da

cibernética, Norbert Wiener (1960, p.25) 12 “informação é o termo que designa o

conteúdo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele,

e que faz com que nosso ajustamento seja nele percebido. Viver de fato é viver

com informação”.

12

Apud LIMA, Gercina Ângela Borém de O.; PINTO, Líliam Pacheco; LAIA. Marconi Martins de. Tecnologia da Informação: impactos na sociedade. Inf.Inf., Londrina, v. 7, n. 2, p. 75-94, jul./dez. 2002. Disponível em <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/download/1699/1450>. Acesso em 18/06/2017.

Page 26: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

18

A informação, definida nos termos supramencionados, assume o papel

de elemento para fundamentar diversas ciências, conforme demonstrado por

Robredo (2005):

Da comunicação e da computação ao estudo da linguagem humana e ao processamento da linguagem natural, passando pelas ciências cognitivas e as neurociências e a natureza da inteligência, a lógica, a matemática, o cálculo, e a estatística, os fundamentos dos processos de análise, organização, armazenagem, transmissão e recuperação da informação, assim como da conversão desta em conhecimento, dos processos de tomada de decisão, da ecologia, da economia, da política, das relações entre indivíduos e destes com a sociedade, no contexto social, histórico e cultural em que se inserem (ROBREDO, apud PAIVA &POTHER, 2012, p. 6).

Importa destacar que informação não pode ser considerada como um

dado, da mesma maneira como dado não pode ser considerado informação – o

que se ilumina na explicação de Wurman (1995, p. 43) apud Valentim (2004, p.

02), na qual é salientado que o termo só pode ser aplicado a "aquilo que leva à

compreensão (…)” e “o que constitui informação para uma pessoa pode não

passar de dados para outra". Ou seja, o dado está contido na informação – que

é feita a partir dele –, porém a informação não se constitui única e

exclusivamente de dado. Deve haver um significado compreendido para que se

caracterize a informação.

Em relação ao conceito do termo “informação” no âmbito da Sociedade

da Informação reverbera, ainda, outro termo além de “dados”, qual seja o termo

“conhecimento”. A esse respeito distinguem-se os três termos na medida em

que a informação é formada por dados e, concomitantemente, é a matéria

prima para o conhecimento, sendo este último compreendido como dados

dotados de relevância e propósito.

1.2.2 Poder da Informação e a Informação líquida

Nos tempos pré-históricos, a descoberta do elemento fogo foi

responsável por modificar drasticamente a estrutura de vida do homem, que

até então era nômade, e passou a ter um modelo de vida sedentário. Essa

nova condição culminou no desenvolvimento da agricultura e no domínio do

Page 27: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

19

meio ambiente em que se vivia. Consequentemente, desenvolveu-se a cultura

de convivência em comunidade.

Seguindo a cronologia da evolução humana, após o fogo como

instrumento de dominação e de poder em comunidade, surgiram mais

elementos que definiram o poder e o domínio de determinados grupos sobre

outros: na sociedade greco-romana, a política e a arte da guerra; na idade

média, a religião; nas grandes guerras, o poder bélico; no imperialismo, o

controle das colônias; no capitalismo, os meios de produção; e no mundo atual

e globalizado, a informação.

É axiomático o pensamento de que a informação, concebida como

“aquilo que se leva à compreensão” (Wurman. 1995, p. 43)13 sempre fez parte

da vida humana, visto que o processo de exteriorização de sentimentos através

do diálogo encontra-se ligado à espécie, e a comunicação dentro da sociedade

perpassa a própria condição do ser humano. Nesse sentido, entende-se a

informação como componente intrínseco à comunicação que, por sua vez, tem

papel de ferramenta inerente à vida do ser humano. Porém, após as revoluções

industriais, a informação assumiu posição de destaque para as relações de

poder, visto que foi a partir desse momento histórico que o desenvolvimento

das nações teve como fator chave o acesso universal à informação e aos

produtos e serviços públicos.

Considerando um recorte cronologicamente avançado na história, a

Primeira Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, teve como ponto central

a invenção do motor a vapor e, assim, substituiu-se a mão de obra humana

pelas máquinas movidas a esse novo combustível, aumentando velocidade e

desempenho da produção e originou as primeiras indústrias. A Segunda

Revolução começou na metade do século XIX e teve a eletricidade como

inovação, afetando os meios de produção e criando meios de comunicação à

distância. A Terceira Revolução Industrial, por seu turno, abriu caminho para o

nascimento da Sociedade da Informação, conceituada pela sua dependência

da tecnologia e da ciência.

13

apud Valentim (2004, p. 02).

Page 28: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

20

A pós-industrialização trouxe a lume mais uma vez as influências dos

avanços tecnológicos nas relações de poder, o que fez com que a informação

virasse ponto central da sociedade configurada como ambiente plural, em que

a participação é incentivada e, além disso, onde há o reconhecimento das

diversidades – o que permite voz às minorias, e os valores passaram a ser,

então, estabelecidos a partir de uma visão voltada para a participativa, múltipla

e até anárquica. E se, hodiernamente a informação funciona como parâmetro

das relações de poder, o movimento de globalização teve papel essencial para

o que é conhecido como a Sociedade da Informação.

A princípio, a globalização é um fato (ASCENSÃO, 2002 apud

OLIVEIRA, 2011), e está atrelada a acontecimentos e a um desencadeamento

histórico que culminou na formação de uma aldeia global14, cuja interligação se

dá por meio de redes sociais, econômicas, políticas e culturais. Conforme

explicam Held e McGrew (2001, p.12 apud OLIVEIRA, 2011):

[...] o conceito de globalização denota muito mais do que a ampliação de relações e atividades sociais atravessando regiões e fronteiras. É que ele sugere uma magnitude ou intensidade crescente de fluxos globais, de tal monta que os Estados e sociedades ficam cada vez mais enredados em sistemas mundiais e redes de interação.

Assim, fica compreendido que o processo de globalização resulta das

relações de interação continuada entre países por tempo e reiteração

progressiva desse processo, compondo uma comunidade mundial comum, que

se constitui tanto espontaneamente, quanto politicamente. Neste processo

fático, a globalização pode ser fruto da política, pois os possuidores do poder

não se atêm a uma posição passiva diante deste fenômeno. Ao contrário, a

globalização é conduzida, fomentada e orientada pelas mãos dos governos dos

Estados dominantes (ASCENSÃO, 2002 apud OLIVEIRA, 2011).

14

O conceito de aldeia global foi desenvolvido por Marshall McLuhan na década de 60, como forma de explicar os efeitos da comunicação de massa sobre a sociedade contemporânea, no mundo todo. De acordo com sua teoria a abolição das distâncias e do tempo, bem como a velocidade cada vez maior que ocorreria no processo de comunicação em escala global, nos levaria a um processo de retribalização, onde barreiras culturais, étnicas, geográficas, entre outras, seriam relativizadas, nos levando a uma homogeneização sócio-cultural. (www.aboutmarshallmcluhan.wordpress.com).

Page 29: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

21

Seguindo o raciocínio, David Held e McGrew (2001, p.12 apud

OLIVEIRA, 2011) esclarecem:

[...] novas instituições internacionais e transnacionais têm vinculado Estados soberanos e transformado a soberania num exercício compartilhado do poder. Desenvolve-se um conjunto de leis regionais e internacionais que sustenta um sistema emergente de governança global, tanto formal quanto informal.

Atualmente está em curso um processo no qual já existe uma

coletividade mundial15, cuja consciência cultural e decisões políticas são

progênitas do intercâmbio de redes de conhecimento e esta sociedade

globalizada é o ambiente em que se dá a circulação deste conhecimento, de

cultura e de informação, que é a Sociedade da Informação.

Essa globalização no seu aspecto físico tem sido tema de discussão,

pois a facilidade de fluxo entre as pessoas, devido às interações virtuais, que

criam e mantêm vínculos de contato aumentou, e muito, o fluxo migratório.

Com isso, as questões de segurança das comunidades em âmbito local

também cresceram. Nesse sentido, o desenvolvimento das tecnologias que

atualmente facilitam o registro do fluxo de pessoas em locais públicos tem

ganhado um espaço permanente e cada vez maior nos centros urbanos,

principalmente.

A vigilância por câmeras e diversos tipos de aparelhos detectores (de

metal, de componentes químicos, com capacidade infra-vermelha) são

mecanismos amplamente utilizados pelos governos. Nesse sentido, os Estados

têm argumentado que a sua capacidade de prevenção e investigação está

altamente vinculada ao aumento dos poderes de vigilância e a ameaça

terrorista é, inclusive, um dos fatores que mais ratificam essa tendência estatal,

pois a vigilância por meio de câmeras estrategicamente distribuídas pela

cidade e o acesso a cada vez mais dados de identificação pessoal são a única

forma de reunir diversos tipos de informações das pessoas sem que seja

preciso abordá-las diretamente ou depender de algum tipo de consentimento.

Ademais, a partir da união de forças externas, como outras cidades, estados e

até mesmo nações, graças à Sociedade da Informação é concebível uma

15

Aqui, o termo mundial refere-se ao pertencimento dessa coletividade, e não à totalidade.

Page 30: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

22

potencialíssima maneira de reunir todo tipo de informação e dados individuais,

porém com proporções coletivas.

Do ponto de vista da segurança pública, os benefícios são claros e

notórios. Nunca se teve tanto aparato informacional para garantir a segurança

de comunidades e Estados. Por outro lado, nunca se esteve tão exposto aos

olhos governamentais. Além disso, a concentração dessas informações

pertence ao mesmo espaço no qual uma grande parte do resto da vida

moderna acontece: no ciberespaço.

1.3 O CIBERESPAÇO

A Sociedade da Informação apresenta características particulares que

possibilitam reconhece-la como um instituto de constituição independente.

Nesse ínterim, uma característica claramente verificável é de que a informação

é sua matéria-prima, posto que as tecnologias se colocam a serviço de que os

indivíduos se apropriem e utilizem da informação. Isto é, a princípio, o

mecanismo mais importante da formação desta sociedade informacional é

justamente o desenvolvimento notável das telecomunicações com o objetivo de

aumentar o fluxo de informações, como assevera Eduardo Capellari:

A sociedade de informação [...] é fruto dos crescentes investimentos nas tecnologias de informação – destaque-se recentemente a rede mundial de computadores – que provocam uma nova divisão social do trabalho e apontam, por conseguinte, para uma nova sociedade (CAPELLARI, 2000, p.39).

E prossegue:

A informação passa a ser o motor das transformações [...] A combinação de satélites, televisão, telefone, cabo de fibra ótica e microcomputador enfeixou o mundo em um sistema unificado de conhecimento, que provoca a superação das estruturas administrativas hierarquizadas e verticalizadas em direção à horizontalização das relações de poder, que tem na figura da rede, propriamente, a expressão da nova realidade (CAPELLARI, loc.cit).

Essa nova configuração social se desenvolve rompendo as barreiras

territoriais e diminuindo cada vez mais o tempo de processamento de um

volume enorme de informações. A Era da informação tem sido o momento

Page 31: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

23

histórico em que à comunidade internacional é facultado transitar em outra

dimensão, qual seja a do ciberespaço.

Com efeito, a informação funciona como combustível para o

ciberespaço16, que, por sua vez, assume papel de grande norteador da

sociedade informacional contemporânea e é a partir das tecnologias digitais

que as informações ganham maior propulsão de circulação e desenvolvimento.

O ciberespaço, como sustentáculo para a Sociedade da Informação,

transcende o espaço físico e nesse ambiente os indivíduos estabelecem

dinâmicas de socialização no mais elevado grau de abrangência que o termo

diversidade possa ter.

Essa nova forma de condensar a vida em uma representação espaço-

temporal aumenta cada vez mais a quantidade de pessoas que se

interconectam na rede eletrônica constituída como um espaço de comunicação

e interação emergente, que é o ciberespaço. Segundo Lévy, o ciberespaço é “o

espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e

das memórias dos computadores” 17.

Ademais, no aspecto da horizontalização mencionada por Levy, uma das

características mais marcantes desse novo ambiente que cada dia está mais

frequentado é o fato de que as informações ali contidas se espalham de modo

vertiginoso, fazendo com que não se tenha controle, muitas vezes da origem e

do destino das informações em tráfego. Nesse sentido, o que é veiculado

muitas vezes chega ao destinatário sem informações de sua origem. Essa

característica abre margem para que seja perdida a raiz da informação, bem

como a noção da quantidade de vezes que foi propagada ou ramificada.

Um texto escrito, assim como qualquer outro documento, fotos ou vídeos

entram no plano virtual e são veiculados na rede por meio da Internet, que é

elemento de conexão dos espaços virtuais de cada aparelho eletrônico com

capacidade de informatizar, como micro computadores e celulares.

16

LÉVY, 1999, p. 92. 17

O ciberespaço dá origem também a um ator social: o “ciberusuário”.

Page 32: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

24

1.3.1 A internet – o meio

O ciberespaço encontra o sua zona de maior expressão na internet,

originada do conjunto de inúmeras redes de computador surgidas a partir dos

anos 70 que foram se juntando umas nas outras. A crismada rede mundial de

computadores – internet – constitui o meio virtual no qual trafegam

informações, dados e conhecimento. E é neste mesmo ambiente que o

desenvolvimento e o uso da tecnologia origina novas estruturas sociais e

alterações nas rotinas e padrões gerais de hábitos de vida.

