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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
ELAINE SAMPAIO BARBOSA
OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A INTERNET E OS DESAFIOS PARA O DIREITO À PRIVACIDADE EM
ESPAÇOS PÚBLICOS
NITERÓI 2017
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ELAINE SAMPAIO BARBOSA
OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A INTERNET E OS DESAFIOS PARA O DIREITO À PRIVACIDADE EM
ESPAÇOS PÚBLICOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Campo de Confluência: Sociologia Jurídica e Direito Civil
Orientador: Prof. Esp. Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão
NITERÓI 2017
8
Universidade Federal Fluminense
Superintendência de Documentação
Biblioteca da Faculdade de Direto
B
238
Barbosa, Elaine Sampaio.
Os novos direitos na Sociedade de Informação: o direito
à privacidade em locais públicos / Elaine Sampaio Barbosa.
– Niterói, 2017.
84 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2017.
1. Sociedade da Informação. 2. Internet. 3. Cultura. 4.
Direito à intimidade. 5. Privacidade. I. Universidade Federal
Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável.
II. Título.
CDD 340.2
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ELAINE SAMPAIO BARBOSA
OS NOVOS DIREITOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: A INTERNET E OS DESAFIOS PARA O DIREITO À PRIVACIDADE EM
ESPAÇOS PÚBLICOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Campo de Confluência: Sociologia Jurídica e Direito Civil
Aprovada em 21 de julho de 2017
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão – UFF
Orientador
_______________________________________________________________ Examinadora 1
Paloma Abreu Monteiro – UFF
_______________________________________________________________
Examinadora 2
Carolina Lopes de Oliveira – PUC-Rio
NITERÓI
2017
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Ao meu pai (in memoriam), quem eu gostaria de abraçar em cada uma das minhas conquistas.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço ao professor Ronaldo Lobão, que me ajudou com gentileza e
boa vontade desde o primeiro momento – inclusive da graduação. Sem dúvida
foi uma honra ter começado e terminado a faculdade orientada pelo seu
trabalho e suas ideias. Tenho muito carinho e gratidão, também, por todos os
outros professores que me ajudaram ao longo dessa jornada.
Ao escolher a UFF, escolhi viver o desafio da graduação entre duas
cidades, certa de que haveria uma fonte de onde eu poderia sempre obter as
forças necessárias para completar esse ciclo. Essa fonte foi: meu pai, minha
eterna referência de princípios, sem o qual eu não teria tanto orgulho de mim
especialmente nesse momento; minha mãe, que abraçou meu desafio com
amor desde o primeiro instante e resistiu pacientemente ao convívio diário com
tantas indecisões, urgências e incertezas; meus irmãos, que estimularam meu
amadurecimento e dividiram comigo seus lares e toda a minha família
amorosa, que sempre me incentivou. O amor que tenho deles e que tenho por
eles foi a base de tudo.
Também tive sempre o apoio de amigos e pessoas queridas, aos quais
agradeço em partes.
Sou muito grata às pessoas queridas da UFF, que sempre me
tranquilizaram no meio de mil e uma tarefas e me ajudaram lembrando horários
e informações importantes – além de terem sido ótimas companhias nas
partidas de sueca, cervejas e conversas, claro. Olhar para trás dá o melhor
aperto no peito que eu poderia sentir. Não consigo citar todos os que se
dispuseram a me ajudar e foram fundamentais para que eu esteja finalizando
essa etapa, mas dois deles são, sem dúvida, os que melhor representam as
pessoas com as quais compartilhei tantos momentos e vou lembrar sempre
com o coração: Pamela e Stefano, MUITO obrigada.
Sou igualmente grata à Luzia, pelo tempo e atenção sempre tão
dedicados e a todos os amigos que me dividiram com a UFF porque, mesmo
de fora, me ajudaram a passar pelos perrengues da graduação. Todo o
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incentivo, confiança, carinho, compreensão, todas as conversas e momentos
que passamos juntos ajudaram muito no meu caminho durante esses cinco
anos e nas minhas buscas pessoais. A presença de cada um na minha vida fez
e faz com que eu lembre sempre quem eu sou. Tenho tido os melhores
confortos que eu poderia encontrar em abraços profundamente fraternos no
meu começo de vida adulta. Especialmente à Carol, Dani, Gabs, Gabi,
Marcello, Martin, Nathalia, Pamela, Taty e Vanessa; meus parceiros de vida:
amo vocês.
Por tudo e a todos, minha imensurável gratidão.
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Memória
“Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.”
Carlos Drummond de Andrade
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RESUMO
A base da Sociedade da Informação é a internet, uma inovação tecnológica que traz e promete trazer cada vez mais transformações importantes na vida em sociedade. Com isso, traz, também, a necessidade de que o Direito acompanhe as mudanças nos padrões sociais, para que sejam amparadas futuras questões legais advindas dessa relação inédita do indivíduo com a tecnologia. O presente trabalho monográfico tem por objetivo analisar os aspectos jurídicos trazidos por essa nova onda tecnológica para o direito à privacidade em locais públicos a partir de um prisma sociológico sobre o devir histórico e as concepções sobre o que é público e o que é privado, bem como sobre o direito positivo e os mecanismos já existentes no que tange à proteção desses direitos pessoais e as novas percepções no universo jurídico. Assim, buscar-se-á perscrutar novos olhares dentro deste cenário social permanentemente em construção.
Palavras-chave: Sociedade da Informação. Internet. Cultura. Privacidade.
Espaços Públicos.
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ABSTRACT
The basis of the Information Society is the internet, a technological innovation that brings and promises to bring ever more important transformations in life in society. With this, it also brings the need for law to accompany changes in social standards, so that future legal issues arising from this unprecedented relationship of the individual with technology are supported. The present monographic work aims to analyze the legal aspects brought by this new technological wave for the right to privacy in public places from a sociological prism on the historical becoming and conceptions about what is public and what is private as well as on Positive Law and the existing mechanisms regarding the protection of these personal rights and the new perceptions in the legal universe. Thus, it will be sought to peer new looks within this social scene permanently under construction. Keywords: Information Society. Internet. Culture. Personal Privacy. Public Spaces.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................. 5
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 6
1. SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E PADRÕES SÓCIO-CULTURAIS .. 12
1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS DA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO ........ 12
1.1.1 A Sociedade da Informação e outras sociedades .................................. 12
1.1.2 Tecnologia, sociedade e cultura ............................................................. 14
1.2 A INFORMAÇÃO COMO ELEMENTO DE PODER ................................ 17
1.2.1 O conceito de informação ...................................................................... 17
1.2.2 Poder da Informação e a Informação líquida ......................................... 18
1.3 O CIBERESPAÇO ................................................................................. 22
1.3.1 A internet – o meio ................................................................................. 24
1.4 A VULNERABILIDADE PESSOAL ......................................................... 26
1.4.1 Produção, compartilhamento e disseminação da informação................ 28
2 A PRIVACIDADE E SEUS ASPECTOS SÓCIO-JURÍDICOS ............... 29
2.1 A ORIGEM DO DIREITO À PRIVACIDADE ............................................ 29
2.2 O DIREITO À PRIVACIDADE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ......... 31
2.2.1 A privacidade e o princípio da dignidade da pessoa humana ................ 31
2.2.2 A transnacionalização do direito à privacidade ...................................... 33
2.2.3 O direito à privacidade no Brasil ............................................................ 36
2.3 A PRIVACIDADE E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO ............................ 38
2.4 O DIREITO À PRIVACIDADE E DIREITO À INTIMIDADE ..................... 39
2.5 A PRIVACIDADE SOB A ÓTICA DO DIREITO DE PERSONALIDADE .. 40
3 ESPAÇOS PÚBLICOS E ESPAÇOS PRIVADOS ................................. 44
4 A PRIVACIDADE EM ESPAÇOS PÚBLICOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO ...................................................................................... 51
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4.1 A VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO ...................................................................................... 51
4.2 O DIREITO À INVISIBILIDADE NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO ... 51
4.2.1 No Brasil ................................................................................................ 52
4.2.2 Caso Daniela Cicarelli............................................................................ 56
4.2.3 Casos anônimos .................................................................................... 59
4.2.4 O princípio da fraternidade e a liberdade ............................................... 63
5 CONCLUSÃO ........................................................................................ 67
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 70
5
APRESENTAÇÃO
Nos anos 90, enquanto eu crescia e tomava consciência de mim como
indivíduo e como parte de uma coletividade, acompanhei de perto a evolução
sem precedentes das tecnologias de massa e, consequentemente, a mudança
brusca dos padrões sociais no que diz respeito às relações pessoais e ao
entendimento do que é virtual e o que é real. Vi o telefone ser objeto de status
– valorizado e negociado como um carro –, ao passo que hoje as pessoas
sequer cogitam a possibilidade de ter uma linha fixa em casa, devido à sua
obsolescência. Durante essa transição, o computador despontou, então, como
o objeto de desejo. E a partir dele, o acesso à internet. O devir estava
completamente mudado.
Com o começo da vida em um ambiente informatizado, a virtualização
ganhou proporções inimagináveis até que, pela referência analógica que eu
tinha, percebi que mesmo para mim e pessoas da minha geração, que estavam
se desenvolvendo junto dessas tecnologias, era difícil entender onde começava
e terminava a própria identidade dentro e fora do mundo interconectado.
Durante a faculdade de Direito passei a ter um olhar mais crítico, sobre
os conflitos, inclusive geracionais, causados pelo advento da tecnologia como
foi instituída na vida cotidiana da minha geração, de modo que sentia sempre a
necessidade de que fossem discutidos os padrões, e redefinidos os conceitos
ou acolhidos os novos conceitos, principalmente no ambiente jurídico.
Para entender melhor os caminhos jurídicos sobre o assunto, vi no
trabalho monográfico uma oportunidade de me debruçar sobre o tema a fim de
entender melhor as nuances das mudanças e os pontos nodulares que
deveriam ser trazidos à luz para que a sociedade evolua da melhor maneira
possível. Assim, espero ajudar a levar a discussão da privacidade em locais
públicos a melhores reflexões dentro não só do ambiente jurídico, mas também
da sociedade como um todo.
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INTRODUÇÃO
Na Sociedade da Informação, onde a fusão de tecnologia com a vida
cotidiana transpõe as fronteiras entre o físico, o biológico e o digital, tem
grande importância a análise da privacidade – entendida como o direito de
estar só e, assim, fora do alcance da percepção alheia – nos espaços públicos,
concebidos como ambientes de livre acesso, onde a presença do indivíduo fica
plenamente manifestada, visto que é nesse momento de exposição que a
questão da privacidade vem à tona. Mesmo que a princípio pareça incoerente
associar o espaço público à ideia de reserva pessoal, é imprescindível pensar
na preservação do indivíduo no sentido de que lhe seja garantido o direito de
não ter sua presença captada e divulgada arbitrariamente, sem o seu
conhecimento.
A internet – fruto dos progressos das Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs)1 – atualmente é o veículo mais utilizado para as
atividades de comunicação e conta com um aparato comunicacional de
características de interatividade radicalmente diferentes dos demais meios de
comunicação (Castells, 2003a; Nicolacida-Costa, 2002c e 2003; Terêncio e
Soares, 2003)2, pois é a única capaz de tornar possível o envio e recebimento
de mensagens à distância em tempo real, além de facilitar o entretenimento, a
pesquisa e a troca de informações para a estruturação e difusão do
conhecimento, do comércio e do desenvolvimento de atividades de trabalho.
Até mesmo as atividades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
incorporaram o uso da internet (com sistemas informacionais ligados aos
poderes administrativos em rede, por exemplo), devido à capacidade de
armazenamento de dados e alcance comunicacional, que possibilita atender
com maior praticidade e celeridade às necessidades dos cidadãos.
Nas últimas décadas, e principalmente nos últimos anos, a internet,
pelas suas características ultraeficazes de interatividade, tornou-se um
elemento extremamente presente na rotina social, e seus dispositivos – os
1 Atualmente, a internet já é tratada como uma nova mídia de massa (Hohlfeldt, Martino &
França, 2001; Moraes, apud SILVEIRA, 2004, p. 43). 2 Apud SILVEIRA.
7
objetos inteligentes e interconectados – têm sido instrumentos cada vez mais
essenciais no funcionamento da vida prática moderna, seja na esfera
econômica, produtiva ou social. Por meio de objetos como computadores e
smartphones, é possível registrar e compartilhar momentos e informações ao
simples toque de um dispositivo. Com isso, inúmeros benefícios foram trazidos
à sociedade, como a facilidade de comunicação, o acesso e compartilhamento
rápidos de informações, além da possibilidade de armazenamento perpétuo
dos registros feitos.
Todo esse intenso e abrangente uso da internet é o que caracteriza a
Sociedade da Informação, e o aumento exponencial na quantidade e qualidade
técnica das informações inseridas em rede trouxe novas alternativas de
interação das pessoas com a própria tecnologia e de diversos tipos de
tecnologia entre si (o que originou a Internet das coisas – IoT3). A maior
transformação, no entanto, está no fato de que a presença dos aparelhos
inteligentes e da internet na vida cotidiana vêm mudando padrões culturais e as
concepções de identidade e comunidade. Consequentemente, surgiram novos
padrões comportamentais, nos quais a vida virtual e a vida real começaram a
se fundir irreversivelmente.
Tecnologia e Direito são ciências bastante diferentes entre si. Porém, o
Direito, concebido como reflexo de um ambiente cultural de determinado lugar
e época (AUGUSTO, 2012)4 e sempre em formação, acompanha a evolução da
sociedade a partir da sua análise por meio da identificação das relações em
transição e suas consequentes demandas e, para trabalhar esse aspecto, a
sociologia jurídica também é requisitada. Considerando que a evolução da
tecnologia é uma das grandes causas de impacto nos sistemas produtivo,
econômico e social, sua influência sobre os indivíduos em sociedade, bem
como sobre o Direito, é inexorável.
3 Internet das coisas ou Internet of Things (IoT) em inglês, é um termo usado para definir a
ideia de conectividade entre diversos tipos de objetos do cotidiano sensíveis à internet, que podem ser eletrodomésticos ou diversos outros equipamentos.
8
Não é regra que as transformações tecnológicas sejam sentidas
imediatamente na esfera jurídica. Do mesmo modo, o surgimento de uma nova
ferramenta oriunda do progresso da tecnologia não significa necessariamente
mudanças no Direito. Entretanto, com o passar dos anos, a evolução do
sistema jurídico tem se mostrado imperativa para que as demandas sociais
causadas pelos avanços tecnológicos sejam atendidas.
O impacto das novas tecnologias é tão significativo que os ambientes
políticos e acadêmicos têm incluído cada vez mais em suas pautas debates
como a descentralização do controle na Internet, Cibercrime, Pirataria,
Software Livre, Multiculturalismo, e Propriedade Intelectual, dentre outros.
Devido a essas e outras novas questões, a ONU5 criou a Cúpula da Sociedade
da Informação, WISIS: World Summit of Information Society, e, por meio de
uma proposta da União Internacional de Telecomunicações, aprovou uma
resolução na Assembleia Geral para a promoção de uma Cúpula Internacional
da Sociedade da Informação, com a intenção de um melhor entendimento
sobre essa nova realidade, que tem dimensões transnacionais.
Assim, evidente está que a necessidade de se discutir as
transformações da Sociedade da Informação é latente. Nesse sentido, dentre
os desafios trazidos para o ambiente jurídico, salta aos olhos a discussão dos
direitos do indivíduo, pois nessa nova realidade o indivíduo é primeiramente
representado por informações, ou seja, identificado por dados, números e
outros aspectos informacionais, e esta concepção do indivíduo informacional
alterou o entendimento sobre a proteção de sua privacidade, especialmente por
ser um direito fundamental de primeira geração e um direito de personalidade:
indisponível, intransmissível, inalienável e imprescritível.
Ademais, a privacidade – normalmente compreendida como atributo
que o indivíduo possui no momento em que se recolhe em um local reservado,
como se o ambiente privado representasse um refúgio em relação à
observação, intromissão ou curiosidade alheias – reclama atenção na medida
em que a internet em si própria concebe um novo espaço a ser estudado, de
5 Organização das Nações Unidas (ONU).
9
modo que o aumento na quantidade de dispositivos, dados e maneiras de
armazenamento, análise e utilização, faz crescer igualmente a pressão para
que padrões sejam determinados do que diz respeito à privacidade, porque
todo o espaço irrestrito, sem controle, sem limites geográficos e políticos da
rede é, por sua própria concepção, insubordinado a um poder punitivo
determinado. Além disso, a discussão sobre a privacidade ganha força no
âmbito dos espaços públicos, visto que as inúmeras inovações tecnológicas
permitem a qualquer um, não só observar, mas também registrar e
compartilhar a presença do outro a partir de dispositivos e equipamentos cada
vez mais potentes e invasivos. Então, quais são os limites da privacidade em
locais públicos para o Direito no âmbito da Sociedade da Informação?
