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  • Os Nag e a Morte: um estudo das fontes - Luiz L. Marins 1

    Os Ng e a Morte: um estudo das fontes.

    Luiz L. Marins

    Segunda Edio

    03/09/2012

    INTRODUO

    O objetivo deste texto fazer um demonstrativo das fontes que foram utilizadas no livro

    Os Ng e a Morte. Mostraremos ao final, a quantidade e o percentual destas destas contribuies

    no computo geral de todo o corpo de texto.

    A etnografia religiosa afro-brasileira, sem dvida, pode ser classificada como antes e

    depois do livro Os Ng e a Morte, de Juana Elbein dos Santos, publicado em 1976 pela editora

    Vozes, RJ. O livro um resumo de sua tese para obteno do doutorado em etnologia apresentada

    na Universidade de Sorbonne, em 1972, traduzido pelo CEAO/UFBA, como consta em sua ficha

    catalogrfica.

    Claro que houveram bons trabalhos antes e depois dele, no s em lngua portuguesa,

    como em outras lnguas, mas este tornou-se um marco, evidenciando a diferena entre o

    pesquisador desde fora, que no interpreta, pois no tem o conhecimento inicitico, portanto no

    faz teologia, e o pesquisador desde dentro, que busca interpretar os smbolos religiosos. Enquanto

    o primeiro apenas registra o que v, o segundo interpreta, e na maioria das vezes, reinterpreta,

    terminando por fazer (e refazer) a teologia, influenciando a dispora, como ocorreu com o conceito

    de Bara do Corpo, que embora entre os iorub no exista como conceito de Noo de Pessoa 1,

    tornou-se fundamento nos candombls do Brasil. A condio desde dentro da autora, fruto de

    sua iniciao no candombl, nos anos 60, no Il Ax Op Afonj, Salvador.

    Na introduo do livro, a autora deixa claro e transparente o objetivo do seu trabalho, do

    qual faremos um resumo. (A fala da autora est em fonte diferenciada):

    1 Sobre Noo de Pessoa Iorub, visite: http://culturayoruba.wordpress.com

  • Os Nag e a Morte: um estudo das fontes - Luiz L. Marins 2

    [...] Propomo-nos, no presente trabalho, examinar e desenvolver algumas interpretaes sobre a concepo da morte [] nos difcil deixar de assinalar as dificuldades inerentes ao estudo, localizao e seleo do material

    africano [pois] so fundamentalmente os textos oraculares de If que esclarecem a maior parte da tradio e da liturgia

    Ng no Brasil [] o presente ensaio tem por centro a descrio e a interpretao dos elementos e dos ritos associados

    morte [e] o fato de nos estendermos mais sobre a significao de s, no deve ser interpretado como uma

    supervalorizao deste ltimo em detrimento dos rs [e foi] concebido em trs fases: a) uma srie de captulos

    preliminares sobre a origem dos Ng brasileiros [] b) uma srie de captulos sobre as entidades sobrenaturais e os

    ritos diretamente associados morte [] c) dois captulos, enfim, sobre os ritos precedentes e a concepo da morte nas

    comunidades Ng.

    [...] A convivncia, passiva como observadora no comeo, e ativa medida que se foi desenvolvendo progressivamente a rede de relaes interpessoais e minha consequente localizao no grupo, foi-me iniciando no

    conhecimento desde dentro, obrigando-me a agilizar, revisar, modificar , s vezes, rejeitar, mesmo inteiramente,

    teorias e mtodos inaplicveis ou desprovidos de eficcia, para a compreenso consciente e objetiva dos fatos. Isto nos

    leva a defrontar-nos com dois problemas: 1) como ver, e 2) como interpretar [...].

    [...] Em todo caso, o presente estudo pretende ver e elaborar - desde dentro para fora - . Nossa pesquisa est orientada de maneira a focalizar trs nveis:

    a) o nvel fatual

    b) o da reviso crtica

    c) o da interpretao

    A) O nvel fatual inclui os componentes da realidade emprica [pois] ignorar aquilo que pronunciado no

    decorrer de um rito o mesmo que amputar um de seus elementos constitutivos mais importantes, [por isso] vemos na

    coletnea e na transcrio dos textos orais uma tarefa das mais urgentes e apaixonantes [].

    B) A reviso crtica foi uma das imposies prementes que se me apresentaram no decorrer da pesquisa. Ela

    conduz reviso de alguns conceitos e descries que uma pesquisa mais apurada permite hoje contestar []. No nvel

    da reviso, impe-se a necessidade urgente de rever a traduo que eu qualificaria de criminosa, de certas palavras.