Destarte, é legítima a conclusão de que a Internet trouxe uma

democratização no acesso a bens culturais, como a música e artes visuais, e

nas informações sobre economia, política, ciência, dentre outras áreas,

gerando uma verdadeira socialização massiva do conhecimento (CAPELLARI,

2000, p. 40). A Internet, portanto, pode ser definida como uma grande rede

mundial de computadores, meio pelo qual pessoas de diversas partes do

mundo, com hábitos e culturas diferentes, se comunicam e trocam

informações. Sobre esse ambiente de imperiosa virtualização18 da vida

humana, Pierre Lévy expõe que:

Um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação, mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência. A virtualização atinge mesmo as modalidades do estar junto, a constituição do “nós”: comunidades virtuais, empresas virtuais, democracia virtual... Embora a digitalização das mensagens e a extensão do ciberespaço desempenhem um papel capital na mutação em curso, trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatização. (LÉVY, 1996, p.11).

Aqui, fica claro que, diferentemente da informatização da vida, que

ocorreu com o advento dos computadores e consiste em aplicar os métodos e

18

“A virtualização reinventa uma cultura nômade, não por uma volta ao paleolítico nem às antigas civilizações de pastores, mas fazendo surgir um meio de interações sociais onde as relações se reconfiguram com um mínimo de inércia. Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se tornam “não-presentes”, se desterritorializam. Uma espécie de desengate os separa do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário [...]. Os operadores mais desterritorializados, mais desatrelados de um enraizamento espaço-temporal preciso, os coletivos mais virtualizados e virtualizantes do mundo contemporâneo são os da tecnociência, das finanças e dos meios de comunicação. São também os que estruturam a realidade social com mais força, e até com mais violência.” LÉVY, 1997, p. 20-21 apud OLIVEIRA.

Page 33: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

25

os recursos da informática a um fato, um problema ou a atividades industriais,

de administração ou de documentação etc, a virtualização transcende essa

perspectiva.

Para entender o conceito da virtualização, deve-se traçar um paralelo

entre o que é real e o que é virtual, e nem de longe são conceitos simplórios.

Mas a compreensão dominante, segundo Lévy (1999, p. 15), considera o virtual

como simples “ausência de existência”. Existência aqui relacionada ao sentido

de realidade que supõe uma presença tangível, algo corporificado. A partir

desse ponto, em uma visão reduzida, mas não equivocada, o que é real tem

características físicas e/ou concretas, enquanto o que é virtual está associado

àquilo que é simulado, abstrato. Com esse raciocínio a virtualização, pode ser

definida como o fenômeno da criação de um ambiente (virtual) que simula um

ambiente real, propiciando a utilização de diversos sistemas e aplicativos sem

que haja necessidade de acessar fisicamente a um dispositivo no qual estão

hospedados.

O mesmo autor (LÉVY, 1999, p. 127) cita, ainda, os três princípios que

orientaram a expansão do ciberespaço a partir do seu meio, que é a internet: a

interconexão; a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. De

forma resumida, as comunidades virtuais foram erigidas a partir da

interconexão em rede, uma vez que as pessoas preferem a conexão ao

isolamento – fenômeno que tornou possível a instauração da inteligência

coletiva.19 Esse conjunto de circunstâncias e acontecimentos, segundo Lévy

(1999, p. 132), origina a formação de um

movimento social e cultural que o ciberespaço propaga, um movimento potente e cada vez mais vigoroso, não convergente sobre um conteúdo particular, mas sobre uma forma de comunicação não midiática, interativa, comunitária, transversal, rizomática.

Considerado esse cenário, cada uma das condições apontadas por Lévy

é essencial para o desenvolvimento da cibercultura: não há comunidade virtual

sem interconexão e não há inteligência coletiva sem um dos elementos

19

Resumidamente, inteligência coletiva constitui uma inteligência que se espalha e é valorizada e coordenada em tempo real, o que resulta em uma mobilização efetiva das competências.

Page 34: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

26

anteriores. E nada disso seria possível sem a internet como meio, o que

demonstra sua importância para o processo de virtualização experimentado

hodiernamente.

A virtualização traz consequências em termos econômicos, sociais e

educacionais, evidenciadas no espaço cada vez maior que as tecnologias

ocupam na representação e nas relações sociais. Além disso, a influência dos

ambientes virtuais e da internet no desempenho de funções sociais e na

construção de identidade entre indivíduos e coletividade é nítida.

Pontuada a importância da internet como meio que une o espaço virtual

– o ciberespaço – ao espaço real com a virtualização, cabe analisar os

desdobramentos dessa influência. Nesse diapasão, faz-se mister ao Direito –

que sempre é convocado a amoldar-se às transformações sociais – se

debruçar sobre as mudanças trazidas pela virtualização do cotidiano social e as

vulnerabilidades para a sociedade e os direitos individuais. E não poderia ser

diferente, pois a realidade virtual se posiciona de forma imperativa, como toda

revolução.

1.4 A VULNERABILIDADE PESSOAL

É fato notório que a sociedade contemporânea depende da tecnologia

da internet de tal modo que é impensável imaginar a vida ativa na sociedade

moderna sem ela. Nesse contexto é que Bauman (2007) considera ser esse

um tempo marcado pela flexibilidade que provoca certa fragilidade quanto às

nossas relações sobre as coisas ou pessoas, e conceitua a Sociedade Líquida,

comparada à água em razão deste elemento natural ter a potencialidade de

alterar sua forma conforme seu recipiente.

Nesse sentido, as condições sociológicas relativas ao campo da

informação produzem um debate constante no ambiente jurídico no que tange

ao entendimento sobre os meios de comunicação. O debate traz questões que

servem de ponto de partida para a identificação de um tipo peculiar de

vulnerabilidade produzida pela capacidade da internet veicular informação pela

Page 35: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

27

via digital, que é a vulnerabilidade do indivíduo e dos bens pessoais. O controle

da informação que trafega na sociedade moderna é dificílimo e merece ser

observado de perto por parte de toda sociedade civil, na medida em que tais

fatos trazem consigo novos modus vivendi que, por sua vez, culminam no

redesenho do tecido e das formas de relacionamento social (BRITTOS &

COLLAR, 2008, p. 71).

A capacidade de flexibilização da Sociedade da Informação, além de sua

constituição de forma independente, como já citado alhures, é

reconhecidamente um dos seus principais elementos característicos, já que a

integração da informação por meio da internet com uso das tecnologias permite

um ininterrupto processo de conversa entre áreas do conhecimento e

tecnologias, com integração de elementos de eletrônica, telecomunicações,

biologia e robótica.

Ora, se, por um lado a tecnologia trouxe liberdade para vários setores da

vida em sociedade na possibilidade de comunicação à distância, em tempo real

por imagem e som de altíssima qualidade, e se essas facilitações do fluxo de

informação por meio dos dispositivos, como os smartphones, conectados ao

ciberespaço trouxeram muitos benefícios, por outro lado é patente a

dependência que se faz da internet como meio, e essa relação de vínculo

acarretou transformações nos hábitos da vida cotidiana.

De um modo geral, o que mais mudou foi a exposição da intimidade e a

privacidade com o advento das redes sociais e os aparelhos eletrônicos

inteligentes que captam momentos da vida, como celulares e câmeras. Desse

modo, é simples compreender que a vulnerabilidade da privacidade e outros

direitos correlatos estão contextualizados na Sociedade da Informação, porque

muito embora a internet seja um meio amplamente explorado, ainda é

impossível se falar em controle específico e minucioso dessa nova forma de

tecnologia e das ações realizadas por meio delas.

Page 36: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

28

1.4.1 Produção, compartilhamento e disseminação da informação

A princípio, as tecnologias de rede facilitaram o diálogo entre técnicas,

métodos e dados e, com o seu desenvolvimento, tornou-se possível o uso

pessoal da internet e do espaço virtual para o lazer.

Com o passar do tempo, a facilidade de acesso e a criação de aparatos

essenciais que permitem a produção, compartilhamento e disseminação da

informação – computadores, laptops, smartphones e aparelhos ligados à rede

virtual – estimulou imensamente o comportamento dos indivíduos dentro da

sociedade no sentido da exposição muitas vezes excessiva da vida real nas

redes sociais e no ciberespaço de um modo geral.

Considerando-se essa característica de virtualização da vida na

Sociedade da Informação, nota-se que esse novo modelo de vida desconhece,

a priori, os limites de tempo e espaço, de modo que, além da aceleração do

ritmo de vida gerada pela falta de limites do tempo, a ausência de limitação

espacial também negligencia as definições de espaços públicos e privados,

dando margem para que fiquem confusas e vulneráveis as noções de direito

individual em meio à convivência em coletividade.

Page 37: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

29

2 A PRIVACIDADE E SEUS ASPECTOS SÓCIO-JURÍDICOS

2.1 A ORIGEM DO DIREITO À PRIVACIDADE

As questões envolvendo a tutela da privacidade são próprias do mundo

contemporâneo, uma vez que a sociedade moderna é pautada pelas novas

formas de interação social, nas quais é crescente a diversidade de dispositivos

que possibilitam, por meio da Internet, um fluxo cada vez maior de informações

pessoais.

A trajetória do direito de privacidade se relaciona intimamente com o

modo como os Estados instituíam o poder, e com as camadas de poder

propriamente ditas. Não havia espaço para as pautas de direito de

personalidade nas sociedades pretéritas, cuja regulação se dava por meio de

outros mecanismos, provavelmente por estarem dentro de um ordenamento

jurídico corporativo, hierárquico ou patrimonialista. Entretanto, a partir da

mudança de percepção da pessoa humana pelo ordenamento, se fez imperioso

ao Direito debruçar-se sobre as questões de privacidade e subjetividades

conexas.

O individualismo jurídico, conforme explica Doneda (2000), foi colapsado

pela despersonalização e pela massificação das relações jurídicas, ambas

advindas da revolução industrial – o que gerou a desvalorização do puro e

simples reconhecimento de direitos fundamentais (ou da personalidade

humana). Contudo, ainda nos tempos hodiernos, a ideia de privacidade tem

resquícios do pensamento individualista que a originou no ápice do liberalismo

jurídico clássico, na segunda metade do século XIX.

Nesse período, conquanto o Direito já tivesse voltado seu olhar para as

questões de privacidade, num primeiro momento o poder público não foi

convocado a assegurá-las. Além disso, a positivação desses direitos nos

ordenamentos, altamente patrimonialistas, destinava-os a partes determinadas

da sociedade, de modo que o direito de privacidade era levado em

consideração apenas para alguns. O que ocorreu a partir de então foi a

inserção dos direitos da personalidade em diplomas legais pela perspectiva de

Page 38: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

30

liberdade negativa, ou seja, sem a participação das pessoas no processo

político, encontrando-se o Estado desobrigado de realizar qualquer benefício

em prol do titular dos direitos personalíssimos (LISBOA, 2001, p. 465-466).

O enfraquecimento da nuance elitista do direito de privacidade se deveu,

dentre outros fatores, à mudança nas relações entre cidadão e Estado no

contexto do Welfare state20, e ao aumento no fluxo de informações ocasionado

pelos avanços tecnológicos, pois, ao passo em que este fluxo crescia, crescia

também a importância da informação. Nesse novo contexto que surgia, não só

as figuras de grande relevo social, como também outras camadas da

sociedade estavam nitidamente mais sujeitas à ofensa de sua privacidade

(DONEDA, 2000).

A esse respeito, é interessante notar que foram justamente os avanços

tecnológicos, atualmente tidos como responsáveis pelo surgimento de conflitos

sobre os conceitos de privacidade, que fizeram com que o direito de

privacidade tomasse força de abrangência dentro da sociedade de outrora.

Considerando a Sociedade Tradicional21, nela incidem regras de

convivência, e essas regras podem ser formais (expressas em lei, com

sanções previstas) ou simplesmente convencionais, onde conceitos ou

princípios de certo e errado são amplamente conhecidos. A Sociedade da

Informação, por sua vez, pode ser considerada imatura do ponto de vista de

seu desenvolvimento e, por esse motivo ainda não se pode ver um conjunto

suficiente de princípios que consigam abranger de forma satisfatória os

chamados crimes ou infrações decorrentes do advento da internet na

convivência em comunidade (virtual e real).

Apesar de já existirem leis específicas em alguns países para ajudar nas

divergências entre certo e errado no que tange aos assuntos ligados ao uso da

20

Welfare State ou Estado de Bem Estar Social é baseado em uma ideia de que o homem possui direitos indissociáveis a sua existência enquanto cidadão, estes direitos são direitos sociais. De acordo com esta concepção, todo o indivíduo tem o direito, desde seu nascimento, a um conjunto de bens e serviços que devem lhe devem ser oferecidos e garantidos de forma direta através do Estado, ou indiretamente, desde que o Estado exerça seu papel de regulamentar isso dentro da própria sociedade civil. (Wikipédia) 21

Assim nomeada apenas para distinguir-se da Sociedade da Informação.

