ambivalÊncias nas prÁticas inclusivas na … ambivalÊncias nas prÁticas inclusivas na educaÇÃo...

12
522 AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely França (FE/UFRJ) Celeste Azulay Kelman (PPGE/FE/UFRJ) Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral Endereços eletrônicos: [email protected] [email protected] INTRODUÇÃO Nos últimos anos, como resultado do movimento mundial em busca do direito universal à educação (BRASIL, 2008) e a LDBEN nº 9.394/96, alunos com as mais diversas necessidades especiais estão sendo matriculados preferencialmente em escolas de ensino regular, tanto da rede pública quanto da rede privada. Segundo Mazzotta (2011) a inclusão dos chamados “excepcionais” ou “deficientes” acontece apenas no início da década de 1960, quando o governo federal assume campanhas a fim de gerar medidas para a educação e assistência deste alunado. Com o passar dos anos, criou-se legislação específica, sendo a Constituição Federal de 1988, a mais importante, pois tinha o propósito de garantir o direito da igualdade de acesso à escolarização em ambientes educacionais inclusivos. A concepção da educação inclusiva fundamenta-se nos princípios dos direitos humanos, onde igualdade e diferença são entendidas como valores indissociáveis. Historicamente, é visível que além do desempenho de especialistas brasileiros e estrangeiros, a participação dos pais de alunos com necessidades especiais torna-se cada vez mais importante para a garantia ou mudanças no atendimento especializado aos seus filhos. A abordagem sociocultural construtivista enfatiza o papel que o sujeito desempenha no seu próprio desenvolvimento. É assim que entendemos a participação de qualquer criança na família e na sociedade; na medida do possível, um sujeito ativo e construtivo (KELMAN; FARIAS, 2008). Neste caminho, o presente trabalho discute a importância da relação família e universidade, na busca pela efetiva inclusão de criança com Síndrome de Rett na Educação Infantil de duas escolas localizadas na cidade do Rio de Janeiro.

Upload: phamxuyen

Post on 12-May-2018

220 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

522

AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

UM CASO DE SÍNDROME DE RETT

Thays Marcely França (FE/UFRJ) Celeste Azulay Kelman (PPGE/FE/UFRJ)

Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral

Endereços eletrônicos: [email protected] [email protected]

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, como resultado do movimento mundial em busca do direito universal à

educação (BRASIL, 2008) e a LDBEN nº 9.394/96, alunos com as mais diversas

necessidades especiais estão sendo matriculados preferencialmente em escolas de ensino

regular, tanto da rede pública quanto da rede privada. Segundo Mazzotta (2011) a inclusão

dos chamados “excepcionais” ou “deficientes” acontece apenas no início da década de

1960, quando o governo federal assume campanhas a fim de gerar medidas para a

educação e assistência deste alunado. Com o passar dos anos, criou-se legislação

específica, sendo a Constituição Federal de 1988, a mais importante, pois tinha o propósito

de garantir o direito da igualdade de acesso à escolarização em ambientes educacionais

inclusivos. A concepção da educação inclusiva fundamenta-se nos princípios dos direitos

humanos, onde igualdade e diferença são entendidas como valores indissociáveis.

Historicamente, é visível que além do desempenho de especialistas brasileiros e

estrangeiros, a participação dos pais de alunos com necessidades especiais torna-se cada

vez mais importante para a garantia ou mudanças no atendimento especializado aos seus

filhos. A abordagem sociocultural construtivista enfatiza o papel que o sujeito desempenha

no seu próprio desenvolvimento. É assim que entendemos a participação de qualquer

criança na família e na sociedade; na medida do possível, um sujeito ativo e construtivo

(KELMAN; FARIAS, 2008). Neste caminho, o presente trabalho discute a importância da

relação família e universidade, na busca pela efetiva inclusão de criança com Síndrome de

Rett na Educação Infantil de duas escolas localizadas na cidade do Rio de Janeiro.

Page 2: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

523

Em 2011, a família de Sofia, procurou a Faculdade de Educação da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, a fim de obter orientações sobre o encaminhamento educacional e

possível inclusão da criança em uma escola de educação infantil da rede privada. Na

ocasião, foi acordado com os pais que um aluno do curso de Pedagogia da Universidade

acompanharia a criança na escola, exercendo a função de mediador escolar, sob orientação

da segunda autora deste trabalho. A primeira autora foi mediadora da aluna na primeira

escola.