    Criminosa porque ela atenta contra a prpria estrutura e compreenso do sistema [e] torna-se desnecessrio precisar

    vasta bibliografia existente [porm] com poucas excees, sinto-me inclinada a qualificar a bibliografia afro-brasileira

    como ultrapassada [].

    C) neste nvel que se elabora a perspectiva - desde dentro para fora - , isto , a anlise da natureza e do

    significado do material fatual, recolocando os elementos num contexto dinmico, descobrindo a simbologia subjacente,

    reconstituindo a trama dos signos em funo de suas inter-relaes internas e de suas relaes com o mundo exterior.

    Alm desta distino, parece-me importante introduzir uma outra como instrumento de trabalho: a equao simblica e

    a representao simblica []. Enquanto a representao simblica uma substituio primria, a representao

    simblica constitui o criptosimbolo, isto , uma elaborao complexa, madura, cuja natureza e funo so essenciais

    para a compreenso do sistema [...].

    Como vimos, a autora esclarece com muita propriedade, que o trabalho de sua tese visa,

    nos trs nveis de estudo a que se refere, reinterpretar os elementos simblicos da religio Ng,

    que sobreviveram, deram forma e contedo s religies afro-brasileiras, partindo do desde dentro

    para fora sob uma nova viso conceitual, a partir da interao dos trs nveis de trabalho.

  • Os Nag e a Morte: um estudo das fontes - Luiz L. Marins 3

    No obstante, este trabalho de reinterpretao dos smbolos e rituais, pode ser visto como

    uma construo (ou reconstruo) teolgica, que termina por inserir ou retirar conceitos na dispora

    ritual religiosa. O caminhar da antropologia e da teologia so muito prximos, para no dizer que se

    cruzam. Sobre isso, Silva (2010, pg. 281) escreve:

    A atribuio da sacralidade dos textos religiosos comum em quase todas as religies que tem histria e doutrinas escritas. No caso das religies afro-brasileiras, a ausncia de textos doutrinrios sobre o culto faz com que as

    etnografias acabem desempenhando um papel teolgico ao construir narrativas que se tornam referncias para uma

    tradio conservada geralmente por transmisso oral []. Nas avaliaes que ns, antroplogos fazemos de nossos

    textos etnogrficos, o trfego entre as fronteiras da teologia e da antropologia visto como decorrente dos objetivos que

    cada pesquisador atribui ao seu trabalho [].

    Dos textos transcritos acima, duas frases da autora chamaram-nos particularmente a

    ateno. A primeira, so fundamentalmente os textos oraculares de If que esclarecem a maior

    parte da tradio e da liturgia Ng no Brasil, e a segunda, sinto-me inclinada a qualificar a

    bibliografia afro-brasileira como ultrapassada.

    Estas frases, curtas no tamanho, mas enormes no significado, aguaram-nos a curiosidade

    de procurar no corpo da tese as fontes utilizadas para a mitologia, pois segundo a autora, so os

    textos mitolgicos que esclarecem a tradio, e informa que a sua busca na frica foi difcil. um

    estudo sobre estas fontes que nos interessa, e que gerou este artigo, e so estas fontes que vamos ver

    agora.

    AS FONTES

    Interessou-nos apenas as fontes que contriburam para embasar os conceitos da tese, na

    esfera da mitologia. Outros autores citados mas que no forneceram nenhum material nesse sentido,

    foram excludos da nossa pesquisa. A partir deste critrio, identificamos 24 mitos que julgamos

    mais importantes, e que serviram de base.

    De fato, como anunciou a autora em sua introduo, nenhuma fonte afro-brasileira foi

    utilizada, exceto a tradio oral da prpria casa de ng que foi iniciada nos anos 60, o Il Ax Op

    Afonj, em Salvador, o que confirma a qualificao dada pela autora bibliografia afro-brasileira

    como ultrapassada. Vale lembrar que nesta poca Verger ainda no havia sido editado em

    portugus.

    A tabela abaixo apresenta a pgina do livro em que o mito aparece, o nome do mito, e a