Page 39: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

31

Internet, essa discussão ilustra o estágio incipiente do processo de civilização

dessa nova sociedade, o que nos leva a questionar a própria civilização no

âmbito da Sociedade da Informação. A solução da questão de privacidade na

sociedade evidentemente passa pela análise do conceito de privacidade já

positivado e que, portanto, é o condão de resolução das questões atuais e

futuras, enquanto se desenvolve as estruturas normativas dessa sociedade

jovem.

2.2 O DIREITO À PRIVACIDADE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para que seja bem compreendida a privacidade, seja conceitualmente,

como juridicamente ou como parte de um rol universal de direitos, e, além

disso, para que seja entendida com clareza a maneira como se analisa esse

direito dentro das relações sociais, principalmente no que tange a situações

inéditas – que são justamente o motivo do presente estudo –, é necessário

esmiuçar o contexto histórico e social que deu origem ao reconhecimento de

que o ser humano precisa ser protegido no que diz respeito ao que lhe é

privado.

2.2.1 A privacidade e o princípio da dignidade da pessoa humana

Na antiguidade clássica, o pensamento filosófico sobre a dignidade da

pessoa humana considerava a posição ocupada por determinado indivíduo em

uma sociedade e pelo grau do seu reconhecimento em relação aos demais

membros da comunidade. No pensamento estoico, a dignidade era assimilada

como a qualidade que, por ser intrínseca ao ser humano, o distinguia das

demais criaturas, evidenciando a noção de que todos os seres humanos eram

dotados de igual dignidade. (SARLET, 2002, pp. 28-30).

Mais tarde, a religião cristã predominante no século XIII, sobretudo pelo

pensamento de Tomás de Aquino, reconhecia o ser humano como um ser

gerado à imagem e semelhança de Deus, o que influenciou a compreensão de

Page 40: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

32

que o ser humano é dotado de um valor próprio e peculiar, não podendo ser

tratado como objeto. Posteriormente, no contexto jusnaturalista, a concepção

da dignidade da pessoa humana (assim como a ideia do direito natural em si)

foi influenciada por tendências mais voltadas ao mundo da razão, mantendo-

se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em

dignidade e liberdade.

A noção da dignidade da pessoa humana relacionada com a capacidade

da autonomia da vontade do indivíduo surgiu a partir dos estudos de Immanuel

Kant, que conceituou a dignidade como a faculdade de agir de acordo com a

previsão legal e determinar a si próprio. Segundo preceituou: O homem é visto

como um ser racional e não como produto da disposição arbitrária de quaisquer

vontades que não a sua própria. (KANT, 1980, apud PEZZELLA e GHISI 2011,

p. 9).

O direito à privacidade está inserto no conjunto dos direitos

fundamentais e, do mesmo modo, também pertence aos direitos humanos,

concebidos como direitos que competem ao ser humano pelo simples fato de

assim se constituir (PEZZELLA e GHISI, loc. cit.), porque se trata de um ser

dotado de dignidade.

Os direitos humanos a priori foram concebidos como liberdades do

indivíduo que poderiam ser oponíveis ao Estado, ou seja, eram como direitos

de defesa contra os possíveis abusos do soberano. No decorrer das

transformações sócio-políticas, emergiram outros direitos com igual importância

e necessidade. Assim passaram a ser reconhecidos, e, doravante, convocaram

o Estado a agir para sua implementação, da mesma maneira que aconteceu

com os direitos sociais, conforme assevera LUCAS (2009, p. 127-128):

No caso específico dos direitos humanos, é evidente que a definição jurídica e a institucionalização de seus postulados constituem o quadro das importantes conquistas históricas proporcionadas pelas revoluções liberais do século XVIII. Sob esse ângulo, é possível afirmar que os direitos humanos tiveram um momento especial de reconhecimento institucional que se confunde com o próprio advento do Estado Moderno e se configura como elemento material de sua formação, como última instância de legitimação do Estado de Direito.

Page 41: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

33

Na idade moderna, a partir dos ideais iluministas dos séculos XVII e

XVIII, documentos que tratavam da tutela dos direitos fundamentais pelo

Estado foram elaborados22 e em todos esses documentos a ideia dos direitos

fundamentais foi defendida e registrada com palavras próprias, com diferenças

interpretativas entre os poderes de Estado que as elaboraram, porém o

conceito de dignidade humana engloba uma ideia geral de característica

inerente ao ser humano, conforme SARLET (2008) explica:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Assim, é necessário que se coloque essas particularidades do indivíduo

a salvo de qualquer ato arbitrário, não havendo distinção de quem quer que

seja, e é fundamental que se garanta condições mínimas para que sejam

protegidas, pois é da própria essência do ser humano estar dotado dessa

condição/qualidade de modo que estar desprovido desse véu protetor destitui o

ser humano da capacidade de subsistência e da convivência social.

2.2.2 A transnacionalização do direito à privacidade

Manifestadamente, os direitos humanos têm como propósito uma ideia

de universalidade, no sentido também da transnacionalidade entendida como

processo pelo qual algo ultrapassa as fronteiras nacionais, englobando os

territórios independentemente do poder estatal ao qual estejam subordinados,

reivindicando legitimidade em qualquer parcela de tempo e espaço com base

no princípio de que são direitos humanos pelo simples fato do seu destinatário

tratar-se de um ser humano.

22

Alguns exemplos são: Bill of Rights, em 1689, a Declaração de Independência das Colônias inglesas, em 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789 com a Revolução Francesa.

Page 42: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

34

Com efeito, a transnacionalidade, cominada com a validade universal

dos direitos humanos sob a ótica política pressupõe que essa compreensão

seja internalizada nos ordenamentos jurídicos e sociais de cada entidade

politicamente independente, com o intermédio de normas jurídicas. Nessa

seara, Sarlet pondera que os direitos humanos se transformaram em direitos

fundamentais e, desse modo:

embora sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira, e diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica àqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). SARLET (2008, p. 31-32)

Conquanto seja considerada a característica transcendental dos direitos

humanos, é evidente que o processo de sua positivação dentro de cada

ordenamento passa pelo momento de decisão, conforme observa Lucas:

A positivação dos direitos humanos, entretanto, não explica, por exemplo, o porquê da definição e da escolha de determinados direitos e não de outros; não explica por que diferentes sociedades ocidentais, com histórias política e econômica diversas, adotaram, em regra, uma mesma orientação valorativa na definição de suas cartas políticas de direitos humanos; não explica, ainda, o fato de sociedades não ocidentais concordarem, ao menos em parte, com um conjunto desses direitos mesmo antes das revoluções do século XVIII. LUCAS (2009, p. 128).

A internacionalização da dignidade da pessoa humana nos

ordenamentos jurídicos ao redor do mundo, bem como de seus direitos

humanos correlatos, deu origem à necessidade de elaboração de um

documento que contivesse as prerrogativas de direito individual no sentido de

“uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta

importância para o pleno cumprimento desse compromisso”23. Nos dias atuais,

o documento internacional que versa sobre os direitos fundamentais, nele

incluso os direitos de personalidade e privacidade é a Declaração Universal

23

Declaração Universal dos direitos do Homem, preâmbulo.

Page 43: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

35

dos Direitos do Homem, elaborada em 1948 pela Organização das Nações

Unidas (ONU), pois a luta pela afirmação da dignidade da pessoa humana

como fonte dos direitos fundamentais do indivíduo ganhou força em um

movimento global que exigiu o respeito à condição humana como valor

supremo de todos os sistemas jurídicos de inspiração democrática24.

Na declaração, foram reconhecidos como os primeiros direitos

individuais: a vida, a integridade física, a liberdade, a igualdade e a

propriedade, sem, porém, qualquer instrumento para que o poder público

garantisse tais direitos na prática, como meio de prevenção de danos. Nesse

sentido, a elaboração e implementação do documento fez com que a teoria dos

direitos de personalidade ganhasse cada vez mais espaço nos direitos

constitucionais de cada país.

Com o advento da tecnologia, e sendo impossível ignorar sua utilidade,

em virtude do legítimo interesse público, principalmente no que tange à saúde

e segurança pública, os espaços públicos poderão ser vigiados e funcionar

como ambientes de coleta da presença das pessoas. Este cenário pode ser

constituído a partir da instalação de equipamentos como câmeras de

segurança em prédios públicos, nas ruas e nas praças, mas destaca-se que as

imagens e cenas captadas serão mantidas em sigilo e contra terceiros,

exatamente por motivo da falta de interesse público na divulgação livre, aberta

e incondicionada destes registros. A Diretiva 95/46 CE da Comunidade

Europeia identifica nessa perspectiva:

Considerando que os dados susceptíveis, pela sua natureza, de pôr em causa as liberdades fundamentais ou o direito à vida privada só deverão ser tratados com o consentimento explícito da pessoa em causa; que, no entanto, devem ser expressamente previstas derrogações a esta proibição no que respeita a necessidades específicas, designadamente quando o tratamento desses dados for efetuado com certas finalidades ligadas à saúde por pessoas sujeitos por lei à obrigação de segredo profissional ou para as atividades legítimas de certas associações ou fundações que tenham por objetivo permitir o exercício das liberdades fundamentais; Considerando que, sempre que um motivo de interesse público importante o justifique, os Estados-membros devem também ser autorizados a estabelecer derrogações à proibição de tratamento de categorias de dados sensíveis em domínios como a saúde pública e a

24

(Peces-Barba Martinez, 2003, p. 11)

Page 44: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

36

segurança social - em especial para garantir a qualidade e a rentabilidade no que toca aos métodos utilizados para regularizar os pedidos de prestações e de serviços no regime de seguro de doença - e como a investigação científica e as estatísticas públicas; que lhes incumbe, todavia, estabelecer garantias adequadas e específicas para a proteção dos direitos fundamentais e da vida privada das

pessoas;25

2.2.3 O direito à privacidade no Brasil

Importa a reflexão do princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana ou a efetiva proteção desse princípio, pois, conforme explica SCHIAVI

(2009, p. 07), neste conceito mais amplo:

a proteção da dignidade da pessoa humana envolve todos os aspectos da pessoa, seja no seu aspecto exterior – papéis que representa na sociedade, como função profissional, imagem, etc., como na sua individualidade – privacidade, intimidade (art. 5º. V e X, da CF), assim como ao fato de pertencer ao gênero humano, seu aspecto físico, sua etnia, bem como a proteção ao meio ambiente.

Nesse ínterim, cabe também destacar o que preleciona Maria Celeste

Cordeiro dos Santos (apud SCHIAVI, loc. cit):

O princípio da dignidade da pessoa aparece indicado, ora como princípio da personalidade, ora como princípio da individualidade e nos obriga a um compromisso inafastável: o do absoluto e irrestrito respeito à identidade e à integridade do ser humano. Isso porque o homem é sujeito de direitos, não é, jamais, objeto de direito e, muito menos, objeto mais ou menos livremente manipulável

O sistema constitucional brasileiro, influenciado pelos movimentos de

reconhecimento dos direitos ligados à pessoa incipientes em outras nações e

também buscou a emancipação do indivíduo enquanto sujeito de direitos e

dominador da sua própria existência, mormente com a promulgação da

Constituição Federal de 1988, fruto de uma renovação político-social que

trouxe novamente os intentos democráticos após anos de ditadura militar no

país. Porém, não se ateve a apenas repetir o que continha a Carta das Nações

Unidas e ampliou o alcance desse direito, atingindo um nível de consenso

internacional, ao preocupar-se com a sua compatibilidade (ou, pelo menos,

com a sua não incompatibilidade) com as normas dos demais Estados.

25

Diretiva 95/46 CE da Comunidade Europeia

Page 45: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

37

Além disso, o legislador constituinte deu ao instituto da dignidade

humana poderes de princípio norteador de todo o sistema constitucional, pois

que prevista no seu artigo 1º, inciso III, orientando e irradiando sua aplicação a

todo o ordenamento jurídico, seja no que se refere ao direito público, quanto ao

direito privado. Nos termos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. [grifo nosso]

Em vários artigos, a Magna Carta confirma o princípio como norteador

do Estado Democrático de Direito, v.g., no que diz respeito à proteção da vida,

do direito à saúde, à moradia digna, garantindo a liberdade, a igualdade, o

acesso à justiça, assim como quando trata do meio ambiente sustentável.

Nesse sentido, mesmo que considere atribuir à dignidade da pessoa humana

graus de diferenciação em determinado contexto legislativo, a relevância da

norma fundamental deve preponderar como critério indiscutível, norteador das

normas infraconstitucionais do ordenamento jurídico.

No artigo 5º da CRFB, em seu caput, também é possível verificar as

normas cogentes de direito à liberdade, igualdade, segurança e propriedade,

bem como proibição de discriminação de qualquer natureza, são

assecuratórias da implementação do princípio:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Entretanto, ainda com a sistemática dos textos normativos, habilitados a

servir de esteio dos direitos fundamentais, afastando qualquer outro que

intimide o seu pleno exercício, não se pode desconsiderar que as

transformações experimentadas pela sociedade, por conta do desenvolvimento

industrial e tecnológico, bem como as regras do mercado, têm a capacidade de

abalar sensivelmente a defesa intransigente desses princípios constitucionais.