Para analisar essa questão, o presente estudo monográfico irá
debruçar-se sobre o tema trazendo uma perspectiva dual, onde o direito à
privacidade nos espaços públicos será visto através do olhar sociológico com o
intuito de que sejam compreendidos os conceitos envolvidos no tema e as
mudanças culturais trazidas pela Sociedade da Informação e, a partir do
panorama sociológico içado, o olhar procurará recair, também, sobre a Ciência
do Direito, onde os conceitos jurídicos e a observação de casos concretos
servirão de base para compreender quais as temáticas prioritárias para os
operadores do Direito dentro desse contexto. A ideia central, então, é trazer
uma provocação para que seja traçada a interação entre culturas jurídicas
diferentes e a construção social.
Por esse caminho, a pesquisa sobre a privacidade e o direito de
invisibilidade nos espaços públicos pretende desenvolver as questões e os
desafios trazidos pelo advento das novas tecnologias para esse direito
fundamental do indivíduo, bem como seus direitos conexos. Com isso,
procurar-se-á observar a proteção dos direitos fundamentais e a
responsabilidade jurídica da violação desse direito em consonância com o
entendimento doutrinário e analisar se o ordenamento jurídico tem sido
suficiente em reflexão e eficácia para lidar com os desafios trazidos a curto e a
longo prazo.
10
Como o tema baseia-se no estudo dos efeitos que os avanços
tecnológicos causaram na sociedade atual, cuja alta velocidade de atualização
faz com que haja vasto material flutuante, esta pesquisa tem um perfil
exploratório. O objetivo deste tipo de pesquisa é a busca por padrões, ideias ou
hipóteses de levantamento bibliográfico e fontes alternativas que possam
contribuir com análises para um maior conhecimento sobre o assunto, de modo
que as questões possam ser mais bem trabalhadas, inclusive a posteriori.
As pesquisas exploratórias, segundo Antônio Carlos Gil (2008), visam
proporcionar uma visão geral de um determinado fato, do tipo aproximativo,
para aumentar o grau de familiaridade com fenômenos relativamente
desconhecidos sobre o tema abordado. Esse tipo de pesquisa tem por objetivo
proporcionar um maior conhecimento para o pesquisador acerca do assunto, a
fim de que a pesquisa resulte no debate de problemas mais precisos ou
hipóteses que possam ser pesquisadas pelos próximos trabalhos sobre a
mesma matéria.
Sendo assim, no primeiro capítulo deste projeto serão utilizados o
método investigatório e o indutivo6 para conceituar a Sociedade da Informação
e explicar a retroalimentação caracterizada no uso e desenvolvimento das
tecnologias. Além disso, serão apresentadas as concepções existentes sobre a
relação do uso das tecnologias com o indivíduo e a coletividade, demonstrando
o caráter de suporte e a posição de poder da informação dentro desse contexto
– o que culmina com a virtualização da vida e, consequentemente, com a
vulnerabilidade da privacidade do indivíduo.
No segundo capítulo serão abordados os aspectos sociais e jurídicos
da privacidade e, nessa trilha buscou-se resgatar a trajetória histórico-social
desse direito para que sejam mais bem compreendidos seus direitos conexos,
bem como sua aplicabilidade jurídica e a relação do indivíduo com esse direito
nos dias atuais.
6 Pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de forma a ter uma
percepção ou conclusão geral. (GIL, 2008, p. 10)
11
No terceiro capítulo serão explorados os conceitos de espaço público e
espaço privado para que seja explicado com maior clareza possível o que se
entende sobre esse ponto da questão central, tanto para a Sociologia, quanto
para o Direito. Dessa maneira, posteriormente poder-se-á trabalhar a questão
como um todo.
No quarto e último capítulo o tema será trabalhado com todos os seus
elementos e será analisada a privacidade como direito fundamental, discutindo
a conformação da Sociedade da Informação, e nela as novas feições dos
espaços públicos e privados, desaguando, então, na análise de recentes casos
concretos de exposição na Internet da privacidade de pessoas captadas em
espaços públicos. Assim, esta monografia pretende encontrar as melhores
formas de reunir embasamento para a construção teórica e explanação do
tema, de maneira a acrescentar ao meio acadêmico, pessoal e social
informações que conduzam o trabalho à conclusão com o máximo de riqueza e
conhecimento possível.
A propósito, importa salientar que, apesar de reconhecida aqui a
importância da Lei nº 12.965/09, conhecida como o Marco Civil da Internet,
aprovada em 2014 com o objetivo de regular o uso da Internet no Brasil, a
presente monografia não abordará o assunto da privacidade dentro dos
parâmetros da referida lei, para que não sejam negligenciados olhares
importantes à abordagem que se intenta estudar.
12
1. SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E PADRÕES SÓCIO-CULTURAIS
1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS DA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO
Antes de adentrar o tema das mudanças nos padrões culturais e sociais
trazidas no âmbito Sociedade da Informação e, consequentemente, as
vulnerabilidades desenvolvidas no que concerne à privacidade em espaços
públicos, é indispensável analisar a Sociedade da Informação propriamente
dita, o que significa compreendê-la a partir de um ponto referencial que
exponha suas especificidades históricas, culturais, econômicas, técnico-
comunicacionais e políticas, para que fique esclarecido e delimitado o universo
com o qual será relacionado o direito de privacidade – mesmo porque o mundo
é extremamente vasto e continente de sociedades e culturas diversas.
1.1.1 A Sociedade da Informação e outras sociedades
O conceito de Sociedade da Informação7 tem raízes no contexto pós-
industrial e no processo da globalização neoliberal. Por estar atrelado a esse
símbolo do mundo moderno, pode dar margem ao entendimento equivocado de
que as revoluções tecnológicas constituem o único fator que determina o rumo
do desenvolvimento e, seguindo o raciocínio, os conflitos sociais seriam coisas
do passado – o que não procede.
Assim, é fundamental esclarecer de antemão que não fica legitimada
aqui qualquer concepção tecnocêntrica da sociedade humana como um todo,
visto que existe uma enorme heterogeneidade e diversidade das sociedades
humanas e, evidentemente, as considerações sobre Sociedade da Informação
dizem respeito a um dos tipos de sociedade existentes no mundo.
Para arrematar essa primeira consideração, cabe trazer a lume o
recente estudo da ONU sobre a relação entre a população mundial e o acesso
7 O conceito de Sociedade da Informação surgiu nos trabalhos de Alain Touraine (1969) e
Daniel Bell (1973) sobre as influências dos avanços tecnológicos nas relações de poder, identificando a informação como ponto central da sociedade contemporânea. (GOUVEIA, 2004)
13
à internet, onde é explicitado o recorte sobre o qual se debruça o presente
estudo. O relatório8 mostra que 3,9 bilhões de pessoas no mundo não possuem
acesso à internet, o que é equivalente a 53% da população mundial,
atualmente em torno de 7,2 bilhões de pessoas. Logo, ainda que algumas
partes da população mundial, mesmo sem acesso a internet, sejam
influenciadas pela informatização, diversas outras sociedades contidas no
globo permanecem alheias à influência direta das inovações tecnológicas que
configuram a Sociedade da Informação. Essa ideia implica, também, em
reconhecer a possibilidade de que cada sociedade se aproprie das tecnologias
para suas prioridades particulares de desenvolvimento, e não que devam se
adaptar a elas para poder fazer parte de uma suposta única sociedade, qual
seja a da informação, pré-definida como tal.
Ainda no que tange ao aspecto conceitual, importa levar em conta que,
embora tenha sido formada pelo advento tecnológico, a Sociedade da
Informação não se restringe à tecnologia, nem ao mundo informacional/virtual,
até porque, conforme assevera Sally Burch (2005, p. 07), “qualquer definição
que use o termo ‘sociedade’ não pode descrever uma realidade circunscrita à
internet ou às TIC”. Ou seja, a Internet, ao assumir papel de símbolo e
instrumento de um novo modelo de interação social, não se sobrepõe ao
mundo físico, sendo a relação entre internet e Sociedade da informação tão
somente um vínculo no qual esses dois campos, quais sejam o mundo real e o
virtual, se transformam mutuamente. Segundo Luís Manuel Borges Gouveia,
A Sociedade da informação está baseada nas tecnologias de informação e comunicação que envolvem a aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição da informação por meios electrónicos, como a rádio, a televisão, telefone e computadores, entre outros. Estas tecnologias não transformam a sociedade por si só, mas são utilizadas pelas pessoas em seus contextos sociais, econômicos e políticos, criando uma nova
comunidade local e global: a Sociedade da Informação. (GOUVEIA,
2004).
8 Relatório divulgado pela Comissão de Banda Larga da ONU para o Desenvolvimento
Sustentável. Disponível em <http://www.broadbandcommission.org/Documents/reports/bb-annualreport2016.pdf>. Acesso em 23/05/2017.
14
Nessa nova sociedade, a informação e o conhecimento são peças
chaves para entendermos o andamento e as transformações incidentes no
mundo, conforme Castells (apud Coutinho e Lisbôa, 2011, p. 09) ratifica:
O que caracteriza a revolução tecnológica atual não é o caráter central do conhecimento e da informação, mas a aplicação deste conhecimento e informação a aparatos de geração de conhecimento e processamento da informação/comunicação, em um círculo de retroalimentação acumulativa entre a inovação e seus usos.
A informacionalização9 influencia tanto as sociedades, a economia, as
relações de trabalho e o próprio indivíduo em suas relações, que as mudanças,
os termos e as questões relacionadas a esse fenômeno – conectividade,
internet, personal computers, efeitos de rede, softwares, algoritmos, dentre
outras – remetem à história contemporânea em pleno curso, onde a
coletividade e a tecnologia se influenciam mutuamente.
1.1.2 Tecnologia, sociedade e cultura
A tecnologia vem evoluindo em um ritmo cada vez mais frenético, e as
pessoas estão conectadas aos dispositivos tecnológicos de uma forma que o
tempo e o espaço tomaram outro significado, proporção e relevância.
Nessa esteira, Toffler (1998 apud PEZZELLA & GHISI, 2011)
compreende que é como se na Sociedade da Informação dois tipos de relógio
funcionassem ao mesmo tempo: um analógico, regulando a vida humana,
atada aos limites temporais e físicos, enquanto o outro, digital, transcenderia
tais limites, exigindo acesso e ações simultâneas em torno e em razão da
informação, como se houvesse um tempo e espaço paralelos. Por essa
perspectiva, o fato de o novo modelo social prestigiar, antes de qualquer coisa,
a informação – e ser ela o instrumento de poder – faria com que a experiência
vivida e a regulação das relações sociais estivessem em descompasso com o
processo de inovação tecnológica. Quase como se a informação fosse
9 A informacionalização é o fenômeno que define a construção das ciências modernas a partir
de uma tentativa do homem abstrair, projetar, programar e matematizar suas criações, seus pensamentos e suas ideias.
15
privilegiada em detrimento até mesmo das capacidades humanas reais de ação
e pensamento.
Já por outro ângulo, na concepção de Rodotà (apud DONEDA, 2000, p.
120)10, o descompasso estaria entre a velocidade no mundo da inovação e a
dificuldade do mundo jurídico em acompanhar esse ritmo, conforme o trecho
infra transcrito:
Tem-se a sensação que cresce a distância entre o mundo velocíssimo da inovação tecnológica e o mundo lentíssimo da proteção sócio constitucional. Quase a todo o momento percebe-se a rápida obsolescência das soluções reguladoras de um determinado fenômeno técnico, destinadas à solução de um problema apenas.
Ambas as perspectivas destacadas entendem que no cenário do mundo
contemporâneo, a tecnologia se sobreporia às capacidades humanas de ação
e ao tempo e espaço reais.
Em alternativa, é possível verificar que no olhar de Castells (1999) não
prospera a ideia de aparente desarmonia entre universo tecnológico-
informacional e vida cotidiana, ou a visão de que tecnologias determinam os
rumos sociais, conforme abaixo:
É claro que a tecnologia não determina a sociedade. Nem a sociedade descreve o curso da transformação tecnológica, uma vez que muitos fatores, inclusive criatividade e iniciativa empreendedora, intervêm no processo de descoberta científica, inovação tecnológica e aplicações sociais de forma que o resultado final depende de um complexo padrão interativo. Na verdade, o dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um problema infundado, dado que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas. (CASTELLS,1999,
p. 43) 11
Segundo a lógica de Castells, a tecnologia absorve a sociedade (em
conformidade com as suas demandas), que, por seu turno, utiliza a tecnologia
desenvolvida. Nesse sentido, as novas tecnologias de informação não se
sobreporiam à sociedade, até mesmo porque considerar o movimento de
subordinação da sociedade ante as mudanças tecnológicas passaria pela
10
In: TEPEDINO, Gustavo (org.) Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pp. 111-136. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/8196-8195-1-PB.htm#_ftn1 >. Acesso em 21/06/2017. 11
apud FERREIRA, 2017, p. 15.
16
premissa de que o ambiente social constitui um mero recebedor, de
comportamento estático, e claramente não o é, pois o ambiente social é feito
de pessoas, que, obviamente, atuam nesse espaço. Sobre esse aspecto,
Silveira explica:
Em alguns casos, o “receptor” torna-se, simultaneamente, comunicador ou, pelo menos, tem o poder de influenciar o comunicador no próprio instante da geração e transmissão de sua mensagem. Além disso, o “receptor” pode selecionar a abrangência e a profundidade com os temas tratados. (SILVEIRA, 2017)
Corroborando com o pensamento dialético de Castells, Lévy (1999, p.
19) preleciona que “não somente as técnicas são imaginadas, fabricadas e
reinterpretadas durante seu uso pelos homens, como também é o próprio uso
intensivo de ferramentas que constitui a humanidade como tal (junto com a
linguagem e as instituições sociais complexas)”.
De fato, a concepção da sociedade defendida por Lévy corresponde à
realidade no ponto em que todas as inovações tecnológicas surgiram de ideias
concebidas pela mente humana e a partir da execução de estudo e trabalho
humano para que fossem realizadas. Além disso, o intuito das inovações
tecnológicas sempre foi o de que as novidades criadas resolvessem um
problema, facilitassem ou melhorassem a vida através do uso pelas pessoas e
pela sociedade em geral – ou seja, a criação da tecnologia consiste em uma
espécie de resposta às demandas sociais. De todo modo, as tecnologias
surgem e penetram no seio social por meio de um processo que depende de
fatores diversos e nem sempre possíveis de se identificar.
No interior dessa sociedade é que o indivíduo se relaciona
simbioticamente com as inovações tecnológicas na sua vida cotidiana, e é
dentro desse novo modelo de comunidade que a tecnologia traz todos os dias
o surgimento de novos entendimentos sobre o tempo e o espaço.
Essa estrutura possui uma configuração única e seu movimento é
sempre no sentido do progresso, pois, uma vez que seja estabelecida a relação
entre as tecnologias e os agentes sociais, isto é, a efetivação de um novo
dispositivo ou método operacional tecnológico no meio social, é possível que
17
não se possa reverter a relação ao momento passado, porque o contato da
sociedade com a tecnologia faz com que a partir daí, nem a tecnologia é a
mesma, tampouco a sociedade, pois as novidades são incorporadas de tal
modo que desenvolvem-se rotinas e técnicas ainda mais novas baseadas na
tecnologia absorvida no momento anterior.
Nesta senda, a informação desponta como o elemento que confere
suporte às relações humanas e, conforme análise de Pezzella e Ghisi (2011, p.
9) “a informação lapidada é a que confere sólidos sustentáculos à nova e
complexa Sociedade da Informação, e que tem na infraestrutura de tecnologias
de informática e comunicação a propulsão de uma inescondível e veloz
dinamicidade”.
1.2 A INFORMAÇÃO COMO ELEMENTO DE PODER
1.2.1 O conceito de informação
O termo informação é abarcado de significado complexo e, talvez
também pela sua significância, um leque de conceitos lhe é atribuído. Porém,
no presente estudo é necessário esclarecer o conceito de informação, para que
seja corretamente compreendida a informação como elemento ocupante de
uma posição de poder no seio da sociedade moderna.
Do ponto de vista científico, Le Coadic (1996, p. 4) define o termo como
“[...] um conhecimento inscrito (registrado) em forma (impressa ou digital), oral
ou audiovisual, em um suporte”, enquanto na concepção do fundador da
cibernética, Norbert Wiener (1960, p.25) 12 “informação é o termo que designa o
conteúdo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele,
e que faz com que nosso ajustamento seja nele percebido. Viver de fato é viver
com informação”.
12
Apud LIMA, Gercina Ângela Borém de O.; PINTO, Líliam Pacheco; LAIA. Marconi Martins de. Tecnologia da Informação: impactos na sociedade. Inf.Inf., Londrina, v. 7, n. 2, p. 75-94, jul./dez. 2002. Disponível em <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/download/1699/1450>. Acesso em 18/06/2017.
18
A informação, definida nos termos supramencionados, assume o papel
de elemento para fundamentar diversas ciências, conforme demonstrado por
Robredo (2005):
Da comunicação e da computação ao estudo da linguagem humana e ao processamento da linguagem natural, passando pelas ciências cognitivas e as neurociências e a natureza da inteligência, a lógica, a matemática, o cálculo, e a estatística, os fundamentos dos processos de análise, organização, armazenagem, transmissão e recuperação da informação, assim como da conversão desta em conhecimento, dos processos de tomada de decisão, da ecologia, da economia, da política, das relações entre indivíduos e destes com a sociedade, no contexto social, histórico e cultural em que se inserem (ROBREDO, apud PAIVA &POTHER, 2012, p. 6).
