os milionários na horas extraordinÁrias dominam … · "temos escassez de recursos hu-manos...
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Os gastos milionários na saúde, educação e justiça
HORAS EXTRAORDINÁRIAS DOMINAMSALÁRIOS NOS HOSPITAIS
AS HORASEXTRAORDI
NÁRIASESTÃO A SER
USADASPARA
SUPRIMIRAUSÊNCIASPOR FÉRIAS
2,5Não é permitida a atribuição
de mais de 150 minutos(duas horas e meia) semanaisde componentes não letivas
aos professores
Extraordinário:
não confor-me ao ordinário ou ao
costume; que acontece ra-ras vezes; que não é obri-
gatório; excecional. É assim que odicionário da língua portuguesadefine esta palavra que tem tomado de assalto os horários dos fun-cionários públicos. As horas ex-traordinárias, aplicáveis quandoalgo inesperado acontece num
serviço, passaram a ser o novonormal, com os profissionais a fa-zerem mais do dobro de trabalho
suplementar que o permitido por
lei. Porquê? Com a falta de pessoale os entraves à contratação de
substitutos, as equipas são obriga-das a trabalhar com quem fica. E jánão sobra muita gente.
loana é enfermeira num hospitaldo Norte do País e foi obrigada a
entrar em baixa médica por exaus-tão, há um ano. "Tinha semanasem que em cinco turnos fazia duas
noites", aponta a profissional áSÁBADO, sob pseudónimo, commedo de represálias. "Tenho enxa-
quecas e tive uma crise muito
grande. Quando regressei a minha
chefe perguntou-me se tinha tido
algum problema de família, porque,nâo concebia que es:ivessem a e^gir demasiado de nós."
No serviço de Joana as horas^-traordinárias estão a ser utilizariaspara suprimir as ausências d<& co-legas em férias, um período que se
arrasta entre a Páscoa e o fim de
outubro. "O conselho de adminis-tração assumiu como norma quecada um de nós tinha de fazer pelomenos IS horas a mais por mês
sem o nosso consentimento e eusou contra. Em maio o meu horá-rio saiu com 19 horas a mais e eudisse que não ia-fazer", continua aenfermeira. $
35O Código do Trabalho
define que o período normalde trabalho dos trabalhadores
da função pública êconstituído por 35 horas
24Os médicos estão proibidospor lei de fazer turnos de 24horas. A maioria garante queos faz, mesmo que seja ilegal
150A Lei Geral do Trabalho
em Funções Públicaslimita o número de horasde trabalho suplementar
a 150 horas por ano
25Os professores do pré-escolare do I.° ciclo têm o seu horário
completo com 25 horassemanais de aulas.
Nos restantes ciclos são22 horas semanais
O setor da Sajde é aquele quemais de destila na dependênciado trabalhçfextra. Segundo a últi-ma informação disponibilizadapela Administração Central do Sis-tema de, Saúde (ACSS), de Janeiro anovemfi-o de 2018 os hospitaisgastaram 568 milhões de euroscom trabalho extraordinário e O
O suplementos, mais 2G5 milhõesdo que no mesmo período de 2017.E estes valores ainda não incluemas despesas de cinco centros hos-pitalares de grande dimensãocomo Coimbra, Amadora Sintra ouGarcia de Orta.
No entanto, e como explica à SÁ-BADO Lúcia Leite, presidente da
Associação Sindical Portuguesados Enfermeiros, cada profissionalde Saúde, enfermeiro ou médico,só pode fazer 150 horas extraordinárias por ano. Para poderem ul-trapassar este limite há muitasUnidades de Saúde que não identi-ficam estas horas a mais como tra-balho extraordinário, mas sim su-
plementar, o que vai fazer com
que em vez de serem pagas aosvalores previstos por lei são acu-muladas num banco de horas virtual, que depois não se traduz emrendimento extra ou folgas.
"Os enfermeiros são obrigados afazê-las porque as administrações|á nem sequer perguntam se que-rem íazer ou não, colocam-nas
logo nos horários mensais. Ummês. que tem de ter habitualmente140 horas, sai com 200 horas",
aponta a dirigente sindical. "É umaforma de coação, há quem tenha
capacidade para contestar essas
deliberações mas há muita genteque, com medo de ser despedida,acaba por ser coagida.