A Síndrome de Rett atípica (SRA) é uma doença rara e trata-se de uma mutação no gene

CDKL5, ocasionando disfunções neurológicas. Sofia apresentou um desenvolvimento

aparentemente normal até os sete meses de vida; Segundo Varela (2006), entre os 6 e 18

meses de idade as habilidades adquiridas por crianças do sexo feminino com Síndrome de

Rett e raramente por meninos, começam a se perder, como por exemplo, o uso intencional

das mãos, a fala e a capacidade de andar. Começam a surgir movimentos involuntários e

repetitivos, ou seja, estereotipias manuais. Os pais de Sofia perceberam que ela era

diferente, pois notavam seu desenvolvimento atrasado. Começou a se sentar tarde.

Algumas aquisições se perderam com o tempo, como comer com colher, sorrir e

permanecer sentada por muito tempo.

O que diferencia a Síndrome de Rett (SR) da Síndrome de Rett atípica (SRA) são os genes

afetados. Na SR a mutação genética ocorre no gene MECP2 e na SRA no gene CDKL5,

que fornece instruções para fazer uma proteína essencial ao desenvolvimento normal do

cérebro. Os primeiros sinais da síndrome aparecem por volta de um ano de idade, época

em que nosso cérebro é obrigado a exigir a mais importante de suas habilidades: a

plasticidade condicionada pela experiência (VARELA,2006).

A literatura especializada produzida no exterior sobre SR é bem escassa. No Brasil é

menor, por se tratar de uma doença com poucos casos diagnosticados. Menor ainda se

relacionada à SRA. Portanto, a participação dos pais de Sofia foi extremamente

importante, pois durante o processo de procura de diagnóstico, colheram informações

essenciais que mais tarde contribuíram para este trabalho.

Page 3: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

524

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para Mendes (2002), a matrícula de alunos com deficiência garante o acesso à escola

regular, mas não garante a efetiva inclusão. Ela deve visar a permanência, aprendizado e

socialização do aluno. A Resolução CNE/CEB nº 4/2009 institui o atendimento

educacional especializado e determina que as escolas devam matricular todos os alunos,

inclusive com os chamados transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles os com

SR, assegurando condições necessárias para uma educação de qualidade (BRASIL, 2009).

No encontro de Salamanca, ocorrido na Espanha em 1994, formulou-se um documento que

nortearia a política, prática e os princípios em educação inclusiva, com abrangência

mundial. Segundo Goffredo e Kelman (1998), a inclusão trilha um caminho diferente da

sua precursora, a integração que oferecia ao aluno com NEE a possibilidade de estar em

um ambiente escolar o menos restritivo possível, porém com a opção de estar segregado

das classes regulares, já que sua inserção podia ser parcial. A inclusão visa a matrícula do

aluno no ensino regular desde a educação infantil. A inclusão na escola seria “o processo

pelo qual ela se adapta, se transforma para poder inserir em suas classes regulares crianças

(...) em busca de seu pleno desenvolvimento e exercício da cidadania” (GOFFREDO,

KELMAN, 1998, p.67). Neste sentido, a educação inclusiva beneficiaria não somente os

alunos com deficiências, mas todos os que participam do processo educativo. Ou seja,

outros alunos aprenderiam a conviver e respeitar as diferenças dos colegas de classe

através da intervenção do professor, em diálogos que facilitariam a compreensão de que

cada indivíduo tem seu ritmo e forma de aprendizagem, o que não impede de trabalharem

juntos, com atividades diferenciadas, construindo oportunidades iguais para todos. A

escola deve dispor de variados recursos educativos específicos como, por exemplo, a

adaptação curricular para atender a demanda de alunos com necessidades educacionais

especiais (NEEs).

Quando falamos, em adaptação de currículo, espaço, criação de recursos específicos para

avaliação e acompanhamento aos alunos, a questão que se levanta é quem são os

profissionais que corroboram para isto ocorrer de fato. Segundo Pelosi (2009) a Secretaria

Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro, implantou o ensino itinerante, como

Page 4: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

525

uma modalidade de atendimento de Educação Especial, onde professores itinerantes

dariam suporte às escolas regulares com alunos com NEE, favorecendo a inclusão destes,

através da produção de materiais pedagógicos específicos. Este professor deveria

acompanhar os alunos, professores e orientar pais e outros membros da comunidade

escolar. É nesse contexto histórico e educacional que surge, além do professor

especializado, o mediador escolar, também chamado de facilitador da aprendizagem, tutor,

auxiliar, acompanhante, entre outras nomenclaturas. Neste trabalho usaremos o termo

“mediador”, pois foi o mais utilizado nas duas escolas frequentadas por Sofia.