Importa destacar que informação não pode ser considerada como um
dado, da mesma maneira como dado não pode ser considerado informação – o
que se ilumina na explicação de Wurman (1995, p. 43) apud Valentim (2004, p.
02), na qual é salientado que o termo só pode ser aplicado a "aquilo que leva à
compreensão (…)” e “o que constitui informação para uma pessoa pode não
passar de dados para outra". Ou seja, o dado está contido na informação – que
é feita a partir dele –, porém a informação não se constitui única e
exclusivamente de dado. Deve haver um significado compreendido para que se
caracterize a informação.
Em relação ao conceito do termo “informação” no âmbito da Sociedade
da Informação reverbera, ainda, outro termo além de “dados”, qual seja o termo
“conhecimento”. A esse respeito distinguem-se os três termos na medida em
que a informação é formada por dados e, concomitantemente, é a matéria
prima para o conhecimento, sendo este último compreendido como dados
dotados de relevância e propósito.
1.2.2 Poder da Informação e a Informação líquida
Nos tempos pré-históricos, a descoberta do elemento fogo foi
responsável por modificar drasticamente a estrutura de vida do homem, que
até então era nômade, e passou a ter um modelo de vida sedentário. Essa
nova condição culminou no desenvolvimento da agricultura e no domínio do
19
meio ambiente em que se vivia. Consequentemente, desenvolveu-se a cultura
de convivência em comunidade.
Seguindo a cronologia da evolução humana, após o fogo como
instrumento de dominação e de poder em comunidade, surgiram mais
elementos que definiram o poder e o domínio de determinados grupos sobre
outros: na sociedade greco-romana, a política e a arte da guerra; na idade
média, a religião; nas grandes guerras, o poder bélico; no imperialismo, o
controle das colônias; no capitalismo, os meios de produção; e no mundo atual
e globalizado, a informação.
É axiomático o pensamento de que a informação, concebida como
“aquilo que se leva à compreensão” (Wurman. 1995, p. 43)13 sempre fez parte
da vida humana, visto que o processo de exteriorização de sentimentos através
do diálogo encontra-se ligado à espécie, e a comunicação dentro da sociedade
perpassa a própria condição do ser humano. Nesse sentido, entende-se a
informação como componente intrínseco à comunicação que, por sua vez, tem
papel de ferramenta inerente à vida do ser humano. Porém, após as revoluções
industriais, a informação assumiu posição de destaque para as relações de
poder, visto que foi a partir desse momento histórico que o desenvolvimento
das nações teve como fator chave o acesso universal à informação e aos
produtos e serviços públicos.
Considerando um recorte cronologicamente avançado na história, a
Primeira Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, teve como ponto central
a invenção do motor a vapor e, assim, substituiu-se a mão de obra humana
pelas máquinas movidas a esse novo combustível, aumentando velocidade e
desempenho da produção e originou as primeiras indústrias. A Segunda
Revolução começou na metade do século XIX e teve a eletricidade como
inovação, afetando os meios de produção e criando meios de comunicação à
distância. A Terceira Revolução Industrial, por seu turno, abriu caminho para o
nascimento da Sociedade da Informação, conceituada pela sua dependência
da tecnologia e da ciência.
13
apud Valentim (2004, p. 02).
20
A pós-industrialização trouxe a lume mais uma vez as influências dos
avanços tecnológicos nas relações de poder, o que fez com que a informação
virasse ponto central da sociedade configurada como ambiente plural, em que
a participação é incentivada e, além disso, onde há o reconhecimento das
diversidades – o que permite voz às minorias, e os valores passaram a ser,
então, estabelecidos a partir de uma visão voltada para a participativa, múltipla
e até anárquica. E se, hodiernamente a informação funciona como parâmetro
das relações de poder, o movimento de globalização teve papel essencial para
o que é conhecido como a Sociedade da Informação.
A princípio, a globalização é um fato (ASCENSÃO, 2002 apud
OLIVEIRA, 2011), e está atrelada a acontecimentos e a um desencadeamento
histórico que culminou na formação de uma aldeia global14, cuja interligação se
dá por meio de redes sociais, econômicas, políticas e culturais. Conforme
explicam Held e McGrew (2001, p.12 apud OLIVEIRA, 2011):
[...] o conceito de globalização denota muito mais do que a ampliação de relações e atividades sociais atravessando regiões e fronteiras. É que ele sugere uma magnitude ou intensidade crescente de fluxos globais, de tal monta que os Estados e sociedades ficam cada vez mais enredados em sistemas mundiais e redes de interação.
Assim, fica compreendido que o processo de globalização resulta das
relações de interação continuada entre países por tempo e reiteração
progressiva desse processo, compondo uma comunidade mundial comum, que
se constitui tanto espontaneamente, quanto politicamente. Neste processo
fático, a globalização pode ser fruto da política, pois os possuidores do poder
não se atêm a uma posição passiva diante deste fenômeno. Ao contrário, a
globalização é conduzida, fomentada e orientada pelas mãos dos governos dos
Estados dominantes (ASCENSÃO, 2002 apud OLIVEIRA, 2011).
14
O conceito de aldeia global foi desenvolvido por Marshall McLuhan na década de 60, como forma de explicar os efeitos da comunicação de massa sobre a sociedade contemporânea, no mundo todo. De acordo com sua teoria a abolição das distâncias e do tempo, bem como a velocidade cada vez maior que ocorreria no processo de comunicação em escala global, nos levaria a um processo de retribalização, onde barreiras culturais, étnicas, geográficas, entre outras, seriam relativizadas, nos levando a uma homogeneização sócio-cultural. (www.aboutmarshallmcluhan.wordpress.com).
21
Seguindo o raciocínio, David Held e McGrew (2001, p.12 apud
OLIVEIRA, 2011) esclarecem:
[...] novas instituições internacionais e transnacionais têm vinculado Estados soberanos e transformado a soberania num exercício compartilhado do poder. Desenvolve-se um conjunto de leis regionais e internacionais que sustenta um sistema emergente de governança global, tanto formal quanto informal.
Atualmente está em curso um processo no qual já existe uma
coletividade mundial15, cuja consciência cultural e decisões políticas são
progênitas do intercâmbio de redes de conhecimento e esta sociedade
globalizada é o ambiente em que se dá a circulação deste conhecimento, de
cultura e de informação, que é a Sociedade da Informação.
Essa globalização no seu aspecto físico tem sido tema de discussão,
pois a facilidade de fluxo entre as pessoas, devido às interações virtuais, que
criam e mantêm vínculos de contato aumentou, e muito, o fluxo migratório.
Com isso, as questões de segurança das comunidades em âmbito local
também cresceram. Nesse sentido, o desenvolvimento das tecnologias que
atualmente facilitam o registro do fluxo de pessoas em locais públicos tem
ganhado um espaço permanente e cada vez maior nos centros urbanos,
principalmente.
A vigilância por câmeras e diversos tipos de aparelhos detectores (de
metal, de componentes químicos, com capacidade infra-vermelha) são
mecanismos amplamente utilizados pelos governos. Nesse sentido, os Estados
têm argumentado que a sua capacidade de prevenção e investigação está
altamente vinculada ao aumento dos poderes de vigilância e a ameaça
terrorista é, inclusive, um dos fatores que mais ratificam essa tendência estatal,
pois a vigilância por meio de câmeras estrategicamente distribuídas pela
cidade e o acesso a cada vez mais dados de identificação pessoal são a única
forma de reunir diversos tipos de informações das pessoas sem que seja
preciso abordá-las diretamente ou depender de algum tipo de consentimento.
Ademais, a partir da união de forças externas, como outras cidades, estados e
até mesmo nações, graças à Sociedade da Informação é concebível uma
15
Aqui, o termo mundial refere-se ao pertencimento dessa coletividade, e não à totalidade.
22
potencialíssima maneira de reunir todo tipo de informação e dados individuais,
porém com proporções coletivas.
Do ponto de vista da segurança pública, os benefícios são claros e
notórios. Nunca se teve tanto aparato informacional para garantir a segurança
de comunidades e Estados. Por outro lado, nunca se esteve tão exposto aos
olhos governamentais. Além disso, a concentração dessas informações
pertence ao mesmo espaço no qual uma grande parte do resto da vida
moderna acontece: no ciberespaço.
1.3 O CIBERESPAÇO
A Sociedade da Informação apresenta características particulares que
possibilitam reconhece-la como um instituto de constituição independente.
Nesse ínterim, uma característica claramente verificável é de que a informação
é sua matéria-prima, posto que as tecnologias se colocam a serviço de que os
indivíduos se apropriem e utilizem da informação. Isto é, a princípio, o
mecanismo mais importante da formação desta sociedade informacional é
justamente o desenvolvimento notável das telecomunicações com o objetivo de
aumentar o fluxo de informações, como assevera Eduardo Capellari:
A sociedade de informação [...] é fruto dos crescentes investimentos nas tecnologias de informação – destaque-se recentemente a rede mundial de computadores – que provocam uma nova divisão social do trabalho e apontam, por conseguinte, para uma nova sociedade (CAPELLARI, 2000, p.39).
E prossegue:
A informação passa a ser o motor das transformações [...] A combinação de satélites, televisão, telefone, cabo de fibra ótica e microcomputador enfeixou o mundo em um sistema unificado de conhecimento, que provoca a superação das estruturas administrativas hierarquizadas e verticalizadas em direção à horizontalização das relações de poder, que tem na figura da rede, propriamente, a expressão da nova realidade (CAPELLARI, loc.cit).
Essa nova configuração social se desenvolve rompendo as barreiras
territoriais e diminuindo cada vez mais o tempo de processamento de um
volume enorme de informações. A Era da informação tem sido o momento
23
histórico em que à comunidade internacional é facultado transitar em outra
dimensão, qual seja a do ciberespaço.
Com efeito, a informação funciona como combustível para o
ciberespaço16, que, por sua vez, assume papel de grande norteador da
sociedade informacional contemporânea e é a partir das tecnologias digitais
que as informações ganham maior propulsão de circulação e desenvolvimento.
O ciberespaço, como sustentáculo para a Sociedade da Informação,
transcende o espaço físico e nesse ambiente os indivíduos estabelecem
dinâmicas de socialização no mais elevado grau de abrangência que o termo
diversidade possa ter.
Essa nova forma de condensar a vida em uma representação espaço-
temporal aumenta cada vez mais a quantidade de pessoas que se
interconectam na rede eletrônica constituída como um espaço de comunicação
e interação emergente, que é o ciberespaço. Segundo Lévy, o ciberespaço é “o
espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e
das memórias dos computadores” 17.
Ademais, no aspecto da horizontalização mencionada por Levy, uma das
características mais marcantes desse novo ambiente que cada dia está mais
frequentado é o fato de que as informações ali contidas se espalham de modo
vertiginoso, fazendo com que não se tenha controle, muitas vezes da origem e
do destino das informações em tráfego. Nesse sentido, o que é veiculado
muitas vezes chega ao destinatário sem informações de sua origem. Essa
característica abre margem para que seja perdida a raiz da informação, bem
como a noção da quantidade de vezes que foi propagada ou ramificada.
Um texto escrito, assim como qualquer outro documento, fotos ou vídeos
entram no plano virtual e são veiculados na rede por meio da Internet, que é
elemento de conexão dos espaços virtuais de cada aparelho eletrônico com
capacidade de informatizar, como micro computadores e celulares.
16
LÉVY, 1999, p. 92. 17
O ciberespaço dá origem também a um ator social: o “ciberusuário”.
24
1.3.1 A internet – o meio
O ciberespaço encontra o sua zona de maior expressão na internet,
originada do conjunto de inúmeras redes de computador surgidas a partir dos
anos 70 que foram se juntando umas nas outras. A crismada rede mundial de
computadores – internet – constitui o meio virtual no qual trafegam
informações, dados e conhecimento. E é neste mesmo ambiente que o
desenvolvimento e o uso da tecnologia origina novas estruturas sociais e
alterações nas rotinas e padrões gerais de hábitos de vida.
Destarte, é legítima a conclusão de que a Internet trouxe uma
democratização no acesso a bens culturais, como a música e artes visuais, e
nas informações sobre economia, política, ciência, dentre outras áreas,
gerando uma verdadeira socialização massiva do conhecimento (CAPELLARI,
2000, p. 40). A Internet, portanto, pode ser definida como uma grande rede
mundial de computadores, meio pelo qual pessoas de diversas partes do
mundo, com hábitos e culturas diferentes, se comunicam e trocam
informações. Sobre esse ambiente de imperiosa virtualização18 da vida
humana, Pierre Lévy expõe que:
Um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação, mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência. A virtualização atinge mesmo as modalidades do estar junto, a constituição do “nós”: comunidades virtuais, empresas virtuais, democracia virtual... Embora a digitalização das mensagens e a extensão do ciberespaço desempenhem um papel capital na mutação em curso, trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatização. (LÉVY, 1996, p.11).
Aqui, fica claro que, diferentemente da informatização da vida, que
ocorreu com o advento dos computadores e consiste em aplicar os métodos e
18
“A virtualização reinventa uma cultura nômade, não por uma volta ao paleolítico nem às antigas civilizações de pastores, mas fazendo surgir um meio de interações sociais onde as relações se reconfiguram com um mínimo de inércia. Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se tornam “não-presentes”, se desterritorializam. Uma espécie de desengate os separa do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário [...]. Os operadores mais desterritorializados, mais desatrelados de um enraizamento espaço-temporal preciso, os coletivos mais virtualizados e virtualizantes do mundo contemporâneo são os da tecnociência, das finanças e dos meios de comunicação. São também os que estruturam a realidade social com mais força, e até com mais violência.” LÉVY, 1997, p. 20-21 apud OLIVEIRA.
25
os recursos da informática a um fato, um problema ou a atividades industriais,
de administração ou de documentação etc, a virtualização transcende essa
perspectiva.
Para entender o conceito da virtualização, deve-se traçar um paralelo
entre o que é real e o que é virtual, e nem de longe são conceitos simplórios.
Mas a compreensão dominante, segundo Lévy (1999, p. 15), considera o virtual
como simples “ausência de existência”. Existência aqui relacionada ao sentido
de realidade que supõe uma presença tangível, algo corporificado. A partir
desse ponto, em uma visão reduzida, mas não equivocada, o que é real tem
características físicas e/ou concretas, enquanto o que é virtual está associado
àquilo que é simulado, abstrato. Com esse raciocínio a virtualização, pode ser
definida como o fenômeno da criação de um ambiente (virtual) que simula um
ambiente real, propiciando a utilização de diversos sistemas e aplicativos sem
que haja necessidade de acessar fisicamente a um dispositivo no qual estão
hospedados.
O mesmo autor (LÉVY, 1999, p. 127) cita, ainda, os três princípios que
orientaram a expansão do ciberespaço a partir do seu meio, que é a internet: a
interconexão; a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. De
forma resumida, as comunidades virtuais foram erigidas a partir da
interconexão em rede, uma vez que as pessoas preferem a conexão ao
isolamento – fenômeno que tornou possível a instauração da inteligência
coletiva.19 Esse conjunto de circunstâncias e acontecimentos, segundo Lévy
(1999, p. 132), origina a formação de um
movimento social e cultural que o ciberespaço propaga, um movimento potente e cada vez mais vigoroso, não convergente sobre um conteúdo particular, mas sobre uma forma de comunicação não midiática, interativa, comunitária, transversal, rizomática.
Considerado esse cenário, cada uma das condições apontadas por Lévy
é essencial para o desenvolvimento da cibercultura: não há comunidade virtual
sem interconexão e não há inteligência coletiva sem um dos elementos
19
Resumidamente, inteligência coletiva constitui uma inteligência que se espalha e é valorizada e coordenada em tempo real, o que resulta em uma mobilização efetiva das competências.
26
anteriores. E nada disso seria possível sem a internet como meio, o que
demonstra sua importância para o processo de virtualização experimentado
hodiernamente.
A virtualização traz consequências em termos econômicos, sociais e
educacionais, evidenciadas no espaço cada vez maior que as tecnologias
ocupam na representação e nas relações sociais. Além disso, a influência dos
ambientes virtuais e da internet no desempenho de funções sociais e na
construção de identidade entre indivíduos e coletividade é nítida.
Pontuada a importância da internet como meio que une o espaço virtual
– o ciberespaço – ao espaço real com a virtualização, cabe analisar os
desdobramentos dessa influência. Nesse diapasão, faz-se mister ao Direito –
que sempre é convocado a amoldar-se às transformações sociais – se
debruçar sobre as mudanças trazidas pela virtualização do cotidiano social e as
vulnerabilidades para a sociedade e os direitos individuais. E não poderia ser
diferente, pois a realidade virtual se posiciona de forma imperativa, como toda
revolução.
1.4 A VULNERABILIDADE PESSOAL
É fato notório que a sociedade contemporânea depende da tecnologia
da internet de tal modo que é impensável imaginar a vida ativa na sociedade
moderna sem ela. Nesse contexto é que Bauman (2007) considera ser esse
um tempo marcado pela flexibilidade que provoca certa fragilidade quanto às
nossas relações sobre as coisas ou pessoas, e conceitua a Sociedade Líquida,
comparada à água em razão deste elemento natural ter a potencialidade de
alterar sua forma conforme seu recipiente.
