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107 OS INTÉRPRETES DA REALIDADE NACIONAL: REPRESENTAÇÕES SOBRE A IDENTIDADE ÉTNICA E A IDENTIDADE CÍVICO-NACIONAL Iara Andrade Senra 1 Universidade Severino Sombra [email protected] Eixo Temático: Direitos Humanos: questões inclusivas, de gênero e de etnia na educação brasileira Resumo O presente artigo busca uma análise comparativa entre os projetos de identidade nacional, formulados pelos três principais intérpretes de nossa realidade: Oliveira Vianna, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Os autores em questão mapearam e caracterizaram as etnias que contribuíram para a formação do sujeito nacional e por isso, influenciaram e ainda influenciam diversos estudos científicos no Brasil e no mundo. Suas propostas identitárias baseadas em critérios étnicos acarretaram ressonâncias sobre a formação de uma identidade cívico-nacional, visíveis na prática social e política da população brasileira. Conhecer e questionar os discursos dos intérpretes da realidade nacional nos tornariam mais aptos para lidar com as argumentações discriminatórias que surgem principalmente dentro de sala de aula. Observa-se, portanto, que é importantíssimo o aprofundamento de pesquisas sobre as questões étnicas. Além disso, análise desses elementos étnicos na nossa sociedade torna-se essencial para o debate, que se pretende atual, da questão da cidadania. Palavras-Chaves: Identidade étnica, identidade cívico-nacional, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. 1 Historiadora e professora de história pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em História Social pela Universidade Severino Sombra e especialista em História do Brasil pelo centro Universitário Gerald Di Biase. Dedica-se a História Política, pesquisando especificamente a identidade nacional brasileira e é autora do livro O Brasileiro: A formação da Identidade Nacional e a Questão Racial.

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107

OS INTÉRPRETES DA REALIDADE NACIONAL:

REPRESENTAÇÕES SOBRE A IDENTIDADE ÉTNICA E A

IDENTIDADE CÍVICO-NACIONAL

Iara Andrade Senra1

Universidade Severino Sombra

[email protected]

Eixo Temático: Direitos Humanos: questões inclusivas, de gênero e de etnia na educação brasileira

Resumo

O presente artigo busca uma análise comparativa entre os projetos de identidade nacional, formulados pelos três principais intérpretes de nossa realidade: Oliveira Vianna, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Os autores em questão mapearam e caracterizaram as etnias que contribuíram para a formação do sujeito nacional e por isso, influenciaram e ainda influenciam diversos estudos científicos no Brasil e no mundo. Suas propostas identitárias baseadas em critérios étnicos acarretaram ressonâncias sobre a formação de uma identidade cívico-nacional, visíveis na prática social e política da população brasileira. Conhecer e questionar os discursos dos intérpretes da realidade nacional nos tornariam mais aptos para lidar com as argumentações discriminatórias que surgem principalmente dentro de sala de aula. Observa-se, portanto, que é importantíssimo o aprofundamento de pesquisas sobre as questões étnicas. Além disso, análise desses elementos étnicos na nossa sociedade torna-se essencial para o debate, que se pretende atual, da questão da cidadania.

Palavras-Chaves: Identidade étnica, identidade cívico-nacional, Oliveira Vianna, Gilberto

Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.

1 Historiadora e professora de história pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de

Janeiro. Mestre em História Social pela Universidade Severino Sombra e especialista em

História do Brasil pelo centro Universitário Gerald Di Biase. Dedica-se a História Política,

pesquisando especificamente a identidade nacional brasileira e é autora do livro O Brasileiro:

A formação da Identidade Nacional e a Questão Racial.

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Introdução

Nos anos de 19302 a questão da nacionalidade e dos nacionalismos estava em

plena ebulição. Intensificava-se a produção de um emaranhado de mitos, teorias e

discursos que tentavam explicar a identidade brasileira e modernizar a nação.

Tanto Vianna, quanto Freyre e Holanda tinham como objetivo desenvolver um

projeto identitário, cujo fim seria o brasileiro ideal, capaz de práticas sociais

grandiosas, atuante e maduro. Para tanto, cada um apontou estratégias para sanar

os nossos “males de origem”.

Que teorias interpretativas da nossa identidade seriam estas? Estas teorias não

teriam denegrido a imagem do brasileiro que se pretendia formar? Até que ponto estes

projetos identitários teriam alguma relação com uma identidade cívico-política?

Tais questões nos redirecionam para a necessidade de se compreender melhor

os projetos de identidade desenvolvidos por estes três intérpretes da realidade

nacional.