Page 46: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

38

Nesse sentido, o ordenamento jurídico nitidamente referendou a dignidade

humana como pressuposto fundamental, inafastável e norteador de todos os

demais diplomas legais, de modo que a interpretação desta norma e sua

efetiva aplicabilidade devem transpor como efetivamente pode ser observado,

todo o regramento legal, até mesmo no acolhimento de normas internacionais,

visto que a dignidade humana constitui princípio fundamental na constituição e

sustentação da sociedade contemporânea, com todos os seus novíssimos

recursos.

2.3 A PRIVACIDADE E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A privacidade guarda uma relação íntima com a liberdade de expressão,

que se revela no momento que consideramos os regimes autoritários de poder,

que não asseguram ao indivíduo a livre manifestação, a liberdade de seus

pensamentos e, nesse cenário, rapidamente é afastado de sua privacidade,

pois, por medo de ser hostilizado ou sofrer algum tipo de punição, deixa de

mostrar ser quem realmente é, desvirtuando sua personalidade de acordo com

as oscilações da repressão. Essa relação também fica clara na concepção de

Celso Bastos, que conceitua a privacidade como a

faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano. BASTOS (apud OLIVEIRA, 2014).

A liberdade de expressão, por sua vez, reflete a autonomia que o

indivíduo tem de poder decidir de que forma se comunicar com a sociedade,

podendo expressar a opinião sobre qualquer tipo de assunto, sensível ou não,

ponderando, porém, o limite da privacidade alheia. Neste viés, a liberdade de

expressão e a privacidade andam juntas, não podendo uma ultrapassar os

limites da outra.

Page 47: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

39

2.4 O DIREITO À PRIVACIDADE E DIREITO À INTIMIDADE

A princípio, no que tange ao mérito conceitual, importa destacar o

entendimento de Marcel Leonardi (2011, p. 47), que diz que “a falta de clareza

a respeito do que é privacidade cria complicações para definir politicas públicas

e para resolver casos práticos”. A partir desse pensamento, fica evidente que a

falta de clareza do que realmente significa privacidade pode gerar muitas

consequências, como a dificuldade de determinação da tutela da privacidade,

“principalmente diante da necessidade de seu sopesamento em face de

interesses conflitantes, tais como a liberdade de manifestação de pensamento”

(LEONARDI, 2011, p. 47).

Existe, ainda, outro ponto que se pode analisar sobre privacidade e

intimidade, quanto a conter e estar contida uma na outra. Sobre esse aspecto,

é importante ter em mente que a privacidade não pode ser confundida com a

intimidade, mesmo que a intimidade possa ser parte constituinte da privacidade

de alguém, isto é, são dois termos que podem aparentar possuir o mesmo

objetivo de direito, mas possuem significados distintos, sendo que um pode

estar inserto no outro, sem que, porém, a recíproca seja verdadeira.

Considerando que o processo de positivação os direitos humanos

supostos universais e transnacionais perpassam o processo de escolha, a

positivação revela-se justamente o contrário da pretensão universalista. Quanto

ao direito à privacidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de

1948, exprime em seu art. XII:

Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

No que tange ao direito brasileiro, o processo de positivação

estabeleceu na Constituição Federal brasileira de 1988 o resguardo ao mesmo

direito contido no art. 5º, inciso X, porém com o seguinte texto:

são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação [grifo nosso].

Page 48: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

40

Ao passo que a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 acolhe tão

somente a vida privada, o constituinte originário no caso brasileiro buscou

amparar direitos à intimidade e vida privada, concebendo esta última em

perspectiva mais específica, sob o caráter de um direito à intimidade.

Por outro lado, mesmo guardados os pontos de convergência entre a

privacidade e a intimidade, cabe diferenciar os dois direitos na medida em que

a privacidade abarca os eventos de cunho individual em que somente a pessoa

pode escolher se as divulga ou não. Já no caso da intimidade, ainda que esteja

incluída no que abrange a privacidade, é um instituto que diz respeito ao modo

de ser da pessoa, à sua identidade, que pode, muitas vezes, ser confundido

com a vida privada. Sobre esse aspecto, Mendes e Branco (2011, p. 315),

distinguem-nas da seguinte forma:

O direito à privacidade teria por objeto os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público. O objeto do direito à intimidade seriam as conversações e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas.

De todo modo, a concepção pormenorizada de cada um dos direitos em

voga intenta extinguir qualquer possibilidade de que o indivíduo fique

desprotegido da interferência e intromissão alheia contra sua vontade, o que

traz a lume também, a preservação do princípio constitucional positivado da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB de 1988), e de seus reflexos.

2.5 A PRIVACIDADE SOB A ÓTICA DO DIREITO DE PERSONALIDADE

O amparo aos direitos de personalidade (como a privacidade, imagem,

honra, etc.) significa a tendência do próprio modelo estatal Democrático de

Direito, uma vez que intenta dar efetividade material à Constituição,

principalmente à dignidade humana, a qual se manifesta de maneira mais

concreta por meio de direitos fundamentais com um grau maior de

especificidade.

Page 49: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

41

Ademais, os direitos de personalidade são entendidos como integrantes

da própria concepção de pessoa. Contudo, importa ressaltar que a previsão de

direitos dessa espécie não se enquadra unicamente na proteção contra o

Estado (perspectiva liberal – primeira dimensão), mas na possibilidade de opor

tais garantias em âmbito particular, pondo de lado a perspectiva meramente

liberal, e avançando em nova dimensão26 na análise dos direitos

fundamentais27. Igualmente, autores que trabalham sob a ótica

supramencionada qualificam os direitos fundamentais básicos – à vida, à

liberdade, dentre outros – no rol dos direitos públicos, contrapostos ao Estado,

ao passo que aqueles concernentes ao viés particular seriam os direitos de

personalidade (SILVA, 2009)28.

A personalidade para Teoria Geral do Direito não é objetivamente um

direito. Não obstante, tudo aquilo que encontra apoio nos direitos e deveres

que dela irradiam é objeto de direito; o primeiro bem da pessoa, para que a

pessoa exerça a liberdade de ser justamente o que se é. Neste ínterim, é sólido

o pensamento de que aos direitos fundamentais da natureza da privacidade e

da intimidade sobreveio o reconhecimento de que pertencem aos direitos de

personalidade, conforme sinaliza Canotilho29:

Muitos dos direitos fundamentais são direitos de personalidade, mas nem todos os direitos fundamentais são direitos de personalidade. Os direitos de personalidade abarcam certamente os direitos de estado (por ex.: direito de cidadania), os direito sobre a própria pessoa (direito à vida, à integridade moral e física, direito à privacidade), os direitos distintivos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito à informática) e muitos dos direitos de liberdade (liberdade de expressão). Tradicionalmente, afastavam-se dos direitos de personalidade os direitos fundamentais políticos e os direitos a prestações por não serem atinentes ao ser como pessoa. Contudo, hoje em dia, dada a interdependência entre o estatuto positivo e o estatuto negativo do cidadão, e em face da concepção de um direito geral de personalidade como ‘direito à pessoa ser e à pessoa devir’, cada vez mais os direitos fundamentais tendem a ser direitos de personalidade e vice versa.

26

Quando se fala em nova dimensão, se intenta representar a visão dos direitos fundamentais de segunda geração, pois a constituição da primeira teve seu marco no Estado Liberal, e a segunda se insurge no modelo social. 27

SOUZA (2008, p. 43) e PEREZ LUÑO (2005, p. 332 – 333) apud DIAS, 2012, p.8. 28

apud DIAS, 2012, loc. cit. 29

apud PEZZELLA e GHISI 2011, p. 13

Page 50: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

42

Depreendido está que o direito à privacidade faz parte de uma casta

extremamente importante de direitos do ser humano, denominados de direitos

de personalidade. Esses são uma categoria:

composta por aqueles direitos que constituem o minimum necessário e imprescindível ao conteúdo da personalidade, sendo próprios da pessoa em si, como ente humano, existente desde o seu nascimento. Em sua, os direitos de personalidade ‘concedem um poder às pessoas para proteger a essência de sua personalidade e suas mais importantes qualidades. FARIAS (2000, p. 131).

Nesse mesmo sentido, é imperioso conceber que os direitos de

personalidade estão constituídos na teia de valores existenciais da pessoa

humana, em suas mais variadas nuances, abarcando entretons materiais

(integridade física), imateriais (nome, imagem, privacidade) e espirituais

(honra). Em ratificação, aduz Diniz:

(...) direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria etc. Por outras palavras, os direitos da personalidade são direitos comuns da existência, porque são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta. DINIZ (2008) apud PEZZELLA e GHISI 2011, p. 13)

Nesse diapasão, resta claro que a privacidade é, destarte, um direito

humano incontroverso, e um direito fundamental, além de ser, também um

direito de personalidade, como se pode verificar nas palavras de Doneda:

A proteção da privacidade, elemento indissociável da personalidade, merece esta tutela integrada, sendo provavelmente um dos casos em que ela é mais necessária. A cotidiana redefinição de forças e meios que possibilitam a intromissão na esfera privada dos indivíduos demanda uma tutela de caráter incessantemente mutável. (...) Os autores que abordam os direitos de personalidade são unânimes em reconhecer neles integrada à proteção da privacidade. Há variações de amplitude e mesmo de nomenclatura com as locuções direito à intimidade, direito ao segredo, direito ao recato, direito à vida privada, direito ao respeito da vida privada, direito ao sigilo, entre outras. Passando ao largo do exame das características individuais de cada uma, é indiscutível que estão superadas as discussões sobre a existência ou não da privacidade pelo ordenamento jurídico e, especificamente, pelo direito civil0 (DONEDA, 2000, p. 128)

É cristalina a importância da proteção da privacidade sob a ótica dos

direitos humanos, e essa proteção é fundamental para que sejam amparados

tanto a dignidade da pessoa humana, quanto os direitos fundamentais.

Page 51: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

43

Considerando as complexidades do direito de privacidade, a reflexão

sobre os aspectos supramencionados desse direito se justifica na medida em

que a sociedade hodierna se encontra diante da falta de controle sobre o uso

indevido e indiscriminado dos apetrechos e mecanismos tecnológicos que

permitem captar a presença humana indiscriminadamente, abrindo a

possibilidade de que sejam lesados os direitos concernentes à personalidade,

pois, da mesma forma que a Sociedade da Informação cria novas formas de

relações interpessoais, cria, por conseguinte, a demanda de que novas formas

de controle e de proteção defronte aos potenciais riscos acarretados pelo uso

indevido dos meios tecnológicos.

Logo, é preciso que sejam analisados os aspectos concernentes à

Sociedade da Informação na qual vivemos para perscrutar da melhor maneira

se os direitos de privacidade estão sendo preservados e em que medida será

necessário revisitá-los, para acompanhar as demandas da nova concepção de

coletividade, comunidade, ética e espaço, principalmente, do que é entendido

como privado ou público dentro desse novo sistema.

Page 52: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

44

3 ESPAÇOS PÚBLICOS E ESPAÇOS PRIVADOS

Viver ativamente em sociedade atualmente constitui estar

constantemente em movimento entre espaços, o que significa entrar e sair de

espaços públicos e espaços privados sistematicamente. A esse respeito, as

definições de Público e de Privado, como preceitua Weber (1982, passim), são

complexas, uma vez que há uma linha tênue que as divide, tão nebulosa

quanto à linha de influência entre as duas. Esses conceitos são mutáveis, visto

que na realidade o Público e o Privado se misturam constantemente em

diversas circunstâncias.

A princípio, quando se fala de espaço, vem à mente os limites, as

fronteiras. Em um conceito espacial, público é o espaço de uso comum entre

indivíduos, onde se desenvolvem atividades coletivas de convívio de diversos

grupos que constituem a sociedade. A partir dessa definição, é possível

categorizar os espaços públicos livres, onde é pleno o direito de ir e vir (exceto

quando uma autoridade pública ou seu representante restringe esse acesso

visando à segurança e convivência harmônica), que seriam ruas e avenidas,

bem como os espaços de lazer, como praças, praias e parques. Há, ainda, um

terceiro tipo de espaço público, que são os espaços públicos com restrição ao

acesso e à circulação, nos quais a presença é controlada e restrita, como os

edifícios públicos, Prefeituras, Fóruns, residências oficiais de governantes,

instituições de ensino público, hospitais, entre outros. A responsabilidade da

manutenção desses espaços é da Administração pública (prefeitura, Estado

etc.).

Por outro lado, nessa visão mais simplista, espaços privados são

aqueles cuja propriedade é privada, seja por pessoas ou instituições, ou seja,

casas, lojas comerciais, escolas (particulares), hospitais (particulares) e

shopping centers. Nesse caso, os responsáveis pela manutenção e

preservação locais são os proprietários. Além dessa dicotomia, existem, ainda,

os locais privados acessíveis ao público, onde o acesso é facultado aos

indivíduos mediante o preenchimento de certas condições momentâneas, tais

como, pagamento de ingresso e/ou despesas pela utilização do local e ou

serviços ali prestados.

Page 53: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

45

Porém, essa dicotomia se torna muito mais complexa quando se analisa

a privacidade do indivíduo nos espaços em que ele se movimenta. Na

Sociedade da Informação, as distinções entre público e privado se fazem até

mesmo dentro do mundo virtual – que de certa forma é um mesmo espaço, o

cibernético –, quando, por exemplo, as redes sociais disponibilizam uma versão

considerada pública do perfil ali cadastrado, como existe a possibilidade de que

algumas informações e dados sobre determinado indivíduo sejam privadas.