Nesse sentido, as condições sociológicas relativas ao campo da
informação produzem um debate constante no ambiente jurídico no que tange
ao entendimento sobre os meios de comunicação. O debate traz questões que
servem de ponto de partida para a identificação de um tipo peculiar de
vulnerabilidade produzida pela capacidade da internet veicular informação pela
27
via digital, que é a vulnerabilidade do indivíduo e dos bens pessoais. O controle
da informação que trafega na sociedade moderna é dificílimo e merece ser
observado de perto por parte de toda sociedade civil, na medida em que tais
fatos trazem consigo novos modus vivendi que, por sua vez, culminam no
redesenho do tecido e das formas de relacionamento social (BRITTOS &
COLLAR, 2008, p. 71).
A capacidade de flexibilização da Sociedade da Informação, além de sua
constituição de forma independente, como já citado alhures, é
reconhecidamente um dos seus principais elementos característicos, já que a
integração da informação por meio da internet com uso das tecnologias permite
um ininterrupto processo de conversa entre áreas do conhecimento e
tecnologias, com integração de elementos de eletrônica, telecomunicações,
biologia e robótica.
Ora, se, por um lado a tecnologia trouxe liberdade para vários setores da
vida em sociedade na possibilidade de comunicação à distância, em tempo real
por imagem e som de altíssima qualidade, e se essas facilitações do fluxo de
informação por meio dos dispositivos, como os smartphones, conectados ao
ciberespaço trouxeram muitos benefícios, por outro lado é patente a
dependência que se faz da internet como meio, e essa relação de vínculo
acarretou transformações nos hábitos da vida cotidiana.
De um modo geral, o que mais mudou foi a exposição da intimidade e a
privacidade com o advento das redes sociais e os aparelhos eletrônicos
inteligentes que captam momentos da vida, como celulares e câmeras. Desse
modo, é simples compreender que a vulnerabilidade da privacidade e outros
direitos correlatos estão contextualizados na Sociedade da Informação, porque
muito embora a internet seja um meio amplamente explorado, ainda é
impossível se falar em controle específico e minucioso dessa nova forma de
tecnologia e das ações realizadas por meio delas.
28
1.4.1 Produção, compartilhamento e disseminação da informação
A princípio, as tecnologias de rede facilitaram o diálogo entre técnicas,
métodos e dados e, com o seu desenvolvimento, tornou-se possível o uso
pessoal da internet e do espaço virtual para o lazer.
Com o passar do tempo, a facilidade de acesso e a criação de aparatos
essenciais que permitem a produção, compartilhamento e disseminação da
informação – computadores, laptops, smartphones e aparelhos ligados à rede
virtual – estimulou imensamente o comportamento dos indivíduos dentro da
sociedade no sentido da exposição muitas vezes excessiva da vida real nas
redes sociais e no ciberespaço de um modo geral.
Considerando-se essa característica de virtualização da vida na
Sociedade da Informação, nota-se que esse novo modelo de vida desconhece,
a priori, os limites de tempo e espaço, de modo que, além da aceleração do
ritmo de vida gerada pela falta de limites do tempo, a ausência de limitação
espacial também negligencia as definições de espaços públicos e privados,
dando margem para que fiquem confusas e vulneráveis as noções de direito
individual em meio à convivência em coletividade.
29
2 A PRIVACIDADE E SEUS ASPECTOS SÓCIO-JURÍDICOS
2.1 A ORIGEM DO DIREITO À PRIVACIDADE
As questões envolvendo a tutela da privacidade são próprias do mundo
contemporâneo, uma vez que a sociedade moderna é pautada pelas novas
formas de interação social, nas quais é crescente a diversidade de dispositivos
que possibilitam, por meio da Internet, um fluxo cada vez maior de informações
pessoais.
A trajetória do direito de privacidade se relaciona intimamente com o
modo como os Estados instituíam o poder, e com as camadas de poder
propriamente ditas. Não havia espaço para as pautas de direito de
personalidade nas sociedades pretéritas, cuja regulação se dava por meio de
outros mecanismos, provavelmente por estarem dentro de um ordenamento
jurídico corporativo, hierárquico ou patrimonialista. Entretanto, a partir da
mudança de percepção da pessoa humana pelo ordenamento, se fez imperioso
ao Direito debruçar-se sobre as questões de privacidade e subjetividades
conexas.
O individualismo jurídico, conforme explica Doneda (2000), foi colapsado
pela despersonalização e pela massificação das relações jurídicas, ambas
advindas da revolução industrial – o que gerou a desvalorização do puro e
simples reconhecimento de direitos fundamentais (ou da personalidade
humana). Contudo, ainda nos tempos hodiernos, a ideia de privacidade tem
resquícios do pensamento individualista que a originou no ápice do liberalismo
jurídico clássico, na segunda metade do século XIX.
Nesse período, conquanto o Direito já tivesse voltado seu olhar para as
questões de privacidade, num primeiro momento o poder público não foi
convocado a assegurá-las. Além disso, a positivação desses direitos nos
ordenamentos, altamente patrimonialistas, destinava-os a partes determinadas
da sociedade, de modo que o direito de privacidade era levado em
consideração apenas para alguns. O que ocorreu a partir de então foi a
inserção dos direitos da personalidade em diplomas legais pela perspectiva de
30
liberdade negativa, ou seja, sem a participação das pessoas no processo
político, encontrando-se o Estado desobrigado de realizar qualquer benefício
em prol do titular dos direitos personalíssimos (LISBOA, 2001, p. 465-466).
O enfraquecimento da nuance elitista do direito de privacidade se deveu,
dentre outros fatores, à mudança nas relações entre cidadão e Estado no
contexto do Welfare state20, e ao aumento no fluxo de informações ocasionado
pelos avanços tecnológicos, pois, ao passo em que este fluxo crescia, crescia
também a importância da informação. Nesse novo contexto que surgia, não só
as figuras de grande relevo social, como também outras camadas da
sociedade estavam nitidamente mais sujeitas à ofensa de sua privacidade
(DONEDA, 2000).
A esse respeito, é interessante notar que foram justamente os avanços
tecnológicos, atualmente tidos como responsáveis pelo surgimento de conflitos
sobre os conceitos de privacidade, que fizeram com que o direito de
privacidade tomasse força de abrangência dentro da sociedade de outrora.
Considerando a Sociedade Tradicional21, nela incidem regras de
convivência, e essas regras podem ser formais (expressas em lei, com
sanções previstas) ou simplesmente convencionais, onde conceitos ou
princípios de certo e errado são amplamente conhecidos. A Sociedade da
Informação, por sua vez, pode ser considerada imatura do ponto de vista de
seu desenvolvimento e, por esse motivo ainda não se pode ver um conjunto
suficiente de princípios que consigam abranger de forma satisfatória os
chamados crimes ou infrações decorrentes do advento da internet na
convivência em comunidade (virtual e real).
Apesar de já existirem leis específicas em alguns países para ajudar nas
divergências entre certo e errado no que tange aos assuntos ligados ao uso da
20
Welfare State ou Estado de Bem Estar Social é baseado em uma ideia de que o homem possui direitos indissociáveis a sua existência enquanto cidadão, estes direitos são direitos sociais. De acordo com esta concepção, todo o indivíduo tem o direito, desde seu nascimento, a um conjunto de bens e serviços que devem lhe devem ser oferecidos e garantidos de forma direta através do Estado, ou indiretamente, desde que o Estado exerça seu papel de regulamentar isso dentro da própria sociedade civil. (Wikipédia) 21
Assim nomeada apenas para distinguir-se da Sociedade da Informação.
31
Internet, essa discussão ilustra o estágio incipiente do processo de civilização
dessa nova sociedade, o que nos leva a questionar a própria civilização no
âmbito da Sociedade da Informação. A solução da questão de privacidade na
sociedade evidentemente passa pela análise do conceito de privacidade já
positivado e que, portanto, é o condão de resolução das questões atuais e
futuras, enquanto se desenvolve as estruturas normativas dessa sociedade
jovem.
2.2 O DIREITO À PRIVACIDADE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Para que seja bem compreendida a privacidade, seja conceitualmente,
como juridicamente ou como parte de um rol universal de direitos, e, além
disso, para que seja entendida com clareza a maneira como se analisa esse
direito dentro das relações sociais, principalmente no que tange a situações
inéditas – que são justamente o motivo do presente estudo –, é necessário
esmiuçar o contexto histórico e social que deu origem ao reconhecimento de
que o ser humano precisa ser protegido no que diz respeito ao que lhe é
privado.
2.2.1 A privacidade e o princípio da dignidade da pessoa humana
Na antiguidade clássica, o pensamento filosófico sobre a dignidade da
pessoa humana considerava a posição ocupada por determinado indivíduo em
uma sociedade e pelo grau do seu reconhecimento em relação aos demais
membros da comunidade. No pensamento estoico, a dignidade era assimilada
como a qualidade que, por ser intrínseca ao ser humano, o distinguia das
demais criaturas, evidenciando a noção de que todos os seres humanos eram
dotados de igual dignidade. (SARLET, 2002, pp. 28-30).
Mais tarde, a religião cristã predominante no século XIII, sobretudo pelo
pensamento de Tomás de Aquino, reconhecia o ser humano como um ser
gerado à imagem e semelhança de Deus, o que influenciou a compreensão de
32
que o ser humano é dotado de um valor próprio e peculiar, não podendo ser
tratado como objeto. Posteriormente, no contexto jusnaturalista, a concepção
da dignidade da pessoa humana (assim como a ideia do direito natural em si)
foi influenciada por tendências mais voltadas ao mundo da razão, mantendo-
se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em
dignidade e liberdade.
A noção da dignidade da pessoa humana relacionada com a capacidade
da autonomia da vontade do indivíduo surgiu a partir dos estudos de Immanuel
Kant, que conceituou a dignidade como a faculdade de agir de acordo com a
previsão legal e determinar a si próprio. Segundo preceituou: O homem é visto
como um ser racional e não como produto da disposição arbitrária de quaisquer
vontades que não a sua própria. (KANT, 1980, apud PEZZELLA e GHISI 2011,
p. 9).
O direito à privacidade está inserto no conjunto dos direitos
fundamentais e, do mesmo modo, também pertence aos direitos humanos,
concebidos como direitos que competem ao ser humano pelo simples fato de
assim se constituir (PEZZELLA e GHISI, loc. cit.), porque se trata de um ser
dotado de dignidade.
Os direitos humanos a priori foram concebidos como liberdades do
indivíduo que poderiam ser oponíveis ao Estado, ou seja, eram como direitos
de defesa contra os possíveis abusos do soberano. No decorrer das
transformações sócio-políticas, emergiram outros direitos com igual importância
e necessidade. Assim passaram a ser reconhecidos, e, doravante, convocaram
o Estado a agir para sua implementação, da mesma maneira que aconteceu
com os direitos sociais, conforme assevera LUCAS (2009, p. 127-128):
No caso específico dos direitos humanos, é evidente que a definição jurídica e a institucionalização de seus postulados constituem o quadro das importantes conquistas históricas proporcionadas pelas revoluções liberais do século XVIII. Sob esse ângulo, é possível afirmar que os direitos humanos tiveram um momento especial de reconhecimento institucional que se confunde com o próprio advento do Estado Moderno e se configura como elemento material de sua formação, como última instância de legitimação do Estado de Direito.
33
Na idade moderna, a partir dos ideais iluministas dos séculos XVII e
XVIII, documentos que tratavam da tutela dos direitos fundamentais pelo
Estado foram elaborados22 e em todos esses documentos a ideia dos direitos
fundamentais foi defendida e registrada com palavras próprias, com diferenças
interpretativas entre os poderes de Estado que as elaboraram, porém o
conceito de dignidade humana engloba uma ideia geral de característica
inerente ao ser humano, conforme SARLET (2008) explica:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Assim, é necessário que se coloque essas particularidades do indivíduo
a salvo de qualquer ato arbitrário, não havendo distinção de quem quer que
seja, e é fundamental que se garanta condições mínimas para que sejam
protegidas, pois é da própria essência do ser humano estar dotado dessa
condição/qualidade de modo que estar desprovido desse véu protetor destitui o
ser humano da capacidade de subsistência e da convivência social.
2.2.2 A transnacionalização do direito à privacidade
Manifestadamente, os direitos humanos têm como propósito uma ideia
de universalidade, no sentido também da transnacionalidade entendida como
processo pelo qual algo ultrapassa as fronteiras nacionais, englobando os
territórios independentemente do poder estatal ao qual estejam subordinados,
reivindicando legitimidade em qualquer parcela de tempo e espaço com base
no princípio de que são direitos humanos pelo simples fato do seu destinatário
tratar-se de um ser humano.
22
Alguns exemplos são: Bill of Rights, em 1689, a Declaração de Independência das Colônias inglesas, em 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789 com a Revolução Francesa.
34
Com efeito, a transnacionalidade, cominada com a validade universal
dos direitos humanos sob a ótica política pressupõe que essa compreensão
seja internalizada nos ordenamentos jurídicos e sociais de cada entidade
politicamente independente, com o intermédio de normas jurídicas. Nessa
seara, Sarlet pondera que os direitos humanos se transformaram em direitos
fundamentais e, desse modo:
embora sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira, e diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica àqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). SARLET (2008, p. 31-32)
Conquanto seja considerada a característica transcendental dos direitos
humanos, é evidente que o processo de sua positivação dentro de cada
ordenamento passa pelo momento de decisão, conforme observa Lucas:
A positivação dos direitos humanos, entretanto, não explica, por exemplo, o porquê da definição e da escolha de determinados direitos e não de outros; não explica por que diferentes sociedades ocidentais, com histórias política e econômica diversas, adotaram, em regra, uma mesma orientação valorativa na definição de suas cartas políticas de direitos humanos; não explica, ainda, o fato de sociedades não ocidentais concordarem, ao menos em parte, com um conjunto desses direitos mesmo antes das revoluções do século XVIII. LUCAS (2009, p. 128).
A internacionalização da dignidade da pessoa humana nos
ordenamentos jurídicos ao redor do mundo, bem como de seus direitos
humanos correlatos, deu origem à necessidade de elaboração de um
documento que contivesse as prerrogativas de direito individual no sentido de
“uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta
importância para o pleno cumprimento desse compromisso”23. Nos dias atuais,
o documento internacional que versa sobre os direitos fundamentais, nele
incluso os direitos de personalidade e privacidade é a Declaração Universal
23
Declaração Universal dos direitos do Homem, preâmbulo.
35
dos Direitos do Homem, elaborada em 1948 pela Organização das Nações
Unidas (ONU), pois a luta pela afirmação da dignidade da pessoa humana
como fonte dos direitos fundamentais do indivíduo ganhou força em um
movimento global que exigiu o respeito à condição humana como valor
supremo de todos os sistemas jurídicos de inspiração democrática24.
Na declaração, foram reconhecidos como os primeiros direitos
individuais: a vida, a integridade física, a liberdade, a igualdade e a
propriedade, sem, porém, qualquer instrumento para que o poder público
garantisse tais direitos na prática, como meio de prevenção de danos. Nesse
sentido, a elaboração e implementação do documento fez com que a teoria dos
direitos de personalidade ganhasse cada vez mais espaço nos direitos
constitucionais de cada país.
Com o advento da tecnologia, e sendo impossível ignorar sua utilidade,
em virtude do legítimo interesse público, principalmente no que tange à saúde
e segurança pública, os espaços públicos poderão ser vigiados e funcionar
como ambientes de coleta da presença das pessoas. Este cenário pode ser
constituído a partir da instalação de equipamentos como câmeras de
segurança em prédios públicos, nas ruas e nas praças, mas destaca-se que as
imagens e cenas captadas serão mantidas em sigilo e contra terceiros,
exatamente por motivo da falta de interesse público na divulgação livre, aberta
e incondicionada destes registros. A Diretiva 95/46 CE da Comunidade
Europeia identifica nessa perspectiva:
Considerando que os dados susceptíveis, pela sua natureza, de pôr em causa as liberdades fundamentais ou o direito à vida privada só deverão ser tratados com o consentimento explícito da pessoa em causa; que, no entanto, devem ser expressamente previstas derrogações a esta proibição no que respeita a necessidades específicas, designadamente quando o tratamento desses dados for efetuado com certas finalidades ligadas à saúde por pessoas sujeitos por lei à obrigação de segredo profissional ou para as atividades legítimas de certas associações ou fundações que tenham por objetivo permitir o exercício das liberdades fundamentais; Considerando que, sempre que um motivo de interesse público importante o justifique, os Estados-membros devem também ser autorizados a estabelecer derrogações à proibição de tratamento de categorias de dados sensíveis em domínios como a saúde pública e a
24
(Peces-Barba Martinez, 2003, p. 11)
36
segurança social - em especial para garantir a qualidade e a rentabilidade no que toca aos métodos utilizados para regularizar os pedidos de prestações e de serviços no regime de seguro de doença - e como a investigação científica e as estatísticas públicas; que lhes incumbe, todavia, estabelecer garantias adequadas e específicas para a proteção dos direitos fundamentais e da vida privada das
pessoas;25
2.2.3 O direito à privacidade no Brasil
Importa a reflexão do princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana ou a efetiva proteção desse princípio, pois, conforme explica SCHIAVI
(2009, p. 07), neste conceito mais amplo:
a proteção da dignidade da pessoa humana envolve todos os aspectos da pessoa, seja no seu aspecto exterior – papéis que representa na sociedade, como função profissional, imagem, etc., como na sua individualidade – privacidade, intimidade (art. 5º. V e X, da CF), assim como ao fato de pertencer ao gênero humano, seu aspecto físico, sua etnia, bem como a proteção ao meio ambiente.