A figura do mediador escolar surge no Brasil em um momento onde professores de turmas

regulares não estavam preparados para receberem e acompanharem alunos com NEEs.

Para Pelosi (2009), os professores especializados da rede municipal em 2005, não

conseguiam atender a todos os alunos matriculados na rede, sendo apenas 5% das

intervenções com alunos na Educação Infantil, o que é um fato grave, partindo do

pressuposto que a criança com NEEs deve ser assistida desde sua entrada na escola, para

que não “(...) cheguem ao Ensino Fundamental mal posicionados, sem respostas

afirmativas e negativas sistematizadas, sem pranchas de comunicação e com o trabalho

pedagógico não adaptado” (PELOSI, 2008). De acordo com Kelman e França (2012), a

mediação remete ao sentido de intervenção, onde o mediador conduz o aluno a

compreender o sentido de objetos, conceitos, sons, “promovendo o uso dos signos e o

desenvolvimento da linguagem, dentre outras formas de comunicação, seja ela escrita ou

oral, com o uso de computadores, placas ou murais” (KELMAN, FRANÇA, 2012). Para

Freire Costa (apud Vygotsky, 1979), a intervenção do mediador escolar, deve propiciar a

troca do indivíduo com o objeto de conhecimento.

OBJETIVOS

Este estudo apresenta a descrição, reflexão e contribuição sobre a relação Família e

Universidade e como essas agências educacionais podem pensar juntas o processo de

inclusão/exclusão e a tomada de decisões referentes à educação de criança com Síndrome

de Rett Atípica (SRA). Este estudo de caso descreve situações de ambivalência no

Page 5: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

526

processo inclusão/exclusão e é resultado de dois anos de observação, registrados em diário

de campo.

Tendo em vista a falta de produção científica brasileira sobre o tema da Síndrome de Rett,

e mais especificamente sobre a SRA na literatura mundial, entendemos a sua relevância e

contribuição científica e social sobre o tema.

METODOLOGIA

O presente estudo de caso trata do processo de inclusão, com manifestações veladas de

exclusão de aluna com SRA, atualmente com cinco anos de idade. Este trabalho tem um

enfoque qualitativo, posto que a construção dos dados apoia-se em dados sociais, obtidos

através do fluxo dos processos interativos e comunicativos. Não foi realizado nenhum

procedimento interativo sistemático, como entrevista formal ou aplicação de questionário.

Todas as informações foram obtidas através dos procedimentos de conversação informal

com a mãe e professoras, de forma presencial ou por e-mail, e através de observações,

essas sim, sistemáticas. O estudo de caso possibilita uma análise profunda sobre o

conhecimento de um sujeito ou instituição e contribui significativamente para a prática

pedagógica do mediador, estudante em formação. A interação com a Universidade se dá

pelo fato de que as mediadoras são alunas de graduação da Faculdade de Pedagogia e a

pesquisa foi orientada por docente da disciplina de Fundamentos da Educação Especial

oferecida na grade curricular do curso de Pedagogia. A aproximação entre teoria e prática

contribui para uma melhor formação de inclusão em educação de futuros profissionais.

De inicio, a coleta de dados foi feita por duas mediadoras na primeira escola de Sofia,

particular e de pequeno porte, em 2011. No primeiro ano procurou-se entender como se

deu o processo de inclusão em turma regular. Logo, as mediadoras estiveram atentas às

relações e interações dentro do espaço escolar, o papel da organização da escola, família,

amigos e funcionários. Os resultados da coleta e a análise foram publicados, contribuindo

também para a iniciação científica das mediadoras, alunas da Faculdade de Educação da

UFRJ (BRAGA, KELMAN, SENNA & NASCIMENTO, 2012; BRAGA;

NASCIMENTO, 2012). Para Ludke e André (1986), em uma análise de dados qualitativos,

Page 6: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

527

precisa-se organizar o material obtido através da pesquisa, podendo ser documentos,

relatos e demais informações. A maior preocupação deste estudo foi com o processo, com

as relações estabelecidas entre determinados indivíduos, havendo contato direto dos

pesquisadores com o objeto de pesquisa.