Dentro dessa definição de privado, existem, ainda, seções de privacidade.

Mas o que se pode observar dessa mescla de espaços público e privado

num mesmo ambiente virtual é que, no mundo real o espaço público assume

contornos privados a partir do momento em que a socialização se restringe ao

conteúdo dos aparelhos eletrônicos e, fisicamente seja uma questão cada vez

mais delicada a aproximação – as pessoas recorrem ao uso dos aparelhos

ligados à internet cada vez mais nos momentos em que estão presencialmente

sozinhas em espaços públicos, o que traz para a perspectiva alheia um

elevado grau de privacidade a esse comportamento.

Sobre a realidade descrita é que Bauman (2001) chama a atenção

quando observa esse esvaziamento do espaço público como um fator de

enfraquecimento do indivíduo como sujeito histórico autônomo, de modo que

seus direitos, principalmente no que tange às tomadas de decisão, começam a

ser cerceados. Para o autor, esse cenário é o que expressa a fragilidade cada

vez maior da esfera pública e da “perda” do domínio público. Essa situação

também reflete a coletividade, quando se concebe que “o espaço público está

cada vez mais vazio de questões públicas. Ele deixa de desempenhar sua

antiga função de lugar de encontro e diálogo sobre problemas privados e

questões públicas” (BAUMAN, 2001, p. 50).

Juridicamente, as definições de público e privado no que tange à

caracterização dos espaços surgiu das demandas sociais concernentes à

própria modernidade. E foi através do reconhecimento do direito de

propriedade e daquilo o que se pode garantir de exclusivo aos indivíduos que

se passou a diferenciar o domínio dos espaços. Nesse sentido, conceituar um

Page 54: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

46

território pertencente a um indivíduo concomitantemente significa conceituar

territórios compartilháveis entre toda uma coletividade.

Ao comparar o espaço público com o espaço privado, Habermas (2003)

reconhece o primeiro como um fenômeno social de interação e diálogo,

conforme o trecho infra transcrito:

A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos

30.

A partir desse raciocínio é possível entender que a sociedade

propriamente dita compreende os espaços públicos, quais sejam as esferas

públicas, que são locais onde se propiciaria a intermediação entre comunidade

e Estado. Na via oposta, é possível inferir do pensamento que os espaços

privados (ou íntimos), também contidos na sociedade, são evidentemente

aqueles nos quais vivem as famílias e a sociedade civil.

Deveras, essa supracitada explicação sobre os espaços públicos e

privados descreve os conceitos e relações entre indivíduo, Estado e espaço em

sociedade como são estabelecidas. Nesse contexto, os direitos fundamentais

constituem o fator inserido nessa relação que permite garantir a aplicação do

princípio da autonomia privada e propriedade, como também o direito de que a

liberdade pública seja desempenhada pela coletividade.

É interessante perceber que a relação dos indivíduos com a coletividade,

quando do compartilhamento do espaço31, consiste no fato de que os

indivíduos identificam-se mutuamente como tal. Nessa mesma trilha, Martins

(2005, p. 157-158), pondera que “em termos sociais, todavia, o espaço público

designa a constituição de uma intersubjetividade prática, do reconhecimento

recíproco como sujeitos, da ligação das pessoas e do encadeamento das suas

ações na cooperação social”.

30

Apud PEZZELLA e GHISI 2011, p. 15. 31

Considera-se aqui o espaço na esfera pública

Page 55: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

47

A virtualização da vida cotidiana na Sociedade da Informação,

entretanto, transforma e relativiza o conceito de espaço público para muito

além do limite entre os espaços – dada a existência do espaço cibernético –,

tornando flexível, também, a percepção do indivíduo sobre ele próprio e a

coletividade presentes no mesmo local como compartilhadores do espaço

público. Sobre essa questão, Habermas (2003) explica que:

(...) as esferas públicas ainda estão muito ligadas aos espaços concretos de um público presente. Quanto mais elas se desligam de sua presença física, integrando também, por exemplo, a presença virtual dos leitores situados em lugares distantes, de ouvintes ou espectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais clara se torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para a generalização da esfera pública.

32

Destarte, com o propósito de analisar as alterações de entendimento

sobre pertencimento e atitude na esfera pública, provenientes dos novos

modelos de pensamento da Sociedade da Informação, deve-se lançar o olhar

sobre os aspectos dos espaços privados.

Podemos conceber que a esfera privada da vida em sociedade se dá

naqueles espaços onde o indivíduo exerce suas atividades com a pretensão de

estar a salvo do conhecimento de outros indivíduos. Por conseguinte, os

espaços privados estariam intimamente ligados aos princípios de privacidade,

intimidade e sigilo. O contraponto de arremate desse raciocínio é trazido por

Arendt (2007, p. 61), quando conclui que a “esfera pública só tolera o que é tido

como relevante, digno de ser visto ou ouvido, de sorte que o irrelevante ao

conhecimento público torna-se automaticamente assunto privado”.

Em que pese a dicotomia entre espaços públicos e privados admitida, a

priori, sob o aspecto físico e espacial (espaços físicos), importa ressaltar que a

concepção de um ambiente como espaço privado ou público requer a análise

do período histórico e da complexidade cultural de uma comunidade, isso

porque quanto maior o cunho individualista do pensamento cultural, maior a

quantidade de espaços privados, ao passo que o pensamento no qual o fator

coletivo se sobrepõe ao individual determina uma maior quantidade de espaços

públicos.

32

Ibdem, p. 15.

Page 56: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

48

Nesse sentido, cabe considerar o fenômeno do advento da tecnologia na

sociedade atual, que suplanta a antiga concepção de unidade familiar e a

oposição extremista entre o público e o privado da polis, visto que a vida

privada na Sociedade da Informação se define na medida do direito à

intimidade, enquanto temas outrora contidos e restritos à reserva do lar são

massivamente trazidos à esfera pública, e esta passa a determinar

comportamentos de tal maneira que se pode considerar a socialização

representada com a publicização do privado. Na mesma linha, expõe Arendt:

Um fator decisivo é que a sociedade, em todos os seus níveis, exclui a possibilidade de ação, que outrora era excluída do lar doméstico. Ao invés de ação, a sociedade espera de cada um dos seus membros certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas elas tendentes a “normalizar” os seus membros, a fazê-los comportarem-se, a excluir a ação espontânea ou a façanha extraordinária. (ARENDT, 2007 p. 39)

Sem dúvida nenhuma, principalmente no âmbito das relações humanas,

a possibilidade de interconexão trazida pelos avanços tecnológicos que

configuram a Sociedade da Informação veio a beneficiar as relações entre

distância e tempo no sentido de que, antigamente as comunicações se davam

por carta ou telefone, mas, no primeiro caso, sujeito ao tempo que levaria para

a informação (de imagem ou escrita) chegar ao destinatário, enquanto no

segundo caso, mesmo que o tempo não fosse um fator ainda imperfeito,

apenas a comunicação oral era possível.

Na via positiva do cenário atual, além de a informação ser completa

(oral, imagética e escrita), é possível que seja enviada em tempo real. Para

Paesani (2014, p. 10), esse é justamente o motivo pelo qual o processo de

alteração comunicacional instaurou-se com tanta força na vida moderna, in

verbis: “a Internet é vista como um meio de comunicação que interliga dezenas

de milhões de computadores no mundo inteiro e permite o acesso a uma

quantidade de informações praticamente inesgotáveis”. E é precisamente esse

o motivo pelo qual esse novo modelo de sociedade conceitua e lida com as

questões de espaço e tempo de maneira diferenciada de outrora.

No entanto, na via negativa desse avanço tecnológico e do processo de

democratização da informação, muitas são as questões inéditas ligadas à

Page 57: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

49

realidade informática, dentre as quais se debate a tutela e a disciplina da

privacidade, ou seja, tais assuntos despontam como consequências diretas e

indiretas, positivas e negativas que podem ser observadas no espaço online e

por causa dele.

Sob o aspecto das mudanças trazidas pelo advento das novas

tecnologias, Fortuna (2012, p.137) levanta a hipótese compartilhada por Vidal,

de que atualmente existe uma “implosão do espaço privado”, e nesse sentido,

a arena familiar compartilhada, o espaço da casa está a ser estilhaçado. Como uma câmara de ressonância, está a acomodar no seu seio os mesmos sinais de agressividade, dissonância e fractura social e intergeracional que germinam no quotidiano público da cidade. O relevo da minha hipótese sobre a relação da privacidade do lar com o espaço público é, deste modo, o conselho para que olhemos para a cidade a partir da porosidade das fronteiras entre os domínios público e privado. Não podemos continuar a aceitar quaisquer definições nominalistas dos espaços, senão de forma operativa, porquanto eles se influenciam e contaminam reciprocamente a cada instante. Mas o desafio para os nossos esquemas mentais e operativos, para nada dizer da nossa própria estabilidade emocional, decorrente desta porosidade das fronteiras não é de todo um desafio menor.

Haja vista as considerações sociológicas acerca da qualificação dos

espaços públicos e privados, interessa ao presente trabalho verificar a questão

conceitual aqui discutida pela ótica institucional e jurídica e sobre essa questão,

Marcel Leonardi (2011, p. 40) pondera que “é um desafio para o intérprete do

direito apresentar propostas de soluções eficientes no que diz respeito à tutela

da privacidade no âmbito da internet.”.

Logo, é imperativo que sejam analisados casos de violação da

privacidade, intimidade e vida privada com o escopo de entender

circunstâncias e encontrar formas concretas de coibir violações dessa natureza

de modo que a tutela desse direito fundamental disposto na Constituição

Federal do Brasil seja assegurada. Defronte a referida necessidade, destaca-se

a explanação de Martins (2005, p. 158):

Por sua vez, pelo critério institucional ou jurídico, são qualificados como públicos os lugares ou os problemas que relevam de uma instituição pública. Neste caso, o privado opõe-se ao público e o segredo ou a inacessibilidade constituem a condição da sua proteção. Podemos falar então do domicílio ou da empresa, que relevam de uma autoridade privada, e das ruas ou das praças, que relevam da

Page 58: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

50

ordem pública. Dada esta incerteza, fica claro que não existe um espaço público natural e que a nossa atenção deve recair não apenas na evolução e na porosidade da fronteira entre público e privado, mas também na evolução das significações que estas noções revestem, por exemplo, nas deslocações entre uma acepção física concreta e uma acepção imaterial do espaço público.

Conforme se infere, fatores complexos devem ser considerados para

que se determine a distinção entre os conceitos de público e privado no que

tange aos espaços permeados pelo indivíduo, pois o limite entre um e outro

pode não ser simples de se analisar, mormente porque os espaços

experimentam atualmente um processo de fusão, devido à dinâmica dos

indivíduos neles inseridos e por meio deles mutuamente envolvidos.

Por essa razão é que se faz urgente dar atenção à intercessão

tecnológica, própria da Sociedade da Informação, que propicia a circulação

entre esses espaços e demanda a minimização de barreiras entre eles, e ao

passo disso, a aceitação dos espaços concebidos cada vez menos a partir da

ótica dicotômica fará muito possivelmente com que o cenário político, bem

como as demandas sociais ganhem maior destaque no momento em que se

pensar sobre a cultura, a política, e consequentemente, o Direito.

Esse raciocínio pode ser ilustrado em uma dialética, onde a antítese é a

discussão sobre o que é público e o que é privado, e no movimento fluido, pelo

qual a sociedade passa atualmente, chegará o momento da síntese,

constituída da aceitação da flexibilidade dos valores dicotômicos. Ao final, a

tese que virá à tona desse desenvolvimento será a ideia de que é na

comunidade que se encontra referência aos valores compartilhados dentro

dela, de modo que com o advento da internet e da vida virtual, diversas são

serão as comunidades nas quais se buscará referências para solução de

questões num tempo futuro.

Page 59: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

51

4 A PRIVACIDADE EM ESPAÇOS PÚBLICOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

4.1 A VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DA

INFORMAÇÃO

As novas tecnologias e as mudanças de comportamento e valores

dentro da sociedade ocasionam a violação de diversos direitos coletivos e

individuais se não forem tomados os devidos cuidados e análises do ponto de

vista jurídico e sociológico. De acordo com o Dr. Tali Hatuka33, a “combinação

de vigilância secreta e partilha voluntária contribui para uma sensação de estar

exposto em um espaço público que normaliza as práticas de partilha de dados

pessoais, por particulares” e prossegue, afirmando que “o resultado é a

diminuída privacidade total”.

Nesse sentido, é possível entender, por exemplo, que a urgência pelo

compartilhamento de uma informação, própria do mundo virtual – onde há

sempre uma avidez pela novidade e valorização da informação – faça com que

as pessoas olhem para a possibilidade do compartilhamento de forma também

urgente e, consequentemente a reflexão sobre aquele conteúdo e as

consequências do compartilhamento daquela informação no mundo real, seja

negligenciada juntamente com a percepção do indivíduo sobre si e sobre a

própria comunidade a que pertence. E a reflexão teria a função de trazer à

reflexão alguns conceitos de ética e comportamento social.