Nesse ínterim, cabe também destacar o que preleciona Maria Celeste
Cordeiro dos Santos (apud SCHIAVI, loc. cit):
O princípio da dignidade da pessoa aparece indicado, ora como princípio da personalidade, ora como princípio da individualidade e nos obriga a um compromisso inafastável: o do absoluto e irrestrito respeito à identidade e à integridade do ser humano. Isso porque o homem é sujeito de direitos, não é, jamais, objeto de direito e, muito menos, objeto mais ou menos livremente manipulável
O sistema constitucional brasileiro, influenciado pelos movimentos de
reconhecimento dos direitos ligados à pessoa incipientes em outras nações e
também buscou a emancipação do indivíduo enquanto sujeito de direitos e
dominador da sua própria existência, mormente com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, fruto de uma renovação político-social que
trouxe novamente os intentos democráticos após anos de ditadura militar no
país. Porém, não se ateve a apenas repetir o que continha a Carta das Nações
Unidas e ampliou o alcance desse direito, atingindo um nível de consenso
internacional, ao preocupar-se com a sua compatibilidade (ou, pelo menos,
com a sua não incompatibilidade) com as normas dos demais Estados.
25
Diretiva 95/46 CE da Comunidade Europeia
37
Além disso, o legislador constituinte deu ao instituto da dignidade
humana poderes de princípio norteador de todo o sistema constitucional, pois
que prevista no seu artigo 1º, inciso III, orientando e irradiando sua aplicação a
todo o ordenamento jurídico, seja no que se refere ao direito público, quanto ao
direito privado. Nos termos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. [grifo nosso]
Em vários artigos, a Magna Carta confirma o princípio como norteador
do Estado Democrático de Direito, v.g., no que diz respeito à proteção da vida,
do direito à saúde, à moradia digna, garantindo a liberdade, a igualdade, o
acesso à justiça, assim como quando trata do meio ambiente sustentável.
Nesse sentido, mesmo que considere atribuir à dignidade da pessoa humana
graus de diferenciação em determinado contexto legislativo, a relevância da
norma fundamental deve preponderar como critério indiscutível, norteador das
normas infraconstitucionais do ordenamento jurídico.
No artigo 5º da CRFB, em seu caput, também é possível verificar as
normas cogentes de direito à liberdade, igualdade, segurança e propriedade,
bem como proibição de discriminação de qualquer natureza, são
assecuratórias da implementação do princípio:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Entretanto, ainda com a sistemática dos textos normativos, habilitados a
servir de esteio dos direitos fundamentais, afastando qualquer outro que
intimide o seu pleno exercício, não se pode desconsiderar que as
transformações experimentadas pela sociedade, por conta do desenvolvimento
industrial e tecnológico, bem como as regras do mercado, têm a capacidade de
abalar sensivelmente a defesa intransigente desses princípios constitucionais.
38
Nesse sentido, o ordenamento jurídico nitidamente referendou a dignidade
humana como pressuposto fundamental, inafastável e norteador de todos os
demais diplomas legais, de modo que a interpretação desta norma e sua
efetiva aplicabilidade devem transpor como efetivamente pode ser observado,
todo o regramento legal, até mesmo no acolhimento de normas internacionais,
visto que a dignidade humana constitui princípio fundamental na constituição e
sustentação da sociedade contemporânea, com todos os seus novíssimos
recursos.
2.3 A PRIVACIDADE E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A privacidade guarda uma relação íntima com a liberdade de expressão,
que se revela no momento que consideramos os regimes autoritários de poder,
que não asseguram ao indivíduo a livre manifestação, a liberdade de seus
pensamentos e, nesse cenário, rapidamente é afastado de sua privacidade,
pois, por medo de ser hostilizado ou sofrer algum tipo de punição, deixa de
mostrar ser quem realmente é, desvirtuando sua personalidade de acordo com
as oscilações da repressão. Essa relação também fica clara na concepção de
Celso Bastos, que conceitua a privacidade como a
faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano. BASTOS (apud OLIVEIRA, 2014).
A liberdade de expressão, por sua vez, reflete a autonomia que o
indivíduo tem de poder decidir de que forma se comunicar com a sociedade,
podendo expressar a opinião sobre qualquer tipo de assunto, sensível ou não,
ponderando, porém, o limite da privacidade alheia. Neste viés, a liberdade de
expressão e a privacidade andam juntas, não podendo uma ultrapassar os
limites da outra.
39
2.4 O DIREITO À PRIVACIDADE E DIREITO À INTIMIDADE
A princípio, no que tange ao mérito conceitual, importa destacar o
entendimento de Marcel Leonardi (2011, p. 47), que diz que “a falta de clareza
a respeito do que é privacidade cria complicações para definir politicas públicas
e para resolver casos práticos”. A partir desse pensamento, fica evidente que a
falta de clareza do que realmente significa privacidade pode gerar muitas
consequências, como a dificuldade de determinação da tutela da privacidade,
“principalmente diante da necessidade de seu sopesamento em face de
interesses conflitantes, tais como a liberdade de manifestação de pensamento”
(LEONARDI, 2011, p. 47).
Existe, ainda, outro ponto que se pode analisar sobre privacidade e
intimidade, quanto a conter e estar contida uma na outra. Sobre esse aspecto,
é importante ter em mente que a privacidade não pode ser confundida com a
intimidade, mesmo que a intimidade possa ser parte constituinte da privacidade
de alguém, isto é, são dois termos que podem aparentar possuir o mesmo
objetivo de direito, mas possuem significados distintos, sendo que um pode
estar inserto no outro, sem que, porém, a recíproca seja verdadeira.
Considerando que o processo de positivação os direitos humanos
supostos universais e transnacionais perpassam o processo de escolha, a
positivação revela-se justamente o contrário da pretensão universalista. Quanto
ao direito à privacidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, exprime em seu art. XII:
Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
No que tange ao direito brasileiro, o processo de positivação
estabeleceu na Constituição Federal brasileira de 1988 o resguardo ao mesmo
direito contido no art. 5º, inciso X, porém com o seguinte texto:
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação [grifo nosso].
40
Ao passo que a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 acolhe tão
somente a vida privada, o constituinte originário no caso brasileiro buscou
amparar direitos à intimidade e vida privada, concebendo esta última em
perspectiva mais específica, sob o caráter de um direito à intimidade.
Por outro lado, mesmo guardados os pontos de convergência entre a
privacidade e a intimidade, cabe diferenciar os dois direitos na medida em que
a privacidade abarca os eventos de cunho individual em que somente a pessoa
pode escolher se as divulga ou não. Já no caso da intimidade, ainda que esteja
incluída no que abrange a privacidade, é um instituto que diz respeito ao modo
de ser da pessoa, à sua identidade, que pode, muitas vezes, ser confundido
com a vida privada. Sobre esse aspecto, Mendes e Branco (2011, p. 315),
distinguem-nas da seguinte forma:
O direito à privacidade teria por objeto os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público. O objeto do direito à intimidade seriam as conversações e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas.
De todo modo, a concepção pormenorizada de cada um dos direitos em
voga intenta extinguir qualquer possibilidade de que o indivíduo fique
desprotegido da interferência e intromissão alheia contra sua vontade, o que
traz a lume também, a preservação do princípio constitucional positivado da
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB de 1988), e de seus reflexos.
2.5 A PRIVACIDADE SOB A ÓTICA DO DIREITO DE PERSONALIDADE
O amparo aos direitos de personalidade (como a privacidade, imagem,
honra, etc.) significa a tendência do próprio modelo estatal Democrático de
Direito, uma vez que intenta dar efetividade material à Constituição,
principalmente à dignidade humana, a qual se manifesta de maneira mais
concreta por meio de direitos fundamentais com um grau maior de
especificidade.
41
Ademais, os direitos de personalidade são entendidos como integrantes
da própria concepção de pessoa. Contudo, importa ressaltar que a previsão de
direitos dessa espécie não se enquadra unicamente na proteção contra o
Estado (perspectiva liberal – primeira dimensão), mas na possibilidade de opor
tais garantias em âmbito particular, pondo de lado a perspectiva meramente
liberal, e avançando em nova dimensão26 na análise dos direitos
fundamentais27. Igualmente, autores que trabalham sob a ótica
supramencionada qualificam os direitos fundamentais básicos – à vida, à
liberdade, dentre outros – no rol dos direitos públicos, contrapostos ao Estado,
ao passo que aqueles concernentes ao viés particular seriam os direitos de
personalidade (SILVA, 2009)28.
A personalidade para Teoria Geral do Direito não é objetivamente um
direito. Não obstante, tudo aquilo que encontra apoio nos direitos e deveres
que dela irradiam é objeto de direito; o primeiro bem da pessoa, para que a
pessoa exerça a liberdade de ser justamente o que se é. Neste ínterim, é sólido
o pensamento de que aos direitos fundamentais da natureza da privacidade e
da intimidade sobreveio o reconhecimento de que pertencem aos direitos de
personalidade, conforme sinaliza Canotilho29:
Muitos dos direitos fundamentais são direitos de personalidade, mas nem todos os direitos fundamentais são direitos de personalidade. Os direitos de personalidade abarcam certamente os direitos de estado (por ex.: direito de cidadania), os direito sobre a própria pessoa (direito à vida, à integridade moral e física, direito à privacidade), os direitos distintivos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito à informática) e muitos dos direitos de liberdade (liberdade de expressão). Tradicionalmente, afastavam-se dos direitos de personalidade os direitos fundamentais políticos e os direitos a prestações por não serem atinentes ao ser como pessoa. Contudo, hoje em dia, dada a interdependência entre o estatuto positivo e o estatuto negativo do cidadão, e em face da concepção de um direito geral de personalidade como ‘direito à pessoa ser e à pessoa devir’, cada vez mais os direitos fundamentais tendem a ser direitos de personalidade e vice versa.
26
Quando se fala em nova dimensão, se intenta representar a visão dos direitos fundamentais de segunda geração, pois a constituição da primeira teve seu marco no Estado Liberal, e a segunda se insurge no modelo social. 27
SOUZA (2008, p. 43) e PEREZ LUÑO (2005, p. 332 – 333) apud DIAS, 2012, p.8. 28
apud DIAS, 2012, loc. cit. 29
apud PEZZELLA e GHISI 2011, p. 13
42
Depreendido está que o direito à privacidade faz parte de uma casta
extremamente importante de direitos do ser humano, denominados de direitos
de personalidade. Esses são uma categoria:
composta por aqueles direitos que constituem o minimum necessário e imprescindível ao conteúdo da personalidade, sendo próprios da pessoa em si, como ente humano, existente desde o seu nascimento. Em sua, os direitos de personalidade ‘concedem um poder às pessoas para proteger a essência de sua personalidade e suas mais importantes qualidades. FARIAS (2000, p. 131).
Nesse mesmo sentido, é imperioso conceber que os direitos de
personalidade estão constituídos na teia de valores existenciais da pessoa
humana, em suas mais variadas nuances, abarcando entretons materiais
(integridade física), imateriais (nome, imagem, privacidade) e espirituais
(honra). Em ratificação, aduz Diniz:
(...) direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria etc. Por outras palavras, os direitos da personalidade são direitos comuns da existência, porque são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta. DINIZ (2008) apud PEZZELLA e GHISI 2011, p. 13)
Nesse diapasão, resta claro que a privacidade é, destarte, um direito
humano incontroverso, e um direito fundamental, além de ser, também um
direito de personalidade, como se pode verificar nas palavras de Doneda:
A proteção da privacidade, elemento indissociável da personalidade, merece esta tutela integrada, sendo provavelmente um dos casos em que ela é mais necessária. A cotidiana redefinição de forças e meios que possibilitam a intromissão na esfera privada dos indivíduos demanda uma tutela de caráter incessantemente mutável. (...) Os autores que abordam os direitos de personalidade são unânimes em reconhecer neles integrada à proteção da privacidade. Há variações de amplitude e mesmo de nomenclatura com as locuções direito à intimidade, direito ao segredo, direito ao recato, direito à vida privada, direito ao respeito da vida privada, direito ao sigilo, entre outras. Passando ao largo do exame das características individuais de cada uma, é indiscutível que estão superadas as discussões sobre a existência ou não da privacidade pelo ordenamento jurídico e, especificamente, pelo direito civil0 (DONEDA, 2000, p. 128)
É cristalina a importância da proteção da privacidade sob a ótica dos
direitos humanos, e essa proteção é fundamental para que sejam amparados
tanto a dignidade da pessoa humana, quanto os direitos fundamentais.
43
Considerando as complexidades do direito de privacidade, a reflexão
sobre os aspectos supramencionados desse direito se justifica na medida em
que a sociedade hodierna se encontra diante da falta de controle sobre o uso
indevido e indiscriminado dos apetrechos e mecanismos tecnológicos que
permitem captar a presença humana indiscriminadamente, abrindo a
possibilidade de que sejam lesados os direitos concernentes à personalidade,
pois, da mesma forma que a Sociedade da Informação cria novas formas de
relações interpessoais, cria, por conseguinte, a demanda de que novas formas
de controle e de proteção defronte aos potenciais riscos acarretados pelo uso
indevido dos meios tecnológicos.
Logo, é preciso que sejam analisados os aspectos concernentes à
Sociedade da Informação na qual vivemos para perscrutar da melhor maneira
se os direitos de privacidade estão sendo preservados e em que medida será
necessário revisitá-los, para acompanhar as demandas da nova concepção de
coletividade, comunidade, ética e espaço, principalmente, do que é entendido
como privado ou público dentro desse novo sistema.
44
3 ESPAÇOS PÚBLICOS E ESPAÇOS PRIVADOS
Viver ativamente em sociedade atualmente constitui estar
constantemente em movimento entre espaços, o que significa entrar e sair de
espaços públicos e espaços privados sistematicamente. A esse respeito, as
definições de Público e de Privado, como preceitua Weber (1982, passim), são
complexas, uma vez que há uma linha tênue que as divide, tão nebulosa
quanto à linha de influência entre as duas. Esses conceitos são mutáveis, visto
que na realidade o Público e o Privado se misturam constantemente em
diversas circunstâncias.
A princípio, quando se fala de espaço, vem à mente os limites, as
fronteiras. Em um conceito espacial, público é o espaço de uso comum entre
indivíduos, onde se desenvolvem atividades coletivas de convívio de diversos
grupos que constituem a sociedade. A partir dessa definição, é possível
categorizar os espaços públicos livres, onde é pleno o direito de ir e vir (exceto
quando uma autoridade pública ou seu representante restringe esse acesso
visando à segurança e convivência harmônica), que seriam ruas e avenidas,
bem como os espaços de lazer, como praças, praias e parques. Há, ainda, um
terceiro tipo de espaço público, que são os espaços públicos com restrição ao
acesso e à circulação, nos quais a presença é controlada e restrita, como os
edifícios públicos, Prefeituras, Fóruns, residências oficiais de governantes,
instituições de ensino público, hospitais, entre outros. A responsabilidade da
manutenção desses espaços é da Administração pública (prefeitura, Estado
etc.).
Por outro lado, nessa visão mais simplista, espaços privados são
aqueles cuja propriedade é privada, seja por pessoas ou instituições, ou seja,
casas, lojas comerciais, escolas (particulares), hospitais (particulares) e
shopping centers. Nesse caso, os responsáveis pela manutenção e
preservação locais são os proprietários. Além dessa dicotomia, existem, ainda,
os locais privados acessíveis ao público, onde o acesso é facultado aos
indivíduos mediante o preenchimento de certas condições momentâneas, tais
como, pagamento de ingresso e/ou despesas pela utilização do local e ou
serviços ali prestados.
45
Porém, essa dicotomia se torna muito mais complexa quando se analisa
a privacidade do indivíduo nos espaços em que ele se movimenta. Na
Sociedade da Informação, as distinções entre público e privado se fazem até
mesmo dentro do mundo virtual – que de certa forma é um mesmo espaço, o
cibernético –, quando, por exemplo, as redes sociais disponibilizam uma versão
considerada pública do perfil ali cadastrado, como existe a possibilidade de que
algumas informações e dados sobre determinado indivíduo sejam privadas.
Dentro dessa definição de privado, existem, ainda, seções de privacidade.
Mas o que se pode observar dessa mescla de espaços público e privado
num mesmo ambiente virtual é que, no mundo real o espaço público assume
contornos privados a partir do momento em que a socialização se restringe ao
conteúdo dos aparelhos eletrônicos e, fisicamente seja uma questão cada vez
mais delicada a aproximação – as pessoas recorrem ao uso dos aparelhos
ligados à internet cada vez mais nos momentos em que estão presencialmente
sozinhas em espaços públicos, o que traz para a perspectiva alheia um
elevado grau de privacidade a esse comportamento.