A identidade nacional baseada em critérios étnicos em Oliveira Vianna, Sérgio

Buarque de Holanda e Gilberto Freyre

Oliveira Vianna formulou sua teoria identitária na década de 1920 e 1930,

defendia veementemente a produção de estudos que discutiam as “raças” e seus

“atavismos”. Ao dissertar sobre a “diferenciação das raças” alegava que “uma nação

não pode ser indiferente nem a qualidade, nem à quantidade de elementos raciais que

entrem na sua composição” (VIANNA, 1959, p.39)

Raça e Assimilação (1932) e Populações Meridionais do Brasil (1920), de

Oliveira Vianna, são fontes exemplares no trato da questão identitária. Além disso, o

autor nos legou diversas obras que tratam sobre o assunto: Evolução do Povo

Brasileiro (1923), Instituições Políticas Brasileiras (1949), Pequenos Estudos de

Psicologia Social (1921), Formation ethnique du Brésil coloniel (1932).

2 Tanto Raça e Assimilação (Vianna), quanto Casa Grande Senzala (Freyre) e Raízes do Brasil

(Holanda), obras que discutem a identidade nacional, foram publicadas na década de 30.

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Dentre as diversas obras de Vianna a que sofreu maiores críticas fora Raça e

Assimilação, sendo esta obra rejeitada por grande parte dos historiadores,

principalmente, pelo caráter preconceituoso com o qual se referia aos povos. Contudo,

Raça e Assimilação fora escolhida como fonte principal do autor a ser analisada e

discutida, por ter sido nela que Vianna sistematizou toda sua ideia presente em obras

predecessoras3 no que diz respeito à identidade nacional.

Nesta obra Vianna disserta sobre basicamente dois pontos caros ao seu projeto de

identidade nacional: A mestiçagem e a função do Estado. A mestiçagem pré-selecionada e

coordenada basicamente pelo Estado foi apontada por ele como solução mais plausível para os

"nossos males genéticos". Tal seleção seria importante porque, para Vianna, o futuro da nação

estava diretamente ligado às características de cada "raça".

a) A "raça" (tipo étnico) determina a maior frequência deste ou daquele tipo de constituição. b) Este tipo de constituição determina a maior frequência dos tipos de temperamentos e dos tipos de inteligência; c) Estes tipos de inteligência e de temperamento mais frequentes vão [...] condicionar as manifestações das atividades sociais e culturais do grupo. (Ibidem, p.42)

Conforme Vianna, o negro apresenta o tipo de temperamento ciclotímico,

temperamento este caracterizado pela inconstância, no qual seus portadores vão da serenidade

mais plena ao rancor e ao desespero absoluto.

O negro é realmente na generalidade dos casos, um ciclóide característico.

[...] Em todas as cousas é um sensitivo [...] Cheio de benevolência [...] mas,

como acontece em todas as pessoas sanguíneas, a sua cólera e seu rancor

acabam com a morte da vítima. [...] A vida do negro se passa em contrastes

[...] Da alegria [...] ele passa ao amargo dos desesperos, da esperança sem

limite ao extremo terror, da prodigalidade a avareza sórdida. (Ibidem, p.33-34)

Consequentemente, esse tipo de temperamento influiria nas manifestações sociais de

3 Determinados pontos expostos em Populações Meridionais do Brasil (1920) e em O Eugenismo Paulista (1927) são pormenorizados em Raça e Assimilação. O foco dado ao determinismo geográfico, no qual o autor salienta importância do meio sobre a formação do homem sertanejo, do matuto e do gaúcho, e a importância e a rapidez do “caldeamento entre as raças” impetrado pelos paulistas são exemplos desta síntese presente em Raça e Assimilação.

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negros e de mulatos, e por fim, no destino do próprio país, pois em grupos que "os tipos

impulsivos e moralmente ‘descontrolados’ sejam mais abundantes [...] (apresentar-se-á)

forçosamente uma elevação maior do índice de criminalidade e na intensidade dos conflitos

sociais". (Ibidem, p.41)

Vianna dará mais atenção ao Homo Europeus4, fomentará mais críticas ao Homo

Afer, e negligenciará o Homo Americanus, pois, no dizer de José Carlos Reis: "Vianna

não tinha qualquer apreço por sua contribuição [indígena] à vida brasileira. [...] não se

preocupava muito com eles, pois eram incompatíveis com a vida civilizada, e

inevitavelmente seriam exterminados".(REIS, 2006, p.157)

Apesar da já professada inferioridade negra, defendida por Vianna, o negro era "o

aliado do branco que prosperou"5., buscavam, através da imitação galgar seu lugar

perante à sociedade, ele possuía ambições não encontradas entre os indígenas, "embora

deixando-se seduzir por certos aspectos de nossa civilização, o selvagem não tem o culto

do homem branco, como o negro,: não o imita, não o macaqueia, não lhe aceita a

ascendência" (VIANNA, 1959, p. 196). A desambição natural indígena pela civilização

o levaria ao extermínio.