4.2 O DIREITO À INVISIBILIDADE NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Conforme foi explicado no começo do presente trabalho, a privacidade

está contida no rol dos direitos fundamentais essenciais ao ser humano e

constitui um direito de estar a salvo de toda e qualquer interferência alheia.

33

Dr. Tali Hatuka é chefe do Laboratório de Design Contemporâneo urbano na TAU -Departamento de Geografia e Meio Ambiente Humano. Entrevista disponível em http://www.digitalmed.com.br/noticia/os-usuarios-de-smartphones-estao-redefinindo-privacidade-em-espacos-publicos/. Acesso em 18/06/2017.

Page 60: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

52

Nesse sentido, o mero movimento do indivíduo de um espaço tido como

privado para um espaço tido como público não permite concluir que tenha

aberto mão de sua privacidade e toda a proteção natural que lhe é

característica, pois mesmo que seu espaço particular tenha sido diminuído, é

certo que não se intenta estar totalmente desprotegido da intromissão alheia. E

essa premissa abrange cada indivíduo dentro de uma coletividade, tenha ele

ou não qualquer participação pública de maior expressão dentro da sociedade.

Ainda no que tange às pessoas públicas, convém salientar que a

doutrina reconhece que se deve deixar de conferir-lhes os direitos da

privacidade frente às ofensivas alheias, conforme sustentam Mendes e Branco

(2011, p. 321-322):

Por vezes, diz-se que o homem público, i. é, aquele que se pôs sob a luz da observação do público, abre mão da sua privacidade pelo só fato do seu modo de viver. Essa impressão é incorreta. O que ocorre é que, vivendo ele do crédito público, estando constantemente envolvido em negócios que afetam a coletividade, é natural que em torno dele se avolume um verdadeiro interesse público, que não existiria com reação ao pacato cidadão comum. (...) Fatos desvinculados do papel social da figura pública não podem ser considerados de interesse público, não ensejando que a imprensa invada a privacidade do indivíduo.

Em suma, fica constatado que a doutrina admite um abrandamento em

relação à proteção da privacidade da pessoa pública, porém restringindo o

entendimento no que diz respeito a atos de relevância para o papel social que

se desempenha, isto é, atos que se mostrem importantes para o interesse

público – lembrando que os autores consideram “decerto que interesse público

não é conceito coincidente com o de interesse do público” (MENDES e

BRANCO, 2011, p. 321).

4.2.1 No Brasil

Se nem mesmo a figura pública é despida de toda sua privacidade

quando em espaços públicos, parece, então, arrazoado concluir que menos

ainda o será o homem comum – uma vez que sua existência e presença em

Page 61: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

53

qualquer lugar não são de relevante interesse público. Todavia, ainda que a

conjectura pareça evidente, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão datada

do ano de 2004, manifestou posição em sentido diverso:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO SEM PERMISSÃO DE FOTOGRAFIA DE PESSOA EM JORNAL. (...) até porque quem se dá o direito de dar/receber um beijo ou aproximar-se carinhosamente de alguém (seja por questões puramente de apreço às batalhas sindicalistas) na presença de seu marido, em público, na presença massiva de jornalistas, entende-se, por óbvio, que o momento é uma situação de normalidade, não devendo importar-se com as interpretações advindas de terceiros. Até porque, mesmo que não houvesse legenda na foto, ela fala por si só. Não se olvida que, em regra, por ser o direito à imagem personalíssimo, a publicação de fotografia deve ser precedida pela autorização da pessoa fotografada e exposta. Todavia, conforme ponderações jurisprudenciais, tal regra comporta relativização, como na hipótese de a imagem ser captada em ambiente público; quando se tratar de pessoa notória; ou quando a publicação for de relevante interesse jornalístico, sendo relacionado a interesse público. Nesse norte, destaca-se da jurisprudência desta Corte: Em regra geral, a utilização da imagem deve ser precedida de autorização. Contudo, a jurisprudência tem relativizado essa necessidade quando a matéria é revestida de relevante interesse público, por conseguinte imbuída de interesse.

34[grifo nosso]

DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO. Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso especial não conhecido

35.

A despeito das alegações destacadas para fundamentar o voto no

processo supratranscrito, deduzir que exista uma espécie de cláusula tácita de

consentimento à exposição e apropriação da imagem pessoal em razão de o

indivíduo estar meramente presente em certo espaço público é, no mínimo,

delicado e perigoso.

Ademais, posto que a privacidade pretenda a proteção de direitos de

personalidades tão significativos como o da honra e da imagem – indisponíveis

34

BRASIL. TJ-SC Terceira Câmara de Direito Cível. Apelação Cível n. 2013.009954-0 (020110156129), Apelante: Cleonir Precila Antonin. Apelada: Empresa Folha da Manhã S.A. de Rel. Juiz Saul Steil. j. 20.02.2013. Criciúma. DJ 15.05.2013. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acesso em 02.06.2017 35

BRASIL. STJ – 4ª Turma - REsp 595.600/SC (2003/0177033-2). Apelante: Maria Aparecida de Almeida Padilha Apelado: Zero Hora Editora Jornalística S/A. Rel. Min. Cesar Asfor Rocha. DJ 13/09/2004 p. 259. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acesso em: 05/06/2017.

Page 62: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

54

que são (art. 11, Código Civil, 2012) –, é incongruente julgar que determinado

indivíduo, ao apresentar-se em um espaço público, implicitamente admita a

possibilidade de toda e qualquer sorte de intromissão alheia.

Atualmente o tema inspira maior cuidado, visto que as tecnologias de

comunicação são cada dia mais velozes, acessíveis e comuns no cotidiano. O

hábito do uso de telefones celulares, tablets e outros aparelhos afins atrelados

às redes de comunicação de alta velocidade, cuja transmissão se dá em tempo

real, gera um ambiente no qual as pessoas são, concomitantemente vigilantes

e vigiadas. Sobre essa realidade Martins (2005, p. 158) demonstra que:

Esta questão da fronteira entre espaço público e espaço privado abre caminho à reflexão sobre a mediação técnica, sobre o modo como as novas tecnologias da informação, que incluem os media, participam da redefinição da fronteira entre público e privado, ao misturarem em permanência lugares e atividades públicas e privadas. O exemplo-tipo desta realidade é a publicitação da intimidade nos media audiovisuais e na Internet, assim como, de um modo geral, a comunicação electrónica.

Sobre a questão da privacidade dentro da realidade da Sociedade da

Informação, Silva (2012, p. 209 – 210) declara:

O intenso desenvolvimento de complexa rede de fichários eletrônicos, especialmente sobre dados pessoais, constitui poderosa ameaça à privacidade das pessoas. O amplo sistema de informações computadorizadas gera um processo de esquadrinhamento das pessoas, que ficam com sua individualidade inteiramente devassada. O perigo é tão maior quanto mais a utilização da informática facilita a interconexão de fichários com a possibilidade de formar grandes bancos de dados que desvendem a vida dos indivíduos, sem sua autorização e até sem seu conhecimento.

O cerne da questão está no fato de que quando se fala em Sociedade

da Informação, pode-se verificar facilmente que a grande maioria das pessoas

porta aparelhos com capacidade de registrar a presença de outrem e, dessa

forma, é simples captar uma imagem sobre aquele ambiente ou alguma pessoa

em específico, e reproduzir o conteúdo em tempo real automaticamente, ao

toque de um dispositivo – e para um contingente indeterminado de pessoas,

sem qualquer autorização prévia de tal divulgação. Nesse contexto, a imagem

do indivíduo foge ao seu próprio controle na medida em que não há como

saber onde exatamente dentro da rede um possível registro sobre si será

veiculado.

Page 63: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

55

Em um caso hipotético, a prática de um ato completamente comum,

como tomar sol na praia, pode ser registrada por outra pessoa com poucos

comandos em um dispositivo tecnológico (celular, smartphone, tablet) sem que

o registro tenha sido notado e, no instante seguinte, este registro pode ser

disponibilizado em alguma rede social para ser acessado livremente por

inúmeras outras pessoas. Casos como este configuram clara afronta ao direito

de privacidade, cuja proteção em espaços públicos pode ser entendida como

proteção de um direito à invisibilidade, ou seja, direito de não ser notado e,

consequentemente, de não ter nenhum registro de si feito por outro. Nesse

sentido, somente o consentimento expresso, inadmitindo-se consentimento

tácito pela simples exposição, pode afastar a afronta à privacidade nos

espaços públicos.

Em conformidade com o raciocínio demonstrado acima, o STJ - Superior

Tribunal de Justiça – se posicionou e julgou, em 2011 nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM EM SÍTIO ELETRÔNICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PARA EMPRESA ESPANHOLA. CONTRATO COM CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO NO EXTERIOR. 1. A evolução dos sistemas relacionados à informática proporciona a internacionalização das relações humanas, relativiza as distâncias geográficas e enseja múltiplas e instantâneas interações entre indivíduos. 2. Entretanto, a intangibilidade e mobilidade das informações armazenadas e transmitidas na rede mundial de computadores, a fugacidade e instantaneidade com que as conexões são estabelecidas e encerradas, a possibilidade de não exposição física do usuário, o alcance global da rede, constituem-se em algumas peculiaridades inerentes a esta nova tecnologia, abrindo ensejo à prática de possíveis condutas indevidas. 3. O caso em julgamento traz à baila a controvertida situação do impacto da internet sobre o direito e as relações jurídico-sociais, em um ambiente até o momento desprovido de regulamentação estatal. A origem da internet, além de seu posterior desenvolvimento, ocorre em um ambiente com características de auto regulação, pois os padrões e as regras do sistema não emanam, necessariamente, de órgãos estatais, mas de entidades e usuários que assumem o desafio de expandir a rede globalmente. (...) 10. Com o desenvolvimento da tecnologia, passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o consentimento do interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade, direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o direito à imagem. (...).

36 [grifo nosso]

36

BRASIL. STJ – 4ª Turma - REsp 1168547/RJ (2007/0252908-3), Recorrente: WORLD COMPANY DANCE SHOW LTDA. Recorrida: Patrícia Chélida de Lima Santos. Rel. Min. Luis

Page 64: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

56

4.2.2 Caso Daniela Cicarelli

Quando se fala de direito à privacidade em locais públicos, certamente

vale recordar daquele que talvez tenha sido o primeiro caso de maior impacto

na discussão, qual seja o da modelo e atriz brasileira Daniella Cicarelli que, em

2006 teve registrado e compartilhado um vídeo seu com o então namorado

praticando atos de cunho sexual em determinada praia da Espanha. O vídeo

captado foi divulgado na Internet e se propagou com a reconhecida velocidade

que somente este meio de comunicação possibilita. O vídeo rapidamente caiu

no conhecimento público e as cenas viraram notícia na mídia. Daniela Cicarelli

acabou indo à lide em face do provedor de serviços Youtube subsidiário pelo

Google, e contra diversos outros provedores para que o vídeo saísse de

circulação e tivesse sua exibição proibida.

A modelo conseguiu o êxito com a decisão proferida no recurso de

Agravo de Instrumento nº 472.738-4, apreciado pela 4ª Câmara de Direito

Privado do Estado de São Paulo, sob a relatoria do Desembargador Ênio

Santarelli Zuliani e o provedor Youtube ficou bloqueado no Brasil por alguns

dias em 2007.

O debate do caso teve foco na análise sobre a sustentação do

argumento do direito à privacidade uma vez que os atos praticados pelo casal

tinham cunho erótico, mesmo tendo sido praticados em espaço público. Nesse

âmbito, prevaleceu a seguinte tese:

AÇÃO INIBITÓRIA FUNDADA EM VIOLAÇÃO DO DIREITO À IMAGEM, PRIVACIDADE E INTIMIDADE DE PESSOAS FOTOGRAFADAS E FILMADAS EM POSIÇÕES AMOROSAS EM AREIA E MAR ESPANHÓIS – Esfera íntima que goza de proteção absoluta, ainda que um dos personagens tenha alguma notoriedade, por não se tolerar invasão de intimidades [cenas de sexo] de artista ou apresentadora de tv – Inexistência de interesse público para se manter a ofensa aos direitos individuais fundamentais [artigos 1º, III e 5º, V e X, da CF] - Manutenção da tutela antecipada expedida no agravo de instrumento nº 472.738-4 e confirmada no julgamento do agravo de instrumento nº 488.184-4/3 - Provimento para fazer cessar a divulgação dos filmes e fotografias em websites, por não ter ocorrido consentimento para a publicação (...). [grifo do autor]

BRASIL. TSJ/SP. Rel. Felipe. Salomão j. 11.05.2010 - DJ 07/02/2011. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais Acesso em: 07.06.2017.

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57

(...) Não soa razoável supor que a divulgação cumpre funções de cidadania; ao contrário, satisfaz a curiosidade mórbida, fontes para mexericos e ‘desejo de conhecer o que é dos outros, sem conteúdo ou serventia socialmente justificáveis’(...). Não há motivo público que justifique a continuidade do acesso. (...) Tendo em vista que o vídeo não contém matéria de interesse social ou público, há uma forte tendência de ser, no final, capitulada como grave a culpa daqueles que publicaram, sem consentimento dos retratados e filmados, as cenas íntimas e que são reservadas como patrimônio privado. Portanto e porque as pessoas envolvidas são conhecidas, a exploração da imagem poderá ter um sentido e uma conotação mercantilista, o que justifica mensurar a astreinte na mesma proporção das vantagens que as requeridas pretendem auferir com a divulgação, sob pena de se tornar inócua a providência judicial.