    fonte ou o informante de onde foi colhido.2

    2 Quando o mito no trazia um ttulo prprio, inserimos um nome, para fins de catlogo.

  • Os Nag e a Morte: um estudo das fontes - Luiz L. Marins 4

    TABELA 1

    PG. MITO FONTE

    55 Separao do run-ay No informada

    59 Nascimento de rsnl David Agboola Adeniji, Iwo.

    59 Nascimento de s Yang David Agboola Adeniji, Iwo.

    61 Criao do ay No informada

    64 Acordo entre Obtl e Odduw No informada

    85 Histria de sun No informada

    87 Histria do ekodide Il se p Afnj

    107 Ik e a criao do ser humano Elbein & Santos, pg. 87, 1971

    108 A criao da roupa de Egn Verger, pg. 200, 1965

    112 Como rnml apazgua ymi Verger, pg. 178, 1965

    113 As 7 rvores de ymi Verger, pg. 196, 1965

    121 Histria dos 9 filhos de Oya No informada

    123 Historia de Oya e a sociedade Egngn Tradio oral do Il se p Afnj

    131 Conceitos do s bara do corpo Elbein & Santos, pg. 7, 1971 A

    132 Conceitos do s como dr Elbein & Santos, pg. 91, 1971 A 3

    135 Conceitos de nascimento de s Yang Elbein & Santos, pg. 31, 1971 A

    149 Histria de s'tr, a 17 pessoa de If No informada

    176 Histria de como s se tornou Asiwj No informada

    185 Ork de s In Babala Serif de Ktu

    198 Ls-ls4 sobre sjse'bo (extrato) Babala Serif de Ktu

    205 tn pnr Elbein & Santos, pg. 51, 1971 B 5

    214 Histria de Elgbaa Maupoil, pg. 75, 1943

    216 Ork de Or Abimbola, 81, 1971

    217 Histria de Or Apr No informada

    3 Informante: Babala Ifatoogun de Ilobu.

    4 Um poema; literalmente, uma relao de ese (verso).

    5 Informante: Babala Ifatoogun de Ilobu.

  • Os Nag e a Morte: um estudo das fontes - Luiz L. Marins 5

    TABELA 2

    FONTE INFORMADA QUANTIDADE UTILIZADA IMPORTANTE PARA A TESE?

    Babala Serif de Ketu 2 No

    Bernard Maupoil 1 No

    David Agboola Adeniji 2 Sim

    Elbein & Santos 5 Sim

    No informada 8 Sim

    Pierre Verger 3 Sim

    Il se p Afnj 2 No

    Wande Abimbola 1 No

    TABELA 3

    AUTOR %

    Abimbola 4,1

    David Adeniji 8,2

    Elbein & Santos 20,8

    Maupoil 4,1

    No informada 33,3

    Babala Serif 8,2

    Pierre Verger 12,5

    Tradio Oral Afonj 8,2

  • Os Nag e a Morte: um estudo das fontes - Luiz L. Marins 6

    CONSIDERAES FINAIS

    Dos 24 textos selecionados, chegamos ao entendimento que aproximadamente 50% do

    embasamento da tese, parte das reinterpretaes da prpria autora, conforme mostram as tabelas.

    Vimos que a tabela 2 mostra a quantidade de dados informados por cada fonte, e sua

    importncia, e a tabela 3 mostra o percentual relativo aos autores.

    Quase como uma concluso, fechamos este trabalho com um extrato da fala do professor

    Reginaldo Prandi, Titular da Cadeira de Sociologia da U.S.P. :

    [...] Juana dos Santos, em Os nag e a morte (1976), parte de uma base emprica

    oferecida por suas pesquisas no Brasil e na frica, e com uma reinterpretao apoiada na

    etnografia, cria, no papel, uma religio que no se pode encontrar nem no Brasil nem na frica,

    propondo para cada dimenso ritual da religio que ela reconstitui significados que procuram dar

    s partes o sentido de um todo, dando-se religio uma forma acabada que ela no tem. (Prandi,

    1997, p. 30-31) [o negrito nosso].

    BIBLIOGRAFIA

    ABIMBOLA, Wande. The Yoruba Concept of Human Personality. In: La Notion de Personne em Afrique Noire, Paris, Centre National de La Recherche Scientifique, 1971.

    ELBEIN, Juana & SANTOS, Deoscoredes. s Bara Lry, a comparative study, Ibadan, Institute of African Studies, University of Ibadan, Nigeria, 1971 A.

    ...................................................................... s Bara, principle of individual life in the ng system. In: La Notion de Personne em Afrique Noire, Paris, Centre National de La Recherche Scientifique, 1971 B.

    MAUPOIL, Bernard. La Gomancie l'ancienne Cte des Esclaves, Paris, Institut D'Ethnologie Muse de L'Homme, 1943.

    PRANDI, Jos Reginaldo. Herdeiras do Ax, So Paulo, Hucitec, 1997.

    SILVA, Vagner G. Segredos do Escrever e o Escrever dos Segrdos. In: Barretti Filho, Aulo (org.). Dos Yoruba ao Candombl Ktu, So Paulo, Edusp, 2010.

    VERGER, Pierre. Grandeur et Dcadence du Culte de ymi srng. In: Journal de la Societe des Africanistes, 35 (1), 141-243, Paris, Centre National de La Recherche Scientifique, 1965.

    CULTURA IORUB

    http://culturayoruba.wordpress.com