Obviamente que a "raça" que geraria mais indivíduos eugênicos seria a branca,

apontada por Vianna como portadora das qualidades essenciais à formação do tipo

brasileiro. "[...] Numa população de 10.000 negros, haveria a probabilidade de existir

cerca de 80 negros de inteligência superior, ao passo que numa população de 10.000

brancos deveriam produzir-se 500". (Idem)

A "raça" branca, apesar da homogeneização que também lhe fora incutida,

apresentava diversos tipos constitutivos, negligenciados, segundo Vianna, pelos

estudiosos da época. O estudo desta diversidade étnica branca seria de extrema

importância para posterior política de seleção de imigrantes, tendo em vista a seleção

daqueles que se adaptariam mais facilmente ao meio cultural e físico brasileiro, sendo,

por conseguinte, mais facilmente assimilados.

4 Em Raça e Assimilação, Vianna analisa mais a fundo as características e contribuições das raças,

contudo nesta obra, o índio é pouco discutido, em detrimento da quase total atenção dada ao

imigrante europeu, a seus descendentes, à mestiçagem e à inferioridade negra.

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Há pelo menos na Europa quatro grandes raças ou grupos somatológicos: os dolicocéfalos loiros, de alta estatura a que pertence os anglo-saxões, os noruegueses, os suecos e grande parte dos alemães [...], os braquicéfalos loiros, de pequena estatura espalhados por várias regiões da Europa Central: Prússia Oriental, Saxe, Silésia, Polônia e Rússia, os braquicéfalos morenos, ou celtas, também de pequeno talhe, que constituem o fundo dominante da população francesa [...] e os dolicocéfalos, que dominam as zonas meridionais da Itália, as ilhas do mediterrâneo e, principalmente a Espanha e Portugal.

(Ibidem 27-28).

Serão estas três matrizes étnicas e suas subdivisões umas contribuindo mais,

outras menos, que, segundo Vianna, formarão o povo brasileiro. Os estudos de suas

características, as análises dos aspectos biológicos, temperamentais e intelectuais

seriam de importância central para o projeto de nação que até então se procurava

construir, ou seja, um país civilizado aos moldes europeus, formado por gente da melhor

estipe ariana e por negros eugênicos.

O brasileiro passa a ser, por conseguinte, um projeto para o futuro que se

concretizaria com o "embranquecimento" da população. Esta seria a ideia de evolução de

"raça" proposta por Vianna e, com este fim, desenvolveu uma pesquisa extensiva sobre

a questão racial e seus desdobramentos para a formação do país, estudos estes que

culminaram no livro Raça e Assimilação.

Em relação à Freyre Casa Grande Senzala foi a obra expoente para se tratar a

questão nacional, porém em diversos outros estudos expôs a problemática étnica-

nacional, entre eles Sobrados e Mucambos e o Manifesto Regionalista.

Casa Grande Senzala, publicado em 1933, é ainda hoje o livro mais lido do

conjunto da obra de Freyre, nele o autor discute o povo brasileiro e as relações entre

as etnias. “Mais do que sobre brancos e negros, foi um livro sobre as relações no

ambiente da casa grande e nas vizinhanças da senzala, nas quais ocuparia lugar

especial a figura do mestiço.” (BENZAQUEN, 1994, p.284-285.)

Em Casa Grande e Senzala Freyre se detém mais em uma proposta identitária

para o brasileiro. Seu projeto de identidade defendia um tipo de mestiçagem que teria

se dado através da harmonia entre as “raças” e do abrandamento das relações sociais

escravistas. É somente no Manifesto Regionalista que Freyre propõe um projeto

político para nação. Nele o autor enaltece a importância da tradição nordestina para a

organização nacional e critica as “estrangeirices” que solapavam as singularidades

brasileiras:

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Nosso movimento não pretende senão inspirar uma nova organização do Brasil. Uma nova organização em que as vestes em que anda metida a República - roupas feitas, roupagens exóticas, [...] - sejam substituídas não por outras roupas feitas por modista estrangeira, mas por vestido ou simplesmente túnica costurada pachorrentamente em casa: aos poucos e toda sob medida. [...] bom senso para a reorganização nacional parece ser o de dar-se, antes de tudo, atenção ao corpo do Brasil, vítima, desde que é nação, das estrangeirices que lhe têm sido impostas, sem nenhum respeito pelas peculiaridades e desigualdades da sua configuração física e social. (FREYRE, 1996, p.48)

Sobrados e Mucambos foi publicado originalmente em 1936 e trata

da decadência do patriarcalismo do Brasil rural, ocorrida no século XIX. Nele Freyre

lamenta a perda das tradições6, tão discutidas em Casa Grande e Senzala. A elite

branca se converte à vida urbana e os ex-escravos são afastados para os mucambos

e tratados com desdém.