37

A justificativa ressalta que a divulgação da imagem “quando necessária

a fins judiciais ou que interessem à ordem pública”, seria uma das exceções

para a dispensa da anuência, pelo detentor de tal direito personalíssimo, para a

divulgação de sua imagem (DUARTE, 2010, p. 41). Além disso, o argumento

trouxe as premissas estabelecidas por Mendes e Branco (2011, p. 320-321) no

que diz respeito a situações nas quais indivíduos com certa notoriedade no

meio social se expõem em espaços públicos, em clara conexão com a

significância da divulgação para o interesse público:

Verifica-se a tendência de tomar como justificável a intrusão sobre a vida privada de alguém quando houver relevância pública na notícia que expõe o indivíduo. (...) O conceito de notícias de relevância pública enfeixa as notícias relevantes para decisões importantes do indivíduo na sociedade. Em princípio, notícias necessárias para proteger a saúde ou a segurança pública, ou para prevenir que o público seja iludido por mensagens ou ações de indivíduos que postulam a confiança da sociedade têm, prima facie, peso apto para superar a garantia da privacidade.

É bem verdade que o caso da atriz e modelo em questão possui dois

elementos que o fizeram singular.

Primeiramente, em se tratando de pessoa famosa, subentende-se que

exista menor “pretensão de retraimento da mídia” (MENDES e BRANCO, 2011,

p. 413). Além disso, as cenas registradas em local público tinham cunho

erótico, e assim, a reprovação da conduta trouxe a ideia de que, ante a prática

consciente de ato impróprio, estariam os indivíduos envolvidos impedidos de se

revoltar diante da divulgação e exposição do registro. Nesse esteio está o

37

BRASIL. TJSP. 4ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento 472.738-4 – Rel. Des Ênio Santarelli Zuliani – j. 28.09.2006. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acesso em: 18.02.2017).

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58

argumento do Desembargador Maia da Cunha, cujo voto divergente foi

vencido. In verbis:

Pessoas públicas, cuja popularidade atrai normalmente turistas e profissionais da imprensa em geral, particularmente os conhecidíssimos “paparazzi” da Europa, não podem se dar ao desfrute de aparecer em lugares públicos expondo abertamente suas sensualidades sem ter a consciência plena de que estão sendo olhados, gravados e fotografados, até porque ninguém ignora, como não ignoravam os autores, que hoje qualquer celular grava um filme de vários minutos com razoável qualidade. (...) Quem age assim em local absolutamente público, sendo pessoa pública, não pode reclamar da exposição que a mídia em geral dá pela natural curiosidade do ser humano em relação aos artistas e modelos famosos. Exposição que não passa daquela exposta pelos protagonistas, que, embalados pelo sucesso e pela paixão do momento e do lugar, não se preocuparam com a própria privacidade e intimidade. A veiculação do filme verdadeiro nada mais é do que a realidade no limite que os próprios autores explicitamente consideraram razoável quanto às suas privacidades e intimidades.

38

No caso relatado, é uma pessoa pública que reivindica o direito à

privacidade, o que dá ao tema do direito certa singularidade. Nesse sentido,

considerando que o caso em questão traz claramente à tona a capacidade que

a Sociedade da Informação tem de criar inediticidades para o Direito, e que,

nesse caso, a circunstância que apresentou novidade foi a promoção de uma

ação judicial ter ocorrido em país diferente de onde ocorreu o ato danoso

devido ao alcance das informações em rede, não se pode deixar de pensar

como a situação se resolveria na seara jurídica local, ou seja, como a Corte

espanhola avaliaria a questão.

Para essa rápida análise de Direito Comparado, evidencia-se o caso da

atriz Penélope Cruz, também figura pública, que foi fotografada junto com o seu

parceiro lendo na varanda de um lugar privado por um periódico e teve suas

imagens divulgadas. Na decisão, o Supremo Tribunal da Espanha reafirmou a

sua jurisprudência de que mesmo pessoas públicas têm direito à privacidade e,

segundo os juízes, se a figura conhecida está em um espaço particular ou em

38

BRASIL. TJSP – 4ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento 472.738-4 – Rel. Des Ênio Santarelli Zuliani – j. 28.09.2006. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acesso em: 19.05.2017.

Page 67: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

59

um ambiente público mais reservado, jornalistas não têm o direito de registrar o

momento e compartilhar sem a devida autorização39.

Entretanto, se faz necessário e importante discutir jurídica e

sociologicamente os casos envolvendo a privacidade do cidadão médio, que

vive sem ter em si a atenção do resto da sociedade e, que consequentemente

não desperta curiosidade alheia para si.

4.2.3 Casos anônimos

Importa trazer a lume episódios cujas pessoas envolvidas eram cidadãos

comuns e os meios de captação da presença eram próprios da Sociedade da

Informação. Aduz com o raciocínio Venosa (2011, p. 32), quando diz que “a

tutela da intimidade torna-se cada vez mais preocupação de todos e não afeta

unicamente pessoas que se destacam na sociedade”. Ou seja, atualmente, em

função das novas redes “na qual os processos de comunicação ou informação

ganham crescente terreno como consequência das conquistas tecnológicas

que informam a cultura cibernética” (PAESANI, 2014, p. 16), qualquer

indivíduo, seja pessoa notória na sociedade ou não, está vulnerável aos riscos

de violação desses direitos.

Em março de 2009 na cidade de Londres, a imagem de determinado

logradouro incluía a imagem um homem com carro estacionado em frente a

uma loja Sex Shop registrada pelo serviço Google Street View40 e foi

disponibilizada para fins de consulta de locais. Sua mulher surpreendeu-se ao

ver pela Internet a imagem, por acreditar que o cônjuge estava em outa cidade.

Segundo relata a notícia publicada no Jornal The Sun41, o fato culminou no

pedido de divórcio.

39

PINHEIRO. Aline. Corte da Espanha reafirma que pessoa pública também tem direito à privacidade. Revista Consultor Jurídico, publicada em 7 de outubro de 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-out-07/corte-espanha-julga-pessoa-publica-direito-privacidade> Acesso em: 17/06/2017. 40

O Google Street View é um serviço de mapeamento on-line que permite explorar lugares no mundo todo por meio de imagens em 360 graus no nível da rua, mediante acesso público via internet. 41

Notícia disponível em <http://www.castrodigital.com.br/2009/04/google-faz-mulher-pedir-divorcio-marido.html#axzz4ljfjYvWg>. Acesso em 16.06.2017

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60

Um segundo episódio parecido ocorreu na Russia, quando uma mulher,

ao buscar informações sobre determinada rua de sua cidade em serviço

parecido com o Goggle Street View (chamado Yandex), viu a imagem de seu

namorado andando na rua com outra mulher. A situação também ocasionou o

fim do relacionamento42.

No Brasil também houve incidentes envolvendo a empresa e a ofensa à

privacidade. Em 2015 a um homem teve sua imagem registrada pelo Google

Street View sem o efeito borrado – recurso digital adotado pela empresa após

inúmeros problemas com direito de imagem de pessoas que tiveram registros

seus feitos pelas câmeras da empresa. Na ocasião, o fato de a foto não estar

"borrada" digitalmente tornava possível o reconhecimento da identidade do

autor da ação. No entendimento do colegiado da 1ª Câmara de Direito Privado

do TJ/SP, "é certo terem sido violados o direito de imagem, a privacidade e a

intimidade do indivíduo". Em outro Trecho do Acórdão, fica esclarecida a ofensa

ao direito de imagem do autor:

RESPONSABILIDADE CIVIL - Dano moral – Provedor de internet - Identificação do autor em imagem gravada pela ré para utilização no serviço de localização "Google Street View" - Violação ao direito de imagem, à intimidade e à privacidade - Ferramenta de distorção da imagem que não funcionou - Falha do serviço verificada - Dano moral - Ocorrência - Multa diária devida – Ré que descumpriu a ordem judicial de descaracterização ou remoção da imagem do autor de forma reiterada - Existência, ademais, de mecanismos para cumprimento da determinação judicial, sem a necessidade de fornecimento da URL da imagem pelo autor – Redução do valor da multa indevida - Sentença mantida - Art. 252, do RITJSP/2009 - Recurso desprovido. Assim, tendo a imagem do autor permanecido gravada, com possibilidade de sua identificação (sem utilização de qualquer ferramenta de "borra"), em frente à sua residência, por longo período de tempo, é certo terem sido violados o direito de imagem, a privacidade e a intimidade. Restou, pois, evidente o dano moral por ele suportado.

43[grifo nosso].

A empresa foi condenada a pagar R$ 7,2 mil por danos morais, além de

multa no valor de R$ 30 mil mesmo tendo apelado, afirmando que o

fotografado não teve nenhum prejuízo com o ocorrido. O desembargador Luiz

42

Notícia disponível em <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/02/russa-descobre-traicao-de-noivo-por-imagem-no-google-street-view.html>. Acesso em 15.06.2017 43

BRASIL. TJSP – 1ª Câmara de Direito Privado – Apelação 00169184120128260590/SP 0016918-41.2012.8.26.0590 Apelante: Google Brasil Internet Ltda. Apelado: Valter Kacprzak – Rel. Des Luiz Antonio De Godoy – j. 30.06.2015. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acessado em: 15/06/2017.

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61

Antonio de Godoy negou o recurso e manteve a sentença pela violação do

direito de imagem, privacidade e intimidade do acusador, corroborando com o

entendimento de que pessoas comuns, em espaços públicos, mesmo assim

não podem ter sua imagem captada e divulgada de maneira individualizada e

descontextualizada do cenário. A discussão é muito frequente em casos

envolvendo a liberdade dos meios de mídia, por exemplo, salientando Pedro

Frederico Caldas que a imagem divulgada da pessoa em lugares públicos deve

ser uma paisagem de fundo.44

Nos casos demonstrados, as pessoas cuja privacidade foi ofendida não

possuíam qualquer tipo de reconhecimento social notório. Apenas tiveram

igualmente registradas suas presenças em espaços públicos por refinados

mecanismos eletrônicos e reproduzidas na internet. Da mesma maneira como

no caso da modelo Daniela Cicarelli – essa, sim, pessoa notória na sociedade

–, existe um ponto em comum: a propagação na rede mundial de

computadores (Internet) das imagens captadas em espaços públicos, com os

efeitos danosos às pessoas.

O cerne da questão passa a ser, então, se no espaço público o indivíduo

pode objetar-se ao registro de sua presença, a conservação desta sua

representação e, num momento futuro, sua exposição ao público desse registro

captado, que no tempo da Sociedade da Informação dá-se com a

disponibilização na Internet. Nesse sentido, imperioso é discutir sobre a

possibilidade da reivindicação a um direito à “invisibilidade” nos espaços

públicos, isto é, uma prerrogativa de não ser notado, de ter sua presença e

passagem limitadas ao tempo em que ocorreram, sem que aquele ato seja

capturado e armazenado, menos ainda mostrado nos meios eletrônicos e

midiáticos.45

Sobre a questão, Diniz (2002, p. 101) afirma que a restrição à tutela da

privacidade em espaços públicos pode ser legítima quando a pessoa não é

44

Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral, Saraiva, 1997, p. 103 45

Esse questionamento tangencia também o direito ao esquecimento que é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.

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62

destacada com ênfase, na medida em que o objetivo da captura é a divulgação

de algum cenário no qual a presença do indivíduo seja um simples elemento

acidental, secundário e, desse modo, desimportante. Ou seja, a pessoa não é o

foco daquela representação. Compartilham do pensamento Mendes e Branco

(2011, p. 412), para quem:

Em princípio, se alguém se encontrar num lugar público está sujeito a ser visto e a aparecer em alguma foto ou filmagem do mesmo lugar. Haveria, aí, um consentimento tácito na exposição. A pessoa não poderá objetar a aparecer, sem proeminência, numa reportagem, se se encontra em lugar aberto ao público e é retratada como parte da cena como um todo.

Entretanto, os mecanismos tecnológicos hodiernos possibilitam que a

imagem pessoal seja apresada para a posteridade, destruindo o direito ao

esquecimento, posto que a divulgação por meio da rede ignora barreiras

espaciais e temporais, além de a velocidade do fluxo das informações e da

intercomunicação de equipamentos e dispositivos permitir a quem quer que

seja armazenar e replicar cópia da representação captada da pessoa, o que

indubitavelmente é um contexto muito diferente do contexto de outrora, onde a

divulgação e compartilhamento se davam através de jornais, revistas e

televisão.

Assim, a teoria de consentimento tácito na exposição em espaços

públicos deve ser ponderada, posto que é preciso relembrar que estão sendo

encarados os direitos de personalidade, cuja proteção à exposição injusta

sobrevém exatamente da tutela da privacidade, porque, conforme Farias (2000,

p. 152-153) aponta, “se o seu titular pode exercer atos de disposição sobre o

direito à própria imagem livremente, não pode privar-se totalmente do mesmo,

em razão de ser esse um direito da personalidade (e, portanto, inalienável,

irrenunciável, inexpropriável, intransmissível e imprescritível)”.