104milhões
Os hospitais
gastaram maisde 100 milhõesde euros coma contrataçãodo serviços a
empresasexternas
"SE UMMÉDICO SENEGASSE AFAZER MAISDE 150 HO-RAS ANUAISO SISTEMA
COLAPSAVA"
Turnos de 24 horasRecentemente, os sindicatos dos
médicos conseguiram, em nego-ciações com o Ministério da Saú-de, reduzir o teto máximo de ho-ras extraordinárias de 200 para150 horas anuais. No entanto, e na
prática, este mudança terá tidotantas repercussões quanto o re-gresso às 35 horas semanais. Se
em 2017, cada médico do ServiçoNacional de Saúde fez, cm media,314 horas de trabalho suplemen-tar, ou seja, mais do dobro do per-mitido por lei, os números de
2018, ainda não conhecidos, não
pintarão um cenário melhor."Se cada medico se negasse a fa-
zer mais do que 150 horas anuais,o sistema colapsava", aponta à
SÁBADO Jorge Roque da Cunha,
secretário-geral do Sindicato In-dependente dos Médicos. "E os
anos que se aproximam vão ser
gravíssimos, porque os profissio-nais que terminaram o curso nos
anos 70, e que eram cursos gigantescos. vão começar a reformar-sec não há novos formados suficien-tes para os substituir."
Toi exatamente o que aconteceunos últimos anos no Hospital Ama-dora-Sintra, especialmente na
equipa de médicos anestesistas."Trabalho no hospital desde 2015 e
desde aí já saíram 13 especialistasde um serviço que devia ter 40. E
essas pessoas não foram repostas",explica Angela Rodrigues, médicaanestesista. "Todos os anos passampor cá estagiários que se formam,mas nem esses vêm para cá. Ouvão para o estrangeiro ou vão parao privado, que paga bem melhor enão obriga a fazer horas a mais."
Segundo a médica, todos os ele-mentos da sua equipa ultrapassa-ram as 150 horas extraordináriasem abril e se este ritmo se man-tém vão acabar o ano 2019 com
GOO horas a mais. "Claro que ul-trapassamos e claro que fazemosturnos de 24 horas, tudo isto é ile
gal, mas tem de ser", continuaAngela. "Tivemos uma colega emmaio que acabou um turno de 24horas no sábado às 8h e não tinhaninguém para a render. Teve de
esperar até às llh que a diretorade serviço a pudesse render e ela
já tem 63 anos, já nem é obrigadaa fazer urgências. Mas se não fos-se assim ficavam zero anestesis-tas na urgência."
Há médicos e médicosO aumento da probabilidade de
erro é a consequência que os mé-dicos mais destacam ao serem
obrigados a fazer estes turnos tão
longos. "É devastador ao nível físi-co e mental. As vezes estou aanestesiar às 4h com um nível de
concentração muito baixo. É umstress e uma pressão", confessa amédica. "E há uma diminuição cla-ra da qualidade do serviço prestado aos utentes."
E se os médicos hospitalares têm,
ainda assim, conseguido negociarprogressões na carreira e contrata-ções com o Ministério da Saúde, os
médicos-legistas afirmam que nãotêm tido a mesma oportunidadecom a sua tutela, o Ministério da
Justiça. Estes profissionais vão es-tar cm greve durante dois dias estemês de Junho e acusam a pasta deFrancisca Van Duncm de negli-gência para com os médicos especialistas em Medicina Legal, avi-sando que a especialidade podeacabar por se extinguir em menosde 10 anos se não forem tomadas"medidas urgentes".
Segundo a Ordem dos Médicos,cerca de 70% das vagas do quadrode pessoal médico do Instituto Na-cional de Medicina Legal c CiênciasForenses (INMLCF) estão porpreencher e o número de períciaspedidas pelos tribunais é cada vezmaior. Inês, médica-leglsta do
INMLCF falou com a SÁBADO comnome fictício, relata que nem se-
quer os médicos contratados são
suficientes para dar conta do volu-me de trabalho.
"A nossa situação é diferente
porque não temos o regime de
horas extraordinárias, mas traba-lhamos horas a mais para ter otrabalho em dia. não nos pagammais por isso", aponta a medica."Temos escassez de recursos hu-manos do ponto de vista médico e
temos uma carga pericial que fazcom que tenhamos de ultrapassaras 40 horas semanais."
Para Inês, a fuga dos especialistassurge como um ciclo vicioso. "A
Medicina Legal não é a primeiraespecialidade em que as pessoas
pensam quando entram para Medicina. Depois há muitas que desis
tem durante o internato e mudam
para outra especialidade, outras
que emigram." Há ainda os que, talcomo acontece nas áreas tuteladas
pelo Ministério da Saúde, trocam oinstituto público pelas seguradoras,embora o mercado seja muito mais
pequeno que no caso dos médicose dos enfermeiros.