Aquelas várias paixões, sobretudo as de natureza afetivo-sexual, que

têm um papel fundamental em Casa Grande & Senzala, são

substituídas por um outro tipo de excesso, que ele chama de

“requinte”. Trata-se de um excesso de ordem, que caracterizaria a elite

brasileira do século XIX. Uma ordem absoluta e excludente: todos se

comportando como se vivessem na Europa, com enorme dificuldade

em lidar minimamente com qualquer experiência mais popular. De

certo modo, a própria obra de Gilberto é um esforço de fazer com que

alguns dos elementos presentes no espírito da Colônia pudessem ser

recuperados, desde que, evidentemente, traduzidos e, portanto,

alterados. (BENZAQUEN, 2010)

Para Freyre a compreensão de nossa realidade social, cultural e política se

daria pela idéia de “plasticidade”, característica eminente do português. Por sua vez,

esta plasticidade envolveria diversos aspectos, entre os quais citamos: mobilidade,

miscibilidade7, e adaptabilidade aos trópicos.

A mobilidade lusa e a miscibilidade foram um dos motivos que levaram uma

quantidade ínfima de pessoas a enveredar-se para diversos locais do planeta – África,

6 Em A cultura lusófona, uma cultura ameaçada? (Anais do Seminário internacional O Novo

Mundo nos Trópicos) o professor Fernando Alves Cristóvão analisando a crítica de Freyre sobre a repulsa e a perda da tradição lusa - que para o autor pernambucano, poderia acometer a própria identidade nacional brasileira - afirma que o aparecimento de uma cultura desafiando outra, é uma constante na história das civilizações. Portanto somente as culturas autênticas e dotadas de coesão interna poderiam resistir às ameaças externas. 7 Expressão utilizada por Freyre em Casa Grande e Senzala, e diz respeito à capacidade, principalmente do português de se mesclar mais facilmente aos negros e indígenas.

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Ásia e América - e firmar-se na terra. “A escassez de capital-homem, supriram-na os

portugueses com extremos de mobilidade e miscibilidade: dominando espaços

enormes e onde quer que pousassem, na África ou na América, emprenhando

mulheres e fazendo filhos [...”]. (FREYRE, 2004, p.70)

Explicava também o sucesso da colonização brasileira pela ação destes dois

fatores, visto que não tendo capital humano para um empreendimento tão grandioso,

os portugueses se multiplicaram em número, mesclando-se a índias e a negras,

apossando-se das vastas terras brasileiras.

Por sua vez a aclimatabilidade em terras tropicais facilitou a vida dos

portugueses no Brasil, facilidade esta que não estava presente entre os nórdicos.

Citando Oliveira Vianna, Freyre afirma:

O professor Oliveira Vianna [...] reuniu contra a pretendida capacidade

de adaptação dos nórdicos aos climas tropicais o testemunho de

alguns dos melhores especialistas modernos em assunto de

climatologia e entropogeografia: Taylor, Glen, Trewarka, Huntington,

Karl Sapper. [...] “Os europeus do norte não tem conseguido constituir,

nos planaltos tropicais, senão estabelecimentos temporários. Eles têm

tentado organizar, nestas regiões, uma sociedade permanente, de

base agrícola, [...] mas em todas essas tentativas têm fracassado”

(Ibidem, p.72)

Freyre compartilhando a mesma opinião no que diz respeito à adaptabilidade

dos nórdicos diz: “Ao contrário da aparente incapacidade dos nórdicos, é que os

portugueses têm revelado tão notável aptidão para se aclimatarem em regiões

tropicais”. (Ibidem, p.73)

Essa adaptabilidade do português ao ambiente tropical se devia em grande

parte à sua experiência precoce na Índia e na África, fato que também explicaria a

carência do orgulho de “raça” que os impeliam a se mesclarem com as demais raças.

“Quando em 1532 se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira, já foi

depois de um século inteiro de contato dos portugueses com os trópicos; demonstrada

na Índia e na África sua aptidão para vida tropical”. (Ibidem, p.65)

Subentende-se, portanto que a capacidade do português de se mesclar

rapidamente e sem preconceitos de cor às demais “raças” e a fácil adaptabilidade

portuguesa à ambientes tropicais teriam sido elementos essenciais, na visão de

Freyre, para a formação do povo brasileiro.

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Gilberto Freyre atribuiu ao português a capacidade integradora que não

permitiu os separatismos, característicos da América espanhola. Apesar da

capacidade de mobilidade lusa poder se transformar em uma dispersão perigosa à

América portuguesa, essa mesma mobilidade contribuiu para evitar sua

desintegração, nas palavras de Freyre, contribuiu para o “unionismo”. Os portugueses

não trazem para o Brasil nem separatismos políticos, como os espanhóis para seu

domínio americano, nem divergências religiosas, como ingleses e franceses para as

suas colônias. (Ibidem, p.90)

Freyre também apresentou uma nova visão para a época, ao transferir a

explicação sobre a formação do povo brasileiro da esfera biológica para a cultural. A

inferioridade, o desanimo e as deficiências de certa parte da população, para o autor

pernambucano, deviam-se principalmente à dieta alimentar pobre praticada no Brasil.