Em que pese a proteção do direito coletivo cominado com a proteção do

direito privado, os casos concretos aqui analisados ressaltam a necessidade de

que seja prestigiado o direito à privacidade. Todavia, no caso da modelo

Daniela Cicarelli com seu namorado, devido à captação da imagem ter tido o

casal como foco, é legítima a oposição tanto à captação e registro da imagem

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63

quanto à divulgação e exposição posterior. Nos outros casos, por ser parte do

cenário, mas somente como elemento ocasional, pretende-se pela inviabilidade

da objeção à captura, conquanto legítimo o combate à exposição, divulgação e

o armazenamento da representação pessoal para a posteridade, pois que o

direito de não ser notado é refletido na garantia de não se ter a aparição levada

livremente a conhecimento alheio, sobremodo no universo infindável e

incontrolável da rede mundial de computadores e afins.

Depreende-se que na Sociedade da Informação o direito à privacidade

recebe nova roupagem, descrita por Doneda (2000, p. 120) como “uma

transformação na definição do direito à privacidade, do ‘direito de ser deixado

em paz’ para o ‘direito a controlar o uso que outros fazem das informações que

me digam respeito’”. Exsurge clara e insofismável que nos espaços públicos da

Sociedade da Informação precisa ser protegido o direito do indivíduo ir e vir

sem que lhe seja registrado de forma permanente o seu momento de presença

em determinado local, seja ele, ou não, famoso, de forma que sua passagem

em qualquer ambiente seja de fato efêmera.

Ainda no que tange à dimensão de valor dada ao princípio de

privacidade no ordenamento jurídico brasileiro, Ricardo Maurício Soares

explica que o princípio ético-jurídico da dignidade da pessoa humana

compreende “o reconhecimento e tutela de um espaço de integridade físico-

moral a ser assegurada a todas as pessoas por sua existência ontológica no

mundo” e, nesse raciocínio, essa garantia vale tanto para a manutenção das

condições materiais de subsistência, quanto para a preservação dos valores

espirituais de um indivíduo que sente, pensa e interage com o universo

circundante. (SOARES, 2010, p. 128).

4.2.4 O princípio da fraternidade e a liberdade

A violação da privacidade, como uma das espécies de vulnerabilidade

oriundas da Sociedade da Informação, ocorre a partir da relação estabelecida

entre as pessoas, tocando, consequentemente, na questão da reciprocidade, o

que dialoga diretamente com o princípio da fraternidade. Nesse sentido, é

possível traçar um paralelismo entre a fraternidade e a dignidade da pessoa

Page 72: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

64

humana como disposição para o caráter intersubjetivo dos direitos

fundamentais. O indivíduo, em suas escolhas, deve considerar não só a sua

própria vontade, mas também o bem comum, porque um dano causado à

comunidade danifica o tecido de solidariedade que o toca e, conforme explica

Pizzolato (2008, p. 120), o exercício de uma liberdade não comunitária é uma

liberdade suicida, pois destrói o mecanismo reprodutivo humano.

Além disso, no âmbito da vulnerabilidade dentro da Sociedade de

Informação, é necessário que se leve em conta o princípio da fraternidade, pois

que todo conteúdo produzido deve considerar um padrão ético. Ou seja, os

critérios éticos devem pautar a trajetória do que é informacional-tecnológico,

onde o começo é o momento em que a informação é produzida, o meio sendo

o tratamento dado à informação e o fim, sua gestão e divulgação. Abrir mão

desse processo faz com que haja uma falsa sensação de liberdade.

O indivíduo livre será impulsionado por uma lei moral que, ao fim, se

identificará como a própria liberdade do ser racional. Este será o primeiro de

muitos passos que possuem como finalidade a realização de uma vontade boa

(Sidnei Pagotto-Euzebio, 2016, p. 2), tal como se propõe Kant (1973, p. 205):

Portanto, se a razão não é apta bastante para guiar com segurança à vontade no que respeita aos seus objetos e à satisfação de todas as nossas necessidades (que ela mesma a razão em parte multiplica), visto que um instinto natural inato levaria com muita maior certeza a este fim, e se, no entanto, a razão nos foi dada como faculdade prática, isto é, como faculdade que deve exercer influência sobre a vontade, então o seu verdadeiro destino deverá ser produzir uma vontade, não só boa quiçá como meio para outra intenção, mas uma vontade boa em si mesma, para o que a razão é absolutamente necessária, uma vez que a natureza de resto agiu em tudo com acerto na repartição de suas faculdades e talentos. Essa vontade não será na verdade o único bem nem o total, mas terá de ser, contudo o bem supremo e a condição de tudo o mais, mesmo de toda aspiração de felicidade.

No tocante à liberdade, o pensamento de Kant considera que ela só será

viável a partir da possibilidade de o ser humano ser o real detentor de suas

decisões, e, assim, quando alguém não detém controle sobre as informações

que pré-constituem sua base intelectual, não pode ser considerado como um

indivíduo livre. Esse raciocínio ilustra exatamente o que acontece na sociedade

da informação e, nesse sentido, somente por meio da adoção de pensamentos

Page 73: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

65

ligados a fraternidade, ética, solidariedade e boa-fé o status social poderá

sofrer qualquer tipo de alteração.

Esclarecidos os pontos sobre o direito fraterno, fica clara a sua relação

com o princípio da dignidade da pessoa humana. O referido princípio deve ser

assegurado independentemente de alguma situação na qual o indivíduo não

aja dignamente com os outros ou esteja deliberadamente se colocando em

circunstância indigna.

É forçoso perceber que onde não existir respeito pela vida bem como

pela integridade física e moral do ser humano, ou seja, onde não houver o

respeito a garantias mínimas de existência digna, onde não houver limitação de

poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos

fundamentais não forem respeitados, inexistirá lugar para a dignidade da

pessoa humana (SARLET, 2009, p. 65-66).

As discussões entre justiça, direito e lei têm ganhado força, pois estes

elementos determinam os valores justos, éticos, civis e o ordenamento jurídico

aponta para as constituições modernas e para os parâmetros internacionais.

No Brasil, conforme foi visto, a CRFB proclama logo em seu preâmbulo

a instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício de

direitos fundamentais “como valores sociais de uma sociedade fraterna”,

proclamando inúmeros dispositivos, que dentre eles destaca-se a dignidade da

pessoa humana, a erradicação da pobreza e da marginalidade e a redução das

desigualdades sociais e regionais, bem como, a prevalência dos direitos

humanos (CURY, 2016, p. 9).

Além das constituições que reconhecem a necessidade de que seja

observado o princípio da fraternidade, este elemento é preceituado em

importantes atos e convenções internacionais com poder de vínculo perante os

Estados, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que

reafirma o tríplice lema de liberdade, igualdade e fraternidade, proclamado pela

revolução francesa de 1789, ao prescrever em seu art.1º “todos os seres

humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão

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66

e consciência e devem agir reciprocamente com espírito de fraternidade”

(CURY, 2016, loc.cit.).

Depreende-se dos ensinamentos de Cury, que a solidariedade é uma

das vertentes da fraternidade e atribui um novo sentido à distribuição de justiça,

já que, se de um lado tem como base a aplicação da lei, de outro avalia os

conflitos valorizando a vida, reconhecendo o respeito e a dignidade das partes

no processo, interpretando-a segundo o preceito básico de não fazer aos

outros aquilo que não se gostaria ver feito consigo.

Ou seja, a realidade inerente aos direitos da personalidade também se

ampara no princípio da dignidade da pessoa humana e na tutela da

personalidade, de modo que o objetivo seja garantir o desenvolvimento das

características mais essenciais do indivíduo, resguardando a sua integridade

física e psicológica para que se possa construir um sujeito que possua

autonomia para gerir a própria existência. E para proteger as esferas da

intimidade e do segredo, o legislador intentou contemplar o respeito à

dignidade humana como um valor fundamental, criando mecanismos jurídicos

para se evitar tal violação, e as ferramentas previstas no âmbito da

responsabilidade civil são exemplo disso.

Do mesmo modo, ao se concluir que a intimidade do indivíduo é também

embasada na noção de dignidade humana, a tutela da privacidade é ampliada

para o ambiente digital, onde também devem ser assegurados meios para se

proteger a parte intocável do indivíduo diante da curiosidade invasiva de

outrem e, até mesmo do próprio Estado, para que fique resguardada a sua

personalidade. A omissão estatal favorece a mitigação da privacidade e, como

consequência, a própria dignidade humana fica fragilizada.

Page 75: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

67

5 CONCLUSÃO

A partir do conteúdo trabalhado foi possível entender que a Sociedade

da Informação, como um sistema de relações de interação entre o homem e a

tecnologia, estabelece um processo de retroalimentação no qual as tecnologias

são desenvolvidas pelo indivíduo, na intenção de seu uso, e essa utilização de

aparatos tecnológicos cria, não só o desenvolvimento de novas ideias

tecnológicas, como também o desenvolvimento de novas rotinas sociais,

pensamentos e concepções acerca do indivíduo e da coletividade dentro da

vida cotidiana. Nesse cenário – onde a informação se torna o elemento de

poder –, é que surgem novas questões tanto para a sociedade, quanto para o

mundo jurídico, e a violação da privacidade se mostrou um real problema a ser

enfrentado, mormente quando concebida nos espaços públicos.

A Internet, como é utilizada atualmente na sua forma mais comum,

representa uma amostra das inovações que virão para aumentar ainda mais a

velocidade com que as informações circulam e, nesse cenário futuro, a

constante evolução tecnológica tem indicado tendências de tornar o anonimato

uma condição ainda mais difícil do que já tem sido, seja do ponto de vista da

internet como instrumento que serve ao Estado – onde a realidade se aproxima

da ficção de Orwell46 com as instituições monitorando o cidadão, e registrando

os dados do indivíduo nos espaços públicos por meio de câmeras de vigilância,

por exemplo –, seja do ponto de vista social, onde a internet, utilizada a serviço

do lazer e do bel prazer pessoal, possibilita o registro e compartilhamento de

modo absolutamente fácil, ocasionando na viralização de registros em rede, e,

consequentemente, em uma frequência cada vez maior na quantidade de

pessoas como novas figuras públicas, sem a elas ser facultada essa ultra

exposição nos veículos informacionais de mídia.

Dentro desse panorama, os cenários são dicotômicos no que concerne

ao olhar empregado à questão central, qual seja a privacidade em locais

públicos. De um lado, percebe-se o olhar sociológico, que pretende observar o

46

No Livro 1984, de George Orwell, o Estado controla seus cidadãos por meio de câmeras e, desse modo, a privacidade dos indivíduos é totalmente invadida e vigiada, bem como suas atitudes são controladas por servidores públicos.

Page 76: OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A …

68

padrão cultural e compreender o dever ser a partir da exclusão do diferente,

para, então se chegar a uma realidade. Do outro lado, a abordagem a partir do

prisma exclusivamente jurídico tenta juntar ao devir todas as pequenas

nuances negligenciadas no contexto geral. Assim, o presente estudo

evidenciou ainda mais algumas distâncias ao se pensar o Direito e a

Sociedade, quando diante de um mesmo horizonte.

Desta bifurcação, o caminho que se mostra mais fulgente e completo

para continuar as análises mais aprofundadas que o tema demanda passa pela

compreensão de que este é um novo começo e ainda há muito a ser

esclarecido e debatido. Indubitavelmente, o papel da sociedade civil também é

fundamental neste processo. Importa que a difusão deste conhecimento possa

favorecer um constante debate o mais aberto possível, para abranger a parte

mais impactada dessa sistemática moderna, que é a própria sociedade. Assim,

vislumbro como ideal que haja um processo o empoderamento dos indivíduos

no que diz respeito às suas próprias identidades sociais e, consequentemente

o debate sociológico fluirá para uma consciência maior dos riscos à privacidade

identificados a partir desta nova realidade tecnológica em que vivemos.

Para que seja garantido o desenvolvimento das prerrogativas inerentes

aos direitos da personalidade, incentivando um comportamento de autonomia

no indivíduo enquanto ser apto a reivindicar seus direitos personalíssimos, é

preciso, também admitir as mudanças que já se operam na Sociedade da

Informação. A análise dos casos estudados e os conceitos jurídicos

explicitados sobre os elementos da questão central demonstram os esforços do

Direito no sentido de refletir e lidar com os novos litígios sobre o direito à

privacidade em locais públicos da maneira mais eficaz possível, porém a

realidade demanda novas reflexões a esse respeito. Portanto, há muito que ser

trabalhado.

Comecei o presente trabalho certa de que chegaria, não a um final, mas

sim a um caminho. E esse caminho, que levará à resposta sobre os limites da

privacidade em locais públicos se estende claramente na direção de que os

indivíduos, bem como toda a ordem jurídica devem prezar os valores sociais

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capazes de harmonizar o cotidiano dos integrantes de cada uma das inúmeras

comunidades pertencentes à Sociedade da Informação, de modo que os

norteadores jurídicos sejam os valores capazes de promover a convivência

social, o bem comum, o interesse público, a segurança e a justiça.

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70

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