Sobre a realidade descrita é que Bauman (2001) chama a atenção
quando observa esse esvaziamento do espaço público como um fator de
enfraquecimento do indivíduo como sujeito histórico autônomo, de modo que
seus direitos, principalmente no que tange às tomadas de decisão, começam a
ser cerceados. Para o autor, esse cenário é o que expressa a fragilidade cada
vez maior da esfera pública e da “perda” do domínio público. Essa situação
também reflete a coletividade, quando se concebe que “o espaço público está
cada vez mais vazio de questões públicas. Ele deixa de desempenhar sua
antiga função de lugar de encontro e diálogo sobre problemas privados e
questões públicas” (BAUMAN, 2001, p. 50).
Juridicamente, as definições de público e privado no que tange à
caracterização dos espaços surgiu das demandas sociais concernentes à
própria modernidade. E foi através do reconhecimento do direito de
propriedade e daquilo o que se pode garantir de exclusivo aos indivíduos que
se passou a diferenciar o domínio dos espaços. Nesse sentido, conceituar um
46
território pertencente a um indivíduo concomitantemente significa conceituar
territórios compartilháveis entre toda uma coletividade.
Ao comparar o espaço público com o espaço privado, Habermas (2003)
reconhece o primeiro como um fenômeno social de interação e diálogo,
conforme o trecho infra transcrito:
A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos
30.
A partir desse raciocínio é possível entender que a sociedade
propriamente dita compreende os espaços públicos, quais sejam as esferas
públicas, que são locais onde se propiciaria a intermediação entre comunidade
e Estado. Na via oposta, é possível inferir do pensamento que os espaços
privados (ou íntimos), também contidos na sociedade, são evidentemente
aqueles nos quais vivem as famílias e a sociedade civil.
Deveras, essa supracitada explicação sobre os espaços públicos e
privados descreve os conceitos e relações entre indivíduo, Estado e espaço em
sociedade como são estabelecidas. Nesse contexto, os direitos fundamentais
constituem o fator inserido nessa relação que permite garantir a aplicação do
princípio da autonomia privada e propriedade, como também o direito de que a
liberdade pública seja desempenhada pela coletividade.
É interessante perceber que a relação dos indivíduos com a coletividade,
quando do compartilhamento do espaço31, consiste no fato de que os
indivíduos identificam-se mutuamente como tal. Nessa mesma trilha, Martins
(2005, p. 157-158), pondera que “em termos sociais, todavia, o espaço público
designa a constituição de uma intersubjetividade prática, do reconhecimento
recíproco como sujeitos, da ligação das pessoas e do encadeamento das suas
ações na cooperação social”.
30
Apud PEZZELLA e GHISI 2011, p. 15. 31
Considera-se aqui o espaço na esfera pública
47
A virtualização da vida cotidiana na Sociedade da Informação,
entretanto, transforma e relativiza o conceito de espaço público para muito
além do limite entre os espaços – dada a existência do espaço cibernético –,
tornando flexível, também, a percepção do indivíduo sobre ele próprio e a
coletividade presentes no mesmo local como compartilhadores do espaço
público. Sobre essa questão, Habermas (2003) explica que:
(...) as esferas públicas ainda estão muito ligadas aos espaços concretos de um público presente. Quanto mais elas se desligam de sua presença física, integrando também, por exemplo, a presença virtual dos leitores situados em lugares distantes, de ouvintes ou espectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais clara se torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para a generalização da esfera pública.
32
Destarte, com o propósito de analisar as alterações de entendimento
sobre pertencimento e atitude na esfera pública, provenientes dos novos
modelos de pensamento da Sociedade da Informação, deve-se lançar o olhar
sobre os aspectos dos espaços privados.
Podemos conceber que a esfera privada da vida em sociedade se dá
naqueles espaços onde o indivíduo exerce suas atividades com a pretensão de
estar a salvo do conhecimento de outros indivíduos. Por conseguinte, os
espaços privados estariam intimamente ligados aos princípios de privacidade,
intimidade e sigilo. O contraponto de arremate desse raciocínio é trazido por
Arendt (2007, p. 61), quando conclui que a “esfera pública só tolera o que é tido
como relevante, digno de ser visto ou ouvido, de sorte que o irrelevante ao
conhecimento público torna-se automaticamente assunto privado”.
Em que pese a dicotomia entre espaços públicos e privados admitida, a
priori, sob o aspecto físico e espacial (espaços físicos), importa ressaltar que a
concepção de um ambiente como espaço privado ou público requer a análise
do período histórico e da complexidade cultural de uma comunidade, isso
porque quanto maior o cunho individualista do pensamento cultural, maior a
quantidade de espaços privados, ao passo que o pensamento no qual o fator
coletivo se sobrepõe ao individual determina uma maior quantidade de espaços
públicos.
32
Ibdem, p. 15.
48
Nesse sentido, cabe considerar o fenômeno do advento da tecnologia na
sociedade atual, que suplanta a antiga concepção de unidade familiar e a
oposição extremista entre o público e o privado da polis, visto que a vida
privada na Sociedade da Informação se define na medida do direito à
intimidade, enquanto temas outrora contidos e restritos à reserva do lar são
massivamente trazidos à esfera pública, e esta passa a determinar
comportamentos de tal maneira que se pode considerar a socialização
representada com a publicização do privado. Na mesma linha, expõe Arendt:
Um fator decisivo é que a sociedade, em todos os seus níveis, exclui a possibilidade de ação, que outrora era excluída do lar doméstico. Ao invés de ação, a sociedade espera de cada um dos seus membros certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas elas tendentes a “normalizar” os seus membros, a fazê-los comportarem-se, a excluir a ação espontânea ou a façanha extraordinária. (ARENDT, 2007 p. 39)
Sem dúvida nenhuma, principalmente no âmbito das relações humanas,
a possibilidade de interconexão trazida pelos avanços tecnológicos que
configuram a Sociedade da Informação veio a beneficiar as relações entre
distância e tempo no sentido de que, antigamente as comunicações se davam
por carta ou telefone, mas, no primeiro caso, sujeito ao tempo que levaria para
a informação (de imagem ou escrita) chegar ao destinatário, enquanto no
segundo caso, mesmo que o tempo não fosse um fator ainda imperfeito,
apenas a comunicação oral era possível.
Na via positiva do cenário atual, além de a informação ser completa
(oral, imagética e escrita), é possível que seja enviada em tempo real. Para
Paesani (2014, p. 10), esse é justamente o motivo pelo qual o processo de
alteração comunicacional instaurou-se com tanta força na vida moderna, in
verbis: “a Internet é vista como um meio de comunicação que interliga dezenas
de milhões de computadores no mundo inteiro e permite o acesso a uma
quantidade de informações praticamente inesgotáveis”. E é precisamente esse
o motivo pelo qual esse novo modelo de sociedade conceitua e lida com as
questões de espaço e tempo de maneira diferenciada de outrora.
No entanto, na via negativa desse avanço tecnológico e do processo de
democratização da informação, muitas são as questões inéditas ligadas à
49
realidade informática, dentre as quais se debate a tutela e a disciplina da
privacidade, ou seja, tais assuntos despontam como consequências diretas e
indiretas, positivas e negativas que podem ser observadas no espaço online e
por causa dele.
Sob o aspecto das mudanças trazidas pelo advento das novas
tecnologias, Fortuna (2012, p.137) levanta a hipótese compartilhada por Vidal,
de que atualmente existe uma “implosão do espaço privado”, e nesse sentido,
a arena familiar compartilhada, o espaço da casa está a ser estilhaçado. Como uma câmara de ressonância, está a acomodar no seu seio os mesmos sinais de agressividade, dissonância e fractura social e intergeracional que germinam no quotidiano público da cidade. O relevo da minha hipótese sobre a relação da privacidade do lar com o espaço público é, deste modo, o conselho para que olhemos para a cidade a partir da porosidade das fronteiras entre os domínios público e privado. Não podemos continuar a aceitar quaisquer definições nominalistas dos espaços, senão de forma operativa, porquanto eles se influenciam e contaminam reciprocamente a cada instante. Mas o desafio para os nossos esquemas mentais e operativos, para nada dizer da nossa própria estabilidade emocional, decorrente desta porosidade das fronteiras não é de todo um desafio menor.
Haja vista as considerações sociológicas acerca da qualificação dos
espaços públicos e privados, interessa ao presente trabalho verificar a questão
conceitual aqui discutida pela ótica institucional e jurídica e sobre essa questão,
Marcel Leonardi (2011, p. 40) pondera que “é um desafio para o intérprete do
direito apresentar propostas de soluções eficientes no que diz respeito à tutela
da privacidade no âmbito da internet.”.
Logo, é imperativo que sejam analisados casos de violação da
privacidade, intimidade e vida privada com o escopo de entender
circunstâncias e encontrar formas concretas de coibir violações dessa natureza
de modo que a tutela desse direito fundamental disposto na Constituição
Federal do Brasil seja assegurada. Defronte a referida necessidade, destaca-se
a explanação de Martins (2005, p. 158):
Por sua vez, pelo critério institucional ou jurídico, são qualificados como públicos os lugares ou os problemas que relevam de uma instituição pública. Neste caso, o privado opõe-se ao público e o segredo ou a inacessibilidade constituem a condição da sua proteção. Podemos falar então do domicílio ou da empresa, que relevam de uma autoridade privada, e das ruas ou das praças, que relevam da
50
ordem pública. Dada esta incerteza, fica claro que não existe um espaço público natural e que a nossa atenção deve recair não apenas na evolução e na porosidade da fronteira entre público e privado, mas também na evolução das significações que estas noções revestem, por exemplo, nas deslocações entre uma acepção física concreta e uma acepção imaterial do espaço público.
Conforme se infere, fatores complexos devem ser considerados para
que se determine a distinção entre os conceitos de público e privado no que
tange aos espaços permeados pelo indivíduo, pois o limite entre um e outro
pode não ser simples de se analisar, mormente porque os espaços
experimentam atualmente um processo de fusão, devido à dinâmica dos
indivíduos neles inseridos e por meio deles mutuamente envolvidos.
Por essa razão é que se faz urgente dar atenção à intercessão
tecnológica, própria da Sociedade da Informação, que propicia a circulação
entre esses espaços e demanda a minimização de barreiras entre eles, e ao
passo disso, a aceitação dos espaços concebidos cada vez menos a partir da
ótica dicotômica fará muito possivelmente com que o cenário político, bem
como as demandas sociais ganhem maior destaque no momento em que se
pensar sobre a cultura, a política, e consequentemente, o Direito.
Esse raciocínio pode ser ilustrado em uma dialética, onde a antítese é a
discussão sobre o que é público e o que é privado, e no movimento fluido, pelo
qual a sociedade passa atualmente, chegará o momento da síntese,
constituída da aceitação da flexibilidade dos valores dicotômicos. Ao final, a
tese que virá à tona desse desenvolvimento será a ideia de que é na
comunidade que se encontra referência aos valores compartilhados dentro
dela, de modo que com o advento da internet e da vida virtual, diversas são
serão as comunidades nas quais se buscará referências para solução de
questões num tempo futuro.
51
4 A PRIVACIDADE EM ESPAÇOS PÚBLICOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
4.1 A VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO
As novas tecnologias e as mudanças de comportamento e valores
dentro da sociedade ocasionam a violação de diversos direitos coletivos e
individuais se não forem tomados os devidos cuidados e análises do ponto de
vista jurídico e sociológico. De acordo com o Dr. Tali Hatuka33, a “combinação
de vigilância secreta e partilha voluntária contribui para uma sensação de estar
exposto em um espaço público que normaliza as práticas de partilha de dados
pessoais, por particulares” e prossegue, afirmando que “o resultado é a
diminuída privacidade total”.
Nesse sentido, é possível entender, por exemplo, que a urgência pelo
compartilhamento de uma informação, própria do mundo virtual – onde há
sempre uma avidez pela novidade e valorização da informação – faça com que
as pessoas olhem para a possibilidade do compartilhamento de forma também
urgente e, consequentemente a reflexão sobre aquele conteúdo e as
consequências do compartilhamento daquela informação no mundo real, seja
negligenciada juntamente com a percepção do indivíduo sobre si e sobre a
própria comunidade a que pertence. E a reflexão teria a função de trazer à
reflexão alguns conceitos de ética e comportamento social.
4.2 O DIREITO À INVISIBILIDADE NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Conforme foi explicado no começo do presente trabalho, a privacidade
está contida no rol dos direitos fundamentais essenciais ao ser humano e
constitui um direito de estar a salvo de toda e qualquer interferência alheia.
33
Dr. Tali Hatuka é chefe do Laboratório de Design Contemporâneo urbano na TAU -Departamento de Geografia e Meio Ambiente Humano. Entrevista disponível em http://www.digitalmed.com.br/noticia/os-usuarios-de-smartphones-estao-redefinindo-privacidade-em-espacos-publicos/. Acesso em 18/06/2017.
52
Nesse sentido, o mero movimento do indivíduo de um espaço tido como
privado para um espaço tido como público não permite concluir que tenha
aberto mão de sua privacidade e toda a proteção natural que lhe é
característica, pois mesmo que seu espaço particular tenha sido diminuído, é
certo que não se intenta estar totalmente desprotegido da intromissão alheia. E
essa premissa abrange cada indivíduo dentro de uma coletividade, tenha ele
ou não qualquer participação pública de maior expressão dentro da sociedade.
Ainda no que tange às pessoas públicas, convém salientar que a
doutrina reconhece que se deve deixar de conferir-lhes os direitos da
privacidade frente às ofensivas alheias, conforme sustentam Mendes e Branco
(2011, p. 321-322):
Por vezes, diz-se que o homem público, i. é, aquele que se pôs sob a luz da observação do público, abre mão da sua privacidade pelo só fato do seu modo de viver. Essa impressão é incorreta. O que ocorre é que, vivendo ele do crédito público, estando constantemente envolvido em negócios que afetam a coletividade, é natural que em torno dele se avolume um verdadeiro interesse público, que não existiria com reação ao pacato cidadão comum. (...) Fatos desvinculados do papel social da figura pública não podem ser considerados de interesse público, não ensejando que a imprensa invada a privacidade do indivíduo.
Em suma, fica constatado que a doutrina admite um abrandamento em
relação à proteção da privacidade da pessoa pública, porém restringindo o
entendimento no que diz respeito a atos de relevância para o papel social que
se desempenha, isto é, atos que se mostrem importantes para o interesse
público – lembrando que os autores consideram “decerto que interesse público
não é conceito coincidente com o de interesse do público” (MENDES e
BRANCO, 2011, p. 321).
4.2.1 No Brasil
Se nem mesmo a figura pública é despida de toda sua privacidade
quando em espaços públicos, parece, então, arrazoado concluir que menos
ainda o será o homem comum – uma vez que sua existência e presença em
53
qualquer lugar não são de relevante interesse público. Todavia, ainda que a
conjectura pareça evidente, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão datada
do ano de 2004, manifestou posição em sentido diverso:
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO SEM PERMISSÃO DE FOTOGRAFIA DE PESSOA EM JORNAL. (...) até porque quem se dá o direito de dar/receber um beijo ou aproximar-se carinhosamente de alguém (seja por questões puramente de apreço às batalhas sindicalistas) na presença de seu marido, em público, na presença massiva de jornalistas, entende-se, por óbvio, que o momento é uma situação de normalidade, não devendo importar-se com as interpretações advindas de terceiros. Até porque, mesmo que não houvesse legenda na foto, ela fala por si só. Não se olvida que, em regra, por ser o direito à imagem personalíssimo, a publicação de fotografia deve ser precedida pela autorização da pessoa fotografada e exposta. Todavia, conforme ponderações jurisprudenciais, tal regra comporta relativização, como na hipótese de a imagem ser captada em ambiente público; quando se tratar de pessoa notória; ou quando a publicação for de relevante interesse jornalístico, sendo relacionado a interesse público. Nesse norte, destaca-se da jurisprudência desta Corte: Em regra geral, a utilização da imagem deve ser precedida de autorização. Contudo, a jurisprudência tem relativizado essa necessidade quando a matéria é revestida de relevante interesse público, por conseguinte imbuída de interesse.
34[grifo nosso]
DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO. Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso especial não conhecido
35.
A despeito das alegações destacadas para fundamentar o voto no
processo supratranscrito, deduzir que exista uma espécie de cláusula tácita de
consentimento à exposição e apropriação da imagem pessoal em razão de o
indivíduo estar meramente presente em certo espaço público é, no mínimo,
delicado e perigoso.
Ademais, posto que a privacidade pretenda a proteção de direitos de
personalidades tão significativos como o da honra e da imagem – indisponíveis
34
BRASIL. TJ-SC Terceira Câmara de Direito Cível. Apelação Cível n. 2013.009954-0 (020110156129), Apelante: Cleonir Precila Antonin. Apelada: Empresa Folha da Manhã S.A. de Rel. Juiz Saul Steil. j. 20.02.2013. Criciúma. DJ 15.05.2013. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acesso em 02.06.2017 35
BRASIL. STJ – 4ª Turma - REsp 595.600/SC (2003/0177033-2). Apelante: Maria Aparecida de Almeida Padilha Apelado: Zero Hora Editora Jornalística S/A. Rel. Min. Cesar Asfor Rocha. DJ 13/09/2004 p. 259. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acesso em: 05/06/2017.