"Na formação da nossa sociedade, o mau regime alimentar decorrente da monocultura,

por um lado, e por outro da inadaptação ao clima, agiu sobre o desenvolvimento físico e

deficiência econômica do brasileiro [...]". (Ibidem, p.96)

No entanto, os escravos das fazendas possuíam uma alimentação mais

diversificada, rica em verduras e legumes, por isso gerariam elementos mais fortes:

"Melhor alimentados eram na sociedade escravocrata [...] os negros da senzala [...]

Natural que dos escravos descendam elementos dos mais fortes e sadios da nossa

população. Os atletas, os capoeiras, os cabras e os marujos" (Idem).

Para Freyre, só depois da abolição, os negros foram privados de um regime

alimentar rico, visto que perderam toda a "assistência patriarcal".

A aristocracia colonial, por sua vez, carecia de uma dieta satisfatória.

Grande parte de sua alimentação davam-se eles ao luxo tolo de mandar vir

de Portugal e das ilhas, do que resultava consumirem víveres nem sempre

bem conservados: carnes, cereais e até frutos secos depreciados em seu

valor nutritivo, quando não deteriorados pelo mau acondicionamento [...].

Por mais esquisito que pareça, faltava à mesa da aristocracia colonial

legumes frescos, carne verde e leite. Daí certamente, muitas das doenças

do aparelho digestivo [...].(Ibidem, p.98)

O regime alimentar piorava ainda mais nas cidades, influindo negativamente

sobre o desenvolvimento de brancos, negros, mestiços, pobres e ricos. "Má nos

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engenhos, péssima nas cidades, tal a alimentação da sociedade brasileira nos séculos XVI,

XVII e XVIII. Nas cidades péssimas e escassas" (Ibidem, p.102).

Ao mestiço - grupo que para Freyre realmente representaria o brasileiro e que

galgaria os cargos intermediários da sociedade - seria reservada uma dieta paupérrima.

Portanto não seriam seus atavismos biológicos e sim sua deficiente alimentação a

responsável pela degeneração do povo brasileiro.

Em se tratando de Holanda, Raízes do Brasil resume sua visão sobre a

formação da identidade nacional. Sua primeira versão foi o artigo Corpo e Alma do

Brasil: ensaio de psicologia social, publicado em 1935 na revista Espelho e analisa o

cordialismo brasileiro e suas implicações sobre a política e organização social.

Raízes do Brasil foi publicado em 1936, e discute o choque entre a tradição e

a modernidade na sociedade brasileira. Holanda buscou nas raízes da sociedade

brasileira uma explicação para o atraso social existente no país, produzindo, ao

mesmo tempo, hipóteses para uma possível superação deste retrocesso.

Em Cobra de Vidro, no artigo intitulado negros e brancos, Holanda discute a

maneira como o negro é estudado no Brasil. Destaca que o erro de parte considerável

dos estudos feitos nos últimos tempos consiste no fato de eles encararem com

demasiada insistência apenas o lado exótico do africanismo, sem levar em

consideração a sua contribuição intelectual para a humanidade.

Apesar de apresentar uma discussão sobre o negro, em relação à Holanda

quem está no foco de seus estudos sobre a formação de nossa identidade é

claramente o português e dele se desdobraria um ponto essencial discutido em Raízes

do Brasil: o cordialismo.

Para o autor, o brasileiro seria fruto de uma “herança maldita” dos pais

portugueses, estes seriam os culpados por cultuarmos uma religiosidade de

superfície, por apresentarmos dificuldades em nos associarmos e por pouco

estimarmos o trabalho como meio digno de se viver. Esta herança lusa seria a

responsável pela impossibilidade da formação de um tipo ideal de nação e de brasileiro. O

homem cordial não era o tipo de nacional que Holanda desejava, contudo, era justamente

o que tortamente a herança ibérica havia formado.

Mantendo o ponto de vista que valoriza mais a contemplação e o amor, mais

que a atividade produtiva, o homem ibérico, se distancia das formas de

organização racional da coletividade, porque elas advêm da solidariedade

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criada a partir do trabalho, coisa que ele nunca desenvolveu. Ou antes,

apenas cultivou a solidariedade no âmbito doméstico [...]. Apenas ali, onde as

relações mais próximas se dessem, jamais em nível “gremial ou nacional”

(HOLANDA, 1995, p.13).

Pedro Monteiro em A queda do aventureiro: Aventura, Cordialidade e os novos

tempos em Raízes do Brasil realça a visão de Holanda sobre os elementos significativos da

conduta lusa, de modo a entender alguns problemas que os brasileiros se deparavam na

ordem do dia a dia. Para explicar tais condutas, Holanda desenvolve um estudo comparativo

entre o aventureiro e o trabalhador, identificando no português, valores que o enquadrariam na

primeira categoria. “Na tentativa de explicar o desenrolar de nossa história, o historiador [...]