A aluna foi matriculada em escola regular particular, próxima à sua residência. A escola

tinha aproximadamente 80 alunos. Sofia foi matriculada em uma turma de Educação

Infantil. Em sua classe havia 15 crianças e a turma tinha, além da professora, uma auxiliar.

A primeira autora atuou como mediadora da criança e exercia as funções de cuidar de

Sofia em sua higiene pessoal, alimentação, estímulo às interações e colaborar para que

Sofia pudesse concluir a realização das tarefas solicitadas pela professora. Também

estimulava a interação social de Sofia com seus colegas. Por questões de compatibilizar o

exercício da mediação com as tarefas na universidade, eram duas as mediadoras que se

revezavam, ambas estudantes de Pedagogia.

Uma das causas que afetavam a rotina de Sofia na escola eram as convulsões. Tanto a

professora de turma, quanto outros profissionais se assustavam, principalmente quando a

aluna apresentava duas ou mais convulsões em apenas uma tarde, seguidas de nítido

cansaço, e sono. Para conter as convulsões, a aluna era medicada com drogas pesadas, que

também afetavam sua interação na escola. Após o contato da família com um grupo de

mães de crianças com SRA, via rede social internacional, descobriram um aparelho

chamado VNS (Terapia VNS), possível solução para controlar as constantes convulsões. O

aparelho contém três eletrodos que ficam presos no nervo vago localizado no pescoço.

Uma bateria também é implantada no corpo, onde uma pessoa com um imã semelhante a

um relógio pode enviar estímulos para o cérebro com a finalidade de organizar os

neurônios. Segundo a família, o tempo de adaptação e resposta do aparelho pode levar de

quatro meses a dois anos. Após a cirurgia para implante do aparelho VNS, as convulsões

diminuíram gradativamente, mas não a ponto de Sofia não tê-las mais. Elas continuaram,

mas fora do horário das aulas.

Page 7: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

528

A aluna foi acompanhada por uma Terapeuta Ocupacional, contratada pela família para

atuar na escola, sendo suas orientações importantes para as mediadoras, acerca de cuidados

especiais com a postura, alimentação e uso de placas de comunicação com a aluna já que a

mesma não adquiriu a fala e tem dificuldades para controle do corpo. É esperado que uma

criança com Síndrome de Rett Atípica tenha déficit motor, linguístico e cognitivo.

A terapeuta em determinado período alertou sobre o espaço não adequado para a aluna. A

primeira escola possuía cinco andares, sem rampas ou elevadores. Mãe e mediadoras

comunicaram a escola sobre as dificuldades enfrentadas para subir até o 5º andar com a

aluna nos braços. As mediadoras utilizavam uma pochete ou panos, que com o tempo

começaram a ser prejudiciais à saúde das mesmas, pelo peso excessivo nos braços,

sobrecarregando a coluna.

DESENVOLVIMENTO

As observações ocorreram em sala de aula. O procedimento habitual consistia de uma

rotina: receber Sofia na escola, permanecer com ela em sala de aula, buscando cumprir as

tarefas.

Na turma de educação infantil da primeira escola, a turma era composta por quinze

crianças, compondo a turma professora e auxiliar de turma. Haviam duas atividades

dirigidas por dia, música, inglês, lanche coletivo e um passeio semanal.

Referente à inclusão, as crianças da turma faziam questão da presença de Sofia nas

brincadeiras e rodas. Muito bem recebida, alguns amigos gostavam de contar histórias para

ela e também se ofereceiam para colocar o nome de Sofia na “chamadinha” (painel colado

na parede da sala, onde os alunos encaixam os nomes dos presentes e ausentes). A aluna

era querida até mesmo por crianças de outras turmas.

Durante os estudos realizados por mediadoras e docente na universidade, baseados nos

relatórios das práticas de mediação, leituras sobre o tema, além de conversas com os pais

de Sofia, foram apontados problemas de acessibilidade e falta de preparo da escola para

Page 8: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

529

receber alunos com NEEs, tanto em relação à acessibilidade quanto a orientação do

trabalho do professor e mediador. A escola não mostrou interesse em acompanhar de fato o

processo de desenvolvimento de Sofia, pois as esporádicas reuniões com psicóloga escolar

e coordenadora pedagógica aconteciam, mas as mudanças combinadas não aconteciam. Os

pais ressaltaram que as despesas com escola e mediadoras eram altos. Conclui-se que o

retorno dado pela escola, não correspondia às expectativas da família de Sofia.