54
que são (art. 11, Código Civil, 2012) –, é incongruente julgar que determinado
indivíduo, ao apresentar-se em um espaço público, implicitamente admita a
possibilidade de toda e qualquer sorte de intromissão alheia.
Atualmente o tema inspira maior cuidado, visto que as tecnologias de
comunicação são cada dia mais velozes, acessíveis e comuns no cotidiano. O
hábito do uso de telefones celulares, tablets e outros aparelhos afins atrelados
às redes de comunicação de alta velocidade, cuja transmissão se dá em tempo
real, gera um ambiente no qual as pessoas são, concomitantemente vigilantes
e vigiadas. Sobre essa realidade Martins (2005, p. 158) demonstra que:
Esta questão da fronteira entre espaço público e espaço privado abre caminho à reflexão sobre a mediação técnica, sobre o modo como as novas tecnologias da informação, que incluem os media, participam da redefinição da fronteira entre público e privado, ao misturarem em permanência lugares e atividades públicas e privadas. O exemplo-tipo desta realidade é a publicitação da intimidade nos media audiovisuais e na Internet, assim como, de um modo geral, a comunicação electrónica.
Sobre a questão da privacidade dentro da realidade da Sociedade da
Informação, Silva (2012, p. 209 – 210) declara:
O intenso desenvolvimento de complexa rede de fichários eletrônicos, especialmente sobre dados pessoais, constitui poderosa ameaça à privacidade das pessoas. O amplo sistema de informações computadorizadas gera um processo de esquadrinhamento das pessoas, que ficam com sua individualidade inteiramente devassada. O perigo é tão maior quanto mais a utilização da informática facilita a interconexão de fichários com a possibilidade de formar grandes bancos de dados que desvendem a vida dos indivíduos, sem sua autorização e até sem seu conhecimento.
O cerne da questão está no fato de que quando se fala em Sociedade
da Informação, pode-se verificar facilmente que a grande maioria das pessoas
porta aparelhos com capacidade de registrar a presença de outrem e, dessa
forma, é simples captar uma imagem sobre aquele ambiente ou alguma pessoa
em específico, e reproduzir o conteúdo em tempo real automaticamente, ao
toque de um dispositivo – e para um contingente indeterminado de pessoas,
sem qualquer autorização prévia de tal divulgação. Nesse contexto, a imagem
do indivíduo foge ao seu próprio controle na medida em que não há como
saber onde exatamente dentro da rede um possível registro sobre si será
veiculado.
55
Em um caso hipotético, a prática de um ato completamente comum,
como tomar sol na praia, pode ser registrada por outra pessoa com poucos
comandos em um dispositivo tecnológico (celular, smartphone, tablet) sem que
o registro tenha sido notado e, no instante seguinte, este registro pode ser
disponibilizado em alguma rede social para ser acessado livremente por
inúmeras outras pessoas. Casos como este configuram clara afronta ao direito
de privacidade, cuja proteção em espaços públicos pode ser entendida como
proteção de um direito à invisibilidade, ou seja, direito de não ser notado e,
consequentemente, de não ter nenhum registro de si feito por outro. Nesse
sentido, somente o consentimento expresso, inadmitindo-se consentimento
tácito pela simples exposição, pode afastar a afronta à privacidade nos
espaços públicos.
Em conformidade com o raciocínio demonstrado acima, o STJ - Superior
Tribunal de Justiça – se posicionou e julgou, em 2011 nos seguintes termos:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM EM SÍTIO ELETRÔNICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PARA EMPRESA ESPANHOLA. CONTRATO COM CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO NO EXTERIOR. 1. A evolução dos sistemas relacionados à informática proporciona a internacionalização das relações humanas, relativiza as distâncias geográficas e enseja múltiplas e instantâneas interações entre indivíduos. 2. Entretanto, a intangibilidade e mobilidade das informações armazenadas e transmitidas na rede mundial de computadores, a fugacidade e instantaneidade com que as conexões são estabelecidas e encerradas, a possibilidade de não exposição física do usuário, o alcance global da rede, constituem-se em algumas peculiaridades inerentes a esta nova tecnologia, abrindo ensejo à prática de possíveis condutas indevidas. 3. O caso em julgamento traz à baila a controvertida situação do impacto da internet sobre o direito e as relações jurídico-sociais, em um ambiente até o momento desprovido de regulamentação estatal. A origem da internet, além de seu posterior desenvolvimento, ocorre em um ambiente com características de auto regulação, pois os padrões e as regras do sistema não emanam, necessariamente, de órgãos estatais, mas de entidades e usuários que assumem o desafio de expandir a rede globalmente. (...) 10. Com o desenvolvimento da tecnologia, passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o consentimento do interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade, direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o direito à imagem. (...).
36 [grifo nosso]
36
BRASIL. STJ – 4ª Turma - REsp 1168547/RJ (2007/0252908-3), Recorrente: WORLD COMPANY DANCE SHOW LTDA. Recorrida: Patrícia Chélida de Lima Santos. Rel. Min. Luis
56
4.2.2 Caso Daniela Cicarelli
Quando se fala de direito à privacidade em locais públicos, certamente
vale recordar daquele que talvez tenha sido o primeiro caso de maior impacto
na discussão, qual seja o da modelo e atriz brasileira Daniella Cicarelli que, em
2006 teve registrado e compartilhado um vídeo seu com o então namorado
praticando atos de cunho sexual em determinada praia da Espanha. O vídeo
captado foi divulgado na Internet e se propagou com a reconhecida velocidade
que somente este meio de comunicação possibilita. O vídeo rapidamente caiu
no conhecimento público e as cenas viraram notícia na mídia. Daniela Cicarelli
acabou indo à lide em face do provedor de serviços Youtube subsidiário pelo
Google, e contra diversos outros provedores para que o vídeo saísse de
circulação e tivesse sua exibição proibida.
A modelo conseguiu o êxito com a decisão proferida no recurso de
Agravo de Instrumento nº 472.738-4, apreciado pela 4ª Câmara de Direito
Privado do Estado de São Paulo, sob a relatoria do Desembargador Ênio
Santarelli Zuliani e o provedor Youtube ficou bloqueado no Brasil por alguns
dias em 2007.
O debate do caso teve foco na análise sobre a sustentação do
argumento do direito à privacidade uma vez que os atos praticados pelo casal
tinham cunho erótico, mesmo tendo sido praticados em espaço público. Nesse
âmbito, prevaleceu a seguinte tese:
AÇÃO INIBITÓRIA FUNDADA EM VIOLAÇÃO DO DIREITO À IMAGEM, PRIVACIDADE E INTIMIDADE DE PESSOAS FOTOGRAFADAS E FILMADAS EM POSIÇÕES AMOROSAS EM AREIA E MAR ESPANHÓIS – Esfera íntima que goza de proteção absoluta, ainda que um dos personagens tenha alguma notoriedade, por não se tolerar invasão de intimidades [cenas de sexo] de artista ou apresentadora de tv – Inexistência de interesse público para se manter a ofensa aos direitos individuais fundamentais [artigos 1º, III e 5º, V e X, da CF] - Manutenção da tutela antecipada expedida no agravo de instrumento nº 472.738-4 e confirmada no julgamento do agravo de instrumento nº 488.184-4/3 - Provimento para fazer cessar a divulgação dos filmes e fotografias em websites, por não ter ocorrido consentimento para a publicação (...). [grifo do autor]
BRASIL. TSJ/SP. Rel. Felipe. Salomão j. 11.05.2010 - DJ 07/02/2011. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais Acesso em: 07.06.2017.
57
(...) Não soa razoável supor que a divulgação cumpre funções de cidadania; ao contrário, satisfaz a curiosidade mórbida, fontes para mexericos e ‘desejo de conhecer o que é dos outros, sem conteúdo ou serventia socialmente justificáveis’(...). Não há motivo público que justifique a continuidade do acesso. (...) Tendo em vista que o vídeo não contém matéria de interesse social ou público, há uma forte tendência de ser, no final, capitulada como grave a culpa daqueles que publicaram, sem consentimento dos retratados e filmados, as cenas íntimas e que são reservadas como patrimônio privado. Portanto e porque as pessoas envolvidas são conhecidas, a exploração da imagem poderá ter um sentido e uma conotação mercantilista, o que justifica mensurar a astreinte na mesma proporção das vantagens que as requeridas pretendem auferir com a divulgação, sob pena de se tornar inócua a providência judicial.
37
A justificativa ressalta que a divulgação da imagem “quando necessária
a fins judiciais ou que interessem à ordem pública”, seria uma das exceções
para a dispensa da anuência, pelo detentor de tal direito personalíssimo, para a
divulgação de sua imagem (DUARTE, 2010, p. 41). Além disso, o argumento
trouxe as premissas estabelecidas por Mendes e Branco (2011, p. 320-321) no
que diz respeito a situações nas quais indivíduos com certa notoriedade no
meio social se expõem em espaços públicos, em clara conexão com a
significância da divulgação para o interesse público:
Verifica-se a tendência de tomar como justificável a intrusão sobre a vida privada de alguém quando houver relevância pública na notícia que expõe o indivíduo. (...) O conceito de notícias de relevância pública enfeixa as notícias relevantes para decisões importantes do indivíduo na sociedade. Em princípio, notícias necessárias para proteger a saúde ou a segurança pública, ou para prevenir que o público seja iludido por mensagens ou ações de indivíduos que postulam a confiança da sociedade têm, prima facie, peso apto para superar a garantia da privacidade.
É bem verdade que o caso da atriz e modelo em questão possui dois
elementos que o fizeram singular.
Primeiramente, em se tratando de pessoa famosa, subentende-se que
exista menor “pretensão de retraimento da mídia” (MENDES e BRANCO, 2011,
p. 413). Além disso, as cenas registradas em local público tinham cunho
erótico, e assim, a reprovação da conduta trouxe a ideia de que, ante a prática
consciente de ato impróprio, estariam os indivíduos envolvidos impedidos de se
revoltar diante da divulgação e exposição do registro. Nesse esteio está o
37
BRASIL. TJSP. 4ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento 472.738-4 – Rel. Des Ênio Santarelli Zuliani – j. 28.09.2006. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acesso em: 18.02.2017).
58
argumento do Desembargador Maia da Cunha, cujo voto divergente foi
vencido. In verbis:
Pessoas públicas, cuja popularidade atrai normalmente turistas e profissionais da imprensa em geral, particularmente os conhecidíssimos “paparazzi” da Europa, não podem se dar ao desfrute de aparecer em lugares públicos expondo abertamente suas sensualidades sem ter a consciência plena de que estão sendo olhados, gravados e fotografados, até porque ninguém ignora, como não ignoravam os autores, que hoje qualquer celular grava um filme de vários minutos com razoável qualidade. (...) Quem age assim em local absolutamente público, sendo pessoa pública, não pode reclamar da exposição que a mídia em geral dá pela natural curiosidade do ser humano em relação aos artistas e modelos famosos. Exposição que não passa daquela exposta pelos protagonistas, que, embalados pelo sucesso e pela paixão do momento e do lugar, não se preocuparam com a própria privacidade e intimidade. A veiculação do filme verdadeiro nada mais é do que a realidade no limite que os próprios autores explicitamente consideraram razoável quanto às suas privacidades e intimidades.
38
No caso relatado, é uma pessoa pública que reivindica o direito à
privacidade, o que dá ao tema do direito certa singularidade. Nesse sentido,
considerando que o caso em questão traz claramente à tona a capacidade que
a Sociedade da Informação tem de criar inediticidades para o Direito, e que,
nesse caso, a circunstância que apresentou novidade foi a promoção de uma
ação judicial ter ocorrido em país diferente de onde ocorreu o ato danoso
devido ao alcance das informações em rede, não se pode deixar de pensar
como a situação se resolveria na seara jurídica local, ou seja, como a Corte
espanhola avaliaria a questão.
Para essa rápida análise de Direito Comparado, evidencia-se o caso da
atriz Penélope Cruz, também figura pública, que foi fotografada junto com o seu
parceiro lendo na varanda de um lugar privado por um periódico e teve suas
imagens divulgadas. Na decisão, o Supremo Tribunal da Espanha reafirmou a
sua jurisprudência de que mesmo pessoas públicas têm direito à privacidade e,
segundo os juízes, se a figura conhecida está em um espaço particular ou em
38
BRASIL. TJSP – 4ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento 472.738-4 – Rel. Des Ênio Santarelli Zuliani – j. 28.09.2006. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acesso em: 19.05.2017.
59
um ambiente público mais reservado, jornalistas não têm o direito de registrar o
momento e compartilhar sem a devida autorização39.
Entretanto, se faz necessário e importante discutir jurídica e
sociologicamente os casos envolvendo a privacidade do cidadão médio, que
vive sem ter em si a atenção do resto da sociedade e, que consequentemente
não desperta curiosidade alheia para si.
4.2.3 Casos anônimos
Importa trazer a lume episódios cujas pessoas envolvidas eram cidadãos
comuns e os meios de captação da presença eram próprios da Sociedade da
Informação. Aduz com o raciocínio Venosa (2011, p. 32), quando diz que “a
tutela da intimidade torna-se cada vez mais preocupação de todos e não afeta
unicamente pessoas que se destacam na sociedade”. Ou seja, atualmente, em
função das novas redes “na qual os processos de comunicação ou informação
ganham crescente terreno como consequência das conquistas tecnológicas
que informam a cultura cibernética” (PAESANI, 2014, p. 16), qualquer
indivíduo, seja pessoa notória na sociedade ou não, está vulnerável aos riscos
de violação desses direitos.
Em março de 2009 na cidade de Londres, a imagem de determinado
logradouro incluía a imagem um homem com carro estacionado em frente a
uma loja Sex Shop registrada pelo serviço Google Street View40 e foi
disponibilizada para fins de consulta de locais. Sua mulher surpreendeu-se ao
ver pela Internet a imagem, por acreditar que o cônjuge estava em outa cidade.
Segundo relata a notícia publicada no Jornal The Sun41, o fato culminou no
pedido de divórcio.
39
PINHEIRO. Aline. Corte da Espanha reafirma que pessoa pública também tem direito à privacidade. Revista Consultor Jurídico, publicada em 7 de outubro de 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-out-07/corte-espanha-julga-pessoa-publica-direito-privacidade> Acesso em: 17/06/2017. 40
O Google Street View é um serviço de mapeamento on-line que permite explorar lugares no mundo todo por meio de imagens em 360 graus no nível da rua, mediante acesso público via internet. 41
Notícia disponível em <http://www.castrodigital.com.br/2009/04/google-faz-mulher-pedir-divorcio-marido.html#axzz4ljfjYvWg>. Acesso em 16.06.2017
60
Um segundo episódio parecido ocorreu na Russia, quando uma mulher,
ao buscar informações sobre determinada rua de sua cidade em serviço
parecido com o Goggle Street View (chamado Yandex), viu a imagem de seu
namorado andando na rua com outra mulher. A situação também ocasionou o
fim do relacionamento42.
No Brasil também houve incidentes envolvendo a empresa e a ofensa à
privacidade. Em 2015 a um homem teve sua imagem registrada pelo Google
Street View sem o efeito borrado – recurso digital adotado pela empresa após
inúmeros problemas com direito de imagem de pessoas que tiveram registros
seus feitos pelas câmeras da empresa. Na ocasião, o fato de a foto não estar
"borrada" digitalmente tornava possível o reconhecimento da identidade do
autor da ação. No entendimento do colegiado da 1ª Câmara de Direito Privado
do TJ/SP, "é certo terem sido violados o direito de imagem, a privacidade e a
intimidade do indivíduo". Em outro Trecho do Acórdão, fica esclarecida a ofensa
ao direito de imagem do autor:
RESPONSABILIDADE CIVIL - Dano moral – Provedor de internet - Identificação do autor em imagem gravada pela ré para utilização no serviço de localização "Google Street View" - Violação ao direito de imagem, à intimidade e à privacidade - Ferramenta de distorção da imagem que não funcionou - Falha do serviço verificada - Dano moral - Ocorrência - Multa diária devida – Ré que descumpriu a ordem judicial de descaracterização ou remoção da imagem do autor de forma reiterada - Existência, ademais, de mecanismos para cumprimento da determinação judicial, sem a necessidade de fornecimento da URL da imagem pelo autor – Redução do valor da multa indevida - Sentença mantida - Art. 252, do RITJSP/2009 - Recurso desprovido. Assim, tendo a imagem do autor permanecido gravada, com possibilidade de sua identificação (sem utilização de qualquer ferramenta de "borra"), em frente à sua residência, por longo período de tempo, é certo terem sido violados o direito de imagem, a privacidade e a intimidade. Restou, pois, evidente o dano moral por ele suportado.
43[grifo nosso].