(percebe que) a gente ibérica, em especial portuguesa, fora lenta e plasticamente amoldando-

se à nova realidade, deixando-se guiar por uma mentalidade que o historiador cunhou de

espírito de aventura” (MONTEIRO, 1999, p.87).

Segundo Holanda o trabalhador se distingue do aventureiro por “enxergar

primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar” (Idem). Ou seja, ele se

preocupa com cada obstáculo a ser transpassado, é detalhista, persistente, imparcial,

e não arrisca sua segurança financeira e pessoal. O aventureiro por sua vez é a

antítese do trabalhador. “Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore” (Ibidem,

p.88). Sua mentalidade gravita no resultado imediato, sem se preocupar, com os

meios, estratégias e muito menos com o trabalho que despenderá para alcançar seus

objetivos. É também personalista e não coletivista.

É justamente este aventureiro que encerra em si e em seus descendentes

valores e condutas cordiais, que acarretavam problemas na organização econômica,

social e na politica brasileira.

Em relação à economia, Holanda aponta uma inadaptação ao capitalismo. Os

brasileiros, em geral, não demonstram imparcialidade no que concerne aos negócios

financeiros, mesmo em momentos onde a concorrência deveria preponderar. Cita,

para tanto, o espanto de um negociante da Filadélfia ao observar que no Brasil, para

se conquistar um freguês, fazia-se necessário antes torná-lo um amigo. Outro ponto

a ser salientado é a inexistência de uma civilização agrícola.

A agricultura pressupõe trabalho árduo, demorado e calculado. Ações que para

o autor, não se desenvolveram no Brasil graças às condutas ibéricas que visavam

117

lucro rápido, com menor esforço e investimentos possíveis. Tais ações de cunho

econômico se projetam nas relações sociais.

Em uma relação capitalista8 surgem relações imparciais de troca para se atingir

o lucro. No plano social, as relações pessoais se convertem então, em relações

numéricas, e ocorre a racionalização das atividades econômicas. No Brasil a

colonização deixou-se moldar pela paisagem, visando o lucro fácil e rápido e pelas

relações pessoais, baseadas na proximidade e no patriarcalismo.

Contudo não devemos minimizar a colonização portuguesa, visto que no seu

desleixo e na sua plasticidade, eles fixaram raízes. Para tanto Holanda traça uma

comparação entre holandeses e portugueses, no qual afirma que os holandeses

apesar de toda a sua organização e racionalidade para trabalho não tiveram o mesmo

sucesso do português nesta empreitada. O português sem um grande ânimo para o

trabalho soube assimilar as técnicas agrícolas indígenas, sem falar na sua gente e na

sua cultura.

De acordo com Holanda não possuímos uma civilização agrícola, mas sim uma

civilização de raízes rurais. Por civilização agrícola compreender-se-ia o devotamento

à ética do trabalho, no qual há uma preocupação com os recursos, com o tempo, com

a mão de obra, com os maquinários para se atingir determinado objetivo, ou seja, com

os aspectos matérias envolvidos na labuta. Por civilização rural o foco passa a estar

não mais nos aspectos econômicos e sim nas bases culturais que construirão uma

sociabilidade como a que vemos no Brasil, ou seja, há uma guinada dos aspectos

materiais da colonização para os aspectos propriamente mentais. Entra em cena o

homem cordial.

O homem cordial é o genuíno brasileiro, este é fortemente dominado pelas

emoções, pela subjetividade, pelo coração e é avesso ao racional. Encerra em si

certas características herdadas, segundo Holanda, do elemento luso: "o

descompromisso, a informalidade, a liberdade inocente, o trabalho como atividade

lúdica, o descompromisso com a disciplina, a rejeição do trabalho como obrigação, a

sociabilidade solta, imprevisível". (HOLANDA, 1995, p.69)

Tais condutas, no entanto, tornava o homem cordial um grande problema para

a nação. Primeiramente porque o descompromisso, o desânimo, a falta de ética para

8 Ver WEBER, Max. A Ética protestante e o espírito capitalista. Trad. M. Irene. Q. F. Szmrecsányi e

Thamás J.M.K. Szmrecsányi, São Paulo: Pioneira, 1992.

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o trabalho não é uma das melhores qualidades de identificação para um povo ou para

uma nação, segundo porque a cordialidade pressupõe preferências, e essa

característica nacional não poderia se desenvolver bem em um país que sustentasse

um sistema liberal-democrático, característico de um governo republicano.

Todo pensamento liberal democrático pode resumir-se na frase

célebre de Bentham: "a maior felicidade para o maior número". Não é

difícil perceber que essa idéia está em contraste direto com qualquer

forma de convívio humano baseado nos valores cordiais. Todo afeto

entre os homens fundam-se forçosamente em preferências. Amar

alguém é amá-lo mais do que os outros. Há aqui uma unilateralidade

que entra em franca oposição com o ponto de vista jurídico e neutro

em que se baseia o liberalismo. (Ibidem, p.61)

Essa inadaptação do homem cordial à política analisaremos um pouco mais a

frente, quando discutirmos o papel do Estado na formação da identidade cívica

brasileira, em Sérgio Buarque de Holanda.