Em resposta às reivindicaçõesdos médicos-legistas, apoiadospelos sindicatos e pela Ordem dos
Médicos, o Governo estará dis-
posto a dar incentivos financeirosaos médicos para acelerar as pe-rícias, tal como para diminuir aslistas de espera para cirurgias nos
hospitais. No entanto, não é reco-nhecido que os médicos especia-listas estejam Já a fazer horas su-plementares sem pagamento paraque o trabalho não fique aindamais atrasado.
A equipade apoio do
Presidente da
Repúblicarecebeu meio
milhão deeuros em horasextraordinárias
em 2017
NA GUARDA,OS ENFER-
MEIROSFAZEM MAIS
TURNOSPARA TER
UM RENDI-MENTOEXTRA
Guarda, a campeã das horasAo nível nacional, e segundo os
dados da ACSS, há mais de cincounidades onde 30% das despesasanuais foram afetas ao pagamentode trabalho extraordinário em2018. Mas é a Unidade Local deSaúde da Guarda que está mais
dependente deste tipo de expe-diente: 34% da despesa com pes-soal até novembro de 2018 foi
para pagar horas extras e suple-mentos. Isto corresponde a 19,5milhões de euros.
Mas porque é que isto acontece?Para José Azevedo, presidente doSindicato dos Enfermeiros, tudo se
prende com o equilíbrio entre
público e privado. "Por um lado háfalta de profissionais, por outro há
poucos hospitais. Nas grandes ci-dades há muitos hospitais priva-dos e os enfermeiros conseguemter dois trabalhos. Na Guarda hásó um hospital e aí os próprios enfermeiros servem-se das horasextraordinárias para ter um rendi-mento extra", explica à SÁBADO osindicalista. "E quem é o culpado?São os dois."
Também Jorge Roque da Cunha,secretário geral do Sindicato Independente dos Médicos, garante quehá médicos que continuam a fazerhoras exttaordinárias porquequerem receber mais dinheiro, talcomo "mais de 50% dos profissio-nais com mais de 50 anos que con-tinuam a fazer noites".
Os pagamentos baixos na funçãopública são um dos grandes moti-vos do êxodo de enfermeiros e mé-dicos para os hospitais privados."Fora os hospitais geridos por O
Os mestres da Sof lusaA empresa tem convocado
greves par falta de funcionários
10.000Os trabalhadores da
Soflusa fecharam o ano 2018com um total de seis mil horasextraordinárias, e quatro mil
delas foram feitas por mestres
24Para que o serviçofuncione som problemas c
necessário estarem 24 mestresno quadro da empresa, masatualmerne estão apenas 16
52A média de idade dosmestres é de mais de 50 anos,estando muitos deles a tirarbaixas médicas por não conse-
guirem trabalhar. Os maquinis-tas têm em média 55 anos e os
marinheiros 44
? parcerias público-privadas queconseguem pagar o que quiseremaos médicos, os públicos estão narua da amargura. Quem é que saida faculdade e pensa, agora vou
para um serviço desfalcado, ondeme pagam mal e me vão pôr a fa-zer urgência 24 horas por dia? Nin
guém", aponta Angela Rodrigues."E com os privados em expansão,pior. Só na zona de Lisboa vãoabrir uns quantos. E está a funcio-nar a lei da oferta e da procura."
OOs professoresestão a trabalhar,em média, mais11 horas queo previsto por lei
"HA CURSOSDE DOCÊN-CIA QUE JÁNÃO TÊM
CANDIDA-TOS", DIZ
MÁRIONOGUEIRA
Turmas sem aulasOs professores são a classe quemais luta contra o trabalho extranão remunerado, mas estão a ser
obrigados a fazer horas extras paraque os alunos não fiquem sem au-las. "Não é aquela situação de quehá gente no desemprego porque há
pessoas a fazer horas a mais, é
mesmo preciso fazer horas a mais
porque não há ninguém paracontratar", diz à SÁBADO Mário
Nogueira, dirigente da FederaçãoNacional dos Professores.
Segundo o Estatuto da CarreiraDocente, os diretores escolares têmautonomia para atribuir até cincohoras extraordinárias semanais porprofessor. No entanto, a falta de
pessoal levou o Ministério da Edu-
cação a aumentar esse limite, nãose sabendo para quanto. A medidanão foi recebida com satisfaçãopelos professores, que atualmente
já fazem em média mais 11 horas
semanais que o previsto em com-ponentes não letivas.