A empresa foi condenada a pagar R$ 7,2 mil por danos morais, além de
multa no valor de R$ 30 mil mesmo tendo apelado, afirmando que o
fotografado não teve nenhum prejuízo com o ocorrido. O desembargador Luiz
42
Notícia disponível em <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/02/russa-descobre-traicao-de-noivo-por-imagem-no-google-street-view.html>. Acesso em 15.06.2017 43
BRASIL. TJSP – 1ª Câmara de Direito Privado – Apelação 00169184120128260590/SP 0016918-41.2012.8.26.0590 Apelante: Google Brasil Internet Ltda. Apelado: Valter Kacprzak – Rel. Des Luiz Antonio De Godoy – j. 30.06.2015. Lex. Jurisprudência do STJ e tribunais regionais. Acessado em: 15/06/2017.
61
Antonio de Godoy negou o recurso e manteve a sentença pela violação do
direito de imagem, privacidade e intimidade do acusador, corroborando com o
entendimento de que pessoas comuns, em espaços públicos, mesmo assim
não podem ter sua imagem captada e divulgada de maneira individualizada e
descontextualizada do cenário. A discussão é muito frequente em casos
envolvendo a liberdade dos meios de mídia, por exemplo, salientando Pedro
Frederico Caldas que a imagem divulgada da pessoa em lugares públicos deve
ser uma paisagem de fundo.44
Nos casos demonstrados, as pessoas cuja privacidade foi ofendida não
possuíam qualquer tipo de reconhecimento social notório. Apenas tiveram
igualmente registradas suas presenças em espaços públicos por refinados
mecanismos eletrônicos e reproduzidas na internet. Da mesma maneira como
no caso da modelo Daniela Cicarelli – essa, sim, pessoa notória na sociedade
–, existe um ponto em comum: a propagação na rede mundial de
computadores (Internet) das imagens captadas em espaços públicos, com os
efeitos danosos às pessoas.
O cerne da questão passa a ser, então, se no espaço público o indivíduo
pode objetar-se ao registro de sua presença, a conservação desta sua
representação e, num momento futuro, sua exposição ao público desse registro
captado, que no tempo da Sociedade da Informação dá-se com a
disponibilização na Internet. Nesse sentido, imperioso é discutir sobre a
possibilidade da reivindicação a um direito à “invisibilidade” nos espaços
públicos, isto é, uma prerrogativa de não ser notado, de ter sua presença e
passagem limitadas ao tempo em que ocorreram, sem que aquele ato seja
capturado e armazenado, menos ainda mostrado nos meios eletrônicos e
midiáticos.45
Sobre a questão, Diniz (2002, p. 101) afirma que a restrição à tutela da
privacidade em espaços públicos pode ser legítima quando a pessoa não é
44
Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral, Saraiva, 1997, p. 103 45
Esse questionamento tangencia também o direito ao esquecimento que é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.
62
destacada com ênfase, na medida em que o objetivo da captura é a divulgação
de algum cenário no qual a presença do indivíduo seja um simples elemento
acidental, secundário e, desse modo, desimportante. Ou seja, a pessoa não é o
foco daquela representação. Compartilham do pensamento Mendes e Branco
(2011, p. 412), para quem:
Em princípio, se alguém se encontrar num lugar público está sujeito a ser visto e a aparecer em alguma foto ou filmagem do mesmo lugar. Haveria, aí, um consentimento tácito na exposição. A pessoa não poderá objetar a aparecer, sem proeminência, numa reportagem, se se encontra em lugar aberto ao público e é retratada como parte da cena como um todo.
Entretanto, os mecanismos tecnológicos hodiernos possibilitam que a
imagem pessoal seja apresada para a posteridade, destruindo o direito ao
esquecimento, posto que a divulgação por meio da rede ignora barreiras
espaciais e temporais, além de a velocidade do fluxo das informações e da
intercomunicação de equipamentos e dispositivos permitir a quem quer que
seja armazenar e replicar cópia da representação captada da pessoa, o que
indubitavelmente é um contexto muito diferente do contexto de outrora, onde a
divulgação e compartilhamento se davam através de jornais, revistas e
televisão.
Assim, a teoria de consentimento tácito na exposição em espaços
públicos deve ser ponderada, posto que é preciso relembrar que estão sendo
encarados os direitos de personalidade, cuja proteção à exposição injusta
sobrevém exatamente da tutela da privacidade, porque, conforme Farias (2000,
p. 152-153) aponta, “se o seu titular pode exercer atos de disposição sobre o
direito à própria imagem livremente, não pode privar-se totalmente do mesmo,
em razão de ser esse um direito da personalidade (e, portanto, inalienável,
irrenunciável, inexpropriável, intransmissível e imprescritível)”.
Em que pese a proteção do direito coletivo cominado com a proteção do
direito privado, os casos concretos aqui analisados ressaltam a necessidade de
que seja prestigiado o direito à privacidade. Todavia, no caso da modelo
Daniela Cicarelli com seu namorado, devido à captação da imagem ter tido o
casal como foco, é legítima a oposição tanto à captação e registro da imagem
63
quanto à divulgação e exposição posterior. Nos outros casos, por ser parte do
cenário, mas somente como elemento ocasional, pretende-se pela inviabilidade
da objeção à captura, conquanto legítimo o combate à exposição, divulgação e
o armazenamento da representação pessoal para a posteridade, pois que o
direito de não ser notado é refletido na garantia de não se ter a aparição levada
livremente a conhecimento alheio, sobremodo no universo infindável e
incontrolável da rede mundial de computadores e afins.
Depreende-se que na Sociedade da Informação o direito à privacidade
recebe nova roupagem, descrita por Doneda (2000, p. 120) como “uma
transformação na definição do direito à privacidade, do ‘direito de ser deixado
em paz’ para o ‘direito a controlar o uso que outros fazem das informações que
me digam respeito’”. Exsurge clara e insofismável que nos espaços públicos da
Sociedade da Informação precisa ser protegido o direito do indivíduo ir e vir
sem que lhe seja registrado de forma permanente o seu momento de presença
em determinado local, seja ele, ou não, famoso, de forma que sua passagem
em qualquer ambiente seja de fato efêmera.
Ainda no que tange à dimensão de valor dada ao princípio de
privacidade no ordenamento jurídico brasileiro, Ricardo Maurício Soares
explica que o princípio ético-jurídico da dignidade da pessoa humana
compreende “o reconhecimento e tutela de um espaço de integridade físico-
moral a ser assegurada a todas as pessoas por sua existência ontológica no
mundo” e, nesse raciocínio, essa garantia vale tanto para a manutenção das
condições materiais de subsistência, quanto para a preservação dos valores
espirituais de um indivíduo que sente, pensa e interage com o universo
circundante. (SOARES, 2010, p. 128).
4.2.4 O princípio da fraternidade e a liberdade
A violação da privacidade, como uma das espécies de vulnerabilidade
oriundas da Sociedade da Informação, ocorre a partir da relação estabelecida
entre as pessoas, tocando, consequentemente, na questão da reciprocidade, o
que dialoga diretamente com o princípio da fraternidade. Nesse sentido, é
possível traçar um paralelismo entre a fraternidade e a dignidade da pessoa
64
humana como disposição para o caráter intersubjetivo dos direitos
fundamentais. O indivíduo, em suas escolhas, deve considerar não só a sua
própria vontade, mas também o bem comum, porque um dano causado à
comunidade danifica o tecido de solidariedade que o toca e, conforme explica
Pizzolato (2008, p. 120), o exercício de uma liberdade não comunitária é uma
liberdade suicida, pois destrói o mecanismo reprodutivo humano.
Além disso, no âmbito da vulnerabilidade dentro da Sociedade de
Informação, é necessário que se leve em conta o princípio da fraternidade, pois
que todo conteúdo produzido deve considerar um padrão ético. Ou seja, os
critérios éticos devem pautar a trajetória do que é informacional-tecnológico,
onde o começo é o momento em que a informação é produzida, o meio sendo
o tratamento dado à informação e o fim, sua gestão e divulgação. Abrir mão
desse processo faz com que haja uma falsa sensação de liberdade.
O indivíduo livre será impulsionado por uma lei moral que, ao fim, se
identificará como a própria liberdade do ser racional. Este será o primeiro de
muitos passos que possuem como finalidade a realização de uma vontade boa
(Sidnei Pagotto-Euzebio, 2016, p. 2), tal como se propõe Kant (1973, p. 205):
Portanto, se a razão não é apta bastante para guiar com segurança à vontade no que respeita aos seus objetos e à satisfação de todas as nossas necessidades (que ela mesma a razão em parte multiplica), visto que um instinto natural inato levaria com muita maior certeza a este fim, e se, no entanto, a razão nos foi dada como faculdade prática, isto é, como faculdade que deve exercer influência sobre a vontade, então o seu verdadeiro destino deverá ser produzir uma vontade, não só boa quiçá como meio para outra intenção, mas uma vontade boa em si mesma, para o que a razão é absolutamente necessária, uma vez que a natureza de resto agiu em tudo com acerto na repartição de suas faculdades e talentos. Essa vontade não será na verdade o único bem nem o total, mas terá de ser, contudo o bem supremo e a condição de tudo o mais, mesmo de toda aspiração de felicidade.
No tocante à liberdade, o pensamento de Kant considera que ela só será
viável a partir da possibilidade de o ser humano ser o real detentor de suas
decisões, e, assim, quando alguém não detém controle sobre as informações
que pré-constituem sua base intelectual, não pode ser considerado como um
indivíduo livre. Esse raciocínio ilustra exatamente o que acontece na sociedade
da informação e, nesse sentido, somente por meio da adoção de pensamentos
65
ligados a fraternidade, ética, solidariedade e boa-fé o status social poderá
sofrer qualquer tipo de alteração.
Esclarecidos os pontos sobre o direito fraterno, fica clara a sua relação
com o princípio da dignidade da pessoa humana. O referido princípio deve ser
assegurado independentemente de alguma situação na qual o indivíduo não
aja dignamente com os outros ou esteja deliberadamente se colocando em
circunstância indigna.
É forçoso perceber que onde não existir respeito pela vida bem como
pela integridade física e moral do ser humano, ou seja, onde não houver o
respeito a garantias mínimas de existência digna, onde não houver limitação de
poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos
fundamentais não forem respeitados, inexistirá lugar para a dignidade da
pessoa humana (SARLET, 2009, p. 65-66).
As discussões entre justiça, direito e lei têm ganhado força, pois estes
elementos determinam os valores justos, éticos, civis e o ordenamento jurídico
aponta para as constituições modernas e para os parâmetros internacionais.
No Brasil, conforme foi visto, a CRFB proclama logo em seu preâmbulo
a instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício de
direitos fundamentais “como valores sociais de uma sociedade fraterna”,
proclamando inúmeros dispositivos, que dentre eles destaca-se a dignidade da
pessoa humana, a erradicação da pobreza e da marginalidade e a redução das
desigualdades sociais e regionais, bem como, a prevalência dos direitos
humanos (CURY, 2016, p. 9).
Além das constituições que reconhecem a necessidade de que seja
observado o princípio da fraternidade, este elemento é preceituado em
importantes atos e convenções internacionais com poder de vínculo perante os
Estados, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
reafirma o tríplice lema de liberdade, igualdade e fraternidade, proclamado pela
revolução francesa de 1789, ao prescrever em seu art.1º “todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão
66
e consciência e devem agir reciprocamente com espírito de fraternidade”
(CURY, 2016, loc.cit.).
Depreende-se dos ensinamentos de Cury, que a solidariedade é uma
das vertentes da fraternidade e atribui um novo sentido à distribuição de justiça,
já que, se de um lado tem como base a aplicação da lei, de outro avalia os
conflitos valorizando a vida, reconhecendo o respeito e a dignidade das partes
no processo, interpretando-a segundo o preceito básico de não fazer aos
outros aquilo que não se gostaria ver feito consigo.
Ou seja, a realidade inerente aos direitos da personalidade também se
ampara no princípio da dignidade da pessoa humana e na tutela da
personalidade, de modo que o objetivo seja garantir o desenvolvimento das
características mais essenciais do indivíduo, resguardando a sua integridade
física e psicológica para que se possa construir um sujeito que possua
autonomia para gerir a própria existência. E para proteger as esferas da
intimidade e do segredo, o legislador intentou contemplar o respeito à
dignidade humana como um valor fundamental, criando mecanismos jurídicos
para se evitar tal violação, e as ferramentas previstas no âmbito da
responsabilidade civil são exemplo disso.
Do mesmo modo, ao se concluir que a intimidade do indivíduo é também
embasada na noção de dignidade humana, a tutela da privacidade é ampliada
para o ambiente digital, onde também devem ser assegurados meios para se
proteger a parte intocável do indivíduo diante da curiosidade invasiva de
outrem e, até mesmo do próprio Estado, para que fique resguardada a sua
personalidade. A omissão estatal favorece a mitigação da privacidade e, como
consequência, a própria dignidade humana fica fragilizada.
67
5 CONCLUSÃO
A partir do conteúdo trabalhado foi possível entender que a Sociedade
da Informação, como um sistema de relações de interação entre o homem e a
tecnologia, estabelece um processo de retroalimentação no qual as tecnologias
são desenvolvidas pelo indivíduo, na intenção de seu uso, e essa utilização de
aparatos tecnológicos cria, não só o desenvolvimento de novas ideias
tecnológicas, como também o desenvolvimento de novas rotinas sociais,
pensamentos e concepções acerca do indivíduo e da coletividade dentro da
vida cotidiana. Nesse cenário – onde a informação se torna o elemento de
poder –, é que surgem novas questões tanto para a sociedade, quanto para o
mundo jurídico, e a violação da privacidade se mostrou um real problema a ser
enfrentado, mormente quando concebida nos espaços públicos.
A Internet, como é utilizada atualmente na sua forma mais comum,
representa uma amostra das inovações que virão para aumentar ainda mais a
velocidade com que as informações circulam e, nesse cenário futuro, a
constante evolução tecnológica tem indicado tendências de tornar o anonimato
uma condição ainda mais difícil do que já tem sido, seja do ponto de vista da
internet como instrumento que serve ao Estado – onde a realidade se aproxima
da ficção de Orwell46 com as instituições monitorando o cidadão, e registrando
os dados do indivíduo nos espaços públicos por meio de câmeras de vigilância,
por exemplo –, seja do ponto de vista social, onde a internet, utilizada a serviço
do lazer e do bel prazer pessoal, possibilita o registro e compartilhamento de
modo absolutamente fácil, ocasionando na viralização de registros em rede, e,
consequentemente, em uma frequência cada vez maior na quantidade de
pessoas como novas figuras públicas, sem a elas ser facultada essa ultra
exposição nos veículos informacionais de mídia.
Dentro desse panorama, os cenários são dicotômicos no que concerne
ao olhar empregado à questão central, qual seja a privacidade em locais
públicos. De um lado, percebe-se o olhar sociológico, que pretende observar o
46
No Livro 1984, de George Orwell, o Estado controla seus cidadãos por meio de câmeras e, desse modo, a privacidade dos indivíduos é totalmente invadida e vigiada, bem como suas atitudes são controladas por servidores públicos.
68
padrão cultural e compreender o dever ser a partir da exclusão do diferente,
para, então se chegar a uma realidade. Do outro lado, a abordagem a partir do
prisma exclusivamente jurídico tenta juntar ao devir todas as pequenas
nuances negligenciadas no contexto geral. Assim, o presente estudo
evidenciou ainda mais algumas distâncias ao se pensar o Direito e a
Sociedade, quando diante de um mesmo horizonte.
Desta bifurcação, o caminho que se mostra mais fulgente e completo
para continuar as análises mais aprofundadas que o tema demanda passa pela
compreensão de que este é um novo começo e ainda há muito a ser
esclarecido e debatido. Indubitavelmente, o papel da sociedade civil também é
fundamental neste processo. Importa que a difusão deste conhecimento possa
favorecer um constante debate o mais aberto possível, para abranger a parte
mais impactada dessa sistemática moderna, que é a própria sociedade. Assim,
vislumbro como ideal que haja um processo o empoderamento dos indivíduos
no que diz respeito às suas próprias identidades sociais e, consequentemente
o debate sociológico fluirá para uma consciência maior dos riscos à privacidade
identificados a partir desta nova realidade tecnológica em que vivemos.
Para que seja garantido o desenvolvimento das prerrogativas inerentes
aos direitos da personalidade, incentivando um comportamento de autonomia
no indivíduo enquanto ser apto a reivindicar seus direitos personalíssimos, é
preciso, também admitir as mudanças que já se operam na Sociedade da
Informação. A análise dos casos estudados e os conceitos jurídicos
explicitados sobre os elementos da questão central demonstram os esforços do
Direito no sentido de refletir e lidar com os novos litígios sobre o direito à
privacidade em locais públicos da maneira mais eficaz possível, porém a
realidade demanda novas reflexões a esse respeito. Portanto, há muito que ser
trabalhado.
Comecei o presente trabalho certa de que chegaria, não a um final, mas
sim a um caminho. E esse caminho, que levará à resposta sobre os limites da
privacidade em locais públicos se estende claramente na direção de que os
indivíduos, bem como toda a ordem jurídica devem prezar os valores sociais
69
capazes de harmonizar o cotidiano dos integrantes de cada uma das inúmeras
comunidades pertencentes à Sociedade da Informação, de modo que os
norteadores jurídicos sejam os valores capazes de promover a convivência
social, o bem comum, o interesse público, a segurança e a justiça.
70
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