Próximo ao fim do ano, uma nova alternativa surgiu: a matrícula da aluna em escola de

educação infantil pública. Uma das mediadoras explicitou sua experiência anterior com

mediação escolar na rede, destacada como positiva com alunos com transtorno global do

desenvolvimento. Relatos de algumas mães de alunos matriculados na escola municipal

também fizeram com que os pais de Sofia decidissem por fazer uma experiência na escola

próxima a residência da família.

RESULTADOS

Os resultados obtidos através de análise do processo de inclusão de Sofia nos dois

contextos escolares serão ilustrados em categorias, nas duas escolas. Resultados obtidos na

escola atual são parciais, pois a aluna encontra-se em fase de adaptação.

(1) Acessibilidade

As dificuldades nesse tópico relatadas sobre a primeira escola incluíam falta de rampas ou

elevadores, escadas estreitas, salas pequenas com cadeiras inadequadas. Por diversas vezes

foram encontradas cadeiras que não davam segurança, com pés instáveis. Logo, a escola

não se encontrava adequada para receber a aluna com SRA.

A atual escola possui apenas dois andares e a sala onde Sofia estuda fica no térreo, o que

facilita a locomoção da aluna. A escola concedeu à aluna, através de pedido à Secretaria de

Educação, uma cadeira de rodas específica para a sua locomoção e realização de atividades

dirigidas.

Page 9: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

530

(2) Encontrando novos amigos

Ao chegar à nova escola, os pais de Sofia ficaram receosos quanto ao novo ambiente e o

primeiro contato com outras crianças. Havia grande interação entre as crianças na primeira

escola, sendo inclusive um fator que contribuiu para o impasse em tirá-la ou não da escola.

Ao chegar à escola nova, Sofia foi bem recebida pelas crianças, que sempre a procuram

para participar das atividades coletivas. Logo, em relação à participação e interação social,

Sofia foi incluída em ambas as escolas.

(3) Convulsões

As convulsões diminuíram após a Terapia VNS, porém, ainda não se conseguiu o controle

total (ausência). Na primeira escola, a direção não chegou a se opor à presença da aluna

após as convulsões, deixando a família à vontade quanto a entrada e saída da mesma, caso

precisassem. Na segunda escola, na fase de adaptação, não permitiram a permanência da

aluna após as convulsões, por orientações da Coordenadoria Regional de Educação.

Segundo eles, a aluna poderia falecer durante as crises. A família precisou apresentar um

laudo médico, atestando que Sofia poderia frequentar a escola, mesmo após as crises, e que

não teria riscos maiores por estar no ambiente escolar.

(4) Mediação Escolar

Com a saída de Sofia da primeira escola infantil, precisou-se escolher outra mediadora,

devido ao horário diferenciado das escolas municipais. A família avaliou positivamente, o

fato da Secretaria de Educação ter considerado a indicação dos pais por uma mediadora

que eles já conheciam. Logo, foi possível, antes de assumir a função de mediadora, a

discente de Pedagogia conhecer o histórico da aluna, as experiências na escola anterior e o

blog da aluna, onde através da mãe e mediadoras, foram publicados relatos do dia-a-dia na

escola e as terapias. A mediação escolar que anteriormente era financiada pela família,

passou a ser vinculada à Secretaria de Educação, onde é oferecido além da bolsa, auxilio

transporte.

Page 10: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

531

A mediação escolar realizada na escola de educação infantil particular foi considerada

como regular no ponto de vista das mediadoras. Havia liberdade de se pensar em

estratégias para a inclusão, mas não houve apoio da escola. Todo o processo de pesquisa,

leitura específica partiu das mediadoras, família e docente da Faculdade de Educação da

UFRJ. Os resultados sobre a mediação de Sofia são parciais, pois se pretende investigar,

que tipo de acompanhamento é concedido ao estudante de pedagogia enquanto mediador

escolar na escola municipal em que a aluna está matriculada.