"Os professores recusam muito o
serviço extraordinário porque têmhorários sufocantes e não andam à
procura de horas para ter mais di-nheiro", afirma o dirigente sindical.
"As escolas começaram a dar horas
aos professores para que as turmasnão ficassem sem aulas e, ao con-trário do que se possa pensar, nãoé no Interior que faltam professo-res. Ê nas grandes cidades do Sul,
Lisboa, Setúbal, Santarém."Mário Nogueira diz que, como os
professores têm de ficar mais tem-po nas escolas por causa das reu-niões, a chamada componente nãoletiva, cada profissional trabalhaentre 43 a 46 horas semanais, emvez das 35 horas. "Continuamos em
greve às componentes não letivas,mas há muita gente que cumpreestes horários e fica mais horas."
Também na educação há
pouca esperança para os próxi-mos anos. Se nos anos da troikasaíram mais de 30 mil docentesdo sistema de ensino, o Ministériodas Finanças estima que mais de12 mil professores vão atingir aidade de reforma nos próximosquatro anos, ou seja 11%. Os quecontinuam a lecionar recorremcada vez mais a baixas médicas, e
apenas 1% dos professores temmenos de 30 anos.
Das universidades, poucos são
os que estão a sair. "Há cursos
para docência que |á não têmcandidatos, isto porque com todasas irresponsabilidades que o Go-verno tem tido os jovens estão-sea afastar da nossa profissão", con-clui Mário Nogueira.
Levar trabalho para casaSão já conhecidas as longas filas de
espera nos serviços de atendimen-to da administração pública, querseja para fazer o cartão de cidadãoou o passaporte no Instituto dos
Registos c do Notariado (IRN), querseja para tratar do subsídio de de-
semprego ou da reforma, nos bal-cões da Segurança Social. Aliás, aSÁBADO comprovou na última
edição que há quem vá de noite
para o IRN para tirar senha pararenovar os documentos. E comoem todos os outros setores da ad-ministração pública a justificação é
a falta de pessoal.O caso dos trabalhadores da Se-
gurança Social é narrado à SÁBA-DO por Marco jacinto, dirigente do
Sindicato dos Trabalhadores emFunções Públicas e Sociais do Sul e
Regiões Autónomas. "Desde 2010
que houve uma grande reduçãoque afetou a Segurança Social e
que significou numa perda de2.500 trabalhadores ao nível na-cional. Só no Centro Nacional dePensões houve uma quebra de
37%", aponta o dirigente sindical.A maioria reformou-se ou en-
trou em programas de mobilida-de, mas acabaram por não sersubstituídos, o que deixou por co-brir cerca de 340 mil horasanuais. A Segurança Social aca-bou por contratar uma centena detrabalhadores temporários parapreencher esta lacuna (algo queMarco Jacinto vê como "contradi-tório"), o que não é suficiente
para fazer face às necessidades."Há departamentos que recorrem
às horas extraordinárias, os direto-res de serviço solicitam essas horas
e vêem junto dos trabalhadores
quais os que estão dispostos afazê-las", afirma o sindicalista, rei-terando que estas são pagas comohoras extraordinárias e não trans-formadas em bancos de horas vir-tuais. Ainda assim, há muitos tra-balhadores que estão a trabalharaos sábados em funções mais ad-ministrativas, uma vez que não háatendimento ao público.
"Temos também conhecimento de
que os topos das hierarquias levamtrabalho para casa ao fim do dia e
por isso não são remunerados",continua Marco. O objetivo é sem-pre o mesmo, tentar avançar com o
trabalho atrasado. A SÁBADO en-trou em contacto com o Ministérioda Saúde, com o da Educação e o
do Trabalho, bem como com o Ins-tituto Nacional de Medicina Legal e
Ciências Forenses para comentá-rios, mas não obteve qualquer res-
posta até ao fecho desta edição. O
Trabalho vs. família73% dos médicos têm
dificuldade em equilibrar
EstudoInvestigadores da
Faculdade de Medicina daUniversidade de Lisboa
questionaram 181 médicos paraperceber o impacto da carga
horária na sua vida familiar
LimitesPara mais de metade
dos inquiridos, trabalhar entre35 e 40 horas já é prejudicial
DiferençasOs inquiridos do sexo
masculino dizem trabalharmais 5,6 horas semanais
do que os do sexo feminino
820milhõesEm 2018, as
empresas não
pagaram pertode mil milhões
de euros emhoras extraordi-
nárias aosfuncionários
HÁ TRABA-LHADO-RES DA
SEGURANÇASOCIAL A IRPARA O SER-
VIÇO AOSSÁBADOS