A identidade étnica e a identidade cívico-nacional

O estudo e o questionamento destas interpretações sobre o Brasil, propostas

por autores que exerceram influência ideológica e prática sobre seu tempo são

importantes para se compreender as ressonâncias acarretadas pela formulação de

teorias identitárias com interesses múltiplos.

Em artigo publicado por José Murilo de Carvalho, intitulado, O motivo edênico

no imaginário social brasileiro, no qual o mesmo desenvolveu uma entrevista sobre o

que nos faz ter orgulho de sermos brasileiros e a imagem que temos de nós mesmos,

fica patente que o meio físico exerce ainda grande influência no imaginário dos

brasileiros e que a imagem que temos de nós mesmos ainda não é uma das melhores.

Carvalho chama a atenção para a grande quantidade de entrevistados que

disseram ter orgulho de ser brasileiros pelo fato de estar em um país lindo, tropical,

sem furacões, sem vulcões... Tal atitude demonstra a transferência da

responsabilidade cívica do brasileiro para algo pelo qual ele não tem controle. “quem

119

não se vê como um ser civil e cívico não se pode ver como agente, individual ou

coletivo de mudanças sociais e políticas de que se possa orgulhar e deve buscar

alhures razões para a construção de uma identidade nacional.” (CARVALHO, 1998).

Sobre a imagem que temos de nós mesmos, Carvalho constata que 46,3% dos

brasileiros consideram o próximo pouco confiável. Além disso, as características

nacionais mais citadas pelos entrevistados foram a de povo sofredor, trabalhador,

conformado, batalhador..., aspectos estes que somados dão a ideia de um povo

passivo.

Tais características lembram muito os aspectos elancados por Oliveira Vianna

para explicar a população brasileira. E é devido a este caráter popular detritário, que

para o autor; o povo deveria manter-se tutelado pelo Estado Forte: “A realização de

um grande ideal nunca é obra coletiva da massa, mas sim de uma elite, de um grupo,

de uma classe, que com ele se identifica, que por ele peleja” (Vianna Apud Daniel

Pécaut

1990, p. 29).

Segundo José Carlos Reis é preciso que o povo se conheça, para que se veja

como capaz de realizações grandiosas. Por isso, para Reis, a construção da

identidade nacional embasada na figura de um povo digno e vitorioso seria de extrema

importância para o futuro da nação.

Os grupos que conseguem se ver no espelho da cultura, que

conseguem construir a própria figura, em uma linguagem própria,

identificam-se isto é, criticam-se, reconhecem o próprio desejo e

tornam-se competentes até na ação econômico-social. [...] aquele que

manipula os sinais de uma identidade vencedora para obter

vantagens, manipulará a identidade daquele que o reconhece e se

deixa manipular. (REIS, 2006, p. 10).

O reconhecimento exposto por Reis diz respeito à construção de uma

identidade que consequentemente levaria ao surgimento de um sujeito nacional capaz

e atuante.

No Brasil a formulação de uma identidade cultural embasada em atavismos

étnicos e em carências, teria limitado a formação de uma identidade cívico-política.

Ao considerar o brasileiro um por vir, inconcluso ou incapaz criavam-se obstáculos

para sua inserção e participação política.

120

Discutindo esta ideia tão propagada no passado de que éramos uma nação

sem povo, de que o brasileiro seria sempre um por vir, a ser alcançado no futuro,

Weffort analisa o pensamento de Vianna, Holanda e Freyre.

Para o primeiro o brasileiro ideal se concretizaria no futuro, através do

embranquecimento. Já para Holanda e Freyre, os brasileiros e todas as suas

particularidades e diversidades já haviam sido formados antes mesmo do próprio

Estado9. Examinando a questão da formação nacional nas obras de Freyre e Holanda,

Weffort afirma:

[...] começaram a fechar o círculo de indagações sobre a nova

humanidade" foram as de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e Caio

Prado Jr., e, nesse sentido, "[...] os fundadores do Iseb foram legítimos

sucessores, aos quais incumbiu retomar o tema das origens coloniais

e da formação do povo". Entre os anos 1920 e 1950, esses

pensadores deram a perceber que "[...] o grande problema das elites

na formação da sociedade brasileira era menos o de criar um povo do

que o de reconhecer o povo realmente existente e que, aliás, nessas

mesmas décadas, começava a emergir para as luzes do cenário

político (WEFFORT, 2006, p.328).

No que diz respeito à Freyre e Vianna, Darcy Ribeiro em O povo Brasileiro

apresenta uma discussão muito semelhante ao que foi defendido por Weffort. Contudo

em relação à Holanda, Ribeiro apresenta uma ideia oposta.