(5) O Blog como expressão da inclusão

Desde o ano de 2011, a mãe de Sofia administra um blog, contanto história e experiências

na escola, terapias, viagens e novas descobertas da ciência para o avanço da qualidade de

vida de crianças com Síndrome de Rett Atípica. No ano de 2012, as mediadoras da aluna,

também começaram a publicar seus relatórios mensais no blog sobre atividades culturais e

artísticas. O endereço do blog da aluna é: http://sofialangenbach.blogspot.com

CONCLUSÕES

O fato de ter migrado para o ensino público contribuiu para que mais estratégias de

inclusão pudessem ser realizadas no interior da escola. A aluna ingressou em uma rede

que, mesmo com uma quantidade significativa de alunos incluídos em salas regulares, não

havia recebido nenhum caso de SRA, o que dificultou inicialmente o processo de inclusão,

diante de incertezas dos profissionais da Unidade Escolar. Ao finalizar este trabalho, a

família informou às autoras que foi agendado para Sofia o Atendimento Educacional

Especializado no contraturno, o que só reforça a tese de que ter experimentado uma nova

possibilidade educacional, em escola pública, gerou bem estar à criança, melhor

acompanhamento aos pais e mediadora. Esta pesquisa terá continuidade, buscando

investigar o AEE.

É importante destacar que em práticas ditas inclusivas nem sempre as mesmas ocorrem e

que o papel da universidade participando no processo, contribui para implementá-las. A

parceria família - Universidade e o vínculo constante a fim de obter respostas educativas,

Page 11: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

532

neste estudo de caso, evidenciou a escassez de material de apoio, a falta de conhecimento

sobre quem é o mediador escolar e principalmente sobre e orientação do trabalho de

mediadores escolares. Neste contexto, a universidade exerceu um papel fundamental de

orientação e de formação, contribuindo não somente para a iniciação científica de alunos

da Faculdade de Educação, mas para uma efetiva inclusão.

REFERÊNCIAS

BRAGA, A.M. de L.; KELMAN, C.A.; SENNA, M.; NASCIMENTO, T.M.F. do. Mediação semiótica no desenvolvimento e educação de criança com Síndrome de RETT. Comunicação apresentada e publicada nos Anais do V Congresso Brasileiro de Educação Especial. UFSCar, 2012, ISSN 1984-2279.

BRASIL. Ministério da Educação. SEESP. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf >. Acesso em 14 de abril de 2013. ______. Ministério da Educação. CNE/CEB. Resolução nº 2 de 11 de setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf >. Acesso em 14 de abril de 2013. FRANÇA, T.M; KELMAN, C.A. O aluno de Pedagogia como mediador escolar: desafios enfrentados. Comunicação apresentada e publicada nos Anais do V Congresso Brasileiro de Educação Especial. UFSCar, 2012, ISSN 1984-2279.

GOFFREDO, V.R.F.S; KELMAN, C.A. Programa de capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental. Educação Especial. Caderno de estudo. MEC/SEESP, Brasilia: 1998. KELMAN, C.A.; FARIA, C.B. Mães de surdos e suas percepções. In: MANZINI, E. J. (Org.) Inclusão do aluno com deficiência na escola: os desafios continuam.Marília: ABPEE/FAPESP, 2007. P. 187-200.

LUDKE M, ANDRÉ M.E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, SP: EPU,1986.

MENDES, E. G. Perspectivas para a construção da escola inclusiva no Brasil. In: PALHARES, M. S.; MARINS, S. C. F. (Org.) Escola Inclusiva. São Carlos: Ed UFSCar, 2002. MOUSINHO, R. ; SCHMIDT, E. ; MESQUITA, F. ; PEREIRA, J. ; MENDES, L. ; Sholl, Renata ; NOBREGA, V. . Mediação Escolar: revisão, dicas e reflexões. Psicopedagogia. São Paulo, v. 82, p. 92-108, 2010.

NEVES, C.D. LDB: Lei de diretrizes e bases da educação esquematizada. Rio de Janeiro: Ed. Ferreira, 2010.

Page 12: AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA … AMBIVALÊNCIAS NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CASO DE SÍNDROME DE RETT Thays Marcely …

533

PELOSI, M.B; NUNES, L.R.O.P. Caracterização dos professores itinerantes, suas ações na área de tecnologia assistiva e seu papel como agente de inclusão escolar. Revista Brasileira de Educação Especial, vol. 15, n.1. Marília: 2009, p.141-154. STELMACHUK, A.C.L; MAZZOTTA, M.J.S. In: Rev. Educ. Espec., Santa Maria, v.25, n. 43, p. 185-202, maio/ago. 2012. Disponível em: <http://www.ufsm.br/revistaeducacaoespecial> Acesso em: 14 de abril de 2013.

VARELA, D. Síndrome de Rett. 2006. Disponível em: <http://drauziovarella.com.br/doencas-e-sintomas/sindrome-de-rett/>, acesso em 14/04/2013..