Segundo Darcy Ribeiro nossa identidade foi construída baseada na falta de

características louváveis a um povo, ou seja, em carências. Se esta foi uma das

características presentes nos vários projetos políticos que buscavam construir nossa

identidade, Freyre destacou-se por chamar atenção para as qualidades das “raças”

em detrimento dos aspectos negativos que eram levantados pelos intérpretes, e

colocados como motivo mor de nosso fracasso como povo. Segundo Darcy Ribeiro a

única leitura ambiguamente positiva dessas qualidades e carências foi a realizada por

Freyre.

Holanda e Vianna, para Ribeiro, buscaram inspiração nas carências, ou seja,

para explicar nossa identidade, selecionaram aspectos que consideraram impeditivos

de sermos nós mesmos.

9 O Estado, segundo Weffort, fora construído a partir da chegada de D. João VI.

121

Sérgio Buarque, por exemplo, ao impetrar a incapacidade do brasileiro ao

português, e Oliveira Vianna, às “raças” consideradas disgênicas – negros e índios -

teriam contribuído para ampliar a ideia de carência em relação a nossa identidade.

Apesar da proposta de Freyre não se basear em carências e seu projeto

identitário na área cultural se apresentar como um avanço para época, em relação à

dimensão política suas teorias sobre o abrandamento das relações sociais

oportunizaram a criação de uma válvula de escape que contribuiu para o

arrefecimento dos conflitos sociais.

Michel Debrum em A identidade nacional brasileira afirma que “O advento de

uma identidade nacional forte, na área cívico-política, tem sido bloqueado desde as

origens” (DEBRUM, 1990, p. 39-49).

A identidade nacional, em sua dimensão cívico-política sofreu com a atuação

de diversos mecanismos que dificultaram a sua construção. Um destes mecanismos

impeditivos seria a própria proposta de identidade nacional - baseada em critérios

étnicos - que buscava englobar todos em um mesmo projeto de nação, que unisse

simbolicamente e diferenciassem político e socialmente. Para tanto, as teorias raciais

mostraram-se viáveis, além de ser um dos critérios de construção da identidade

nacional, construíram critérios diferenciados de cidadania.

[...] a tentativa por parte dos grupos dominantes de neutralizar as aspirações cívico-políticas das camadas subalternas, valorizando, depois de tê-la combatido (até os anos 20), uma comunidade cultural nacional de que eles próprios podem fazer parte. O que representa, de um lado, uma estratégia válvula de escape (dirigida aos grupos subalternos) e, de outro lado, uma integração real, e não apenas ideológica, de todos os brasileiros, ricos e pobres. Só que essa integração, apesar de enaltecida, é simultaneamente folclorizada e no limite turistificada pelos de cima, por ser apenas cultural e polarizada em torno de valores de origem afro-brasileira. (Ibidem, p.47)

Embora as teorias raciais e diversos outros mecanismos relacionados ao

mandonismo10 tenham se transformados em verdadeiros obstáculos à construção de

uma identidade cívico-política brasileira, Debrum apresenta uma visão positiva quanto

a sua consolidação no Brasil. Para o autor, a conscientização sobre tais bloqueios e

consequentemente o seu enfrentamento, nos tornariam sujeitos nacionais mais aptos

10 Dentre os quais citamos: o autoritarismo, as fraudes, as manipulações políticas, o nepotismo e a utilização da força, do medo e do status para manter uma dada ordem.

122

para agir politicamente. “O abalo, ou mesmo a ruptura, hoje, de certos bloqueios

permite, todavia encarar a possibilidade de uma nova identidade, ao mesmo tempo

menos oscilante e mais capaz de servir de pivô, de raiz para uma ação sociopolítica

coerente e de longa duração”. (Ibidem, p. 46).

É por isso que o aprofundamento de estudos sobre a questão identitária ainda

hoje são de extrema importância. Primeiramente porque, autores como Sérgio

Buarque de Holanda, Oliveira Vianna e Gilberto Freyre mapearam e caracterizaram

as etnias que contribuíram para a formação do sujeito nacional, portanto conhecer

suas ideias e preconceitos nos tornariam mais aptos para lidar com as ressonâncias

advindas de suas propostas discriminatórias. Segundo, porque a análise desses

elementos étnicos na nossa sociedade torna-se essencial para o debate, que se

pretende atual, da questão da cidadania. Conforme já explicitado acima, um projeto

cultural baseado em carências ou no abrandamento das relações sociais dificultou a

formação de uma identidade política eficaz. “Na falta daquela identidade (identidade

nacional forte, na área cívico-política) floresceram pseudo-identidades: umas artificiais

outorgadas pelos grupos dominantes, pela Igreja, pelo Exército, pelo Estado; outras

mais naturais, mas raquíticas, por resultarem, da acomodação dos atores às

estruturas de dominação[...]” (Idem).

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